Cultura informacional

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Maria Aparecida MouraOrganizadora

Cultura informacional e liderana comunitriaconcepes e prticas

Cultura informacional e liderana comunitriaconcepes e prticas

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

ReitorCllio Campolina Diniz

Maria Aparecida MouraOrganizadora

Vice-ReitoraRocksane de Carvalho Norton

Pr-Reitor de ExtensoJoo Antnio de Paula

Pr-Reitora Adjunta de ExtensoMaria das Dores Pimentel Nogueira

Diretoria de Divulgao CientficaSilvania Sousa do Nascimento

Coordenadoria de Incluso de Polticas InformacionaisMaria Aparecida Moura

Cultura informacional e liderana comunitriaconcepes e prticas

Equipe Diretoria de Divulgao Cientfica Tcnicos AdministrativosMaria Accia Tiburcio Llia Maria Assis

EstagiriosAndra Ferreira Souto Bruna Botaro Xavier Luciana Mendes Camargos Raquel Jlia Lopes Thalita Santos Felcio de Almeida

Pr-Reitoria de Extenso PROEX UFMG

2011, A organizadora 2011, Pr-reitoria de Extenso UFMG

Este livro ou parte dele no pode ser reproduzido por qualquer meio sem autorizao escrita do Editor.

Capa e projeto grficoPriscila Justina

Imagem de capa e mioloFoca Lisboa

Preparao de originaisEduardo Soares

DiagramaoPriscila Justina

Apresentao

Reviso de provasEduardo Soares Tiago Garcias

A Diretoria de Divulgao Cientfica tem o prazer de dar incio sua linha editorial, que tem por objetivo fortalecer e potencializar a comunicao entre a Universidade e a sociedade. Na srie Dilogos pretendemos sedimentar e ampliar a parceria entre a Universidade e os demais setores da sociedade por meio da tematizao de questes contemporneas de uma perspectiva transdisciplinar. Nesse primeiro livro da srie buscamos elencar questes tericas e prticas que possam contribuir para o fortalecimento e para a atualizao da infraestrutura dos movimentos sociais atravs da formao de seus lderes. Boa leitura! Silvania Sousa do Nascimento Diretora de Divulgao Cientfica da UFMG

Editorao de CD-RomPedro Peixoto Thalita Felcio

M929c

Moura, Maria Aparecida

Cultura informacional e liderana comunitria: concepes e prticas/ Maria Aparecida Moura (Org.). - Belo Horizonte: UFMG / PROEX, 2011. 150 p.: il. (Dilogos, 1) ISBN: 978-85-88221-28-4 Contm CD-Rom em anexo. 1. Cultura informacional 2. Informao e cidadania 3. Cultura digital I. Ttulo CDD: 306.42 CDU: 316.74:001

Pr-reitoria de Extenso UFMG Av. Antnio Carlos, 6627 Campus Pampulha Prdio da Reitoria, 6. andar, Belo Horizonte MG Fones: 3409-4070 / 3409-4073 Fax: 3409-4068 e-mail: [email protected]

Sumrio

Agradecimentos

Prefcio Introduo

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Agradeo, antes de tudo, o apoio e a confiana da Pr-Reitoria de Extenso da UFMG que, ao propor a criao da Coordenadoria de Polticas de Incluso Informacional articulada Diretoria de Divulgao Cientfica, permitiu que o dilogo entre a Universidade e a Sociedade pudesse se estabelecer de modo mais efetivo, e que a agenda de questes acadmicas pudesse contemplar a formao de lideranas comunitrias. Agradeo Professora Silvania Sousa do Nascimento, Diretora de Divulgao Cientfica, cujo entusiasmo e estmulo tornaram possvel o desenvolvimento deste trabalho. Agradeo tambm equipe de autores que se prontificaram a contribuir com questes e temticas inovadoras e atuais na articulao de uma proposta de formao humana fundada no dilogo com as questes sociais de nosso tempo.

INFORMAO PARA O EXERCCIO DA CIDADANIA Informao e cidadania: conceitos e saberes necessrios aoAlcenir Soares dos Reis Alberth SantAna da Silva Rogrio Lus Massensini

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Direitos e participao socialMaria Guiomar da Cunha Frota

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Juventude e participaoClaudia Mayorga

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Responsabilidade social: as ONGs e o terceiro setor no apoio culturaDbora de Carvalho Pereira

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Organizaes de defesa do cidadoDenise Catarina Silva Mangue

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A defesa do direito do consumidorMaria Aparecida Moura Sandra Maria Silveira Isabella Brito Alves

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Sites e blogs: definio, conceitos e passo a passoAna Paula Bossler Pedro Zany Caldeira Diego Venturelli

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CULTURA INFORMACIONAL E DIGITAL Cultura informacional, redes sociais e lideranas comunitrias: uma parceria necessriaMaria Aparecida Moura

Enciclopdias digitais colaborativasTelma Johnson

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Vdeos na rede: os canais de distribuio de vdeos na webJuliana de Assis Rubeniki Fernandes de Limas

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Leitura e memria: convergncias em torno de uma harmonia ocultaFabrcio Jos Nascimento da Silveira

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Redes sociais e o acesso pblico ao cinema brasileiro 65Cynthia Zaniratti

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Informao e mediao: lutas pela significao do realAna Amlia Lage Martins

Os fluxos informacionais nos dispositivos mveisCamila Mantovani Gergia Dantas

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Informao utilitria: definio, uso e perspectivasLetcia Alves Vieira

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AVALIAO E GESTO DE PROJETOS 75 Cidadania cultural, polticas pblicas e a autonomia dos projetos culturais comunitriosMaria Aparecida Moura

Bibliotecas comunitrias e espaos pblicos de informaoRoger de Miranda Guedes

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Informatizao e software para bibliotecas comunitriasLorena Tavares de Paula

81

Gesto de projetos culturais para a formao de lderes comunitriosPaula Ziviani Valria Amorim

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Produsage, a lgica do usurio antropofgicoJoana Ziller

87

Lies de esperana: a construo participativa dos projetos sociaisMaria Aparecida Moura

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Comunidades colaborativas online. Voc faz parte de qual rede social?Luciana Zenha Cordeiro Ramon Orlando de Souza Flauzino Silvania Sousa do Nascimento

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PrefcioJoo Antonio de PaulaPr-Reitor de Extenso novembro de 2010

Uma das conquistas mais significativas dos estudos literrios no sculo 20 foi a chamada Teoria da Recepo, que significa reconhecer a importncia do leitor para a plena concretizao do processo literrio, ao lado do autor e da obra. As implicaes e o significado dessa valorizao da recepo, isto , da presena insubstituvel do leitor como instncia validadora e atribuidora de sentido obra literria, devem ser vistas como indo alm do fenmeno literrio, constituindo-se, de fato, como resultados de exigncias democrticas, que se pem hoje em variados campos da vida social, cujo sentido maior a afirmao do protagonismo dos sujeitos reconhecidos em seus direitos sociais, econmicos, polticos, culturais, ambientais, entre outros. Fala-se que o nosso tempo est assistindo ao surgimento de uma terceira gerao de direitos depois dos direitos individuais, tpicos das revolues burguesas, e dos direitos sociais coletivos, resultantes do avano democrtico. Trata-se, agora, da existncia de direitos difusos, como o direito ambiental e o direito informao, por exemplo, que expressam a afirmao de um alargamento e aprofundamento da cidadania que, definitivamente, desbordou os limites dos direitos individuais para colocar em pauta direitos que s podem ser, efetivamente, exercidos coletiva e cooperativamente, como o caso do direito informao no contexto de processos cada vez mais socializados de produo, circulao e apropriao de bens simblicos. Com efeito, o que se assiste hoje a uma pluralizao e complexificao, em todas as instncias, do sistema cultural no sentido em que tanto os produtores, quanto os veculos e os consumidores de bens simblicos, esto agora interconectados em redes que virtualmente fazem desaparecer a separao entre produzir e consumir esses bens na medida em que os veculos, que antes estabeleciam a separao entre produo e consumo de signos, no tempo e no espao, esto agora interconectados em tempo real propiciando a construo coletiva e imediata de obras, que assim deixam de ser o produto da ao de um outro, distanciado no tempo e no espao, para ser o resultado da ao cooperativa e de um sujeito coletivo permanentemente em transformao.

Esse processo de efetiva generalizao da capacidade autoral, essa radical diluio da aura que validava e qualificava as obras como produtos de autores singulares, reconhecidos e acreditados, trouxeram novos desafios e complexidades para a vida cultural contempornea confrontada agora com a ausncia de um critrio validador a priori da obra, dado pelo prestgio aurtico de seu autor. Quando, em 1936, Walter Benjamin escreveu A obra de arte na era de sua reprodutibilidade tcnica, ele havia identificado uma tenso dialtica entre a efetiva democratizao do acesso ao patrimnio cultural da humanidade, resultante do avano das tcnicas de reproduo em massa de bens simblicos, e a perda da aura que isso implicava na medida em que desaparecia a unicidade da obra de arte, sua insubstituvel capacidade de suscitar emoo esttica exatamente porque nica, inigualvel em sua singularidade, termo de um itinerrio em que entre o artista e o mundo que ele transfigura h, de fato, um vislumbre de possibilidade emancipatria. Desde ento e, sobretudo, nos ltimos tempos, com a revoluo das tecnologias de informao e comunicao, mas tambm com a firme e ampliada pauta de exigncias democrticas, as implicaes, nem de longe lineares e isentas de contradies, das verses digitais da perda da aura ganharam uma centralidade na vida contempornea que vai alm da dimenso comunicativa incidindo sobre os modos de produo e reproduo material, sobre a sociabilidade e a sensibilidade contemporneas. Nossa poca, ao fazer de todos e cada um sujeitos plenamente capazes de exercitarem suas capacidades simblicas, exige uma nova pedagogia que, recuperando o seu sentido clssico, seja uma pedagogia para uma cidadania expandida, que no se contentar com menos que a plena realizao da liberdade emancipadora. esse o registro e a motivao do grupo que, sob a coordenao das professoras Maria Aparecida Moura e Silvnia Nascimento, est lanando o livro que se vai ler e que confirma os compromissos de nossa Universidade, a UFMG, com uma educao que emancipa.

Introduo

A histria anda sobre dois ps: o da liberdade e o da necessidade. Joseph Ki-Zerbo

Este livro nasceu da necessidade e do compromisso da UFMG em articular, de uma perspectiva transdisciplinar coerente, os saberes populares e os conhecimentos produzidos em contextos acadmicos tendo como princpio fundamental contribuir na criao das bases para o fortalecimento e a autonomia dos projetos e iniciativas comunitrias. Nesse sentido, o principal desafio foi o de estabelecer interfaces entre concepes e prticas que habitualmente encontram-se cindidas, pois acreditamos que no deve haver barreiras intransponveis entre as inovaes tecnolgicas adotadas na circulao mundial de fluxos informacionais de bens e servios e as prticas comunitrias de apropriao social da informao e do conhecimento. Assim, apresentamos como alternativa possvel o fortalecimento e a autonomia das lideranas comunitrias atravs do uso consciente da informao e dos dispositivos tecnolgicos contemporneos. Em um tempo em que somos rastreados e monitorados pelos infinitos vestgios que deixamos no contexto informacional em rede, torna-se imprescindvel incorporarmos criticamente esses novos mecanismos em prol de nossa sobrevivncia como sujeitos sociais coletivos. O fenmeno da digitalizao da informao associado s telecomunicaes e aos processos de globalizao da economia tornaram possveis a mobilidade e a circulao irrestrita de ideias e bens em escala planetria e incidiram, de maneira expressiva, sobre os processos de formao humana na atualidade. Contudo, embora haja certo consenso em torno dos impactos ou mesmo dos benefcios trazidos, no que concerne acessibilidade, ainda enorme o fosso existente entre a comunidade virtual e os excludos tecno-informacionais. Compreende-se, assim, que a incluso digital representa, para o protagonismo dos sujeitos sociais no contexto da sociedade da informao, um operador importante, mas no suficiente. Em virtude disso, busca-se na formao humana, desenvolvida a partir da conexo de saberes acadmicos e populares, criar os elementos necessrios participao comunitria na Sociedade da Informao e do Conhecimento e nos desdobramentos dela decorrentes de uma perspectiva mais equitativa e menos contingente.

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O livro est organizado em trs sees. Na primeira seo, Informao para o exerccio da cidadania, so apresentados textos que tomam a informao como um fenmeno social imprescindvel conscientizao e defesa dos direitos humanos. Na seo Cultura informacional e digital apresentam-se os aspectos tericos e prticos da interface cultura informacional X dispositivos tecnolgicos contemporneos, e problematizam-se os desafios de torn-los viveis no cotidiano das prticas comunitrias. Na ltima seo, Avaliao, elaborao e gesto de projetos apresentam-se os princpios que orientam os projetos sociais, culturais e educativos do ponto de vista da gesto participativa das organizaes comunitrias. A Coordenadoria de Polticas de Incluso Informacional (CPINFO/UFMG) espera, atravs desta publicao e de seus provveis desdobramentos, contribuir de modo efetivo nos processos de formao humana orientados autonomia esclarecida das organizaes comunitrias e de suas lideranas. Maria Aparecida Moura Coordenadoria de Polticas de Incluso Informacional - CPINFO

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Informaoparao exercciodacidadania

Informaoecidadania: conceitosesaberesnecessriosaoAlcenir Soares dos Reis Alberth SantAna da Silva Rogrio Lus Massensini

Situando os conceitos Na vida cotidiana ouvimos de forma recorrente o discurso no qual se d nfase necessidade de se obter e ter informao bem como relevncia de garantir nossos direitos atravs do exerccio da cidadania. Se na linguagem corrente estes conceitos aparecem de forma simplificada, traduzindo aes que devemos efetivar na nossa prtica social, eles tm uma complexidade e uma histria que merecem ser relembrados. Assim, ao colocarmos como elementos centrais da vida cotidiana informao e cidadania, preciso esclarecer o que estamos assinalando com esses termos. Vejamos: Informao: representa a forma atravs da qual buscamos saber sobre a realidade de que participamos e ao faz-lo temos como objetivo nos apropriarmos dos diferentes aspectos que nos circundam, estando includos neste processo tanto a busca de respostas para questes extremamente simples como tomar uma conduo para ir do bairro x ao bairro y, bem como aspectos de maior dificuldade/complexidade, ou seja, no sentido de ir alm do cotidiano, de forma a responder indagaes sobre a histria da sociedade, os processos de produo da vida, o lugar e o papel do homem no mundo, dentre outros. Da que obter/ter informao uma prtica social e implica em uma atitude e ao do sujeito, visando responder seus questionamentos e indagaes a fim de se situar no mundo, podendo, por seu posicionamento, contribuir para manter ou produzir mudana no contexto da sociedade. Porm, informao, desta forma que estamos colocando, pertence ao campo cientfico da Cincia da Informao e na tica que se apresenta neste texto a designamos por informao social. Esclarecendo, vale colocar que esta nomeao informao social significa que a compreendemos como um produto social, resultado das relaes entre os homens em um contexto histrico-poltico e cultural, fato que a faz refletir os interesses, as contradies, a ideologia e os limites histricos da sociedade.

necessrio ainda acrescentar que pertencendo ao campo da Cincia da Informao ela carrega uma especificidade que a distingue de outros campos cientficos que a tm como problema terico e de pesquisa; assim, no campo da Cincia da Informao, o cerne de sua ao, enquanto rea de estudo, pesquisa e trabalho se concretiza nos processos de captar, organizar, tratar, analisar e disseminar a informao. Entretanto, preciso fazer as seguintes delimitaes: a informao constitui um processo importante para as diferentes situaes da sociedade, notadamente na educao e no processo de produo do conhecimento. Porm, ela por si s no realiza o trabalho que deve ser exercido pelo sujeito, ou seja, apreend-la, analis-la e atravs de sua reflexo transform-la em conhecimento para o exerccio de sua ao. Desta forma, se a informao compreendida conforme acima indicado, vale prosseguir trazendo para esta discusso o conceito de cidadania. Cidadania: uma viso retrospectiva Iniciemos pela viso mais difundida ou como o conceito de cidadania utilizado para falarmos das questes da sociedade. De forma ampla coloca-se sempre que precisamos exercer nossa cidadania, que necessrio conquist-la ou que ela se restringe a um grupo de pessoas colocadas socialmente em situao de riqueza, mando e poder. Esta, porm, uma das faces da questo. Concretamente preciso pensar o que ser cidado. Vamos recuperar de onde vem a palavra; vamos ver suas razes. Vejamos como apontado nos dicionrios:1.

O elemento social se refere a tudo o que vai desde o direito a um mnimo de bem-estar econmico e segurana, ao direito de participar, por completo, na herana social e levar a vida de um ser civilizado de acordo com os padres que prevalecem na sociedade. As instituies mais intimamente ligadas com ele so o sistema educacional e os servios sociais.3

3. MARSHALL.Cidadaniae classesocial,p.63-64.

Entretanto, se a cidadania no contexto da Inglaterra se realiza por um processo gradativo, a anlise evidencia tambm que a obteno da mesma decorre de lutas e reivindicaes, tornandose patente que ela deve ser conquistada e no se dar por concesso. Assim, se no contexto da Inglaterra h o processo descrito por Marshall (1967), necessrio identificar como ocorre no contexto brasileiro, haja vista as diferenas temporais e de realidade entre as situaes. Concretamente, h diferentes autores que tratam da cidadania, e no caso brasileiro vale destacar Santos (1979), DaMatta (1983, 1992) e Carvalho (1989, 1992, 1995). Porm neste captulo tomaremos como base Carvalho (1995) e atravs de sua anlise vamos apresentar as principais etapas deste processo. Iniciemos por explicitar que os direitos de cidadania no Brasil se constituram de acordo com a seguinte ordem: direitos polticos, civis e sociais e que cada um deles se efetivou em conjunturas sociais especficas. Prosseguindo, vamos identificar as etapas de desenvolvimento da cidadania a partir do autor acima citado, conforme apresentado no livro Desenvolvimiento de la ciudadana en Brasil. Sua anlise aponta as seguintes etapas: o primeiro momento localiza-se no perodo de 1822-1930, que o autor nomeia de Lento despertar da cidadania, e a identifica por cidadania negativa; o segundo corresponde ao perodo de 1930-1964: Desigual avano dos direitos, nomeada como cidadania incompleta, falseada e o terceiro perodo, de 1964-1994: Retrocesso, reconquista e expanso dos direitos, cidadania na encruzilhada marcada pelas relaes dialticas entre restrio aos direitos civis e polticos e de concesso aos direitos sociais. O material complementar servir para enriquecer esta discusso. Entretanto, oportuno esclarecer: a cidadania negativa se explica pela ausncia do povo da cena poltica e em razo deste se apresentar apenas em situaes de confronto, face s arbitrariedades do Estado; quanto cidadania incompleta, falseada explicada pelo fato de que no s o perodo a que corresponde representa uma mudana significativa na histria brasileira no plano social, econmico e poltico, quanto pela concesso de direitos sociais e restries aos direitos civis e polticos; identifica-se ainda como falseada, pois no universaliza os direitos para todos os trabalhadores. Vale esclarecer que a cidadania na encruzilhada refere-se ao perodo de 1964-1994 e corresponde a situaes extremamente contraditrias da vida nacional. Nele se encontram presentes um regime ditatorial, com restries de direitos e liberdades, uma forte nfase no desenvolvimento econmico sob a gide do Estado e ainda, contraditoriamente, um processo de mobilizao e articulao da sociedade civil. Porm, o referido perodo, sob controle ditatorial, por seu poder coercitivo imps o silncio e o medo, cassou direitos civis e polticos e ampliou os direitos sociais para garantir legitimidade, alm de conseguir esvaziar, durante certo tempo, os processos de mobilizao.

PIMENTA.Dicionrio brasileiro de poltica.

2.

HOUAISS.Dicionrio Houaiss da lngua portuguesa.

Cidadania em latim civitas; de que se originou cidade, conjunto de seus habitantes, os civis; cidado.1 Complementando, vale indicar tambm as formulaes de Houaiss (2001): cidado: 1. habitante da cidade; 2. indivduo que como membro de um Estado usufrui dos direitos civis e polticos garantidos pelo mesmo Estado e desempenha os deveres que nesta condio lhe so atribudos.2 Entretanto oportuno identificar como se deu ao longo da histria o desenvolvimento da cidadania. Para tanto vamos recorrer a Marshall (1967), um autor considerado clssico nessa discusso, que, discorrendo sobre a cidadania na Inglaterra explicita que naquele contexto sua constituio se deu de forma gradativa e processual, sendo composta de trs partes civil, poltica e social , apresentando-se com os seguintes significados:[...] O elemento civil composto dos direitos necessrios liberdade individual liberdade de ir e vir, liberdade de imprensa, pensamento e f, o direito propriedade e de concluir contratos vlidos e o direito justia. Este ltimo difere dos outros porque o direito de defender e afirmar todos os direitos em termos de igualdade com os outros e pelo devido encaminhamento processual. [...] Por elemento poltico se deve entender o direito de participar no exerccio do poder poltico, como um membro de um organismo investido da autoridade poltica ou como um eleitor dos membros de tal organismo. As instituies correspondentes so o parlamento e conselhos do Governo local. [...]

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Entretanto os processos repressivos no atuaram de maneira uniforme, havendo na realidade um longo processo de luta para a reconquista dos direitos. De acordo com os argumentos de Carvalho (1995), apesar das contradies no que se refere aos direitos civis e o progresso dos direitos sociais, instaura-se uma nova tica para a questo da cidadania. O termo cidado ganha conotao positiva incorporando-se ao linguajar corrente e se institui em 1988 a Constituio Cidad, que inova e amplia de forma significativa o mbito dos direitos. Porm, mesmo com as garantias constitucionais, ainda precisamos avanar para que eles se concretizem no contexto da vida diria de cada brasileiro. Ressalva-se, porm, que tal processo no se realiza por doao, mas por intermdio da conscincia, articulao e reivindicao de nossos direitos. Dentro deste prisma, informao e cidadania so aportes importantes para o exerccio da ao. Experincias cidads: os caminhos da ao informacionalMulheres-mes e o percurso informacional

contnuo de profissionais de diversas reas como: neurologia, pediatria, ortopedia, fisioterapia, terapia ocupacional, fonoaudiologia, nutrio, dentre outras. Para tanto, elas tentam conseguir, insistentemente, uma vaga nas instituies tidas como referncias pelos profissionais e pelas demais pessoas do convvio familiar. Ao fazerem essa insero nas instituies, essas mulheres se deparam com a realidade de outras mes que tm o anseio e a expectativa de que os filhos melhorem.Assimilao e interiorizao da condio de sade do filho

A dimenso de assimilao e de interiorizao da condio de sade dos filhos certamente construda pelas interaes estabelecidas entre as mes, a equipe tcnica e tambm por intermdio das trocas de experincias e de vivncias entre as prprias mes que se encontram nos espaos e horrios de atendimentos institucionais. Porm, com o passar do tempo, as mes adquirem uma compreenso de que os resultados do desenvolvimento da criana so gradativos, dentro de uma lgica de limitaes e de possibilidades.Aceitao e superao das dificuldades

Ao voltarmos a nossa ateno para a realidade de inmeras mes cujos filhos tm paralisia cerebral, possvel evidenciar que a informao exerce um importante papel no contexto de suas vidas. Elas so as principais cuidadoras dos filhos e as protagonistas na busca pelo entendimento do problema de sade de suas crianas e se esforam, de forma significativa, para obterem orientaes e alternativas capazes de amenizar ou de solucionar essa questo. Nesse sentido, podemos nomear a mobilizao dessas mulheres-mes pela busca de conhecimento como um percurso informacional, que se efetiva conforme as seguintes etapas: 1) conscientizao do diagnstico da criana; 2) investimento em programas de reabilitao nas instituies especializadas; 3) assimilao e interiorizao da condio de sade do filho; 4) aceitao e superao das dificuldades. Vejamos, assim, os pontos centrais que esto presentes em cada uma dessas etapas.Conscientizao do diagnstico da criana

Encontra-se presente na situao vivenciada pelas mes um processo de frustrao pela perda do filho idealizado e um posicionamento que revela um amor incondicional. Assim, essas mes so capazes de superar esta realidade e vivenciam uma aceitao que promove o reconhecimento das deficincias oriundas da paralisia cerebral. Ao mesmo tempo, elas perseveram na luta pela minimizao dessas limitaes com o objetivo de assegurar as condies necessrias para o desenvolvimento, a autonomia, a independncia e a incluso social de seus filhos. Cabe enfatizar, no percurso informacional apresentado, um significativo processo de aprendizagem, por parte das mes, que est presente em todas as etapas. Dessa forma, elas vo construindo uma habilidade de driblar os obstculos presentes nas diferentes situaes: a falta de assistncia do companheiro/pai da criana, a escassez de recursos financeiros, as barreiras arquitetnicas, a inexistncia de acessibilidade aos transportes coletivos pblicos, o preconceito e a discriminao da sociedade e dos prprios membros da famlia. Logo, preciso destacar que, apesar de todas as dificuldades dirias em termos do tempo das mes, das abdicaes pessoais e profissionais e das exigncias que lhes so feitas para atender s necessidades da criana com paralisia cerebral, a informao se constituiu como um instrumento fundamental no processo de conscientizao da condio de sade do filho. Mediante a informao, as mes puderam assimilar as mltiplas dimenses que o diagnstico de paralisia cerebral provoca na vida da criana, em seu contexto familiar e social, e aprenderam como superar as adversidades e adotar mecanismos e alternativas que promovam a maximizao das potencialidades e das habilidades inerentes de seus filhos. Por fim, fica demonstrado, nas vivncias e nas narrativas maternas, que a informao possui um valor crucial, pois as mes, ao apreend-la, submeteram-na a um processo de anlise e reflexo. Como resultado desse processo de construo de conhecimento, a informao promoveu uma

importante considerar que, independente das circunstncias nas quais pode ocorrer a paralisia cerebral (pr, peri, ou ps-natal), as mulheres-mes, a fim de compreenderem as causas que explicam esse diagnstico, procuram informaes e esclarecimentos principalmente com os especialistas da rea da sade. Nessa primeira fase, instauram-se, dentre os diferentes sentimentos, a frustrao pela perda do filho idealizado e, em muitos casos, o desequilbrio emocional, que pode se tornar efetivo no ncleo familiar.Investimento em programas de reabilitao nas instituies especializadas

A obteno das informaes e dos esclarecimentos conduz as mes a um processo de entendimento de que a condio de sade apresentada pelas crianas poder requerer um acompanhamento

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transformao social na vida dessas mulheres que empreenderam diferentes e mltiplas aes e, portanto, efetivaram uma batalha diria e intransigente pela promoo, defesa e garantia dos direitos de cidadania dos seus filhos.Preparao para o mercado de trabalho em telecentros incluso digital

Os cursos ministrados em telecentros, como o Centro Vocacional Tecnolgico Henfil, em Ribeiro das Neves, na Regio Metropolitana de Belo Horizonte, so entendidos como espao importante na preparao para se conquistar um emprego no mercado de trabalho, pois os cursos de introduo informtica, digitao, Internet, como tambm telemarketing, auxiliar administrativo e outros aparecem nas exigncias bsicas para muitas vagas de emprego. A busca pela formao para o primeiro emprego, incentivado pela famlia, representada principalmente pela me, apresenta as aspiraes profissionais e educativas que esses indivduos, marginalizados em municpios como Ribeiro das Neves, tm para transformar a sua realidade social, deixando para trs histrias de violncia domstica e urbana, drogas, entre outras condies adversas. Desse modo, os telecentros tornam-se espao de formao do sujeito e de desenvolvimento do letramento informacional, que considera os nveis de acesso infraestrutura, ao equipamento, ao treinamento, capacitao e ao uso crtico da informao, importante ferramenta que contribui para o avano da comunidade local e para a sociedade como produtores de cultura informacional.

Informao e cidadania so termos que se complementam e ambos dizem respeito possibilidade de exercer sua funo de cidado, medida que o sujeito est no gozo de seus direitos civis, polticos e sociais. Para tanto, o sujeito na qualidade de cidado precisa ter acesso educao, sade, moradia, alimentao, ao emprego, ao transporte, entre outros servios bsicos necessrios a uma vida digna, como tambm possuir acesso informao, que enxergada, na atual sociedade, como pr-requisito para o estado de cidado pleno. J a informao est presente em nossas vidas como resultado de nossas aes dirias e, portanto, visualizada como um produto histrico-social, ou seja, fruto das nossas atividades sociais em nossos contextos histricos, em um determinado tempo e espao. Na atual sociedade h necessidade de sistemas pblicos de formao, que promovam o letramento informacional, pois a transio de muitos servios pblicos para o espao digital, que exige o letramento informacional do indivduo para buscar determinadas informaes no ciberespao, mostra-nos a marginalizao desse indivduo que no possui esse saber. Assim, o letramento informacional corresponde ao processo de ensino-aprendizagem, posto como um dos pr-requisitos e garantia aos direitos civis, polticos e sociais; h ainda a informao, presente nas redes sociais, em que os indivduos iletrados digitalmente ou inaptos para lidar com as informaes disponveis, mas no acessveis, sofrem o impacto de uma sociedade capitalista desigual. Por outro lado, aqueles poucos sujeitos que se fazem aptos a lidar com essas informaes disponveis conseguem agilizar os seus processos e consequentemente participar mais dos direitos que dizem respeito qualidade de cidado. Desse modo, a promoo do letramento informacional, principalmente em espaos pblicos, tornase fundamental para que esses indivduos iletrados digitalmente possam participar de um programa social de incluso, capaz de socializar conhecimentos importantes para a construo da cidadania. Nesse contexto, os telecentros apresentam-se como espaos importantes para transformar a vida das pessoas que neles buscam formao e acesso s informaes necessrias no dia a dia, para a construo da qualidade de cidado. Atualmente existem 100 programas de incluso digital cadastrados junto ao Observatrio Nacional de Incluso Digital, sendo que, desses programas, 75 so pblicos e 25 so sociedade civil. Os programas sociais de incluso digital realizados, em sua maioria, pelo setor pblico federal, estadual e municipal, tm atingido os diversos espaos para promoo da incluso social daqueles que se encontram principalmente em locais carentes de servios pblicos, e o acesso a esses espaos de formao constitui importante contribuio para a prtica dos direitos civis, polticos e sociais, como forma de obteno dos direitos de cidadania.

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RefernciasBRASIL. Constituio (1988): Dos direitos e garantias fundamentais. Braslia: Senado Federal. p. 5-20. CARVALHO, Jos Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2002. CARVALHO, Jos Murilo de. Desenvolvimiento de la ciudadana en Brasil. Trad. Jos Esteban Caldern. Mxico: El Colgio de Mxico. 1995. CARVALHO, Jos Murilo de. Interesses contra a cidadania. In: DAMATTA, Roberto et al. Brasileiro: cidado? So Paulo: Cultura Editores Associados, 1992. p. 87-125. DAMATTA, Roberto. Carnavais, malandros e heris: para uma sociologia do dilema brasileiro. 4. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1983. DAMATTA, Roberto. Um indivduo sem rosto. In: DAMATTA, Roberto et al. Brasileiro: cidado? So Paulo: Cultura Editores Associados, 1992. p. 1-32. HOUAISS, Antnio; VILLAR, Mrio de Sales. Dicionrio Houaiss de lngua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. MARSHALL, Thomas Humphrey. Cidadania e classe social. In: ______. Cidadania, classe social e status. Rio de Janeiro: Zahar, 1967. p. 57-114. PIMENTA, E. Orsi. Dicionrio brasileiro de poltica. Belo Horizonte: L, 1982. SANTOS, Wanderley Guilherme dos. Cidadania e justia: a poltica social na ordem brasileira. Rio de Janeiro: Campus, 1979. Alcenir Soares dos Reis possui graduao em Sociologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (1975), especializao em Sociologia, especializao em Mtodos e Tcnicas de Pesquisa em Cincias Sociais pela Pontifcia Universidade Catlica de Minas Gerais (1990) e doutorado em Educao pela Faculdade de Educao da Universidade Federal de Minas Gerais. professora adjunta desta mesma instituio. Tem como foco de estudos as seguintes temticas: acesso, democratizao e cidadania informacional, informao, educao e memria, polticas pblicas de EAD no Brasil. e-mail: [email protected] Alberth SantAna da Silva possui graduao em Biblioteconomia (2006) e mestrado em Cincia da Informao pela Universidade Federal de Minas Gerais (2009). Na Federao das Apaes do Estado de Minas Gerais, coordenador da Unidade Mineira da Universidade Corporativa da Rede Apae. Seu escopo de estudo abrange as seguintes temticas: acesso, democratizao e cidadania informacional, interlocuo terica-metodolgica da Cincia da Informao com a Cincia da Sade, redes sociais aplicadas aos estudos informacionais e anlise de redes sociais (ARS). e-mail: [email protected] Rogrio Lus Massensini mestre em Cincia da Informao, especialista em Gesto Estratgica da Informao pela Escola de Cincia da Informao (2005) e graduado em Histria pelo Centro Universitrio de Belo Horizonte (2003). Tem experincia na rea de gesto de documentos e informatizao de servios e processos. e-mail: [email protected]

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DireitoseparticipaosocialMaria Guiomar da Cunha Frota

Direitos sociais Direitos sociais so aqueles que visam assegurar uma vida digna para os cidados em termos de suas necessidades bsicas. Esses direitos so relativamente novos, comearam a ser includos nas constituies de vrios pases do mundo a partir do sculo 20, aps as duas grandes guerras mundiais, quando os problemas sociais, a fome e a misria se intensificaram. No Brasil os direitos sociais foram introduzidos nas dcadas de 1930/1940, durante o governo Vargas e no perodo militar ps-1964. Nesses dois perodos o Estado teve um papel central especialmente na introduo e ampliao dos direitos sociais, principalmente dos trabalhadores. Como exemplos podemos citar a criao da Consolidao das Leis do Trabalho (CLT), em 1943, e a extenso do direito previdncia social aos trabalhadores rurais em 1971 (FUNRURAL). Mas se por um lado o Estado introduziu direitos sociais, por outro lado limitava outros direitos do cidado, como o direito participao social, informao e livre expresso de ideias. Durante o regime militar ps-1964 foram decretados os Atos Institucionais, expresso mxima da suspenso de direitos civis e polticos. Conforme Carvalho (2002), o Ato Institucional n 1 cassou, por dez anos, os direitos polticos de intelectuais, parlamentares e sindicalistas, dentre outros, e entidades e sindicatos foram fechados ou sofreram interveno. O Ato Institucional n 2 aboliu as eleies diretas para presidente, estabeleceu o sistema bipartidrio, ampliou o poder do presidente e restringiu os direitos de opinio. E o ato mais repressor, o AI-5, fechou o Congresso, suspendeu o habeas corpus para crimes contra a segurana nacional e determinou que todos os atos decorrentes do AI-5 no seriam apreciados judicialmente.1 Na dcada de 1980, a sociedade ampliou sua atuao realizando um intenso processo de mobilizao pelo fim da ditadura militar, que culminou na Constituio de 1988 com a introduo de novos direitos de cidadania. A nova Constituio tambm criou novas instncias de participao da sociedade no campo das polticas sociais.

1. CARVALHO.Cidadania no Brasil.Olongocaminho.

2.

BRASIL.Constituio (1988).Constituio da Repblica Federativa do Brasil,Artigo6.

A Constituio Brasileira inclui como direitos sociais: a educao, a sade, o trabalho, o lazer, a segurana, a previdncia social, a proteo maternidade e infncia e a assistncia aos desamparados.2 Uma caracterstica muito importante da Constituio que, alm dos direitos sociais essenciais, como a sade e a educao, a mesma inclui a assistncia social como direito do cidado e dever do Estado. O amparo aos pobres, aos velhos, s crianas e aos deficientes no um ato espontneo, uma caridade, mas sim uma obrigao do Estado para com todos os cidados que necessitem de assistncia. Os direitos sociais so considerados essenciais porque o acesso aos mesmos que possibilita ao cidado se desenvolver e ter condies para usufruir plenamente de outros direitos como o de ir e vir e o direito participao poltica. Podemos citar dois exemplos que ilustram essa importncia dos direitos sociais: 1. Quando temos acesso educao pblica e de qualidade (direitos sociais) nos tornamos mais capazes e nos sentimos mais confiantes para andarmos livremente pela cidade (direito civil). Explicando de um outro modo, com a educao e o acesso informao podemos escolher os melhores caminhos e, principalmente, saber que temos o direito de entrar em todos os espaos pblicos (teatros, escolas, tribunais, cinemas e museus) sem medo de sermos barrados; 2. Quando a criana tem acesso aos servios de sade pblica com qualidade e a uma boa alimentao (direitos sociais), ela tem mais xito na escola e pode se tornar no futuro um jovem cidado mais bem informado e participativo, capaz at de ser um lder na sua comunidade ou mesmo na sua cidade (direitos polticos). Assim como diz o ditado popular uma coisa leva a outra, ou um direito leva a outro direito, quando temos escola, sade e alimentao nos tornamos cidados mais fortes, e o acesso informao nos ajuda a participar da vida poltica nas associaes da nossa cidade e na escolha de bons governantes. Participao e efetivao dos direitos sociais Os direitos sociais firmados na Constituio so efetivados, ou seja, saem do papel, s quando se transformam em polticas sociais. As polticas sociais so elaboradas pelos governantes (presidentes, governadores e prefeitos) e seu assessores e aprovadas pelos representantes polticos (senadores, deputados federais, deputados estaduais e vereadores). Para que a poltica social possa ser efetivada so previstos recursos financeiros e humanos que sero gerenciados pelos governantes. Como exemplo de poltica social podemos citar o Programa Bolsa Famlia, criado pelo governo federal (presidente e ministros) e efetivado com a ajuda dos governos municipais, dos prefeitos e dos seus assessores.

No Brasil existem cerca de 9,32 milhes de famlias muito pobres que no tm uma renda necessria nem para garantir o alimento para os filhos. Para essas famlias foi criado o Programa Bolsa Famlia, que distribui para as mesmas uma renda em dinheiro at que a situao melhore e os pais consigam um trabalho digno. As famlias recebem o auxlio e em troca se comprometem a manter os filhos na escola e a cuidarem de sua sade. Em 2004 o Programa Bolsa Famlia atendeu a cerca de 4 milhes de famlias, ou seja, quase a metade das famlias mais pobres. Com essa ajuda, muitas delas j conseguiram melhorar de vida, arrumar um trabalho ou ter um pequeno negcio e assim puderam sair do programa dando lugar para outros. Mas, para que a poltica social tenha xito, no basta que os governantes trabalhem. fundamental tambm a participao dos cidados tanto na sua elaborao quanto na fiscalizao. A participao social tambm um direito previsto na Constituio de 1988. No ttulo relativo Ordem Social, a Constituio prev a participao da populao na formulao e no controle das polticas relativas seguridade social. O artigo 204 define as diretrizes segundo as quais as aes governamentais na rea de assistncia social devem ser organizadas garantindo, no seu inciso II, a participao da populao por meio de organizaes representativas na formulao das polticas e no controle das aes em todos os nveis. Diversas instituies possibilitam a participao dos cidados nas polticas sociais, em diferentes nveis e reas de atuao. So elas: a) Os conselhos de direitos nas reas sociais de educao e de sade e os conselhos de assistncia social, da criana e do adolescente e o dos idosos. Os conselhos atuam junto aos trs nveis executivos de governo (municipal, estadual e federal) e possibilitam a participao da sociedade na formulao das polticas sociais e de assistncia. A composio dos conselhos inclui representantes dos governos e da sociedade para definir no mbito da cidade, do estado ou do pas as polticas ou prticas mais adequadas para efetivar os direitos sociais previstos na Constituio e tambm nas leis estaduais e municipais. b) Os oramentos participativos, que so mecanismos de abertura dos poderes Executivo e Legislativo aos processos de tomada de deciso oramentria no mbito dos municpios; e, c) Os recursos do sistema legal como, por exemplo, o requerimento de informaes de interesse particular, coletivo ou geral e o mandado de segurana que permitem ao cidado controlar a atuao do Estado e agir frente s situaes em que a autoridade pblica for responsvel por ilegalidade ou abuso de poder. Assim, podemos concluir que os direitos sociais introduzidos na Constituio de 1988 e conquistados pela intensa participao popular nas associaes, nos sindicatos de trabalhadores e nas manifestaes dos cidados nas ruas e nos meios de comunicao podem ser plenamente garantidos e efetivados para todos. Mas para isto necessrio que os cidados escolham bem seus governantes e tambm controlem seu trabalho.

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Direitoseparticipaosocial

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RefernciasBRASIL. Constituio (1988). Constituio da Repblica Federativa do Brasil, 1988. Braslia: Senado Federal, Centro Grfico, 1988. BRASIL. Lei Orgnica da Assistncia Social, Lei n. 8.724 de 7 de dezembro de 1993. Dispe sobre a organizao da Assistncia social e d outras providncias. CARVALHO, Jos Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2002. GOHN, Maria da Glria. Conselhos gestores e participao sociopoltica. So Paulo: Cortez, 2001. SANTOS, Wanderley Guilherme dos. Cidadania e justia. Rio de Janeiro: Campus, 1987.

JuventudeeparticipaoClaudia Mayorga

Introduo No contexto contemporneo, os jovens tm sido frequentemente analisados como sujeitos desinteressados pelas questes sociais e pblicas, como aqueles que no se mobilizam para aes coletivas em prol da vida comum, cujas principais preocupaes so de carter individualista, consumista e a-poltico.1 Sua insero social analisada a partir dos parmetros do desinteresse, da indiferena e da apatia. Cabe a ns perguntar: a insero dos jovens no contemporneo pode mesmo ser interpretada dessa maneira? Uma primeira observao a fazer diante dessas anlises que o individualismo no um problema da juventude do nosso tempo, mas um problema bem mais geral e que afeta diversas geraes e grupos sociais. Um princpio fundamental dessa ideologia a ideia de que o indivduo, atravs do seu esforo e dedicao individual, poder superar as adversidades encontradas nas relaes interpessoais, sociais e polticas. O que esse discurso oferece aos sujeitos e, consequentemente, aos jovens, a possibilidade de adaptao a um sistema social mais amplo que depender, fundamentalmente, da capacidade individual de inserir-se nele, desfocando, portanto, os olhares da possibilidade de pensar a sociedade como um sistema de relaes e funes complexas, em que a capacidade da autodeterminao individual no se d de forma isolada de um contexto social mais amplo.2 Outra observao a ser feita diante das anlises anteriores que muitas formas de engajamento e participao dos jovens tm sido invisibilizadas uma vez que os parmetros para analis-las se do em relao a experincias de jovens de outras geraes e tambm de classes sociais especficas (o movimento estudantil nos anos 1970 no Brasil, por exemplo), bem como a partir de uma comparao com formas mais institucionalizadas de participao social e poltica (movimento estudantil, sindicato, partidos polticos). Optar por esse caminho impede que vejamos e reconheamos outras formas de participao juvenil marcadas por originalidade, ressignificao da esfera poltica e das formas de engajamento dos jovens nas questes pblicas.3 Tal posio

1. VerMNDEZ.Infncia e adolescncia na Amrica Latina;WELTI.Adolescents inLatinAmerica:Facing theFuturewithSkepticism;STOLLE;HOOGHE. Reviewarticle:Inaccurate, Exceptional,One-sidedor Irrelevant?TheDebate abouttheAllegedDecline ofSocialCapitalandCivic EngagementinWestern Societies;entreoutros.

2. ELIAS.Asociedadedos indivduos. 3. BAUGNET.Participation associativeetrapportau politique:lengagementsocialdesjeunes;MAHEIRIE. Msicapopular,estiloestticoeidentidadecoletiva; GAUTHIER;GRAVEL.La participationdesjeunes lespacepublicauQubec, delassociationnismela mobilisation;FERREIRA.Os jovenseacidadaniapoltica esocialnaEuropa.

Maria Guiomar Frota doutora em Sociologia pelo IUPERJ (Sociedade Brasileira de Instruo 2004), mestre em Sociologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (1995) e graduada em Histria pela Pontifcia Universidade Catlica de Minas Gerais (1988). Atualmente professora adjunta da Universidade Federal de Minas Gerais/ECI. Desenvolve trabalhos de pesquisa nos seguintes temas: Estatuto da criana e do adolescente e Informao e direitos humanos. No campo da extenso coordena um projeto que associa direitos da criana e artes plsticas. e-mail: [email protected]

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impossibilita, por exemplo, que a insero de jovens no movimento hip hop nas periferias das grandes cidades brasileiras seja interpretada como insero poltica que busca lutar contra a desigualdade social, a estigmatizao dos jovens negros e favelados, o racismo e a violncia contra moradores das periferias. A seguir, indicamos quais os processos que tm levado os jovens a se engajarem, como podem construir essas formas de participao e o que querem com essa insero. Veremos, diante do que ser exposto, que chamar de apatia e desinteresse as formas de participao dos jovens no leva em considerao o papel importante que os mesmos podem ter e de fato tm desempenhado em contextos sociais diversos. Por que os jovens querem participar? Os motivos que levam os jovens a se envolverem em aes sociais e polticas, coletivas e cidads so variados. Destacamos que nesse processo de envolvimento para a participao nem sempre os jovens possuem conscincia absoluta acerca dos motivos que os levam a participar em tantos espaos: comunidade, escola, grmios estudantis, grupos e movimentos culturais, redes de comunicao e Internet, atividades audiovisuais, grupos esportivos etc. Isso porque o engajamento para a participao um processo contnuo e no linear, processual e inacabado, no qual os sujeitos histricos se constroem e reconstroem a cada instante. Ao e reflexo como dimenses indissociveis dos seres humanos possibilitam que o envolvimento de um jovem na rdio comunitria, por exemplo, transforme seu entorno, mas transforme tambm a si mesmo fazendo do engajamento social um locus privilegiado de transformao contnua de si e do mundo. Nesse processo contnuo, a construo de posicionamentos crticos diante das relaes, da sociedade e do mundo algo permanente, mas que demanda alguns aspectos que so fundamentais para o refletir e agir crticos: desnaturalizao e historicizao das relaes sociais; anlise das relaes de subordinao como sendo relaes de opresso, conscincia de si como ator social e, portanto, capaz de colaborar com a construo de si e da sociedade. Frequentemente todos ns e tambm os jovens vivemos uma aproximao espontnea do mundo cuja heterogeneidade nos exige uma economia de pensamento e um agir baseado em explicaes rpidas e naturalizadas do mundo.4 Olhamos para o mundo e repetidamente interpretamos injustias, desigualdades, hierarquias sociais como sendo fruto da ordem natural das coisas. Muitas vezes, observamos, produzimos e reproduzimos relaes sociais sem questionarmos que as mesmas so fruto de uma construo histrica, que se transformaram ao longo do tempo e que podem ainda se transformar. Quando fazemos questionamentos sobre o porqu das coisas, relaes e discursos, quando estranhamos aquilo que parece to natural e bvio, estamos comeando um exerccio de desnaturalizao necessrio para o pensamento e o agir crticos. Historicizar os fatos, isto , contextualizar na histria as relaes sociais, um exerccio que pode possibilitar aos sujeitos a construo de posicionamentos mais autnomos em relao s instituies e grupos. Tal posio faz com que os sujeitos se sintam menos merc do mundo,

de um mundo determinado a priori e mais sujeitos e atores da sociedade. Saber, vivenciar e sentir que as coisas so como so porque os seres humanos construram o mundo dessa maneira, nos faz sentir mais responsveis pela transformao desse mesmo mundo. Assim, somos moeda e matriz da sociedade.5 Desnaturalizar e historicizar as relaes sociais pode permitir que relaes muitas vezes compreendidas como de subordinao, naturais e necessrias para que a ordem social funcione dessa ou daquela maneira, passem a ser reinterpretadas e vivenciadas como situaes de opresso. Por exemplo: o jovem negro que internalizou o discurso naturalizado de que os negros so incapazes ou que so capazes somente em determinadas atividades, o que justificaria que negros ocupassem determinados cargos restritos na sociedade, quando vislumbra que tal subordinao apresentada como natural , a partir de uma anlise mais ampla, o resultado de uma relao de opresso, poder passar a se incomodar com esses discursos. Um sentimento de injustia social pode tomar seu pensamento e o engajamento em aes cidads, sociais e polticas pode acontecer. Essa virada analtica caracterstica do pensamento crtico e muitos jovens vivem isso em contextos sociais diversificados. Tal virada certamente ganha fora quando se d de forma coletiva, compartilhada com outras pessoas. As formas de participao: a construo de um ns Diante desse incmodo que pode ser devido a algum sentimento de injustia, mas tambm por vontade de participar da construo da vida comum muitas vezes os jovens vo se associar em movimentos, organizaes e grupos de diversos tipos. A transformao de uma indignao ou incmodo individual em ao coletiva tambm um processo contnuo, complexo e no linear que poderia ser resumido pela noo de identidade coletiva.6 Pertencer a um coletivo por vezes consiste em um processo de construo contnua de um ns, cujos objetivos, definio de bandeiras, interpretaes sobre a realidade vivida, aes e realizaes, lugares de atuao, adversrios e aliados vo ser continuamente construdos possuem periodicidade variada e vnculos tambm heterogneos. Um grupo juvenil pode realizar aes pontuais ou realizar um conjunto de aes mais a longo prazo, mas as dinmicas interna e externa que marcam a construo dessas aes vo ser muito semelhantes em vrios aspectos. Compartilhar incmodos, sonhos, olhares, saberes, ideias e conhecimento algo que pode marcar o encontro entre esses jovens que, ao reunirem-se para atuar em redes de informao, por exemplo, podem ser bastante inventivos e criativos. Alm do mais, isso sempre se d em relao ao mundo que se vive e ao mundo em que se quer viver.

5. ELIAS. A sociedade dos indivduos.

6. MELUCCI.A inveno do presente:movimentos sociaisnassociedades complexas.

4.

HELLER.O cotidiano e a histria.

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Juventudeeparticipao

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RefernciasBAUGNET, Lucy. Participation associative et rapport au politique: lengagement social des jeunes. In: ROUDET, Bernard. (Org.). Des jeunes et des associations. Paris: LHarmattan, 1996. p. 37-52. ELIAS, Norbert. A sociedade dos indivduos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1994. FERREIRA, Pedro Moura. Os jovens e a cidadania poltica e social na Europa. In: CASTRO, Lucia Rabello de; CORREA, Jane (Orgs.). Juventude contempornea: perspectivas nacionais e internacionais. Rio de Janeiro: Nau / Faperj, 2005. p. 31-56. GAUTHIER, Madeleine; GRAVEL, Pierre-Luc. La participation des jeunes lespace public au Qubec, de lassociationnisme la mobilisation. In: GAUTHIER, Madeleine. (Org.). La jeunesse au Qubec. Qubec: Presses de LUniversit Laval, 2003. p. 91-104. HELLER, Agnes. O cotidiano e a histria. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1972. MAHEIRIE, Ktia. Msica popular, estilo esttico e identidade coletiva. Psicologia poltica, v. 2, n. 3, p. 3954, jan./jun. 2002. MELUCCI, Alberto. A inveno do presente: movimentos sociais nas sociedades complexas. Petrpolis: Vozes, 2001. MNDEZ, Emlio Garca. Infncia e adolescncia na Amrica Latina. So Paulo: Hucitec, 1998. STOLLE, Dietlind; HOOGHE, Marc. Review Article: Inaccurate, Exceptional, One-sided or Irrelevant? The Debate about the Alleged Decline of Social Capital and Civic Engagement in Western Societies. British Journal of Political Science, n. 35, 149-167, 2004. WELTI, Carlos. Adolescents in Latin America: Facing the Future with Skepticism. In: BROWN, B. Bradford; LARSON, Reed; SARASWATHI, T. S. The Worlds Youth: Adolescence in Eight Regions of the Globe. Cambridge: Cambridge University Press, 2002. p. 276-306.

Responsabilidadesocial: asONGseoterceirosetornoapoioculturaDbora de Carvalho Pereira

Introduo O que a luta contra a extino do urso panda, na China, tem a ver com os patrimnios imateriais da cultura, como o congado, a arte de tocar sinos na igreja e a fabricao dos queijos de leite cru na Serra da Canastra de Minas Gerais? O que o reflorestamento da Amaznia tem a ver com o combate explorao sexual nas estradas do litoral brasileiro? O que tudo isso tem a ver com cultura e responsabilidade social? So todas aes que visam o bem comum, que pensam a humanidade como um todo, uma grande famlia que cuida em harmonia da sua casa. A etimologia da palavra responsabilidade deriva do latim respondere responder por seus atos ou pelos atos dos outros , como, por exemplo, os pais que so responsveis pelos filhos. S que o conceito de responsabilidade social expande o significado de responder, de ser responsvel no s pelo bem estar do ambiente familiar dos seus prprios interesses, mas contribuir para a felicidade de toda a humanidade. Este movimento de solidariedade planetria surge porque, de dois ou trs sculos para c, mesmo com todo o avano da cincia, da economia e das novas tecnologias de comunicao, o que aflige a humanidade no foi resolvido, como desigualdade social, poluio, violncia e fome. Quando interesses econmicos de pequenos grupos de elite se sobrepem ao interesse social das comunidades, descobre-se que o bem-estar muito mais uma questo tica do que cientfica. Em contrapartida, pessoas comearam a se mobilizar para abraar causas, o que intensifica a negociao no campo da tica. E no se pode falar em tica sem falar de cultura, afinal os hbitos e costumes de um povo refletem suas escolhas e crenas. Este captulo relembra exemplos de negociaes culturais e simblicas que ocorrem entre os principais setores da sociedade em torno do conceito de responsabilidade social. Em seguida, explica um pouco como as ONGs se apropriam das redes sociais e das novas tecnologias de comunicao para estabelecer diretrizes para um novo ethos, que emerge alm das fronteiras das naes, em dinmicas transnacionais de solidariedade e de respeito diversidade cultural.

Claudia Mayorga doutora em Psicologia Social pela Universidad Complutense de Madrid (Espanha). professora adjunta do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais e do Programa de Ps-graduao em Psicologia. reas de pesquisa e atuao: Psicologia social e feminismo com os seguintes temas: Gnero, relaes raciais e poltica; Migraes internacionais; Juventude e participao; Psicologia comunitria; Polticas pblicas e Participao social. e-mail : [email protected]

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Setores interconectados, emergncia da cultura da solidariedade Responsabilidade social significa que a liberdade de um delimita a liberdade do outro. Por exemplo, em junho de 2009, trs redes de supermercados Po de Acar, Walmart e Carrefour suspenderam a compra de carne vinda de onze frigorficos do Par que no tinham garantias de que seus rebanhos no ocupavam reas de desmatamento da floresta Amaznica.1.

A cultura em formao descentralizada nas redes de colaborao Na Sociedade da Informao3 surge uma multido de pessoas interessadas em compartilhar, em ambientes digitais, dados sobre empresas e governos, a fim de monitorar prticas de responsabilidade social. O compartilhamento coletivo e em rede de informao, resulta em aes no mundo da vida (poltico, econmico, cultural) como o boicote a empresas e produtos da Nike e da Shell.4 O carter de protestos emerge como manifestao cultural em rede, fazendo com que os artistas improvisem novos espaos sociais de espetculos,5 como flashmobs e stripmobs, com pessoas agindo simultaneamente em locais fsicos e virtuais diferentes, sobrepostos em tempo real. As redes de colaborao aproximam matrizes culturais diferentes. Santos (2009) cita o exemplo da atualizao da cultura dos ndios yanomami em contato com altas tecnologias: os yanomami tambm querem falar no celular, tirar foto digital, gravar,6 mas segundo o autor, a visualizao de suas representaes culturais so inspiradas por processos xamnicos nos quais esto inseridos, o que de certa forma determina a produo dessas imagens. Ou seja, como afirma Barros, preciso procurar estabelecer uma correlao positiva entre a diversidade cultural e o desenvolvimento humano, de forma a configurar essa relao como um projeto de transformao social.7 A cultura da mudana, como abordada pelo autor, conecta noes de cultura, desenvolvimento, diversidade e identidade, que tendem a descentralizar os processos culturais do mercado globalizado. Para serem bem sucedidas nos processos descentralizados da cultura, as ONGs se utilizam cada vez mais de mtodos de ao e organizao da informao a partir de redes sociais na Internet.3. MATTELART.Paraque NovaSociedadeMundial daInformao. 4. BERHAULT.Dveloppement durable 2.0.Linternet peut-ilsauverLaplante?; KLEIN.Marcasglobaise poderescorporativos.

Disponvelem:.Acessoem:29out. 2010.

A denncia foi feita pelo terceiro setor. A ONG Greenpeace1 apresentou ao Ministrio Pblico o dossi A Farra do Boi na Amaznia, uma investigao de trs anos, durante os quais foram feitas diversas manifestaes culturais de protesto, que repercutiram na mdia e nas redes sociais da Internet, o que resultou em uma resposta dos supermercados aos seus consumidores. Atos culturais de protesto, comumente utilizados por ONGs desde os anos 80 do sculo 20, surgem a partir de uma variedade de manifestaes artsticas, que retiram a arte do pedestal para trazer para a vida coletiva das pessoas. Assim, a arte se transforma em soluo: um passaporte para a mudana dos indivduos e da sociedade.2 No caso do boi da Amaznia, estiveram em negociao todos os setores da sociedade. O primeiro setor so as instituies do governo, como o Ministrio Pblico (a quem foi entregue a denncia). O segundo setor so as empresas privadas, como as trs redes de supermercados que se aliaram para no comprar (nem vender) a carne. O chamado terceiro setor so as organizaes criadas por iniciativa de cidados para prestar servios ao pblico nas reas de sade, educao, cultura, habitao, direitos civis, desenvolvimento do ser humano e proteo ao meio ambiente. Sua receita vem de doaes pblicas ou privadas e, embora sejam sem fins lucrativos, custeiam suas prprias atividades com verbas governamentais, empresariais e doaes de indivduos. J o quarto setor o dos indivduos no governamentais e no empresariais, que movimentam informao e opinio pelas redes sociais e fazem circular dinheiro no mercado informal. Este setor ainda no muito definido pelos estudiosos. Os que tm uma viso jurdica consideram que ele composto por quem vive margem da lei (como as associaes criminosas). Os que tm um olhar econmico consideram que so aqueles que se recusam a declarar atividades lucrativas, como a grande massa dos oficialmente desempregados, que prestam pequenos servios sem regularidade e sem controle. Mas, sob o prisma dos processos culturais, podemos considerar que so as pessoas que escapolem, em diferentes nveis, da margem do controle da sociedade, a partir de manifestaes artsticas potencializadas pelas redes sociais e pelas ferramentas de produo de contedos para a Internet, o que fortalece tambm o terceiro setor. De fato, todos os setores podem se expressar pelos meios virtuais. A interao, atravs do uso de novas tecnologias da comunicao e informao, gira em torno de negociaes simblicas. Indivduos e ONGs tm mais autonomia para exigir das empresas e do governo posturas de responsabilidade social. A partir da cultura da solidariedade que emerge nas redes sociais pela Internet, empresas e governo se utilizam das mesmas ferramentas para melhorar suas estratgias de convencimento e sua reputao perante o pblico de consumidores.

5. PRADES; COSTA-PRADES. Lconomie solidarie. Prendesavieenmain. 6. SANTOS.Entrevista, p.287.

2. SANTOS.Aarteeas artesnotrabalhosociocultural:estudodasaese representaesemONGs mineiras,p.172.

7. BARROS.As mediaes da cultura:arte,processoe cidadania,p.11.

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Responsabilidadesocial:asONGseoterceirosetornoapoiocultura

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OrganizaesdedefesadocidadoDenise Catarina Silva Mangue

Ser cidado na sociedade da informao Em 1976, o ingls T. H. Marshall um dos principais pensadores contemporneos envolvidos na discusso em torno do conceito de cidadania publicou uma relevante obra na qual explicava o processo de evoluo dos direitos de cidadania na Inglaterra.1 Na mesma obra ele decomps o conceito de cidadania em trs componentes ou dimenses principais: a dimenso civil, a poltica e a social da seguinte forma:Os direitos civis so os direitos necessrios liberdade individual liberdade de ir e vir, liberdade de imprensa, pensamento e f, o direito propriedade e de concluir contratos vlidos e o direito justia. O direito poltico o direito de participar no exerccio do poder poltico como membro de um organismo investido de autoridade poltica ou como eleitor dos membros de tal organismo. Os direitos sociais incluem tudo que vai desde o direito a um mnimo bem-estar econmico e segurana, ao direito de participar, por completo, na herana social e levar a vida de um ser civilizado de acordo com os valores que prevalecem na sociedade.2

1. MARSHALL.Cidadania, classe social e status.

2. MARSHALL.Cidadaniae classesocial,p.63-64.

A partir de ento, tornou-se comum compreender e designar a cidadania como o conjunto de direitos e deveres civis, polticos e sociais dos cidados. Hoje, aps mais de trs dcadas, o conceito de cidadania no deixou de incluir essas trs dimenses, contudo, estudos mais recentes tm lhe acrescentado mais uma face, a econmica.Dbora de Carvalho Pereira jornalista e doutoranda em Cincia da Informao pela Universidade Federal de Minas Gerais. pesquisadora do Ncleo de estudos das mediaes e usos sociais dos saberes em ambientes digitais NEMUSAD e coordenadora do portal web da ONG Sertobras (www.sertaobras.org.br). professora do curso de ps-graduao Produo de Mdias Digitais do IEC/PUC Minas. Blog: www.casmerim.blog.br e-mail: [email protected]

Tal mudana decorre, sem sombras de dvidas, dos recentes processos da globalizao e do neoliberalismo, dois fenmenos fortemente relacionados economia de mercado e ao consumo que se fizeram acompanhar pelo estabelecimento de mecanismos de defesa do consumidor em resposta s exigncias e presses da sociedade civil organizada. Todavia, apesar de possuirmos uma das Constituies mais avanadas em termos de defesa dos direitos humanos e fundamentais, sendo essa apelidada por socilogos, cientistas polticos e outros estudiosos como Constituio Cidad, na prtica, os problemas so inmeros.

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O papel dos cidados e a defesa de seus direitos nesse cenrio fundamental e passa por se acompanhar e exigir, de seus representantes polticos e dos diferentes rgos de soberania, bem como de outras esferas da sociedade, atitudes proativas em favor do bem comum e da defesa dos interesses individuais, difusos e coletivos. E falar em defesa do cidado na sociedade contempornea, comumente designada como sociedade da informao, implica necessariamente tomar-se em considerao os desafios postos ao exerccio da cidadania por essa nova configurao de sociedade. Sociedade da informao um conceito muito recente que, de acordo com Freitas (2002), surgiu na segunda metade do sculo 20 (mais especificamente na dcada de 60) para designar um conjunto de elementos e caractersticas que passaram a caracterizar as relaes sociais e a vida em sociedade. Entre esses elementos e caractersticas esto: a espetacular inovao tecnolgica, especialmente no campo das tecnologias de informao e comunicao; surgimento e fortalecimento de novas profisses e ocupaes ligadas tecnologia da informao e informao propriamente dita; uma cultura de mercado e de consumo fortemente difundida com recurso a essas tecnologias de informao e comunicao e que traz consigo uma mudana de comportamento moldando novas geraes que, pouco a pouco, tm se tornado altamente consumidoras, individualistas e fteis; a reduo do espao-tempo para a troca de informaes regional e globalmente; e as mudanas culturais provocadas pela exploso do que muitos denominam de indstria da informao.

Desafios postos ao exerccio da cidadania pela Sociedade da Informao: dicas prticas Com o que dissemos at aqui, procuramos deixar evidente que (in)formar para a cidadania uma ao crucial para se promover a justia social e o bem comum, especialmente no contexto atual em que interesses meramente econmicos primam por turvar a viso e compreenso dos cidados. fundamental que todos os cidados sejam informados e munidos de conhecimentos acerca, no s dos mecanismos de participao disponveis numa democracia representativa (que resumem-se em quase sua totalidade escolha dos representantes), como tambm acerca das novas possibilidades que tm surgido como conquista da sociedade civil organizada no sentido de se implementar uma democracia mais participativa e deliberativa que atue numa perspectiva mais abrangente em termos de garantia de direitos. Uma das principais vocaes das lideranas informacionais contemporneas vinculadas a espaos comunitrios, grupos de jovens, escolas, associaes de moradores e comunidades informacionais especficas justamente esclarecer os cidados menos favorecidos sobre os arranjos econmicos, polticos, sociais e culturais que buscam manter uma estrutura de dominao e explorao, subjugando-os e submetendo-os a condies de vida subumanas. Por essas razes, as lideranas informacionais devem ser capazes de superar, dentre outros, os seguintes desafios impostos pela sociedade da informao ao exerccio da cidadania: elevado volume de informao disponvel X acesso informao de qualidade; desigualdade de acesso s redes de informao; desconhecimento da existncia e/ou disponibilidade da informao por parte dos cidados; dificuldade de compreenso da informao X analfabetismo X analfabetismo digital; cidado X consumidor. Organizaes de defesa do cidado no Brasil A partir da Constituio de 1988, que permanece em vigor apesar de j ter recebido vrias emendas, as instituies pblicas e rgos do Estado, em virtude da forte presso da sociedade civil que teve lugar a partir da dcada de 1970, passaram a ter uma postura bastante diferente daquela que tinham em relao aos cidados. Desde ento, inmeras organizaes, tanto na estrutura dos rgos de soberania quanto no seio da prpria sociedade civil, foram surgindo ou se consolidando como reais organismos de defesa do cidado. Portanto, organizaes de defesa do cidado so aqueles rgos, instituies, organismos, entidades, empresas etc. (sejam elas pblicas, privadas ou da sociedade civil) que dedicam-se a defender e/ou orientar o cidado na defesa de seus direitos e no cumprimento de seus deveres, em uma ou mais dimenses da cidadania. Apresentamos a seguir alguns exemplos dessas organizaes:

Posto isto, cabe dizer que consideramos cidado pleno todo aquele que, alm de ser titular dos direitos e de respeitar os deveres inerentes s quatro dimenses da cidadania (civil, poltica, econmica e social) e de estar apto a exigir e lutar pela garantia de tais direitos, tambm corresponsabiliza-se na busca de alternativas para que tais direitos sejam alcanados por todos e garantidos a todos os cidados.

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rgos pblicos

Defensorias pblicas; Ministrios pblicos; Comisses dentro das Assembleias Legislativas e do Senado Federal; Juizados especiais; Procon; Ouvidorias etc.Entidades privadas e associaes civis

objetivos sobre uma dada organizao ou sobre as organizaes dedicadas a determinado aspecto de defesa da cidadania, com acesso Internet (uma das mais poderosas tecnologias de informao e comunicao da atualidade), por exemplo, possvel localizar e apontar pistas que permitiro ao cidado encontrar apoio e orientao.

ONGs e OSCIPs diversas; Associaes diversas; Sindicatos; Grupos de interesse especfico; Partidos polticos; Grmios etc. Consideraes finais

Evidencia-se, portanto, que os servios oferecidos por essas organizaes so vrios, e prestamse orientao e ao acompanhamento do cidado no acesso a direitos e no conhecimento sobre deveres relacionados a sade, habitao, consumo, gesto participativa e transparente do estado e do municpio, limpeza urbana e meio ambiente, defesa de crianas e adolescentes, violncia contra a mulher, erros mdicos, at questes especficas como defesa dos interesses indgenas e da comunidade negra, dos direitos dos estudantes, controle da poluio sonora, problemas com a iluminao pblica e sinais de trnsito, com os transportes pblicos e com buracos e bueiros de guas pluviais nas vias pblicas; a lista de possibilidades infindvel. Assim, concluimos afirmando que um dos grandes contributos no tocante s polticas de incluso informacional que as lideranas comunitrias podem oferecer em favor da cidadania o de promover o acesso s informaes sobre essas organizaes de defesa do cidado. Conheclas e saber como procurar informaes sobre as mesmas so uma capacidade que tais lideranas devem desenvolver, e um excelente ponto de partida, pois, mesmo que no se tenha dados

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Organizaesdedefesadocidado

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RefernciasCARVALHO, Jos Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. 7. ed. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2005. ______. Interesses contra a cidadania. In: DAMATTA, Roberto da. Brasileiro: cidado? So Paulo: Cultura Editores Associados, 1992. DALLARI, Dalmo de Abreu. O que participao poltica. 11. ed. So Paulo: Brasiliense, 2004. (Primeiros Passos). DEMO, Pedro. Participao conquista: noes de poltica social participativa. 2. ed. So Paulo: Cortez, 1993. MANGUE, Denise Catarina Silva. (In)formao, um caminho para a participao poltica? Um estudo de caso sobre o programa de educao para a cidadania da ALMG. 2008. 178 f. (Mestrado em Cincia da Informao) Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2008. ______. Sociedade da informao e cincia da informao: modelos hegemnicos e implicaes. (texto no publicado). MARSHALL, T. H. Cidadania e classe social. In: ______. Cidadania, classe social e status. Rio de Janeiro: Zahar, 1976. p. 57-114. PINSKY, Jaime; PINSKY, Carla Bassanezi. Histria da cidadania. So Paulo: Contexto, 2003.

AdefesadodireitodoconsumidorMaria Aparecida Moura Sandra Maria Silveira Isabella Brito Alves

Introduo Os organismos de defesa do consumidor no Brasil so relativamente recentes, assim como o direito do consumidor no mbito da legislao brasileira. Nos ltimos anos, a expanso do movimento dos consumidores levou implementao de aes econmicas, polticas, sociais e jurdicas definida na esfera do consumerismo. O consumerismo uma terminologia americana (consumerism), criada para definir o movimento de consumidores que passaram a questionar a produo e a comunicao em massa, as tcnicas de marketing, a periculosidade dos produtos colocados no mercado, a qualidade e confiabilidade dos produtos e das informaes fornecidas pelos fabricantes e distribuidores.1 De acordo com o cdigo de defesa do consumidor, toda pessoa fsica ou jurdica que adquire ou utiliza produto ou servio como destinatrio final2 considerada consumidor para fins legais. Os direitos bsicos dos consumidores so: proteo vida e sade; educao e divulgao adequada sobre os produtos e modo de us-los; proteo contra a publicidade enganosa ou abusiva; preveno e reparao de danos patrimoniais e morais e facilitao da defesa de seus interesses, dentre outros. As associaes de consumidores e a existncia de uma legislao efetiva, assim como a mudana no comportamento e nos padres de consumo atuais acentuaram o papel do Estado na observncia das relaes de consumo no pas. Assim, o Estado deve estar presente no mercado de consumo como um incansvel vigilante dessas relaes e analisar tudo o que disser respeito a padres de qualidade, segurana, desempenho e durabilidade dos produtos3 e servios.4 Alm dessas funes, o Estado deve se responsabilizar pela criao de outros rgos e entidades capazes de funcionar como ponto de equilbrio nas relaes de consumo, educar fornecedores e consumidores sobre seus direitos e deveres, incentivar o controle de qualidade a ser feito pelos prprios fornecedores, tratar de mecanismos alternativos e eficazes para a soluo de conflitos de consumo, estudar

1. ZLZKE.Abrindo a empresa para o consumidor:a importnciadeumcanalde atendimento,p.122. 2. BRASIL.CdigodeDefesadoConsumidor.Lein 8.078,de11desetembro de1990,Artigo2.

3. Produtotodamercadoriacolocadavenda nocomrcio:automvel, roupa,casa,alimentos dentreoutros.

Denise Catarina Silva Mangue bibliotecria e mestre em Cincia da Informao pela Universidade Federal de Minas Gerais. Trabalhou como funcionria pblica do Ministrio Pblico do Estado de Minas Gerais na Diretoria de Informao e Conhecimento. Atualmente reside em Moambique e chefia o Departamento de Documentao, Informao e Cultura do Centro de Formao Jurdica e Judiciria. e-mail: [email protected]

4. Serviotudooque vocpagaparaserfeito: cortedecabelo,conserto decarro,deeletrodomstico,serviobancrio, serviodeseguros,servios pblicos.

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constantemente as modificaes do mercado de consumo e tambm coibir toda prtica abusiva, inclusive a concorrncia desleal e a utilizao indevida dos inventos e criaes das marcas e nomes comerciais, alm de tudo que possa causar danos aos consumidores. A legislao de defesa do consumidor brasileiro Em relao legislao, a defesa do consumidor no Brasil teve incio atravs da associao do Cdigo Comercial de 1850, do Cdigo Civil de 1916 e do Cdigo Penal de 1940 que contemplavam alguns aspectos de defesa do consumidor como a responsabilidade do vendedor sobre os produtos vendidos aps a compra. A criao de alguns rgos e entidades de defesa do consumidor, durante as dcadas de 1970 a 1990, ilustrou o desenvolvimento da defesa do consumidor como um movimento social: PROCON (Grupo Executivo de Proteo ao Consumidor), CONAR (Conselho Nacional de Auto-Regulao Publicitria), ADOC (Associao de Defesa e Orientao do Consumidor), CNDC (Conselho Nacional de Defesa do Consumidor), Associaes de Donas-de-casa, IPEM (Instituto de Pesos e Medidas), dentre outros. Nesse perodo, tambm ocorreram vrios congressos, seminrios, divulgao de testes laboratoriais sobre produtos, blitze que reuniam a populao, cobertura da imprensa e interveno de fiscais da SUNAB (Superintendncia Nacional do Abastecimento) e do INMETRO (Instituto Nacional de Metrologia) para averiguarem irregularidades no varejo e indstrias. A promulgao da constituio em 1988, contemplando aspectos de defesa do consumidor, intensificou a expectativa em torno da formulao do Cdigo de Defesa do Consumidor; que entrou em vigor em 1990.A Lei aprovada pela Cmara dos Deputados em 26 de junho, pelo Senado em 9 de agosto, e assinada pelo Presidente Collor em 11 de setembro de 1990, sob n 8.078, reconheceu e detalhou os direitos bsicos do consumidor, criou normas especficas para a responsabilidade civil do fornecedor pelo fato do produto e do servio, inverteu o nus da prova, disps sobre a publicidade, estabeleceu mecanismos para o controle das condies gerais dos contratos e dos contratos de adeso, instituiu instrumentos para serem utilizados pelos consumidores para sua autodefesa e disps sobre o aparato repressivo administrativo e penal.5

O contexto digital, o comrcio sustentvel e os rgos de defesa do consumidor O contexto digital ampliou enormemente as possibilidades de os consumidores receberem informaes para a defesa de seus direitos, mas tambm intensificou e diversificou a natureza dos crimes cometidos contra os consumidores. Hoje as modalidades de consumo se alteraram com a incluso do comrcio eletrnico, que na prtica refere-se introduo de dispositivos eletrnicos nas transaes comerciais. A grande dificuldade nesse tipo de negociao a ausncia ou a pouca clareza em relao aos foros adequados para a apresentao de denncias ou reclamaes. O comrcio eletrnico se organiza e tem como tendncia o monitoramento das prticas de consumo via redes sociais, o comrcio via celulares, o comrcio televisivo, as lojas virtuais e os clubes de compras coletivas. Embora existam inmeras organizaes que se ocupam do esclarecimento e proteo do consumidor na esfera eletrnica, tais como o Movimento Internet Segura,6 preciso que o internauta esteja sempre atento segurana nos ambientes eletrnicos nos quais realizam transaes comerciais e, sobretudo, com a proteo de suas senhas e informaes econmicas pessoais. Em tempos de relaes econmicas mediadas por computadores, tornou-se prtica corrente a fraude que se realiza atravs da clonagem de dados e o roubo de informaes eletrnicas. No que concerne s queixas, com grande frequncia os bancos e financeiras, as administradoras de cartes de crdito, os planos de sade e os servios de telefonia celular despontam como os campees das reclamaes apresentadas pelos consumidores. O consumidor brasileiro tambm est protegido de coaes ocasionadas por inadimplncia sendo que o mesmo no poder ser exposto a ridculo, nem ser submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaa. O caminho mais usual para a defesa do consumidor atravs do PROCON (Procuradoria de Proteo e Defesa do Consumidor), um rgo auxiliar do poder judicirio. O PROCON possui estrutura estadual e com frequncia tm representaes nos municpios brasileiros, em geral ligados aos rgos de prestao de servios municipais. papel desse rgo a defesa, a orientao, a proteo e a fiscalizao do cumprimento da lei em relao aos direitos dos consumidores. No mbito das empresas h a figura do ombudsman ou ouvidor, profissional encarregado de estabelecer contato com os clientes com o propsito de receber crticas e sugestes relativas aos servios prestados pela instituio. Apesar do alto nvel de robotizao do atendimento, o consumidor pode contar tambm com os servios de atendimento ao consumidor, ou call centers. Os servios de atendimento aos clientes surgiram para suprir a demanda por um atendimento equilibrado e regular em relao aos servios prestados e permitiu o direcionamento e o atendimento das especificidades das questes dos clientes.6. .

5. ZLZKE.Abrindo a empresa para o consumidor:a importnciadeumcanalde atendimento,p.166.

O Cdigo de Defesa do Consumidor refere-se poltica nacional de relaes de consumo, aos direitos bsicos do consumidor, qualidade dos produtos e servios, preveno e reparao de danos, s prticas comerciais, proteo contratual e s sanes administrativas, dentre outros aspectos.

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Nos ltimos anos, devido escassez dos recursos naturais, os consumidores tm sido incentivados s prticas de consumo sustentvel. Esse apelo da parte das organizaes governamentais e da sociedade civil organizada tem provocado novas alteraes nas lgicas de consumo nacionais e internacionais. Assim, o consumo sustentvel considerado o[...] fornecimento de servios e de produtos correlatos, que preencham as necessidades bsicas e deem uma melhor qualidade de vida, ao mesmo tempo em que se diminui o uso de recursos naturais e de substncias txicas, assim como as emisses de resduos e de poluentes durante o ciclo de vida do servio ou do produto, com a ideia de no se ameaar as necessidades das geraes futuras.7

RefernciasBAGGIO, Andreza Cristina; MANCIA, Karin Cristina Borio. A proteo do consumidor e o consumo sustentvel: anlise jurdica da extenso da durabilidade dos produtos e o atendimento ao princpio da confiana. In: CONGRESSO DO CONPEDI, 17, 20-22 nov. 2008, Braslia, DF. Disponvel em: . Acesso em: 5 dez. 2010. BH RESOLVE Central de servios da prefeitura. Disponvel em: . Acesso em: 5 dez. 2010. BRASIL. Lei n. 8.078 de 11 de setembro de 1990. Disponvel em: . Acesso em: 5 dez. 2010. IDEC. Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor. Disponvel em: . Acesso em: 5 dez. 2010. PORTAL DO CONSUMIDOR. Disponvel em: . Acesso em: 5 dez. 2010. PROCON MG. Procuradoria de Proteo e Defesa do Consumidor. Disponvel em: . Acesso em: 6 dez. 2010. SILVEIRA, Sandra Maria. Organizao e uso das bases de informao para o atendimento a clientes em call centers. 2005. 178 f. Dissertao (Mestrado em Cincia da Informao) Escola de Cincia da Informao, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2005. ZLZKE, Maria Lucia. Abrindo a empresa para o consumidor: a importncia de um canal de atendimento. 2. ed. Rio de Janeiro: Qualitymark, 1997.

BAGGIO;MANCIA.A proteodoconsumidoreo consumosustentvel:anlisejurdicadaextensoda durabilidadedosprodutose oatendimentoaoprincpio daconfiana,p.2.7.

Finalmente, cabe ressaltar que apesar das novas modalidades de consumo aos quais os brasileiros esto sendo submetidos nas novas lgicas de funcionamento do capital preciso no perder de vista a dimenso coletiva do exerccio cidado de proteo dos direitos e da luta pela sua incorporao e defesa nessas novas modalidades e contextos comerciais.

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Maria Aparecida Moura bibliotecria, mestre em Educao pela UFMG, doutora em Comunicao e Semitica pela PUC/SP e realizou estgio de Ps-doutoramento na Fondation Maison Sciences de lHomme (Paris, Frana) na rea de Semitica e novas mdias. professora da Escola de Cincia da Informao da UFMG, coordena o Ncleo de Estudos das Mediaes e Usos Sociais dos Saberes e Informaes em Ambientes Digitais (NEMUSAD) e a Coordenadoria de Polticas de Incluso Informacional da UFMG (CPINFO) e o portal de compartilhamento de vdeos UFMG Tube. Site: http://mamoura.eci.ufmg.br e-mail: [email protected] Sandra Maria Silveira possui graduao em Cincia da Computao (PUC-MG/1997), especializao em Gesto Estratgica da Informao (ECI-UFMG/2003) e mestrado em Cincia da Informao (ECI-UFMG, 2006). Leciona disciplinas ligadas rea de Cincia da Computao e Cincia da Informao. Experincia em organizaes nas reas de gerncia de projetos, desenvolvimento, anlise e implantao de sistemas de informao. e-mail: [email protected] Isabella Brito Alves graduanda do curso de Biblioteconomia da Escola de Cincia da Informao da Universidade Federal de Minas Gerais e bolsista de iniciao pela Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de Minas Gerais, FAPEMIG, onde desenvolve pesquisas em Organizao da informao e meio ambiente. pesquisadora associada ao Ncleo de Estudos das Mediaes e Usos Sociais dos Saberes e Informaes em Ambientes Digitais (NEMUSAD). e-mail: [email protected]

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Culturainformacional edigital

Culturainformacional,redessociaise lideranascomunitrias:umaparcerianecessriaMaria Aparecida Moura

Cultura informacional A compreenso da ao dos atores sociais em contextos informacionais tem se traduzido em dificuldades tericas para se articularem o alcance e os limites das terminologias. Crticas se sobrepem por razes distintas quando esto em evidncia as concepes de competncia e de cultura informacional. As noes assinaladas tm uma adoo recente, e a julgar pelas sobreposies terminolgicas, um consenso ainda est distante de se estabelecer. O conceito de competncia informacional surgiu como perspectiva terica na literatura americana nos anos 1970. Trata-se da habilidade e da atitude que o sujeito desenvolve ao longo da vida para interagir efetivamente com a informao na soluo de problemas especficos, na tomada de deciso ou no aprendizado.1 A cultura informacional, frequentemente confundida com competncia informacional, envolve, alm do uso proficiente dos recursos informacionais pressuposto pela primeira, a adoo autnoma, crtica e criativa da informao em um contexto de produo de saberes. Desta perspectiva, a cultura de informao ou informacional supe, de acordo com Pinte (2008), um nvel de cultura geral associado ao conhecimento das mdias e uma abordagem tica da informao que sobrepe amplamente a competncia instrumental relacionada ao uso competente dos recursos documentais e informticos. A cultura informacional no contexto da sociedade contempornea caracteriza-se fundamentalmente pela riqueza de informaes, solicitaes e estmulos; pela relativa perda do monoplio do saber e do poder da fala autorizada em diferentes contextos; pela presena incisiva e ortogonal de outros suportes nos processos formativos tais como a televiso, a Internet e os jogos eletrnicos. Nesse contexto, constata-se que as redes sociais, os blogs e as comunidades virtuais ocupam um lugar diferenciado nas trocas informacionais contemporneas. Diante desse novo quadro em que se concebe a cultura informacional e a consequente formao do leitor, tornou-se necessrio o investimento em metodologias de formao que considerem o serendipismo do

1. ESPINETcitadopor FIALHO;MOURA.Aformaodopesquisadorjuvenil: umestudosoboenfoque dacompetnciainformacional,p.28.

ingls serendipity, habilidade de realizar ao acaso descobertas bem sucedidas, inesperadas e teis nos contextos de trocas informacionais. Contudo, acredita-se que somente se pode chegar a tais possibilidades a partir de uma formao integral na qual a questo informacional tenha a devida centralidade em um contexto social de saberes partilhados. Nesse sentido, a cultura informacional deve ser entendida como o discernimento do usurio da informao em relao ao contexto, s ferramentas de mediao do acesso informao, bem como s prticas socioculturais envolvidas. O debate acerca da cultura informacional envolve trs abordagens fundamentais: a informacional, a econmica e a cidad. A abordagem informacional refere-se aos conhecimentos que permitem que o sujeito possa expressar sua cultura e seu pertencimento social, assim como as suas necessidades informacionais atravs da interao com recursos e dispositivos informacionais contemporneos e histricos. A abordagem econmica refere-se aos agenciamentos econmicos que tornaram a cultura da informao um dos negcios mais rentveis dos dois ltimos sculos. Hoje, salta aos olhos a ampliao do mercado consumidor brasileiro em telefonia celular mvel cerca de 180 milhes de linhas e do mercado de Internet, com o Brasil figurando em quinto lugar em nmero de conexes. Visto dessa perspectiva, o acesso informao no se refere a um processo ingnuo de concesso desprendida de interesses, mas a estruturas