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Culturas midiáticas audiovisuais: estudos

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Este e-book surge dos encontros que os estudantes do GEDIC – Grupo de Estudos de Divulgação Científica – realizaram ao longo dos três anos seguin- tes ao primeiro e-book, em 2009. Alguns já defenderam suas dissertações e aqui estão seus resultados; e outros ainda estão no processo de finalização das suas pesquisas e também vêm aqui dividir suas descobertas.

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CULTURAS MIDIÁTICAS AUDIOVISUAIS: ESTUDOS

ORGANIZADORESAlAn MAscArenhAs

elton Bruno Pinheiro

olgA tAvAres

João PessoA - 2014

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Livro produzido pelo ProjetoPara Ler o Digital: reconfiguração do livro na Cibercultura – PIBIC/UFPB

Departamento de Mídias Digitais – DEMID / Núcleo de Artes Midiáticas – NAMIDGrupo de Pesquisa em Processos e Linguagens Midiáticas – Gmid/PPGC/UFPB

Coordenador do ProjetoMarcos Nicolau

CapaDiego Gomes Brandão

Editoração DigitalMarriett Albuquerque

Marina Maracajá

Alunos IntegrantesFabrícia GuedesFilipe AlmeidaKeila LourençoMarina MaracajáMarriett AlbuquerqueRennam VirginioBruno Gomes

Revisão:

Alan MascarenhasElton Bruno Pinheiro

Olga Tavares

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EDITORA

Av. nossA senhorA de FátiMA, 1357, BAirro torre ceP.58.040-380 - João PessoA, PB

www.ideiAeditorA.coM.Br

Atenção: As iMAgens usAdAs neste trABAlho o são PArA eFeito de estudo,de Acordo coM o Artigo 46 dA lei 9610, sendo gArAntidA A ProPriedAde

dAs MesMAs Aos seus criAdores ou detentores de direitos AutorAis.

C968 Culturas midiáticas audiovisuais: estudos [recurso eletrônico] / Alan Mascarenhas, Elton Bruno Pinheiro, Olga Tavares, organizadores.- João Pes-soa: Editora Idéia, 2014.

CD-ROM; 43/4 pol. (2.500kb) ISBN: 978-85-7539-923-1 1. Comunicação. 2. Culturas midáticas. 3. Meios de comu-

nicação. I. Mascarenhas, Alan. II. Pinheiro, Elton Bruno. III. Tavares, Olga. CDU: 007

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SUMÁRIO

Apresentação .....................................................................................................................07A televisão transmídia de Alice: reconfiguração narrativa na televisão fechada brasileira Alan Mascarenhas ............................................................................................................. 09“Fanmedia” storytelling: a produção cultural dos fãs na análise de composições transmidiáticas narrativas Alan Mascarenhas................................................................................................................38 Ativismo e midiatização no ambientalismo brasileiroAna Azevedo .......................................................................................................................64O rádio e a convergência digital: considerações sobre um processo em mutaçãoElton Bruno Barbosa Pinheiro ..................................................................................... 91Rádio digital: é preciso sintonizar melhor essa reinvençãoElton Bruno Barbosa Pinheiro ....................................................................................116

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A cultura do fã de cinema no omelete: um novo conceito de “receptor”João Batista Firmino Júnior ..........................................................................................170TV pós digital: novas formas de construção televisiva na sociedade midiatizadaGraciele Barroso Karla Rossana Francelino Ribeiro Noronha ...........................................................189Copa do mundo no Brasil: análise semiótica visual de capas de revistasLiliane Calado Olga Tavares ......................................................................................................................212Movimentos sociais na Amazônia: ciberativismo e luta através da redeLucas Milhomens Fonseca ...........................................................................................232O prosumer midiático & a ressignificação jornalísticaPâmela BórioOlga Tavares ......................................................................................................................276

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APRESENTAÇÃO

Este e-book surge dos encontros que os estudantes do GEDIC – Grupo de Estudos de Divulgação Científica – realizaram ao longo dos três anos seguin-tes ao primeiro e-book, em 2009. Alguns já defenderam suas dissertações e aqui estão seus resultados; e outros ainda estão no processo de finalização das suas pesquisas e também vêm aqui dividir suas descobertas.

Muito mais que um grupo de estudo, o GEDIC tentou incutir a impor-tância que a pesquisa tem na construção do fazer acadêmico, pois ela de-manda, principalmente, esforço próprio, curiosidade, vontade e desapego. No espaço coletivo das reuniões, às vezes até comemorativas, havia apenas a ideia de manter coeso o grupo e as temáticas que se interconectavam e/ou se realimentavam. Em verdade, o espírito do GEDIC se fez no conjunto de todos os anseios de preencher aqueles espaços do saber com os saberes de todos/as, mantendo sempre a particularidade do conhecimento adquirido por cada um/a.

Como coordenadora do GEDIC, o que me fascinou especialmente foi acompanhar cada interesse individual convergindo para o que era do inte-resse do grupo, em geral. E, além de tudo isso, ver que esses/as jovens estão

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forjando seu fazer profissional embuídos das mesmas intenções e com pro-jetos em comum, é, de fato, alvissareiro. Estamos juntos desde os tempos da graduação; portanto, foi uma longa e prazerosa travessia por esses oceanos misteriosos e de infindável grandeza da Ciência e da Tecnologia.

As Culturas Midiáticas Audiovisuais do PPGC-UFPB oferecem contribui-ções valiosas das pesquisas desses componentes dos seus quadros. Esses/as integrantes do GEDIC vêm se dedicando aos estudos com afinco, abnegação e generosidade. Seus objetos de estudo estão compondo este e-book em forma de um presente que estamos nos dando para brindar o desfecho de mais uma etapa da vida acadêmica. Sabe-se que quando entramos nesse mundo do saber, o caminho que se toma é o de nunca deixar de aprender, de estudar, de se atualizar e de insistir em trocar o nosso conhecimento com todos/as que se dispuserem a ir a busca de novos saberes e de novos espa-ços de diálogos para atravessar todas as fronteiras possíveis.

Olga Tavares Líder do Grupo de Estudos de Divulgação Científica

GEDIC/CNPq

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A TELEVISÃO TRANSMÍDIA DE ALICE: RECONFIGURAÇÃO NARRATIVA NA TELEVISÃO FECHADA BRASILEIRA1

Alan Mascarenhas 2

ResumoEste artigo busca uma reflexão acerca de postulados da televisão diante da complexi-ficação de suas narrativas que reconfiguram a relação entre produtos e espectadores como na série “Alice” da HBO Brasil. “Alice”, possui uma particularidade: os persona-gens não só existiam na televisão e nas redes sociais (Orkut, Twitter, Facebook), mas também passaram habitar o cotidiano, indo a eventos e criando situações que funcio-navam como desdobramentos dos acontecimentos dos episódios, em uma espécie de performance que parece reconfigurar não só a lógica transmidiática proposta por Henry Jenkins, mas principalmente a produção e o consumo televisivo contemporâ-neo que impelem em novas relações com o cotidiano de sua audiência.

Palavras-Chave: Série televisiva. Narrativa Transmidiática. Interator.1 Trabalho oriundo da discussão proposta na dissertação de mestrado “Do outro lado do espelho: a reconfiguração da narrativa transmidiática nas mídias digitais a partir da série Alice” desenvolvida por Alan Mascarenhas no Progra-ma de Pós-Graduação em Culturas Midiáticas da Universidade Federal da Paraíba sob orientação da professora Olga Tavares e defendido em junho de 2013.2 Mestre em Comunicação e Culturas Midiáticas Audiovisuais, pela Universidade Federal da Paraíba – UFPB e Gradu-ado em Comunicação Social pela mesma Universidade. Pesquisador do Grupo de Estudos de Divulgação Científica (GEDIC) - PPGC/UFPB/CNPq. Endereço eletrônico: [email protected].

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Entrando no universo de Alice

A personagem Alice da série homônima produzida e exibida pela HBO Brasil não é exclusividade da televisão: “Minha vida ia precisar de uns 140 milhões de caracteres. Meus pensamentos talvez caibam aqui”, escreve Ali-ce Zanetti no Twitter em 8 de setembro de 2010. Alice estava certa, já que sua vida, de fato, não caberia na televisão, muito menos no Twitter ou em qualquer outra plataforma de forma isolada, precisando de um conjunto de mídias e plataformas para contar sua história ao passo que radicalizava a ló-gica do enquadramento televisivo ao sair das telas para fisicamente habitar as ruas de São Paulo enquanto personagem.

Um mês antes de ser exibida na televisão, a história ganha um blog onde Alice não faz alarde quanto a sua ficcionalidade, afinal, faz parte desta radi-calização borrar linhas entre real e ficcional. Assim, a personagem criada por Karim Aïnouz e Sérgio Machado era usuária do MSN Messenger – sistema de chat da Microsoft –, possuía número de celular, além de estar ativamente presente no Orkut, como qualquer outro usuário da internet. Um mês de-pois, sem deixar a rede, a série ganha à televisão, se enquadrado aos câno-nes balizares desta mídia tão menos fluída que o ciberespaço, mas acionan-do uma lógica maleável através da convergência com as plataformas e de performances no mundo atual. “Hoje a noite estarei trabalhando no desfile

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de moda do dudu. Encontro você na HBO às 22h! Alice”, diz uma mensagem de texto enviada por Alice aos expectadores que deram o número do celu-lar à personagem através do site da atração. Engendrar virtualidade com o cotidiano parece ser a premissa de Alice, que vai além de uma televisão com segunda tela e parece apontar para uma reconfiguração do Henry Jenkins (2003) define por narrativa transmidiática.

Com a conclusão da primeira temporada na televisão, Alice segue seu iti-nerário textual na internet, aderindo a redes sociais mais atuais da época, tal como o já mencionado Twitter, além do Facebook, YouTube, e redes sociais de música, como o MySpace, Lastfm, entre outras. Começa então o período no qual a série sai da televisão e migra para a internet, onde passa dois anos sen-do narrada. É também neste período que a personagem Alice, interpretada por Andrea Horta, sai das telas (do computador e da televisão) para o mun-do atual, ganhando as ruas de São Paulo em um ato performático, na cidade onde a série se passa, fazendo uso das redes sociais integradas ao Foursquare para tornar pública sua geolocalização, permitindo que usuários fossem até o brechó que herdou da sua tia na primeira temporada para que lá Alice conti-nuasse sua narrativa ou que encontrassem com ela para um café.

A série da HBO nos parece sintomática de um meio que vive um impasse, afinal como obedecer às lógicas já enraizadas de programação e economia da televisão, sustentar os limites rígidos de grade e proteção intelectual des-

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te meio num momento em que se vive uma lógica expansiva dos regimes de espectatorialidade?

Ver televisão deixou de ser apenas um estado para se tornar um status compartilhado por usurários, onde a postagem de uma cena de novela re-mixada com uma música do funk carioca é sinônima de pertencimento ou exclusão dentro da linha do tempo das redes sociais. O consumo de tele-visão através da internet vai deixando uma série de indícios da relação dos indivíduos com os programas de TV, instantâneos de uma dinâmica efê-mera, muitas vezes celebratória, outras vezes irônica e jocosa, mas sempre acionando um lugar de compreensão das dinâmicas de espectatorialidade agendadas pela TV na internet que destaca novos traços da televisão no co-tidiano, além de múltiplos itinerários de consumo de ficções que antes eram apenas televisivas.

A particularidade de Alice está na sua transmidiação que envolve 17 pontos de entrada para a série alternando a lógica do massivo com o pós--massivo no atravessamento do personagem físico para o cotidiano dos es-pectadores através do que Max Giovagnoli (2011) chama de “ações urba-nas” (urban actions) dentro do conceito de transmídia, proposto por Henry Jenkins (2003) em sua forma clássica.

Dentro de um fenômeno tão largamente discutido como “transmídia”, o que nos interessa pensar aqui não é uma euforia diante de novas narrativas,

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mas refletir a lógica de uma televisão que “fagocita” outros meios a ponto de radicalizar e habitar novos espaços dentro de um território informacional, como a própria cidade, fazendo de espaços físicos um lugar para textos te-levisivos tão imersíveis que engendram o cotidiano dos espectadores de tal forma que transforma o próprio real em ambiente ficcional, mesmo fora do enquadramento de câmeras e do contexto do plano de TV. Acionando assim, novos níveis de espectatorialidade dentro do regime de consumo e produção da televisão, outrora tão rígido. Para tanto, se faz necessária uma adequação do que de fato se constitui como transmídia para, talvez, compreendermos esta televisão contemporânea.

Transmídia: problemáticas das novas lógicas narrativas

A série Alice da HBO vai além do que José Luiz Braga (2006) chamou de “resposta social” ao falar de um ativismo da sociedade diante do que se con-some na mídia, já que neste produto temos comentários nas redes sociais e uso de hashtags, mas que culmina numa experiência, numa série que habita outros espaços massivos e pós-massivos r que mobiliza este fazer/assistir televisão de maneira transmidiática. No entanto, refletir transmídia tem se tornado mais complexos diante de novos casos práticos que acompanham novas vertentes teóricas, ambos circunscritos por uma tecnologia que rapi-

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damente gera novas situações sociais e midiáticas. O termo “transmídia” surge ainda em 1991, quando a autora Marsha

Kinder descreve franquias de produtos midiáticos que são comercializados em plataformas diferentes. Na obra Playing with Power in movies, television, and videogames: from muppet barbies to teenage mutant ninja turtles, Kinder (1993) reflete sobre a programação infantil da televisão que exige das crian-ças a habilidade de relacionar histórias em quadrinho com filmes e depois com os episódios da televisão, a exemplo, fenômeno que chama de “inter-textualidade transmidiática” (transmedia intertextuality).

Apenas em 2003 o termo ganha um sentido mais próximo da reconfigu-ração da estrutura narrativa audiovisual através do texto transmedia story-telling por Henry Jenkins, o qual traz o mesmo apontamento sobre franquias de produtos (brinquedos, jogos etc.,) que Kinder apresentou anos antes sem fazer referência a autora, mas atualizando a sua visão quando fala sobre cer-to aprimoramento (enhancement) do processo criativo através do que Kin-der chamava de intertextualidade. Usando a franquia de animação japonesa Pokémon como exemplo, Jenkins introduzia o assunto:

Consumidores mais jovens têm se tornado caçadores e filtros de informa-ções, pelo prazer de descobrir mais informações sobre os personagens e em fazer conexões entre diferentes textos numa mesma franquia. Em adi-

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ção, todas as evidências sugerem que computadores não anulam outras mídias; ao contrário, donos de computadores consomem em média signi-ficantemente mais televisão, filmes, CDs, e afins do que a população geral3 (JENKINS, 2003, p.1).

Enquanto relatava certa tensão das empresas ocidentais no processo de fragmentação de produtos através de plataformas, o autor lembrava que o asiático Pokémon se desdobrava em jogos, episódios de televisão, filmes, livros, cartões explicativos para cada um dos inumeráveis personagens exis-tentes há muito tempo usando o público infatojuvenil. É aqui então que co-meçam a aparecer sintomas do que a presença do termo “storytelling” ou “narrativa” traz quando ligado ao termo “transmídia”, e que ainda hoje, uma década após, é problemática: “Nós precisamos de um modelo novo para co--criação mais do que adaptação de conteúdo através do cruzamento de mí-dias” (JENKINS, 2003, p.1) 4, afirma o autor sobre o que deveria ser pensado sobre o fenômeno. Definindo transmídia, ele explica:

3 T.N.: “For our generation, the hour-long, ensemble-based, serialized drama was the pinnacle of sophisticated sto-rytelling, but for the next generation, it is going to seem, well, like less than child’s play. Younger consumers have become information hunters and gatherers, taking pleasure in tracking down character backgrounds and plot points and making connections between different texts within the same franchise. And in addition, all evidence suggests that computers don’t cancel out other media; instead, computer owners consume on average significantly more tele-vision, movies, CDs, and related media than the general population”.4 T.N.: “We need a new model for co-creation-rather than adaptation-of content that crosses media”.

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Na forma ideal de uma narrativa transmidiática, cada meio faz o que oferece de melhor para que a história seja introduzida num filme, expandida através de te-levisão, romances, quadrinhos, e esse mundo poderá ser explorado através do game play. Cada entrada para a franquia precisa ser auto-suficiente o bastante para permitir um consumo autônomo. Assim, você não precisa ver o filme para aproveitar o jogo e vice-versa. (JENKINS, 2003, p. 3).

A definição trazida por Jenkins no início dos anos 2000 não difere do que se torna o formato clássico de narrativa transmidiática através do o conceito publicado por ele em 2006 na obra Convergence Culture, lançada no Brasil dois anos depois sob o título de Cultura da Convergência. Em 2006, a visão de autonomia das camadas narrativas é revisada quando o Jenkins desta-ca que cada novo texto pode contribuir de forma isolada, mas que será o consumo da experiência que valerá mais: “O Todo vale mais que a soma das partes” (JENKINS, 2008, p. 142).

É neste momento também que transmídia é definida como uma estética: “refere-se a uma nova estética que surgiu em resposta à convergência das mídias – uma estética que faz novas exigências aos consumidores e depende da participação ativa de comunidades de conhecimento. A narrativa trans-midiática é a arte da criação de um universo” (JENKINS, 2008, p. 42).

Cinco anos após a publicação em inglês do livro Cultura da Convergência e com alguns produtos mundialmente famosos por fazerem uso do formato,

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tal como a trilogia Matrix e a série de televisão Lost, Jenkins (2011) confirma sua reflexão sobre narrativas transmidiáticas através do seu blog: “narrativa transmidiática representa um processo onde elementos integrais de uma fic-ção são dispersos sistematicamente através de múltiplos canais com o pro-pósito de criar uma unificada e coordenada experiência de entretenimento. Idealmente, cada meio faz sua contribuição única para o desdobramento da história” 5 (grifo do autor).

Ou seja, temos detetives coletivos que consomem um texto o qual exige mais do que a leitura de uma única camada textual para ser compreendido. Aqui, além do esforço visual, é incitada uma caça de informações em uma estrutura previamente arquitetada pela instância de produção que prevê es-pectadores conectados entre si, capazes de resolver enigmas para continuar consumindo o produto, e de habitar e co-criar um universo fictício. Para o autor, este consumo privilegia uma única mídia, algumas ou todas, as quais podem ser consumidas isoladamente, mas recompensarão em informação se consumidas em sinergia.

A série Alice da HBO e sua história narrada através da televisão, internet e atos urbanos se encaixaria neste modelo se não fosse pela tão explícita noção de que cada texto pode também ser consumido de forma isolada. 5 T.N.: “Transmedia storytelling represents a process where integral elements of a fiction get dispersed systematically across multiple delivery channels for the purpose of creating a unified and coordinated entertainment experience. Ideally, each medium makes it own unique contribution to the unfolding of the story”.

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Afinal, como compreender Alice se apenas as mensagens de texto via ce-lular são consumidas ou se apenas um perfil de rede social é lido? Cabem então alguns questionamentos acerca do conceito clássico de transmídia largamente difundido por Jenkins em três aspectos: sobre a narrativa, sobre o consumo isolado dos textos e sobre textos narrados sem mediação, que configurariam atos de performance dos atores, como quando Alice vai até as ruas de São Paulo. Para tanto, precisamos estabelecer o que entendemos por texto.

Mieke Bal na década de 1980 se posicionava ligando narrativa a relato de narração, sendo um texto narrativo, um que converta história em signos linguís-ticos: “Um texto narrativo será aquele em que um agente relate uma narração” 6 (BAL, 1990, p. 13), ou seja, que relata a história. A autora trata texto como “um todo finito e estruturado que se compõe de signos linguísticos” 7 (BAL, 1990, p. 13). Optamos, no entanto, por tratar o texto narrativo transmidiático num sen-tindo amplo, que pode ser representado por uma imagem, não exclusivamente pela oralidade ou pela escrita, devido ao caráter multimídia tão enaltecido na transmidiação. Consideramos então como o texto de uma narrativa transmidi-ática toda sua conjuntura audiovisual, performática, impressa ou sensorial que contribuam de forma coerente e relevante com a complementação da história

6 T.N.: “Un texto narrativo será aquel en que un agente relate una narración”7 T.N.: “Un todo finito y estructurado que se compone de signos lingüísticos”

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contada. Isto posto, seguimos com a primeira problemática no conceito pro-posto por Jenkins, a narrativa.

Há uma falta de uma definição (ou escolha de uma) pelo autor para explicitar o que ele entende por narrativa, dando origem a uma linha de pensamento no qual se acredita que o mesmo conteúdo exibido em locais diferentes geram novos sentidos por serem editados e reformatados por outra mídia podem ser definidos como uma narrativa transmidiática. É o caso de uma novela resumida e editada exibida em uma televisão no ôni-bus ou num bar. Esta linha segue o pensamento de Geoffrey Long, que em entrevista a Revista Pontocom (2009) 8, afirma: “transmídia significa qual-quer coisa que se move de uma mídia para outra”. Tal colocação, diante dos fatos, nos leva a refletir “transmídia” sem necessariamente esta ser uma narração. Diante desta linha, as várias adaptações do livro Gabriela de Jor-ge Amado para a televisão ou o fato de fãs recriarem suas obras favoritas em outras plataformas distintas da que a obra foi publicada originalmente classificaria um texto como transmidiático. No entanto, esta vertente nos parece “espertamente” muito abrangente.

A partir do conceito de Jenkins (2008), pensamos as transmidiações nar-rativas como deslocamentos de conteúdos entre plataformas, evocando a

8 Entrevista à Revista Pontocom publicada online. Disponível em: <http://www.revistapontocom.org.br/?p=1442>. Acesso em 14 jun. 2011.

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ideia de que as plataformas acionam maneiras distintas de fruição e experi-ência de um produto. Atentamos ao fato de que não só devemos levar em conta novos sentidos que os produtos ou seus discursos produzem ao se transmidiarem, mas principalmente que estes produtos necessitam de “bits” informacionais, de textos inéditos e profundos estendidos através destas plataformas para comporem uma narrativa transmidiática. É uma combi-nação entre o novo sentido do produto cultural produzido na recepção ao migrar entre plataformas e mídias e a adição de compreensão e informação inéditas à narrativa com profundidade para a imersão. Não tratamos então de repetição ou de adaptação narrativa, como é o caso da obra Gabriela, através dos meios usados na expansão. Acreditamos que a distinção entre produção oficial e não oficial é válida para entender que não é apenas o fato de um texto aguçar a criatividade dos fãs e a produção paralela deste fandom que o define como transmidiático. A figura do autor ainda é impor-tante nesta forma de narrar. Estas reconfigurações são sintomáticas de um momento de convergência e de uma geração que cresceu com jogos como Lego, por exemplo.

É Christy Dena (2006), no entanto, que soluciona nossa segunda proble-mática, quando Jenkins sugere um consumo isolado dos textos transmidiáti-cos, com o conceito de transficção (transficcion) trazido pela autora. Fazendo referência direta a Henry Jenkins, ela pontua que na transficção uma quebra

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na lógica de que os textos não devem ser consumidos de forma isolada, já que a história depende de todos os fragmentos dispersos em cada mídia. Opta-mos, no entanto, em manter o termo cunhado por Jenkins em detrimento da transficção neste caso, com a ressalva de que há situações onde o consumo integrado é imprescindível para compreensão total da obra, inviabilizando o consumo isolado das mídias ou plataformas, como acontece na série Alice.

Nosso terceiro e último contraponto com o conceito de Henry Jenkins (2003, 2008) é a falta de uma indicação ou inclusão de atos performáticos como elemento da transmidiação. Para tanto, o autor Max Giovagnoli (2011) traz, com a facilidade de novos produtos transmidiáticos mais atuais, o termo que usamos largamente como performance até aqui. Para ele, as ações de performance dentro da narrativa transmidiática se classificam como ações ur-banos (urban actions) que parece ser algo acionado na mídia pelo que André Lemos chamou de “território informacional” e que soa tão urgente às novas narrativas. A seguir, precisamos entender a televisão dentro deste contexto.

Televisão transmídia: a performance das mídias no cotidiano

“A televisão é sem dúvidas a única mídia que mobiliza cotidianamente a atenção de todas as outras” (JOST, 2007, p. 21) e talvez seja por isso e pelo

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fato dela ter sido uma das últimas mídias a aglutinar qualidade de outras que ela tem sido apontada como um dos meios tradicionais de comunica-ção com menor dificuldade de adaptação à digitalização e, por conseguinte, dá o tom de conteúdo para a produção audiovisual na internet. É urgente assinalar que quando pensávamos que a internet iria aglutinar outras mídias, parece ser a televisão quem está fagocitando o sistema de convergência.

Naturalmente que no campo da literatura e da televisão precisaremos sempre de um referencial simbólico para compreender um texto, como per-cebeu Kinder (1993) ao usar o termo transmídia. Mas especificamente na lite-ratura ergódica (Ergodic Literacy), há o destaque para este esforço cognitivo exigido pelo texto citado por Jenkins (2008) que implica numa performance diante do que se lê. Aarseth (1997, p.1) resume que “na literatura ergódica, esforços não-triviais são necessários para permitir que o leitor atravesse o texto”. De forma mais geral, para ele a literatura ergódica contempla textos abertos e dinâmicos, que necessitam mais que o esforço dos olhos para se-rem compreendidos, precisando de uma “performance” do leitor. Há então duas noções de performance aqui inferidas no texto, a da instância de pro-dução juntamente com a do produto e a ação fruitiva do consumidor. Esta-mos cientes de que estas ações sempre existiram, mas alguns processos, tais como o transmídia e outros derivados do multimídia, trazem a performance para dentro do texto em níveis mais notórios.

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Falar sobre a relevância da performance diante de um cenário midiático em que os fluxos de informação borram os limites gerados pelas próprias materialidades dos meios nos faz debater especificidades nos fazeres per-formáticos. Dessa forma, para discutir a série Alice, precisamos entender que a expansão deste produto se dá, de alguma forma, diante de um contexto de expansão da própria noção de performance, além da expansão da no-ção de transmídia, principalmente pelas ações urbanas (urban actions) da personagem. Pensar a construção das relações performáticas inferidas pela televisão e pela internet nos direciona a reconhecer dinâmicas expansivas na relação dos indivíduos com os meios de comunicação. Aqui, tratamos a performance em três momentos, produtor, produto e fruidor. Para tanto, um apontamento sobre performance midiática:

Falar em performance de texto midiático é pensar a performance do produto, tanto no ato do texto exigir uma ação performática (participa-ção do leitor) quanto no fato das encenações já discutidas com relação ao meio, mas também na encenação não mediada dentro de um objeto que transcende a televisão, como Alice, classificada por Giovagnoli (2011) como ações urbanas.

O ato de performance do fruidor, no entanto, é acionado pela performance do produto e do produtor, impelindo diferentes níveis de espectatorialidade (consumo) e fazendo do espectador o que Janet Murray (2003) chamou de

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interator antes mesmo de Jenkins cunhar o termo narrativa transmidiática. É sobre esta noção de consumidor enquanto interator que cabe, aqui, uma explanação.

Janet Murray (2003) comenta sobre características de interator, que nos parece ser relevante em Alice, ao explicar certa mobilidade que traz o cibe-respaço para o espectador de uma narrativa que perpassa por ele, como um local de participação e ao relembrar a importância do papel do autor em definir limites narrativos:

O autor procedimental é como um coreógrafo que fornece ritmos, o con-texto e o conjunto de passos que serão executados. O interator, seja ele navegador, protagonista, explorador ou construtor, faz uso desse repertório de passos e de ritmos possíveis para improvisar uma dança particular den-tre muitas danças possíveis previstas pelo autor.(MURRAY, 2003, p. 147)

A partir da dinâmica deste fruidor, chamado pela autora de “interator”, abrem--se as possibilidades de expansão de conteúdos, sobretudo na internet com os desdobramentos, as apropriações, as reconfigurações. Interessante destacar que, na própria terminologia de “interator”, nos parece sintomático perceber a ideia de “ator” (“actor”) como alguém que atua neste ambiente – ou seja, performatiza uma ação em alguma de suas redes sociais, por exemplo.

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A televisão maravilhosa de Alice: performance, cotidiano e transmídia

A série da HBO Brasil é sintomática de uma televisão que poderíamos cha-mar de televisão expandida ao abarcar tão radicalmente o cotidiano, dentro da lógica de transmidiação, atuando também como objeto cultural atualiza-dor das proposições de Henry Jenkins. Estes três elementos – performance, cotidiano e transmídia – parecem apontar para uma televisão remediada, reinterpretada de uma maneira cíclica, como fenômeno que Bolter e Gruisin (2000) chamam de remediação (remediation). Alice borra as lógicas pré-de-terminadas do sistema de produção televisiva e contempla um tipo de frui-ção que convoca o espaço físico real como apropriação e mímese ficcional.

A história da personagem começa a ser contada ainda em 2008 na inter-net e na televisão, passando posteriormente a ser narrada de forma exclusiva na internet e no cotidiano da cidade de São Paulo entre 2009 e novembro de 2010, quando se prepara para voltar a HBO no formato de telefilme, o que já nos parece fruto da reconfiguração do formato seriado depois de seus múl-tiplos itinerários midiáticos. Mesmo com um relativo espaço no tempo entre a finalização de Alice que se encerra nestes dois telefilmes ainda em 2010, não podemos destacar outro produto de tamanha expressão no sentido de remediação dos meios televisivos no Brasil. Mesmo a telenovela global Cheias de Charme de 2012 – experimento mais complexo nas telenovelas

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nacionais – que acionou a lógica transmídia com videoclipes na internet du-rante a trama e um livro lançado após sua finalização, não chegou aos níveis de espectatorialidade proporcionados por Alice nas ações urbanas, talvez por implicações do gênero novelístico.

Alice é criada sobre o tradicional formato dos 40 minutos de episódio intercalados com comerciais, sendo exibida de forma inédita uma vez por semana (aos domingos) pelo seu canal de criação, HBO (Home Box Office), tendo sua narrativa também estruturada nas já usuais temporadas. Como reflexo do sistema que o circunscreve desde a década de 1990, se tornou tradição do canal a criação de um hotsite para suas produções, sendo Alice a terceira produção original do canal no Brasil e a primeira a estrear com tem-porada completa de 13 episódios já filmados.

Nascida com premissa de convergência entre mídias, a série vem com di-reção de Karim Aïnouz e Sérgio Machado, sendo co-produzida pela Gullane Filmes, produtora de conteúdo criada no final dos anos 1990, trazendo uma personagem de Palmas, no Tocantins, que está prestes a casar com seu noivo quando recebe a notícia do suicídio de seu pai, o qual não vê há anos. O pai havia pulado de um dos prédios da cidade de São Paulo, cenário que recebe a personagem como a “toca do coelho da Alice” do escritor inglês Lewis Carroll.

Com esta parte da história contada no blog em quatro postagens entre 22 de agosto e 21 de setembro de 2008, dia de estréia da série, a seria conti-

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nua deste ponto narrativo quando a personagem se muda para São Paulo e para a televisão, mas permanece com o blog e pelo menos uma atualização semanal. É através do hotsite da série dentro da página da HBO Brasil que se conhece o blog. encantada.tv, diário da personagem, e também através destas duas portas de entrada que se torna possível descobrir o endereço de e-mail da personagem – e adicioná-la no MSN Messenger – ou ainda se cadastrar na agenda do celular tocantinense.

Os episódios televisivos fazem sempre referência a uma vida da per-sonagem no muno virtual, enquadrando na tela suas visitas à página do Orkut ou alguma conversa na rede de bate-papo da Microsoft. Uma câ-mera digital de Alice também filma situações cotidianas de São Paulo com outros personagens e a protagonista aparece colocando-os online em sua conta no Facebook.

Através do bate-papo com Alice no MSN, um ruído: a moça era uma espécie de robô virtual com um menu eletrônico e falas pré-programa-das que davam ao usuário opções de conteúdos expandidos da televisão: “Quer ver o que preparamos para você hoje? É só digitar: ‘novidade’. Ou então conheça o mundo encantado de Alice mandando uma mensagem com algumas destas perguntas (...)” seguindo em cerca de cinco opções semelhantes a “Como é a vida em São Paulo?”. A resposta vinha em tercei-ra pessoa, como um narrador.

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Através do MSN, Alice compartilhou nestas postagens pré-programadas 24 vídeos entre 25 de setembro a 13 de outubro, dando um novo uso à fer-ramenta, mas que volta a ser usada como bate-papo ao longo de momentos pontuais da série.

Antes da exibição dos episódios, no entanto, o canal de televisão fechado divulgava a série em ação promocional através de peças na WEB e fora dela por quase dois meses. Nos banners em sites era possível ler a frase: “Alice - Uma história começa”, que junto com o ambiente de divulgação (blogs, sites, redes sociais, etc.), nos aciona regimes narrativos de um período de frag-mentação que reflete no audiovisual uma ruptura além da sua característica episódica - exigindo do produto certa ubiqüidade. Esta marcação também é relembrada quando a personagem encerra seu trailer de divulgação na WEB com a frase: “Talvez valha mais uma Alice voando, do que mil Alices com os pés no chão”, que nos parece apontar o itinerário da série e seus personagens que seria traçado através de plataformas, discursos e atuações divergentes. Este percurso transmidiático implica em diferentes situações performáticas e tensões que são acionadas em momento de convergência.

Através do Orkut, as redes sociais entram na série com um papel de um diálogo com a personagem mais livre, mais inserido no cotidiano. Com mais três personagens esta era primeira ação de Alice que inclua uma res-posta humana, não pré-programada através de cálculos, sendo reativa para

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o público, já que o MSN só ganhou essa função na série depois da criação do Orkut. Quando questionada se este perfil em rede social era da atriz ou fictício, Andréia Horta sempre se referia a ele como sendo de Alice, um per-fil real. Interação entre os personagens também existiam, mas constituíram menos de 10 recados (scraps) trocados em cada um. Os outros três perfis são: Teobaldo (Juliano Cazarré), Marcela (Gabrielle Lopez) e Nicolas (Vinicíus Zinn), respectivamente amigo, melhor amiga e namorado de Alice.

O que era disperso em quatro perfis no Orkut se concentra em apenas um no Facebook. Através da personagem principal fictícia na rede, novos ál-buns de fotos são construídos, eventos são marcados e novos amigos são feitos. O mural (wall) do site é construído com postagens cotidianas, fotos, respostas as perguntas dos usuários e aplicativos integrados que indicam quais músicas Alice está ouvindo. A música era um grande elemento cons-trutor da imagem de Alice: Se no hotsite tínhamos um player com as músicas tema da série e a simulação da área de trabalho do computador da perso-nagem, através do perfil dela nas redes sociais de música era dado acesso a listas (setlists) no Blip.fm, além de informações sobre a música que estava a personagem ouvia no momento com o Last.fm, onde tinha sua própria esta-ção de rádio e misturava suas postagens do blog com vídeos no MySpace.

Com o fim dos episódios na televisão em 14 de dezembro de 2008, Alice concentra-se na rede social mais popular à época no Brasil, onde suas pos-

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tagens com 140 caracteres se tornam mais constantes do que no Facebook. Com quase 1.000 seguidores, Alice continua a contar sua história, através do Twitter integrado com as outras redes que permanecem online e com o ser-viço de localização do Foursquare. A ferramenta configura aqui o principal texto da “segunda temporada” da série, continuada pela internet, na qual a performance dos usuários (interatores) ganha destaque com o uso da fer-ramenta para perguntar sobre novas informações de outros personagens e de assuntos inacabados nos episódios da televisão. Além das redes sociais de postagem rápida, a série conta com o Tumblr, sistema de postagem se-melhante ao blog, aproveitando para aposentar este último. Nela comparti-lhava posts dos blogs que seguia em um sistema semelhante ao do Twitter, porém com maior liberdade de caracteres, além de complementar sua nar-rativa. Disponível em < http://www.maisalice.tumblr.com/>

No entanto, é o Foursquare integrado a outras redes sociais que radi-caliza com a noção de performance das duas instâncias: produto e fruidor. Numa rede social que possui objetivos, como uma espécie de jogo, o usuário pode se tornar “prefeito” de um local se ele foi o frequentator mais assíduo. Na série a rede é usada através do serviço de geolocalização para informar quando e onde Alice está em São Paulo. Cafés, restaurantes, seu trabalho no brechó. É aqui onde temos o ponto extremo das ações urbanas gerenciando uma atuação performática.

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Em suas transições entre as mídias, Alice continua sua narrativa de onde parou na mídia anterior, de forma que os textos se completam, mesmo com resumos típicos do gênero televisivo na sua volta às telas com dois telefilmes. Assim, a série se configura como uma narrativa transmidiática, não necessa-riamente a primeira a testar alguns experimentos.

Voltamos então a 1997, quando a série norte-americana Homicide do canal NBC lançou o que na época era chamado de spin-off online9 intitula-do de Homicide: The Second Shift. A série foi a primeira da televisão a frag-mentar seu texto entre mídias e quebrar com a lógica da grade televisiva. Na versão online, fragmentos de vídeos, imagens e textos dispostos no site davam as mesmas pistas dos detetives da série televisiva, começando sua transmidiação com crimes cometidos na versão exibida na web às quartas e quintas. Nas sextas-feiras o audiovisual da televisão continuaria com os cri-mes que os detetives da versão do Homecide.com começaram a investigar, dando continuidade ao que começou na internet, como nos conta John t. Caldwell (2003). No ano seguinte surge o drama adolescente Dawson’s Creek pela Sony com a simulação da área de trabalho dos personagens, incluindo diários virtuais etc. Depois temos o filme A Bruxa de Blair (The Blair Witch Projetct) que é lançado nos Estados Unidos em 1999, no qual a produção usou falsas notícias em jornais e um documentário para fazer o público crer

9 Um novo produto midiático originário de outras séries ou programas que já existem.

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que três jovens desapareceram nas florestas em busca da bruxa. Pistas falsas foram plantadas na floresta onde se passava a história cerca de um ano an-tes, assim como notícias em jornais apareceram depois das pistas, além do documentário exibido no canal norte-americano Sci Fi.

Nada melhor para falar sobre embaralhamentos entre real e ficção do que mencionar o clássico Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll, obra em que os sintomas e os agenciamentos entre realidade e ficção ganham escopos narrativos usados como premissa para a criação do seriado de TV Alice, do canal HBO.

A relação entre que está disposto como parte da narrativa do seriado de TV, aquilo que se dispõe nas redes sociais e o cotidiano agendado pelos per-sonagens nos faz pensar sobre novas formas de assistir/performatizar produ-tos televisivos. No momento em que “sai” da TV, passa a existir no cotidiano, a personagem Alice, da série, adere ao cotidiano, acionando no espectador habilidades que visam não mais separar “vida real” e “vida no seriado”, mas operacionalizar os agenciamentos entre eles. Estaríamos diante do que Michel De Certeau infere sobre cotidiano inventado, inserção do lúdico no dia-a-dia, sem haver uma tão radical oposição entre trabalho-lazer, real-ficção, borda--centro. A noção de cotidiano inventado é compreendida como uma cama-da textual da série “Alice”, em que a personagem, assim como no original de Carroll, “atravessa espelhos” e caminha por entre espaços em que não se tem

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tão clara a noção entre onde começa a série e onde é “vida real”. A série re-força, no entanto, a existência de um dorso narrativo – portanto, as noções de autoria e de ingerência das instancias produtivas persistem - e reafirma a ne-cessidade da presença do unitário mesmo em um momento de digitalização, fragmentação e pós-consumo que perpassam as engrenagens midiáticas.

O uso da obra de Carroll é, primeiramente, acionado pelo próprio obje-to, a série Alice da HBO, que é publicamente inspirada em enredo e formato narrativo nas questões que Charles Lutwidge Dodgson, sob o pseudônimo de Lewis Carroll, traz nas obras publicadas entre as 1860 e 1870: Alice’s Ad-ventures in Wonderland e Through The Looking Glass. Percebemos elementos em sua obra que parecem nos ajudar a compreender a lógica da convergên-cia e a premissa da criação de micromundos sintomáticas de uma televisão contemporânea.

Considerações finais: novos regimes de espectatorialidade

Falar em regimes de espectatorialidade é perceber que na lógica de uma televisão que se expandida através de outras mídias e plataformas há ní-veis de fruição que imbricam diferentes tipos de performance do interator. É reconhecer que esta televisão que embaralha o real e o fictício é feita de

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camadas, para públicos distintos dentro do mesmo nicho, evocando formas de consumo que antes pareciam menos públicas nas nuances subterrâneas do fandom.

Há, neste sistema de ver e agora “entrar” televisão, como Alice do Carroll entra no espelho, níveis de espectatorialidade a partir do momento em que percebemos uma ruptura com regimes enquadrados pela grade de televisão e suas lógicas comerciais.

Talvez agora seja promissor voltarmos a penar no campo de estudos dos Usos e Gratificações que, outrora na esfera da recepção, encontra-se atual-mente na égide da produção narrativa ao passo que identifica alguma ativi-dade do espectador que busca naquilo certas gratificações, como quando a audiência começa a ser pensada com certa atividade, seletividade e expecta-tivas de recompensa ou gratificações pelo uso da mídia na década de 1970.

Certas discussões sobre o conceito clássico de transmídia diante da série Alice trazem à tona a questão de que é esta gratificação que leva o consu-midor a níveis mais profundos do texto, percorrendo o itinerário transmi-diático, mas principalmente nos fazem assumir que há níveis do texto para cada intenção de consumo, seja para um indivíduo que espera apenas assis-tir televisão enquanto passa à ferro suas roupas, ou para o indivíduo que sai da frente do computador para “entrar no espelho”, encontrar e questionar o seu personagem favorito nas ruas de São Paulo. A televisão não deixa de

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ser uma experiência em nenhum das duas situações, mas passamos a fazer parte desta experiência quando vamos até a última camada do seu último texto seja por motivos comerciais do produto ou pela gratificação que nos faz sermos todos “Alice”.

Referências

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“FANMEDIA” STORYTELLING: A PRODUÇÃO CULTURAL DOS FÃS NA ANÁLISE

DE COMPOSIÇÕES TRANSMIDIÁTICAS NARRATIVAS

Alan Mascarenhas1

ResumoAtravés de conceitos divergentes sobre narrativas transmidiáticas, propomos uma reflexão sobre qual o lugar da produção do fandom dentro de um circuito transmi-diático. Para tanto, expomos exemplos de fanficções e questionamos como pode-mos pensar uma obra fan made dentro da narrativa transmidiática para análise de narrativas deste gênero. Ponderamos então os remixes de obras feitos pelo fandom, os quais podem provocar reconfigurações nos produtos culturais originais, reme-tendo a um possível resgate da aura destas obras. Desaguamos então no termo “fanmedia” para classificar e entender a tomada da mídia por parte do seu público.

Palavras-Chave: Fandom. Transmedia storytelling. Inteligência coletiva; Recon-figuração. Cibercultura.

1 Mestre em Comunicação e Culturas Midiáticas Audiovisuais, pela Universidade Federal da Paraíba – UFPB e Gradu-ado em Comunicação Social pela mesma Universidade. Pesquisador do Grupo de Estudos de Divulgação Científica (GEDIC) - PPGC/UFPB/CNPq. Endereço eletrônico: [email protected].

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Introdução

A imersão em narrativas é um desejo que acompanha o ser humano em sua evolução social, como reflete Janet Murray (2003). O processo que tem como vetor esta imersão percorre o cinema “mudo” com trilha sonora apre-sentada ao vivo, chega na terceira dimensão, na apresentação de hologramas e na transmidiação. Todas estas situações naturalmente reconfiguram formas de produção e consumo de produtos culturais. Na instância que cobre os espectadores, a imersão pode proporcionar uma abertura daquele produto a atividades do fandom que outrora estiveram à margem do produto origi-nal, tais como fanficções e incontáveis produções “não oficiais” produzidas por fãs, ou seja, uma produção fan made. Neste formato de produção fan-dômica há uma “reprodutibilidade remixada”, onde fãs do produto cultural “remixam” conteúdos no líquido do ciberespaço, colocando em questão o controle das franquias de entretenimento.

Diante deste statu quo, refletimos o conceito de narrativas transmidiáti-cas, escrito primeiramente por Henry Jenkins em Cultura da Convergência (2008), sobre um fenômeno anterior, já estudado por Janet Murray (2003), levantando questionamentos acerca da reconfiguração proporcionada pela subprodução dos fãs referentes a uma obra narrativa transmidiática e suas ponderações diante da conceituação de tal gênero narrativo.

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Nosso vetor é propor uma reflexão inicial sobre qual o lugar das pro-duções de fãs em uma franquia e em qual momento narrativo elas podem se situar em uma narrativa transmidiática e em seu universo, a fim de cor-roborar com futuras análises de peças com tais características. Partimos de questionamentos referentes à reconfiguração da narrativa transmidiática, tais como: poderiam esses produtos fan made transformar uma narrativa em transmidiática? Em qual lugar de um circuito transmidiático podemos alocar tais produções para análises de produtos? Em suma, como podemos pensar uma obra fan made dentro da narrativa transmidiática?

Levantaremos essas questões e refletiremos possíveis considerações dian-te de uma regressão conceitual no percurso que acreditamos culminar no que Jenkins (2008) chama de narrativa transmidiática. Assim, discutiremos alguns exemplos de produção de fãs diante deste cenário, escolhendo pro-dutos que não são narrativas transmidiáticas a priori, como a série televisava The O.C. e as obras literárias de Harry Potter, para pensarmos se produtos fan made em plataformas distintas ativam transmidiação narrativa. A possí-vel verificação do assunto nos inferiu o termo “Fanmedia Storytelling”, uma remixagem do “transmedia storytelling” com o “fan made”, como forma de referência às duas práticas que se aglutinam. Trazemos o termo num senti-do dispare do já ocorrente “media fandom”, usado para referir-se aos fãs de produto de mídia.

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Especificamente relacionado a produtos audiovisuais, tais como séries e filmes, como discorre Francesca Coppa (2006), o media fandom é constante-mente contraposto aos outros grupos de fãs pelas relações que este público estabelece com a instância de produção. Coppa (2006) difere media fandom de grupos de fãs de celebridade, de música, de revistas em quadrinho etc., mas ressalta que a partir da década de 1990, com a migração dos fãs para um espaço mais próximo do mainstream, através da internet, os grupos, an-tes isolados, se tornaram vizinhos. Assim, um fã de celebridade facilmente produzia textos relacionados ao fandom de quadrinhos e se torna mais difícil a divisão por tribos.

Percebemos esta movimentação nítida principalmente em tempos de con-vergência midiática. Para Márcio Padrão, o relacional, existente nos media fan-dom, é um dos grifos deste grupo de fãs: “o processo de sociabilização entre as pessoas já havia sido iniciado anos antes [à internet], com o progressivo surgi-mento das media fandoms” (PADRÃO, 2007, p.13).

Estamos claros de que essa movimentação vernarcular do público diante de um produto não é nova, haja vista que a produção dessa considerada subcultura dos fãs, o fandom, acontecia ainda com mídias impressas através dos fanzines, revistas desenvolvidas paralelamente por fãs de forma independente desde a década de 1930, “a partir da iniciativa dos fãs de ficção científica” (MAGALHÃES, 2003, p.7). Ressaltamos aqui que, naturalmente, na internet há uma nova expo-

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sição desses conteúdos de subculturas, cabendo um papel de reconfiguração no produto principal, como observamos, através de leituras resistentes.

Modelos rígidos da comunicação perante os líquidos da cibercultura

Décadas fizeram-se necessárias para que os modelos rígidos de comuni-cação, difundidos a partir do século XX através dos estudos do Mass Comu-nication Research, iniciassem um processo de retração e abrissem as pers-pectivas comunicacionais para modelos que projetassem o receptor passivo ao status de fruidor e participante ativo na produção midiática.

O nascimento da televisão, talvez a mídia com narrativas audiovisuais de maior alcance no Brasil, vem diante de uma premissa massiva e linear de co-municação que, mesmo décadas depois do seu surgimento, segundo Lúcia Santaella (2006, p. 54), ainda não teria sido superada integralmente:

Não obstantes as críticas e as modificações que foram e continuam sendo inseridas no modelo original de Shannon, o que não se pode negar é que o esquema analítico por ele proposto, ou seja, a essência do modelo tem continuado como uma presença constante desde os anos 50.

Neste aspecto, naturalmente não consideramos a televisão como um ve-

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ículo onde o modelo matemático implica em total passividade do individuo perante o conteúdo midiático. Ressaltamos, apenas, que aqui não há uma situação interativa plena, ou seja, em tempo real e horizontal, onde o espec-tador dota das mesmas ferramentas que o produtor de conteúdo para uma comunicação de duas vias.

Portanto, consideramos mídias massivas os dispositivos que adotam uma relação vertical com seu público, através dos quais os produtores de conte-údo regram o fluxo de suas produções, buscando o controle e lucro. Esses produtos, segundo Thompson (2009), são colocados à disposição de muitos e construídos para não desagradar a maioria da “massa”, já que são basea-dos em um modelo mercantilista.

Para André Lemos (2007), mídias clássicas como televisão, impressos etc. obedecem a funções massivas. Segundo o autor, tais funções são caracterís-ticas de plataformas de uma era que começa na Revolução Industrial e pres-supõem uma rede telemática inexistente, visando à criação de hits em larga escala: “As funções massivas são aquelas dirigidas para a massa, ou seja, para pessoas que não se conhecem, que não estão juntas espacialmente e que assim têm pouca possibilidade de interagir” (LEMOS, 2007, p.6).

A partir do final do século XX e início do XXI podemos observar uma era pós-industrial e a necessidade de superação de tais modelos, guiada por transformações sócio-culturais que se tornam latentes com a disseminação

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de uma cultura eletrônica, virtual, oriunda da popularização da internet e do ciberespaço.

Pierre Lévy (2005, p. 17) destaca o ciberespaço como “o novo meio de co-municação que surge da interconexão mundial de computadores” e o classi-fica como sendo a parte fluida, imersiva e coletiva que envolve a web, dando a tônica à cibercultura.

As ferramentas interativas do ciberespaço atuam, então, como potencia-lizadoras das ações do público diante do produto midiático, fazendo com que assim seja possível a audiência se aproximar do cerne de uma narrativa, mesmo que esta tenha, inicialmente, funções massivas. Tais possibilidades se dão por três premissas dessa nova cultura: “A liberação da emissão, a cone-xão generalizada e a reconfiguração das instituições e da indústria cultural de massa” (LEMOS, 2007, p.6).

Se tínhamos um público reflexivo diante da televisão, porém sem ferra-mentas suficientes para uma ação interativa em determinados conteúdo, é a partir deste momento da história que vislumbramos as possibilidades de frui-ção de conteúdo e de um interator diante das mídias, retomando o que era percebido no campo de estudos “Usos e Gratificações” da década de 1960.

A partir desses princípios, compreendemos que o virtual traz à margem o subterrâneo, emparelhando-o com a produção midiática massiva, propor-

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cionando uma convergência de conteúdo e, consequentemente, novos pa-radigmas que elevam a comunicação para um nível 2.0, onde os pólos de emissão e recepção são dispostos horizontalmente nas televisões interati-vas, nas produções coletivas da web etc.. Ou seja, um ambiente que, a partir da sua disseminação e do letramento midiático da sociedade, proporciona funções pós-massivas para os dispositivos.

As funções pós-massivas têm a rede telemática como potencializadora de suas ações, já que são baseadas em uma comunicação de um para um, de nichos, ou seja, uma comunicação bidirecional na qual se pressupõe a cone-xão entre o público e sua capacidade de engendrar inteligência de forma co-letiva, a fim de preencher lacunas do produto midiático, como afirma Lemos (2007). Para ele, “as mídias de função pós-massiva, por sua vez, funcionam a partir de redes telemáticas em que qualquer um pode produzir informação, «liberando» o pólo da emissão, sem necessariamente haver empresas e con-glomerados econômicos por trás” (LEMOS, 2007, p.5).

Sendo assim, as funções massivas se baseiam em produtos clássicos da mídia que não proporcionam por si só um ambiente de leitura e escrita. Há aqui o controle excessivo das empresas perante o produto e o público. As pós-massivas, por sua vez, vislumbram ambientes mais propícios à escrita. Se temos uma situação de convergência de mídias e de seus conteúdos, temos funções massivas e pós-massivas em alternância frenética. Afinal, ao

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tratarmos da série de livros de Harry Potter isoladamente, estamos lidando com funções massivas. Se convergimos a internet com o livro nas criações colaborativas de fãs, temos produtos fan made, objetos pós-massivos, frutos das funções massivas do ciberespaço.

Em tempos de convergência, não cabe apontarmos quais mídias são in-terativas ou quais são mais voltadas a um telespectador passivo, muito me-nos designar qual é massiva ou pós-massiva. No entanto, vale refletir novos conteúdos diante de funções massivas e pós-massivas engendradas, pois até mesmo na internet, ambiente considerado de alto potencial de escrita – con-trário ao da televisão, que possibilita apenas a leitura em tempo real – temos portais de notícias, a exemplo, que não dispõem de campos de comentários e só oferecem o e-mail como canal de contato, o que é quase equivalente ao rádio dispor do telefone para falar com seus ouvintes.

Sendo assim, a interatividade aqui proposta é a da participação integral no ciberespaço, de modo a que os indivíduos estejam trocando conteúdo, idéias e planejando estratégias, como no caso dos jogos em tempo real, fazendo com que essa dinâmica midiática construa novas práticas comuni-cativas produtivas de mão dupla e a várias mãos, como o crowdsourcing e toda a cultura do remix. Atribuímos ao termo interatividade uma noção de qualidade quase artesanal na comunicação massiva, considerando que ela está a serviço de um novo tipo de interface que proporciona uma partici-

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pação efetiva que pode gerar mudanças, trazer novos enfoques e promover variáveis comunicacionais.

Ponderações sobre narrativas transmidiáticas

A confluência de fenômenos massivos e pós-massivos é aqui destacada em produtos culturais principalmente transmidiáticos. Sendo estes produtos decorrência de um fenômeno transmidiático oriundo da convergência de plataformas e de seus conteúdos. Jenkins (2008, p. 27), conceitua a conver-gência da seguinte forma:

Refiro-me ao fluxo de conteúdos através de múltiplos suportes midiáticos, à cooperação entre múltiplos mercados midiáticos e ao comportamento migratório dos públicos dos meios de comunicação, que vão a quase qual-quer parte em busca das experiências de entretenimento que desejam.

De acordo com Jenkins (2008), uma narrativa transmidiática compreende a prática de contar uma única história de forma fragmentada, através de vá-rias plataformas, ou seja, fazendo uso de sites, games, filmes, livros etc., para narrar partes diferentes de uma obra que, juntas, se completarão, ganhando sentido para o público através da inteligência coletiva. Sendo assim, “uma

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história transmidiática se desenrola através de múltiplos suportes midiáti-cos, com cada novo texto contribuindo de maneira distinta e valiosa para o todo”. Com plataformas dando o melhor de si, é, então, criado um universo ficcional e imersivo para os fãs habitarem e interagirem (o qual chamamos de micromundo2). Internacionalmente o modelo foi experimentado em sé-ries como Lost e Heroes, e nacionalmente na série Alice, as quais trazem, em maior ou menor nível, o público ao cerne da narrativa, promovendo funções pós-massivas em produtos típicos da TV, uma mídia clássica.

Para o pesquisador e consultor de projetos transmidiáticos Geoffrey Long3, “transmídia significa qualquer coisa que se move de uma mídia para outra”. Domingos (2008, p.2), baseado em Jenkins (2008), afirma que narra-tivas transmidiáticas “tornam fluidas as noções clássicas de tempo, espaço, tensão, clímax, ponto de vista, fio narrativo, gêneros narrativos e assim por diante”. Acentuamos aqui, então, que uma narrativa transmídia não é o mes-mo que o termo “transmídia” isolado, o que entendemos ser a interpretação

2 Resgatando a noção de “micromundo” desenvolvida por Seymour Papert em 1980 na obra Mindstorms, Murrey (2003) explica que a visão inicial para o conceito era de que estes ambientes arquitetados pela virtualidade do com-putador, serviam para estudantes, que em um processo de imersão, executaram suas pesquisas. Murray (2003) passa a entender o conceito, além da comunicação educacional, como micromundo narrativo. A autora acredita que “a combinação de texto, vídeo e espaço navegável sugeria que um micromundo baseado em computador não preci-sava ser matemático, mas poderia ser delineado como um universo ficcional dinâmico, com personagens e eventos” (MURRAY, 2003, p. 21). Neste estudo, percebemos os micromundos narrativos nos eventos transmidiáticos ficcionais.3 Entrevista à Revista Pontocom publicada online. Disponível em < http://www.revistapontocom.org.br/?p=1442>. Acesso em 14 set. 2009.

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de Geoffrey Long. Este último se refere mais a estratégias de locomoção de conteúdo de uma mídia para a outra, do que a construção de uma narrativa entre diversas mídias, sendo entendido como algo que pode ser trocado por conceitos anteriores como o de Crossmedia. No caso deste termo que surge com o marketing e a publicidade, o mesmo produto, campanha, ou serviço utiliza-se de diversas plataformas (LUSVARGUI, 2007). Não há aqui, como na convergência, necessariamente uma extensão narrativa que se desdobrará em pedaços montáveis pelo fandom, como as narrativas transmidiáticas.

Há que se levar em conta, ainda, que a palavra ‘narrativa’ pressupõe lin-guagem; portanto, os diferentes suportes devem utilizar a linha semântica que lhes compete e que a narrativa transmidiática não pode se furtar a respeitar, tais como os processos hipertextuais. A transposição de uma narrativa televi-siva para um portal, por exemplo, não pressupõe a transmidialidade.

Previamente a Jenkins, Murray (2003) define que narrativas contadas no ci-berespaço tendem a ser caleidoscópicas e elevam o público, outrora entendido como receptor, a interator. Nesse sentido, entendemos que o público é aponta-do não apenas como um fruidor de conteúdo midiático, mas como uma possível peça-chave na construção de uma narrativa, como discorre Murray (2003, p. 147):

O autor procedimental é como um coreógrafo que fornece ritmos, o con-texto e o conjunto de passos que serão executados. O interator, seja ele

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navegador, protagonista, explorador ou construtor, faz uso desse repertó-rio de passos e de ritmos possíveis para improvisar uma dança particular dentre de muitas danças possíveis previstas pelo autor.

O papel do interator descreve o público de um produto midiático arqui-tetado sob funções pós-massivas e massivas, tais como as narrativas trans-midiáticas propostas por Henry Jenkins. No entanto, a partir do momento em que se propõem novas posturas para o produtor de conteúdo e sua audiência, em meio a uma perspectiva clássica, há uma reconfiguração de modelos comunicacionais outrora estabelecidos, mediante novos compor-tamentos sociais, como ressalta Lemos (2007, p.2): “novas dimensões emer-gem com as novas tecnologias digitais e as redes telemáticas (...) Devemos, então, reconhecer a instauração de uma dinâmica que faz com que o espaço e as práticas sociais sejam reconfigurados com a emergência das novas”.

A emergência de uma cultura participativa conflui funções massivas e pós-massivas, gerando uma nova dimensão na esfera comunicacional, onde há uma remediação, ou seja, onde dispositivos como a televisão, a exemplo, se apropriam de funções da internet, como explica Lemos (2007), através de Bolter e Grusin. O autor retoma tal visão ao referir-se a uma crise da mídia de massa e à emergência de uma remediação que desemboca em uma re-configuração (LEMOS, 2007, p.7):

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Trata-se efetivamente de «remediações» na esfera das mídias, mas também de reconfigurações de práticas sociais e de instituições (organizações, leis). Temos hoje o modelo de funções massivas da indústria cultural dos séculos XVIII a XX e o modelo de funções pós-massivas, caracterizado pelas mídias digitais, as redes telemáticas e os diversos processos «recombinantes» de conteúdo informacional emergentes a partir da década de 1970.

Fandom como produtor cultural

Com maior diversidade de ferramentas à disposição de sua criatividade e uma rede telemática, os fãs perderam o status de reprodutores com suas sáti-ras da mídia de massa e passam a ser classificados como produtores culturais. Quando um produto cultural entra no fandom, ele naturalmente perde o con-trole rígido que a indústria ou o autor procedimental tem sobre sua criação. As ações do fandom não são mais tidas diante de um sistema previamente calculado, como Janet Murray (2003) define o papel do interator. Este conceito é útil nas narrativas transmidiáticas já que de certa forma é compreendido que os fãs remixarão o produto original, mas não há como limitar a ação deles, há apenas como tentar mantê-las fora do circuito oficial do produto.

O fandom surge como termo ainda em 1990, referindo-se à transforma-ção de produtos da cultura de massa em um produto da subcultura dos fãs, devido as suas reapropriações, as quais aconteciam como uma conseqüência

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do seu sistema organizacional ainda antes da internet, mas que com o espaço público reconfigurado por esta, suas ações ganharam maior notoriedade.

Tendo a internet não só como fonte de material, mas principalmente como fonte de divulgação, o fandom digitalizou os fanzines e assim criaram os fansites, que por muitas vezes tem conteúdo mais vasto e coerente do que espaços virtuais oficiais dos ídolos, já que os fansites são frutos de comuni-dades colaborativas de conhecimento especializado. Da logomarca do site às camisetas vendidas para manter financeiramente a estrutura da página, vemos produtos de fanart, ou arte dos fãs, e que são consumidas e recria-das dentro do seu próprio círculo. Com a popularização do vídeo pelo for-mato flash, mais leve e naturalmente mais rápido que os demais, através do YouTube as paródias ganham novamente destaque, mas emergem também recriações que se apropriam do conteúdo intelectual de uma série televisi-va, por exemplo, ao ter seus capítulos refeitos e divulgados pelos fãs, com o roteiro alterado. Na série norte-americana The O.C., exibida de 2003 a 2007 e produzida por Josh Schwartz para a Warner, por exemplo, insatisfeitos com o cancelamento da série, os fãs continuaram a produção dos episódios com cenas já exibidas na televisão, reeditando-as e criando novas temporadas com roteiro inédito para serem vistas no site de vídeos.

Com relação às narrativas impressas, tais como grandes obras literárias, encontramos um universo paralelo de autores-fãs (ficwriter), com vários vo-

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lumes publicados de suas histórias favoritas, reescritas de acordo com seu in-teresse pessoal e amplamente difundidas no ciberespaço. Assim, observamos a juvenil Escola da Magia e Bruxaria de Hogwarts, onde Harry Potter estudou durante sua juventude, tornar-se um ambiente libidinoso, com paixões entre alunos e professores4 e sexo nas masmorras do castelo entre uma aula de va-rinhas e outra de Trato de Criaturas Mágicas. Ou ainda ganhar uma narrativa estruturada nos modelos humorísticos, ao contrário da obra original escrita por J.K Rowling em sete volumes lançados pela Bloomsbury Publishing, en-tre 1997 e 2007 . Tais criações narrativas de fãs são intituladas de Fanficion, que em tradução livre adquire o sentido de “ficção de fã”. Em alguns casos a estrutura dessas narrativas é tão rica e estruturada quanto a dos autores pro-cedimentais sendo confundidas por um público desatento com a obra que as “inspirou”, principalmente quando essas tratam de uma extensão de uma narrativa já encerradas, como a de Harry Potter e The O.C.

Depois da finalização das ficções desenvolvidas em ambientes virtuais nos sites HarryPotterFanfic.com e Potterish.com, os ficwriters não hesitam em pu-blicar suas obras para correção, pois esta será feita de forma colaborativa com outros fãs, quando não há, no site que publica as obras, uma equipe oficial de correção, igualmente formada por fãs 4 Dados através do site americano Harry Potter Fan Ficton, disponíveis em <http://www.harrypotterfanfiction.com/storysearch.php?genre=12>, e no brasileiro Potterish, disponível em <http://fanfic.potterish.com/ordenarPorCatego-ria.php?cat=1>. Acesso em 10 set. 2009.

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Para John Fisk (1992) todo engajamento com um produto cultural envolve certa produção semiótica, produção enunciativa e produção textual. A primei-ra referindo-se a criação de sentido em cima do produto e a interpretação do que se vê na mídia; a segunda ligando-se a discussões sobre conteúdo, etc., o que vemos nos fórums; a terceira refere-se à produção textual no uso de produtos culturais como base para a criação de novos produtos. Estes sendo produzidos por fãs são o que consideramos como fan made.

A definição do fan made abarca as questões tratadas por Pedro Peixoto Curi (2009, p.3) ao tentar explicar um fan film, o qual é classificado naturalmente como uma produção de fã:

Uma definição para fan films é a de uma produção independente, baseada em um objeto da cultura oficial, feito por um fã e voltado para um público es-pecífico: outros fãs. São filmes feitos geralmente para preencher lacunas dei-xadas nas histórias ou para mostrar uma visão diferente sobre aquele objeto. Não têm como objetivo o lucro e são feitos por e para a diversão. Um meio de se aproximar de outros fãs e de se destacar dentro das comunidades.

A ressalva que fazemos, no entanto, está norteada pela intenção de alguns fãs em chegarem ao mesmo patamar do produto oficial, especi-ficamente sendo classificado como tal, com o intuito de reconfigurar a produção oficial.

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O fan made tem claras manifestações do Do It Yourself (DIY: Faça Você Mesmo, em tradução livre), relíquia herdada do movimento punk da década de 1970 em manifestação ao mercado capitalista. Remetendo-se a rebeldia.

Para Jenkins (2006), os fandoms articulam-se entre o DIY e as caracte-rísticas das plataformas de leitura, escrita, convergência de mídia e cone-xão de usuários.

Murray (2003, p.183), confirma a já vista atualmente perda de controle dos autores procedimentais de produtos oficiais ao explicar que “se dermos ao interator total liberdade para improvisar, perderemos o controle sobre o enredo”. A autora tem interator como aquele que representa o emissor em-butido do direito de interagir em um meio interativo. No caso do fandom, trazendo o conceito na possibilidade de o fã alterar o produto cultural, pro-movendo interação e interatividade com a mídia. Tal processo é inerente ao ato de consumo do fandom, já que uma das características do fã é se apro-priar de um produto desenvolvido para a cultura de massa, ou de acordo com os paradigmas atuais, apropriar-se de qualquer produto cultural, inde-pendente do seu público alvo.

Com o conceito de interator proposto por Murray (2003), constatamos que tais ações podem interferir de pelo menos três formas diferentes em uma narrativa. A primeira através da reapropriação da autoria, alterando a história com a mesma propriedade do autor primário, mantendo sua estru-

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tura de personagens e lugares comuns, como observamos na fanfiction, a fim de uma divulgação paralela ao produto oficial. Já a segunda, percebe-mos através das interações limitadas pelo autor ou pela plataforma, assim como na Televisão Interativa Digital, onde a maioria das ações possíveis de um usuário, exceto pelo quadro de conversação através de chat, seria pré-calculadas. A terceira, então, ocorreria através do ativismo narrativo, termo definido pela autora Pamela Wilson, em 2004, em seus estudos so-bre a ponderação do feedback de telespectadores no ciberespaço. Nesse último caso, de acordo com a reação do público a um produto narrativo no ciberespaço durante o desenrolar do mesmo, como uma novela, os au-tores poderiam alterar o seu final. O ativismo narrativo foi experimentado em The O.C. sem êxito, para a alteração do roteiro da última temporada da série, o que pode ter levado à criação de vídeos subseqüentes por fãs que deram o encaminhamento que queriam à história.

Naturalmente, dentre as três formas de interação do interator em uma obra exemplificada, a maior problemática para a indústria é a forma incalcu-lável e a imprevisibilidade das ações dos usuários que se apropriam do direi-to intelectual do autor e que acabam por distorcer a obra original. Assim, a linha entre o produtor de conteúdo e seu público torna-se demasiadamente tênue à vista dos produtores.

Uma narrativa transmidiática ao ser desenvolvida prevê que haverá uma

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inspiração por parte dos fãs em seu universo fictício que acarretará em novos produtos. Há algumas tentativas de controle desta produção, não apenas nas transmidiações, que se concentram, a priori, em duas formas identificadas:

Na primeira, eles são resultados de um processo de pós-consumo dentro do universo do fandom, servindo para manter os fãs ativos no produto por mais tempo. Ferramentas de controle podem ser criadas para “tentar” man-ter o sentido da obra procedimental. Este tipo de inferência foca em manter a história criada pelo autor procedimental intacta.

Já na segunda, temos um convite para uma construção colaborativa da narrativa em si. Esta não precisa acontecer no pós-consumo e conta com a ajuda do fandom para construção da história, podendo acontecer tanto com fanfics, como com um espaço aberto para diálogo com a produção ou ainda com o personagem. Há, então, um convite por meio das plataformas.

É imprescindível destacar que nenhuma destas duas formas ou deriva-ções incitam uma liberação total do pólo de emissão, como propõe Lemos (2007) com as três premissas da cibercultura, já apresentadas. Temos, de fato, o engendramento de funções mássicas e pós-massivas.

Se passarmos a considerar fanfics como parte integrante da narrativa trans-midiática de Harry Potter, ou ainda se entendermos os episódios subseqüen-tes de The O.C. editados por fãs no Youtube como elementos integrantes da

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narrativa transmidiática, implica em afirmar esta produção como oficial. Todavia, dentre os produtos exemplificados, não tratamos de obras co-

laborativas em sua essência. Pelo contrário, vimos empresas demonstrarem preocupação com a perda da “aura” das obras, mas não no mesmo sentido stricto que Benjamin (1994) questiona pela reprodutibilidade primária.

Se para Walter Benjamin a tese de a reprodutibilidade técnica provoca a superação da aura pela obra de arte, os conglomerados empresariais, que não estão preocupados com a discussão inicial do autor, agora refletem o que podemos considerar como uma perda da aura pela reprodutibilidade remixada propostas pelos fãs. Afinal, o contato com o cerne daquela obra pode se distanciar drasticamente, no processo de remix, das intenções nar-rativas do autor procedimental.

Se tomarmos o exemplo de Harry Potter, temos incontáveis continua-ções do livro circulando pela internet. Basta um programa editor de texto, que pode até ser online, e um espaço de publicação para que nasça outra. Por mais que algumas obras se sobressaiam e sejam “eleitas” pelos fãs como as mais verossímeis, ou ainda que a própria autora do livro crie um espaço, como está fazendo no Pottermore.com, para alocar produções colaborativas de fãs, se torna frágil um apontamento por parte dos fãs de obras conside-radas como oficiais. Podemos considerar, assim, que há nestas obras novas auras, diferentes da original proposta pela autora J.K. Rowling, principalmen-

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te por observamos diversas criações fanmade que alteram ou negam alguns sentidos expostos nos livros de Harry Potter.

Ponderações sobre o fan made e uma possível fanmedia storytelling

O amadurecimento da interatividade na comunicação é inerente à evo-lução tecnológica, mas somente a partir de plataformas com funções in-terativas desenvolveram-se ferramentas para a criação de uma dimensão onde o público pode existir dentro da narrativa de forma imersiva. Logo, observamos a prerrogativa da interação com a narrativa e a conseqüente possibilidade da reconfiguração da obra perante a dominação do fandom.

A possibilidade de aproximação e mescla dos conceitos de emissor e re-ceptor na produção audiovisual, proporcionada pela interatividade e conver-gência, é vista aqui na narrativa transmidiática. A promessa de deslocamentos inéditos nas posições do fruidor e do produtor de conteúdo presentes nesses conceitos, na medida em que as audiências deixam um papel passivo para as-sumir posição ativa na produção e emissão de conteúdo televisivo, precisa ser tida com cautela e trabalhada de forma única em cada produto, já que narrati-vas transmidiáticas são mutáveis e geram produtos novos a cada experiência.

Destarte, entendemos que a narrativa transmidiática tem sido um dos

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mais complexos experimentos dentro da comunicação ao exercitar e tra-zer a bilateralidade para mídias clássicas de funções predominantemente massivas. Contudo, o universo transmidiático ainda demonstra problemas de ordem autoral e de propriedade intelectual, por exemplo, além da ne-cessidade de um planeta devidamente conectado à internet, com um refe-rencial simbólico comum a todos para uma livre conversação. Ainda assim, apontamos uma positiva consideração por parte do conceito com relação à subcultura dos fãs, os trazendo, como interatores ou não, para o universo construído pela produção.

Considerar que alguns destes produtos (os que mudam ou negam o sen-tido da obra original) fazem parte da narrativa transmidiática é, então, ne-gar o produto original dentro de sua própria narrativa. No patamar em que nos encontramos de reflexões sobre o conceito de narrativa transmidiática concomitantemente com as exemplificações, podemos compreender que a criação de novos textos fanmade pode compor a experiência transmidiática, mas não sua narrativa original, base. A não ser que estes se tornem produtos aliados à marca com outorga dos criadores ou equipe.

Logo, não podemos considerar este fã como um interator na narrativa, apenas alocar o conceito de interator dentro do universo fictício (micromun-do) desta estória, já que há uma reorganização de idéias a partir de peças já dispostas, mas estas não alteram o texto principal. As fanfics ou os episódios

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fanmande de The O.C. podem gerar um novo sentido para a obra, no que toca aos estudos de recepção, mas os quais não são pretendidos neste texto.

Consideramos inicialmente no texto o termo “fanmedia” apenas como aglutinação e passamos a entendê-lo como de fato uma termologia para de-signar esta nova aura latente nos produtos quase que “feitos à mão” pelo fan-dom que toma um produto midiático para si.

À primeira vista, para nós, o termo apenas referenciava aos fãs dentro de universos transmidiáticos e suas produções que reconfiguram a história pro-cedimental, como destacamos no termo “fanmedia storytelling”. Passamos então a repensar fanmedia não apenas o relacionado a fãs de produtos das mídias (fans of media), mas às mídias dos fãs; a tomada de controle de um produto midiático e a conseguinte reconfiguração deste produto em diversas plataformas. Estando assim diferenciado também da noção de interator pro-posta por Murray (2003), que tem limites dentro de um espaço estabelecido no produto, e de “media fandom”, que define uma porção do fandom e seus diferentes movimentos e linguagens de produção para Coppa (2007).

O termo fanmedia está alocado nas premissas do ciberespaço aponta-das por André Lemos (2007) e citadas aqui através da liberação do pólo de emissão, conexão em rede e a reconfiguração da indústria midiática. Isto não implica em pensarmos numa dominação total das mídias por parte dos fãs que gere uma forma completamente nova da política na indústria, mas a

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de fato uma reconfiguração de fluxos que até o momento pode ser conside-rada como um dos vetores reorganizadores de sistemas de comunicacionais em produtos pós-massivos.

Referências

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JENKINS, Henry. Cultura da Convergência. São Paulo: Aleph, 2008.LEMOS, André. Cidade e Mobilidade. Telefones Celulares, funções pós-massivas e terri-tórios informacionais. Matrizes, Revista do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Universidade de São Paulo. São Paulo, ano 1, n.1. 2007, pp.121-137. Disponível em <http://www.facom.ufba.br/ciberpesquisa/andrelemos/Media1AndreLe-mos.pdf>.Acesso em 06 agosto de 2010. 2007LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Editora34, 2005. LUSVARGHI, Luisa. O cinema na era digital: a consolidação dos conteúdos cross-media no Brasil, de Big Brother ao caso Antonia. In: Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos In-terdisciplinares da Comunicação XXX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Santos – 29 de agosto a 2 de setembro de 2007. Anais... 2007. Disponível em < http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2007/resumos/R1059-2.pdf> . Acesso em 26 jul. 2011.MAGALHÃES, Henrique. O rebuliço apaixonante dos fanzines. João Pessoa: Marca da Fantasia, 2003.MURRAY, Janet H. Hamlet no holodeck: o futuro da narrativa no ciberespaço. São Paulo: Unesp, 2003.PADRÃO, Márcio. Leituras Resistentes: Fanfiction e Internet vs. Cultura de Massa. E-Compós, Vol. 10, 2007. Disponível em: <http://www.compos.org.br/files/15_Marcio. pdf> . Acesso em 22 de set. 2011SANTAELLA, Lucia. Comunicação & Pesquisa. São Paulo: Hackers Editores, 2006.THOMPSON, John B. A Mídia e a Modernidade: Uma Teoria Social da Mídia. Petrópoles, RJ: Editora Vozes, 2009.

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ATIVISMO E MIDIATIZAÇÃO NO AMBIENTALISMO BRASILEIRO

Ana Azevedo1

ResumoEm 2012, a sociedade brasileira acompanhou na mídia uma série de discussões relativas ao processo de reformulação do Código Florestal brasileiro num debate que reuniu po-líticos, especialistas, representantes do agronegócio e ambientalistas. O presente artigo tem como objetivo principal refletir sobre a apropriação ativista da internet e das Novas Tecnologias de Informação e Comunicação (NTICs) promovida pelo Movimento Flo-resta Faz a Diferença - FFD no Facebook criado por ONGs ambientalistas em resposta ao projeto de lei que reformula o Código Florestal brasileiro. Em nossa pesquisa, a qual integra o estudo de mestrado ainda em andamento, verificamos como o ciberativismo é desenvolvido pelo Movimento Ambiental - MA, considerando que o FFD foi realizado por um comitê que reuniu cerca de 200 organizações da sociedade civil que empunham a bandeira ambientalista no país, relacionando o novo fazer ativista propiciado pelas NTICs com o processo de midiatização da sociedade em vigor e uma possível perda de radicalidade do MA brasileiro, conforme defendida por Agripa Alexandre (2000).

Palavras-chave: Ciberativismo. Midiatização. Floreta Faz a Diferença. Novo Código Florestal.1 Mestranda em Comunicação e Culturas Midiáticas Audiovisuais, pela Universidade Federal da Paraíba. Integrante do Grupo de Estudos de Divulgação Científica (GEDIC) – PPGC/UFPB/CNPq. Endereço eletrônico: [email protected]

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Introdução

Com a mídia digital, percebe-se alguma emancipação dos movimentos so-ciais quanto à midiatização dos acontecimentos de seu interesse, visto que de-vido às possibilidades oferecidas, especialmente pela internet, com a descen-tralização da produção e veiculação de produtos midiáticos, os movimentos optam por produzir suas tematizações. Convencionalmente, os movimentos so-ciais pertencem à ordem da contestação e rebeldia, enquanto a grande mídia como representante da instituição responsável pela mediação da comunicação na sociedade sendo, sobretudo, uma empresa comercial integrante de um sis-tema capitalista, segue uma editoria que prima pela ordem vigente, ou ao esta-belecimento daquela que melhor atenda aos seus interesses.

No prefácio de “Futuro da internet: em direção a uma ciberdemocracia planetária” (LEMOS; LÉVY, 2010), André Lemos (2010) faz o alerta de que já estamos vivenciando esse cenário de mudanças propostas pelo ciberespaço, não sendo mais novidade que ele permita a livre emissão, conexão e recon-figuração da vida em sociedade em seus diferentes aspectos (cultural, polí-tico, econômico). Entretanto, cabe avaliar os processos comunicacionais, flu-xos e dinâmicas que estão delineando os rumos dessas mudanças em meio aos interesses que permeiam as relações sociais forjadas a partir das novas tecnologias de comunicação.

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Ativismo ambiental brasileiro: pontuações históricas

O ambientalismo – que no conceito de Héctor Leis e José D’Amato (1996), “expressa, então, uma tendência vital e orgânica de caráter defensiva, con-sequência da alta entropia de nosso modelo civilizatório” – começa a surgir no Brasil na década de 50 por meio de ações de grupos preservacionis-tas. Nesse período são fundadas as primeiras entidades preocupadas com a causa ambiental, entre elas: a União Protetora do Ambiente Natural – UPAN, fundada em 1955 no Rio Grade do Sul e, no Rio de Janeiro em 1955, a Fun-dação Brasileira para a Conservação da Natureza – FBCN, ambas de caráter conservacionistas priorizavam a luta pela conservação da fauna e da flora. A década seguinte é marcada pela atuação em defesa da floresta amazôni-ca na Campanha em Defesa e Desenvolvimento da Amazônia – CNNDA, no ano de 1966. Em 1971 é criada a primeira entidade com uma proposta de atuação mais ampla a Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natu-ral – AGAPAN, a qual visava promover a ecologia e questionava os impactos oriundos da poluição ambiental proveniente da indústria (JACOBI, 2003).

Com a realização da Conferência de Estocolmo – primeira Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano em Estocolmo, Suécia, no ano de 1972 – fica evidente que a problemática ambiental passa a figurar na pauta das preocupações de ordem global e sua influência nas relações

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internacionais entre países, Viola (1987) define como “o despertar da cons-ciência ecológica no mundo”. E tem início uma série de questionamentos quanto ao valor pago em troca do desenvolvimento baseado na promoção do crescimento industrial e a urbanização desenfreada. No ano posterior, são implementadas as primeiras agências ambientais com a criação da Se-cretaria Especial de Meio Ambiente – SEMA, de caráter nacional; e agências estaduais nas cidades com maior concentração de poluição provocada pela intensiva atividade das indústrias.

Pedro Jacobi (2003) pondera sobre os reais motivos que impulsionaram tais medidas por parte do governo brasileiro, na época, afirmando que antes de ser uma adesão ao pensamento ambiental, se trata de uma pre-ocupação com a imagem deixada pelo país por ocasião da Conferência de Estocolmo, haja vista que o Brasil, juntamente com a China, tenha liderado o grupo dos países periféricos que negavam a importância da problemá-tica ambiental. A esta altura, uma nova cena se apresentaria no ambienta-lismo nacional, agora divido pelas entidades ambientalistas e as agências ambientais criadas pelo governo e desse relacionamento se instala a bis-setorialidade defendida por Viola (1992).

Até 1982, a maior parte dos ativistas era contra qualquer envolvimento do movimento na política. Em 1985, alguns ambientalistas começam a apoiar par-tidos e candidatos que apoiam a causa verde (idem, 1987). E é na segunda me-

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tade da década de 80 que, de acordo com Viola (1992), o movimento se torna mais complexo e multissetorial, passando a se dividir em cinco setores: associa-ções e grupos comunitários ambientalistas; agências estatais; o socioambien-talismo (ONGs, sindicatos e os movimentos sociais); instituições científicas que pesquisam sobre a problemática ambiental e um pequeno número de empre-sários que consideram o critério da sustentabilidade em suas empresas.

Agripa Alexandre (2003) defende a perda de radicalidade do movimento ambiental e contesta essa multissetorialidade (VIOLA, 1992) como caracte-rística do MA. Para o autor, o ambientalismo perdeu sua radicalidade à me-dida que, segmentado e incorporado pela sociedade, pelo mercado e pela burocracia do estado, o MA perde sua essência de movimento social, “passa a perder sua espontaneidade, o seu ativismo político-crítico, e ganha força enquanto bandeira oportunista para empresários, publicitários, agências se-toriais de governo.” (ALEXANDRE, 2003).

A militância ambientalista passou por transformações ao longo do tem-po sendo exatamente a década de 1980 a responsável por marcar o surgi-mento de novas expressões do engajamento em prol da causa ambiental no Brasil (OLIVEIRA, 2008). Tais inovações concorreram para o desenvolvimento do ativismo especializado. Pontuando a profissionalização de ativistas, bem como a institucionalização das associações defensoras do meio ambiente.

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Novo código florestal: comunicação e ativismo na internet

Em 1934, por meio do Decreto 23.793, foi lançado o primeiro Código Flo-restal do Brasil, instituído pelo Decreto no 23.793. Posteriormente revogado pela Lei 4.771, de 15 de setembro de 1965. Como uma de suas medidas de-terminava a preservação de 25% da área de terras de propriedade particular com a cobertura de mata original. O código foi atualizado em 1965 (Lei nº 4.771), a alteração previa que metade dos imóveis rurais da Amazônia deve-ria ser preservada. E, a partir do ano seguinte, o Código Florestal passou a ser modificado por diversas Medidas Provisórias.

A existência de um conjunto de leis, que se ocupam com a manutenção e preservação das florestas com seus ecossistemas naturais, sugere a compreen-são de que tal preservação é de interesse da sociedade. São premissas para a existência de um Código Florestal “a conservação do patrimônio florístico e o estabelecimento de regras para o seu uso” (CBPC, 2011).

Héctor Leis argumenta sobre uma incapacidade do poder governamental de gerir a problemática ambiental e ressalta a importância das ONGs nesse con-texto. Segundo o autor:

Em particular, que os problemas ecológicos são transnacionais e produzem efeitos naturais inesperados, enquanto que a política tradicional é nacional

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ou internacional e se regula a partir de efeitos artificiais esperados. Em ou-tras palavras, os componentes biofísicos da realidade contemporânea não têm uma fácil tradução dentro dos atores e do pensamento político que são tradicionais (LEIS, p. 74, 1999).

A legislação ambiental no Brasil se consolida impulsionada pelas pressões internas dos grupos ambientalistas e, também, da comunidade internacional que ao despertar para a questão ambiental, exige dos países uma postura atu-ante para a preservação e combate à degradação do meio. A importância do Código Florestal é reconhecida à medida que é o conjunto de regras respon-sável pela manutenção de serviços ambientais indispensáveis à vida humana.

Em 1981 foi criada a lei 6.938/81, que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente, com o objetivo de resguardar “a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento socioeconômico, aos interesses da se-gurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana.” 2.

A propositura de uma alteração do Código Florestal vigente no Brasil até 2012 movimentou o país e dividiu opiniões, o debate envolveu diversas ins-tituições como sociedade civil organizada liderada pelos ambientalistas, a comunidade científica e política. As bancadas do Senado e Câmara se dividi-2 Art 2º - A Política Nacional do Meio Ambiente. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6938.htm>. Acesso em: 06 jul. 2013

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ram, representou essa divisão, uma parte a favor do novo código e apoiado pelos ruralistas; a outra, contra ruralistas formada por produtores e sindica-tos rurais e os políticos que os apoiam.

O Projeto de Lei – PL 1.876, de autoria do deputado federal de Ron-dônia Sérgio Carvalho (PSDB), é apresentado dia 19 de outubro de 1999, dando início a um processo de modificação da legislatura vigente que ver-sa, principalmente, sobre a demarcação de Áreas de Preservação Perma-nente - APP, Reserva Legal, exploração florestal etc.. Em 2009, o deputado Aldo Rebelo do PCdoB foi designado relator do projeto, o mesmo emitiu um relatório favorável à lei em 2010. A Câmara dos Deputados aprovou o projeto pela primeira vez no dia 25 de maio de 2011, encaminhando-o ao Senado Federal.

Todo o processo foi marcado por intenso debate social: a comunidade científica, representada pela Academia Brasileira de Ciências - ABC e a So-ciedade Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC, participou elaboran-do o estudo intitulado “O Código Florestal e a Ciência: contribuições com a finalidade de gerar subsídios para as discussões a respeito das mudanças no Código Florestal”; a frente SOS florestas (composta pela as ONGs: Apremavi, Greenpeace, Imaflora, Instituto Centro de Vida - ICV, Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia - IPAM, Instituto Socioambiental - ISA e WWF-Bra-sil), divulgou em janeiro de 2011 a cartilha “Código Florestal: Entenda o que

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está em jogo com a reforma de nossa legislação ambiental” e explica a im-portância do Código Florestal para a sociedade, demonstrando as consequ-ências de uma flexibilização excessiva das leis.

O Ipea lançou um comunicado3 em junho de 2011, informando que, con-forme avaliação dos técnicos do instituto, na melhor das hipóteses, cerca de 29 milhões de hectares de mata nativa deixariam de ser recuperados no país por consequência da aprovação do novo código. Os institutos científicos IMAZON e o ProForest em parceria com o Greepeace, elaboraram o estudo lançado em outubro de 2011, a partir da análise comparativa da legislação florestal de onze países (China, França, EUA, Alemanha, Japão, Indonésia, Índia, Holanda, Suécia, Polônia e Reino Unido), o mesmo teve o objetivo de perceber até que ponto haveria alguma originalidade no código brasileiro. A pesquisa concluiu que há muitas proximidades entre as leis dos países anali-sados e o Código Florestal vigente no Brasil, principalmente quanto à rigidez das leis, reafirmando que desde o século passado o fim do desmatamento, não o contrário, é característica de desenvolvimento.

Os pontos mais polêmicos do projeto de lei se reportavam às Áreas de Preservação Permanente - APP, Reserva legal e a anistia. Áreas de Preservação Permanente são os espaços considerados mais vulneráveis em propriedades

3 IPEA. Implicações do PL 1876/99 nas áreas de reserva legal. 2011. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/comunicado/110608_comunicadoipea96_apresentacao.pdf>. Acesso em: 5 de jul. 2013.

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particulares rurais ou urbanas, como as margens de rios e reservatórios, to-pos de morros, encostas situadas em terreno inclinado ou matas localizadas em nascentes e leitos de rios. Essas áreas apresentam maior risco de desli-zamento, erosão ou enchente, por isso devem ser protegidas. O texto do PL que versa sobre as APPs reduz sua extensão mínima de 30 metros para 15 metros de faixa marginal e opta pela demarcação das matas ciliares prote-gidas, a partir do leito menor do rio e não do nível maior do curso d’água. Desse modo, a uma flexibilização na extensão e uso dessas áreas, especial-mente nas margens de rios já ocupadas. Para ambientalistas, um retrocesso que estimula o desmatamento; para ruralistas, uma mudança necessária e em favor da produção agrícola dos pequenos produtores.

Lançado em 07 de junho de 2011, em Brasília, o Comitê Brasil em De-fesa das Florestas e do Desenvolvimento Sustentável (<http://www.comi-teflorestas.org.br/>) é uma resposta de representantes da nossa sociedade civil organizada ao Projeto de Lei Complementar - PLC 30/2011, que prevê alterações no corpo do texto do Código Florestal então em vigência. For-mado por uma média de 200 organizações da sociedade civil brasileira4, 4 Coordenação do Comitê em Defesa das Florestas e do Desenvolvimento Sustentável: Amazônia Para Sempre; ABONG; CNBB; Coalizão SOS Floresta (Amigos da Terra - Amazônia; APREMAVI; FLORESPI; Fundação Grupo Boticário; Greenpeace; ICV; IMAFLORA; IPAM; ISA; SOS Mata Atlântica; WWF Brasil; Sociedade Chauá SPVS). Comissão Justiça e Paz – CJP; CNS; Comitê Inter-Tribal; CONIC; CUT; FETRAF; FNRU; FASE; FBOMS; FETRAF; Fórum de Mudança Climática e Justiça Social; Fórum Ex-Ministros Meio Ambiente; GTA; IDS; INESC; Instituto Ethos; Jubileu SUL; OAB; Rede Cerrado; Rede Mata Atlântica; REJUMA; Via Campesina (ABEEF, CIMI, CPT, FEAB, MAB, MMC, MST, MPA, MPP e PJR). Disponível em: <http://www.florestafazadiferenca.org.br/quem-somos/>.

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defensora da causa ambiental, o comitê tem por finalidade mobilizar os brasileiros a manifestarem opinião contrária à proposta de alterações no Código Florestal a partir da organização e gerência de ações orquestradas por comitês regionais nas cidades brasileiras: Bahia; Belo Horizonte; Curiti-ba; Distrito Federal; São Carlos, Fortaleza, Recife; Rio de Janeiro; Rio Grade do Sul e São Paulo5.

Como parte de suas ações, o comitê cria o movimento Floresta faz a Diferença que reúne diferentes estratégias de mobilização com foco em vários estados do Brasil, através de seus representantes locais e, sobretu-do, por meio da comunicação mediada por computador na internet. No endereço virtual do site do movimento <http://www.florestafazadiferen-ca.org.br/home/> podemos perceber que o movimento lança mão das principais redes sociais em uso no Brasil, pois está presente no Twitter, Facebook, youtube e Flickr (ver Figura- 1). Além disso, utiliza ferramentas de mobilização nos formatos de áudio, imagem e vídeo que podem ser facilmente acessados e disseminados na internet por meio dessas redes sociais. Até 16 de julho deste ano 42.309 internautas curtiram a página principal do Floresta Faz a Diferença no Facebook <https://www.face-book.com/florestafazadiferenca>.

5 Comitês regionais. Disponível em: <http://www.comiteflorestas.org.br/comit%C3%AAs-regionais>.

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Floresta faz a diferença: ativismo ambiental na timeline

Como os panfletos da França Iluminista que na sua época deram força e distribuíram as ideias contrárias ao regime vigente, hoje, sob a égide da cultura do digital, encontramos grupos e indivíduos, ocupando as redes sociais para disseminar informações, organizar eventos ativistas, ou seja, realizar mobilização de forma rápida e de baixo custo. Ao se tornar o es-paço de conversação social de destaque no Brasil, as redes sociais na in-ternet representam esse ponto onde diferentes interesses e identidades se encontram e dialogam.

Segundo o dicionário, ativismo6 é a “acentuação da atuação consequen-te da vontade, na formação da cultura e da sociedade”, o que pressupõe uma ação que tenha por finalidade alguma mudança social. O ativismo social, que não é algo novo, está relacionado à prática ativa de indivíduos ou organizações defensores de causas sociais correspondentes às exigên-cias de seu tempo. Sobre as alterações comportamentais forjadas a partir da Internet e da sua apropriação na sociedade destaca-se o surgimento do ativismo digital, ativismo on-line ou ciberativismo – ações de mobilização

6 Ativismo a.ti.vis.mo, sm (ativo+ismo) 1 Filos Acentuação da atuação consequente da vontade, na formação da cul-tura e da sociedade; toda criação espiritual, bem como a arte e a teoria científica devem servir à atividade dirigida a uma meta. 2 Doutrina ou prática de dar ênfase à ação vigorosa, p ex, ao uso da força para fins políticos. Disponível em: <http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues-portugues&palavra= ativismo>.

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social realizadas na internet. A internet pode ser adotada como espaço onde ocorrem as ações ativistas ou como ferramenta de apoio para ações que acontecerão fora da rede.

Conforme Rebelo (2002, p. 103), “as estratégias de comunicação para a mobilização buscam não apenas convocar, provocar gestos de adesão ou apoio, mas despertar ações e emoções ativas que se desdobram em outras – participativas, solidárias e, sobretudo, políticas.”

(...) é possível ser dito que a Internet se constitui uma ferramenta impres-cindível para as lutas sociais contemporâneas, já que facilita as atividades (em termos de tempo e custo), pode unir e mobilizar pessoas e entidades de diferentes localidades em prol de uma causa local ou transnacional, bem como quebrar o monopólio da emissão e divulgar informações “alternati-vas” sobre qualquer assunto. (RIGITANO, 2005, p. 249).

Ao aparecer no Senado trajando uma roupa indígena, a atriz Letícia Spiller figurou em algumas matérias de sites especializados em acom-panhar a vida de celebridades.

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Figura 1: Spiller - indígena em prol das florestas.

Fonte: <http://caras.uol.com.br/noticia/leticia-spiller-usa-look-indigena-em-protesto-novo-codigo-florestal-vitor-fasano-maite-proenca#image1>

Nesta perspectiva, constatamos que não é por acaso que as ações cole-tivas e os movimentos sociais realizam verdadeiras encenações em atos pre-viamente orquestrados para atrair a atenção da mídia, buscando cada vez mais inserção na agenda midiática e, a seu turno, as campanhas online cres-cem em número e em repercussão. O que era “ativismo de sofá”, na verdade é parte de uma nova fase do ativismo que se delineia com a apropriação dos meios e a influência da mídia nas instituições sociais.

O pesquisador Muniz Sodré reconhece a existência de uma nova ambi-

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ência criada pelo uso social dos meios, a qual ele denomina como sendo o novo ethos ou bios – o bios midiático, a saber:

O ethos é a atmosfera afetiva (emoções, sentimentos, atitudes) em que se movimenta uma determinada formação social. O ethos midiatizado carac-teriza-se pela manifesta articulação dos meios de comunicação e informa-ção com a vida social. Ou seja, os mecanismos de inculcação de conteúdos culturais e de formação das crenças são atravessados pelas tecnologias de interação ou contato. Passamos a acreditar naquilo que se mostra no espe-lho industrial. (SODRÉ, 2009).

Ivana Bentes, no prefácio do livro a Internet e a Rua (2013, p. 10) dos autores Fábio Maline e Henrique Antoun, afirma que “estamos imersos e atravessados por um novo “bios”, uma midiosfera constituída de redes, dis-positivos, dados, processos de interação humano/não humanos, que curto-circuitaram a separação entre as redes e a rua”. Além de acrescentar elemen-tos ao bios midiático descrito por Sodré, tal conceito evidencia a construção de um espaço a partir da hibridação do que inicialmente esteve dividido em virtual e real, não há mais como separar o online do off-line, o ciberespaço expandido com as tecnologias móveis interligadas em rede presentes no cotidiano das pessoas favorece o surgimento e reinvenção das práticas so-ciais em diferentes esferas interdependentes entre si, nos termos da autora

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estamos atravessados pela internet, não mais entramos na rede, visto que ela perpassa nossa vivência.

E se fazer parte desta nova ambiência não é mais novidade, pois li-damos no dia a dia com as mudanças de comportamento, posturas e demandas relacionadas às novas formas de interação. Mas qual o rumo dessas modificações, que caminhos se formam a partir do uso das TICs no que tange ao ativismo ambiental são preocupações desta pesquisa.

Com a inserção no site de relacionamento Facebook, a partir de uma conta pessoal, efetuamos a observação sistemática da comunidade, onde foi possível resgatar o histórico das postagens presentes no corpo da linha do tempo, extraindo o conteúdo necessário para a análise em andamento que tem ênfase nas ações online identificadas como ‘Cartaz na mão’, ‘Vídeo aos senadores’, ‘Vigília FFD’, ‘Entrega das assinaturas contra o novo código’, ‘Serenata FFD’, ‘Campanha Veta, Dilma’ e as matérias de outros sites com-partilhadas na linha do tempo da comunidade FFD, especialmente aquelas referente à repercussão do movimento FFD na mídia. Desta forma, a linha do tempo da página #florestafazadiferença é composta, também, por material enviado por pessoas anônimas de diversos lugares do país. As pessoas co-laboraram com a moderação da comunidade enviando imagens das mani-festações (vídeo e fotos), assim a postagem na comunidade sobre os even-tos eram uma preocupação do movimento, fizeram sucesso na rede ainda,

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imagens manipuladas (editadas) como a releitura da obra – ‘O grito’ (Edvard Munch, 1893) ou personalidades e personagens famosos pedindo o veto presidencial (ver figura 2).

Figura 2: Imagens apropriadas na campanha Veta Dilma

Fonte: <https://www.facebook.com/media/set/?set=a.145267105559461.37791.141547522598086&type=3 Acesso em: 11 de jun. de 2012>

A ação ‘cartaz na mão’ (ver figura 1) exibiu imagens dos artistas que apoiaram a campanha, segurando cartazes com frases que reforçam a im-portância das florestas e de biomas como o Mangue: “O ar que você res-pira podia ser melhor”. Entre as personalidades fotografadas destacamos a

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ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva, os cantores Carlinhos Brown e Arnaldo Antunes, os atores Victor Fasano e Wagner Moura e a top model Gi-sele Bündchen. As imagens circularam durante meses no Facebook se confi-gurando as postagens mais compartilhadas pela moderação do FFD e entre os demais atores na rede.

Figura 3: Cartaz na mão

Fonte: <https://www.facebook.com/photo.php?fbid=292715734147930&se-t=pb.141547522598086.-2207520000.1350180793&type=1&theater>.

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Vídeos aos senadores - em outubro de 2011, uma ação de grande repercussão foi articulada por Fernando Meirelles, o cineasta editou 25 filmes caseiros envia-dos por atores, especialistas e outras personalidades fazendo apelo aos senado-res contra a aprovação do novo código. Os vídeos foram disponibilizados através do site de vídeos Youtube no canal do movimento, na sessão vídeos caseiros.

Durante cada sessão no senado em debate e votação sobre o novo Có-digo Florestal o movimento FFD organizou a ação denominada Vigília Flo-resta faz a diferença. Com duração de três dias em média, a ação contava com a participação de pessoas convidadas - artistas, especialistas, ativistas e políticos. As vigílias ocorriam em momentos pontuais da campanha como próximo da data de votação, audiências públicas e dos principais debates ocorridos sobre o novo código, eram transmitidas online diretamente do estúdio montado pelo FFD. Abaixo a programação da Vigília do dia 21 de setembro de 2011:

Programação de hoje na Vigilia: 9h: balanço geral sobre a Vigilia, 10h: acompa-nhamento das Comissões do Senado sobre o Código Florestal e link ao vivo, di-reto do mutirão de assinaturas do abaixo-assinado do Comite Brasil em Defesa das Florestas e do Desenvolvimento Sustentável, na Av. Paulista, em São Paulo, 14h: Pocket-show com Paulo Tatit, 16h: Acompanhamento e análise da reunião na CCJ e cobertura da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, em Brasília, 18h: Marina Silva no estúdio do #Floresta, em São Paulo, 19h30: Bate-papo com

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Kageyama e Marcos Sorrentino, 21h: bate-papo com ativistas e integrantes do Movimento Brasil pelas Florestas. Fique ligado, chame + 1 amigo! (21-set-2011)

Foram coletadas em todo o país um milhão e quinhentas mil assinaturas, a matriz dos abaixo assinados era disponibilizada no site e cada comitê regional fi-cava responsável de encaminhar até a data determinada. O ato de entrega foi um evento organizado pelo Comitê que reuniu ativistas, personalidades entre eles os artistas Vanessa da Mata e Victor Fasano e a Senadora Marina Silva e a imprensa:

Figura 4: Entrega das assinaturas

Fonte: <https://www.facebook.com/photo.php?fbid=194683230617848&se-t=pb.141547522598086.-2207520000.1375650995.&type=3&theater>

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O aspecto da midiatização - como aquele que denota uma maior ênfase no capital midiático revelado nas postagens a partir da forma de incorpora-ção de artistas na campanha (clips, depoimentos, participação em atos). O nível de popularidade das postagens demonstra que a grande repercussão obtida pela campanha Veta, Dilma nas redes sociais se delineou com o es-paço oferecido pelo movimento à participação de artistas em sua maioria globais. Sites como o Glamurama, Caras, e colunas específicas sobre a vida de celebridades aparecem na linha do tempo devido à vinculação de artistas na campanha, bem como sessões e debates sobre o código são transmitidos em tempo real no site do FFD. A abertura e a proximidade deste ativismo para o meio artístico e outras vozes em face da larga exploração de tais par-ticipações podem indicar os rumos de uma cibermilitância que enfraquece e vem reforçar a tese da perda de radicalidade do movimento ambiental.

Considerações finais

A apropriação dos meios de comunicação ganha uma dimensão amplia-da e complexa a partir da internet. Com sua popularização, a vida passa a se classificar como online ou off-line; esferas estas cada vez mais imbricadas na nossa sociedade. Nessa perspectiva, propomos um estudo que parte da elaboração de um breve histórico da relação entre ativismo e os meios de

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comunicação, com ênfase no surgimento do ativismo online e suas varia-ções até hoje, buscando identificar as práticas e apropriações que se forjam no nas redes sociais por meio do Facebook.

Uma das principais marcas que podemos destacar no ciberativismo é o seu caráter multifacetado. Nesse sentido, reforçamos a importância do estudo das práticas, visto que, quando falamos em apropriação social dos meios, é preciso estar ciente de que é tudo uma construção, contínua, heterogênea e aberta.

A midiatização demonstrada pelo FFD na comunidade do Facebook é evidente, não apenas pela valorização das celebridades na campanha, como na promoção dos eventos e ações do movimento para serem reportados na comunidade como produtos midiáticos. A adesão da classe artística à causa, somada ao aspecto assumido pelo movimento ambiental na contemporaneidade, colaboraram para que a defesa pela manutenção do Código Florestal brasilei-ro na internet se tornasse pouco radical, numa oposição que existiu, porém, acabou por ser incorporada à agenda midiática como mais um “fenômeno de internet”, que após figurar alguns dias nas redes sociais e, portanto, atingir certa notoriedade, logo ganha o esquecimento.

A legislação ambiental no Brasil estava se consolidando impulsionada pelas pressões internas dos grupos ambientalistas e da comunidade internacional que ao despertar para a questão ambiental, exige dos países uma postura atu-ante para a preservação e combate à degradação do meio. A importância do

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Código Florestal é reconhecida à medida que é o conjunto de regras respon-sável pela manutenção de serviços ambientais indispensáveis à vida humana. E se a radicalidade assumida pelo movimento ambiental em outros tempos angariou grandes ganhos para a política nacional em meio ambiente, quando o acesso à comunicação de uma forma geral era muito mais difícil, principal-mente a comunicação de massa, hoje, o movimento ambiental enfrenta me-nos barreiras para comunicar e informar; entretanto, ao que parece mesmo contando com as múltiplas vozes que defendem a causa verde na internet, a apropriação das redes digitais diante do processo de midiatização vivenciado parece demonstrar um enfraquecimento, ou comprovando a tese de Agripa Faria (2003), revela a perda da radicalidade do movimento.

Referências

ALEXANDRE, Agripa Faria. A perda da radicalidade do Movimento Ambientalista Brasilei-ro: uma nova contribuição à crítica do movimento. 2003. Disponível em: <http://www.seer.furg.br/ambeduc/article/view/899> Acesso em: 02 jul. 2013.ANTOUN, H. Jornalismo e ativismo na hipermídia: em que se pode reconhecer a nova mí-dia. Revista FAMECOS: mídia, cultura e tecnologia, Porto Alegre, nº 16, 2001. Disponível em: <http://revistas.univerciencia.org/index.php/famecos/article/viewFile/274/208>. Acesso em: 20 jun. 2012.

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O RÁDIO E A CONVERGÊNCIA DIGITAL: CONSIDERAÇÕES SOBRE UM PROCESSO EM MUTAÇÃO

Elton Bruno Barbosa Pinheiro1

ResumoO fenômeno da convergência tecnológica é um dos mais dinâmicos e comple-xos envolvidos no processo de surgimento de uma nova práxis da produção e do consumo de conteúdos digitais. No presente trabalho, refletimos sobre as consequências da convergência no meio radiofônico e, a partir de algumas constatações, examinaremos as potencialidades de tal processo midiático sob a ótica de diferentes autores, como Jenkins, Larose & Straubhaar, Fidler e Lopez.

Palavras-Chave: Rádio Digital. Convergência Tecnológica. Produção de Conteúdos.

1 Mestre em Comunicação e Culturas Midiáticas Audiovisuais, pela Universidade Federal da Paraíba – UFPB e Grad-uado em Comunicação Social pela mesma Universidade. Pesquisador do Grupo de Estudos de Divulgação Científica (GEDIC) - PPGC/UFPB/CNPq. Integrante do Digital Mídia – Grupo de Estudos em Mídias, Processos Digitais e Acessi-bilidade – UFPB. Professor do Curso de Comunicação Social da Associação Paraibana de Ensino Renovado. Endereço eletrônico: [email protected].

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Um fenômeno em processo

Partindo do pressuposto de que, no Brasil, o rádio iniciou sua inserção no processo de convergência tecnológica ainda nos anos 1990 através, por exemplo, do uso do telefone celular e, sobretudo, com o advento do uso da internet nas redações, entendemos que tal fenômeno envolve reinvenções tanto no modo de acessar os meios de comunicação quanto, necessaria-mente, na maneira de produzir conteúdos.

Nesse sentido, consideramos que a convergência, a priori, deve ser en-tendida como um processo, uma vez que, conforme articulou Jenkins:

A convergência das mídias é mais do que apenas uma mudança tecnológi-ca. A convergência altera a relação entre tecnologias existentes, indústrias, mercados, gêneros e públicos. A convergência altera a lógica pela qual a indústria midiática opera e pela qual os consumidores processam a notícia e o entretenimento. [...] a convergência refere-se a um processo, não a um ponto final (JENKINS, 2008, p.18).

A partir da análise de Jenkins (2008), parece clara a noção de que a con-vergência é um fenômeno que se dá em processo, o que implica dizer que as alterações ocasionadas a partir dela à cultura midiática não estabelecerão

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a adoção de práticas comunicacionais lineares, verticais ou imutáveis às eta-pas de produção, veiculação e recepção do conteúdo no rádio digital.

Pelo contrário, com o aprimoramento, surgimento e conexão constantes dos meios de comunicação, o processo de convergência das mídias, certa-mente, vai sendo reconfigurado e ampliado, chamando continuamente a atenção dos profissionais e pesquisadores da área para inserirem-se nessa dinâmica, capacitando-se e motivando constantes mutações que permitam o crescimento e abrangência dos meios e das mensagens/conteúdos.

Ao abordamos os estudos de Jenkins (2008), constatamos que o referido teórico analisa e propõe uma nova forma para se consumir as mídias ou seus conteúdos, inseridos no processo de convergência digital:

A convergência exige que as empresas midiáticas repensem antigas suposi-ções sobre o que significa consumir mídias [...] Se os antigos consumidores eram tidos como passivos, os novos consumidores são ativos. Se os antigos con-sumidores eram previsíveis e ficavam onde mandavam que ficassem, os novos consumidores são migratórios, demonstrando uma declinante lealdade a redes ou aos meios de comunicação. Se os antigos consumidores eram indivíduos isolados, os novos consumidores são mais conectados socialmente. Se o trabalho de consumidores de mídia já foi silencioso e invisível, os novos consumidores são agora barulhentos e públicos (grifos nosso) (JENKINS, 2008, p. 22).

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Aos focarmos esses pontos em destaque na citação anterior, podemos, de fato, inferir que no novo processo comunicacional radiofônico, envolto pelo cenário da convergência digital, os usuários-ouvintes também se veem diante de mutações em suas práticas. Consideramos que, de certa forma, o público que irá ter acesso à tecnologia do rádio digital brasileiro possui um perfil midiático muito próximo do proposto por Jenkins (idem, ibidem), ou seja, será ativo, pois atuará diretamente no processo de produção da men-sagem, através da interatividade, e traçará sua própria maneira de consumo através das possibilidades de personalização das formas de recepção dos conteúdos (Cf. PALACIOS, 1999; LAROSE; STRAUBHAAR, 2004); o público também será migratório, tendo em vista que, caso o rádio digital não ofe-reça notadamente conteúdos interativos, dinâmicos, segmentados, especia-lizados, a tendência de tal meio será o seu declínio e a consequente perda de audiência para outras mídias que possuam tais características; conectado socialmente, barulhento e público, o que se dará na medida em que uma relevante tendência da cultura midiática na contemporaneidade é instaurar processos comunicativos mediados por amigos e seguidores.

Nesse sentido, Nicolau (2008, p. 01), constata que, de fato, há “uma ca-racterística peculiar nas mídias de hoje: elas estão se tornando, cada vez mais, mídias de relacionamento”. O rádio digital deve, portanto, acompanhar essa tendência, levando consideravelmente em conta “os tipos de relacio-

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namentos que se desdobram nesse contexto: cooperativo, mercadológico e participativo” (idem, ibidem). Ressaltamos que a argumentação de Nicolau baseia-se na seguinte constatação:

A partir da instauração de um fluxo permanente de comunicação midiática e do desdobramento de múltiplas conexões entre usuários, instituições e sistemas, entre suportes de interfaces dinâmicas, há formas de relaciona-mento surgindo e sendo estabelecidas no âmbito de uma nova cultura mi-diática (grifos no original) (NICOLAU, 2008, p. 02).

Uma proposição que levantamos para buscar complementar o entendi-mento da teoria de Nicolau (2008) de forma a contextualizar o nosso objeto – o rádio digital, é apoiada no pensamento de Jenkins (2008). Consideramos que a tendência que leva as mídias em processo de digitalização tornarem--se, gradativamente, “mídias de relacionamento” pode também ser explicada pela necessidade que temos, cada vez mais, de convergir, entrecruzar, rela-cionar conhecimentos. Desse modo, o próprio consumo das mídias digitais e de suas mensagens se tornou um “processo coletivo”.

O consumo tornou-se um processo coletivo [...] Nenhum de nós pode saber tudo (inteligência coletiva); cada um de nós sabe alguma coisa; e podemos juntar as peças, se associarmos nossos recursos e unirmos nossas habilidades.

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A inteligência coletiva pode ser vista como uma fonte alternativa de poder midiático. Estamos aprendendo a usar esse poder em nossas interações diárias dentro da cultura da convergência (grifo nosso) (JENKINS, 2008, p.5).

É possível perceber como Jenkins encara a convergência como uma mu-tação cultural. E nós corroboramos esse pensamento do referido autor na medida em que acreditamos que neste ambiente onde atuam concomitan-temente múltiplos dispositivos midiáticos, o consumo de informações se intensifica. No caso do rádio digital, a atuação simultânea de recursos sono-ros, hipertextuais e visuais, em rede, se complementam de modo a fazer a mensagem reverberar de maneira ainda mais diversa e eficaz.

A fim de compreendermos de forma ainda melhor o fenômeno da convergência tecnológica tendo como foco a sua atuação no contexto da digitalização do rádio, basta observarmos a existência, ainda que tímida, de tal característica no próprio suporte radiofônico analógico. Destaca-mos, por exemplo, o entrecruzamento de elementos como a aproximação com o público ouvinte de modo interativo (através de cartas, telefonemas etc.); o imediatismo, o caráter investigativo e a credibilidade na divulga-ção das mensagens (aspectos muitas vezes potencializados pela colabo-ração de fontes diversas, como o próprio jornal impresso, os conteúdos televisivos, as agências de notícias); e a própria linguagem radiofônica

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com seus variados códigos (som, silêncio, ruídos e a cadência entre ou-tros subcódigos).

O nosso olhar para essas peculiaridades nos confirma o potencial con-vergente existente no suporte radiofônico analógico e, mais do que isso, re-força a noção de uma atuação processual do fenômeno, ao mesmo tempo em que nos sinaliza as inúmeras possibilidades de convergência que surgem para o rádio com a chegada da digitalização.

A tecnologia digital, portanto, amplia o processo de convergência, pro-porcionando ao rádio um diálogo ainda mais complexo com outras mídias e suportes, favorecendo assim o desenvolvimento de práticas simbólicas de relacionamento e a construção coletiva de saberes, a partir da recon-figuração das suas etapas de produção, veiculação, recepção e interação conteudística.

Ao mencionarmos a questão da interação como etapa constituinte da práxis comunicacional convergente, voltamos a nossa atenção para o papel participa-tivo e colaborativo a ser desempenhado pelo usuário-ouvinte na produção de conteúdos radiofônicos digitais.

A expressão cultura participativa contrasta com noções mais antigas sobre a passividade dos espectadores dos meios de comunicação. Em vez de falar sobre produtores e consumidores de mídia como ocupantes de papéis se-

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parados, podemos agora considera-los como participantes interagindo de acordo com um novo conjunto de regras, que nenhum de nós entende por completo (JENKINS, 2008, p. 05).

Esse novo conjunto de regras apontado por Jenkins, se não é possível de ser compreendido em sua plenitude, precisa ao menos ser esmiuçado em sua essência atual.

Como afirma Zaremba, são muitos e dinâmicos os aspectos da convergência digital, porém, o rádio não pode ficar fora desse processo, tampouco se inserir nele de forma limitada:

Padronização de mensagens, economia de recursos, expansão de merca-dos, reengenharia de produção e recepção, estratégias de distribuição, são alguns passos nessa coreografia veloz da convergência tecnológica da qual resulta um novo modelo de comunicação-informação. Transportando lin-guagens esse novo paradigma digital constrói um mundo fantástico de acoplamentos onde rádio e outras mídias não devam ser apenas extensões dentro da rede [...] (ZAREMBA, 2001, p.2).

Refletir analiticamente sobre a convergência tecnológica no caso espe-cífico do rádio digital é, portanto, entender como tal meio pode ser trans-formado à medida que se abre às conexões diretas com outras tecnologias

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da informação e meios de comunicação. Um primeiro passo nesse sentido pode ser dado analisando-se as consequências de tal processo.

Consequências da convergência digital

Segundo os autores americanos LaRose e Straubhaar, as implicações da con-vergência são aspectos importantes de serem observados e analisados por pro-fissionais, estudantes e pela academia, no sentido de que:

Quanto melhor eles entenderem essa mídia e sua evolução, poderão de-cidir mais inteligentemente como pensar a respeito delas, como planejar para elas, o que mais terão de aprender, a que atribuir maior importância [...] poderão começar a pensar não apenas sobre como o novo ambiente de comunicações de mídias os afetará, mas também como eles poderão afetá--los (LAROSE; STRAUBHAAR, 2004, p. XIV).

Ainda de acordo com esses autores, a convergência tecnológica traz conse-quências relevantes e específicas para cada meio. A abundância de canais, o con-trole do usuário e a emergência de novas formas de multimídia são três dessas implicações constatadas pelos referidos pesquisadores, cujas ocorrências serão examinadas a seguir com intuito de compreendê-las no contexto do rádio digital.

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a) A abundância de canais: “quando as mensagens são codificadas digital-mente, torna-se possível o uso de compressão digital2” (LAROSE; STRAUBHA-AR, 2004, p. 20). Tal implicação técnica, consequentemente, ocasiona a possi-bilidade de transmissão de mensagens por meio de múltiplos canais. Trata-se do surgimento de uma das potencialidades mais significativas, revolucioná-rias e motivadoras para o rádio digital: a multiprogramação. “Enquanto mais programas podem ser apertados dentro de um canal existente, a disponibi-lidade de canais também está crescendo” (idem, ibidem).

Para Bianco, esse aspecto da multiprogramação ocasiona relevantes van-tagens ao cenário radiofônico digital:

As vantagens da transmissão digital são, potencialmente, significativas e sugerem que essa revolução tecnológica irá revitalizar o rádio tanto no con-teúdo quanto na forma de consumo. Uma delas é a diversificação do conte-údo, uma vez que a tecnologia permite a divisão do espectro em dois ou mais canais de áudio. Pesquisadores da área de várias partes do mundo apontam para a necessidade de uma “reinvenção” do rádio analógico para que possa se adaptar à nova tecnologia (grifo nosso) (BIANCO, 2006, p. 02).

A maior preocupação nesse sentido é em até que ponto a multiplicação 2 A compressão de sinais reduz o número de dígitos que devem ser transmitidos. “Trata-se da subtração de infor-mação redundante do conteúdo da mídia [...] ou a descoberta de maneiras mais eficientes de codificar a informação transmitida” (LAROSE; STRAUBHAAR, 2004, p. 20).

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da oferta de canais será aproveitada com qualidade técnica e criatividade pelos empresários da comunicação, produtores, radialistas, jornalistas e ou-tros profissionais do meio. Na realidade atual, com a existência de canais únicos de transmissão, a maioria das emissoras inseridas no dial analógico tem deixado grande proporção de ouvintes sem opções diferenciadas em relação à disponibilização de conteúdos, os quais precisam atender cada vez mais à lógica da hipersegmentação e da hiperespecialização das audiências, que por sua vez estão cada vez mais exigentes. Consideramos, portanto, que somente a oferta de novos conteúdos pode fazer valer tal consequência.

Paradoxalmente ao sugerido por LaRose e Straubhaar (2004, p. 20), uma ressalva recai sobre o debate a respeito da compressão e da disponibilida-de de canais. Segundo a Benton Foundation (2000 apud TOME, 2004, p. 07), “ao ocupar os canais adjacentes e efetivamente aumentar a largura do canal ocupado por uma estação, está-se reduzindo a disponibilidade de espectro para eventuais novos atores”. Essa abordagem sugere um amplo debate so-bre a questão das políticas públicas de comunicação para o rádio brasileiro (Cf. BARBOSA FILHO, 2008, pp. 121-141), o que não é foco principal desse estudo, todavia, reconhecemos a necessidade de se desenvolverem pesqui-sas especificas sobre tal temática.

b) O controle pelo usuário: “como o usuário vai manter-se em compasso com a proliferação dos canais?” (LAROSE; STRAUBHAAR, 2004, p. 22). A partir

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desse questionamento propomos a reflexão sobre a considerável inovação nos procedimentos de escolha de conteúdos por partes dos usuários-ou-vintes do rádio digital. Segundo os referidos autores americanos, as “novas tecnologias digitais vêm permitindo a programação de nossos receptores com regras cada vez mais complexas de personalização”.

Essa afirmação nos ajuda a delinear perspectivas convergentes para o rádio digital, por exemplo: ao ligar o receptor inteligente, o usuário-ouvinte, auxiliado por um sistema instrutivo, poderá pré-estabelecer a sua progra-mação de várias maneiras – um delas seria, com a utilização de um siste-ma de busca, procurar certos tipos de gêneros ou formatos radiofônicos, ou mesmo a sua música ou cantores preferidos. Ou seja, no rádio digital, a exemplo do que já ocorre em receptores de informação via satélite (Cf. LA-ROSE; STRAUBHAAR, 2004, p. 22), o usuário-ouvinte poderá criar a sua pró-pria programação.

Ainda nesse sentido, podemos destacar as “mensagens pessoais” que poderão ser pré-configuradas para exibição diária nos futuros receptores de rádio digital, desde simples saudações até informações sobre o trânsito, tempo, cotação de bolsa de valores, astral, dicas, funções de agenda etc..

Outra consequência do controle pelo usuário sobre os conteúdos do rá-dio digital seria a personalização dos anúncios publicitários, os quais terão que ser produzidos por profissionais cada vez mais capacitados e criativos,

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capazes de persuadir os seus possíveis consumidores sem que eles sejam impulsionados a trocar de frequência. Nesse sentido, percebemos que a no-ção de controle pelo usuário aliada a crescente abundância de canais sinaliza também que:

[...] algum dia poderemos alterar os conteúdos dos anúncios de acordo com tipos específicos de lares ou introduzir variações em programas de entre-tenimento para atender os gostos de audiências cada vez mais específicas, ou até mesmo indivíduos específicos (LAROSE; STRAUBHAAR, 2004, p. 22).

Ao se refletir sobre esses aspectos múltiplos, pode-se perceber que a con-vergência digital tende cada vez mais a levar o usuário-ouvinte a atuar como um produtor de conteúdos. Além disso, podemos inferir que o “controle pelo usuário”, em relação ao rádio digital e aos conteúdos veiculados pelo mesmo, deve ser valorizado principalmente a partir dos níveis de interatividade, consi-deravelmente também ofertados pela convergência tecnológica.

c) A emergência de novas formas de multimídia. A priori, essa consequ-ência da convergência se refere à questão de que o próprio conceito de multimídia, “que integra áudio, imagens e textos digitais em redes de dados – está apagando as antigas distinções rígidas entre os meios de comunica-ção” (LAROSE; STRAUBHAAR, 2004, p. 23). Isso significa que, embora cada

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meio de comunicação tenha sistema de produção e transmissão específico, a atual conjuntura propiciada pela digitalização determina o fenômeno da convergência entre eles.

O rádio digital deve estar dentro dessa lógica, afinal, como afirma Cordeiro (2004, p. 01): “o estilo hipermidiático agora utilizado recorre a quase todos os recursos da comunicação em rede, fazendo distinguir os meios de comunica-ção modernos [...] pela interatividade, hiperligações, personalização e atualiza-ção constante”. Ao citarmos o termo hipermidiático3 precisamos apontar que, segundo LaRose e Straubhaar (2004, p. 23) essa é outra denominação para se descrever o fenômeno da convergência dos meios.

Dessa forma, como o intuito de compreendermos melhor tal definição, corroboramos o pensamento de Nunes, que analisa:

Os sistemas hipermídia [...] se apresentam como ferramentas de aprendiza-gem, produção, armazenamento e disponibilização de informações multi-mídia integrando diferentes tecnologias que absorvem a dinâmica das mídias predecessoras ajustando-se a nova realidade digital com especificidades ain-da em delineamento. Destacamos a hibridização como uma característica auxiliar importante no contexto de construção da feição dos sistemas hi-permídia (grifos nossos) (NUNES, 2009, p. 222).

3 Segundo Nunes (2009, p. 230) “o prefixo hiper significa acima, posição superior ou mais além. O termo hiper foi utilizado na física por Einstein para descrever o novo tipo de espaço na teoria da relatividade, o hiperespaço: espaço visto de outro modo”.

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De acordo com o referido autor, o fenômeno da convergência das mí-dias, assim como do processo de produção de seus conteúdos, tem nesse aspecto “híbrido” uma base para o seu desenvolvimento. No caso do rádio digital, a característica de hibridização proposta por Nunes pode ser enten-dida como a capacidade que tal mídia terá de se configurar sob a ótica da convergência, recuperando, atualizando e potencializando suas caracterís-ticas basilares, ao mesmo tempo em que irá expandir sua ação para outras mídias. Ainda segundo o autor:

Esses translados corporificados em forma de passagem das características significantes de outras modalidades de articulação expressiva ao suporte digital denotam que os sistemas hipermídia se desenvolveram como um espaço de confluências intersemióticas (NUNES, 2009, p. 223).

Esse ambiente de convergência semiótica abordado por Nunes, e tam-bém mencionado por Santaella (2004), refere-se, tomando como exemplo o rádio digital, ao que já entendemos como o processo de hibridização en-tre os aspectos do suporte e da linguagem analógica, bem como das expe-riências do rádio na internet, que possam ser reaproveitadas, com as novas características que surgem com as potencialidades no aparato digital.

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A convergência sob a ótica de Fidler

Partindo para os estudos de convergência sob a ótica de Fidler, corrobo-ramos a ideia de que o processo de transformação das mídias, chamado pelo autor de midiamorfosis, é impulsionado por elementos diversos relacionados entre si, como por exemplo, “as necessidades percebidas, pressões políticas e econômicas e inovações sociais e tecnológicas” (FIDLER, 1997, p. 57).

Com o intuito de ampliarmos o entendimento sobre essas noções, ten-do como foco o caso do rádio digital brasileiro, observemos cinco preceitos que, segundo Fidler, marcam a passagem do analógico ao digital conver-gente. São eles:

a) Coevolução e coexistência: de acordo com esse princípio, as mais di-versas tecnologias da informação e da comunicação coevoluem e coexistem em meio a um processo de adequação e expansão. Ao manifestar-se e ela-borar-se, cada inovação repercute no progresso de outras mídias.

Analisando essa tendência em relação à digitalização do rádio no Brasil, fazemos uma conexão com a fase de transmissão simulcasting, que consiste na transmissão de conteúdos nos dois formatos (analógico e digital), en-quanto ocorre a realização dos testes com os padrões tecnológicos digitais em algumas emissoras, bem como, acredita-se, até quando houver a opor-

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tunidade de aquisição de receptores com tal tecnologia por parte da maioria da população, a preços acessíveis.

b) Metamorfose: este preceito assegura que as inovações nos meios co-municacionais não surgem por si sós, pelo contrário, elas acontecem paulati-namente a partir das transformações de outros meios. Seu objetivo principal é, no entanto, demonstrar que meios antigos, ao invés de desaparecerem, se adaptam aos novos cenários. Além disso, a partir dele, é possível compreen-der o fato de ainda que a digitalização do rádio esteja sendo consolidada a passos lentos, ela se constitui como um avanço imprescindível à permanên-cia de tal meio na cultura midiática contemporânea.

c) Sobrevivência: as transformações são inevitáveis às mídias, assim como o mercado é obrigado a se adequar a essa realidade para manter-se ativo. Os empresários da radiodifusão nacional devem se mobilizar para encontrar possibilidades de trabalhar as inovações ocasionadas pelo suporte digital ao rádio para além das melhorias técnicas. Nesse momento, além dos debates técnicos, já deveria ser notadamente fomentada a preocupação com os de-safios de explorar as novas necessidades da programação digital em termos de conteúdo.

d) Oportunidade e necessidade: para Fidler não são apenas as questões tecnológicas que determinam novos horizontes às mídias, mas também as razões sociais, políticas e econômicas. Certamente esses aspectos influen-

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ciam transversalmente a atuação e o desenvolvimento das mídias. Desta-camos os empecilhos causados pelos proselitismos políticos que rodeiam a questão da definição do padrão tecnológico a ser adotado pelo SBRD. Ainda assim, o período de transição que estamos enfrentando constitui-se numa grande oportunidade para reinventar a práxis radiofônica observando as suas necessidades mais urgentes, como a questão do conteúdo.

e) Adaptação postergada: tal preceito alerta-nos para o fato de que os be-nefícios comerciais advindos da atuação de uma mídia nova surgem apenas com o passar do tempo. De modo específico, em relação ao rádio digital, os exemplos norte-americanos e europeus comprovam que, mesmo depois de mais dez anos, tal tecnologia ainda caminha vagarosamente quando se trata de por em prática os aspectos interativos e convergentes.

Consideramos que, no caso brasileiro, cabe aos empresários e profissio-nais do meio, bem como à academia, pesquisar, refletir e propor caminhos para que a sintonia do futuro obtenha os melhoramentos esperados tanto no âmbito comercial, quanto na qualidade de seus conteúdos.

Esse é um dos desafios atuais em relação à convergência: saber de que for-ma os profissionais da comunicação devem atuar frente a tais inovações pelas quais passa o rádio:

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A questão é como integrar os valores culturais de sua origem aos que sur-gem da tecnologia emergente. O rádio continuará sendo sonoro, porém com funções multimídia, portanto terá de agregar uma linguagem flexível que possibilita diversificar conteúdos, o que torna inevitável integrar sua programação a novos formatos de distribuição e ser capaz de compatibili-zar voz, imagens e dados (BIANCO, 2010, p. 109).

A convergência tecnológica é nitidamente uma tendência intrínseca ao rádio. Com a digitalização ela será capaz de reinventar o meio que melhor se adaptou aos diferentes espaços, que mais alcança e acompanha as diversas camadas da sociedade e que facilmente se aproxima e se utiliza da grande variedade e riqueza de expressões da linguagem sonora. Os níveis de con-vergência tecnológica, no entanto, não podem, nem devem ofuscar a essên-cia do rádio, que é a sonoridade.

Abordagem sobre os níveis de convergência no rádio

Conforme já explicitamos, a convergência midiática é um fenômeno pro-cessual e multidimensional, o que implica dizer que ela aborda as tecno-logias da informação e da comunicação em diversos níveis e aspectos. De acordo com Lopez (2010a, p. 15), a análise da lógica da convergência mi-

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diática precisa ocorrer levando-se em consideração “[...] um contexto mais amplo, que envolve não só a comunicação, mas o ambiente em que ela se insere, as tecnologias presentes nele e os reflexos que elas têm nas ações e comportamentos do homem”. Tais constatações demonstram como a con-vergência necessita ser refletida a partir de uma perspectiva que contemple as suas etapas de produção, transmissão e consumo da informação.

Para o caso específico do rádio digital, a elaboração de conteúdos diferenciados é uma das principais mudanças que precisam ser geradas e, consequentemente, potencializadas e reverberadas pelo ambiente de convergência.

A fim de utilizarmos as proposições teóricas sobre a convergência de modo diretamente relacionado ao rádio digital, optamos por fazer uma apre-ciação da classificação em níveis proposta por Lopez (2010b, pp. 412-417). Importante ressaltar que ao discorrer sobre o que a autora chama de “níveis de convergência”, corroboramos a ideia de que eles se apresentam sob uma lógica de complementaridade, sem exigência de uma continuidade, “em que novas ferramentas, ações e contextos surgem e geram consequências para o rádio a partir da inserção das tecnologias da informação e da comunicação em suas rotinas” (idem, p. 412).

Em relação a esse cenário de constantes mudanças, López Vidales assegura:

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Na gênese de toda essa mudança está a profunda transformação sofrida pelos diferentes meios de comunicação na raiz da digitalização acelerada dos processos de elaboração, emissão, produção, transmissão, difusão e re-cepção de todo tipo de informação, seja áudio, imagens, dados ou gráficos (LÓPEZ VIDALES, 2001, p. 71).

Voltando-nos à referida proposta de classificação dos níveis de conver-gência, reconhecemos o amplo horizonte que se abre ao rádio digital, a notá-vel necessidade de compreendê-lo, bem como a complexidade de tal lógica processual que, como já elucidamos, vai além da questão técnica-estrutural, na medida em que sugere a discussão de seus propósitos e os reflexos que se apresentam no processo produtivo radiofônico.

Todo o processo de mutações no aparato tecnológico radiofônico, so-bretudo as implicações da convergência digital, nos remete à necessida-de de reconfigurarmos a práxis de tal meio. De acordo com Lopez (2010b, p.414), estamos diante de “[...] novas dinâmicas de produção e transmissão que apresentam uma relação entre a tecnologia tradicional da radiodifusão e a informatização dos processos radiofônicos”.

Nesse sentido, finalmente, passemos a discorrer sobre o que, de fato, consistem os níveis de convergência, quais são as suas características e efei-tos no cenário do rádio digital? Lopez aponta:

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Convergência de primeiro, segundo e terceiro níveis. Estes níveis são in-tegrados, complementares e compõem um processo de construção da identidade e de determinação do papel da comunicação radiofônica no novo cenário que se instaura. Um nível é dependente do outro e [...] se considerado em conjunto com a convergência de conteúdo, empresarial e editorial, pode levar à integração das redações. Entretanto, este não precisa ser o objetivo. Por se tratar de um processo, os níveis que a con-vergência apresenta são decorrentes dos anteriores, mas não exigem uma continuidade (LOPEZ, 2010b, p. 414).

Analisando especificamente o rádio digital, o primeiro nível desse pro-cesso refere-se claramente à informatização das redações. Nesse sentido, é possível apontar consequências importantes para a práxis radiofônica como, por exemplo, o aprimoramento e a agilidade proporcionados à execução, muitas vezes simultânea, de atividades com edição de áudios, textos, ima-gens e até mesmo de vídeos, através do suporte digital, na construção da informação.

Em relação ao segundo nível, este alude a tecnologização de diversas etapas do processo. Aborda o instante em que se afirma uma conexão entre os instrumentos de apuração, produção e transmissão de informações, sem, contudo, atingir transversalmente a composição narrativa e a natureza da mensagem radiofônica. Em tal nível, o diferencial relevante para a mensa-

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gem final refere-se à presteza com que o conteúdo é produzido e transmiti-do, notadamente com a peculiaridade do som digital.

A convergência de terceiro nível, sobretudo em relação ao rádio digital, re-fere-se propriamente à questão da produção multimídia. É justamente nesse sentido que precisamos ressaltar o seguinte: “a tecnologização e a inserção das tecnologias da informação e da comunicação no processo de construção e transmissão da noticia afeta a configuração do veículo, suas definições tra-dicionais e suas estratégias de linguagem” (LOPEZ, 2010b, p. 415).

Uma das características desse terceiro nível de convergência, diz respeito à atuação profissional dos comunicadores de rádio num ambiente conver-gente e digital: o novo rádio que, consequentemente, sugere uma nova prá-xis comunicacional, envolvendo “atores” (produtores, usuários-ouvintes etc.) multiplataformas, capazes de produzir criativamente, com credibilidade e agilidade, conteúdos em áudio, vídeo, texto, fotografia, infografia (passíveis de entrecruzamentos).

Pensar em níveis de convergência constitui-se, portanto, num exercício de reflexão crítica e sistemática sobre esse processo mutante capaz de promover impactos, desafios, tendências e perspectivas na estrutura do novo rádio.

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Referências

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Luciano. (Org.). E o rádio? Novos horizontes midiáticos. Porto Alegre: Edipucrs, 2010b.LÓPEZ VIDALES, Nereida. La mejor radio: la futura. In: MARTINEZCOSTA, María Del Pilar (coord). Reinventar La Radio. Pamplona: Eunate, 2001.NICOLAU, Marcos. Fluxo, conexão, relacionamento: um modelo comunicacional para as mí-dias interativas. Revista Culturas Midiáticas. João Pessoa, v.1, n.1, agosto/dezembro de 2008.NUNES, Pedro. Hipermídia: diversidades sígnicas e reconfigurações no ciberespaço. In: NUNES, Pedro (Org.). Mídias Digitais & Interatividade. João Pessoa: EDUFPB, 2009.PALÁCIOS, Marcos. O que há (realmente) de novo no Jornalismo Online? Conferência proferida durante concurso público para Professor Titular na FACOM/UFBA. Salvador, Bahia, 1999.SANTAELLA, Lucia. Navegar no ciberespaço. São Paulo: Paulus, 2004.STRAUBAHAAR, Joseph e LAROSE, Robert. Comunicação, mídia e tecnologia. São Paulo: Thomson, 2004.TOME, Takashi. Vantagens e desvantagens do sistema IBOC. 2004. Disponível em: < http://www.almanaquedacomunicacao.com.br/artigos/663.html>. Acesso em: 20 nov. 2013.ZAREMBA, Lilian. Divergências convergentes: a nova cultura radiofônica. Disponível em: <http://www.uff.br/ciberlegenda/ojs/index.php/revista/article/view/349/ 230>. Acesso em: 12 dez. 2013.

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RÁDIO DIGITAL: É PRECISO SINTONIZAR MELHOR ESSA REINVENÇÃO

Elton Bruno Barbosa Pinheiro1

ResumoO presente estudo esboça um panorama sobre o estabelecimento do Sistema Brasi-leiro de Rádio Digital (SBRD). Discute os principais padrões tecnológicos com possibi-lidade de adoção no país. Constata que o processo de transição do analógico para o digital sinaliza a necessidade de uma reconfiguração nas políticas públicas de comu-nicação radiofônica brasileira. Além disso, aborda alguns dos principais aspectos mo-tivadores para a implantação do rádio digital: a alta definição, os novos receptores, a multiprogramação e a convergência com outros meios. Por fim, reflete criticamente a respeito do esfriamento das discussões sobre o rádio digital no Brasil, pondo em rele-vo o necessário aprofundamento do diálogo entre academia, governo e mercado e a imprescindível tomada de decisões plausíveis com a nova lógica da cultura midiática.

Palavras-chave: Rádio digital. Padrões tecnológicos. Aspectos motivadores.

1 Mestre em Comunicação e Culturas Midiáticas Audiovisuais, pela Universidade Federal da Paraíba – UFPB e Gra-duado em Comunicação Social pela mesma Universidade. Pesquisador do Grupo de Estudos de Divulgação Científica (GEDIC) - PPGC/UFPB/CNPq. Integrante do Digital Mídia – Grupo de Estudos em Mídias, Processos Digitais e Acessi-bilidade – UFPB. Professor do Curso de Comunicação Social da Associação Paraibana de Ensino Renovado. Endereço eletrônico: [email protected].

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Entendendo a tecnologia digital

A implantação de uma inovação tecnológica é, indubitavelmente, fonte de inúmeros questionamentos, debates, desafios, promessas, possibilidades, tendências e perspectivas. No Brasil, a inserção da tecnologia digital no pro-cesso de produção, veiculação e recepção do conteúdo radiofônico, por sua viabilidade, funcionalidade, assim como pela necessidade de adaptabilidade aos padrões existentes, dá indícios de um verdadeiro processo de mutação na práxis comunicacional radiofônica.

Mas, afinal, o que é o digital? A partir da análise de Lévy podemos com-preender melhor a natureza dessa tecnologia.

Digitalizar uma informação consiste em traduzi-la em números. Quase todas as informações podem ser codificadas desta forma. Por exemplo, se fizermos com que um número corresponda a cada letra do alfabeto, qualquer texto pode ser transformado em uma série números. Uma imagem pode ser trans-formada em pontos ou pixels (pictures elements). Cada um desses pontos pode ser descrito por dois ou mais números que especificam suas coorde-nadas sobre o plano e por outros três números que analisam a intensidade de cada um dos componentes de sua cor (vermelho, azul e verde por síntese aditiva). Qualquer imagem ou sequência de imagens é, portanto traduzível em uma série de números. Um som também pode ser digitalizado se for feita

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uma amostragem, ou seja, se forem tiradas medidas em intervalos regulares (mais de 60 mil vezes por segundos, a fim de capturar as altas frequências). Cada amostra pode ser, portanto, representável por uma lista de números. As imagens e os sons também podem ser digitalizados, não apenas ponto a ponto ou amostra por amostra mas também, de forma mais econômica, a partir de descrições das estruturas globais das mensagens iconográficas ou sonoras. Para tanto, usamos sobretudo funções senoidais para o som e funções que geram figuras geométricas para as imagens. Em geral, não importa qual é o tipo de informação ou de mensagem: se pode ser explicitada ou medida, pode ser traduzida digitalmente (grifos nossos) (LÉVY, 1999, p. 50).

Em linhas gerais, o digital consiste na alteração de qualquer tipo de in-formação em código numérico expresso em base binária, ofertando maior simplicidade, agilidade e precisão na transmissão, processamento, armaze-namento e disponibilização de conteúdos em grande escala. Trata-se de uma tecnologia com o intuito de disponibilizar imagens, textos, sons num sistema composto de bits ou de “fluído numérico” (idem, ibidem, p.51), “permitin-do combinar, interligar e organizar serviços que antes estavam separados” (BIANCO, 2009, p.48)2.

Podemos, talvez, nos perguntar: por que há um número crescente de informações sendo digitalizadas e, cada vez mais, sendo inteiramente pro-2 Entrevista concedida pela Professora Dra. Nélia Rodrigues Del Bianco, da Universidade Federal de Brasília – UnB, ao autor desse trabalho, via e-mail, em 28 de fevereiro de 2009 para o seu estudo monográfico intitulado Rádio Digital: desafios presentes e futuros.

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duzidas nesta forma com os instrumentos adequados? De acordo com Levý (idem, p.52), “a principal razão é que a digitalização permite um tipo de tra-tamento de informação eficaz e complexo, impossível de ser executado por outras vias”. No caso do rádio digital, ela não só acrescenta desempenhos à transmissão do áudio, mas permite entre outras funções, o envio de dados e de imagens ao novo suporte radiofônico. Tome corrobora:

Uma definição muito simples para o “rádio digital” é a seguinte: desde a in-venção do rádio, a transmissão dos sons do estúdio até o aparelho receptor, via ondas que trafegam no “éter” (ou seja, no ar), é feita por meio de sinais analógicos. No rádio digital, essa transmissão passa a ser digitalizada, ou seja, por meio de bits – zeros e uns. Com essa mudança, consegue-se não apenas transmitir um som mais puro, mas, além disso, como bit é bit, pode-se transmitir qualquer coisa que seja digital – de pequenos vídeos a programas de computador (grifo nosso) (TOME, 2010, p. 57).

É justamente essa possibilidade de “transmitir qualquer coisa” que tem desencadeado esse processo de mutação na cultura midiática radiofôni-ca, sobretudo no que diz respeito à produção de conteúdos digitais. Num exercício instigante, Bianco descreve algumas das possíveis competências do “novo rádio”.

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Imagine acordar pela manhã ao som de um rádio com qualidade de CD programado para sintonizar sua emissora favorita. Logo em seguida, você aciona um botão do aparelho e recebe pela tela de cristal líquido - um dis-play acoplado - um boletim meteorológico de sua cidade. Ao sair para o trabalho, liga o rádio do carro, coloca no painel da tela o seu destino e o sistema lhe indica, no mapa da cidade, o trajeto livre de congestionamen-tos. Se desejar, o mesmo aparelho disponibiliza vários tipos de informação: o nome do cantor de uma música, notícias selecionadas, a programação diária da emissora, a cotação da bolsa de valores e de outros índices econô-micos. Tudo muito fácil de acessar e com a vantagem adicional de poder ler essas informações ao som do comunicador mais animado e divertido que você conhece. Delírio de futurista otimista? [...]. A digitalização do sinal de transmissão de rádio oferece estas e muitas outras vantagens para o “ou-vinte” (BIANCO, 2004, pp. 307-308).

Tal descrição de Bianco nos ajuda a compreender a necessária recon-figuração na dinâmica e na forma de se produzir conteúdos radiofônicos, adaptando-se às diferentes linguagens e às novas maneiras de interação com a audiência.

Um passo importante para a definição da nova práxis radiofônica é a análise dos padrões tecnológicos que podem vir a ser utilizados nas transmissões brasileiras de rádio digital, os quais têm passado por uma longa fase testes em algumas emissoras do país.

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Antes, porém, vale mencionar que os diálogos e entrecruzamentos de as-pectos políticos e econômicos influenciam fortemente o surgimento de múl-tiplos caminhos quando o assunto é a necessidade de adoção de inovações tecnológicas. Além disso, no caso do rádio digital brasileiro, o percurso até a decisão oficial pelo padrão de transmissão encontra dois caminhos clássicos específicos. Um deles diz respeito à opção por um sistema que opera de for-ma agregada a outro já existente, com o intuito de aperfeiçoar o seu funciona-mento e introduzir novas usabilidades: são as inovações nomeadas como in--band, pois ocorrem “dentro da faixa de frequências existentes” (TOME, 2010, p. 66). Outra possibilidade é a inovação a partir da adoção de uma técnica mais complexa e aprimorada, elaborada em um espectro diferente, o que a distingue de serviços até então existentes: são as inovações out-of-band, “fora da faixa preliminarmente ocupada” (idem, ibidem).

Compreender as mudanças que serão ocasionadas no cotidiano técnico operacional radiofônico, a partir da digitalização, não se constitui como uma tarefa tão complexa se estabelecermos um paralelo com o que já aconteceu com o rádio analógico.

Na primeira metade do século passado, as emissoras AM, em ondas médias (locais) e em ondas curtas (internacionais), testemunharam a che-gada da FM, nas décadas de 1950 a 1970, o que representou uma mudan-ça tecnológica do tipo out-of-band, por se tratar de uma nova forma de

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modulação, desta vez em frequência e não em amplitude, “sendo capaz de transportar uma música de alta qualidade e operando em uma nova faixa de frequências, totalmente fora do domínio das ondas curtas” (idem, ibidem). Paulatinamente, a população aderiu ao consumo de novos recep-tores, popularizando assim, a Frequência Modulada, que por sua vez, anos depois, evoluiu caracteristicamente de forma in-band (dentro da mesma faixa), quando acrescentou o som estéreo aos receptores, de modo que eles podiam reproduzir tanto sinais mono quanto os novos sinais estéreos.

Existiram outros passos na inovação in-band do FM: a introdução da transmissão de um pequeno fluxo de dados no visor receptor, ainda que em baixa velocidade, como identificação da emissora, da música, do artista e informações curtas, sobre o clima/tempo, por exemplo.

Com relação ao rádio digital, também há possibilidades de inovações de caráter in-band e out-of-band, conforme analisa Tome:

No primeiro caso, a digitalização é realizada colocando-se o sinal digital na mesma faixa de frequências do sinal analógico – por exemplo – se uma emissora é de ondas médias (540 a 1600 kHz), o sinal digital corresponden-te também estaria em algum lugar nessa faixa de frequências. Além disso, o sinal digital pode estar vinculado ao analógico, ocupando um canal ad-jacente (IBAC – In-Band Adjacente Channel) ou estar ocupando o mesmo canal (IBOC – In-Band On-Channel). [...] Já a out-of-band consiste em se

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buscar uma nova faixa de espectro, disponível para transmissão do sinal di-gital, de forma totalmente desvinculada do analógico – tanto em termos de conteúdo quanto, principalmente, em termo de funcionalidades e recursos (TOME, 2010, p. 69).

Tendo percorrido os caminhos que balizam justamente a tomada de de-cisão oficial por um determinado padrão tecnológico de transmissão radio-fônica, voltemo-nos à análise das origens e diversidade dos sistemas digitais.

Os primórdios da tecnologia radiofônica digital em termos de padrão são originários da Europa e foram arquitetados dentro dos programas de incen-tivo às pesquisas da agência europeia Eureka (European Research Coordina-tion Agency). Criado através do projeto 147, o primeiro padrão tecnológico estava inserido num consórcio liderado pelo Institut für Rundfunktechnick (IRT), da Alemanha, com o apoio do Centre Commun d’Etudes de Téledifusion et Télécommunications (CCETT) francês, e em seguida contou com a partici-pação da BBC inglesa. Somente na década de 1990, o sistema ficou pronto e foi nomeado como DAB – Digital Audio Broadcasting.

Quando implantado como tecnologia totalmente digital do tipo out-of--band, o DAB passou a operar em amostras do espectro que estavam livres na faixa VHS ou UHF. Seu objetivo era o de aumentar a diversidade das fon-tes de informação, abrindo espaço para novas emissoras. Conforme Tome

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(ibidem, p.71), o DAB “teria de ser uma tecnologia capaz de contornar o problema do espectro congestionado do continente europeu, decorrente da existência de países e cidades muito próximas”.

No ano de 1992, o Digital Audio Broadcasting foi testado nos Estados Unidos, no entanto, os norte-americanos adotaram o padrão IBOC – In-Band On-Channel, uma vez que o conteúdo digital da emissora, em tal tecnologia, é transmitido através de canais laterais do analógico. O Canadá, na mesma época, elegeu o DAB por considerá-lo tecnicamente melhor e porque ele possibilitaria uma boa solução no ambiente bilíngue daquele país.

O Japão, em 1997, optou por uma decisão distinta: o ISDB – Integrated Services Digital Broadcasting, concebido como um sistema de comunicação inovador, capaz de atuar como suporte integrado para o modelo de conver-gência. Importante mencionar que o ISDB, considerado sob o ponto de vista radiofônico como uma solução out-of-band, operando tanto na faixa de VHF quanto UHF, é analisado, no caso do Brasil, como um padrão tecnológico inviável, tendo em vista o fato de que ele pressupõe sistemas de produção em forma de consórcio, o que, em síntese, implicaria em separar os papéis de transmissão e de geração de conteúdo.

Já no início do século XXI, a Coréia adotou o DAB como suporte para as suas transmissões de rádio digital. Mas o que os coreanos realmente espe-ravam dessa inovação tecnológica era a possibilidade de lidarem com uma

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plataforma multimídia, assim como o ISDB. Assim, os coreanos desenvol-veram uma nova versão para o DAB, chamada DMB – Digital Multimedia Broadcasting, congregando múltiplas novidades tecnológicas, sobretudo a competência de transmissão de vídeo associado ao áudio, para exibição em pequenas telas de cristal líquido.

Ainda em 2007, as principais pesquisas a respeito dos padrões de rádio digital no mundo mencionavam o DAB+ e o DRM+ como versões respecti-vamente capazes de melhorar a codificação de áudio e suporte multimídia, além de desenvolver a capacidade de operar na faixa de FM.

Padrões tecnológicos e características no contexto brasileiro

Basicamente são dois os principais padrões tecnológicos de rádio digital em fase de testes e análises, com possibilidade de implantação no Brasil: o IBOC – In-Band On-Channel, norte-americano; e o DRM – Digital Radio Mon-diale, europeu. Ambos são do tipo in-band3 e cada um deles desenvolveu seu modelo fundamentado em suas necessidades, com arquiteturas distintas, que variam desde a modulação (técnica de adaptação do sinal para o meio 3 “Uma das características dos sistemas in-band é que, de forma semelhante ao que ocorre na televisão digital (que também é um sistema in-band), existe a necessidade de uma fase de transição, durante a qual, ambos os sinais, ana-lógico e digital, precisarão coexistir, pois parte dos ouvintes continuará com antigos aparelhos analógicos e parte já terá migrado para receptores digitais. Essa fase de transição (simulcasting) pode durar décadas” (TOME, 2010, p.69).

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de transmissão sem o menor ruído e interferência possível) até a aplicação. Além dos requisitos técnicos, eles também se diferenciam culturalmente, ba-seados nos serviços que dispõem.

Mas, de fato, qual seria a melhor escolha para o cenário comunicacional radiofônico brasileiro, o IBOC ou o DRM? Diante dos passos lentos no que diz respeito aos testes até agora realizados, essa é uma pergunta ainda difícil de ser respondida com exatidão. Um aspecto importante a ser considerado é que tais tecnologias têm sido testadas apenas no que se refere à qualidade da transmissão do áudio, tendo deixado de lado as discussões sobre a re-levância dos conteúdos visuais e interativos que devem ser veiculados pelo novo suporte radiofônico digital.

Passemos a uma análise mais detalhada sobre cada um dos padrões pos-síveis de adoção no Brasil.

Iboc - in-band on-channel

Pertencente ao consórcio internacional iBiquity, o IBOC, sigla de In-Band On-Channel é uma tecnologia norte-americana de rádio digital, conhecida nos Estados Unidos como HD Radio (High Definition Radio). Na verdade, pelo fato de tal sistema ocupar o canal adjacente, ou seja, não estando restrito ao

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canal analógico da emissora, ele é imprecisamente denominado como IBOC, que é, por sua vez, um modelo conceitual4.

Nesse sentido, como na tecnologia IBOC o sinal digital é transmitido no canal adjacente, é possível a coexistência das emissoras FM e AM analógicas com o novo suporte digital sem a necessidade de alterações de frequências no dial, o que, na visão dos empresários da radiodifusão, é uma vantagem, sobretudo porque nesse caso não há a necessidade de se fazer novas licita-ções ou outorgas. Segundo Tome, no IBOC:

A ideia é levar ao ouvinte um som de melhor qualidade (como no CD), além de possibilitar a inclusão de outras informações por meio de um fluxo de dados ou mesmo um segundo canal de áudio independente. Entretanto, ao contrário dos demais sistemas, o IBOC foi concebido para possibilitar a transmissão simultânea dos sinais digitais dentro da mesma banda alocada para o sinal analógico da emissora. No modo híbrido, am-bos os sinais – o analógico e o digital – convivem dentro do mesmo canal (TOME, 2004, p 01).

Outros fatos colaboram para que o IBOC se imponha como uma espécie

4 Conforme Tome (2010, p. 69), o IBOC, em si, é um modelo conceitual. “O sistema norte-americano de rádio digital acabou recebendo esse nome por conta do histórico de desenvolvimento, embora não seja exatamente um sistema IBOC do ‘ponto de vista conceitual’. [...] Entretanto, o “apelido” IBOC pegou, e usualmente aquele sistema é referido por esse acrônimo”.

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de “favorito entre os radiodifusores” nesse momento que deve ser de re-flexões, debates e escolhas. A questão da infraestrutura, por exemplo, pesa no sentido de que a aparelhagem das rádios pode, com o IBOC, ser em boa parte reaproveitada. Não há necessidade de se modificar torres de transmis-são, apesar de que algumas emissoras precisarão de alguns equipamentos novos como excitadores e periféricos adequados.

Um estudo desenvolvido por pesquisadores do GP Rádio e Mídia Sonora da Intercom, denominado Implantação do rádio digital no Brasil: experiên-cias, impactos, tendências e perspectiva, aponta uma realidade ainda presen-te no cotidiano de muitas emissoras brasileiras: “um forte movimento de preservação tem sido a força motriz no processo de adoção da digitalização da transmissão” (BIANCO, 2007, p.04).

Pode-se destacar, nesse sentido, o predomínio de uma visão instrumental da tecnologia de transmissão digital, o que provoca certa limitação na análise das melhorias, como a questão da otimização do áudio, bastante comentada, de importância considerável, mas que tem “sufocado” o debate, por exemplo, em torno da diferença no tempo de transmissão (delay) entre os dois tipos de sinais, analógico e digital. “O analógico estará à frente em relação ao digital na transmissão que não é totalmente simulcast” (idem, ibidem).

O IBOC também tem apresentado debilidades quando o assunto é a eficiência na continuidade de transmissão, ou seja, em alguns casos pode

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haver uma interrupção abrupta da programação, gerando certo desconforto ao ouvinte. Ainda assim, tal padrão oferece um diferencial no que se refere à economia da energia elétrica, atualmente, um dos maiores gastos para os empresários radiodifusores.

Por outro lado, um aspecto preocupante para o IBOC é que ainda exis-tem questionamentos referentes à sua capacidade em atender às demandas do mercado. Isso significa problemas quanto aos custos necessários para investimentos, calcula-se uma média de 150 a 200 mil dólares, no mínimo, para trocar, por exemplo, um transmissor comum. Um investimento tam-bém expressivo consiste em digitalizar o processo de produção radiofônica, com mudanças na aparelhagem dos estúdios e redações, só para citar ape-nas duas situações. Nesse caso, aguarda-se que sejam oferecidos incentivos, sobretudo aos radiodifusores de pequeno porte, para que não fiquem à margem desse processo e invistam na implantação do rádio digital.

O IBOC, segundo Bianco, tem outros entraves a sua frente:

O inconveniente está no fato de ser uma tecnologia proprietária. Para seu uso será necessário pagar licenciamento anual, hoje estimado em US$ 5 mil. A empresa iBiquity, detentora dos direitos de exploração da tecnologia, pode reduzir o valor do licenciamento para favorecer países interessados em adotá-la como uma vantagem competitiva em relação aos demais sis-temas (BIANCO, 2007, p.04).

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Contudo, o sistema norte-americano tem objetivos basicamente seme-lhantes aos demais padrões de rádio existentes, entre eles, transmitir o sinal digital num canal adjacente ao sinal analógico, o que possibilitaria que as estações de rádio atuais pudessem migrar para a tecnologia digital quando lhes fosse conveniente e sem interromper ou prejudicar a transmissão do modo analógico. Segundo Bezerra, esse é um aspecto relevante na forma de transmissão híbrida permitida pelo padrão IBOC:

A possibilidade das emissoras poderem migrar para a tecnologia digital quan-do lhes for mais conveniente, ou seja, quando estiverem totalmente prepa-radas e com a vantagem de não interromper ou prejudicar a transmissão analógica. Numa próxima etapa de implantação, o sinal analógico seria de-sativado, e a transmissão digital ocuparia todo o canal (BEZERRA, 2007, p.04).

Em síntese, as características do IBOC, que possui duas versões, uma para a faixa AM (IBOC AM) e outra para a faixa FM (IBOC FM) proporcionam: possibilida-de de transmissão simultânea dos sistemas digital e analógico dentro da mesma banda; permissão para o usuário fazer uso dos dois sistemas e depois desativar o analógico; aumento na largura do canal ocupado por uma estação, ou seja, cria-ção de canais adjacentes; além disso, os receptores continuariam os mesmos.

Todavia, o IBOC apresenta também as suas debilidades: por ser justamente um sistema híbrido, tem deficiências tecnológicas que podem ser corrigidas,

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mas a longo prazo; é contraproducente do ponto de vista da infraestrutura, pois ao alargar o espectro para uso de dois sistemas simultâneos se reduz a possibilidade de espectro para novas emissoras; não se tem uma previsão do que acontecerá na transição entre o híbrido e o totalmente digital, alguns críticos acham que o IBOC nunca será totalmente digital e, portanto, deve ficar mais tarde defasado; já que é uma tecnologia fechada licenciada por apenas uma empresa, prevê uma taxa anual de alto valor para ao operador do sistema, o que comprometeria a digitalização das rádios comunitárias; além disso, há um delay entre o sinal digital e analógico, perceptível pelo usuário, ou seja, o rádio fica mudo alguns segundos.

Alguns desses pontos merecem o nosso destaque: um problema que atinge os sistemas digitais, principalmente o IBOC norte-americano, é o da cobertura do sinal. Tome explica:

No caso do IBOC, o sinal digital é transmitido juntamente com o analógi-co, ou seja, no canal imediatamente adjacente. Para evitar que esse sinal digital degrade o sinal analógico, ele deve ser mantido com uma potência de cerca de 1% com relação à portadora analógica (-20dBc). Tal potência é menor do que aquela que seria necessária para prover uma cobertura equi-valente. O sinal digital, embora requeira uma potência bem menor que o analógico para prover a mesma área de cobertura, ainda assim necessitaria de uma potência da ordem de 3% a 5% do analógico. Isso significa que o sinal digital, no caso do IBOC, estaria operando com um terço da potência

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necessária para prover a mesma cobertura do analógico, e essa situação persiste enquanto perdurar a transição (simulcasting) e o analógico não for desligado, o que pode levar uma ou duas décadas (TOME, 2010, p.80).

O lento processo de digitalização por que passa o rádio brasileiro não pode, no entanto, atrasar as discussões sobre a nova práxis na produção de conteúdos digitais, tampouco afetar o cotidiano das emissoras de pequeno porte técnico. Ainda assim, como analisa Bezerra, um dos benefícios do rá-dio digital seria afetado pelo sistema IBOC:

Um das grandes vantagens do sistema digital é justamente a incorporação de novos atores na radiodifusão, mas que será prejudicada pelo sistema IBOC. As emissoras que continuarem a emitir no padrão analógico (as co-munitárias, as públicas e as comerciais pequenas) terão dificuldades em ser captadas (BEZERRA, 2007, p.04).

Para o caso específico das rádios comunitárias, o IBOC exibe sérios problemas. De acordo com a legislação nacional, tais rádios apresentam potência limitada a 25 watts. Tendo em vista que no sistema digital o sinal irradiado tem uma potência de 1% do analógico:

[...] se uma emissora analógica irradia uma potência de 100kW para cobrir uma determinada região, o seu sinal digital correspondente terá a potência

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de 1 kW, com a perda de cobertura comentada acima. No caso de uma rá-dio comunitária com 25 watts no analógico, o sinal digital correspondente seria então de 0,25 watts ou 250 mW. Segundo a empresa iBiquity, esse ní-vel de sinal é muito baixo, próximo ao limiar de ruído ambiente, podendo comprometer a transmissão digital (TOME, 2010, p.81).

Paradoxalmente, sabe-se que como os sistemas de rádio digital, dife-

rentemente dos sistemas analógicos, não necessitam de uma banda de guarda tão ampla, o espectro pode ser melhor ocupado não apenas por outras rádios comerciais, mas também, relevantemente, por emissoras co-munitárias, educativas e experimentais. Todavia, o que se percebe é que o IBOC, em sua estrutura técnica, age como um opressor ao processo de democratização das comunicações, uma vez que no caso do FM ocupa metade de cada canal adjacente, enquanto ocorre a fase de transição, não devolvendo essa faixa adicional ao poder público ao final de tal período. Já em relação às rádios de ondas médias, a constatação é ainda mais pre-ocupante, pois o IBOC ocupa a totalidade de ambos os canais adjacentes, não havendo possibilidade de aproveitamento de nenhuma das faixas adi-cionais por parte de outras emissoras, sejam elas comunitárias, educativas ou experimentais, após a transição digital.

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DRM – Digital Radio Mondiale

Constituído por um sistema aberto, organizado pela união de 90 mem-bros, entre eles operadoras estatais europeias para as transmissões AM, fabri-cantes, associações e universidades, o DRM – Digital Radio Mondiale surgiu em 1996, a partir da iniciativa de emissoras5 que atuavam em ondas curtas, tendo o objetivo primaz de fazer algo pela radiodifusão AM, para que esta não se extinguisse.

O Digital Radio Mondiale, inicialmente chamado de Digital Radio Worl-dwide, constitui-se, conforme já mencionado nesse estudo, como um sistema in-band, pois opera com sinal digital transmitido dentro da mesma faixa dos sinais analógicos. Entretanto, em relação ao padrão norte-americano IBOC, o DRM, em sua versão inicial6 chamada MCS (Multichannel Simulcasting), considerada a partir de 2010 como solução preferida7 tanto para as ondas médias e curtas quanto para o FM, apresenta uma peculiaridade: “é trans-mitido ocupando um canal dentro da faixa, que, porém pode ser qualquer canal disponível” (idem, ibidem, p.74). O IBOC, por sua vez, cuja frequência 5 De acordo com TOME (2010, p.74) as emissoras: Voz da America, BBC, Deustche Wellw, Radio France Internationale e TéleDiffusion de France (TDF).6 O padrão DRM desenvolveu uma segunda versão chamada SCS (Single Channel Simulcasting). Tal versão é consi-derada um sistema IBOC puro, uma vez que o sinal digital é transmitido limitadamente dentro do espaço espectral (canal) do sinal analógico. 7 Cf. TOME, 2010, p.75.

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do sinal digital está rigidamente vinculada à frequência do analógico, atua ocupando necessariamente os canais adjacentes.

Tome analisa aspectos relevantes sobre a particularidade do DRM em re-lação ao IBOC norte americano:

Essa falta de vinculação (vista pelos críticos do sistema) ou essa flexibilidade (vista pelos que lhe são favoráveis) decorre da necessidade que têm as emis-soras de ondas curtas, devido ao alcance mundial de seus sinais, de planeja-rem a melhor frequência para alocar o sinal digital, a qual pode não necessa-riamente ser o canal imediatamente adjacente (TOME, 2010, pp.74-75).

Em síntese, as vantagens da tecnologia DRM apontadas até agora são: há permissão para se operar os dois sistemas simultaneamente dentro da mesma banda; as rádios AM passam a ter melhor qualidade sonora, o que revitalizaria esse tipo de transmissão; possibilita conteúdos integrados num mesmo aparelho; é uma tecnologia aberta que pode ser utilizada por todos, não prevê o pagamento de royalties, participam do projeto dentre outras empresas a Hitachi, JVC, Bosh e Sony. Por outro lado, a tecnologia DRM também apresenta um empecilho considerável para ser adotada no Brasil: prevê a troca de aparelhos num custo relativamente alto.

Embates à parte, o fato é que o padrão a ser adotado, seja ele o IBOC ou

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DRM, deve ser capaz de garantir eficiência em qualquer situação de recep-ção. Assim, nesse momento, é fundamental observar que o sucesso de uma nova tecnologia “depende de sua capacidade de ajustar-se à vida das pesso-as. Precisa ser confortável e fácil, ter ligação com o passado, com aquilo que as pessoas já conhecem ou que possa melhorar o que já existe” (BIANCO, 2006, p.08).

Nessa fase iminente de definição, critérios com “gratuidade, flexibi-lidade, adaptabilidade, integração e convergência” (Bianco, 2007, p.01) são, de fato, importantes e devem ser analisados rigorosamente antes de qualquer decisão. Caso contrário, como acreditam diversos pesquisado-res e entidades da área:

[...] uma decisão precoce, sem a devida avaliação do seu impacto em nosso sistema de radiodifusão, poderá acarretar em baixa penetração do serviço, prejuízo para o setor de radiodifusão, reduzido interesse da população, não ampliação de postos de trabalho e ausência de políticas públicas no sentido de maximizar a inclusão digital e os serviços públicos (CARTA ABERTA, 2010)8.

8 Em 23 de abril de 2010, diversas as entidades ABRACO – Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária; ANEATE – Associação Nacional das Entidades de Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversão; AMARC – Asso-ciação Mundial das Rádios Comunitárias; ARPUB – Associação das Rádios Públicas do Brasil; CUT – Central Única dos Trabalhadores; CFP – Conselho Federal de Psicologia; FENAJ – Federação Nacional dos Jornalistas; FITERT – Fe-deração Interestadual dos Trabalhadores em Empresas de Radiodifusão e Televisão; FNDC – Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação; INTERCOM – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação; INTERVOZES – Coletivo Brasil de Comunicação Social publicaram uma carta aberta como um alerta às autorida-des e um chamado à sociedade brasileira, sobre a questão do processo de implantação do rádio digital no Brasil.

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O estabelecimento do padrão tecnológico é, de fato, uma preocupação coletiva entre os pesquisadores da mídia rádio no país, tendo rendido deba-tes e expectativas de ordens diversas. A sociedade aguarda que a celerida-de com que foram tomadas as decisões em relação à definição do padrão tecnológico utilizado pelo Sistema Brasileiro de Televisão Digital, esteja pre-sente no debate acerca dos desafios presentes e futuros da nova tecnologia radiofônica, uma vez que o rádio permanece como o grande companheiro da audiência brasileira de todas as classes sociais.

Corroboramos um alerta às autoridades e um chamado à sociedade bra-sileira sobre a importância da definição tecnológica para o rádio digital.

Entendemos que a digitalização da transmissão é fator essencial para a sus-tentabilidade do rádio no ambiente de convergência midiática. A mudança representará uma melhoria da qualidade de som, especialmente em relação ao AM, novos usos e funcionalidades para o aparelho receptor, incluindo a oferta de dados e serviços complementares de valor agregado, além de dispositivos tecnológicos que permitam abertura para a convergência com outros meios dentro da mesma linguagem digital. Embora o rádio já esteja presente na Internet e celular, acreditamos que a digitalização da transmis-são poderá integrá-lo à convergência midiática. Entretanto, para que isto ocorra de modo consistente, é indispensável que a definição tecnológica seja precedida pela definição dos modelos de serviços e de negócio, uma

Disponível em:< http://www.intercom.org.br/boletim/a06n158/forum03.shtml>.

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vez que os atuais impasses do rádio localizam-se no esgotamento dos re-feridos modelos (CARTA ABERTA, 2010).

Em oposição ao que se coloca como alternativa pelo governo, o então Presidente da Associação Brasileira de Rádio Difusores (Abra), João Carlos Saad, sugeriu a paulatina migração dos sinais de radiodifusão em AM para as bandas de FM que ainda serão autorizadas, conforme o cronograma de transição para a TV digital. Para a entidade, as tecnologias IBOC e DRM são limitadas quanto à sua adequação às demandas do Brasil.

[...] observamos que os últimos anos foram de experimentos com as tecnologias disponíveis, para a digitalização do rádio. Os testes indicam que a tecnologia IBOC enfrenta dificuldades técnicas em cidades como São Paulo, mas é mais madura quanto à sua adoção por radiodifusores de outros países (notadamen-te americanos), enquanto a tecnologia DRM, incipiente quanto à sua adoção, pode ser mais robusta em termos de recepção pelo público. Ambas as opções tecnológicas são, portanto, limitadas quanto à sua adequação para as deman-das do Brasil. [...] há a alternativa de implementar uma migração paulatina dos sinais de radiodifusão em AM para as bandas de FM que serão liberadas, de acordo com o cronograma de transição da TV Digital. [...] Com a migração que propomos [...] a radiodifusão de sons passa a ter um horizonte de ação e de investimentos, sem depender dos interesses de tecnologias estrangeiras, num cenário em que os brasileiros de todos os rincões terão uma grande oferta de serviços de rádio, com toda sorte de programação (grifos nossos) (SAAD, 2010).

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O governo brasileiro, por sua vez, publicou portaria criando o Sistema Bra-sileiro de Rádio Digital – SBRD. No entanto, frustrando muitas expectativas, não foi estabelecido no referido documento o padrão tecnológico a ser ado-tado (IBOC ou DRM), bem como não foram estabelecidos recursos para a pes-quisa nacional (como ocorreu com a TV Digital), e também não foi definido o futuro das emissoras comunitárias, o que aparece é a figura das emissoras de potências menores e a indicação de que elas devem arcar com custos baixos para sua inserção no rádio digital. Provavelmente os custos serão proporcio-nais às potências das emissoras AM ou FM. Eis a referida portaria:

Portaria nº 290, de 30 de março de 2010.Art. 1º Fica instituído, por esta Portaria, o Sistema Brasileiro de Rádio Digital - SBRD. Art. 2º Para o serviço de radiodifusão sonora em Onda Média (OM) e em Frequência Modulada (FM) deve ser adotado padrão que, além de contem-plar os objetivos de que trata o art. 3º, possibilite a operação eficiente em ambas as modalidades do serviço. Art. 3 º O SBRD tem por finalidade alcançar, entre outros, os seguintes ob-jetivos:I - promover a inclusão social, a diversidade cultural do País e a língua pá-tria por meio do acesso à tecnologia digital, visando à democratização da informação;II - propiciar a expansão do setor, possibilitando o desenvolvimento de ser-

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viços decorrentes da tecnologia digital como forma de estimular a evolução das atuais exploradoras do serviço;III - possibilitar o desenvolvimento de novos modelos de negócio adequa-dos à realidade do País;IV - propiciar a transferência de tecnologia para a indústria brasileira de transmissores e receptores, garantida, onde couber, a isenção de royalties;V - possibilitar a participação de instituições brasileiras de ensino e pesqui-sa no ajuste e melhoria do sistema de acordo com a necessidade do País;VI - incentivar a indústria regional e local na produção de instrumentos e serviços digitais;VII - propiciar a criação de rede de educação à distância;VIII - proporcionar a utilização eficiente do espectro de radiofrequências;IX - possibilitar a emissão de simulcasting, com boa qualidade de áudio e com mínimas interferências em outras estações;X - possibilitar a cobertura do sinal digital em áreas igual ou maior do que as atuais, com menor potência de transmissão;XI - propiciar vários modos de configuração considerando as particularida-des de propagação do sinal em cada região brasileira;XII - permitir a transmissão de dados auxiliares;XIII - viabilizar soluções para transmissões em baixa potência, com custos reduzidos; eXIV - propiciar a arquitetura de sistema de forma a possibilitar, ao mercado brasileiro, as evoluções necessárias.Art. 4 º Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação. (COSTA, 2009).

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Trata-se de “uma carta de intenção” (Cf. CEDRAZ, 2010). O documento, assinado pelo ex-ministro Hélio Costa, vale apenas como pauta para o de-bate que suscita entre os atores diretamente envolvidos e os amplos setores da sociedade brasileira. Além disso, a portaria simplesmente tece diretrizes para o SBRD e valores diferenciados para as rádios, tomando como referên-cia a potência das emissoras.

Contudo, é necessário apontar aspectos relevantes da portaria, os quais merecem ser analisados, a fim de que tal documento sirva como fomenta-dor das principais reconfigurações que se esperam do rádio digital:

[...] a Portaria nº 290/2010 de 31 de março de 2010 do Ministério das Comu-nicações que institui o Sistema Brasileiro de Rádio Digital – SBRD é positiva, porque sinaliza com valores fundamentais que devem balizar a escolha de soluções tecnológicas, dos quais destacamos: a) proporcionar a utilização eficiente do espectro de radiofrequencia; b) possibilitar a participação de instituições brasileiras de ensino e pesquisa no ajuste e melhoria do siste-ma de acordo com a necessidade do País; c) viabilizar soluções para trans-missões em baixa potência, com custos reduzidos; d) propiciar a criação de rede de educação à distância; e) incentivar a indústria regional e local na produção de instrumentos e serviços digitais; f) propiciar a transferência de tecnologia para a indústria brasileira de transmissores e receptores, garan-tida, onde couber, a isenção de royalties (CARTA ABERTA, 2010).

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Ainda assim, é preciso entender que a digitalização da transmissão é um fator essencial para a sustentabilidade do rádio no ambiente de con-vergência midiática. Ignorar esse fato, atrasando a definição e adoção do padrão tecnológico oficial, é retardar uma mudança capaz de pro-mover melhoramentos na qualidade de som, nos usos e funcionalidades para o aparelho receptor, compreendendo a disponibilização de dados e serviços adicionais de valor atrelado, além de ampliadores tecnológicos que admitam possibilidade de interação com diferentes meios dentro do mesmo formato digital.

É preciso afirmar, e é bem certo, que a digitalização caminha também a passos lentos em diversos países. Conforme aponta a referida carta aberta, essa dificuldade tem conexões com as características tecnológicas dos padrões disponíveis que atrapalham sua adequação ao modelo de radiodifusão, ao marco regulatório e às regras de mercado em cada país. Em alguns países europeus, por exemplo, o sinal digital do sistema DAB (Digital Audio Broadcasting) não tem boa recepção dentro de edifícios, sobretudo os situados em ruas com grande densidade de prédios e trá-fego intenso. O sistema americano HD Rádio (IBOC) apresenta problemas parecidos: o sinal é mais baixo em relação à estação de sinal analógico. Além disso, os aparelhos receptores em HD Radio são incompatíveis com DAB e DRM.

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Aspectos como esse nos levam a conjecturar e a corroborar outras pos-sibilidades capazes de solucionar a situação do rádio brasileiro:

[...] a adoção de qualquer sistema sem debate e reflexão rigorosos, ou de forma automática e sem aprimoramentos tecnológicos poderá trazer sé-rios problemas e não atender à realidade brasileira. Por isso, não podemos descartar a possibilidade futura de o Brasil vir a optar por um SBRD com tecnologia genuinamente nacional, com a garantia do devido incentivo fi-nanceiro e estrutural para a sua realização (grifo nosso). Sabemos que, independente do modelo a ser adotado, as adaptações poderão se fazer necessárias. E para isso torna-se estratégico saber quais são as nossas de-mandas para aprimoramento e como podemos envolver todos os setores capazes de contribuir para a melhoria e adaptação do sistema. O referido debate [...] deve ser antecedido pelo debate sobre os modelos de servi-ços e de negócio, uma vez que sem modelos democráticos e acessíveis a continuidade do rádio brasileiro não está assegurada. Sobre possíveis adaptações, lembramos o que aconteceu com a TV Digital, em que o ISDB japonês sofreu uma evolução, passando a utilizar a codificação MPEG-4 e a interatividade Ginga, desenvolvida no Brasil, pelas universidades PUC--Rio e UFPB (CARTA ABERTA, 2010).

Com as indefinições e limitações tecnológicas, o debate se amplia para outros campos. Um deles é a esfera das políticas públicas de comunicação.

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Políticas públicas para o rádio digital

O processo de transição do analógico para o digital, bem como o cená-rio de interação e convergência tecnológica contemporâneos, sinalizam ao rádio brasileiro a necessidade de uma reconfiguração nas políticas públicas de comunicação. Tal realidade deve ser um interesse coletivo da sociedade brasileira: cidadãos em geral, ouvintes, profissionais da comunicação, técni-cos e gestores públicos. Logo, uma política pública deve ser elaborada de maneira largamente democrática, com a participação efetiva da sociedade, visando assegurar instrumentos de colaboração popular e domínio público.

Alguns critérios devem balizar a construção de políticas públicas para o rádio digital, o que é comum quando se trata de um processo de transição. Analisemos alguns deles:

a) garantia da manutenção da gratuidade do acesso ao rádio, por parte do ouvinte – esse critério é fundamental para permanência do rádio no cenário midiático nacional. Não se concebe como viável a adoção de uma tecnologia que preveja a troca de suporte a altos custos por parte dos ouvintes, tam-pouco é de interesse dos radiodifusores obter elevados gastos na troca de aparelhagens. É preciso pensar como essa nova tecnologia entrará de fato no cotidiano da população com renda baixa. A dona de casa, por exemplo, que tem hoje seu radinho de pilha, que custou cinco reais na lojinha da feira,

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não pode ser privada dos benefícios da tecnologia digital, ainda sim, falta justamente a concepção de políticas públicas que incentivem a produção, venda e consumo dos novos receptores a preços acessíveis. Cabe ressaltar que isso pode ser melhor estabelecido com a definição de um padrão tec-nológico que não necessite de pagamento de royalties e que seja flexível a nossa realidade comunicacional.

b) transmissão de áudio com qualidade em qualquer situação de recepção – embora a questão da qualidade de transmissão e recepção do áudio seja o único aspecto testado até agora pelas emissoras de alguns estados do país, ainda há muitas debilidades a serem superadas. Em regiões específicas, como São Paulo, onde existe o problema da poluição radioelétrica, a propagação dos sinais digitais e até mesmo analógicos são comprometidos, sobretudo à noite quando aumenta a reflexão das ondas na ionosfera, mudando sensivelmente o comportamento dos sinais em AM, causando interferências em rádios mais longínquas. Essa realidade sinaliza a necessidade de se discutir amplamente sobre a possibilidade de adoção de um padrão híbrido, inclusive com tecno-logia nacional, para superar os problemas específicos de cada localidade.

c) adaptabilidade do padrão ao parque técnico instalado – como já sina-lizamos nesse estudo, é preciso que a tecnologia adotada para o Sistema Brasileiro de Rádio Digital seja capaz de se ajustar não só aos aparatos tec-nológicos já existentes no país, mas também ao cotidiano das audiências.

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Tem quer ser acessível, não-complexa e reconfigurar o que já existe sem es-quecer de valorizar também o que as pessoas já conhecem.

d) coevolução e coexistência com o padrão analógico – é o que acontece quando é possível transmitir conteúdos no modo simulcasting, ou seja, o si-nal digital chega, mas não elimina de vez o analógico, convivendo com este até que se complete todo o processo de adequação e expansão da nova tecnologia. É o momento ideal para que novos conteúdos sejam elaborados, testados e veiculados. Ignorar essa etapa é deixar de lado a oportunidade de inovar a práxis radiofônica com segurança e qualidade.

e) aparelhos receptores de baixo custo – com preços elevados os ouvintes resistirão à nova tecnologia radiofônica. Uma saída pode ser o acesso ini-cial em outros suportes que muitas pessoas já possuem, como os telefones celulares, por exemplo. Esse suporte será de grande importância para os primeiros contatos dos ouvintes digitais com a nova tecnologia radiofônica. “O próprio meio celular não se restringe apenas a uma mera transmissão de voz, ele é capaz de produzir conteúdos, reproduzir, armazenar, transmitir, conectar-se à internet” (CARVALHO, 2008, pp. 2-3).

f) adoção de uma tecnologia não proprietária e com potencial para in-terconectividade com outras mídias – a convergência é a grande alternativa para qualquer mídia manter-se viva no atual panorama midiático. Optar por um padrão tecnológico que não favoreça essa característica significa sepul-

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tar a mídia radiofônica em pleno centenário. A união de todos os meios de comunicação em um único, ou seja, a convergência, tem sido favorecida, sobretudo pela internet, que é capaz de usar imagens, vídeos, textos e sons para transmitir uma mesma mensagem. Dessa forma, o que se propõe é que o novo sistema tecnológico possibilite tanto a imprensa, a televisão e a pró-pria internet serem interligados ao novo suporte radiofônico.

g) interatividade real time – a instantaneidade é uma característica mar-cante da mídia rádio. Apesar da efemeridade da mensagem radiofônica po-der ser superada no modelo digital, o tempo real também deverá manter viva a dinâmica das transmissões radiofônicas. Em relação à interatividade, antes mesmo de ser inventado tal conceito, podemos afirmar que ele já se realizava em níveis (ANDRADE, 2009) no rádio, a partir da formatação e linguagem dos conteúdos veiculados pelos comunicadores da “mídia mágica”. Hoje, é necessário se perceber a importância da “sensibilidade a contexto” Ferraz e A. Neto (2006). Nenhum usuário ouvinte estará satisfei-to sendo interpelado o tempo inteiro, por exemplo. Sabemos que a intera-tividade será, com a digitalização, também intermediada por um software. Trata-se de um novo capítulo da história da cultura radiofônica que precisa ser atendido pelo padrão tecnológico a ser adotado de modo contextual.

h) multiprogramação – um dos principais aspectos motivadores da cren-ça em uma nova práxis na produção de conteúdos digitais. Significa a pos-

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sibilidade que o sistema de rádio digital abre para a transmissão de mais de um conteúdo dentro do mesmo canal. Essa característica já é possibilitada pelos padrões DAB e ISDB e, com certas limitações, no IBOC e no DRM. Essa limitação diz respeito a dois fatores: as restrições ao número de programas (dois ou três) e o comprometimento da qualidade do áudio. Ora, o que se espera da tecnologia radiofônica digital, é que seja previamente escolhida aquela que possibilite justamente novos horizontes, como um sistema de multiprogramação eficiente, capaz de emancipar o ouvinte, como sempre sugeriu Brecht (1932) e Ortriwano (1985).

i) democratização do uso do espectro, com a ampliação do número de ou-torgas disponíveis e maior presença de rádios públicas e comunitárias – esse critério depende única e exclusivamente da escolha pelo padrão certo. E o que seria, ou qual seria o padrão certo? Aquele que garanta a flexibilidade de adaptação por partes de emissoras públicas, comunitárias e experimentais. O IBOC, por exemplo, está na contramão, conforme já assinalado no presente estudo, pois ocupa a totalidade de ambos os canais adjacentes, não havendo chance de aproveitamento de nenhuma das faixas adicionais por parte de ou-tras emissoras, após a transição digital.

j) garantia de igualdades de condições para o processo de transição de padrão, incluindo aí as rádios comunitárias – a portaria nº 290/2010 não es-tabelece nenhum tipo de discussão sobre as rádios comunitárias, apenas

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menciona que as emissoras de menor potência devem se responsabilizar com pequenos custos para sua inserção no rádio digital. Acredita-se que os custos serão proporcionais às potências das emissoras AM ou FM.

Esses preceitos devem garantir a experiência social, histórica e cultural do rádio brasileiro, afinal:

Integrado a um modo de vida, o rádio se vincula às identidades culturais do lugar, aos saberes cotidianos, ao partilhamento de patrimônios comuns como a língua, a música, o trabalho, os esportes, as festas, entre outros. É um es-paço de reconhecimento do público como pertencente a uma dinâmica cul-tural local. Portanto, para ter sentido e ser útil, as intervenções das políticas públicas nas estruturas se guiam e se justificam por objetivos relacionados ao conteúdo. Significa por em relevo não somente as relações entre economia e política, mas também a dimensão do consumo. O que implica em considerar a cultura como um componente inerente à formulação de políticas públicas de transição para o rádio digital (CARTA ABERTA, 2010).

Esses aspectos múltiplos, somados aos critérios basilares para a cons-trução das políticas públicas, constituem-se como valores imprescindíveis ao sucesso do rádio da era digital. Contudo, além desses pontos, ainda existem algumas expectativas e limitações que precisam ser refletidas analiticamente a fim de que a nova experiência radiofônica tenha êxito após sua implantação definitiva. Trata-se do que consideramos como

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principais aspectos motivadores: a alta definição, a multiprogramação, a interatividade e a convergência com outros meios digitais. Esses tópicos dialogam transversalmente com questões como a produção digital, que por sua vez envolve a agregação de serviços, a programação em si, a trans-missão e recepção digitais; e as próprias possibilidades de interatividade.

Aspectos motivadores

O som digital

Inicialmente, uma pequena questão levantada por Salinas (1994) fun-damenta a importância da sonoridade no processo de cognição e veicula-ção de conteúdos elaborados pelo homem:

Inúmeras culturas consideram o som como ponto de origem de todas as coisas: hindus, egípcios e gregos são povos que ilustram essa tradição. Na Índia é considerado um símbolo fundamental: o som está na origem do cosmo. Se a Palavra, o verbo (Vak), produz o universo, é através do efeito das vibrações rítmicas do som primordial (nada). Nada é a manifestação do som (shabda), da qualidade sonora, que corresponde ao elemento Éter (akasha). Tudo o que é percebido como som, dizem os textos, é xácti, [...] Força divina (SALINAS, 1994, p.25 apud BARBOSA FILHO, 2003, p. 76).

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A principal expectativa em relação ao rádio digital tem sido gerada em torno de sua capacidade de melhorar significativamente a qualidade do áu-dio. Apesar de ser, de certa forma, uma perspectiva limitada, uma vez que o rádio digital oferecerá um leque de possibilidades conteudísticas originadas pela convergência com outras mídias e pela interatividade, a questão refle-te uma preocupação com o aspecto primordial da mídia rádio: o conteúdo sonoro e, consequentemente, a atenção à cultura do ouvir, apontada por Menezes como imprescindível aos processos comunicativos da atualidade:

Quando nos referimos à cultura do ouvir, advogamos a necessidade de pes-quisarmos com maior profundidade as relações entre a visão e a audição nos processos comunicativos. Se, como já observamos, por uma perspec-tiva temos o olho que reduz o mundo a uma imagem bidimensional, em outra temos o ouvir e a percepção da tridimensionalidade do espaço (grifo nosso) (MENEZES, 2008, p. 03).

Ou seja, ainda que a inserção de conteúdos convergentes (que se uti-lizem de áudio, imagens, dados e até mesmo vídeos), constitua-se numa reinvenção necessária ao rádio, é de suma importância preservar os vínculos sonoros como essência da comunicação radiofônica na contemporaneidade

Garantir o cultivo do ouvir nas transmissões radiofônicas digitais, mui-to mais que um desafio, significa:

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[...] repotencializar a capacidade de vibração do corpo diante dos corpos dos outros, [...] ampliar o leque da sensorialidade para além da visão. Ir além da racionalidade que tudo quer ver, para adentrar numa situação onde todo o corpo possa ser tocado pelas ondas de outros corpos, pelas palavras que reverberam, pela canção que excita, pelas vozes que vão além dos lugares comuns e das tautologias midiáticas (MENEZES, 2008, p. 08).

Corroboramos tais ideias e consideramos que os conteúdos radiofôni-cos, inseridos numa moderna era do ouvir (digital, convergente e interativa), podem garantir o cultivo dos gêneros e formatos sonoros e, assim, “enrique-cer os processos comunicativos hoje muito limitados à visão, e nos ajudar a viver melhor num mundo marcado pela abstração” (MENEZES, 2008, p. 08).

Vale ressaltar que se interessar e valorizar a cultura do ouvir não implica em suprimir o potencial multimidiático do rádio digital; contudo, requer a compreensão que tanto o ouvir, quanto o ver, ações de possibilidades simul-tâneas no novo suporte, demandam atenções de produção específicas e o “cultivo dos próprios limites” (Cf. BAITELLO Jr., 2005 apud MENEZES, 2008, p. 06) na nova linguagem radiofônica.

De acordo com o que apontam os testes já realizados no Brasil, o maior ga-nho em relação à qualidade do áudio será das rádios que atuam em amplitude modulada – AM, pois elas passarão a ter qualidade similar as de frequência mo-dulada – FM, que por sua vez terão som com qualidade comparada a de CD.

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Com esses avanços, o rádio AM, já reconfigurado em formato de som digital, sofrerá um processo justo de revitalização, podendo inclusive de-dicar-se à veiculação de músicas durante seus programas, o que sempre foi um entrave devido à baixa qualidade do áudio transmitido via ampli-tude modulada.

Por outro lado, a digitalização traz, junto aos avanços na qualidade do som, uma preocupação relativa aos cuidados redobrados que os técnicos e produtores radiofônicos deverão tomar com a exatidão de funcionamento e clareza das informações veiculadas durante a programação, uma vez que a qualidade propiciada pelo digital é capaz de revelar imprecisões no áudio, antes disfarçadas pelo suporte analógico.

Bianco exemplifica alguns casos práticos:

No caso de transmissões externas, a preocupação com essa nova plástica sonora é redobrada. Em partidas de futebol, o áudio poderá sofrer variação dependendo do volume de barulho feito pela torcida, interferindo, às vezes, no relato do locutor. Na reportagem ao vivo, os ruídos do local do aconte-cimento poderão ficar mais evidentes, atrapalhando a clareza do relato do repórter. Adotar sistemas de proteção contra o excesso de ruídos e repensar até mesmo o tipo de microfones mais adequados à transmissão externa são aspectos a serem considerados diante do digital (BIANCO, 2009, p.65).

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A infinidade de possibilidades a serem desenvolvidas na estrutura de narrativa envolvendo o código sonoro, mobilizando a produção de sen-tidos através da audição em sincronia com a imaginação das audiências radiofônicas, merecerá, portanto, cuidados especiais, pois, como também examina Bianco:

A fidelidade do som levará provavelmente à supressão de algumas práti-cas comuns no rádio brasileiro na gravação de programas e de spots, como colocar a música de fundo (BG) “muito presente” para compensar a perda de qualidade na transmissão, especialmente para veiculação no AM onde os sons graves têm maior destaque. O mesmo cuidado será essencial em relação às vinhetas de emissoras FM jovens que optam por um estilo exces-sivamente rebuscado, repleto de efeitos sonoros, musicais e locução “ele-trizante”. Esse ritmo “quente” de fazer rádio acaba sendo amenizado pela perda de qualidade na transmissão analógica (BIANCO, 2009, p.66).

A atenção da autora está, portanto, na valorização da estética sonora típica do fazer radiofônico criativo, o que para nós não significa “esfriar” a produção de sentidos no rádio, mas atentar para o aperfeiçoamento da construção ima-ginativa das audiências. Afinal de contas, essa é grande magia do rádio - “criar imagens auditivas”-, como afirma McLuhan:

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O rádio afeta as pessoas, digamos como que pessoalmente, oferecendo um mundo de comunicação não expressa entre o escritor-locutor e o ouvinte. Este é o aspecto mais imediato do rádio. Uma experiência particular. As pro-fundidades subliminares do rádio estão carregadas daqueles ecos ressoan-tes das trombetas tribais e dos tambores antigos. Isto é inerente à própria natureza deste meio, com seu poder de transformar a psique e a sociedade numa única câmara de eco (MCLUHAN, 2000, p. 37).

O rádio digital será capaz de ampliar e estimular ainda mais a capacidade imaginativa dos ouvintes, trabalhando diferentes planos e transmitindo conteúdos inseridos em ambiências ainda mais interativas e convergentes. Assim articula Bianco:

Se o ouvir está vinculado ao universo do sentir, da vibração da pele, é pos-sível pensar que o som digital traga um novo “ruído” ao ambiente tecno-lógico contemporâneo marcadamente visual, onde se vê sem ouvir, numa espécie de “surdez intencional” ou de surdos na civilização da visualidade” [...] O som digital propicia uma ambiência imaginativa ampla (percepção de diferentes timbres), e nítida que estimula o ouvir e sentir, para se ver e sentir (BIANCO, 2009, p.66).

Como também analisa a autora, é preciso entender que no rádio digital, os ruídos, os efeitos, a música estão a serviço de ideias, sentidos, discur-

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sos construídos na mente do ouvinte. “Ao contrário da televisão, em que as imagens são limitadas pelo tamanho da tela, as imagens do rádio são do tamanho da imaginação do ouvinte. Os sons no rádio criam um mundo visual acústico” (BIANCO, 2010, p.98). Certamente essa capacidade de cons-truir ambiências inventivas diversas será aprimorada pelo rádio digital, que também, não pode se privar de criar tais ambiências através de suas novas funcionalidades, como a veiculação de imagens e outros dados a partir do novo suporte, um receptor inteligente, assim denominado porque permite a manipulação do sinal de recepção.

Os novos receptores

O acesso à tecnologia radiofônica digital estará garantido aos ouvintes que adquirirem os novos aparelhos receptores da “sintonia do futuro”, de-nominados como “inteligentes”, como já assinalado, pelo fato de consenti-rem o manejamento do sinal de recepção. A tecnologia do receptor digital se difere e se destaca do existente no modelo analógico pelo incremento proporcionado através da oferta de conteúdo na tela de cristal líquido pre-sente no novo aparelho. Esse será um aspecto considerável nesse processo de mutação da práxis radiofônica, pois exigirá dos radialistas e jornalistas contemporâneos da nova tecnologia a prática comunicacional em um ve-

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ículo que deixará de ser exclusivamente sonoro para se tornar multimidi-ático, na medida em que passará a agregar outros tipos de informações à programação ao vivo, ou mesmo sob demanda. Isso implica citarmos os recursos dos mais simples, como veiculação do nome do comunicador, do programa, dos artistas que estão no ar, os títulos das músicas em execu-ção, as vinhetas em formas de slogans, bem como notas, boletins meteo-rológicos, avisos sobre a situação de trânsito, índices da economia, entre outros formatos de informação.

Ainda sobre a tela de cristal líquido, sua utilização irá proporcionar con-sideravelmente a eliminação do caráter efêmero da mensagem radiofônica. O que é mais um benefício ao ouvinte dessa mídia centenária. Outras utili-dades serão possivelmente desencadeadas pelo suporte inovador:

A tela pode ser um canal para divulgar chamadas de programas do dia ou da semana, o que representa uma economia de espaço e tempo dentro da programação sonora destinada a esse tipo de divulgação. Há ainda possibi-lidade de fazer anúncios (spots) que remetam a conteúdos complementares disponíveis na tela do aparelho como endereço, local, foto do produto, ou mesmo o anunciante poderá disponibilizar informações sobre descontos e promoções. No campo da promoção há um grande potencial a ser explora-do nas estratégias que envolvem participação interativa do público, como “responda a pergunta que está na tela do seu rádio com um toque na tecla

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x”, ou “veja a mensagem que seu amigo lhe enviou”, a exemplo do que já acontece no aparelho de celular (BIANCO, 2009, p.76).

É bem certo que esse panorama de possibilidades se apresenta junto a um percurso de embates e dúvidas quanto à definição do padrão digital. Só após essa escolha e os testes com cada uma das funcionalidades aqui assinaladas, será possível saber o que o aparelho do futuro irá comportar. Ainda assim, a tecnologia digital é capaz de garantir aspectos ainda mais funcionais e acessí-veis à mídia radiofônica, oferecendo a capacidade de torná-la mais abrangente a partir das características da convergência tecnológica e da interatividade.

Nesse sentido, segundo Bianco, o padrão IBOC assinala sua capacidade:

A indústria norte-americana de receptores para a tecnologia IBOC pro-mete fabricar aparelhos com funções que ampliam o potencial multimí-dia e a oferta de conteúdo. Por exemplo, permitir o fornecimento de in-formações sobre tráfego em tempo real com relatórios exibidos em um veículo com sistema de navegação; funções store e replay que permitem pausar programação ao vivo ou ainda voltar o programa desejado ou música para o seu início; personalização da escuta; dispositivo interati-vo para comércio eletrônico, desde compra de bilhetes para shows ou produtos anunciados na tela de cristal líquido. Com essa interface mul-timídia, o rádio supera, em parte, o discurso volátil e fugaz, típico de transmissão por ondas eletromagnéticas, para permitir a recuperação

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de informação. Algo que não deixa de trazer certo “ruído” a sequência narrativa síncrona (BIANCO, 2009, p.77).

Os níveis de interatividade no rádio certamente serão também alterados com esse recurso da tela de cristal líquido agregado à tecnologia digital. Novas formas de participação se articulam, no intuito de deixar esse meio ainda mais próximo das suas audiências. No entanto, vale ser registrado que desde o seu surgimento, o rádio sempre primou pela interação, aqui enten-dida como a ação recíproca entre dois ou mais sujeitos onde ocorre a inter-subjetividade, ou seja, o encontro de dois atores, mediado por outros meios de comunicação. Contudo, segundo Bianco, a partir das potencialidades do receptor digital inteligente, o rádio:

[...] passará a ter interatividade, a potencialidade técnica que permite a ativi-dade humana do agir sobre a máquina e de receber em troca retroação da máquina sobre ele. A interação pessoal, intersubjetiva, de caráter sócio afetivo, permanecerá no rádio, sem dúvida, lado a lado com a interatividade e a troca de informações por meio de instrumentos técnicos (BIANCO, 2009, p.77).

Uma constatação importante é que todas as funções multimídia atre-ladas ao novo aparelho radiofônico digital deverão favorecer um leque de diálogos entre o conteúdo que se ouve com o com o que se pode ler na

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tela. Essa sintonia não é tão complexa, no entanto, exige do comunicador do rádio, seja ele radialista ou jornalista, a desenvoltura para lidar com um conteúdo que precisa ser produzido num rádio que passa ser ouvido e lido. Segundo Bianco:

Para as rotinas produtivas, especialmente de pequenas emissoras com precá-ria produção de jornalismo, será um grande desafio [...] Em geral são empre-sas que mantêm uma reduzida equipe de funcionários, da qual nem sempre fazem parte jornalistas. Nelas predominam programas de entretenimento centrados na figura do comunicador, um mix de música e fofocas, com pouca ou quase nenhuma informação jornalística sobre a cidade ou região. Poucas são as que possuem equipes de jornalismo e algum interesse em produzir radiojornalismo local de qualidade, equilibrado, isento, livre de injunções po-líticas econômicas. É comum que algumas delas dependam da verba publici-tária do governo local para manter suas atividades. Isso leva, invariavelmen-te, ao comprometimento da informação de qualidade. Diante do fato fica a questão: que informação qualificada essas emissoras poderão oferecer em um sistema digital que envolve oferta de dados adicionais se se mantiver o padrão de produção atual? (BIANCO, 2010, pp. 101-102).

Conforme analisa Tavares (2009, p.182), uma alternativa, nesse sentido, seria “neste século da primazia dos efeitos midiáticos e dos suportes digi-tais, [...] voltar nossa atenção para o usuário digital, a partir do momento em

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que ele fará parte do processo de construção do conteúdo”. Assim, consi-deramos que o percurso para a progressão do meio radiofônico no suporte digital passa necessariamente pela renovação no modo de atuação dos pro-dutores radiofônicos frente à convergência tecnológica, a partir do contato pontual com a audiência. Corroboramos que:

[...] a mudança de paradigma que se configura para o rádio é surpreenden-te, pois a relação “rádio-ouvinte” tem determinadas características às quais não se pode renunciar para entender a transição analógico-digital e a intro-dução desse novo modelo midiático (TAVARES, 2009, p. 183).

Fato relevante é que ao buscar, por exemplo, a audiência do público jovem o rádio digital terá que competir com outros produtos midiáticos, como a própria internet, os celulares e os videogames. E “somente poderá fazê-lo em condi-ções de igualdade se promover alianças e sinergias que resultem em programas musicais, por exemplo, que tenham sala de bate-papo pela web ou que ofere-ceram jogos para celulares” (BIANCO, 2009, p. 50).

Em relação aos produtores em si, o desafio é que estes precisarão modifi-car a forma de apresentação dos conteúdos para o novo suporte associando os mesmos “a novos formatos de distribuição digitais, como o celular e apa-relhos mp3, entre outros” (BIANCO, 2010, p. 102). Trata-se da oportunidade

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e do momento certo de o radiodifusor sair do universo do conteúdo exclu-sivo para optar pelo campo da troca de informações, da construção coletiva de saberes, da convergência, da hipertextualidade etc.. Isso pode acontecer com o aparecimento da figura do provedor de conteúdo, nova realidade profissional nascida com a digitalização midiática e, em breve, responsável pela produção e distribuição abrangente de produtos e serviços que farão a diferença na sintonia radiofônica digital.

A multiprogramação

Quando definido o padrão tecnológico para o rádio digital brasileiro, espera-se que este garanta recursos como a multiprogramação, além dis-so, aguarda-se a opção por um sistema que propicie a já mencionada alta definição, solidifique a mobilidade e portabilidade radiofônica e propicie a adesão às necessidades de inclusão social e interatividade. A partir da possí-vel consolidação da multiprogramação, certamente teremos uma verdadeira mutação na práxis radiofônica. Trata-se de uma nova rotina de pré, produção e pós-produção, que necessariamente precisam incluir profissionais com di-ferentes habilidades, tanto da área da comunicação, quanto da engenharia e da informática.

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É bem certo que a multiprogramação é um dos aspectos motivadores mais evidentes nesse cenário de expectativas que se constrói à espera de definições de padrão. Por isso mesmo, apontaremos a seguir, ainda que de forma breve, sugestões que podem ser absorvidas quando essa potenciali-dade for adotada em sua plenitude. Temos a consciência de que muitas des-sas possibilidades esbarram nas questões econômicas e políticas da maior parte dos grupos de rádios do país. Ainda assim, elas devem ser expostas e analisadas caso a caso.

Um primeiro exemplo trata de, através da multiprogramação, disponibi-lizar os canais adjacentes para a transmissão dos conteúdos das emissoras do mesmo grupo comunicacional, sobretudo afiliadas locais. Essa opção au-mentaria a abrangência de toda a rede, sem, no entanto, estabelecer uma relação de competição pela audiência, afinal, o usuário-ouvinte, ao mudar a sintonia para um canal adjacente, não estaria propriamente desvinculando--se da emissora “x”, apenas conectando-se aos fluxos alternativos de trans-missão de mensagens dessa mesma emissora, buscando atender as suas necessidades e expectativas.

Outra sugestão seria a veiculação do arquivo da própria emissora em seus sub-canais. Essa ideia revitalizaria a memória da programação da emis-sora de uma forma a reconfigurar inclusive o caráter efêmero da mensagem radiofônica, tradicionalmente imediata e irrepetível.

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A multiprogramação no rádio digital pode ser também aproveitada no sentido de veicular, nos canais adjacentes, a própria grade da emisso-ra reestruturada. Isso porque, por exemplo, nem sempre o melhor horá-rio para se ouvir o noticiário pode ser o mesmo para todos os ouvintes, por motivos diversos, que variam desde a incompatibilidade de horários (usuário-ouvinte / conteúdo específico) até a própria subjetividade dos usuários-ouvintes em suas preferências no que diz respeito ao consumo da programação radiofônica.

Por último, mas não que as possibilidades tenham sido esgotadas, expomos a proposta de a multiprogramação radiofônica digital ser efe-tuada através da segmentação da programação em formatos presentes na realidade das várias faixas etárias. Isso promoveria, por exemplo, a aproximação dos usuários-ouvintes com diferentes gêneros e formatos conteudísticos que, muitas vezes, tem apenas um tipo de público como audiência constante. O exemplo dos radiojornais pode ilustrar essa nos-sa afirmação. Para esse caso, os mesmos conteúdos que são veiculados pelas tradicionais edições dos radiojornais, podem ser disponibilizados nos sub-canais com a utilização de linguagens e formatos diversificados, voltados às diferentes faixas etárias, ganhando assim mais possibilidades de serem reverberados.

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Perspectivas atuais

Embora tenhamos exposto um panorama do que representa a inovação na cultura midiática que pode ser provocada pela implantação do rádio di-gital no Brasil, a temática parece ter sido realmente “tirada do ar”, sobretudo pelo Governo Brasileiro, que após tanto tempo de exames e discussões ainda aponta para a necessidade de novos testes com os padrões tecnológicos. Mas, além disso, haverá outras causas para esse esfriamento? Muitas são as espe-culações. Consideramos mais relevantes os seguintes fatos: a) o rádio ainda permanece sendo considerado o “primo-pobre” dos meios de comunicação no Brasil (essa constatação se dá pela carência ainda denotada nos debates e discussões a respeito do referido meio no âmbito da própria academia e tam-bém pela falta de envolvimento e diálogo efetivo entre as esferas do mercado, da academia e do governo); b) há anos o poder público, através do Ministério da Comunição, realizou/realiza testes com dois sistemas/padrões tecnológi-cos (IBOC e DRM), sem considerar que a nossa realidade cultural e comuni-cacional pede mesmo é um sistema híbrido, capaz de se adequar ao cenário midiático nacional atual, cada vez mais convergente. c) A internet como ce-nário de possibilidades diferenciadas. A professora e pesquisadora e também presidente do Grupo de Pesquisa Radio e Mídia Sonora, da Intercom, Nair Prata, em conferência proferida durante a realização do I Simpósio Nacional

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do Rádio, na Universidade Federal da Paraíba (UFPB), afirmou que considera “morta” a possibilidade do Rádio Digital “vingar”: é “carta fora do baralho”, afirmou a pesquisadora, ao tempo em que assegurou que a Internet tem se apresentado como o canal mais eficaz para protagonizar a reconfiguração do meio radiofônico através do fenômeno das webradios.

Ainda assim, consideramos que a possibilidade de implantação efetiva do Sistema Brasileiro de Rádio Digital deve permanecer ativamente “no ar”, e que os pesquisadores, profissionais, estudantes e empresários do meio devem, em sintonia, estudar/planejar/investir nesse propósito, sobretudo no que diz res-peito a pensar em conteúdos e políticas públicas ideais para essa mídia, pelo menos até que sejam apresentadas respostas dignamente palpáveis sobre a sua viabilidade no Brasil, onde sempre haverá espaço e público para o rádio, principalmente se ele seguir se reinventado, adequando-se à nova lógica da cultura midiática audiovisual, como a convergência e a interatividade.

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A CULTURA DO FÃ DE CINEMA NO OMELETE:UM NOVO CONCEITO DE “RECEPTOR”

João Batista Firmino Júnior1

ResumoA partir de uma análise empírica de alguns comentários e conversas mantidos entre o público interagente do site Omelete em sua seção “Cinema”, o artigo busca rever o velho conceito de “receptor”, presente nos estudos de Comunicação, no surgimento do que percebemos ser tanto uma “cultura do fã” como uma forma de “recepção en-gajada”, ativa, como parte de um espírito colaborativo entre diferentes pessoas que, em comum, possuem interesses relacionados a determinado filme, e a elementos desse mesmo filme, contribuindo para um senso de pertença coletivo.

Palavras-chave: Cultura do fã. Omelete. Recepção engajada

1 Mestre em Comunicação e Culturas Midiáticas Audiovisuais pela Universidade Federal da Paraíba – UFPB e Gradua-do em Comunicação Social, habilitação em Jornalismo, pela mesma Universidade. Integrante do Grupo de Pesquisas em Processos e Linguagens Midiáticas (GMID) - PPGC/UFPB/CNPq. Endereço eletrônico: [email protected]

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Introdução

Conceitos como participação, colaboração e compartilhamento hoje em dia podem ser usados em pesquisas que abordem interações por meio da Internet, e mais particularmente da Web. Mas, o que significa tudo isso?

Entendemos compartilhamento como apenas a divisão passiva de deter-minado arquivo ou experiência; quanto à participação, qualquer atividade minimamente ativa em um determinado site; e colaboração como um tipo de participação que realmente constrói e contribui para algo.

O site Omelete, especializado em entretenimento, existe desde o ano 2000, e possui diversas seções internas envolvendo notícias, artigos e críti-cas sobre filmes, jogos eletrônicos, revistas em quadrinho e outros produtos culturais, através de texto, imagens e vídeos. Nele, percebemos uma forte ação daquele tipo de “receptor” que podemos chamar simplesmente de “fã”. A ideia de fã surge, por si só, como algo que implica engajamento em um habitat próprio, um espaço específico para publicações de textos, ou de qualquer coisa que se utilize das letras do teclado (como montagens, por exemplo), a partir de notícias, artigos, críticas e vídeos.

Através de uma observação empírica, percebemos uma efervescente cul-tura de fãs a partir de determinados filmes. Pudemos observar a construção de um espaço próprio tanto na tela como em termos conceituais, que se

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prolongam em comentários que podem se tornar “conversas”, diálogos, pro-movendo-se diversos tipos de ação.

Para entendermos a natureza desse trabalho, explicamos que primeira-mente, vamos tratar do conceito exato de “participação” aplicado, especifi-camente ao site que estudamos; a partir disso, teremos um capítulo só com as análises empíricas dos trechos que captamos de alguns comentários e conversas sobre filmes; por fim, tentaremos esboçar o que seria uma “cultu-ra do fã”, dependente dessa dinâmica da Web, que permite publicação ins-tantânea de ideias e uma sensação de pertencimento, que leva a uma nova forma de compreender “recepção” na Comunicação.

A questão da recepção/participação

Os estudos de recepção partem do questionamento do próprio termo “recepção”. Segundo Jacks e Escosteguy (2005, p.14): “[…] é longa a dis-cussão sobre a adequação ou não do termo – recepção – para nomear as relações das pessoas com os meios de comunicação, principalmente no âmbito da pesquisa em comunicação, […]”. Até porque não temos, mesmo na comunicação de massa, um sentido de passividade tão intenso, como se lidássemos com um imenso grupo amorfo de pessoas sem iniciativa

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própria, sem uma realidade sociocultural específica nem competências in-dividuais. E, ainda assim, lidamos com a mesma questão de outra forma, conforme nosso material empírico. Diferente do tradicional, nosso estudo aborda uma noção de recepção que não envolve apenas uma noção de “audiência”, mas também de iniciativa, de ação. O receptor, mesmo na con-dição de alguém que apenas observa um determinado site, possui meca-nismos de participação e de assistir à participação alheia. Primeiro, falemos a seguir do site que estudamos.

O Omelete é, mais que um site, mas um portal repleto de seções temá-ticas diferentes e espaço para convívio de diferentes interessados em de-terminado produto cultural. No caso dos filmes, isso ocorre de forma a que tenhamos a tendência de, após uma certa quantidade de comentários, sur-girem conversas. E isso começa na possibilidade de adesão ao site na criação de uma conta, de um perfil que permita os comentários.

A iniciativa do Omelete não se dá apenas na concepção do modelo um--todos, mas sobretudo no modelo todos-todos e na visualização das conver-sas e comentários alheios, o que nos levaria simultaneamente a um modelo um-todos-todos-um. Essa iniciativa passa por um processo não apenas de digitalização ou de transformação de algo para o “online”, mas numa dimen-são maior, que envolve diferentes partes.

Essa dimensão se dá pela articulação de imagem, vídeo, texto, som e

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participação, ou seja, de hipermídia e participação do público, formando um todo convergente envolvendo múltiplos suportes midiáticos, coalizão de mercados e migração do público para diferentes “áreas” de uma dada his-tória ou notícia.

Essa articulação se torna possível através da noção de uma recepção/par-ticipação, ou seja, de um horizonte que permite visualização, participação e visualização da participação. Nisso, cria-se a perspectiva de uma comunida-de formada por atividades na vida atual e no mundo virtual, uma comuni-dade que teria por designação o próprio site Omelete, que exige cadastro e uma série de critérios para participação.

O que temos, na lógica da Web, especificamente, não é um proces-so matemático, objetivo, simples. Trata-se de um fluxo relacional que toma forma no Omelete através de comentários e conversações que envolvem uma interferência na rotina do “interagente” (termo que con-sideramos mais adequado ao nosso caso, ao invés de “receptor”) e uma interferência desse mesmo interagente numa rotina de comentários e de conversas.

Veremos isso mais claramente no decorrer das análises empíricas.

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Análises O Omelete é um caso que podemos chamar de site-fórum, uma mistura

de site comum, dos primeiros tempos da Web, e um sentimento de pertença interno a sua estrutura, que depende da valorização de trocas de informa-ções e consolidação de identidades que possuem uma coisa em comum: a intenção de atingir um determinado produto cultural, de disseca-lo e de os-tentar determinado conhecimento.

Segundo NiklasLuhmann (2010, p.82), sobre a contribuição de Gabriel Tarde: “Para ele, tal processo se dá mediante imitação (Leslois de l’imi-tation, 1890). Nela, não se toma como ponto de partida a unidade, mas a diferença,…”. Quer dizer, não se participa de um determinado ambien-te promovido pelo Omelete para ser igual, mas para “fazer a diferença”. O mesmo Luhmann, prosseguindo com a explicação, acrescenta (2010, p.83): “…, René Girard toma como ponto de partida o elemento de confli-to que surge no processo de imitação: entra-se em conflito com aquele a quem se quer imitar”.

Daí, temos casos como o seguinte:

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Figura 01 – Trecho de comentários referente à matéria do filme Doutor Estranho.

Fonte: Disponível em: http://omelete.uol.com.br/doutor-estranho/cinema/doutor-estranho-kevin-feige-confirma-filme-na-fase-tres/, Acesso em: 04 de maio de 2013.

Em um primeiro momento, temos uma explanação de um internauta. Até aí, não passa de um comentário criticando algo. A partir dele, outros respondem, tentando trazer algo de novo, como uma correção ao comen-

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tário do Interagente 1, um acréscimo, que gerou o retorno do Interagente 1, configurando-se o conjunto de ações como uma “conversa”.

Esse processo, que vai levar a uma identidade que muda muito, confor-me o objetivo que se tem em determinado ambiente, constitui-se parte de uma conversação coletiva. Raquel Recuero (2012, p.18) temos a “[…] percep-ção da conversação mediada pelo computador como uma apropriação de um sistema técnico para uma prática social”. A partir daí é que observamos a questão da diferença e do conflito. Como se toda conversa fosse um pouco “narrativa”, em que se começa com algo supostamente polêmico que tem que ser comprovado ou desdito. Como se cada comentário fosse a voz de um personagem numa história.

Uma determinada prática social vai sendo adaptada a um novo univer-so de práticas técnicas, que se desdobram em mais comentários, isolados (como é o caso a seguir) ou não:

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Figura 02 – Comentário referente à matéria do filme Doutor Estranho.

Fonte: Disponível em: http://omelete.uol.com.br/doutor-estranho/cinema/doutor-estranho-kevin-feige-confirma-filme-na-fase-tres/. Acesso em: 04 de maio de 2013.

Essa prática começa com comentários isolados que vão tomando um de-terminado corpo, um sentido, criando uma discussão e um direcionamento. Essa mesma discussão é direcionada a determinados fins. Por exemplo, no caso anterior, há uma interferência no Omelete, com a opinião, através de uma crítica quanto à classificação etária dos filmes de determinada empresa. Isso serve de tema interno ao sistema de comentários que leve ou a conver-sas ou a outros comentários isolados que abordem o mesmo tema “classifi-cação etária”. Por outro lado, o comentário pode ser algo mínimo, simples, apenas uma demonstração de um sentimento ou desejo:

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Figura 03 – Comentário referente à matéria do filme Doutor Estranho.

Fonte: Disponível em: http://omelete.uol.com.br/doutor-estranho/cinema/doutor-estranho-kevin-feige-confirma-filme-na-fase-tres/. Acesso em: 04 de maio de 2013.

Temos, assim, fragmentos, janelas, podemos dizer assim, com opi-niões, informações, expressões de desejos e ideias. Isso vai revelando um modo de fazer próprio, na assimilação de individualidades perante um corpo coletivo. O modo de fazer de cada um entra em sintonia com determinado direcionamento dado ao ou por um assunto, por um filme, por um personagem, revelando uma série de pontos em comum entre cada interagente.

Mas é interessante observar que não há só os comentários isolados e as conversas. Mas uma fusão entre ambos, surgindo conversas que nascem de comentários. Ou seja, são conversas, mas ao mesmo tempo dependem de um comentário que dê origem a toda a discussão, que segue filiada à ideia original. Como vemos a seguir:

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Figura 04 – Comentário referente à matéria do filme Doutor Estranho.

Fonte: Disponível em: http://omelete.uol.com.br/doutor-estranho/cinema/doutor-estranho-kevin-feige-confirma-filme-na-fase-tres/. Acesso em: 04 de maio de 2013.

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Figura 05 – Trecho de comentários referente à matéria do filme Doutor Estranho que são respostas ao comentário relativo à Figura 04.

Fonte: Disponível em: http://omelete.uol.com.br/doutor-estranho/cinema/doutor-estranho-kevin-feige-confirma-filme-na-fase-tres/. Acesso em: 04 de maio de 2013.

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Há diversos tipos de comentários secundários, um deles mal avaliado e só passível de ser lido com um clique a mais. O que constitui a seguinte lógica que percebemos nos comentários do Omelete: comentário isolado, conversa “espontânea” e conversa “ligada a determinado comentário”. Toda-via, não faz sentido esquematizar isso sem entender o entremeio, o universo exato desses comentários: a cultura do fã.

Cultura do fã

Entendemos uma “cultura do fã” como aquilo que há em comum, em termos de comportamento e práticas, entre diversos participantes de uma ideia voltada a um determinado universo de um produto midiático – como, no nosso caso, de um filme – compondo uma identidade flutuante, muito afeita a um modo de fazer específico, de um grupo de pessoas, no que diz respeito a tornar suas identidades de acordo com seus anseios e atos, de acordo com suas práticas (no caso são essas práticas que vão verdadeira-mente trazendo uma credibilidade e uma visibilidade a cada interagente).

Através de alguns exemplos, que sintetizam uma conjuntura maior, pode-mos entender o fenômeno social, o ato de ser fã e os mecanismos para ma-terializar isso (esses mecanismos são os comentários e as conversas), como

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parte do conceito de “cultura participativa”, trazido por Henry Jenkins (2009, p.30) a envolver algo que:

[…] contrasta com noções mais antigas sobre a passividade dos espectadores dos meios de comunicação. Em vez de falar sobre produtores e consumido-res de mídia como ocupantes de papeis separados, podemos agora conside-rá-los como participantes interagindo de acordo com um novo conjunto de regras, que nenhum de nós entende por completo (JENKINS, 2009).

Os papeis assumem um processo de fluxo contínuo entre interagentes que são ao mesmo tempo emissores e receptores, bem como mensagens. A recepção torna-se apenas um aspecto de todo um conjunto formador de práticas que levam ao que denominamos “cultura do fã”. Ela é, ao mesmo tempo, emissão de opiniões, informações e ideias. E isso pode se tornar a própria mensagem a partir do momento em que há a construção primeiro de um “profile”, muitas vezes fantasioso, e uma prática condizente aos an-seios que levaram à construção da falsa identidade. Por exemplo, alguém se utilizar do nome e da imagem de um determinado personagem, sem ne-cessariamente se comportar como ele, mas discutindo temas relevantes ao universo desse personagem ou de outros que tenham a ver com a mesma raiz temática (por exemplo: ficção-científica em geral, ficção-científica en-volvendo pessoas com superpoderes ou fantasia).

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Ou seja, uma cultura do fã passa, também, por uma identidade do fã, que entra no contexto trazido por Stuart Hall (2006, p. 12-13), sobre o sujeito pós--moderno cuja “… identidade torna-se uma ‘celebração móvel’: formada e trans-formada continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam (Hall, 1987)”. Imagine-mos, por exemplo, o campo de comentários como uma praça por onde tran-sitam diferentes fãs, que se comunicam de forma mediada pela tecnologia e geralmente através de identidades fictícias, que podem ser alteradas.

Porém, para adentrar essa “praça”, há regras formais e informais que devem ser seguidas, no sentido de permissão a que o fã torne-se parte do Omelete e grau de visibilidade de suas mensagens (se são considera-das ofensivas, por exemplo, será preciso um clique a mais para que alguém possa ler). Além disso, obviamente, tem-se a credibilidade que cada um vai construindo conforme sua reputação.

A ideia de algo “em comum” preenche nossa conceituação, em que as pessoas podem se relacionar como emissores, receptores e mensagens, em um palco cujo espetáculo e público se misturam a partir do que vemos nesse ambiente relativamente concreto e “em comum” do sistema de comentários do Omelete: sugestões, críticas, em outros casos promoções de blogues, di-recionamentos para outros links, comentários de comentários, comentários e conversas envolvendo outros universos ficcionais, o ato de informar algo,

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enfim, todo um conjunto de práticas que vai inclusive além dos exemplos enxertados neste trabalho através das imagens captadas.

Esse conjunto revela um sistema em que as pessoas tendem a imitar as práticas para discordar delas. Sempre trazendo algo que pretenda ser novo, bem como um determinado modo de posicionamento.

Todo esse processo revela a configuração atual de uma opinião pública cujo conteúdo envolve pensamentos que “… são expressos por aqueles que as produzem e as pensam, e não por jornalistas obrigados a simplificar ou mesmo a caricaturar por falta de tempo ou de competência”, segundo André Lemos e Pierre Lévy (2010, p.88). Esse processo envolve um conceito de cultura que abranja as ideias de espaço, identidade e trocas. Primeiro o espaço em fluxo a que denominamos a categoria “virtual”, que nos leva mais concretamente à visualização de uma tela e de um texto; a identidade por vezes falsa dos intera-gentes; e as trocas de ideias. Todo esse processo se distribui entre o ambiente técnico, o contato com o outro e o cérebro do próprio interagente.

Considerações finais

Os passos para compreender o processo de comunicação cada vez mais entendem o processo como um fluxo interativo, em que emissor,

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mensagem e receptor se confundem numa “conversação coletiva”. Nesse aparente caos, as pessoas vão se distinguindo de acordo com a qualida-de de suas informações e formas de expressão. Por outro lado, devemos considerar que, simultaneamente, existe a forma “tradicional” de enten-der “comunicação”. Ou seja, temos, no Omelete, a concepção tradicional de “receptor”. O que nosso trabalho traz é uma concepção que também vai além disso. Quer dizer, o antigo e o novo se misturam, a lógica um--todos e a lógica todos-todos.

No caso da lógica todos-todos, podemos considerar, segundo Clay Shirky (2011, p.154) que há diferentes tipos compartilhamento entre indi-víduos na rede: o compartilhamento pessoal, o compartilhamento comum, o compartilhamento público e o compartilhamento cívico. No nosso caso, entendemos que se trata de uma mistura de compartilhamento pessoal com compartilhamento comum. As pessoas têm entre elas informações, ideias, desejos envolvendo filmes e o universo desses filmes. Elas colabo-ram em um nível individual e também participam em um nível público – mas “público” dentro da ideia de “grupo” após cadastro no Omelete, algo limitado ao universo desse site.

O fato é que o interagente (ou o “receptor”), primeiro recebe a informa-ção como um receptor comum. Ao receber a informação, tem-na como um “ponto de partida” para discussões, ou simplesmente se utiliza do espaço

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para comentar diversos assuntos não necessariamente ligados a determi-nado filme e seu lançamento. No final, temos, ao invés de um mero sistema de comentários, um site que além de informação é de entretenimento e de rede social, sendo boa parte do entretenimento dependente da colabora-ção, participação e compartilhamento de experiências a partir de indivídu-os interagindo entre si e com grupos maiores de pessoas no Omelete.

Nosso trabalho se comprometeu a mapear brevemente esse aspecto do site, e demonstra que os sites devem ser entendidos cada vez mais em caráter híbrido – quer dizer, além de site é rede social, é grupo de trocas, é uma espécie de comunidade com regras próprias e com possibilidade de participação até mesmo de promoções promovidas pelo Omelete.

Tal grupo divide-se em sistemas de comentários relativo a informações e a suportes midiáticos específicos (por exemplo, comentários envolvendo a seção de Vídeos do Omelete), e divide-se de acordo com uma temáti-ca menor como, por exemplo, determinado comentário como ensejador de toda uma conversa paralela. Em suma, trata-se de um campo rico de trocas, compartilhamentos, podendo ser possível considerá-lo um espaço à parte, construído conceitualmente e materializado no aspecto de “tela” a ser pre-enchida por textos.

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Referências

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 11a ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2006.JACKS, N. A.; ESCOSTEGUY, A. C. D. Comunicação e recepção. São Paulo: Hackers Edito-res, 2005.JENKINS, Henry. Cultura da convergência. 2a ed. São Paulo: Aleph, 2009.LEMOS, André; LÉVY, Pierre. O futuro da internet: em direção a uma ciberdemocracia planetária. São Paulo: Paulus, 2010.LUHMANN, Niklas. Introdução à teoria dos sistemas. 2a ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010.RECUERO, Raquel. A conversação em rede: comunicação mediada pelo computador e redes sociais na internet. Porto Alegre: Sulina, 2012.SHIRKY, Clay. A cultura da participação: criatividade e generosidade no mundo conecta-do. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.

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TV PÓS DIGITAL: NOVAS FORMAS DE CONSTRUÇÃOTELEVISIVA NA SOCIEDADE MIDIATIZADA

Graciele Barroso1

Karla Rossana Francelino Ribeiro Noronha2

ResumoCom a introdução de novas mídias e dispositivos tecnológicos, a televisão tem passado por mudanças profundas na produção de conteúdo e de programação. Não se pode mais ignorar a forma como a sociedade tem se apropriado das mídias (antigas e novas) para mostrar o seu cotidiano a uma grande massa de telespectadores. Dessa forma, este trabalho tem o objetivo de discutir as novas possibilidades da televisão junto a uma so-ciedade imersa no processo de digitalização dos meios de comunicação de massa, bem como sua apropriação em relação aos diversos dispositivos tecnológicos disponibiliza-dos atualmente.

Palavras-chave: Convergência. Midiatização. Televisão.

1 Mestranda em Comunicação e Culturas Midiáticas Audiovisuais, pela Universidade Federal da Paraíba. Integrante do Grupo de Estudos de Divulgação Científica (GEDIC) – PPGC/UFPB/CNPq. Endereço eletrônico: [email protected]. 2 Mestranda em Comunicação e Culturas Midiáticas Audiovisuais, pela Universidade Federal da Paraíba. Integran-te do Grupo de Estudos de Divulgação Científica (GEDIC) – PPGC/UFPB/CNPq. Endereço eletrônico: [email protected].

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Introdução

A convergência midiática tornou a televisão um meio de comunicação inte-rativo e mais homogênio na medida em que o telespectador consegue caminhar pelo conteúdo da TV com maior complexidade devido à utilização dos diversos dispositivos tecnológicos que atualmente integram a produção televisiva. A so-ciedade, agora mais do que nunca, está dentro da televisão construindo uma linguagem e um contexto mais próximo da sua realidade.

As novas mídias e tecnologias de comunicação oferecem a televisão no-vas possibilidades para chegar ao telespectador com histórias mais dinâmi-cas e, principalmente, fragmentadas induzindo o uso de ferramentas comu-nicacionais que sempre remetem ao que é apresentado pela televisão.

Com a chegada da internet e, consequentemente, a sua popularização a televisão teve que se reclicar para atender as mudanças de perfil dos es-pectadores-usuários que estão sempre à procura de conteúdo diversificado. Além disso, a televisão tem se apropriado dos novos dispositivos tecno-mi-diáticos para construir narrativas mais interessantes com a finalidade de se aproximar cada vez mais de um público que se torna mais segmentado dian-te dos recursos tecnológicos disponibilizados atualmente na tentativa de se manter na base de sustentação da produção e distribuição da informação.

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Assim, este artigo tem por objetivo discutir o desenvolvimento da tele-visão a partir da imersão da sociedade junto aos novos dispositivos tecno--midiáticos, como ela tem se reinventado no contexto da digitalização, bem como a sociedade tem se apropriado desse novo contexto midiático inseri-do no cotidiano da população.

Televisão digital A digitalização da TV confere aos telespectadores maior poder sobre

o que eles desejam assistir, pois este recurso tecnológico torna a televisão mais flexível e atrativa tanto em aspectos estéticos quanto em termos de produção de conteúdo.

As possibilidades de acesso à produção de conteúdo serão inúmeras se considerarmos as características e os recursos de interatividade. Através do controle remoto é possível, por exemplo, acessar a internet, fazer downlo-ads, assistir aulas e programas educativos ao mesmo tempo, permitindo ao usuário navegar pelo aplicativo na ordem que desejar e personalizar a TV de acordo com suas preferências.

Assim, as dimensões espacial e temporal, os aspectos estéticos e retóri-cos na TV Digital e a forma de navegação se ampliam, mudando a relação

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do público com a TV a partir do controle remoto, pois há uma construção lógica e não linear permitindo uma reflexão integral por parte do telespec-tador. O programa de TV deixa de ser uma realidade sequencial e unilateral para ser uma realidade não linear e interativa.

A possibilidade de controle e manipulação por meio de botões, menus ou ícones permite ao telespectador dialogar com um programa ao vivo, escolher um ângulo de câmera ou uma sequência de cenas para ter uma visão mais am-pla do contexto. Dessa forma, o usuário pode definir as informações disponíveis no ambiente com as quais deseja interagir.

Em termos de usabilidade, a postura do espectador é o fator principal. Na TV atual ela é contemplativa, enquanto que na TV Digital ela é interativa. A questão da distância é um outro ponto que merece atenção, pois não se assiste à TV tão de perto quanto se utiliza o computador ou o celular. [...]. Além disso, a TV tem um caráter coletivo, o que também deve ser levado em conta (MAETA; OLIVEIRA; QUEIROZ-NETO, 2007, p. 3).

Por isso, dois aspectos são muitos importantes quando nos referimos à utilização da TV Digital: a usabilidade e aplicabilidade de serviços e tec-nologias que estão sendo desenvolvidas e experimentadas com o intuito de simplificar os recursos para a TV digital interativa. Sabemos que estes recursos serão determinados pelos fabricantes de aparelhos conversores

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e principalmente pelo interesse das emissoras de TV em disponibilizar ou não os recursos.

Convergência tecnológica

A convergência tecnológica permite a interoperabilidade de sistemas, a possibilidade de novos dispositivos facilitadores da mobilidade e interativi-dade e a obtenção de serviços integrados, que disponibilizam mais informa-ções e serviços. Nesse contexto de novas tecnologias, surge uma nova socie-dade: uma sociedade da informação, com uma comunicação mais integrada, multimídia e interativa. Além disso, novos meios trazem novas implicações políticas e sociais. Castells (1999) chama essas transformações de a era da informação e do conhecimento.

No final da década de 80, surgiu o termo “tecnologias da informação”, que engloba um conjunto de áreas: informática, telecomunicações, comunica-ção, ciências da computação, engenharia de sistemas e de software. Castells (1999) afirma que as tecnologias da informação fazem parte de um conjunto convergente de tecnologias em microeletrônica, telecomunicações, radiodi-fusão entre outras que usam de conhecimentos científicos para especificar as coisas de maneira reproduzível.

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A convergência tecnológica da internet com outros meios (TV, rádio e telefones de última geração) assegura a entrada dos consumidores em uma fase de globalização telemática. A introdução das novas tecnologias em ge-ral e da convergência tecnológica em particular, é aparentemente um fato irreversível, conduzida pela lógica de mercado das grandes empresas trans-nacionais e baseada em avanços científicos e tecnológicos.

Considerado um otimista da cibercultura, Lévy (1999, p. 11) não via a In-ternet como a solução para os problemas da sociedade, mas enxergava na ferramenta “um novo espaço de comunicação” repleto de possibilidades. A história mostra que o entusiasta estava correto: a Internet e todo o aparato que compõe as Tecnologias da Informação e Comunicações (TICs) revolu-cionaram a economia, a política, a organização social, a comunicação.

Para Recuero (2000) a nova tecnologia da informação é a terceira grande revolução da comunicação, que sucede o desenvolvimento da linguagem e a invenção da escrita. Maigret (2010) é mais comedido com relação ao novo espaço de comunicação e mostra que mesmo com todas as possibilidades da convergência midiática, a Internet não conseguiu, por exemplo, superar a televisão na preferência do público. Some-se a preferência, as limitações técnicas e intelectuais: nem todos dispõem de computador com Internet e habilidades para utilizar as TICs.

Em um aspecto os autores concordam: o meio é o que se apresenta como

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o mais democrático criado até agora. Para Castells (1999) e Maigret (2010) a explicação pode estar no caráter multimídia, que agrega som, texto e imagem, levando para a rede as características do rádio, jornal, revista e televisão. Há também o rompimento com a lineariedade do texto, a hipertextualidade per-mite que o leitor determine como será a leitura do conteúdo ofertado.

A Rede oferece ferramentas para as mais variadas participações do pú-blico, seja através de comentários em sítios, manutenção de blogues, redes sociais, que apresentam a versão de seus autores para os fatos abordados:

A internet, por permitir ao mesmo tempo encontrar o que apreciamos e tornar públicas nossas criações, seria a mída-mor e a mídia livre, libertan-do-nos, por um lado, da ditadura do pensamento analítico estreitamente escolar e, pelo outro, das tiranias dos meios de comunicação de massa, da passividade. (MAIGRET, 2010, p. 406)

A Internet favorece o aparecimento da voz da pluralidade, as mensagens e fontes têm origens diversas e oferece a “oportunidade de reversão dos jogos de poder tradicionais no processo de comunicação” (CASTELLS, 1999, p. 446). Os meios tradicionais compartilham com os conteúdos oriundos da Rede ver-sões de um mesmo fato, nem sempre compatíveis. O cidadão comum tem a possibilidade de contestar as versões oficiais através de conteúdos postados em blogues, comentários nos sítios e nas redes sociais.

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Para Brittos e Bolaño (2006, p. 11-12) a Internet representa o surgimento de um espaço público midiático diferente do que se vê nas redes de televi-são abertas, esse “é um novo espaço dialógico, restrito e crítico” e que per-mite “uma extensa interatividade”. No entanto, os autores reconhecem que a Rede sofre um “controle social”, como a exclusão digital, por exemplo. A televisão continua sendo um veículo de forte presença na rotina dos públi-cos, Sodré (2013) chega a afirmar que antes da televisão, apenas Deus esta-va presente em tantos lares.

De acordo com Woodard (1994), a convergência tecnológica traz consigo mudanças significativas para a televisão, transformando-a em mídia interativa. A TV não é mais um meio isolado e passivo. Como con-sequência, é necessário repensar as produções comunicacionais para os meios convergentes, com características interativas ou não.

Deve-se pensar, então, como a sociedade reage diante das transforma-ções políticas, culturais e sociais trazidas pelos novos meios e como a in-dústria da comunicação deve adequar sua produção para a convergência tecnológica, tendo em vista que uma mensagem deve satisfazer diferentes características dos meios convergentes, entre os quais alguns são passivos, outros reativos e outros interativos.

No estudo dos meios interativos, cabe definir o que seja interatividade. Inicialmente pode-se dizer que a mesma advém da digitalização e conver-

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gência das mídias. Para Fragoso (2001), a interatividade era o instrumento que faltava para conferir aos receptores poderes correspondentes aos dos produtores midiáticos. Ainda segundo a autora, a aparente imprevisibilidade dos resultados de interação com estruturas interativas bem planejadas de-corre do poder quantitativo das tecnologias digitais.

Essas novas configurações midiáticas permitem que a sociedade passe por transformações não só tecnológicas, mas também transformações cul-turais, econômicas e políticas. Os computadores, através das ferramentas de redes sociais, estão alterando a rotina e o estilo de vida das pessoas. O com-putador não é mais o único mediador das novas possibilidades midiáticas. Os celulares, tablets, smartphones e outras tecnologias portáteis estão tor-nando a vida das pessoas mais fácil e rápida. Devemos aprender a configurar o uso dos novos recursos midiáticos ao nosso cotidiano.

Os conteúdos midiáticos já iniciaram o processo de migração entre as diversas mídias para nos permitir conhecer diversas plataformas tecnológi-cas e informacionais. Dessa forma, podemos nos inserir em outras culturas e sociedades, a partir da nossa imersão em narrativas virtuais ou reais.

Assim, as mudanças de paradigmas comunicacionais são infinitas e adaptativas aos diversos tipos de mídias que temos hoje. Através de uma reconfiguração das linguagens, narrativas e estruturas, poderemos desen-volver outros mecanismos de comunicação e interação na sociedade, per-

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mitindo a ampliação da rede de comunicação e informação na qual esta-mos inseridos atualmente.

Em relação à televisão, esse contexto de reconfiguração transforma a maneira de ver e fazer TV. Hoje, nós podemos usar a internet e as redes so-ciais para assistir e discutir nossos programas de TV favoritos e criar uma nova narrativa televisiva. As emissoras estão percebendo essa nova rotina dos telespectadores (usuários) e começam a testar os recursos das redes so-ciais para expandir suas produções para conquistar novos usuários para as telinhas brasileiras. Contudo, ainda de maneira incipiente e cautelosa, devi-do, supõe-se, aos compromissos mercadológicos.

Com a chegada da TV Digital e da interatividade, cria-se a possibilidade de ampliar a produção televisiva e permitir que a sociedade participe desse processo, com o apoio e a iniciativa de produções independentes para a te-levisão através da experimentação de novas linguagens audiovisuais.

Os processos de transmidiação são os que mais tem permitido aos te-lespectadores interagir com a televisão nos últimos anos possibilitando a uma grande massa conectada a TV e a internet experiências audiovisuais mais complexas. Assim, a sociedade atual está cada vez mais envolvida com os processos midiáticos disponibilizados não só através da televisão, como também da internet e dos dispositivos móveis cada vez mais comuns no co-tidiano da população (FECHINE; FIGUEIRÔA, 2011).

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Sociedade midiatizada e televisão

O desenvolvimento e a presença dos meios de comunicação trouxeram no-vas ordens para as relações sociais. De acordo com Sodré (2006, p. 21), a mídia criou uma nova esfera da vida humana, uma ambiência feita de informações, com a sociedade contemporânea regida pela midiatização, sendo esta,

[...] uma ordem de mediações socialmente realizadas no sentido da comuni-cação entendida como processo informacional, a reboque de organizações empresariais e com ênfase num tipo particular de interação – a que podería-mos chamar de “tecnointeração” – caracterizada por uma espécie de prótese tecnológica e mercadológica da realidade sensível denominada médium.

Essa discussão sobre a presença da mídia como organizadora social não é nova, a teoria da Agenda Setting mencionava o poder de inferência dos assuntos abordados nos veículos de comunicação no cotidiano do público. Ao que parece, essa relação entre mídia e público na chamada sociedade midiatizada ganha elementos novos a partir da interação possibilitada pelos avanços tecnológicos na área da comunicação, existe uma negociação en-tre emissores e receptores, superando a ideia de uma audiência passiva. Os próprios termos: emissor e receptor passam a ser questionados diante da circularidade da produção de infoentretenimento nesse novo contexto.

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Com a midiatização emergem novos comportamentos e práticas. Pau-la Sibilia (2008) foi assertiva quando intitulou seu livro de “O show do eu” para tratar das formas como o público tem se relacionado com as novas mídias e como o mercado tem se apropriado desse comportamento para produzir mais capital. De acordo com a autora, a sociedade midiatizada é fascinada pela visibilidade e transforma a rede num confessionário, ficcio-nalizando o real e naturalizando o ficcional. A tênue demarcação entre o público e o privado é rompida pela ânsia de aparecer, artistas são valoriza-dos pelo que são e não pelo que produzem anônimos viram celebridades instantâneas e os recursos tecnológicos permitem que qualquer um possa se promover na rede. A autora reforça ainda que as redes interativas uni-versalizam o direito de ser filmado, promessa que a televisão e o cinema não foram capazes de cumprir.

No tocante a televisão, os recursos interativos advindos com a digitaliza-ção podem cumprir em parte essa promessa, já que permite que o público participe da programação. Para citar alguns exemplos, as transmissões de jogos da Globo tem participação do público com perguntas e opiniões; no Big Brother Brasil, outro programa global, os telespectadores são incentiva-dos a filmarem eles próprios “curtindo” a festa do BBB, tendo a televisão ao fundo, imagens que são veiculadas durantes os intervalos. Outras formas de interação do público com a TV são pelas redes sociais.

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Estas, por sua vez, já se incorporaram ao dia a dia da população, sendo que mais de 80% dos usuários as acessam diariamente. Podemos dizer que elas são, na verdade, a relação existente entre as pessoas que utilizam os seus recursos independentemente do objetivo de uso de cada cidadão/ã. Segundo um levantamento realizado pela KPMG, intitulado Debate Digital 2013, “o Brasil está entre os líderes no consumo e na disposição para mídias sociais” (KINGHOST, 2013).

Por exemplo, muitos programas televisivos têm utilizado o Twitter para interagir com os telespectadores através de sorteios, promoções ou a co-bertura instantânea da programação televisiva. E a maioria deles também têm suas páginas no Facebook.

As redes sociais, principalmente o Twitter, têm sido bastante utilizadas como fonte para a produção de notícias pelos jornalistas. O conteúdo dis-seminado na televisão é em muitos casos filtrado dessa rede social. Assim, muitas dessas informações tem se tornado pauta para os veículos de comu-nicação tradicionais, já que estas se referem a acontecimentos do cotidiano. O Twitter é a rede social que mais cria mobilizações, oferecendo detalhes para as notícias que os jornalistas produzem.

Com o crescimento e a popularização das redes sociais na internet, elas passam cada vez mais a ser objeto de matérias em jornais de referência.

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Ainda que muitas vezes a própria rede esteja em pauta, há vezes em que o conteúdo que circula nesses espaços se torna fonte para notícias (ZAGO, 2010, p. 1-2).

É notório que a relação rede social - televisão – telespectador tem sofrido uma inversão na forma de consumo do produto televisivo devido às novas configurações midiáticas, que alteram o modo de pensar e agir de cada par-ticipante desse processo comunicacional. Temos a construção de um novo fluxo de informação que agora é transversal, pois a televisão se desloca para os dispositivos móveis, tornando-a menos doméstica e mais individualizada.

Essa sociabilidade da televisão na rede permite que as audiências colabo-rem com os conteúdos produzidos de forma coletiva, disponibilizando não mais apenas para os usuários de internet, mas também para aquelas pessoas que buscam complementar as informações recebidas pela TV ou se voltar para a televisão, a partir de uma postagem vista pelo Twitter, por exemplo.

Em entrevista ao programa “O público na TV”, da TV Brasil, Muniz Sodré (2013) declarou que as novas tecnologias não provocaram mudanças radi-cais no conteúdo televisivo porque a televisão consegue incorporar e dialo-gar com outras linguagens como a do rádio e os recursos da Internet. Outro fator depõe a favor da TV: sua mobilidade. A programação pode ser vista em diversas plataformas: celular, laptop, tablet e GPS. E em época de persona-

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lização, a TV consegue mais uma vez se reinventar oferecendo ao público a possibilidade de acompanhar a programação no horário desejado e não no disponibilizado pela grade.

Essas mudanças não afetam somente as formas de circulação, mas tam-bém de produção de conteúdo. Os produtores não sabem mais onde o pú-blico vai assistir a um determinado programa, portanto é necessário pensar na melhor qualidade da recepção de áudio e imagem. De acordo com Brittos e Bolaño (2007) agora se fala em produtos midiáticos e não mais em progra-mas de TV, visando à produção não somente para a televisão, mas também para internet, telefonia celular e outras mídias.

Um fenômeno continua garantindo lugar nas produções midiáticas da atualidade: a espetacularização. De acordo com Kellner (2006) a experiência e a vida cotidiana são moldadas e mediadas pelos espetáculos e até mesmo a produção da notícia obedece à lógica do espetáculo. Condição facilmente verificável nas coberturas televisivas de crimes que ganham grande reper-cussão. O caso do goleiro Bruno ilustra bem a situação: os principais canais de televisão abertos noticiaram desde o desaparecimento da ex-amante até a condenação do jogador, tendo o assunto permeado toda a programação, inclusive com entradas “ao vivo” em frente ao presídio e tribunal, para onde o goleiro foi levado.

Existe um investimento forte por parte das produções de introdução de

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elementos para a identificação do público. A identificação é que garantiria o interesse em acompanhar o desenrolar das histórias veiculadas. A indústria cultural, que obedece a lógica de mercado e transforma tudo em bem con-sumível e padronizado, projeta através da mídia uma realidade construída para alcançar seus objetivos e é na televisão que essa qualidade é melhor descrita, já que os recursos utilizados por esta permitem a manipulação de imagens e uma narrativa que aproxima os temas do cotidiano do público.

Considerações finais

Percebemos a partir das ideias apresentadas que a televisão está pas-sando por um processo de evolução bastante significativo e que há mui-to tempo era esperado. A sociedade tem contribuído com esse processo à medida que se torna mais ativa diante das produções audiovisuais que são disponibilizadas cotidianamente. Com a introdução de novos dispositivos tecnológicos como tablets, smartphones e laptops a TV ganhou aliados que tem favorecido bastante a difusão de conteúdo televisivo.

Agora, os telespectadores querem dialogar e interagir com os recursos multimídia que são ofertados pela televisão nos diversos dispositivos móveis numa tentativa de se tornar mais presente e visível na programação veiculada

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na TV. O desenvolvimento de novas plataformas de comunicação e interação é que tem permitido a televisão se reciclar para conseguir criar conteúdo mais diversificado para atender a um público cada vez mais segmentado.

A internet foi fundamental para abrir caminho para as tecnologias da infor-mação e comunicação chegarem a um número maior de usuários bem como promover transformações importantes nos meios de comunicação tradicio-nais que há anos necessitavam se renovar para conquistar mais telespectado-res. As mudanças continuam acontecendo lentamente principalmente para a televisão que teve como divisor de águas a digitalização tanto no setor técnico – mais avançado – quanto na produção de conteúdo com recursos interativos e narrativas não lineares – ainda em fase de experimentação.

A ponte televisão – redes sociais – telespectador tem sido fundamen-tal para a mudança de pensamento do fazer televisão, pois essas plata-formas tem exercido uma influência direta e clara na elaboração de novos produtos midiáticos. O processo de migração entre as diversas mídias modifica não só o desenvolvimento das narrativas audiovisuais, mas tam-bém o cotidiano das pessoas na medida em que estas estão cada vez mais conectadas, expondo suas vidas e colocando em debate questões de ordem política, social e cultural.

Os produtos transmidiáticos são os que mais têm proporcionado uma re-volução na maneira de fazer e ver TV porque estes permitem de fato aos teles-

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pectadores-usuários uma maior aproximação com a narrativa já que necessi-tam passar por diversas plataformas tecno-comunicacionais para acompanhar o enredo. As narrativas transmidiáticas também são responsáveis por permitir aos espectadores uma participação ativa em todo o contexto do produto.

Atualmente, a televisão aberta tem realizado algumas tentativas de in-serção do telespectador no desenvolvimento do enredo das novelas como no caso de Avenida Brasil em que a direção e os roteiristas acompanhavam diariamente as postagens feitas pelo Twitter para ir construindo a trama de acordo com algumas preferências dos telespectadores. O Jornal da Cultura tem tido sucesso com a utilização da segunda tela via tablets oferecendo a audiência informações adicionais sobre os assuntos que são discutidos no telejornal diário.

Assim, podemos afirmar que a convergência tecnológica é e continuará sendo fundamental para o desenvolvimento da comunicação na atualida-de já que aquela é capaz de fomentar a produção e difusão de informação para os mais variados tipos de plataformas garantindo a oferta de produtos midiáticos mais variados que possam atendem a infinidade de públicos seg-mentados que temos hoje.

Outro fator importante é que a mídia está presente no espaço público, propõe temas e anima discussões. Foi assim com os jornais, que foram subs-tituídos pelo rádio, este pela TV, e temos agora o surgimento da Internet e

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suas possibilidades para a comunicação. A inferência dos veículos de comu-nicação na rotina dos públicos é tema recorrente nas pesquisas da área, a novidade é a participação ativa do público na produção do que é veiculado, superando a imagem do receptor passivo, incapaz de fazer questionamen-tos, por razões técnicas e intelectuais. A primeira foi superada, a segunda ainda é motivo de contestações.

A evolução dos aparatos tecnológicos, cada vez menores e com preços mais acessíveis, cria um ambiente de imersão e de interação frenéticas. As situações rotineiras passam a ser pensadas a partir de uma lógica midiática, num processo de retroalimentação: o público da mídia e a mídia do público. No entanto, esse novo contexto não propicia a reflexividade e até incentiva o surgimento de situações inusitadas, como a busca incansável pelos cinco minutos de fama e a tendência a espetacularização dos fatos.

A anunciada morte das demais mídias com o advento da internet não aconteceu, o que vimos é uma convivência nem sempre pacífica, nem sempre tensa. É bem verdade que as antigas mídias precisaram mudar para acom-panhar o ritmo das novas e saíram ganhando com isso. A televisão - como conhecemos, outra está em pleno curso - até perdeu receita publicitária, mas tem buscando a reinvenção para garantir audiência e anunciantes. A efetivação da TV Digital será um marco importante nesse processo, já que trará para a telinha os recursos da internet.

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Em pleno curso estão às transformações nas produções do con-teúdo televisivo que agora passam a ser pensados para a veiculação em outras plataformas, resultado da forte presença das mídias portá-teis e do comportamento do telespectador, cada vez mais inclinado a fazer sua própria programação, alheia as grades dos canais de televisão. É preciso atentar para os interesses presentes em todas essas transformações.

Não podemos desconsiderar os benefícios advindos desses avanços, como as possibilidades de democratização da comunicação, rompendo a hegemonia dos polos emissores e dando voz aos excluídos das coberturas midiáticas, no entanto, o capital exerce um forte controle sobre essa reali-dade. Muitos avanços tecnológicos são demandados pelo público, mas ra-pidamente capitaneados pelo mercado para fins comerciais. A participação ativa e a interação do público, em sua grande maioria, correspondem aos interesses dos canais televisivos na tentativa de gerar mais audiência e assim conseguir poder de negociação com os anunciantes, já que telespectadores são vendidos como potenciais consumidores dos produtos anunciados du-rante a programação.

Uma mudança faz-se necessária nesse processo: a forma como os teles-pectadores são vistos. É preciso passar da configuração de meramente con-sumidores para cidadãos capazes de intervir de forma assertiva nas progra-mações. Os recursos tecnológicos estão postos, agora é preciso oportunizar

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a participação efetiva dos públicos. Pelas características que apresentam, os canais públicos de televisão devem aproveitar com mais propriedade os re-cursos interativos. Pela liberdade de discurso e o não comprometimento com o mercado e forças político-partidárias, as televisões públicos deverão ser pal-cos de interações de fato produtivas, com a geração de conhecimento, novos conteúdos, diversidade, pluralidade e não apenas a produção de uma me-talinguagem, onde os canais privados estão interessados em promover seus programas e vender seus produtos.

Referências

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COPA DO MUNDO NO BRASIL:ANÁLISE SEMIÓTICA VISUAL DE CAPAS DE REVISTAS

Liliane Calado1

Olga Tavares2

Resumo2014 é o ano da Copa do Mundo no Brasil. Diariamente observamos na mídia reporta-gens que retratam esse assunto. Muitas delas ressaltando os problemas e desafios que o país tem enfrentado para atender as exigências do Comitê Organizador do evento. Nesse artigo buscamos compreender a produção do sentido do discurso de duas ca-pas, uma da revista Veja e outra da revista ÉPOCA que evidenciam a temática Copa do Mundo no Brasil. A partir da semiótica greimasiana vamos analisar o conjunto sincrético de cada capa, visando entender a construção de sentido de cada uma delas.

Palavras-chave: Semiótica visual. Discurso. Copa do Mundo.

1 Jornalista e Relações Públicas. Mestre em Comunicação e Culturas Midiáticas Audiovisuais pela Universidade Fe-deral da Paraíba – UFPB. Pesquisadora do Grupo de Estudos de Divulgação Científica (GEDIC) – PPGC/UFPB/CNPq. Endereço eletrônico: [email protected] Doutora em Comunicação e Semiótica, pela PUC-SP. Professora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo, ambos da Universidade Federal da Paraíba. Professora do Depar-tamento de Comunicação e Turismo da mesma Universidade. Líder do Grupo de Estudos em Divulgação Científica – GEDIC/CNPq, com ênfase nos estudos de rádio e televisão. E-mail: [email protected].

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Introdução As revistas semanais brasileiras são publicações sincréticas, que trazem

em si a linguagem verbal e a visual. Este é o objeto do nosso estudo: capas das revistas Veja e ÉPOCA, que abordam as obras dos estádios de futebol em todo o país, e que apresentarão os jogos da Copa do Mundo de 2014. Essas obras são o foco desta análise que investigará a produção de sentido dos textos em questão, de acordo com a teoria semiótica greimasiana. “O sentido é definido pela Semiótica como uma rede de relações, o que quer dizer que os elementos do conteúdo só adquirem sentido por meio das re-lações estabelecidas entre eles. (PIETROFORTE, 2004, p.12)”.

Em nível semiótico, o sujeito que se destaca nas capas é a Copa do Mun-do, cujo objeto-valor se define pela finalização das obras dos estádios de futebol, onde se realizarão os jogos. Portanto, sem estádio não pode ocorrer o evento. Assim, o anti-sujeito é a lentidão com que essas obras estão sendo executadas e que pode comprometer o calendário definido pela FIFA.

Em nível sincrético, a organização do texto dá-se, neste caso das capas, quanto à grafia utilizada, disposição dos elementos figurativos, combinação cromática. As capas indicam a matéria principal e ressaltam o editorial escolhi-do. Em ambas, percebe-se que há uma tendência a desqualificar o andamento das obras nos estádios. As manchetes das capas selecionadas são estas: Veja

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(edição 2218, 25/5/2011) – “2038 – por critérios matemáticos, os estádios da Copa não ficarão prontos a tempo”; ÉPOCA (edição 781, 13/05/2013) – “Por que tudo atrasa no Brasil – o país em que nenhuma obra – da reforma do ba-nheiro aos estádios da Copa – fica pronta no prazo e no orçamento”.

O que é proposto pelo enunciador do texto, a capa, norteia as reporta-gens principais em ambas as revistas, propondo um fazer persuasivo que ins-taura um fazer-crer no espaço do enunciatário, o leitor. Como o público de publicações jornalísticas estabelece um contrato fiduciário com elas, parece que a mensagem vai ao encontro dessa insatisfação coletiva. Assim, existe um eixo temático comum que aponta para a não-eficiência do governo bra-sileiro em cumprir o cronograma de obras a realizar, para que se atenda aos anseios dos torcedores.

Destaca-se, assim, nas duas revistas, um enunciador-editor que produz o discurso que vai nortear as notícias sob modalizações que vão convencer o enunciatário-leitor a firmar esse contrato de veridicção, de modo a consolidar as afirmativas dos textos, tanto quanto os perfis editoriais das publicações.

De maneira global, podemos dizer que o regime de sentido e interação que atua como elemento orientador do fazer do discurso midiático é o regime da manipulação. No caso da mídia de informação semanal, não se pode ig-norar a questão do fazer informativo que está na base de seu modo de exis-tência e que mobiliza,de início, um fazer-crer, que coloca em jogo a adesão

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ou não do enunciatário, fundado em um fazer cognitivo recíproco de base contratual. O que está em jogo nessa relação não é, fundamentalmente, um dizer verdadeiro, mas um fazer-parecer-verdadeiro, fundado na construção de efeitos de sentido. (SILVA, 2011, p.91)

Em nível isotópico, pode-se destacar a recorrência de alguns elementos figurativos, em ambas as revistas, tais quais: o predomínio das cores verde--amarela e o capacete de obras, apontando para a produção do texto como um todo e de seus sentidos. Ou seja, há uma organização convergente nes-ses dois textos cujas estratégias discursivas produzem determinados efeitos de sentido semelhantes.

[...] a inteligência sensível da experiência visual sente o que lhe é mostra-do e, às vezes, é até mesmo levada a vivê-lo. Esses modos de sentir já vão edificando a significação, o que justifica o interesse da semiótica, não pela percepção, mas pela participação desta na construção do sentido. (OLI-VEIRA, 2005, p.113)

A realização da Copa do Mundo no Brasil, em 2014, é um mega-evento que vai dar grande visibilidade ao país. Os estádios, palcos desse espetácu-lo esportivo mundial, são os ícones das futuras performances que ali serão encenadas para sancionar este país em nível das suas competências admi-

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nistrativas, turísticas e sócio-econômicas. Em virtude disso, a cobrança das duas grandes revistas semanais brasileiras é pertinente porque traz à tona questões muito importantes do contexto nacional atual.

Em se tratando de sermos o ‘país do futebol’, faz-se mister apontar es-sas mazelas para que se discuta, em âmbito nacional, o atraso das obras e a possível tomada de posição dos responsáveis em adiantá-las e dar boas satisfações ao povo brasileiro.

A competência para um sujeito manipular o outro sujeito corresponde a um fazer desse primeiro para que o outro queira, ou seja, um querer fazer que é tomado pelo fazer fazer. Mas, para que um sujeito queira fa-zer algo e chegue a realizá-lo, é necessário que o destinador atue como manipulador, de modo que o faça crer ou saber das vantagens daquele fazer, que acredita e quer que o outro também o faça. Assim, opera-se com uma intenção de convencimento. (LANDOWSKI, 2005, apud CO-TRIM, 2011, p.3)

As revistas, portanto, utilizam-se do regime de manipulação imagética, a fim de atrair a atenção dos destinatários para a situação. Espera-se que a modalidade do querer-fazer se concretize no campo governamental para o encaminhamento mais ágil das obras dos estádios em todo o país.

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VEJA: a copa do mundo em 2038

Os textos visuais se constituem também um todo significativo. Então, a produção de sentido pressupõe uma construção discursiva pautada em elementos figurativos que vão determinar as unidades de sentido deste texto sincrético.

Um universo de discurso deve ser visto como processo de produção ou como uma microssemiótica,enquanto os textos-enunciados são vistos como pro-duto, resultante do percurso gerativo da enunciação, isto é, como resultado do fazer persuasivo de um sujeito enunciador e do fazer interpretativo de um sujeito enunciatário. Dessa maneira, evidencia-se que é em discurso que a subjetividade se constrói no percurso do sentido. (PRADOS,S/D, p.3)

A capa da revista Veja (edição 2218) apresenta, no plano de expressão, um fundo todo branco, no qual se vê em destaque um capacete de obras verde com o símbolo da Copa, onde, abaixo, uma luva de obras amarela o toca com os dedos, e entre os dois objetos, escrito em vermelho (alusão à cor do PT) o número 2038. Na parte central da capa, à direita, ao lado da luva, pouco abaixo do número está escrito “por critérios matemáticos, os estádios da Copa não ficarão prontos a tempo”, com as letras em cor preta (de um luto anunciado?). Na parte inferior à direita da capa, está uma foto-grafia do Estádio do Maracanã, o mais importante do país, em obras, com a

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seguinte legenda: “No ritmo atual, o Maracanã seria reaberto com 24 anos de atraso”, também com letras em cor preta. O nome da revista está em azul, completando, assim, as cores da bandeira nacional neste conjunto sincréti-co, com exceção da cor vermelha do número alusiva ao PT, e à cor preta das legendas. Na cabeça da capa, há chamada para mais três reportagens com duas fotografias, compondo o visual regular da revista semanal.

Figura 1 - Edição 2218, 25/5/2011

Sabe-se que a revista Veja tem sido constantemente severa com os go-vernos petistas, desde que sua ‘lula-de-mel’ (8/1/2003, edição 1784) aca-bou em 10/9/2003, com a edição 1819, “Brasilha da Fantasia”. A maioria das suas capas aponta para uma contextualização de críticas e cobranças.

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administrativas. E, quando se fala em Copa do Mundo, fala-se de um assunto nacional, sem fronteiras de nenhuma natureza. A pouco mais de 12 meses do evento, a revista faz uma panorâmica da situação das obras em todos os está-dios do país e conclui que o atraso inviabilizará a realização da Copa do Mundo.

Nilton Hernandes assim define a revista Veja (2001, p.8):

No jargão da imprensa, os leitores da revista estão na categoria dos “forma-dores de opinião”. É gente que, no trabalho, em casa, na escola ou no bar, influencia outros brasileiros com sua visão de mundo. A maneira como Veja expõe a realidade é, desse modo, reproduzida muito além dos limites de seus próprios leitores.Os valores que Veja defende e transmite são os capitalistas, neoliberais,apresentados pela revista por meio do eufemismo de “livre inicia-tiva”. Trata-se do grande filtro que impõe o que entra ou não na publicação.

Para reforçar seu discurso na grande reportagem (p.88-96), a capa utiliza figuras que remetem às obras, como o capacete, com o símbolo da Copa na sua parte da frente, e a luva que os operários usam. Os dois em verde-amare-lo, mais do que as cores principais da bandeira nacional, representam o anseio do país em sediar evento tão significativo para nosso caráter identitário, onde o futebol se integra à vida cotidiana. A revista procura ratificar isso com a ima-gem do Maracanã, considerado o maior estádio do mundo. Símbolo da gran-deza futebolística brasileira, espaço destinado a grandes momentos esporti-

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vos. O número 2038 em vermelho, a cor do PT, é onde se aponta efetivamente a crítica ao governo federal, pois o número se sobressai entre o capacete e a luva, em um indício claro de quem é a culpa desta situação. E é a única cor que não consta do conjunto de cores da bandeira nacional.

Ao incorporar valores positivos ou negativos às cores, é possível transferir tais valores a determinada informação, fato, pessoa ou entidade (partidária, empresarial, social etc.) identificada com essas cores (GUIMARÃES, 2006, p.2).

No plano de conteúdo, a capa tenta corroborar seu conjunto figurativo com frases contundentes em tom alarmista, que conjugam com a imagem do Maracanã a possibilidade de as obras só estarem concluídas em um fu-turo muito distante. O sistema de valores aqui enfatizado traz a oposição semântica realização (das obras) vs não-realização (das obras), firmada em atraso vs entrega, lentidão vs celeridade. Toda a crítica desta capa se ampara nesse plano de leitura do texto. A capa é uma unidade de sentido em que tanto a linguagem visual quanto a verbal interagem para evidenciar um fato nacional, aliando o visual figurativo cromático ao fotográfico.

Com isso, a capa mostra um poder-saber que incita ao poder-fazer, de modo a incutir uma competência para agir. A composição das imagens (capacete, luvas, Maracanã) e das cores ativa dimensões perceptivas que conclamam governo e povo-leitor. Esse enfoque midiático reitera esses

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elementos, a fim de confrontá-los com o próprio desejo do leitor-torcedor. A construção do sentido se opera, então, na manipulação do sensível con-tido nesse conjunto figurativo.

ÉPOCA: por que tudo atrasa no Brasil

As discussões sobre os estádios brasileiros da Copa do Mundo têm cha-mado a atenção de todo o país. Faltando um pouco mais de doze meses para a Copa, o que se percebe é uma desconfiança quanto ao cumprimento dos prazos finais de construção de alguns estádios, desconfiança que já existia no ano de 2011 (como se vê na capa da Veja) e que consolidou ainda mais no ano de 2013 (capa da ÉPOCA).

Figura 8 - Edição 781, 13/05/2013

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Silva (2010, p 169) nos lembra que as “as capas de revistas constituem, por excelência, construções discursivas feitas para serem vistas”. A partir des-sa afirmação, observamos que a capa da ÉPOCA traz como figura destaque uma tartaruga que carrega em seu casco um capacete de obras. A imagem por si só fala muito. A referência à tartaruga lembra o pressuposto de que ela é um animal de passos curtos e lentos. É muito comum a alusão de que ela representa vagarosidade e lentidão. Já o capacete é um dos símbolos principais da construção civil, adereço que acompanha engenheiros e ope-rários durante edificações de obras. Neste contexto, podemos afirmar que ele simboliza a construção dos estádios da Copa do Mundo. Sendo assim a tartaruga (símbolo de lentidão) carrega em seu casco as obras dos estádios brasileiros. Há uma metaforização que evidencia a lentidão da construção dos estádios e, portanto, descumprimento de prazos. A partir da leitura se-miótica das imagens tem-se estabelecidas as relações: atrasos vs cumpri-mento de prazos e lentidão vs agilidade.

Há uma reciprocidade entre a figura da tartaruga e o capacete. Essa rela-ção é consolidada mais ainda a partir da leitura do título “Por que tudo atra-sa no Brasil” e do subtítulo “O país que em nenhuma obra – da reforma do banheiro aos estádios da Copa – fica pronta no prazo e no orçamento”. Nes-ta expectativa, situa-se um contrato de comunhão entre a imagem, o título e o subtítulo, ou seja, entre o discurso visual e o verbal. Juntos eles transmi-

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tem e consolidam um discurso de insatisfação quanto à política de atrasos no cumprimento de obras no Brasil. Os estádios da Copa do Mundo são os exemplos do momento – podemos dizer, mais atuais –; mas essa política de atrasos prevalece em outras situações como bem lembra (satiriza) o subtí-tulo, utilizando os termos “tudo” “nenhuma obra” e “reforma do banheiro”. Por isso, apontamos que na relação sincrética entre visual e verbal têm-se a construção de um enunciador que se aproxima do enunciatário (leitor), ganhando sua adesão não apenas pelo que diz, mas pelo modo como diz e como metaforiza (uso da tartaruga) esse discurso.

Essa harmonia entre as imagens e os textos faz surgir o que Teixeira (2009, p. 59) chama de uma nova substância, que no caso não é só verbal, nem somente visual, mas “uma substância que integra os elementos ver-bais e visuais numa forma resultante tanto do apagamento quanto a su-perposição das qualidades próprias da cada linguagem mobilizada”.

Ainda dentro deste contexto, outro ponto de análise é a posição da fi-gura principal (tartaruga) na conjuntura da capa, suas patas traseiras não demonstram movimento, estão em situação de inércia e “sua barriga” (parte de baixo do animal) está encostada no chão, o que comprova a sensação de não-movimento, ou seja, sua posição demonstra estagnação. Essa posição corrobora com o pensamento de que as obras no Brasil “não andam”, mui-tas vezes, estão estagnadas, o que pressupõe atrasos nos prazos. Assim, a

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presença da tartaruga e sua posição de inércia na capa “fecham” o percurso narrativo: a tartaruga com sua inerente lentidão “carrega” obras brasileiras, que “não andam”, permanecem inertes e atrasadas.

No nível discursivo da capa em análise, nota-se a formatação de um discur-so crítico que permeia uma insatisfação quanto aos atrasos, um descontenta-mento generalizado (que vai além das obras dos estádios da Copa do Mundo). Ao mencionar no texto verbal (título) a expressão “o país” nota-se que esse des-contentamento se relaciona a quem governa o Brasil. O sincretismo da capa da ÉPOCA evidencia um discurso desfavorável a esses atrasos, ironizando que os mesmos acontecem e se repetem sempre e em várias circunstâncias.

Cumprindo o papel de manipulador, o enunciador persuade o enunciatá-rio a crer na verdade do seu discurso, direcionando a sua interpretação. Ao mesmo tempo, porém, submete-se ao enunciatário, subordinando suas es-colhas à representação que dele é construída no texto. As relações que se estabelecem entre essas duas instâncias da enunciação tornam-se possíveis através da instauração de um contrato de veridicção, determinado por um conjunto de referências contextuais e situacionais necessariamente inscritas no discurso (GOMES; MANCINI, 2009, p. 7).

As cores são formas importantes de representação em um discurso identitário. O verde e o amarelo são simbólicos quando se remete ao Brasil, pois são as cores mais emblemáticas da bandeira. Então, a capa da

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ÉPOCA traz como cores principais o verde, amarelo, azul e branco. O verde permeia toda a capa, assim como é na bandeira brasileira, seu uso con-trasta com a figura da tartaruga que se localiza na parte inferior da capa, e também com o título e subtítulo.

O amarelo está presente no capacete e nas letras da palavra ÉPOCA. Vale lembrar que a marca identitária da ÉPOCA possui as cores vermelho e preto. Essa mudança (troca) de cores na marca nessa capa tem como objetivo cha-mar a atenção do leitor, de mostrar que a ÉPOCA está junto ao povo brasi-leiro, que “veste” as cores verde e amarelo para denunciar a insatisfação no descumprimento das obras da Copa.

A cor branca foi utilizada no título e subtítulo e o azul no globo que faz a letra “O” do nome da revista. Essa composição cromática e topológica refor-ça o apelo da revista em apreender os sentidos do leitor, através dos símbo-los da pátria para convergir ao fato em questão – as obras da Copa – que se refere a um assunto muito caro à “pátria de chuteiras”. A utilização das cores da bandeira brasileira na capa provoca a identificação do leitor com valores que fazem parte de seu dia a dia.

A capa da ÉPOCA sinaliza uma construção sincrética que valoriza a arti-culação entre figuras comuns a realidade do povo brasileiro, como a tarta-ruga, o capacete e as cores da bandeira.

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Considerações finais

Faltando um pouco mais de um ano para o início dos jogos, já aconteceu a entrega do estádio Arena Fonte Nova, em Salvador, do Mineirão, em Belo Horizonte, do Castelão, em Fortaleza, do Maracanã, no Rio, do Mané Gar-rincha, em Brasília, e do Arena Pernambuco, em Recife. Há outros seis com as obras atrasadas. Segundo o ministro dos Esportes, Aldo Rabelo, estes serão entregues até dezembro deste ano: “Nós temos, nos estádios, um cro-nograma seguro de entrega antecipada da infraestrutura fundamental para a Copa de 2014” (PORTAL2014, 2013).

A entrega desses seis estádios, em 2013, foi uma exigência para a realiza-ção da Copa das Confederações, que ocorre a cada 4 anos, um ano antes da Copa do Mundo, cujos participantes são os seis campeões continentais mais o país-sede e o campeão mundial, perfazendo um total de oito países. A 9ª edição do evento será realizado de 15 a 30 de junho, nas cidades em que os estádios estão prontos.

De uma certa forma, a cobrança da imprensa brasileira apontada nas duas revistas analisadas confirma o clima de expectativa negativa, já que a entrega dos estádios ocorreu praticamente às vésperas da Copa das Confe-derações. O Maracanã, no Rio, o ícone dos estádios brasileiros, por exemplo, está inacabado: “Moderno, mas ainda inacabado, o novo Maracanã esconde

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problemas em reabertura às pressas” (MSNESPORTES, 2013); “Maracanã re-abre com luz, emoção e pequenos problemas estruturais” (GLOBOESPORTE, 2013). E a insatisfação se estende aos outros: “Estádios da Copa das Confe-derações são entregues encarecidos e com problemas” (GAZETA DO POVO, 2013); “Governador da Bahia minimiza problemas na Fonte Nova e critica Engenhão” (UOL, 2013); “Em visita, Fifa e Col tentam corrigir problemas do Mineirão” (TERRA, 2013).

Esses textos visuais, como objeto de significação, mostram uma situação que se tornou preocupação nacional. É uma pauta constante do noticiário no país. Os efeitos de sentido produzidos nessas capas das revistas analisa-das explicitam os valores discursivos propostos que estarão contidos no bojo da matéria central, sem que a ela tenha sido preciso recorrer. Ao contrário, os conjuntos figurativos das capas, por si só, constituem as condições de pro-dução de sentido do texto como um todo. Segundo Farias (2005, p.250), “a figurativização é um procedimento que, em seu grau máximo, atribui traços sensoriais ao texto, ou seja, é um recurso que confere concretude ao texto”.

O estatuto semiótico se opera, então, no sincretismo observado nas ca-pas das revistas semanais em questão, estabelecendo a relação semi-simbó-lica entre os textos que confirma a semelhança discursiva entras elas.

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Referências

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ção de Mestrado. São Paulo: PPGL-FFLCH/USP, 2001.LANDOWSKI, E. Les interactions risquées. Nouveaux Actes Sémiotiques, n° 101-103, Li-moges: Pulim, 2005.MSN ESPORTES. Moderno, mas ainda inacabado, novo Maracanã esconde problemas em reabertura às pressas. 28/4/2013. Disponível em: <http://esportes.br.msn.com/futebol/moderno-mas-ainda-inacabado-novo-maracan%c3%a3-esconde-problemas-em-rea-bertura-%c3%a0s-pressas>. Acesso em: 12 mai. 2013.OLIVEIRA, Ana C. M. A. Visualidade, entre significação sensível e inteligível. Revista Edu-cação e Realidade, v. 30, n. 2. Porto Alegre: jul-dez 2005, p.107-122. Disponível em: <http://educa.fcc.org.br/scielo.php?pid=S0100-31432005000200008&script=sci_art-text>. Acesso em: 10 out. 2012.PIETROFORTE, Antonio V. Semiótica visual: os percursos do olhar. São Paulo: Contexto, 2004.PORTAL 2014. Estádios da Copa 2014 têm mais de 50% das obras prontas, diz ministro. 11/4/2013. Disponível em:< http://www.portal2014.org.br/noticias/11585/ESTADIOS+-DA+ COPA+2014+TEM+MAIS+DE+50+DAS+OBRAS+PRONTAS+DIZ+MINISTRO.html>. Acesso em: 20 mai. 2013.PRADOS, Rosália M. N. Linguagens na contemporaneidade e diferentes leituras: abor-dagem sociossemiótica. Disponível em: <www.filologia.org.br/ixfelin/trabalhos/pdf/41.pdf>, S/D. Acesso em: 10 de out. de 2012.SILVA, Simone B. Regimes de sentido e interação na construção do corpo na mídia se-

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MOVIMENTOS SOCIAIS NA AMAZÔNIA:CIBERATIVISMO E LUTA ATRAVÉS DA REDE

Lucas Milhomens Fonseca1

ResumoO presente trabalho visa analisar um fenômeno relativamente recente na maior por-ção de terra do Brasil: o ciberativismo praticado na Amazônia. Ou seja, como se deu/da a apropriação e uso das Novas Tecnologias de Informação e Comunicação (NTI-Cs) - também chamadas de mídias digitais -, por moradores/entidades/movimentos sociais desta continental, complexa e vasta área. Para tanto delimitamos nosso estu-do em análise qualitativa de exemplos que consideramos importantes expressões de militância (seja ela política, social, educacional, cultural ou ecológica) feita através da rede mundial de computadores. Verificamos que o ciberativismo na Amazônia, como todo ato de militância, é resultado de uma insatisfação ou necessidade de expressão individual ou coletiva, com o intuito de dar visibilidade de algum tipo de causa. É o que Castells (2001) chama de “poder da identidade”, onde há uma reorganização so-cial plasmada por interesses comuns, muitas vezes relacionados a tradições culturais e/ou étnicas e que por sua vez promovem resistência à dominação do Establishment e de sua visão democrática tradicional.Palavras-Chave: Movimentos Sociais. Amazônia. Ciberativismo.1 Professor Assistente e Coordenador do Curso de Comunicação (Jornalismo) da Universidade Federal do Amazonas - UFAM. Mestre em Comunicação e Culturas Midiáticas Audiovisuais, pela Universidade Federal da Paraíba – UFPB. Endereço eletrônico: [email protected]

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Introdução

Morar na Amazônia há quase três anos nos dá algumas oportunidades e uma perspectiva singular. ‘Oportunidades’ porque atuando no meio acadê-mico podemos analisar questões que em outros espaços (geográficos e polí-ticos) seriam consideravelmente difíceis. E uma ‘perspectiva singular’ porque a partir deste ponto de vista – ao qual nos encontramos e nos propomos a estudar – podemos observar fenômenos específicos da Região, muitos deles desafiadores do ponto de vista conceitual, prático e exequível. Con-ceitual porque a escassez de conteúdo produzido sobre as mídias digitais na Amazônia e sua utilização aponta um longo caminho analítico a percor-rer; prático porque tal fenômeno, a partir de nossos apontamentos, acaba materializando-se em ações e exemplos concretos que carecem de ampla aferição; e exequível porque pesquisar na Amazônia é tarefa homérica, haja vista sua singularidade sociocultural, dimensões continentais e contradições políticas, técnicas e econômicas.

Dito isto, a presente pesquisa visa abordar um fenômeno contemporâneo intrinsecamente ligado ao que Castells (1999) chama de “Sociedade da Infor-mação”, configurado no bojo da utilização das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) para a prática social, econômica, cultural e política das sociedades do início do século XXI. Nosso objetivo geral com esse artigo é

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apontar tal fenômeno caracterizado como ciberativismo. O ativismo/militância feita através da internet e de seus recursos comunicacionais e de articulação disponíveis. Na sequência, nosso objetivo específico foi apresentar a prática ciberativista na Amazônia. Enumerando alguns de seus atores e exemplos que consideramos neste momento mais expressivos. Metodologicamente fizemos uma revisão bibliográfica do arcabouço teórico produzido sobre o ativismo digital e posteriormente uma breve apresentação conceitual sobre o que é Amazônia e sua diversidade. Foram realizadas entrevistas para a obtenção de informações sobre a prática do ciberativismo as quais foram analisadas a partir das referências já mencionadas. Cabe-nos dizer ainda que este artigo não é uma reflexão acabada, pronta e engessada. Mas o primeiro passo feito por nós para uma compreensão da temática abordada. Reconhecemos, desse modo, suas limitações iniciais e trabalharemos no intuito de superá-las.

Amazônia, um continente de recursos naturais e humanos

A Amazônia brasileira é uma Região que cobre cerca de 50% do territó-rio nacional, com aproximadamente 5.217.423 km², percorre nove estados brasileiros, em sua maioria localizados na Região Norte do Brasil, tendo em menor proporção trechos no Nordeste e Centro-Oeste. Também é conheci-

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da como Amazônia Legal2 dentro do País. É apontada por inúmeros espe-cialistas de várias áreas do conhecimento científico como a floresta tropical úmida onde se encontra a maior fonte de biodiversidade (fauna, flora, águas e minerais) do planeta Terra. Um gigantesco e complexo ecossistema3, por consequência uma das regiões mais importantes do mundo no que se refe-re a seus recursos naturais e singularidades etnico-culturais. É neste espaço geográfico que se encontra a maior quantidade de vegetação, água doce, minérios e seres vivos por metro quadrado, diz-se que uma em cada dez es-pécies conhecidas no planeta pertence à Amazônia4.

2 O termo “Amazônia Legal” foi definido a partir da criação da Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), em 1966.3 Conjunto das relações de interdependência, reguladas por condições físicas, químicas e biológicas, que os seres vivos estabelecem entre si e também com o meio ambiente em que habitam. Disponível em: <http://www.priberam.pt/dlpo/>. Acesso em 08 de agosto de 2012.4 Disponível em: <http://www.biblioteca.ifc-camboriu.edu.br/criacac/tiki-index.php?page=BIOMA+AMAZ%D4NIA+--+TH11>. Acesso em: 08 de agosto de 2012.

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Figura 01 – Amazônia Legal

Fonte: <http://www.google.com>

É também nesta Região que está localizado o maior rio do mundo, o Rio Amazonas. Um “Rio-mar” que nasce na Cordilheira dos Andes e deságua no Oceano Atlântico entre os estados do Amapá e Pará – neste último atraves-sando o arquipélago do Marajó para desaguar no mar –, formado por uma bacia hidrográfica de aproximadamente 7 milhões de metros quadrados e com mais de 6.600 km de extensão, são centenas de rios menores, riachos, lagoas, igarapés5 etc. A ênfase dada neste momento ao “Grande Rio” está di-5 “Igara”, significa “canoa”; “pé”, significa “caminho”. Portanto, Igarapé significa “caminho da canoa” ou seja, um pe-

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retamente relacionada ao modo de vida das populações da Amazônia, sim-bioticamente conectada ao rio. É o que o autor regionalista Leandro Tocan-tins (2001) denomina em sua clássica obra o “Rio que Comanda a Vida”:

O rio unido ao homem, em associação quase mística, o que pode compor-tar a transposição da máxima de Heródoto para os condados amazônicos, onde a vida chega a ser, até certo ponto, uma dádiva do rio, e a água uma espécie de fiador dos destinos humanos. Veias do sangue da planície, ca-minho natural dos descobridores, farnel do pobre e do rico, determinante das temperaturas e dos fenômenos atmosféricos, amados, odiados, louva-dos, amaldiçoados, os rios são a fonte perene do progresso, pois sem ele o vale se estiolaria no vazio inexpressivo dos desertos. Esses oásis fabulosos tornaram possível a conquista da terra e asseguraram a presença humana, embelezaram a paisagem, fazem girar a civilização - comandam a vida no anfiteatro amazônico. (TOCANTINS, 2001, p.278)

Os rios na Amazônia são as “estradas aquáticas” que transportam as ri-quezas da Região. Riquezas estas que perpassam a geografia física e huma-na da floresta e seus moradores. São nos leitos desses rios que escorrem em embarcações pequenas, grandes, precárias, antigas ou modernas as histó-rias de luta de vários povos. Dos politizados indígenas do Alto Rio Negro na

queno rio, um riacho por onde passa somente canoas. Disponível em: <http://www.dicionarioinformal.com.br/igara-p%C3%A9/>. Acesso em: 08 de ago. de 2012.

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Cabeça do Cachorro6, navegando pela imensidão do caudaloso e barrento Rio Madeira ao Sul do Amazonas, passando, mais ao Centro-Oeste, pelas ini-gualáveis paisagens do Rio Tocantins e Araguaia até chegar as belas praias de águas verdes do Rio Tapajós que, em contato com o gigantismo cor de terra do Rio Amazonas ajuda-o a precipitar, ao final de seu curso e em sua foz, a erupção doce oceânica chamada de Pororoca7.

Povos da floresta

Como mencionamos anteriormente não é possível dizer que a Amazônia é um espaço sociocultural homogêneo. Sua diversidade ambiental acaba, de certo modo, encobrindo a grande pluralidade de seus moradores. Diversida-de esta expressa nas centenas de etnias indígenas (e milenares) distribuídas ao longo de seu território, na presença de brasileiros de outras regiões que imigraram para o imenso tapete verde em busca de melhores condições de vida e subsistência, com especial deferência aos nordestinos, principalmente os nascidos no estado do Ceará8, na formação sociocultural do personagem 6 Região ao Norte do Estado do Amazonas que tem um formato geográfico da cabeça de um cachorro, por isso seu nome.7 Pororoca é o fenômeno provocado na foz do Rio Amazonas quando o mesmo se encontra com o Oceano Atlântico.8 A presença dos os cearenses na formação sociocultural da Amazônia é destacada por sua numerosa e importante contribuição nos processos migratórios gerados a partir dos dois grandes ciclos de produção da borracha na Região.

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conhecido na região como “caboclo” - a mistura primeira do branco com o índio e que hoje é encontrado nas faces anônimos das populações das grandes e pequenas cidades –, e, ao longo do século XX, uma considerável presença de outras nacionalidades como japoneses, árabes e judeus. É im-portante ressaltar que este processo de colonização foi provocado, como explica Freitas (2009) por inúmeros projetos estatais e privados aplicados ao longo do último século na Amazônia. Estes, para o bem e para o mal, mol-daram a formação humana e econômica da Região.

As populações contemporâneas da Amazônia são compostas de grupos sociais urbanos e rurais heterogêneos do ponto de vista da situação eco-nômica; de sociedades e comunidades indígenas de distintos e diversos modos de adaptação e articulação histórico-cultural; de grupos isolados remanescentes de fricção interétnicas e de arranjos próprios de sobrevi-vência com a sociedade nacional; e, ainda, de grupos e contingentes po-pulacionais deslocados para a região por mecanismos governamentais ou promovidas por fluxos de exploração econômica ou reajustes institucionais na Amazônia (FREITAS, 2009, p.23-24)

Um exemplo de projeto governamental mal sucedido foi o Plano de In-tegração Nacional (PIN)9 gestado pelo Governo Militar nos anos 70 do sécu-

9 Disponível em: <http://www.inicepg.univap.br/cd/INIC_2006/epg/06/EPG00000473_ok.pdf>. Acesso em 10 de agosto de 2012.

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lo passado para levar “homens sem terra para uma terra sem homens”10 na Amazônia brasileira. O referido plano além de incentivar um nacionalismo de cunho ufanista, popularizou a rodovia Transamazônica, pensada como forma de integrar a região longínqua das florestas com o restante do Brasil e que ao longo de sua construção mostrou-se inviável não somente pelas dificuldades infraestruturais para sua conclusão mas, sobretudo, porque a mesma além de ser construída no meio da floresta (portanto, derrubando milhares de quilô-metros de vegetação primária) tinha previsão de passagem em quase 30 co-munidades indígenas, muitas delas com pouquíssimo (ou nenhum) contato com o homem branco. Um desenvolvimentismo militar que gerou como he-rança para os dias atuais, várias cidades da Região com grandes comunidades de imigrantes do Sul do País, principalmente do Paraná e Rio Grande de Sul, populações estas incentivadas à época a deixarem seu estado para “povoar a Amazônia” e, findo o plano governamental, assentarem raízes na nova terra.

Como podemos verificar são vários os “povos da floresta”, de origens e culturas diversas. No decorrer de nossa pesquisa fizemos a seguinte in-dagação teórica para posteriores reflexões: é possível que moradores de grandes metrópoles localizadas na Amazônia possam ser considerados ‘povos da floresta’? A pergunta dá-se ao fato de que somente as duas ca-pitais mais populosas da região (Manaus e Belém) possuem, juntas, quase

10 Slogan do Plano de Integração Nacional que visava incentivar o povoamento da Amazônia.

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4 milhões de habitantes11. Pensando geográfica e logicamente, após a flo-resta de concreto há, sem dúvida, a vegetação amazônica, e no caso das duas cidades citadas, as características da região perpassam e delimitam toda a lógica estrutural da cidade.

É a gastronomia riquíssima e suas especiarias alquímicas presentes nas inúmeras feiras de produtores e em redes de supermercados conhecidos nacional e internacionalmente, a estrutura física da hidrografia representada pelos pequenos rios, cachoeiras e igarapés que definem aonde foi ou será construído o conjunto de prédios, ruas e/ou a avenidas, o bosque e a vege-tação que fazem parte da paisagem habitual do transeunte, os rios gigantes que margeiam e escoam a economia e a cultura da cidade e, claro, a fauna que volta e meia entra em contato com o cidadão e a urbanidade da metró-pole, muitas vezes de maneira abrupta12. Mas somente estes aspectos não são suficientes para classificar um povo como o “da floresta”. Avaliamos que para que esse conceito seja melhor explicado é necessária uma relação dos moradores das grandes cidades da Amazônia (de pelo menos parte deste contingente) com os aspectos culturais, sociais e políticos da região. Para tanto uma das primeiras personalidades a usar a expressão ‘Povos da Flo-resta’ foi o líder político Chico Mendes, assassinado em dezembro de 1988

11 Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home>. Acesso em 10 de agosto de 20012.12 Referimo-nos neste caso as centenas de milhares de animais silvestres que acabam entrando em contato com a cidade.

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por lutar pelo direito dos seringueiros extrativistas contra os interesses de fazendeiros/latifundiários na cidade de Xapuri, estado do Acre.

Quando liderou o Encontro Nacional dos Seringueiros, em 1985, a luta dos seringueiros começou a ganhar repercussão nacional e internacional. Sua proposta de “União dos Povos da Floresta”, apresentada na ocasião, preten-dia unir os interesses de índios e seringueiros em defesa da floresta amazô-nica. Seu projeto incluía a criação de reservas extrativistas para preservar as áreas indígenas e a floresta, e a garantia de reforma agrária para beneficiar os seringueiros. Transformado em símbolo da luta para defender a Amazô-nia e os povos da floresta, Chico Mendes recebeu a visita de membros da Unep (órgão do meio ambiente ligado à “ Organização das Nações Uni-das”), em Xapuri, em 1987. Lá, os inspetores viram a devastação da floresta e a expulsão dos seringueiros, tudo feito com dinheiro de projetos finan-ciados por bancos internacionais. Logo em seguida, o ambientalista e líder sindical foi convidado a fazer essas denúncias no Congresso norte-ameri-cano. O resultado dessa viagem a Washington foi imediato: em um mês, os financiamentos aos projetos de destruição da floresta foram suspensos. Chico foi acusado na imprensa por fazendeiros e políticos de prejudicar o “progresso do Estado do Acre” [...] (Portal UOL. Disponível em: <http://edu-cacao.uol.com.br/biografias/chico-mendes.jhtm>).

Hoje Chico Mendes inspira vários ativistas da floresta (e fora dela), sua luta é um símbolo de resistência e compromisso social com as populações tradicio-

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nais e indígenas. Luta essa que se materializa nas centenas de movimentos so-ciais que atuam na Amazônia no sentido de transformá-la em um espaço mais democrático, dando voz e visibilidade a essas populações, outrora e hoje ainda marginalizadas, que permanecem resistindo e lutando por seus direitos. Foi a voz dele uma das primeiras a ecoarem falando da necessidade de se trabalhar no seio da floresta, ao mesmo tempo usufruindo de suas benesses e preservan-do seus recursos naturais, protagonizando uma postura de resistência ao que Paula e Silva (2008) chamam de luta contra o avanço capitalista na Amazônia.

O conjunto de políticas implementadas pela ditadura militar no sentido de “integrar” a Amazônia ao “desenvolvimento” do pais, mormente aquelas voltadas para implementação de grandes projetos na área de mineração e siderurgia, pecuária extensiva de corte, exploração florestal madeireira e toda implantação de infraestrutura a eles associados, como energia, trans-porte e comunicação, produziu, em pouco mais de uma década, impactos brutais sobre a vida das populações locais e o meio ambiente em geral. Na esteira dessa marcha destrutiva rumo a Amazônia, vão se reconfigurando as inúmeras formas de resistência que marcam a trajetória das populações dessa região desde a chegada do colonizador europeu em fins do século XVI. Diante de uma monumental escala de intervenção territorial que atin-ge simultaneamente populações indígenas e camponesas diversas, estas passam a buscar formas de enfrentamento correspondentes as necessida-des de sobrevivência. A percepção endógena dessa situação acaba se con-fluindo, ainda que provisoriamente, com os influxos externos de diferentes

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sujeitos e atores sociais que passam a se fazer presentes para “organizar” as diferentes lutas de resistência (PAULA; SILVA, 2008, p. 4).

Estes mesmos autores afirmam que a presença de vários movimentos so-ciais na região e a do próprio Chico Mendes foi gestada por uma série de iniciativas governamentais que ao invés de melhorar a qualidade de vida dos moradores da região, sufocava e oprimia, fazendo com que os mesmos pro-curassem formas de resistir e lutar por seus direitos.

Da cabanagem ao digital – Os desafios estruturais do ciberativismo na amazônia

A Amazônia como já refletimos anteriormente é terra de imensas rique-zas naturais e diversidade humana e cultural. A região, deixada de lado pelas autoridades nacionais durante séculos foi palco de inúmeros episódios que marcaram a história brasileira. Um desses “episódios” históricos ficou conhe-cido como “Cabanagem”, termo singular e ainda condizente com a realidade muitas vezes antagônica vivida pelos povos da floresta. A expressão que faz alusão as cabanas, palhoças ou moradias precárias das populações pobres da antiga Província do Grão-Pará13, diz respeito a uma das revoltas populares mais importantes do Brasil, liderada por mestiços, negros e indígenas nos idos de 13 A Província do Grão-Pará foi a maior unidade das antigas regiões do Brasil Império. Compreendia à época quase a totalidade da Amazônia brasileira, passando pelos estados do Pará, Amazonas, Amapá, Roraima e Acre.

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1835. Os quais governaram por pelos menos 10 meses (em oposição a opres-são do Império Brasileiro) a referida Província, colocando como protagonistas revolucionários os párias da Amazônia exótica e esquecida pelas autoridades da época. Para Ricci (2006) a Cabanagem foi uma revolta política e social que reverberou em todo o País, fazendo com que as autoridades imperiais tomas-sem as medidas necessárias (e violentas) para conter a revolta que desafiava o status quo e toda a relação de poder exercida pelo Império Brasileiro para com os seus subordinados, deixando sua herança para a antologia dos povos oprimidos que de alguma maneira ousam resistir e lutar.

Os cabanos e suas lideranças vislumbravam outras perspectivas políticas e sociais [...] Este sentimento fazia surgir no interior da Amazônia uma identi-dade comum entre povos de etnias e culturas diferentes. Indígenas, negros de origem africana e mestiços perceberam lutas e problemas em comum. Esta identidade se assentava no ódio ao mandonismo branco e português e na luta por direitos e liberdades […] Caio Prado Júnior, de maneira precurso-ra, atribuía aos cabanos da Amazônia do século XIX a prerrogativa de terem sido os únicos revolucionários populares e partidários de ideais libertários que conseguiram tomar o poder […] Os cabanos tornaram-se exemplos de rebeldes primitivos. (RICCI, 2006, p.8-9).

Fazendo alusão direta ao movimento cabano revolucionário e transplan-tando-o para os dias de hoje, o objeto central desta pesquisa (ainda em sua

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fase inicial) é compreender, como alguns movimentos sociais, pessoas e orga-nizações na Amazônia praticam a militância digital ou o ciberativismo, apre-sentando suas peculiaridades e desafios. Para tanto o conceito de ciberativis-mo deve ser revisitado e exposto, caracterizando-se, como aponta Milhomens (2009) na utilização de tecnologias digitais ou de informação e comunicação (TICs) para a mobilização e enfrentamento político, social e/ou cultural.

O ciberativismo surgiu após a popularização da Internet através da Web, no início dos anos 90 do século XX […] A rapidez, articulação e velocidade que as informações levam para chegar a todo o planeta despertou a atenção e interesse de inúmeros setores da sociedade, incluindo aí os militantes dos vários campos de atuação. Estes mesmos setores começaram a fazer uso dessa nova tecnologia comunicacional e, enfim, criaram o termo ciberati-vismo. Ou seja, a militância exercida através das tecnologias digitais e da Internet, presentes no mundo ciberespacial (MILHOMENS, 2009, p. 65)

Quando falamos em militância digital na Amazônia o contexto político e infraestrutural não pode ser igualado ao de outras localidades brasileiras. Referimo-nos, antes de qualquer exemplo de atuação militante, as tardias e ineficientes políticas de inclusão digital para a Região. Oferecidas (ou não) pelo Estado e pelas empresas privadas de telecomunicações. É um raciocínio simples e sintomático que diz respeito não só aos ativistas amazônicos, mas

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a todos os que precisam utilizar os serviços da rede mundial de computado-res (ou seja, a maioria da população): a “banda larga”14 ainda não chegou de fato para a maioria da Amazônia.

Sabemos que para a utilização das TICs e de uma navegação que possa ser considerada eficiente (fazer downloads, uploads, assistir vídeos online, com-partilhar arquivos etc.) é necessário que a mesma seja em alta velocidade. E para que se tenha essa velocidade de conexão “rápida” é necessário uma infra-estrutura telecomunicacional considerável. Historicamente o Norte do país é a região que menos possui cobertura de telecomunicações, leia-se serviços de telefonia fixa, celular, fibra óptica e acesso a internet. A deficiência deve-se ao fato da ideia de alto custo tecnológico de investimentos para a consolidação do setor na região. Argumento este apresentado, sobretudo, pelas empresas privadas de telecomunicações que atuam na Amazônia com a autorização do Governo Federal e da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).

Estudos recentes mostram que o público interessado no acesso à inter-net na Amazônia é cada vez maior, seja ele através de conexão gratuita (via projetos públicos de inclusão digital) ou de pacotes pagos de serviços via empresas privadas. Segundo Santanna (2010) em artigo publicado no rela-

14 A terminologia pode ter várias interpretações, adotamos a que diz que é a conexão à internet que possui velocida-de superior à de 56 kbps (kilo/mil bit’s por segundo). Disponível em: <http://www.babooforum.com.br/forum/index.php?/topic/85201-voce-sabe-o-que-e-internet-de-banda-larga/>. Acesso em: 14 de agosto de 2012.

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tório do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGIBR)15, com a ascensão e o aumento do poder aquisitivo da população considerada de “Classe C”, a de-manda por conexão aumentou, mas a oferta da ampliação e popularização da banda larga, não. Fazendo com que a penetração da internet seja a pior do Brasil com apenas 8% de abrangência em relação a seus moradores.

O mercado ignorou a entrada de cerca de 30 milhões de pessoas na Classe C, o que ampliou ainda mais a demanda por conexão e expôs a dificuldade das atuais operadoras em inovar seu modelo de negócios […] Nos estados da região Norte, a situação é ainda pior: a penetração cai para 8%. O percentual de conectividade de estados como Amapá, Pará e Roraima corresponde a 4,18%, 5,99% e 5,28%, respectivamente (SANTANNA, 2010, p.57-58).

Tendo em vista a parca presença de políticas públicas do setor (não só no Norte, mas em todo o país), o Governo Federal lançou em 2010 o Plano Nacional de Banda Larga (PNBL)16, visando levar internet de alta velocidade a 40 milhões de domicílios em todo o Brasil até 2014. Tal medida, colocada em prática e efetivada, seria a solução para os problemas infraestruturais re-lacionados as telecomunicações na Amazônia.

Ao analisar o PNBL e verificar seu cronograma de ações, verificamos que o 15 Disponível em: <http://www.cgi.br/publicacoes/index.htm>. Acesso em 14 de agosto de 2012.16 Disponível em: <http://www4.planalto.gov.br/brasilconectado/forum-brasil-conectado/documentos/3ofbc/docu-mento-base-do-programa -nacional-de-banda-larga>. Acesso em 28 de março de 2012.

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mesmo dificilmente conseguirá cumprir sua meta de universalizar a internet no Brasil até 2014. Avaliamos que ela é inverossímil se comparada com a realida-de e execução do PNBL atualmente. Por conta da insegurança e possibilidade do não cumprimento do referido Plano, tendo em vista a necessidade cada vez maior da utilização dos recursos advindos de um sistema de telecomunicações eficiente na região, vários setores (da sociedade civil e institucionais) se mani-festaram incomodados com a situação da internet na região Norte e Amazônia.

A desigualdade do acesso à internet entre as regiões brasileiras, especial-mente quando se compara a Região Norte com as demais, levou a senadora Ângela Portela (PT-RR) a solicitar a realização de uma audiência pública na manhã desta quarta-feira (21/03/12) na Comissão de Ciência e Tecnologia (CCT). Segundo a parlamentar, a região Amazônia vive hoje uma situação de “pura exclusão digital” [...] O secretário executivo do Ministério das Comuni-cações, Cezar Alvarez, admitiu que a região amazônica tinha ficado de fora do projeto inicial do PNBL, mas a pressão da sociedade provocou mudanças na plataforma [...] A senadora disse que reconhecia o esforço do Ministério em tentar levar internet para região, mas cobrou a criação de mecanismos que obriguem as operadoras a cumprir metas mais audaciosas [..] o maior entrave na efetivação do PNBL no Norte é a falta de infraestrutura. A mesma ideia foi compartilhada pelo presidente da Telebras, Caio Bonilha, que ressal-tou a dificuldade de adequar os preços das obras empreendidas nos lugares mais longevos da região amazônica (PTNOSENADO, 2012).

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Só na segunda metade dos anos 2000 é que podemos enumerar as pri-meiras iniciativas de utilização da banda larga (que diga-se de passagem, com velocidade consideravelmente inferior ao restante do Brasil) na Amazô-nia. De acordo com dados do IBGE, até 2008 somente 20% da população da Região Norte tinha internet banda larga. Isso traz consequências para todo o tipo de inserção em redes sociais, sites, blogs etc., principalmente no que diz respeito à frequência de participação das pessoas dentro dessas redes. Segundo Malini (2009) essa conjuntura interferiu diretamente na relação dos moradores da região Norte com a produção e desenvolvimento de conteú-do na rede mundial de computadores.

No que se refere aos blogs, a periodicidade dos posts depende diretamente da possibilidade de acesso das pessoas à internet […] A utilização do blog como instrumento de comunicação é recente na região norte do país, cerca de 87(%) dos blogs pesquisados datam sua primeira postagem do período de 2007 a 2009. Esses dados são indicadores de características típicas dessa região, como o atraso tecnológico em relação às demais regiões brasileiras, a deficiência em infraestrutura e a falta de investimentos em políticas públi-cas, principalmente as voltadas para a inclusão digital. Como resultado de tal problemática temos a aquisição tardia do uso do blog como dispositivo de comunicação nessa região e o acesso limitado a pequenos grupos so-ciais […] o Amapá apresenta aspectos que apontam claramente as deficiên-cias existentes nesta região. Em suas principais cidades, Macapá e Santana,

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o serviço de internet carece de recursos tecnológicos mais avançados, a utilização da banda larga é recente, sendo o estado uma das últimas locali-dades no país a dispor desse serviço. Como forma de crítica a essa situação, alguns blogueiros fazem uso dos termos “cipónet” e “intermerda” quando se referem ao nível dos provedores de internet existentes na região (MAR-TINS; POMPERMAIER; LOYOLA; MARTINUZZO; MALINI, 2009, p.6-7-10).

Tal anacronismo inviabilizou/inviabiliza grande parte da participação mais efetiva da sociedade amazônica junto as novas mídias digitais e, por conseguinte, na militância exercida através do ciberespaço. Os atores que mencionaremos ao longo deste trabalho, por exemplo, começaram sua mili-tância digital no final da primeira década dos anos 2000. Ou seja, cronologia condizente com os problemas infraestruturais já apontados. Paradoxalmen-te apesar dos problemas mencionados e da ausência de políticas públicas para se ampliar e utilizar a rede mundial de computadores, os movimentos sociais ou ativistas da Amazônia que fazem uso das TICs para defender suas causas vêm crescendo. Verificamos que as lutas travadas pelo ciberativismo praticado na região ou, como afirma Moraes (2007, p.01) “trata-se de con-ceber a internet como mais uma arena de lutas e conflitos pela hegemonia, de batalhas permanentes pela conquista do consenso social e da liderança cultural ideológica de uma classe ou bloco de classes sobre as outras”.

Todo ato de ativismo social/digital é resultado de uma insatisfação ou

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necessidade de expressão individual ou coletiva, com o intuito de dar visi-bilidade a uma “causa”, que pode ser desde uma crítica relacionada a um caso de corrupção, denúncia ambiental, expressão étnica ou sociocultural. Em uma época que o discurso político-institucional – seja ele nacional ou internacional – aponta diretrizes sobre a Amazônia e como os povos des-ta região devem viver, vozes endógenas, oriundas da floresta têm outros pontos de vista. Pontos de vista esses que vão desde a luta pela preser-vação do meio ambiente e seus recursos naturais, passando pela defesa e resistência dos indígenas e povos tradicionais que lutam para sobreviver sem a perca de seus valores e culturas, dos direitos humanos em todos os seus níveis (do direito a vida, alimentação, saúde, educação etc.), contra a corrupção política, pela luta contra as corporações e governos e seus “grandes projetos” para a Amazônia e até mesmo pela implantação de uma política de cultura e softwares livres em contrapartida as grandes empresas de tecnologia e sua padronização comercial.

Ponderamos que um dos motivos principais que movem esses diferentes atores e coletivos militantes está relacionado, também, ao que Castells (1999) chama de “poder da identidade”, onde há uma reorganização social moderna plasmada por interesses comuns, segmentados, muitas vezes relacionados a tradições identitária, culturais e/ou étnicas e que por sua vez promovem resistência à dominação do Establishment ou, também, de fortalecimento e

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radicalização do mesmo. Podemos afirmar que a atuação ciberativista na Amazônia está promovendo um novo tipo de integração e exposição na e da região. Onde temas outrora obscuros ou inexistentes na mídia tradicional podem ser publicizados através dos novos meios digitais de comunicação e seus atores, em uma perspectiva identitária, ao mesmo tempo local e global, mas, sobretudo, articuladora. É o que veremos no tópico seguinte.

A construção da identidade no ciberativismo dos povos da floresta

Um dos fenômenos recentes ao término do século XX e começo de sé-culo XXI, a partir da exposição de (novas) bandeiras de antigos e recentes atores (re)significados por uma perspectiva de empoderamento cultural/midiático está relacionado ao que Castells (1999) chama de “Identidade”. No segundo volume da trilogia “A Era da Informação”17 o sociólogo aborda com riqueza de detalhes, exemplos e reflexões a exata importância da ques-tão da identidade para o fortalecimento e visibilidade de uma determinada cultura/povo/etnia/comunidade/movimento social. Uma visibilidade não compreendida se analisada apenas por si mesma, pelo mero princípio de uma “factualidade”, ou seja, para ser pauta e aparecer midiaticamente. O fenômeno ao qual se refere Castells (1999, p.22) e já abordado por outros 17 Conjunto das obras A Sociedade em Rede, O Poder da Identidade e O Fim do Milênio.

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intelectuais trata de um “processo de construção de significado com base em um atributo cultural, ou ainda um conjunto de atributos culturais inter--relacionados, os quais prevalecem sobre outras fontes de significado”.

Tal reflexão remete-nos ao apontamento de que a construção e fortaleci-mento das identidades coletivas é matéria-prima para uma posterior visibilida-de e exaltação dessas identidades, cultivando seus valores em uma sociedade heterogênea e segmentada. Por exemplo, a medida que uma etnia indígena como os Tukano18 do Alto Rio Negro criam associações organizativas para discutir cultural e politicamente suas diretrizes e comercializar seus produtos artesanais, fazendo uso das novas tecnologias digitais (como sites e blogs) para divulgar suas ações e, também, suas pautas reivindicativas, temos aí um importante elemento de fortalecimento identitário. Uma (re) significação de seus valores no sentido de fortalecê-los em uma decodificação alinhada ao que o já mencionado Castells (Idem) chama de Sociedade em Rede.

Identidades, por sua vez, constituem fontes de significados para os próprios atores, por eles originadas, e construídas por meio de um processo de indi-vidualização […] Contudo, identidades são fontes mais importantes de signi-ficado do que papéis, por causa do processo de autoconstrução e individu-alização [..]A construção de identidades vale-se da matéria-prima fornecida pela história, geografia, biologia, instituições produtivas e reprodutivas, pela

18 Os Tukano são uma das etnias indígenas mais importantes da região conhecida como Alto Rio Negro, no estado do Amazonas.

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memória coletiva e por fantasias pessoais, pelos aparatos de poder e revela-ções de cunho religioso. Porém, todos esses materiais são processados pelos indivíduos, grupos sociais e sociedades, que reorganizam seu significado em função de tendências sociais e projetos culturais enraizados em sua estrutura social, bem como em sua visão de tempo/espaço (CASTELLS, 1999, p.23).

Neste contexto apontamos que o ciberativismo praticado pelos povos da floresta ou da Amazônia têm como importante elemento o resgate (ou ações de resistência) de seus valores culturais e/ou políticos. Essas ações constituem-se e materializam-se no conceito ao qual Castells (1999, p.24) faz referência como “Identidade de Resistência”. Qual seja a forma e os me-canismos pelos quais os atores que de alguma forma estão oprimidos ou desvalorizados encontram para redefinir sua posição na sociedade. Para o autor a identidade de resistência refere-se aquela,

Criada por atores que se encontram em posições/condições desvalorizadas e/ou estigmatizadas pela lógica da dominação, construindo, assim, trin-cheiras de resistência e sobrevivência com base em princípios diferentes dos que permeiam as instituições da sociedade, ou mesmo opostos a estes últimos […] É provável que seja esse o tipo mais importante de construção de identidade em nossa sociedade. Ele dá origem a formas de resistência coletiva diante de uma opressão que, do contrário, não seria suportável, em geral com base em identidades que, aparentemente, foram definidas com

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clareza pela história, geografia ou biologia, facilitando assim a “essenciali-zação” dos limites da resistência (CASTELLS, 1999, p.24-25).

Um exemplo da argumentação anterior é a Rede Povos da Floresta. Um movimento social originário do estado do Acre que reúne comunidades tra-dicionais e indígenas, articulando-as em prol da preservação de suas cultu-ras, do meio ambiente e de seus territórios. Promovendo a mobilização e divulgação de suas ações com a ajuda das TICs e da rede mundial de com-putadores, fundamental para a propagação de seus ideais.

Figura 02 – Rede Povos da Floresta

Fonte: <http://www.redepovosdafloresta.org.br>

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Esta rede, uma das primeiras a se organizarem na região amazônica em prol de interesses comuns relacionados a suas tradições e cultura se inspi-raram no processo organizativo pensado inicialmente por Chico Mendes e seus contemporâneos do estado do Acre no início dos anos 80 do século XX. No item “Quem Somos” no portal do referido movimento social encontra-mos a seguinte explicação para sua formação e atuação na Amazônia.

A Rede Povos da Floresta é um movimento social que reúne comunidades tradicionais e indígenas, unidas por um mesmo ideal de preservação do am-biente, de suas culturas tradicionais e de seus territórios originais. A Rede foi criada em 2003 como uma revitalização da Aliança dos Povos da Flores-ta - mobilização feita por índios e seringueiros liderada por Chico Mendes e Ailton Krenak, que durante a década de 90 fez as mudanças que resultaram na criação das reservas extrativistas e na correção das políticas do Banco Mundial para o financiamento de grandes projetos de impacto socioambien-tal nas regiões de florestas tropicais em todo o mundo.Tem como objetivo a preservação do ambiente e o que nele está inserido: a fauna, a flora, os re-cursos naturais e culturais e o morador tradicional. Assim como o registro da memória por meio das TIC’s - Tecnologias da Informação e da Comunicação (REDEPOVOSDAFLORESTA, Disponível em: <http://www.redepovosdaflores-ta.org.br/exibePagina.aspx>).

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Atores e coletivos digitais na amazônia - Exemplos e diversidade

A proposta deste tópico é apresentar um mosaico de exemplos relaciona-dos ao ciberativismo praticado na Amazônia. Como veremos este ativismo é exercido por atores sociais individuais ou coletivos, militantes estes de causas as mais variadas, mas todas com o fio condutor relacionado a Amazônia. Os quais utilizam a internet como ferramenta principal de comunicação e articu-lação. Destes, procuramos evidenciar as características teóricas elencadas por nós ao longo deste artigo, reproduzindo e refletindo alguns dos argumentos que justificam a prática militante através da rede mundial de computadores na região. Como exemplos a serem citados escolhemos, além da Rede Po-vos da Floresta e sua resistência ciberativista identitária mencionada nos pa-rágrafos anteriores, o Blog Lingua Ferina19, do militante social residente em Santarém (PA) Cândido Cunha, o qual é responsável por um diário de notícias virtual, repleto de matérias e artigos referentes a denúncias sociais, políticas e econômicas, temas esses em sua maioria relacionados à Amazônia e defen-didos com ênfase por seu idealizador; O Movimento Nacional do Atingidos por Barragens (MAB)20 pela ênfase de sua atuação em rede na região Norte e Amazônia ampliando seu discurso ideológico através da internet;

19 Disponível em: <http://candidoneto.blogspot.com.br/> . Acesso em 28 de março de 2012.20 Disponível em: <http://www.mabnacional.org.br/>. Acesso em 24 de agosto de 2012.

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O blogueiro acreano Altino Machado21, jornalista que através de seu traba-lho e militância com a informação tornou-se uma das maiores referências sobre política na região. E, por último, um dos profissionais de comunicação mais res-peitados no Brasil no que se refere aos assuntos relacionados à Amazônia, prin-cipalmente ao impacto e participação das multinacionais e seus grandes projetos na maior floresta tropical do planeta, Lúcio Flávio Pinto e o seu Jornal Pessoal22.

Para começarmos a apresentação destes exemplos ciberativistas, deslocamo--nos à Santarém, uma das cidades mais importantes do estado do Pará e onde o funcionário público do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) Cândido Cunha radicou-se em 2006. Idealizador do Blog Língua Ferina, Cândido conta que até a data de sua mudança para Santarém, pouco ou quase nada conhecia sobre a região. Em entrevista concedida para esta pesquisa, o militante explica que seu desconhecimento sobre a Amazônia logo o motivou a saber cada vez mais sobre a região e, também, se posicionar em momentos importantes.“Vim parar no meio da Amazônia, no “olho do furacão”.

Por ter atuado na militância estudantil e pela reforma agrária [...] já tinha cer-ta visão de que lado ficar em determinadas situações de conflito”. Com temáti-cas provocativas principalmente relacionadas aos governos (sejam eles munici-pal, estadual ou federal) o blogueiro está construindo um número considerável

21 Disponível em: <http://altino.blogspot.com.br/>. Acesso em 20 de agosto de 2012.22 Disponível em: <http://www.lucioflaviopinto.com.br/>. Acesso em 28 de março de 2012.

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de internautas assíduos em seu blog. Os quais sempre voltam para consultar e acessar suas notícias. Cândido conta que a ideia de criar um blog surgiu em de-zembro de 2007 em um contexto difícil, ele havia sido destacado em uma força tarefa do Incra para trabalhar nos municípios de Altamira e Anapu, região do Pará com várias denúncias de corrupção por parte da direção do Instituto e que também foi palco do assassinato da missionária Dorothy Stang23.

É importante destacar que o estado o Pará desde sua formação foi palco de vários conflitos que vitimaram centenas de milhares de trabalhadores anônimos e lideranças políticas do meio rural e urbano. Lembramos, para fins de registro, que foi neste mesmo estado que aconteceu o Massacre de Eldorado do Carajás24, um dos conflitos pela reforma agrária mais importantes da história recente do país.

Em Altamira, num final de semana e preocupado com o poderia me aconte-cer ou acontecer com outros colegas, resolvi colocar na internet um conjunto de matéria que havia sido produzido até então na grande mídia sobre tudo isso, focando mais as denúncias do que a nossa situação. Ou seja, o blog seria um lugar onde estaria contado toda esta história e por aí acabaria [ ] Somen-te muitos meses depois, quando o blog já tinha objetivos mais ambiciosos e já tinha uma dinâmica é que pensei em dar o nome Lingua Ferina [ ] Desde

23 Religiosa norte-americana assassinada em Anapu no Pará por defender projetos sustentáveis em assentamentos rurais. Seu assassinato causou grande repercussão na mídia internacional.24 Foi o assassinato de 19 sem terras no município de Eldorado do Carajás (PA) em 1996 feito por policiais militares. Várias testemunhas afirmam que o número de mortos é bem maior que o que foi registrado. Disponível em: <http://www.mst.org.br/search/node/Massacre%20de%20Eldorado%20de%20Caraj%C3%A1s>. Acesso em 24 de agosto de 2012.

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então, o blog se ampliou bastante tanto em temáticas como em acessos, que hoje é em média de 1.000 por dia, mas já chegou 10.000 em um único dia. Sinto que há um público leitor mais fiel, há aqueles que chegam no blog pelos sítios de busca e redes sociais em busca de assuntos específicos e há aqueles que são leitores mais sazonais. Hoje, o blog busca trazer informações de al-gumas temáticas, algumas mais ligadas à esta realidade pouco conhecida da Amazônia e outras que se conectam com a luta mais geral dos trabalhadores no Brasil e no resto do mundo (ENTREVISTA CÂNDIDO CUNHA, 2012).

Figura 04 – Blog Lingua Ferina

Fonte: <http://www.candidoneto.blogspot.com.br/>

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Com relação a importância da internet na Amazônia, Cândido deixa claro que apesar de suas limitações ela representa um “divisor de águas” no que tange a comunicação e a produção de contrainformação sobre a região. Para nosso entrevistado sua contribuição reside no ato de desmistificar conceitos enraizados e o exotismo que paira sobre as visões exógenas sobre os povos da floresta e suas culturas e lutas. Onde a mesma, segundo o blogueiro, é considerada por muitos como um “espaço vazio a ser dominado”.

As visões de “paraíso,” “inferno”, “vazio” e “espaço a ser dominado” foram construídos ao longo dos séculos e interessou e interessa muito a todos que enxergam esta região do ponto de vista mais pragmático, no pior sen-tido da palavra: a Amazônia como região que está aí para ser dominada, a receber aqueles de “espirito empreendedor”. Assim, esse desconhecimen-to serve a interesses antagônicos aos trabalhadores e povos originários da região [ ] A internet é só mais uma ferramenta neste processo, com uma diferencial importante que é possibilidade de produção de informações por fora dos meios oficiais ou dos meios que servem a esta dominação, a chamada contrainformação. Possibilita também reunir e divulgar infor-mações que estão dispersas, muitas vezes desconectadas e dar outras versões para além das versões oficiais e da grande imprensa.Mas mesmo nos meios tidos como alternativos há muita desinformação, o que exige de quem escreve sobre esta região, a partir da própria região, um esforço constante de formação e reflexão. Assim, mostrar “outras Amazônias” não é tarefa das mais fáceis pelo gigantismo, os preconceitos e o peso das in-

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formações oficiais. Mas a internet mesmo com suas limitações possibilita isso (ENTREVISTA CÂNDIDO CUNHA, 2012).

É importante destacar que a prática ciberativista pode estar presente nos jornalistas ou comunicadores que atuam na internet, no jornalismo digital, mas não necessariamente todos os jornalistas que atuam neste campo são ativistas. Não é o fato de fazer uso das ferramentas digitais de comunicação que tornam seus usuários ciberativistas, mas o uso “engajado” e sistemático destes recursos ciberespaciais.

Outro exemplo de militância pela rede que destacamos é o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), um movimento social gerado a partir da luta de populações tradicionais afetadas por grandes empreendimentos hidrelétricos. Mesmo sendo um movimento nacional com penetração em todo o país, o MAB tem atuação sistemática na Amazônia. Não coincidente-mente é nesta região que encontram-se a maior quantidade de barragens e, por consequência, o maior número de populações tradicionais atingidas. O MAB pode ser considerado um movimento com práticas ciberativistas porque sua luta, além do enfrentamento direto com as grandes obras hidro-elétricas e seus mentores governamentais e privados, é articulada em rede e faz, frequentemente, uso das tecnologias de informação e comunicação. Tais recursos podem ser vistos em seu site na internet (http://www.mabnacional.

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org.br), onde estão disponíveis artigos, livros digitalizados, fotos e vídeos produzidos por seus militantes para serem difundidos em todos os espaços possíveis. O MAB produziu, por exemplo, uma série de vídeos – disponíveis no YouTube – que foram apresentados na Cúpula dos Povos25, um deles de-nunciando a construção de barragens na Amazônia.

Figura 05 – Movimento Nacional dos Atingidos por Barragens – MAB

Fonte: http://www.mabnacional.org.br/

25 Evento que aconteceu em 2012 na cidade do Rio de Janeiro paralelo a Rio + 20. Onde se discutiu as temáticas relacionadas ao meio ambiente pela ótica dos movimentos sociais.

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Um capítulo a parte nesta reflexão sobre as articulações feitas na rede mun-dial de computadores pelos movimentos sociais contrários a política energé-tica brasileira relacionada a construção de barragens, é o caso simbólico da Usina Hidroelétrica de Belo Monte no Pará26. A respectiva construção é fato polêmico há pelo menos três décadas e nos últimos anos tem tencionado os movimentos sociais contra o Governo Federal para que o mesmo não concre-tize sua construção. Os ativistas argumentam que se as obras forem realizadas a destruição do meio ambiente será irreversível, extinguindo uma parte pre-ciosa daquele ecossistema (fauna, flora e rios), além de expulsar de seus ter-ritórios uma série de etnias indígenas e populações tradicionais que habitam a região há séculos. Nesta disputa ideológica e de perspectivas, não faltam argumentos feitos por militantes, estudiosos e interessados sobre a questão, estes disponíveis em sua maioria na internet, fazendo jus ao tema que é con-siderado um dos mais polêmicos da Amazônia.

Por ser a maior fonte de recursos naturais e biodiversidade do planeta, a Amazônia atrai aventureiros das mais variadas origens e estirpes. São milha-res de pessoas anônimas que vieram e vêm para a região ainda hoje com o intuito de encontrar o “Eldorado” perdido. Foi assim com os ciclos da bor-racha que tornaram Manaus no início do século XIX uma das cidades mais importantes da América Latina. Riqueza construída pelas mãos de nordes-26 Disponível em: <http://www.infoescola.com/geografia/usina-hidreletrica-de-belo-monte/>. Acesso em 24 de agosto de 2012.

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tinos residentes nos interiores da floresta que extraiam a maior riqueza da época: a borracha usada na indústria e nas guerras do mundo. Também foi assim com os garimpeiros de Serra Pelada, mineradores advindos de todo o país, trabalhando em condições totalmente improvisadas no Sul do Pará, na busca incessante de seus quilos de ouro e prosperidade.

Mas o que mais impressiona na história recente da exploração amazônica são os grandes projetos pensados para a região. Projetos estes arquitetados pelos governos anteriores e atuais com essencial presença das grandes mul-tinacionais do campo da mineração e produção de energia. Estas, de gran-de impacto econômico, social e principalmente ambiental. Uma das grandes autoridades jornalísticas - talvez a maior - sobre a Amazônia chama-se Lúcio Flávio Pinto. Jornalista atuante desde os anos 60, criou há mais de 20 anos o Jornal Pessoal, uma publicação quinzenal impressa que possui um site e sua versão em formato digital. O destaque aqui não está para os recursos técni-co digitais utilizados por Lúcio Flávio, mas para a densidade e repercussão de suas reportagens e artigos.

A dimensão que o conteúdo produzido por ele sobre a Amazônia toma ultrapassa as fronteiras do Pará e repercute em todo o Brasil. Essa repercus-são só é possível pelo advento da rede mundial de computadores e suas ferramentas de propagação da informação. Além de jornalista Lúcio Flávio se considera um “militante da notícia”, ou seja, um ativista que produz in-

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formação qualificada sobre a Amazônia. Colunista cativo do Observatório da Imprensa, do Portal Yahoo! dentre outros sites, suas reflexões - sempre sobre a Amazônia - já foram subsídio para inúmeros trabalhos acadêmicos em várias universidades pelo país. A abordagem sobre os grandes projetos desenvolvidos na região tornaram Lúcio Flávio Pinto persona non grata para o alto escalão de multinacionais como a Vale (antiga Vale do Rio Doce).

Alguns de seus trabalhos demoram meses e até anos para serem con-cluídos, examinando minunciosamente relatórios, arquivos e projetos, con-sultando fontes importantes e exclusivas (relação esta construída ao longo de décadas de trabalho nos rincões, rios e estradas da região). Apesar de o jornalista manifestar publicamente que seu trabalho só tem validade porque o Jornal Pessoal ainda é feito em formato impresso (OBSERVATÓRIO, 2011) é na internet que sua produção reverbera, se amplifica e polemiza questões centrais da região.

Na avaliação do jornalista, os leitores do Jornal Pessoal percebem que as análises e reflexões ali veiculadas não são encontradas em outros jornais e proporcionam subsídios para a compreensão de problemas estruturais da região amazônica. “A visão de fora da Amazônia é muito exótica. As pessoas estão dispostas a aceitar a Amazônia do rio enorme, com a vastidão das flo-restas. Mas não conseguem entender a Amazônia como tendo há cinquenta quilômetros de onde estamos a oitava maior fábrica de alumínio do mundo”, explicou o jornalista. Convivem na região polos de tecnologia de ponta e

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áreas com graves problemas sociais e econômicos. “É difícil ter uma ideia da realidade da Amazônia por conta desses paradoxos. E a grande imprensa, e mesmo o cidadão comum fora da Amazônia, não consegue perceber estes contrastes.” O jornalista contou que acha necessário manter um acompanha-mento contínuo das questões da Amazônia, e por isso optou por voltar a morar no Norte do país. Mas destacou que é importante não perder a pers-pectiva da inserção da floresta no contexto internacional. “Você não explica a Amazônia só estando aqui”, destacou (OBSERVATÓRIO DA IMPRENSA, 2011).

Figura 06 – Site Jornal Pessoal

Fonte: http://www.lucioflaviopinto.com.br

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As redes sociais são um importante espaço para vinculação das maté-rias do Jornal Pessoal, estas funcionam, segundo Milhomens (2009) como uma memória da arena da esfera pública interconectada, fazendo com que os temas sobre a Amazônia permaneçam registrados no ciberespaço mui-to tempo depois dos mesmos terem sido publicados em sua versão im-pressa. Dessa forma temáticas como a Usina Hidrelétrica de Belo Monte e a polêmica em torno de sua construção; os Trabalhadores Rurais Sem-Terra atacados por latifundiários no Sul do Pará; os recursos e a destruição do meio ambiente promovidos pela Vale; os indígenas que se organizam para resistir na Amazônia; e os desmandos de políticos violentos e corruptos da região tornam-se ao mesmo tempo pauta e fonte para pesquisas e deba-tes na rede mundial de computadores. Um outro destaque a ser feito é a participação do Jornal Pessoal na arena virtual através de seus leitores que interagem com seu idealizador/jornalista. A repercussão de suas matérias extrapola o campo virtual, tanto que vários de seus leitores fazem questão de cumprimentar o jornalista pessoalmente, seja na rua ou em espaços pú-blicos (OBSERVATÓRIO, 2011).

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Figura 7 – Especial Observatório da Imprensa 2011 sobre Lúcio Flávio Pinto

Fonte:<http://www.youtube.com>

Considerações finais

Fazendo um retrospecto da proposta deste paper, procuramos apontar a complexidade da Amazônia em termos humanos, geográficos e culturais. Em um panorama que apresenta a região de forma didática e histórica, com ênfase em sua diversidade e formação humana, mostrando a perspectiva da

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pluralidade dos povos que vivem em seu vasto território. Sendo esses povos os “da floresta” ou o “da cidade”, ambos componentes do caldeirão cultu-ral amazônico. A propósito do termo “povos da floresta”, apropriamo-nos do conceito de ativismo originário do seringueiro Chico Mendes, um dos primei-ros líderes amazônicos que pensou a organização política como forma de re-sistência utilizando técnicas de repercussão mundial (como denúncias através da participação de eventos internacionais), isso antes do advento da Web e suas possibilidades comunicacionais.

Abordamos também o que denominamos de “cabanagem digital”, ou seja, o ativismo caboclo (termo este que utilizamos livremente aqui para representar um dos personagens centrais da região), este cada vez mais usuário das tecnologias de informação e comunicação, as TICs. Tanto para fazer militância das mais variadas formas e propósitos como para divulgar suas opiniões a todos que estiverem conectados ao ciberespaço. Elencamos que um dos principais motivos que impulsionam estes atores amazônicos está relacionado ao conceito defendido por Castells (1999) de identidade. Para ser mais exato, de ‘identidade de resistência’, a forma pela qual atores e coletivos oprimidos e estigmatizados social e economicamente encontram para resistir e, também, criar novos conceitos sobre si mesmos, o uso da in-ternet e das redes digitais vêm ao encontro deste processo, consolidando-o e amplificando-o. Chamamos isso de ciberativismo, e mais especificamente,

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ciberativismo amazônico, por suas peculiaridades originárias da região. Por fim apontamos alguns exemplos de prática ciberativista na Amazônia, dois com formação profissional ( jornalistas), ou seja, tento sua atuação no cibe-respaço também como meio de vida (Lúcio Flávio Pinto/Jornal Pessoal e Al-tino Machado/Seu Blog), um com o viés militante jornalístico dividindo sua atuação junto a profissão de funcionário público (Cândido Cunha/Lingua Ferina) e dois movimentos sociais que fazem uso dos recursos ciberativistas (Rede Povos da Floresta e Movimento dos Atingidos por Barragens - MAB) atuantes na divulgação e luta pela preservação do meio ambiente, resistên-cia cultural de indígenas e povos tradicionais além de ações de visibilidade política na rede em favor de suas causas.

Podemos afirmar que a atuação ciberativista na Amazônia está promoven-do um novo tipo de (re)integração e exposição. Onde a diversidade dos mora-dores da região é abordada em uma perspectiva heterogênea, plural e diver-sificada. Diversidade esta construída, registrada e propagada pelos próprios atores amazônicos, das suas mais variadas formas e estilos, abordando temas outrora obscuros ou inexistentes na mídia tradicional através dos novos meios digitais de comunicação. Nossa reflexão é que tal processo irá se aprofundar cada vez mais, principalmente a medida que a infraestrutura telecomunicacio-nal se aprimora, possibilitando a outros “povos da floresta” acesso a internet de qualidade e produção de conteúdos originais na rede mundial de compu-

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tadores. É a digitalização das possibilidades, o ciberativismo como forma de resistência no planeta Amazônia.

Referências

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O PROSUMER MIDIÁTICO &A RESSIGNIFICAÇÃO JORNALÍSTICA

Pâmela Bório1

Olga Tavares2

ResumoO novo personagem midiático surge como produtor e consumidor de informação, participando ativamente na elaboração de conteúdos jornalísticos nas novas mídias e modificando o cenário comunicacional. O prosumer identifica o perfil do novo comu-nicador que, hoje, é participativo, colaborativo e interativo. A sua atuação no telejor-nalismo digital anuncia uma tendência que vai vigorar nos novos hábitos informacio-nais, principalmente com o advento da TVDI.

Palavras-chave: Prosumer. Comunicação midiática. TVDI.

1 Mestranda em Comunicação e Culturas Midiáticas Audiovisuais, pela Universidade Federal da Paraíba. Integrante do Grupo de Estudos de Divulgação Científica (GEDIC) – PPGC/UFPB/CNPq. Endereço eletrônico: [email protected] 2 Doutora em Comunicação e Semiótica, pela PUC-SP. Professora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo, ambos da Universidade Federal da Paraíba. Professora do Depar-tamento de Comunicação e Turismo da mesma Universidade. Líder do Grupo de Estudos em Divulgação Científica – GEDIC/CNPq, com ênfase nos estudos de rádio e televisão. Endereço eletrônico: [email protected]

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A cultura do consumidor-produtor

A dinâmica da progressiva evolução tecnológica trouxe um novo perfil de consumidor, cada vez mais interessado em produzir e mais focado em um desempenho pontual e participativo, que lhe permita interagir dentro de um conjunto de regras coletivas.

O neologismo cunhado por Tofler (2007), para a análise do comportamento dos indivíduos, situa o prosumer mesmo antes do período anterior ao capita-lismo, quando no sistema agrícola produzia e consumia os próprios produtos. Atualmente, o termo faz referência aos produtores-consumidores que parti-cipam ativamente na produção de matérias, notícias, informações nas novas mídias. Esse novo protagonista midiático tem um novo perfil comunicacional que traz novas configurações aos conteúdos em pauta.

Definem o termo “prosumer” como toda e qualquer atividade de criação de valor realizada pelos consumidores que terminam resultando na produ-ção de produtos. Observa-se que, eventualmente, podem ou não consumir, constituindo suas experiências de consumo. Ainda destacam alguns fatores que podem, de alguma forma, incrementar a propensão do prosumer, tais como: avanços tecnológicos, aumento de acesso à internet, entre outros (BAGOZZI; DHOLAKIA apud XAVIER, 2012, p. 54).

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O prosumer está interferindo na comunicação de uma maneira geral e especialmente no cotidiano do telejornalismo, que é afetado pelas inova-ções e produtos como a TVDI. Com a evolução tecnocientífica marcando presença diária nos meios de comunicação, os profissionais não devem ficar à mercê dos avanços e mudanças, mas fazer uso e compreender da melhor forma seus papéis atuais e futuros, tendo consciência da nova atribuição que os receptores adquirem via rede, pois produzir e consumir informação con-comitantemente é algo .revolucionário. Práticas televisivas atuais poderão ser totalmente modificadas com as ações do prosumer, que passa a ser um participante ativo e produtivo na rede da emissão-recepção. Com o advento da TVDI, e seu pleno funcionamento, surgirão novas chances de expressivi-dade do prosumer na mídia televisiva. Têm-se, hoje, como exemplos, o site YouTube, que é abastecido por muitos vídeos produzidos pelo prosumer. No portal da Rede Globo, por exemplo, o 8p no Globo.com se utiliza editorial-mente para gerar conteúdo jornalístico. E o portal Terra, com o Você Repór-ter, apresenta práticas semelhantes da presença do prosumer.

De acordo com Bender (2003, p.13), “o papel dos consumidores já não é mais somente consumir. Suas expectativas mudaram. São eles agora parte do diálogo - estão engajados no tipo de discurso que antes ocorria muito além de sua esfera de ação”. Portanto, surge o prosumer para agilizar a dinâmica do consumo e da disseminação dos conteúdos, que passa a acontecer de modo

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colaborativo e participativo, sempre em uma produção coletiva, de modo a ex-pandir o processo informativo em torno de interesses e motivações coletivas.

Sobre esse cenário colaborativo que está sendo construído por esse novo produtor, os pesquisadores Primo e Recuero (2003) destacam a construção coletiva, a partir de espaços interativos, mantidos por produtores, a exemplo da Wikipédia e dos blogs, em trabalho sobre “hipertexto cooperativo”:

Ou seja, um mesmo texto multissequencial escrito por diversos colabora-dores. A cada intervenção, o texto como um todo se altera. Após cada mo-vimento, a produção se mostra diferente aos seus autores. Esse processo coletivo acaba por criar um espaço de debates, mantido através de nego-ciações entre os participantes. Essa dinâmica ganha movimento a partir das modificações que constantemente alteram o escrito e, por que não os pró-prios autores. Além disso, com a inclusão de novos links, outros caminhos se abrem, e a própria web se expande (PRIMO; RECUERO, 2003, p. 9).

Tem-se a globalização e a expansão da Internet como dois fatores essen-ciais para essas novas configurações de trabalho e relações socioculturais. Segundo Tarcitano e Guimarães (2004), toda a reestruturação causada pelas transformações deflagradas pela globalização, tem imposto a adoção de “no-vas metodologias de seleção, inserção e avaliação do indivíduo no trabalho, levando a profundas rupturas no tecido social e a uma crônica insatisfação, especialmente quanto ao modus operandi das relações no trabalho”. Com isso,

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está havendo uma reorganização na forma de as empresas de comunicação, por exemplo, valorizarem as novas práticas interativas e contemplarem a par-ticipação desses novos agentes da informação e do conhecimento.

Tecnologias da inteligência são sine qua non tecnologias interativas. Por isso mesmo elas nublam as fronteiras entre produtores e consumidores, emissores e receptores. Nas formas literárias, teatro, cinema, televisão e vídeo há sempre uma linha divisória relativamente clara entre produtores e receptores, o que já não ocorre nas novas formas de comunicação e de criação interativas, formas que nos games atingem níveis de clímax. Como meio bidirecional, dinâmico, que só pode ir se realizando em ato, por meio do agenciamento do usuário, o game implode radicalmente os tradicionais papéis de quem produz e de quem recebe. (SANTAELLA, 2009, p. 108).

No contexto midiático, a otimização do potencial informativo passa pela introdução de dispositivos que facilitem a transformação das experiências vividas no cotidiano profissional em aprendizagens e trocas satisfatórias.

Televisão e indústria cultural

No Brasil, a televisão tem sido a maior porta-voz do contexto sociopolíti-co e cultural sob a égide da indústria cultural. Desde a sua implementação,

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em 1950 do século 20, a TV brasileira tem se definido como um totem fami-liar que faz parte e influencia a sociologia do cotidiano nacional.

Com o advento da Internet, a popularização da TV brasileira ainda al-cança índices consideráveis de audiência, haja vista o público ainda ter há-bitos arraigados de recepção televisiva, como assistir a novelas, telejornais e reality shows. Segundo dados da “Pesquisa Brasileira de Mídia – 2014 - hábitos de consumo de mídia pela população brasileira” (BRASILNOTICIA, 2014), feita pelo Ibope, a pedido da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, “Brasileiros usam a Internet mais frequentemente, mas a televisão ainda é a mídia mais consumida. (...)Os brasileiros gastam, em média, 3h39 por dia na Internet, seguido de 3h29 em frente à televisão. Esta pesquisa ainda aponta a Internet “como o meio de comunicação que mais cresce entre os brasileiros”.

Portanto, já está havendo uma migração enorme para a Internet, desde 2012 (O GLOBOTECNOLOGIA; TECHTUDO, 2012; UOL, 2014). Porém, está havendo grande convergência entre TV e Internet, ou seja, internautas bra-sileiros assistem à TV, enquanto navegam na rede.

De fato, as duas mídias têm andado cada vez mais juntas. A pesquisa da comScore afirma que 73% dos internautas acessam a rede enquanto assistem à TV, sendo que 37% fazem isso sempre. O tempo não está sendo dividido pelas mídias, é o usuário que se divide para dar conta da simultaneidade da informação. É o

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fenômeno da segunda tela, que torna possível usar o Twitter como indicador de audiência, como faz a firma de pesquisas Nielsen. (OGLOBO, 25/8/2013)

Diante dessa evidência, por exemplo, “a Engenharia e a Informática da (TV) Globo estão trabalhando juntas na elaboração de um novo projeto, que possa envolver todos os produtos do seu jornalismo com as redes sociais” , com o objetivo de ter “a audiência da internet na televisão” (UOL, 2014). Ou seja, começa a existir um movimento para as emissoras de TV se conectarem mais efetivamente à internet.

Com a disponiblização das emissoras em sites na rede, pode-se acess-sar os telejornais com seus destaques e matérias, aumentando o fluxo de informações e se aproximando mais do público. Com a ascensão das redes sociais, a partir de 2006, os usuários brasileiros tiveram um modo eficaz e gratificante de comunicação. Com isso, as rotinas produtivas dos telejornais começaram a ser modificadas. As atuações das mídias digitais estabelecem diálogos constantes, participativos, interativos, entre si e com o público.. A nova sociabilidade das redes sociais também foi agregada pelas emissoras de TV, mudando os rumos da própria comunicação televisiva. Essas novas práticas se disseminaram no cotidiano dos jornalistas de forma tão intensa e rápida que, na atualidade, os profissionais não conseguem mais desenvol-ver suas atividades sem a presença dos meios digitais.

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De acordo com dados elaborados pela Serasa Experian (EXAMEABRIL, 2013), as visitas do internauta brasileiro às redes sociais concentram-se no Fa-cebook e no Youtube.

Tabela 1 - Visitas do internauta brasileiro às redes sociais

Rede Social Participação1 Facebook 73,50%

2 YouTube 16,34%

3 Badoo 1,20%

4 Google+ 1,15%

5 Orkut 0,97%

6 Yahoo! Respostas 0,94%

7 Twitter 0,90%

8 Ask.fm 0,89%

9 Bate-Papo UOL 0,81%

10 LinkedIn 0,31%

Fonte:< http://exame.abril.com.br/tecnologia/noticias/facebook-e-youtube-dominam-redes-sociais-no-brasil>.

A convergência entre a TV e a Internet está redefinindo o modo com que o público se relaciona com as mídias. É comum, nas redes de relaciona-mento ou fóruns, internautas expressarem que estão diante de transmissões televisivas ou como estão reagindo diante de alguma informação veiculada

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pela televisão. Eles discutem a programação, postam opiniões e muitas ve-zes acontece até um “frenesi” instantâneo na rede diante de algum assunto polêmico transmitido pela TV. Eventos que mostram bons índices de audiên-cia, imediatamente se disseminam pela internet, com comentários maciços e grande repercussão nas redes sociais.. A internet, além de mudar a relação do telespectador com o entretenimento, está mudando a rotina produtiva televisiva e a tendência é de haver uma maior expressividade do telespecta-dor na televisão, conforme for amadurecendo a própria inter-relação esta-belecida pelos dois meios.

A TVDI, o telejornalismo e o prosumer

Com a digitalização de meios audiovisuais e o hibridismo entre televisão e internet, através do sistema de televisão digital interativa (TVDI), há uma demanda por ações baseadas nas inovações tecnológicas.

[...] Com as ferramentas tecnológicas adequadas e boa usabilidade, as pessoas criam sites na internet, publicam blogs, videoblogs, enviam víde-os para portais específicos, ou seja, passam a ser produtores de progra-mas (conteúdos) podendo enviá-los para exibição na internet e, de forma crescente, também para as TVs abertas comerciais. Estas já selecionam e exibem produções de telespectadores até em seus programas de horá-

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rios nobres, estimulando a participação individual e coletiva. (PASCHOAL NETO, 2010, p. 41).

Se antes, o receptor interagia com um conteúdo já preexistente, com a TVDI essa capacidade de produzir conteúdo é ampliada, assumindo sua condição plena de prosumer, com o desafio de produzir com qualidade, com capacidade técnico-estética, livres dos apelos mercadológico-comerciais e políticos, a fim de buscar uma alternativa às fórmulas prontas difundidas atualmente pela TV analógica. Isso consiste em um patamar, onde se pre-tende repensar os meios de comunicação, que atuam como vetores cogniti-vos, sociais, estéticos, ético-políticos, contemplando os ambientes culturais irradiados pelos processos midiáticos, e colocando em perspectiva o modo como se realizam as modalidades de interação social no contexto das novas tecnologias da comunicação e nas investigações jornalísticas, por exemplo.

A aptidão para ser um prosumer não se justifica pela inevitabilidade do contato com os produtos midiáticos na atualidade, onde a mídia tem rele-vância plena na comunicação contemporânea. O fato de ser ‘capaz’ de pro-duzir notícia, não significa que se é “capacitado” para trabalhar a informação. O prosumer deve aprender com os profissionais do mercado da informação e estes, por sua vez, devem se atualizar, se remodelar, tendo a ajuda do pro-sumer ao tratar sobre o que seria “noticiável”.

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Os limites da interferência do prosumer na produção de notícias são justificados pelas regras dos contratos comunicativos que acontecem em todos os meios. Por exemplo, em decorrência de restrições advindas dos meios técnicos de produção televisiva, geralmente o receptor não pode empregar o mesmo tipo de mediação – a televisiva – para visibilizar a sua resposta. Grande parte das contribuições do prosumer, tais quais comentá-rios sobre programas, acontece no ciberespaço. Portanto, não seria verda-deiro dizer que existe funcionamento pleno da interatividade, que dirá o da interferência do telespectador na TV.

O fenômeno precisa ser compreendido para elucidar o papel dos teles-pectadores nessa fase de complexidade e hibridação dos produtos midi-áticos. O momento é o de refletir sobre esse novo personagem midiático, tanto quanto definir sobre sua atuação junto aos veículos de comunicação e seus produtos, principalmente o telejornalístico, cujo conteúdo não pode prescindir dos princípios básicos do jornalismo como mediador social, que divulga uma realidade objetiva e coerente, que tem compromisso com o in-teresse público e que respeita o público,assim como os valores universais de diversidades sociais, culturais, étnicas e ambientais.

Mesmo que o campo jornalístico esteja sempre à mercê das interferências dos interesses corporativos e afins, ele ainda detém o lugar do discurso da realidade. Se essa realidade for obliterada definitivamente pelas ficções, aí

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sim, o jornalismo poderá abdicar da sua condição de democratizar a in-formação, socializar os acontecimentos e disseminar possíveis resistências aos lugares-comuns das formações discursivas predominantes. (TAVARES; MASCARENHAS, 2013, p.202).

O prosumer, no campo jornalístico, pode ser visto como um ser merca-dológico, que tem um determinado perfil que interessa a variadas tribos digitais e produz informações que são utilizadas pelas organizações para orientar suas ações estratégicas, no sentido de satisfazer os clientes, atingin-do mais diretamente seus públicos-alvos com os produtos sob medida para os seus anseios. Ou seja, o prosumer faz recortes socioculturais que podem ser úteis às pautas jornalísticas, no tocante a atender algumas demandas informacionais do público em geral.

Isso pode ser visto como um modelo, segundo Lévy (1998, p. 54), no qual “os indivíduos colocam seu conhecimento a serviço de um objetivo comum, um fim coletivo, do qual emerge uma inteligência alavancada, que combina a expertise dos membros de uma determinada comunidade”. São de inicia-tivas voluntárias, independentes da origem e do tempo, que se mostram estratégicas para dadas finalidades.

Um exemplo é o site brasileiro WocoNews.com (World Community News) – “a rede social de jornalistas e empresários”, que tem a proposta de ser uma rede social de notícias, a página permite que qualquer usuário crie um perfil,

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adicione contatos e passe a postar notícias de até 255 caracteres – mais ou menos o tamanho de um lide. Há ainda a possibilidade de acrescentar ima-gens e vídeos às postagens. A rede social já nasce com algumas iniciativas ousadas, como o fato de ser trilíngue – português, espanhol e inglês – e a proposta de divisão dos espaços de publicidade. Além disso, em vez de se ter “contatos” ou “amigos”, têm-se “colaboradores” e “com quem colaboro”, nomes mais simpáticos para designar os seguidores e os seguidos, e que faz sentido dentro da proposta da rede social, de proclamar: “Tudo o que está acontecendo no mundo neste exato momento, por você!”. O resultado é uma mistura de webjornalismo participativo (o leitor faz a notícia) com site de rede social (há contatos, possibilidade de visualização da lista de contatos dos outros usuários, e ainda de troca de informações entre os interagentes) e microblog (as postagens são exibidas em ordem cronológica inversa e há uma limitação de tamanho a cada atualização).

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Figura 1: WocoNews

Fonte: <http://www.bravomedia.com.br/blog/?p=688>

O prosumer e os dispositivos de interatividade

Diversas marcas de televisão já disponibilizaram seus modelos de tele-visores com acesso à internet, aplicativos e reprodução do conteúdo em 3D, entre outras inovações. As empresas de TV já estão interessadas na segunda tela como uma forma de suprir a nova demanda comunicativa do atual es-pectador. A tecnologia usa dispositivos móveis como tablets e smartphones para oferecer uma extensão do conteúdo das TVs.

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A segunda tela pode ser qualquer dispositivo com acesso à internet como smartphones, tablets,notebooks entre outros, usados de forma simultânea à programação daTV. Essa navegação paralela permite o consumo de con-teúdos complementares (saber mais sobre a história, os atores, a trama...) e a interação com outras pessoas . Uma experiência que potencializa a re-percussão do conteúdo e o laço social, e tem se tornado cada vez mais comum. (FINGER;SOUZA, 2012, p. 7-8)

A TV SBT é o “canal que mais investe em segunda tela no país” e “é o lider no ranking elaborado pela plataforma TV Square, criada para reunir comentários sobre programas postados nas mídias sociais” , publicou VE-JAONLINE ( 9/8/2013).

Por sua vez, a TV Globo lançará neste primeiro semestre de 2014, apli-cativos de segunda tela mais eficazes do que os já usados no BBB, por exemplo, conforme explica o site TelaViva (2014):

Segundo Erick Brêtas, diretor de Mídias Digitais da Globo, a ideia não é ter uma app para cada conteúdo da emissora. Ao contrário, o lançamento será um aplicativo único, sincronizado com o que está na grade linear do canal. Os primeiros testes acontecerão no Campeonato Carioca de Fute-bol e, na sequência, no Campeonato Paulista. (TELAVIVA, 2014).

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Figura 2: Segunda tela

Fonte: <https://www.google.com.br/search?q=tv+globo+e+segunda+tela&rlz=1C2SAVM>

A Band TV, da mesma forma, lançou novos aplicativos de segunda tela, no dia 24 de março de 2014, no programa CQC.

A Band retoma o conceito de “Segunda Tela” com o lançamento de um novo aplicativo para sistemas Android, WindowsPhone e iOS. Essa nova versão da ferramenta chega muito mais completa em relação à lançada em 2013, durante a Copa das Confederações, com transmissões ao vivo, víde-os dos programas e a programação completa da emissora. (...)“Queremos utilizar as tecnologias disponíveis para aproximar ainda mais o público do

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conteúdo da Band”, afirma Eliane Leme, diretora-executiva do Band.com.br e responsável pelo projeto.(...) “Mais uma vez, a Band na frente das outras emissoras. A ferramenta está linda e muito divertida. O público poderá in-teragir conosco de uma maneira inédita e de qualquer plataforma”, revela Marcelo Tas, apresentador do CQC. (SHOWMETECH, 2014).

Contudo, noticiários já são os programas mais assistidos na televisão por aqueles que estão conectados também na internet, de acordo com o estudo Social TV, do IBOPE Nielsen Online, realizado em 13 regiões metropolitanas do Brasil , entre os dias 13 e 29 de fevereiro de 2012 (UMPIERRES, 2012). A gran-de maioria dos consumidores simultâneos, mais da metade dos pesquisados, possui o hábito de comentar sobre os telejornais que assiste, demonstrando a tendência de atuar como prosumer no telejornalismo.

Figura 3: Programas mais assistidos e comentados

Fonte: <http://umpierres.wordpress.com/2012/12/10/como-as-redes-sociais-amplificam-os-programas-de-tv-e-vice-ver-sa/120626_socialtv_3/#main>

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Por enquanto, apenas o telejornalismo da TV Cultura de São Paulo inse-riu no seu formato a segunda tela, onde “as informações são atualizadas em tempo real durante a exibição do telejornal através do site da emissora”, e a iniciativa mostra que “a Segunda Tela complementa e “relembra” o telespec-tador sobre os assuntos abordados, colaborando com a compreensão da no-tícia” (PUHL, 2013, p.1). O Jornal da Cultura ainda disponibiliza as edições do telejornal na íntegra em um canal no Youtube, diariamente, e dá acesso aos telespectadores ao vivo pelo Facebbok, Twitter, Flickr, Google + e Instagram.

Figura 4: Jornal da Cultura

Fonte: <http://gjol.net/2013/03/jornal-da-cultura-inaugura-segunda-tela-no-telejornalismo-brasileiro/>

Pensar a união do jornalismo de televisão com os dispositivos móveis é um desafio; por outro lado, é uma prática cada vez mais necessária. A Segunda Tela proposta pela TV Cultura é inovadora, mesmo tendo sido verificado que

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ainda apresenta fragilidades. No Brasil, é um caso pioneiro.(...) O fluxo de in-formações só tende a aumentar. Televisão e web podem ser complementos e agentes desse novo entendimento de cultura e sociedade. (PUHL, 2013, p.14).

A convergência dos meios, que se configura como o futuro da comunica-ção, além do claro empoderamento do público, que se mostra ativo, colabo-rativo e participativo ao fazer escolhas com o uso de ferramentas inovadoras e interativas, além das comunidades que se formam em redes, são exemplo da cultura prosumer emergindo no telejornalismo, se intensificando com as novas mídias que oferecem desafios e potencialidades. Com isso, o de-senvolvimento de aplicativos digitais que promovem maior interatividade já pode ser observado na televisão. Percebe-se já em muitos produtos da gra-de de programação televisiva, geralmente no rodapé da tela, comentários instantâneos de telespectadores a partir de redes sociais. Colaborações de telespectadores se multiplicam, bem como a transmissão de programas em plataformas diversas.

Considerações finais

A Internet, a televisão e as redes sociais abrem espaço para novas con-figurações midiáticas que estão definindo a sociologia do cotidiano univer-sal. Novas dinâmicas de sociabilidade estão surgindo, tanto quanto novas

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práticas profissionais. A junção disso também apresenta novos personagens do cenário digital, como o prosumer. Este novo protagonista da rede pode dialogar com os profissionais de jornalismo e promover novas formas de consumo e de produção de notícias. Portanto, essas mudanças podem ser agregadoras de novos valores que serão incorporados àqueles que o jorna-lismo já tem, a fim de serem aplicados nos novos dispositivos à disposição do consumo midiático. Então, espera-se que a TVDI e as Redes Sociais pos-sam ser o grande diferencial das trocas informacionais deste século 21.

Referências

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Fora: Centro de Educação Tecnológica Estácio de Sá, 2004.TAVARES; Olga; MANGABEIRA, Alan. Jornalismo e convergência: possibilidades trans-midiáticas no jornalismo pós-massivo. Revista Famecos. V. 20 n.1. pp.193-210. Porto Ale-gre/RS, jan-abril de 2013.TELEVIVA. TV Globo lança aplicativo de segunda tela no primeiro bimestre. 9/1/2014. Disponível em: <http://www.telaviva.com.br/09/01/2014/tv-globo-lanca-aplicativo-de--segunda-tela-no-primeiro-bimestre/tl/365496/news.aspx>. Acesso em: 14 mar. 2014.TECHTUDO.COM. Internet tem 3 vezes mais audiência que a TV no Brasil. 14/03/2012. Disponível em: <http://www.techtudo.com.br/artigos/noticia/2012/03/internet-tem-3-vezes-mais-audiencia--que-a-tv-no-brasil.html>. Acesso em: 15 mar. 2014.TOFFLER, Alvin. A terceira onda. Trad. João Távora. 29. ed. Rio de Janeiro: Record, 2007.UMPIERRES. Como as redes sociais amplificam os programas de TV. E vice-versa. 10/12/2012. Disponível em: <http://umpierres.wordpress.com/2012/12/10/como-as-re-des-sociais-amplificam-os-programas-de-tv-e-vice-versa/>. Acesso em: 14 mar. 2014.UOL. Globo quer audiência da Internet na televisão. 13/2/2014. Disponível em: <http://televisao.uol.com.br/colunas/flavio-ricco/2014/02/13/globo-quer-audiencia-da-inter-net-na-televisao.htm>. Acesso em: 15 mar. 2014.XAVIER, Sergio de Souza. Comunidades Virtuais: A importância da interação no aspecto da relação de consumo no ciberespaço. Dissertação (Mestrado em Administração). Rio de Janeiro: UNIGRANRIO, 2012.