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________________________________________________________________________________________ Revista NAU Social - v.4, n.6, p. 61-81 Maio/Out 2013 Cultura organizacional e cultura brasileira: compreendendo as fragilidades do cooperativismo brasileiro BRASILIAN AND ORGANIZATIONAL CULTURE IN COOPERATIVES: UNDERSTAND BRAZILIAN CO-OPERATIVISM FRAGILITIES José Roberto Pereira 1 ; Airton Cardoso Cançado 2 ; Flávia Oliveira Rodrigues 3 ; Edmilson Eduardo Silva 4 RESUMO Cultura organizacional é um tema muito pouco explorado nos campos prático e teórico em cooperativas, mas de grande relevância para a gestão deste tipo de organização. Procura-se compreender que elementos teóricos da cultura brasileira podem servir de referência para analisar a cultura nas organizações cooperativas. A metodologia está fundamentada no método comparativo de análise teórica, a partir da definição de categorias analíticas que servem de referência para caracterizar a cultura brasileira, e nos princípios universais do cooperativismo como categorias que servem para caracterizar a estrutura da organização cooperativista. Parte-se do pressuposto de que os princípios universais do cooperativismo não são suficientes para estabelecerem vínculos identitários entre seus membros, recorrendo-se aos valores da cultura brasileira para estabelecer laços de sociabilidade. Portanto, pode-se afirmar que os princípios cooperativistas terão êxito à medida que o contexto cultural esteja mais próximo da democracia, especialmente a democracia participativa ou deliberativa. Palavras-chave: Cultura Brasileira; Cultura Organizacional; Cooperativas; Gestão Social; Organizações Sociais. ABSTRACT Organizational culture is a very little teme explored in the practical and theoretical fields in cooperative organizations, but of great relevance for the administration of cooperatives. It tries to understand that theoretical elements of brazilian culture can be served as reference to analyze the organizational culture in cooperatives. The methodology is based on comparative method of theoretical analysis as from the definition of analytic category that serve as reference to analyze the brazilian culture and the beginnings of cooperativism that serve to characterize the organizational culture in cooperatives. It brakes of the presupposition that universal beginnings of cooperativism is not enough it goes us to establish entails associative among yours members, putting into practice the brazilian culture values to establish sociability entals.Therefore, it’s possible to make sure that the beginnings of cooperativism have successfully as much 1 Doutor em Sociologia pela Universidade de Brasília (UnB); Professor Associado da Universidade Federal de Lavras (UFLA); Bolsista CNPq e Pesquisador Mineiro pela FAPEMIG. E-mail: [email protected]. 2 Professor da Universidade Federal do Tocantins - UFT, doutorando em Administração na Universidade Federal de Lavras – UFLA. E-mail: [email protected] 3 Especialista em Gestão de Cooperativas, bacharel em Administração. 4 Mestrando em Administração Pública; graduado em administração; especialização em gestão de micro e pequenas empresas e gestor da INCUBACOOP-UFLA no Departamento de Administração da Universidade Federal de Lavras (UFLA)e Economia (DAE) da UFLA. E-mail: [email protected]. Novos Territórios N A U

Cultura Organizacional e Cultura Brasileira

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Cultura Organizacional e Cultura Brasileira- Revista NAU SOCIAL

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    Revista NAU Social - v.4, n.6, p. 61-81 Maio/Out 2013

    Cultura organizacional e cultura brasileira: compreendendo as fragilidades do cooperativismo brasileiro BRASILIAN AND ORGANIZATIONAL CULTURE IN COOPERATIVES: UNDERSTAND BRAZILIAN CO-OPERATIVISM FRAGILITIES

    Jos Roberto Pereira1; Airton Cardoso Canado2; Flvia

    Oliveira Rodrigues 3; Edmilson Eduardo Silva 4 RESUMO Cultura organizacional um tema muito pouco explorado nos campos prtico e terico em cooperativas, mas de grande relevncia para a gesto deste tipo de organizao. Procura-se compreender que elementos tericos da cultura brasileira podem servir de referncia para analisar a cultura nas organizaes cooperativas. A metodologia est fundamentada no mtodo comparativo de anlise terica, a partir da definio de categorias analticas que servem de referncia para caracterizar a cultura brasileira, e nos princpios universais do cooperativismo como categorias que servem para caracterizar a estrutura da organizao cooperativista. Parte-se do pressuposto de que os princpios universais do cooperativismo no so suficientes para estabelecerem vnculos identitrios entre seus membros, recorrendo-se aos valores da cultura brasileira para estabelecer laos de sociabilidade. Portanto, pode-se afirmar que os princpios cooperativistas tero xito medida que o contexto cultural esteja mais prximo da democracia, especialmente a democracia participativa ou deliberativa. Palavras-chave: Cultura Brasileira; Cultura Organizacional; Cooperativas; Gesto Social; Organizaes Sociais. ABSTRACT Organizational culture is a very little teme explored in the practical and theoretical fields in cooperative organizations, but of great relevance for the administration of cooperatives. It tries to understand that theoretical elements of brazilian culture can be served as reference to analyze the organizational culture in cooperatives. The methodology is based on comparative method of theoretical analysis as from the definition of analytic category that serve as reference to analyze the brazilian culture and the beginnings of cooperativism that serve to characterize the organizational culture in cooperatives. It brakes of the presupposition that universal beginnings of cooperativism is not enough it goes us to establish entails associative among yours members, putting into practice the brazilian culture values to establish sociability entals.Therefore, its possible to make sure that the beginnings of cooperativism have successfully as much 1 Doutor em Sociologia pela Universidade de Braslia (UnB); Professor Associado da Universidade Federal de Lavras (UFLA); Bolsista CNPq e Pesquisador Mineiro pela FAPEMIG. E-mail: [email protected]. 2 Professor da Universidade Federal do Tocantins - UFT, doutorando em Administrao na Universidade Federal de Lavras UFLA. E-mail: [email protected] 3 Especialista em Gesto de Cooperativas, bacharel em Administrao. 4 Mestrando em Administrao Pblica; graduado em administrao; especializao em gesto de micro e pequenas empresas e gestor da INCUBACOOP-UFLA no Departamento de Administrao da Universidade Federal de Lavras (UFLA)e Economia (DAE) da UFLA. E-mail: [email protected].

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    as that the culture context to be nearly to the democracy, especially the participative democracy. Key Words: Brazilian Culture; Organizational Culture; Cooperatives; Social Administration; Social Organizations. INTRODUO Para falar de cultura na organizao, em seu sentido amplo e, especificamente, de cultura nas cooperativas de fundamental importncia identificar e analisar os valores que caracterizam a sociedade em que esto inseridas. Como a maioria dos indivduos vive grande parte de suas vidas nas organizaes, torna-se necessrio compreender a dinmica interativa entre indivduos, organizaes e sociedade. As organizaes, em geral, so muito mais que instrumentos para produo de mercadorias para a sociedade, elas so constitudas por pessoas ou indivduos que se estruturam para exercer algum tipo de atividade com um propsito definido. E as pessoas que delas participam so orientadas por valores, normas e smbolos que definem suas maneiras de pensar e de interpretar o mundo. Dessa forma, alm de possuir uma estrutura fsica, as organizaes estruturam uma cultura, um sistema simblico que procura integrar seus membros. Para Motta (1997) a cultura linguagem, cdigo que d aos indivduos um sentido ao mundo em que vivem, um significado s suas aes: Ela designa, classifica, liga e coloca em ordem. (p.27). O termo cultura pode ser compreendido, sociologicamente, ao se analisar a palavra em latim culturus, que, segundo Bosi (1992), significa o futuro, o que se vai trabalhar, o que se quer cultivar (p.16). Dessa idia, segundo o mesmo autor, que surgiu o conceito de cultura ou paidia em grego ideal pedaggico voltado para a formao do adulto na polis e no mundo (p.16). Bosi (1992) observa que coexistem em uma mesma sociedade variedades de culturas, tanto letradas como no letradas, mas no cabe, hoje, falar no Brasil de cultura negra ou indgena ou rstica, em estado puro, porque a simbiose cabocla, mulata ou cafusa foi prevalecendo em todos os campos da vida material e simblica: na comida, na roupa, na casa, na fala, no canto, na reza, na festa (...) (p.46). Isto significa que vivemos em uma sociedade de culturas hbridas, que se estende desde o individualismo ao holismo e, dentre as quais, pode-se localizar a cultura nas cooperativas. Ao invs de tratar neste artigo de cultura organizacional, trataremos de cultura nas organizaes, concordando com a abordagem de Barbosa (2002), cujo argumento de que a cultura deve ser analisada. Cultura um tema muito pouco explorado nos campos prtico e terico quando se trata de cooperativas, mas de grande relevncia para o desenvolvimento do cooperativismo e da administrao de cooperativas. neste sentido que o presente artigo procura contribuir com reflexes tericas sobre cultura, cultura nas organizaes, cultura brasileira e organizaes cooperativas. Desde a sua origem a organizao cooperativa exigiu de seus membros, em termos ideolgicos, uma posio de autonomia que corresponderia ao indivduo crtico, reflexivo e democrtico, qualidades tpicas da categoria sujeito, identificada no estudo de Figueiredo (1995) ao analisar os modos de subjetivao no Brasil contemporneo. No entanto, as cooperativas sempre

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    foram muito permeveis aos valores da cultura local e global. Nesse sentido, devem-se compreender as cooperativas e a sua cultura como produtos e produtoras da sociedade. Assim, aquele que associado a uma organizao cooperativa o mesmo indivduo que constitui a sociedade, que contribui para sua formao cultural e, ao mesmo tempo, influenciado por ela. Levando-se em considerao esses aspectos, procura-se explorar os elementos tericos que podem servir de referncia para analisar a cultura em cooperativas a partir da cultura brasileira, apesar de ser uma organizao estruturada com base em princpios universais de cooperao (adeso voluntria e livre; gesto democrtica; participao econmica dos scios; autonomia e independncia; educao, formao e informao; intercooperao; preocupao com a comunidade). Parte-se do pressuposto que esses princpios universais do cooperativismo no so suficientes para estabelecerem vnculos associativos entre os membros de uma organizao cooperativa, no sentido de formarem sua identidade. Tendo em vista estas consideraes, levantam-se as seguintes questes: que elementos tericos da cultura brasileira podem contribuir para compreender a cultura nas cooperativas? Que tipo de cultura cooperativista est sendo formado no seio do cooperativismo brasileiro, tendo em vista as contradies entre os princpios cooperativistas universais e os valores da cultura brasileira? Estas so indagaes que procuram orientar a reflexo terica que ora se prope. Neste sentido, identificar os valores que formam a cultura de uma sociedade o primeiro passo para se conhecer o associado da cooperativa, sua cultura e a cultura de sua organizao. A metodologia utilizada neste artigo est fundamentada no mtodo comparativo de anlise terica, a partir da definio de categorias analticas que servem de referncia para caracterizar a cultura brasileira, por um lado, e os princpios universais do cooperativismo como categorias que servem para caracterizar a estrutura das cooperativas, por outro lado. Temos, assim, uma matriz comparativa entre valores da cultura brasileira e os princpios universais do cooperativismo, como pode ser observado no Quadro 1. Quadro 1. Matriz comparativa entre valores da cultura brasileira e princpios universais do cooperativismo

    Fonte: Adaptado de Freitas (1997, p.44) Neste quadro podem-se observar as contradies tericas inerentes s cooperativas, pois para cada princpio do cooperativismo tm-se valores da cultura brasileira que o contradiz. Ao explorar essas contradies, metodologicamente estruturadas, espera-se compreender melhor a

    VALORES CULTURAIS PRINCPIOS COOPERATIVISTAS

    1. Hierarquia 1. Controle Democrtico pelos Scios 2. Personalismo 3. Patrimonialismo 2. Participao Econmica dos Scios 4. Formalismo 3. Autonomia e Independncia

    4. Adeso Voluntria e Livre 5. Jeitinho 5. Educao, Treinamento e Informao 6. Estrangeirismo 6. Preocupao com a comunidade 7. Aventureiro 7. Cooperao entre cooperativas

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    configurao organizacional das cooperativas inseridas na diversidade cultural brasileira. CONSIDERAES TERICAS SOBRE CULTURA ORGANIZACIONAL E CULTURA BRASILEIRA As cooperativas e seus associados pertencem a uma sociedade que possui uma cultura. A cultura de uma sociedade, segundo Bosi (1992, p.16), o conjunto das prticas, das tcnicas, dos smbolos e dos valores que se devem transmitir s novas geraes para garantir a reproduo de um estado de coexistncia social.. A partir desse conceito pode-se observar a coexistncia, em uma mesma sociedade, de variedades de culturas, tanto letradas como no letradas. Um grupo de pessoas dentro da sociedade pode formar um conjunto de valores especficos, ou seja, uma cultura prpria, de modo que uma sociedade pode comportar grande diversidade cultural, como o caso do Brasil. Cooperativas so formadas por grupos heterogneos de pessoas que expressam diversidade de valores, pois so influenciadas pela cultura da sociedade da qual faz parte. Os valores culturais da sociedade e dos grupos heterogneos dentro da cooperativa orientam a conduta dos associados e de seus dirigentes, criando neles um modo subjetivo de ver as pessoas e o seu meio, de se comunicar e de tomar decises. O dicionrio de cincias sociais menciona A. L. Kroeber e C. Kluckhohn, os quais apresentam uma sntese que representa os elementos aceitos pela maior parte dos cientistas sociais contemporneos quanto ao conceito de cultura:

    A cultura consiste em padres explcitos e implcitos de comportamento e para o comportamento, adquiridos e transmitidos por meio de smbolos, e que constituem as realizaes caractersticas de grupos humanos, inclusive suas materializaes em artefatos; a essncia mesma da cultura consiste em idias tradicionais e especialmente nos valores vinculados a elas; os sistemas culturais podem, por um lado, ser considerados produtos da ao e, por outro, elementos condicionadores de ao posterior. (DICIONRIO DE CINCIAS SOCIAIS, 1987, p.290).

    Para Mota e Caldas o conceito de cultura advm da antropologia e da sociologia e comporta vrias definies.

    Para alguns, a cultura a forma pela qual uma comunidade satisfaz a suas necessidades materiais e psicossociais. Implcita nessa idia est noo de ambiente como fonte de sobrevivncia e crescimento. Para outros, cultura adaptao em si, a forma pela qual uma comunidade define seu perfil em funo da necessidade de adaptao ao meio ambiente. Nesses dois casos, est presente a idia de feedback. Adaptao bem sucedida leva evoluo nessa direo. Adaptao malsucedida tende as levar correo e evoluo em outra direo. (MOTTA E CALDAS, 1997, p.16).

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    Assim, possvel observar vrias definies sobre cultura, sendo que a diferenciao est na maneira como os cientistas sociais enfatizam certas caractersticas do processo de construo cultural. A conduta de uma pessoa ou de um grupo de pessoas orientada tanto pelos valores culturais quanto pela ideologia. Ideologia um conjunto de crenas e idias organizadas que induz um indivduo ou um grupo ao. Pode-se dizer que a cultura est relacionada prtica, ao hbito, enquanto a ideologia est relacionada s crenas, s idias. Assim, a ideologia cooperativista est relacionada com os princpios cooperativistas e a cultura cooperativa com as prticas e os vnculos simblicos estabelecidos entre os associados. Quando os associados apresentam valores culturais comuns, diz-se que tm identidade entre eles. Quando os associados possuem idias semelhantes ou mesmo ideal de vida, diz-se que h identificao entre eles. Freitas (1999) apresenta as diferenas entre identidade e identificao. Por um lado, as organizaes procuram se mostrar como modelo ou fonte de identificao para aqueles que desejam se ingressar nela. Identificao, neste caso, significa reconhecer algo ou algum e reconhecer-se em algo ou em algum. Assim, identificao pode ser definido como

    Um processo psicolgico pelo qual um sujeito assimila um aspecto, uma propriedade ou um atributo de outro e se transforma, total ou parcialmente, segundo o modelo daquele. A personalidade se constitui e se diferencia por uma srie de identificaes. (FREITAS, 1999, p.40).

    Por outro lado, quando seus membros passam a compartilhar valores, a expressar sentimentos de unidade, de pertencimento, de autonomia e de confiana, pode-se dizer que a organizao conseguiu criar uma identidade ou, em outras palavras, uma cultura prpria.

    A identidade um resultado, um estado psicossocial que pode variar no tempo, ou seja, no fixa e depende de seu ponto de definio, pois pode dizer respeito ao indivduo, ao grupo e sociedade em geral. Um sujeito tem diversas identidades, e o conjunto delas lhe permite experimentar um sentimento de identidade, visto que no existe identidade sem esse sentimento interno. Este composto dos sentidos de unidade, de singularidade, de coerncia, de filiao ou pertencimento de valor de autonomia e confiana, organizados em torno de uma vontade de existncia. (FREITAS, 1999, p.40).

    Fundamentada em Castoriadis, Freitas (1999) considera que se pode compreender a sociedade e as organizaes por meio de seu imaginrio, definido por ela como o espao de representao, das formas e das imagens, a partir do qual possvel conceber o projeto, o desejo, a fantasia, o sonho de construir a si mesmo e o mundo. (p.54). assim que pelas significaes imaginrias sociais pode-se responder o que somos como coletividade, o que nos faz diferentes e singulares como sociedade, e o que somos como sociedade no mundo.

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    As organizaes, como produto da sociedade, expressam seu imaginrio por meio de sua cultura organizacional. Ao levar em conta essas consideraes, Freitas (1999) analisa as organizaes como instituio e se apia em Enriquez (1997) para qualificar a cultura organizacional como um sistema que ao mesmo tempo cultural, simblico e imaginrio. Para Freitas (1999, p.56), as organizaes lem o que se passa em seu ambiente e (re) elaboram respostas que sirvam a seus objetivos. As organizaes so espaos de comportamento controlados, ou seja, de sua natureza controlar e direcionar a ao. No imaginrio organizacional moderno apresentam-se as idias de empresa-cidad, culto da excelncia, lugar da juventude eterna, tica e moralidade, comunidade, que so analisadas e desconstrudas pela autora. Para esta autora, so as organizaes que esto ocupando os espaos de mediao das relaes sociais: os laos e as filiaes identitrias se desloca do social para o organizacional. (Freitas, 1999, p.64). Portanto, cultura organizacional para essa autora

    Um conjunto de representaes imaginrias sociais que se constroem e reconstroem nas relaes cotidianas dentro da organizao e que se expressam em termos de valores, normas, significados e interpretaes, visando um sentido de direo e unidade, tornando a organizao fonte de identidade e de reconhecimento para seus membros. (FREITAS, 1999, p.97).

    Tendo em vista estas consideraes, pode-se considerar que a sociedade brasileira possui algumas caractersticas ou traos que influenciam a sua integrao, seus conflitos, a prtica social e a reproduo cultural de seus indivduos, bem como influenciam decisivamente a cultura organizacional. Esses traos so definidos por vrios autores, dentre os quais, Silva (2003) e Freitas (1997), quais sejam: hierarquia, personalismo, patrimonialismo, formalismo, jeitinho, estrangeirismo e aventureiro. Sero apresentadas neste texto, sinteticamente, as caractersticas de cada um destes traos culturais. 3.1. Hierarquia A hierarquia um trao caracterstico da cultura brasileira que expressa a tendncia centralizao do poder, ao distanciamento nas relaes entre diferentes grupos sociais e passividade e aceitao dos grupos inferiores. Segundo Freitas (1997), a famlia patriarcal foi a responsvel pela colonizao agrria no Brasil, estabelecendo um poder aristocrtico quase ilimitado. Assim, possvel perceber o poder centralizado na figura do patriarca e a idia da normalidade do poder, da respeitabilidade e da obedincia irrestrita. Como resultado dessa forma de colonizao o modelo moral apresenta-se quase que inflexvel, pois regula as relaes entre governantes e governados, definindo as normas de dominao, conferindo a centralizao de poder nas mos de governantes e subordinao aos governados. Nesse aspecto, DaMatta (1990) um dos autores que apresentou uma rica contribuio, ao analisar o rito do Voc sabe com quem est falando? Para ele, esse rito revelador do lado hierrquico de nossa sociedade e um recurso de nosso formalismo (o Caxias) e da nossa maneira velada (e at hipcrita) de demonstrao dos mais violentos preconceitos (p.147). Essa expresso ,

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    ainda, a negao do jeitinho, da cordialidade e da malandragem, traos sempre tomados para definir nosso modo de ser. Segundo esse autor, essa expresso revela, ainda, a constituio de uma verdadeira legislao de modos e costumes hierarquizados. Verificou que a utilizao dessa expresso ocorre, geralmente, quando a posio social ameaada ou quando se quer faz-la conhecida. Nesse sentido, constatou o uso da expresso por pessoas situadas em categorias sociais inferiores, tomando a projeo social do seu chefe ou patro: Voc sabe com quem est falando? Eu sou o motorista do ministro! Isto demonstra uma verdadeira gradao de posies sociais, o que significa que, quanto mais alta a posio social, mais impacto ganha o uso da expresso. Portanto, para DaMatta (1990), o uso dessa expresso no exclusivo de uma categoria, grupo, classe ou segmento social (p.155), o que possibilita uma hierarquizao contnua e mltipla de todas as posies no sistema. Dessa forma, pode-se notar a dificuldade de se formarem identidades horizontais entre pessoas de mesma posio e, por conseguinte, a dificuldade de se formar a identidade cooperativista, pois muito mais fcil a identificao com o superior do que com o igual (p.158). 3.2. Patrimonialismo Aliado hierarquia, o patrimonialismo representa a apropriao privada dos recursos do Estado e est associado distribuio desigual de poder e riqueza, ao abandono dos setores mais pobres e impunidade das elites. Segundo Silva (2003), a apropriao privada dos recursos do Estado pode ocorrer por parte dos polticos, atravs de funcionrios pblicos, por meio de fiscalizao e propinas, e pelo setor privado com licitaes e contratos superfaturados. Como trao principal da cultura poltica brasileira, Vianna (1974) destaca o privatismo e o personalismo, formadores de uma psicologia poltica, parte das heranas coloniais e da tradio do subconsciente coletivo do pas desde os primrdios da sua histria e que subsistem nas estruturas locais, envolvendo as "elites superiores", interferindo na formao e no funcionamento dos governos. Observa-se a existncia de uma solidariedade circunscrita aos valores e interesses dos governantes, expresses de despotismo e personalismo de senhores rurais. O fato que a formao social se processou dentro do mais extremado individualismo familiar. claro que de tudo isto outra coisa no se poderia esperar seno este trao cultural to brasileiro, caracterizado pela despreocupao do interesse coletivo, pela ausncia de esprito pblico, de esprito do bem comum, de solidariedade comunal e coletiva e pela carncia de instituies corporativas em prol do interesse do lugar, da vila, da cidade(Vianna, 1974). 3.3. Formalismo O formalismo um trao cultural muito comum no Brasil, especialmente, quando se trata das leis e de seu cumprimento. O formalismo representa uma maneira tcita de aceitar normas e regras, mas com uma prtica distorcida, ou seja, cria-se prtica do faz de conta, expressa simbolicamente pelo ditado para ingls ver. Segundo Silva (2003), o formalismo uma discrepncia entre a conduta e as normas prescritas.

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    Segundo Vianna (1974), o formalismo o grande mal brasileiro, posto que os rgos do Estado so, para as elites, apenas uma fora posta sua disposio para servir aos amigos e aos interesses, ou para oprimir os adversrios e os interesses destes. Esse comportamento poltico herdado desde a colnia no sofreu profundas alteraes, o que ainda caracteriza as instituies polticas brasileiras quanto contradio existente entre o legal e o comportamental ou costumeiro. 3.4. Personalismo Para DaMatta (1990), a sociedade caracteristicamente uma sociedade fundada no personalismo, ou seja, nas relaes pessoais que orientam o comportamento individual e coletivo. Tais relaes so resultados dos sentimentos de afeto, respeito, cordialidade e considerao que aproximam uma pessoa da outra, formando uma verdadeira rede social que subordina e condiciona o indivduo. Segundo Freitas (1997), a sociedade brasileira est baseada nas relaes estabelecidas entre pessoas, famlias e grupos de parentes e amigos e no figura do cidado, do indivduo moderno. Segundo este autor, estas relaes ultrapassam a esfera social para as esferas jurdicas e polticas, uma vez que institucionalizou em nossas leis um complexo conjunto de intermediaes que privilegiam indivduos segundo critrios que variam de acordo com suas relaes. Alm disso, a obedincia total s leis representa um grande anonimato e inferioridade nessa rede de relaes e privilgios. DaMatta (1990) considera que no caso das leis gerais e da represso, seguimos sempre o cdigo burocrtico ou a vertente impessoal, universalizante e igualitria do sistema - caracterizando assim o individuo. Por outro lado, seguimos o cdigo das relaes e da moralidade pessoal, tomando a vertente do jeitinho, da malandragem e da solidariedade como eixo de ao - caracterizando a pessoa. De acordo com o autor a categoria pessoa expressa tratamento especial e de solidariedade, mas a categoria do indivduo, ao contrrio, deve seguir as leis, ou seja, so para ele que as normas e a represso foram feitas. DaMatta (1990), afirma que essas duas noes ou categorias, indivduo e pessoa, convivem no mesmo contexto de modo simultneo. Ele caracteriza o Brasil como um pas onde temos um cdigo ligado moral pessoal, aristocracia, hierarquia, em que o foco baseado em um sistema de pessoas que se concebem como complementares, sendo esta complementariedade necessria para compor a vida social. 3.5. O Jeitinho Para DaMatta (1990) o jeitinho brasileiro um mecanismo social apreendido como um quebra-galho que independe da educao, status social e renda. Representa flexibilidade, adaptabilidade e um meio de navegao social. Quando levado ao extremo se torna a malandragem. Segundo Freitas (1997), a malandragem representa o apelo para as relaes pessoais e para a intimidade do outro, tentando criar uma sada entre o impessoal e o pessoal. Esta sada intermediria entre o pessoal e o impessoal conhecida como o jeitinho. Neste sentido, o malandro seria o mestre da arte do jeitinho, ou seja, aquele indivduo flexvel que consegue adaptar-se s mais diversas situaes dinmico e criativo, esperto e difcil de ser enganado. Barbosa (1992), em sua pesquisa para explicar o significado do jeitinho no interior da sociedade brasileira apresentou um quadro comparativo entre as

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    caractersticas do malandro e as do ritual do jeitinho, como pode ser observado no Quadro 2. Quadro 2. Comparao entre as caractersticas do Malandro e as do ritual do jeitinho Malandro Jeitinho

    Tipo que freqenta as zonas ambguas da ordem social e localiza-se nos lugares intersticiais da sociedade.

    Expediente ambguo. Situa-se entre o favor considerado honesto e positivamente caracterizado e a corrupo.

    Ser que se situa dentro da classificao nativa entre o honesto e o marginal.

    Instituio no legal, mas paralegal.

    Vive no mundo da improvisao, do sentimento e da criatividade.

    Procedimento social definido como uma forma de criatividade e de improvisao, criando espaos pessoais em domnios impessoais.

    Um ser altamente individualizado seja pelo modo de andar, falar ou vestir-se.

    Processo individualizante, mas baseia-se, para sua eficcia, na identidade pessoal do indivduo.

    Vive sempre do e no presente. No tem um projeto de vida definido.

    No uma forma de ao social planejada. Surge e utilizada a partir da situao.

    Fonte: Barbosa (1992, p.45) Para esta autora, tanto o malandro quanto o ritual do jeitinho reproduz e atualiza aspectos ambguos da sociedade brasileira, que vo desde o legal, o honesto e o positivo ao ilegal, desonesto e negativo. 3.6. Estrangeirismo O estrangeirismo outro trao da cultura brasileira que corresponde ao comportamento social que tem como orientao o valor de fixao pelo estrangeiro, no sentido de subestimar os prprios valores e desvalorizar a cultura nacional. Este trao muito conhecido popularmente pelo ditado santo de casa no faz milagres. Para Freitas (1997) o estrangeirismo um trao caracterstico da crena no poder de outras pessoas que esto distantes da realidade vivida pelo grupo para resolver seus problemas. Vale ressaltar que o estrangeiro no , necessariamente, algum que ou figuras que so do exterior. O termo se refere ao modelo da metrpole em relao ao interior, ao sul em relao ao norte e assim por diante. Este trao pode levar a desqualificao da identidade, cultura local e gerar comodismos, tornando os indivduos mais espectadores do que ativos em situaes de transformaes e inovaes. 3.7. Aventureiro O valor cultural aventureiro corresponde averso ao trabalho manual ou metdico, no sentido da pessoa ser mais sonhadora do que disciplinada. Este trao da cultura brasileira foi utilizado por Srgio Buarque de Holanda, em seu

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    livro Razes do Brasil para caracterizar o modo especfico de como o colonizador portugus, especialmente os bandeirantes, se comportavam diante do trabalho disciplinado e metdico em comparao com a possibilidade de conquistar grandes fortunas com muito pouco esforo. Para o aventureiro vale muito mais colher o fruto do que plantar a rvore. Para Freitas (1997), o aventureiro dirige seus esforos a recompensas fceis e imediatas, vivem dos espaos ilimitados, estabelecendo projetos grandiosos e ambiciosos sem, contudo, se preocupar em como vo atingi-lo. Segundo Holanda (1996), o trabalhador aquele que enxerga primeiro a dificuldade de vencer, e no o triunfo a alcanar. Sabe tirar o mximo proveito do insignificante, enxerga mais a parte que o todo. O aventureiro, para este autor, aquele que ignora as fronteiras, sabe tirar proveito dos obstculos, transformando-os em trampolim para alcanar seu objetivo. O aventureiro despreza os esforos que visam estabilidade, paz, segurana pessoal e os esforos sem perspectiva de rpido proveito material. Em oposio, o trabalhador enxerga as qualidades do aventureiro como a audcia, imprevidncia, instabilidade e imprudncia desprezveis e imorais, atribuindo assim valor moral positivo apenas s aes que sente nimo de praticar. PRINCPIOS ESTRUTURANTES DAS ORGANIZAES COOPERATIVAS Desde a criao da primeira cooperativa, em 1844 na Inglaterra, as cooperativas vm sendo norteadas pelos princpios que foram estabelecidos pelos Probos Pioneiros de Rochdale como regras de conduta de seus membros. Ao longo da histria esses princpios foram sendo modificados, porm, sem perder de vista aquilo que os pioneiros idealizaram, ou seja, uma organizao fundamentada nas regras de igualdade, proporcionalidade e solidariedade. So estes princpios que garantem a configurao organizacional das cooperativas e servem de base para o seu funcionamento. Apresentamos no Quadro 3 a sntese da evoluo dos princpios cooperativistas. Quadro 3. Sntese da evoluo dos Princpios Cooperativistas Princpios Cooperativistas Estatuto de 1844 (Rochdale)

    Congressos da Aliana Cooperativa Internacional 1937 (Paris)i 1966 (Viena) 1995 (Manchester)

    1. Adeso Livre 2. Gesto Democrtica 3. Retorno Pro Rata das Operaes 4. Juro Limitado ao Capital investido 5. Vendas a Dinheiro

    a) Princpios Essenciais de Fidelidade aos Pioneiros 1. Adeso aberta 2. Controle ou Gesto Democrtica 3. Retorno Pro-rata das Operaes 4. Juros Limitados ao Capital

    1. Adeso Livre (inclusive neutralidade poltica, religiosa, racial e social) 2. Gesto Democrtica 3. Distribuio das Sobras: a) ao desenvolvimento

    1. Adeso Voluntria e Livre 2. Gesto Democrtica 3. Participao Econmica dos Scios 4. Autonomia e Independncia 5. Educao, Formao e Informao 6. Intercooperao

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    6. Educao dos Membros 7. Cooperativizao Global

    b) Mtodos Essenciais de Ao e Organizao 5. Compras e Vendas Vista 6. Promoo da Educao 7. Neutralidade Poltica e Religiosa.

    da cooperativa; b) aos servios comuns; c) aos associados pro-rata das operaes 4. Taxa Limitada de Juros ao Capital Social 5. Constituio de um fundo para a educao dos associados e do pblico em geral 6. Ativa cooperao entre as cooperativas em mbito local, nacional e internacional

    7. Preocupao com a Comunidade

    Fonte: Adaptado de Pereira e outros (2002) e Canado e Gontijo (2004). A evoluo dos princpios cooperativistas, segundo Canado e Gontijo (2004) e Schneider (1999) no coloca em risco a ideologia do movimento cooperativista, pois as alteraes ocorridas, ao contrrio de mudar a ideologia cooperativista, vm reforar suas matizes. Desta forma os princpios bsicos expostos no estatuto de Rochdale, que fazem com que a organizao cooperativa seja diferente das sociedades empresariais, no sofreram alteraes no sentido de aproximar as cooperativas das sociedades mercantis, vieram sim, reforar esta diferena (CANADO E GONTIJO, 2004, p.4) Como exemplo, pode-se notar a incluso do princpio da Preocupao com a comunidade, que vem reforar os laos entre a cooperativa e a comunidade. Canado, Silva Jr e Rigo (2008) mostram as diferenas entre este princpio e a Responsabilidade Social praticada pelas empresas. Segundo os autores, este princpio se aproxima da Teoria da Dvida, em uma perspectiva de desenvolvimento do territrio onde a cooperativa est localizada e os cooperados residem. Schneider (1999) apresenta de forma detalhada a evoluo dos princpios cooperativistas, sempre precedidas de muito debate e consultas a cooperativas e pesquisadores de todo o mundo antes das reunies que alteraram os princpios. A seguir sero apresentados e analisados os sete princpios que esto em vigor desde o ltimo congresso, em 1995, da Aliana Cooperativista Internacional (ACI). 4.1. Adeso voluntria e livre As cooperativas so organizaes voluntrias, abertas a todas as pessoas aptas a usar seus servios e dispostas a aceitar as responsabilidades de scios, sem discriminao social, racial, poltica, religiosa ou de gnero. (ICA, 2009) Este princpio, segundo Rech (2000, p.24),

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    (...) define a necessidade de as cooperativas serem suficientemente abertas para que as pessoas que queiram delas participar possam entrar ou sair sem maiores dificuldades. um princpio de duas faces muitas vezes conflitantes. Do ponto de vista da democracia, muito interessante, mas isso em sociedades igualitrias. Na nossa sociedade tremendamente dividida em extremos de privilegiados e multides de excludos, o princpio camufla a diviso de classes e nivela por cima a participao de ricos e pobres, sem considerar que, neste caso, pelo poder econmico quem acaba mandando sempre ser o pequeno grupo dos abastados.

    Por outro lado, para Crzio (2000), este princpio tem como finalidade disciplinar a admisso de novos associados cooperativa, ou seja, deve haver compatibilidades de objetivos do interessado com os da cooperativa sem o carter discriminatrio. Para este autor, a adeso voluntria e livre pode servir, ainda, como um mecanismo de filtragem pelas cooperativas para admisso de seus associados, proporcionando um ambiente favorvel s discusses de interesses comuns. 4.2. Gesto democrtica Segundo Rech (2000), este princpio deve garantir a democracia interna da cooperativa, todos os associados devem ter a possibilidade de se manterem em uma posio de igualdade para serem eleitos para qualquer cargo de direo, de usufrurem os benefcios prestados pela cooperativa, de exercerem a autogesto e, principalmente, de se conscientizarem da responsabilidade de todos dentro da cooperativa. No basta manifestao superficial dos associados na cooperativa, necessrio que estes tenham maior envolvimento, levando crticas e sugestes para a mesma, bem como exigindo transparncia dos organismos de direo em suas gestes. O controle democrtico est intimamente relacionado com os nveis de participao dos associados. Segundo Maia (1985), a participao s se verifica quando os participantes reconhecem o seu valor no grupo, na sociedade, conhecem a sua problemtica e lutam por seus interesses objetivos. Fundamentando-se em Bordenave, Alencar (2001) analisa sete graus ou nveis de participao, quais sejam: informao; consulta facultativa; consulta obrigatria; recomendao; co-gesto; delegao; autogesto. Para este autor a informao o menor grau de participao, pois o fato de os dirigentes repassarem as decises tomadas j uma forma de participao. A consulta facultativa constitui uma forma da administrao da cooperativa consultar os subordinados, quando e se quiser, solicitando crticas, sugestes ou dados para resolver algum problema. Quando a consulta obrigatria, os subordinados devem ser consultados em certas ocasies, embora a deciso final pertena ainda aos diretores. Na recomendao os subordinados participam das tomadas de decises na organizao por meio de propostas elaboradas e recomendao de medidas que a administrao pode aceitar ou no, mas sempre se obrigando justificar sua posio. Num degrau superior

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    est a co-gesto, na qual a administrao da organizao compartilhada mediante mecanismos de co-deciso e colegialidade. A delegao constitui um grau superior da participao, em que os associados tm autonomia em certos campos ou jurisdies antes reservados aos administradores. A administrao define certos limites dentro dos quais os administradores tm poder de deciso. Para que haja delegao real os delegados devem possuir completa autoridade, sem precisar consultar seus superiores para tomarem as decises. No grau mais alto da participao se encontra a autogesto. Na autogesto, o grupo responsvel por se autogerir, ou seja, o prprio grupo que estabelece os objetivos a serem alcanados, define os meios para atingi-los e a forma de controle. No h a presena de um agente externo, o grupo se torna administrador e administrado ao mesmo tempo. Segundo Canado e Gontijo (2004) este princpio o grande diferencial das cooperativas em relao s empresas mercantis, pois faz das cooperativas sociedades de pessoas e no de capital. Pode-se notar pelo Quadro 3 que este princpio sempre esteve presente no iderio cooperativista. 4.3. Participao econmica dos scios A pessoa que queira se associar a uma cooperativa tem que entrar com um capital inicial, ou seja, uma quota-parte. Os associados tm assegurado, pela Lei n 5764 de 16 de dezembro de 1971, o controle de sua participao econmica, bem como o retorno financeiro proporcional ao volume de transaes feitas com a cooperativa, independentemente da quantidade de quotas-parte que cada associado tenha integralizado na cooperativa. Ao final de cada perodo contbil, o excedente dos resultados (sobras) dever ser destinado de acordo com as decises tomadas em Assemblia Geral Ordinria ou de acordo com as normas estabelecidas em estatuto. 4.4. Autonomia e independncia Segundo Crzio (2000), este princpio possibilita aos associados e a cooperativa firmar convnios e contratos com terceiros, mantendo, ao mesmo tempo, a autonomia e a independncia da cooperativa. Aos associados cabe fiscalizar o cumprimento da misso e dos objetivos da cooperativa, so eles que iro tomar as decises sobre o futuro e os negcios desta, ou seja, so as assemblias gerais, ordinrias ou extraordinrias, que devero conduzir a vida e gesto da cooperativa. 4.5. Educao, formao e informao Este princpio procura formar o cooperado dentro do esprito cooperativista e tem como base os prprios princpios cooperativistas. A educao cooperativista um meio utilizado pelas cooperativas para colocar em prtica este princpio. A educao cooperativista constitui o processo de comunicao e de aprendizagem, busca desenvolver o sentido de cooperao entre os membros da cooperativa. 3.6. Intercooperao Segundo Crzio (2000), por meio deste princpio a cooperativa busca a integrao com outras cooperativas trocando informaes e/ou experincias com cooperativas do mesmo segmento, levando em conta a produo, a comercializao e a prestao de servios gerais para seus associados e/ou

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    terceiros. Alm disso, o trabalho em conjunto das cooperativas permite que as mesmas obtenham maior economia a partir da distribuio em conjunto de seus produtos, em mbito local, estadual, nacional ou internacional. Uma vez em rede, facilita-se a expanso das cooperativas, enquanto movimento, alm de dar melhores condies aos seus membros e futuramente a toda a comunidade. Este princpio tem respaldo na Lei 5764 com o chamado Ato Cooperativo, o qual garante a iseno de impostos em transaes comerciais entre cooperativas. No entanto, este recurso jurdico no tem sido utilizado pelas cooperativas. 3.7. Preocupao com a comunidade Segundo Rech (2000), a cooperativa deve assegurar direitos iguais aos benefcios gerados pela economia desta, independente das condies econmicas, poltica e social de cada um, dentro e fora da associao. Alm disso, a cooperativa deve ter sempre uma relao muito prxima com a comunidade em que se encontra. Ao mesmo tempo em que ela tem como foco o benefcio de seus associados, ela tambm deve irradiar o seu princpio da cooperao para a comunidade na qual est inserida, ou seja, a cooperativa deve buscar trabalhar para o bem estar da comunidade, atravs da execuo de programas scio-culturais, realizados em parceria com o governo e outras entidades civis. A REALIDADE DA CULTURA COOPERATIVISTA NO BRASIL As cooperativas, no Brasil, geralmente, so constitudas por associados que apresentam grau acentuado de diferenciao social e econmica, o que dificulta a formao da identidade cooperativa. Essa diferenciao no interior das cooperativas reflete as diferenas culturais de nossa sociedade. Como conseqncia, os associados apresentam interesses e necessidades diferenciadas, apesar de constiturem uma organizao com finalidades comuns. Alm disso, essas diferenas tm levado determinados grupos dentro das cooperativas a agirem na direo de atingir seus interesses particulares, em detrimento dos outros grupos. Nesse sentido, Fleury (1983) identificou, em seu estudo sobre as cooperativas agrcolas, diferentes categorias de produtores dentro de uma mesma cooperativa e analisou a dinmica de suas relaes.

    A articulao das vrias categorias de produtores no interior das cooperativas se processa muito mais no sentido de favorecer a grupos dominantes: os produtores capitalistas. Isto no implica na destruio das outras categorias de produtores que, pelo contrrio, se configuram como pea essencial reproduo no s da cooperativa como dos prprios produtores capitalistas (FLEURY, 1983, p.144).

    A anlise feita por Fleury (1983) indicativa de que predomina nas cooperativas agrcolas as relaes personalistas e seus desdobramentos, dentre os quais, a complementariedade entre categorias sociais distintas. Assim, vamos encontrar no cooperativismo brasileiro um tipo de cultura fundamentada nas relaes tradicionais, caracteristicamente personalistas, paternalistas, clientelsticas, assistencialistas e autoritrias. Essas

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    caractersticas foram identificadas nos estudos de Rios (1979), em que destacou a figura do dono da cooperativa, a pessoa que administra os negcios da cooperativa, que define a poltica da mesma, toma decises e mantm contato com bancos e rgos de assistncia tcnica. Neste mesmo sentido, fundamentando-se em resultados de pesquisa de autores como Laurent (1981), Hofstede (1984) e Adler (1991), Motta (1997, p.30) considera que (...) as empresas brasileiras so marcadas por decises que tendem a ser caracterizadas por uma interao social intensa, bem como por um envolvimento ativo dos dirigentes superiores geralmente autocrticos. Paradoxalmente, Vilela, Carvalho Neto e Lopes (2008) em um estudo comparativo identificaram que os dirigentes de cooperativas se mostraram mais autoritrios que os dirigentes de empresas mercantis. Esta constatao encontra respaldo no trabalho de Salazar e Soares (1997) que mostra a perpetuao no poder em uma Central de Cooperativas mineiras, que surgiu de uma empresa pblica. Neste trabalho, os autores analisam como a cultura da organizao foi moldada pela ideologia e crena dos lderes, que se perpetuaram no poder por dcadas, impondo s cooperativas afiliadas e seus cooperados padres empresariais de relao e produo. Nesta cooperativa, em depoimento do principal lder, encontram-se fortes indcios de estrangeirismo:

    No pagamos pesquisadores para melhoramento da qualidade dos produtos. Preferimos viajar ao exterior, gastando bem e observar, l no exterior, o que h de novidade e trazermos para o Brasil. Quando tnhamos equipe de pesquisadores, nossos produtos, ao serem vendidos, no davam certo. Pegando a tecnologia e novidades do exterior, tudo d certo. (SALAZAR E SOARES, 1997, p.9) (grifos nossos)

    Outro problema relacionado direo de cooperativas foi apresentado por Antonialli (2000), estudando uma cooperativa agropecuria no sul de Minas Gerais. Nesta organizao as eleies so responsveis por grandes mudanas de rumo na cooperativa, o que impede um planejamento de longo prazo e gera conflitos internos entre vencedores e derrotados. Porm, o ambiente externo cooperativa pode ter influncia sobre sua cultura, Silvestre e Crubellate (2007) apresentam um estudo de mudana cultural em uma grande cooperativa paranaense, onde o paternalismo foi substitudo pela profissionalizao da gesto em nome da sobrevivncia da prpria cooperativa. Outro caso emblemtico o de uma indstria txtil falida que foi recuperada como cooperativa no interior de Minas Gerais. Praticamente no houve mudana na identidade dos ex-funcionrios e atuais cooperados, isto seria explicado em grande parte pela manuteno do espao fsico e simblico, aliado ao desconhecimento do cooperativismo (BARRETO E DINIZ, 2008). Vieira (2009), ao investigar as fraudes em cooperativas de trabalho, relata que o caso brasileiro nico, pois no se verifica o mesmo comportamento em outros pases. Segundo o autor quanto menor for o grau de participao poltica dos associados, maior a probabilidade das cooperativas serem fraudulentas (p.16). Ao estudar os casos de cooperativas em vrios pases Latino-americanos na dcada de 60, tais como Colmbia, Venezuela e Equador, Borda (1971) analisa que elas funcionavam em comunidades com estreitos vnculos com os

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    sistemas econmicos e polticos nacionais, semelhana do caso brasileiro. Para ele, confiana e solidariedade locais foram valores indispensveis para garantir condio mnima de vida organizacional s cooperativas estudadas. Cada uno de los miembros de la cooperativa conoca a los dems, lo cual estimul su compromisso y participacin. Se logr una cierta homogeneidad entre ellos, pues la diferenciacin social se mantuvo en un nivel mnimo. (BORDA, 1971, p.95) No entanto, Borda (1971) analisa que o princpio da honra, nas cooperativas estudadas, foi colocado acima da inteligncia e do conhecimento como pr-requisito para o trabalho cooperativo exitoso. Alm disso, verificou trs problemas relacionados com a organizao interna de todos os casos estudados por ele, quais sejam:

    a) Falta de qualificao e competncia tcnicas do pessoal administrativo;

    b) Falta de cumprimento dos papis e funes do corpo diretivo;

    c) Sistemas de arquivo e controles contbeis precrios. Tais problemas esto intimamente relacionados com a forma como essas cooperativas foram constitudas. Borda (1971) destaca trs fatores principais que levaram agentes externos s comunidades locais a constiturem as cooperativas:

    a) Impulsos humanitrios de grupos externos interessados no desenvolvimento local que, geralmente, ofereciam algum tipo de ajuda institucional;

    b) Necessidades de servio sentidas por instituies nacionais e internacionais, como as igrejas;

    c) Interesse poltico por parte de certas agncias governamentais, que impunham algum tipo de controle.

    Acrescenta-se a esses fatores o processo de interveno tutorial dos agentes externos, os quais tendiam a trabalhar em aliana com instituies e lderes tradicionais locais, respeitar as condies impostas pelo status quo e cortejar certos interesses criados por eles, bem como colaborar com as estruturas do poder tradicional. Em termos gerais, as relaes tradicionais no interior das cooperativas apresentam fatores que dificultam ou impedem a formao da identidade cooperativa, quais sejam:

    Grupos ou indivduos que possuem maior informao, maior disponibilidade de tempo e que esto articulados com o poder local, geralmente conduzem as cooperativas na direo que beneficia seus interesses particulares, estabelecendo-se relaes personalistas e assumindo posio do tipo paternalista ou tutorial;

    Os associados, imersos na cultura do silncioii, esperam que as lideranas exeram o papel de tutor ou de bom patro, resolvendo seus problemas e trazendo benefcios, e abandonam a cooperativa quando perdem a expectativa de receber benefcios. Neste caso, os associados passam a ser clientes das lideranas da cooperativa;

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    Conflito entre a gerncia e o conselho de administrao e os associados em relao ao modelo ideolgico de administrar a cooperativa. Em muitos casos os gerentes contratados so capazes de administrar produtiva e economicamente a cooperativa, mas no administram coerentemente com a ideologia e a cultura cooperativa;

    Os cooperativistas fundadores, que mantiveram a chama do esprito cooperativista acesa, por um lado, ficam marginalizados da organizao porque os critrios gerenciais de competitividade sobrepem os critrios de cooperao. Por outro lado, a transmisso dos valores cooperativistas s novas geraes fica comprometida, causando a ruptura nos vnculos de identidade, o que se torna em evidncia em momentos de crise, quando decaem os resultados econmicos.

    Para a superao desses fatores limitantes da formao da identidade cooperativa, trs alternativas tm sido adotadas pelas cooperativas em geral, quais sejam:

    O grupo majoritrio ou aquele que est na posio de comando impe aos demais associados a prpria atitude e os valores de seu grupo, com base na autoridade e no poder que ostenta;

    Estabelecimento de compromisso no trabalho e na produo sem autntica coerncia ou legitimidade entre associados;

    Dilogo conscientizador entre os associados, compartilhando idias e valores sobre o modo de pensar e de agir coletivamente.

    O primeiro caso de imposio e acarreta resistncia, tenso, averso entre os membros da cooperativa, que pode levar desagregao e diviso cultural. O segundo caso promove conformismo que no deixa ningum satisfeito, o que acarreta distanciamento entre os associados, indiferena diante de uma ideologia e de uma cultura com as quais ningum se identifica. No terceiro caso d-se o compartilhamento de idias e valores entre os associados que promove a formao da identidade do grupo porque o dilogo conscientizador pode ser capaz de fortalecer os vnculos identitrios. Dessa forma, os associados compartilham e interiorizam uma cultura que verdadeiramente de todos, formando um autntico grupo cooperativo de intensa coeso. Seus membros tero o sentimento de vnculo com a cooperativa e sero comprometidos com suas metas. Tendo em vista estas consideraes e fundamentando-se em resultados de pesquisas de diversos autores como Borda (1971), Fleury (1983), Maia (1985), Alencar (1986), Rech (2000), Pereira (2002), Pereira (2003), dentre outros, podemos confrontar os valores da cultura brasileira com os princpios cooperativistas no sentido de tentar caracterizar o perfil da cultura organizacional das cooperativas brasileiras e refletir sobre as possibilidades de mudana. A hierarquia e o personalismo se manifestam nas cooperativas medida que h uma centralizao do poder dos grupos dirigentes, as mesmas pessoas ocupando os cargos dos conselhos durante anos, mudando apenas de funo. Este trao da cultura brasileira se contrape de imediato ao princpio controle democrtico pelos scios.

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    Geralmente, as cooperativas so constitudas por associados que apresentam acentuado grau de diferenciao social e econmica, com interesses e necessidades diferentes, o que tem levado a formao de grupos heterogneos de associados dentro das cooperativas que agem na direo de atingir seus interesses particulares em detrimento do interesse do grupo como um todo. Pode-se considerar a existncia, no interior das cooperativas brasileiras, de uma situao tpica da complementariedade da cultura personalista e do patrimonialismo, uma vez que se manifesta a privatizao do bem pblico da cooperativa por lideranas ou por pequenos grupos. Quanto o princpio da adeso voluntria e livre possvel verificar que, apesar de constar em sua definio que as cooperativas so organizaes voluntrias e esto de portas abertas para qualquer pessoa que dela queira participar, isto no ocorre na maioria das vezes. H situaes em que as cooperativas recusam a aceitar novos associados alegando manuteno da qualidade dos servios, ou mesmo, fundamentando-se na lei, algumas cooperativas alegam impossibilidade tcnica de atendimento. No que diz respeito autonomia e independncia das cooperativas verifica-se que este princpio figura apenas como fachada ou como referncia apenas autonomia em relao ao Estado com a promulgao da Constituio de 1988. Alm disso, geralmente, as cooperativas copiam modelos de estatutos e regimentos no ato de sua constituio e, mesmo depois de aprovados, funcionam apenas como pea figurativa obrigatria, constituindo em um formalismo, pois os associados nem sequer sabem a que se refere. Neste caso, o formalismo se faz presente nas regras estabelecidas pelo estatuto da cooperativa como trao caracterstico da cultura brasileira. O jeitinho brasileiro entra em cena nas cooperativas indo de encontro ao princpio da educao, treinamento e informao no momento em que deixa de lado o processo de educao cooperativista, ou seja, os associados no recebem nenhum tipo de orientao a respeito da gesto da cooperativa, no passam por um processo educativo com o intuito de conscientiz-lo a respeito do que representa uma cooperativa, os princpios que orientam sua atuao, a sua importncia dentro da cooperativa, a importncia de participar de forma reflexiva nas assemblias, enfim, de desenvolver o verdadeiro esprito cooperativista. Os funcionrios, geralmente, no recebem nenhum tipo de treinamento para que possam desenvolver suas funes plenamente. As cooperativas muitas vezes no colocam em prtica o princpio da preocupao com a comunidade, visto que no valorizam a potencialidade da comunidade na qual est inserida. Alm disso, ela no leva em considerao os conhecimentos dos seus associados e funcionrios, preferindo adotar idias e modelos vindos de fora, caracterstica esta prpria do estrangeirismo, ou seja, subestima os valores da cultura local preferindo adotar medidas vindas de fora. Quanto ao princpio da cooperao entre cooperativas, so poucas as cooperativas que realizam parcerias entre si. No h uma troca de informaes, experincias, ou at mesmo a compra e/ou vendas em conjunto, obtendo assim, maior economia de escala na distribuio de produtos. Muitas cooperativas preferem usufruir de contratos firmados de retorno imediato a se unirem para tentar mudar alguma situao atual que, se modificada no futuro, poder trazer um retorno maior. Essa uma caracterstica cultural tpica da aventura, em que o planejamento e as aes de cooperao no so colocados em prtica, preferindo-se a aventura de conquistar mercado sem planejamento ou de colher o fruto sem plantar a rvore.

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    CONSIDERAES FINAIS Este estudo procura contribuir para se compreender melhor o cooperativismo brasileiro por dentro de sua estrutura cultural, a forma como a cultura brasileira se faz presente dentro das cooperativas por meio das decises e das aes. Constata-se, ao se comparar os princpios com os traos culturais, uma distncia muito grande que pode inviabilizar determinadas cooperativas. Os traos culturais verificados neste estudo constituem uma barreira para que os brasileiros possam assumir os princpios cooperativistas como valores culturais e colocar em prtica a configurao organizacional delineada por tais princpios. Alm disso, os princpios cooperativistas sinalizam traos culturais tpicos da sociedade moderna, tais como igualdade de direitos, liberdade, equidade, dentre outros. Neste contexto, as transformaes dos traos culturais brasileiros em direo sociedade moderna podem contribuir para que os princpios cooperativistas se estabeleam plenamente. Portanto, pode-se afirmar que os princpios cooperativistas tero xito medida que o contexto cultural esteja mais prximo da democracia, especialmente a democracia participativa ou deliberativa. Por estes motivos, este estudo contribui para traar o perfil cultural e os valores que formam a identidade dos associados nas cooperativas, por meio dos traos culturais apresentados. Contribui, ainda, para identificar a cultura organizacional presente nas cooperativas. Identificar a cultura organizacional de uma cooperativa requer metodologia de interveno adequada que conduza os associados a uma reflexo crtica do seu papel na organizao e o papel da organizao na sociedade local, regional e global. Dessa forma, elaborar um programa de educao cooperativista, com base nos traos culturais comparados aos princpios cooperativistas, poder promover, adequadamente, a insero dos associados na cooperativa de forma plena, democrtica e conscientizadora. A partir destas consideraes, podem-se levantar as seguintes questes: os brasileiros devem adaptar ou transformar seus valores culturais aos princpios cooperativistas? Ao contrrio, os princpios cooperativistas devem ser relativizados aos valores culturais brasileiros? Ou ainda, os princpios cooperativistas e os valores culturais podero ser mesclados formando uma nova configurao organizacional cooperativa de forma hbrida? As respostas a estas questes merecem novos estudos em maior profundidade. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ADLER, N. J. International dimensions of organizational behavior. Belmont, Wadsworth, 1991. ALENCAR, E. An interpretative study of the agricultural cooperative as a means for farmers to adapt to the social system: a case study in southern Minas Gerais, Brazil. Reading, university of Reading, 1986. 370p. (PhD - Tese). ALENCAR, Edgard e ORTIZ, Marcos Affonso. Ecoturismo e Planejamento Social. Lavras: UFLA/FAEPE, 2001. ANTONIALLI, Luiz Marcelo. Influncia da mudana de gesto nas estratgias de uma

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  • Jos R. Pereira; Airton C. Canado; Flvia O. Rodrigues; Edmilson E. Silva| 81

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