44
CAPÍTULO DOZE CULTURE JAMMING A publicidade sob ataque Os homens de publicidade estão na verdade muito infelizes ultimamente, muito nervosos, com uma espécie de expect- ativa apocalíptica. Freqüentemente, quando almoço com um amigo da agência, meia dúzia de redatores e diretores de arte preocupados nos acompanham. Invariavelmente eles querem saber quando a revolução chegará, e para onde eles irão se ela acontecer. - Ex-publicitário James Rorty, Our Master's Voice, 1934 É uma manhã de domingo na margem de Alphabet City em Nova York e Jorge Rodriguez de Gerada está empoleirado no alto de uma escada, rasgando o papel de um outdoor de ci- garros. Momentos antes, o outdoor da esquina de Houston com Attorney ostentava um alegre e romântico casal de Newport ro- lando sobre um pretzel. Agora ele exibe a face obsessiva de uma criança, que Rodriguez de Gerada havia pintado em fer- rugem. Como acabamento, ele colou algumas faixas rasgadas do velho anúncio de Newport, que formam uma moldura verde fluorescente em torno da face da criança. Depois de pronta, a instalação parecia como pretendia o artista de 31 anos: como se anos de propaganda de cigarros, cerveja e carros tivessem se desfeito para revelar o fundo enfer- rujado do outdoor. O metal oxidado é a verdadeira mercadoria

CULTUREJAMMING - naolab.nexodesign.com.br

  • Upload
    others

  • View
    0

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: CULTUREJAMMING - naolab.nexodesign.com.br

CAPÍTULO DOZE

CULTURE JAMMING

A publicidade sob ataque

Os homens de publicidade estão na verdade muito infelizesultimamente, muito nervosos, com uma espécie de expect-ativa apocalíptica. Freqüentemente, quando almoço com umamigo da agência, meia dúzia de redatores e diretores dearte preocupados nos acompanham.Invariavelmente eles querem saber quando a revoluçãochegará, e para onde eles irão se ela acontecer.

- Ex-publicitárioJames Rorty,Our Master'sVoice, 1934

É uma manhã de domingo na margem de Alphabet Cityem Nova York e Jorge Rodriguez de Gerada está empoleiradono alto de uma escada, rasgando o papel de um outdoor de ci-garros. Momentos antes, o outdoor da esquina de Houston comAttorney ostentava um alegre e romântico casal de Newport ro-lando sobre um pretzel. Agora ele exibe a face obsessiva deuma criança, que Rodriguez de Gerada havia pintado em fer-rugem. Como acabamento, ele colou algumas faixas rasgadasdo velho anúncio de Newport, que formam uma moldura verdefluorescente em torno da face da criança.

Depois de pronta, a instalação parecia como pretendia oartista de 31 anos: como se anos de propaganda de cigarros,cerveja e carros tivessem se desfeito para revelar o fundo enfer-rujado do outdoor. O metal oxidado é a verdadeira mercadoria

Page 2: CULTUREJAMMING - naolab.nexodesign.com.br

da transação publicitária. "Depois que a propaganda é retirada",diz ele, o que resta é o impacto sobre as crianças da área, ol-hando essas imagens."1

Ao contrário da crescente legião de artistas de guerrilhanova-iorquinos, Rodriguez de Gerada recusa-se a andar furtiva-mente à noite como um vândalo, e prefere em vez disso fazersuas declarações em plena luz do dia. A propósito, ele não gostamuito da expressão "arte de guerrilha", preferindo "arte do cid-adão". Ele quer que o diálogo que ele vem mantendo com osoutdoors da cidade por mais de dez anos seja visto como umaforma normal de discurso em uma sociedade democrática - enão como um ato de vanguarda modernoso. Embora pinte ecole, ele quer que as crianças parem e olhem - como fazemnesse dia ensolarado, assim como faz um velho que ofereceajuda para segurar a escada.

Rodriguez de Gerada afirma mesmo ter conversado compoliciais que o prenderam em três ocasiões diferentes. "Digo aeles, 'Olhe, olhe só para esse lugar, olhe o que está acontecendoaqui. Deixe-me explicar a vocês por que faço isso'". Ele contaao policial como os bairros pobres têm um número despropor-cionalmente alto de outdoors vendendo tabaco e bebidas fortes.Fala de como esses anúncios sempre exibem modelos vele-jando, esquiando ou jogando golfe, tornando os produtos vici-antes que promovem particularmente glamourosos para as cri-anças presas ao gueto que anseiam por escapar dali. Ao con-trário dos publicitários que colocam os cartazes e partem, elequer que seu trabalho seja parte de uma discussão da comunid-ade sobre as políticas de espaço público.

Rodriguez de Gerada é amplamente reconhecido como umdos mais habilidosos e criativos criadores da culture jamming, aprática de parodiar peças publicitárias e usar os outdoors paraalterar drasticamente suas mensagens. As ruas são espaçospúblicos, afirmam os

432/750

Page 3: CULTUREJAMMING - naolab.nexodesign.com.br

adbusters, e uma vez que a maioria dos moradores não podefazer frente às mensagens corporativas comprando suas própri-as peças publicitárias, eles devem ter o direito de responder àsimagens que nunca pediram para ver. Recentemente esse argu-mento foi apoiado pelo aumento da agressividade da publicid-ade no domínio público - as propagandas discutidas em "Semespaço", pintadas e projetadas em calçadas; cobrindo prédios eônibus inteiros; nas escolas; em quadras de basquete e na inter-net. Ao mesmo tempo, como discutimos em "Sem opções", aproliferação de "praças públicas de shoppings e superlojas crioumais e mais espaços onde as únicas mensagens permitidas sãoas comerciais. Acrescentando ainda mais urgência a sua causaesta a crença entre muitos jammers de que a concentração depropriedade de mídia conseguiu desvalorizar o direito de livreexpressão, separando-o do direito ser ouvido.

Essas forças, reunidas, estão se unindo para criar umclima de robin-hoodismo semiótico. Um número cada vezmaior de militantes acredita que chegou a hora de o espaçopúblico parar de pedir que algum espaço fique sem patrocínio ecomeçar a recuperá-lo à força. A culture jamming rejeita front-almente a idéia de o marketing - porque compra sua entrada emnossos espaços públicos - deve ser aceito passivamente comoum fluxo de informação unilateral.

As mais sofisticadas cultures jams não são paródias publi-citárias isoladas, mas interseções

- contramensagens que interferem com o método de comu-nicação das corporações para mandar uma mensagem completa-mente diferente daquela que elas pretendiam. O processo obrigaa empresa a pagar por sua própria subversão seja literalmente,porque é a empresa que paga pelo outdoor; seja figur-ativarnente, porque sempre que uma pessoa interfere com umlogo, ela está drenando os vastos recursos gastos para tornar ologo significativo. Kalle Lasn, editor da revista Adbusters deVancouver, usa a arte marcial do jiu-jítsu como uma metáfora

Page 4: CULTUREJAMMING - naolab.nexodesign.com.br

precisa para explicar a mecânica do jam. "Em um simples movi-mento hábil você atinge o gigante pelas costas. Usamos o im-pulso do inimigo." É uma imagem emprestada de Saul Alinskyque, em sua bíblia da militância, Rules for Radicais, define "jiu-jítsu político de massa" como "a utilização da potência de umaparte da estrutura de poder contra a outra parte (...) A força su-perior dos Ricos torna-se sua própria ruína".2 Assim, descendocom a ajuda de cordas a lateral de um outdoor da Levi's de 11metros (o maior de San Francisco) e colando o rosto do assas-sino serial Charles Manson sobre a imagem, um grupo de jam-mers tenta deixar uma mensagem destruidora sobre as práticasde trabalho empregadas na produção do jeans Levi's. Na de-claração que deixou na cena, o Billboard Liberation Front disseque tinha escolhido o rosto de Manson porque os jeans eram"Costurados por prisioneiros na China e vendidos para peniten-ciárias nas Américas".

O termo "culture jamming" foi cunhado em 1984 pelabanda de audiocolagem Negativland, de San Francisco. "O out-door habilidosamente retrabalhado (...) orienta o espectadorpúblico a uma consideração da estratégia corporativa original"',declara um membro da banda no disco Jamcon '84. A metáforado jiu-jítsu não é adequada para jammers que insistem que nãoestão invertendo mensagens publicitárias, mas em vez disso asestão improvisando, editando, aumentando ou mascarando."Isso é radicalizar a verdade na publicidade", disse-me umartista do outdoor.3 Uma boa jam, em outras palavras, são raiosX do subconsciente de uma campanha, revelando não um signi-ficado oposto, mas a verdade mais profunda oculta sob as ca-madas de eufemismos publicitários. Assim, de acordo comesses princípios, com um leve giro no botão da imaginação, oagora aposentado Joe Camel transforma-se em Joe Chemo,preso a uma IV machine. É o que está seu futuro, não é? Ou Joeé mostrado cerca de 15 anos mais novo do que seu habitual selfbadalativo. Como Baby Smurf, o

434/750

Page 5: CULTUREJAMMING - naolab.nexodesign.com.br

435/750

Page 6: CULTUREJAMMING - naolab.nexodesign.com.br

"Kid Câncer" é esperto e dá vontade de abraçá-lo, e brincar combloquinhos de construção em vez de carros esporte e sinuca. Epor que não? Antes de a R. J. Reynolds conseguir' um acordo deUS$ 206 bilhões com 46 estados, o governo americano acusouempresa de tabaco de usar o desenho do camelo para induzir ascrianças a começar a fumar - por que não ir além, perguntam osculture jammers, e atingir fumantes em potencial ainda maisnovos? A campanha "Pense diferente" dos computadores Applecom famosos personagens, vivos e mortos, foi assunto de nu-merosos hacks simples: uma foto de Stalin aparece com o slo-gan alterado para "Pense realmente diferente"; a legenda deuma peça publicitária que mostra o Dalai Lama é mudada para"Pense desiludidamente" e o logo de arco-íris da Applemetamorfoseou-se em um crânio. Minha campanha favorita dea-verdade-na-publicidade é uma jam simples sobre a Exxon queapareceu logo depois do derramamento de Valdez: "Merdasacontecem. Nova Exxon", anunciavam dois grandes outdoors amilhões de transeuntes de San Francisco.

Tentar apontar as raízes da culture jamming é quase im-possível, em grande parte porque a prática é em si mesma umamistura de grafite, arte moderna, filosofia punk faça-você-mesmo e molecagem antiqüíssima. E usar outdoors como umatela de militância tampouco é uma nova tática revolucionária. OBillboard Liberation Front de San Francisco (responsável pelasjams da Exxon e da Levi's) tem alterado propagandas há vinteanos, enquanto o Billboard Utilizing Graffittis Against Un-healthy Promotions (BUG-UP) chegou ao auge em 1983,causando danos sem precedentes, de US$ 1 milhão, a outdoorsde tabaco dentro e nos arredores de Sidney.

Foi Guy Debord e os situacionistas, musas e teóricos darevolta estudantil de Paris, em maio de 1968, que primeiro ar-ticulou o poder de um simples détournement, definido comouma imagem, mensagem ou artefato arrancado de seu cor textopara criar um novo significado. Mas embora os culture jammers

Page 7: CULTUREJAMMING - naolab.nexodesign.com.br

utilizem liberalmente os movimentos de vanguarda do passado -do dada e do surrealismo ao conceitualismo e o situacionismo -o quadro que esses revolucionários da arte estavam atacandotendia a ser o mundo da arte e sua cultura passiva de especta-dores, bem como o ethos antiprazer da sociedade capitalistadominante. Para muitos estudantes franceses do final dos anos60, o inimigo era a rigidez e a conformidade do Homem de Em-presa; a empresa se mostrava acentuadamente menos atraente.Assim, se o situacionista Asger Jorn atirava tinta em pinturaspastorais compradas em brechós, os culture jammers de hojepreferem alterar publicidade corporativa e outros lugares de dis-curso corporativo. E se as mensagens dos culture jammers sãomais incisivamente políticas que as de seus predecessores, podeser porque o que na verdade eram mensagens subversivas nosanos 60 - "Jamais trabalhe", "É proibido proibir", "Transformeseus desejos em realidade" - agora mais parecem slogans daSprite ou da Nike: "Just Feel lt." E as "situações" ou "happen-ings" encenados pelos moleques políticos em 1968, emborafossem genuinamente chocantes e disruptivos na época, são apublicidade da Absolut Vodka de 1998 - aquela que mostraalunos de escolas de arte vestidos de púrpura esbravejando embares e restaurantes batendo com as garrafas.

Em 1993, Mark Dery escreveu "Culture Jamming: Hack-ing, Slashing and Sniping in the Empire of Signs", um livretepublicado pela Open Magazine Pamphlet Series. Para Dery, ojamming incorpora combinações elétricas de teatro e militânciacomo as Guerrilla Girls, que destacaram a exclusão de artistasmulheres do mundo da arte fazendo manifestações na calçadado Whitney Museum com máscaras de gorila; Joey Skagg, querevelou incontáveis vezes, e com sucesso, os embustes da mí-dia; e a execução simulada do arqui-republicano Jesse Helms noCapitólio pelo Artflux. Para Dery, a culture jamming é algoque, essencialmente, mistura

437/750

Page 8: CULTUREJAMMING - naolab.nexodesign.com.br

arte, mídia, paródia e atitude de outsider. Mas dentro dessassubculturas, sempre houve uma tensão entre as forças do alegremoleque e o revolucionário durão. Algumas questões res-surgem: seriam a brincadeira e o prazer atos revolucionários,como podem argumentar os situacionistas? É a distorção dosfluxos de informação cultural inerentemente subversivo, comosustentaria Skagg? Ou seria a mistura de arte e política apenasuma questão de ter certeza, para parafrasear Emma Goldman,de que alguém plugou um bom sistema de som na revolução?

Embora a culture jamming seja uma subcorrente quenunca seca inteiramente, não há dúvida de que nos últimoscinco anos ela viveu um renascimento, e um renascimento fo-calizado mais em política do que em molecagem. Para umnúmero crescente de jovens militantes, o adbusting se apresentacomo o perfeito instrumento com o qual registrar a desap-rovação com as corporações multinacionais que tão agressiva-mente os têm assediado como compradores e se livrado delessem a menor cerimônia como trabalhadores. Influenciado porteóricos da mídia como Noam Chomsky, Edward Herman,Mark Crispin Miller, Robert McChesney e Ben Bagdikian, queexploraram idéias sobre controle corporativo dos fluxos de in-formação, os adbusters estão escrevendo teoria nas ruas, literal-mente desconstruindo a cultura corporativa com um magicmarker à prova d'água e um balde de cola.

Jammers engloba um leque significativo de práticas, demarxistas-anarquistas puristas que se recusam a dar entrevistasà "imprensa corporativa", àqueles como Rodriguez de Gerada,que trabalham no setor de publicidade durante o dia (seuemprego remunerado, ironicamente, é colocar letreiros comer-ciais e displays em vitrines de superlojas) e anseiam por usarsuas habilidades para mandar mensagens que consideram con-strutivas. Além de uma boa dose de animosidade entre essescampos, a única ideologia que une o espectro de culture jam-ming é a crença de que a livre expressão não tem sentido se acacofonia comercial aumentou ao ponto de ninguém mais lheouvir. "Acho que todo mundo deve ter seu próprio outdoor,

Page 9: CULTUREJAMMING - naolab.nexodesign.com.br

mas não tem", diz Jack Napier (um pseudônimo), do BillboardLiberation Front.4

No extremo mais radical do espectro, surgiu uma rede de"organizações coletivistas de mídia", descentralizadas e anár-quicas, que combinam o adbusting com a publicação de zines,rádios piratas, vídeos ativistas, desenvolvimento na internet emilitância comunitária. Capítulos dessas organizações têm pi-pocado em Tallahassee, Boston, Seattle, Montreal e Winnipeg -com freqüência contaminando em outras organizações. EmLondres, onde o adbusting é chamado de "subvertising" (sub-versão da publicidade), um novo grupo foi formado, chamadoUK Subs, com base no grupo de punk dos anos 70 de mesmonome. E nos últimos dois anos os jammers do mundo real têmse unido por uma rede global de "militantes hackers" on-line,que levam seus ataques para a internet, principalmente pen-etrando em web sites corporativos e deixando neles sua própriamensagem.

Grupos mais dominantes têm também entrado em ação. OU.S. Teamsters começou a gostar de jam em publicidade,usando-a para conseguir apoio para trabalhadores grevistas emvárias disputas trabalhistas recentes. Por exemplo, a MillerBrewing se viu na extremidade receptora de uma jam similarquando demitiu trabalhadores da fábrica de Saint Louis. OsTeamsters compraram um outdoor que parodiava a campanhada Miller da época; como relatou a Busines Week, "Em vez deduas garrafas de cerveja em um banco de neve com a legenda'Frio demais', a propaganda mostrava dois trabalhadores conge-lados em um banco de neve com os dizeres 'Frio Demais: aMiller despediu 88 trabalhadores de St. Louis'".5 Como diz osindicalista Ron Carver, "Quando você faz isso, está colocandoem risco campanhas publicitárias multimilionárias".6

Uma culture jam bem divulgada surgiu no outono amer-icano de 1997 quando o lobby

439/750

Page 10: CULTUREJAMMING - naolab.nexodesign.com.br

antitabaco de Nova York comprou centenas de placas publi-citárias de táxis para apregoar as marcas de cigarro "Lodo daVirginia" (Virgínia Slime) e "País , Câncer" (Câncer Country).Em toda Manhattan, quando os táxis amarelos ficavam presosnos engarrafamentos, as propagandas jammed se acotovelavamcom as das empresas de cigarros.

"Amotine-se no barco do patrocíniocorporativo"- Paper Tiger, slogan de 1997

O renascimento da culture jamming tem muito a ver comas tecnologias recentemente acessíveis que tornaram a criação edistribuição de paródias da publicidade imensuravelmente maisfáceis. A internet pode estar atolada de admiráveis novasformas de branding, como vimos, mas também fervilha de sitesque oferecem links para culture jammers em cidades daAmérica do Norte e da Europa, paródias de publicidade paradownload imediato e versões digitais de anúncios originais, quepodem ser importados diretamente para os computadores pess-oais ou alterados no próprio site. Para Rodriguez de Gerada, averdadeira revolução foi o impacto que os programas de editor-ação tiveram nas técnicas disponíveis para hackers de publicid-ade. Ao longo da última década, diz ele, a culture jammingmudou, "de baixa para média e depois para alta tecnologia",com scanners e softwares como o Photoshop agora capacitandomilitantes a combinar cores, fontes e materiais com precisão."Conheço muitas técnicas diferentes que fazem com que toda apropaganda pareça ter sido reimpressa com a nova mensagem,em vez de alguém alterá-la com uma lata de tinta spray."

Essa é uma distinção fundamental. Se o grafite tradicion-almente procura deixar marcas dissonantes na face brilhante dapublicidade (ou a "espinha na cara da foto de capa retocada daAmérica", para usar uma imagem da Negativland), asmensagens de Rodriguez de Gerada são desenhadas para se

Page 11: CULTUREJAMMING - naolab.nexodesign.com.br

misturar com seus alvos, tomando emprestada a legitimidadevisual da própria publicidade. Muitas de suas "edições" têmsido tão bem integradas que os outdoors alterados parecem osoriginais, embora com uma mensagem que pega de surpresa oespectador. Mesmo a face de criança que ele colocou em Alpha-bet City - que não é uma paródia jam tradicional - foi produzidadigitalmente no mesmo tipo de adesivo de vinil que os publi-citários usam para cobrir completamente ônibus e prédios comlogos corporativos. "A tecnologia nos permite usar a estética daMadison Avenue contra si mesma", diz ele. "Esse é o aspectomais importante dessa nova onda de pessoas que usam a táticade guerrilha, porque foi com isso que a geração MTV se acos-tumou - tudo é berrante, tudo é brilhante e limpo. Se você per-der seu tempo para torná-lo ainda mais limpo, não serárejeitado."

Mas outros sustentam que o jamming não precisa usaruma tecnologia tão superior. O artista performático de TorontoJubal Brown espalhou o vírus visual na maior blitz de adulter-ação de outdoors do Canadá com nada mais que um marcador.Ele ensinou aos amigos como distorcer as já encovadas faces demodelos de moda usando um marcador para escurecer seus ol-hos e desenhar um ziper sobre suas bocas - pronto! Caveira in-stantânea. Para as mulheres jammers em particular, o"encaveiramento" se ajusta muito bem com a teoria da "verdadena publicidade": se a emaciação é o ideal de beleza, por que nãoir até o fim com o zumbi chique - dar aos publicitários algumasmodelos do além-túmulo? Para Brown, mais niilista que femin-ista, o encaveiramento era simplesmente um détournement paraacentuar a pobreza cultural da vida patrocinada. ("Compre,compre, compre! Morra, morra, morra!", diz a declaração deBrown exposta em uma galeria de arte de Toronto.) No 1o deabril de 1997, dezenas de pessoas partiram em missões de enca-veiramento, atacando centenas de outdoors nas

441/750

Page 12: CULTUREJAMMING - naolab.nexodesign.com.br

ruas movimentadas de Toronto . Seu trabalho foi impresso emAdbusters, ajudando a espalhar o encaveiramento a cidades portoda a América do Norte.

E ninguém está galgando a onda de cultura jamming tãoalto quanto a Adbusters, o autodenominado "boletim" da cenaculture jamming. O editor Kalle Lasn, que fala exclusivamentena linguagem pop ambiental da revista, gosta de dizer quesomos uma cultura "viciada em toxinas" que estão envenenandonossos corpos, nosso "ambiente mental" e nosso planeta. Eleacredita que o adbusting um dia inflamará uma "mudança deparadigma" na consciência pública. Publicada pela MediaFoundation de Vancouver, a revista começou em 1989 com5.000 exemplares. Sua circulação agora é de 35.000 - pelomenos 20.000 exemplares vendidos nos Estados Unidos. Afundação também produz "anticomerciais" para a televisão queacusam a indústria da beleza de causar distúrbios alimentares,ataca consumismo excessivo dos americanos e insta todos a tro-car seus carros por bicicletas. A maioria das emissoras de tele-visão do Canadá e dos EUA tem se recusado a exibir suas peçaspublicitárias, o que dá à Media Foundation a desculpa perfeitapara levá-las aos tribunais e usar os julgamentos para atrair aatenção da impremsa para sua visão de uma mídia mais demo-crática e acessível ao público.

O culture jamming está desfrutando uma ressurgência, emparte graças aos avanços tecnológicos, mas também, mais per-tinentemente, por causa das boas e velhas regras de oferta e de-manda. Algo não tão longe da superfície da psique pública estáencantado em ver os ícones do poder corporativo subvertidos eridicularizados. Há, em resumo, um mercado para ele. Com ocomercialismo capaz de sobrepujar a autoridade tradicional dareligião, da política e das escolas, as corporações têm surgidocomo os alvos naturais de todo tipo de rancor e rebelião livre dequalquer influência. O novo ethos que a culture jamming in-troduz é ataque-a-jugular- corporativa. "Os Estados caíram e as

Page 13: CULTUREJAMMING - naolab.nexodesign.com.br

corporações se tornaram as novas instituições", diz Jaggi Singh,um militante anticorporação de Montreal.7 "As pessoas estãoapenas reagindo à iconografia de nossa época." O militante dedireitos trabalhistas americano Trim Bissell vai mais longe, ex-plicando que a insaciável expansão de cadeias como a Star-bucks e o branding agressivo de empresas como a Nike criaramum clima oportuno para os ataques anticorporações. "Existemalgumas corporações que divulgam a si mesmas de forma tãoagressiva, pretendendo imprimir sua imagem em tudo e em todarua, que criam uma reserva de ressentimento entre as pessoaspensantes", diz ele. "As pessoas se ressentem da destruição dacultura e de sua substituição por esses logos e slogans corporat-ivos de massa. Isso representa uma espécie de fascismo cultur-al."8

A maioria das supermarcas está, é claro, bem conscientede que as imagens que geraram bilhões de dólares para elas emvendas provavelmente existem para criar outras ondas, involun-tárias, dentro da cultura. Bem antes de a campanha anti-Nikecomeçar a sério, o CEO Phil Knight observou com presciênciaque "as emoções que geramos e o enorme manancial deemoções que vivemos têm um efeito adverso. De certa forma,as emoções implicam seus opostos, e no nível que operamos areação é muito mais do que uma idéia passageira".9 A reação étambém mais do que uma luta volúvel da moda que faz um de-terminado estilo de tênis moderno subitamente parecer absurdo,ou uma canção pop exaustivamente tocada tornar-se, da noitepara o dia, insuportável. Na melhor das hipóteses, a culturejamming se aloja no efeito adverso daquelas emoções de marca,e as refocaliza, de forma que não são substituídas por umdesejo da próxima moda ou sensação pop mas, lentamente, trans-forma o próprio processo de

443/750

Page 14: CULTUREJAMMING - naolab.nexodesign.com.br

branding.

É difícil dizer o quanto os publicitários estão assustadoscom a possibilidade de ser vítimas do adbusting. Embora a U.S.Association of National Advertisers não tema instar a polícia,em nome de seus membros, a dar uma dura nos adbusters elesem geral relutam em deixar que as acusações cheguem aostribunais. Talvez seja uma atitude sábia. Muito embora asempresas de publicidade tentem retratar os jammers como"corpo de vigilantes censores" na mídia,10 eles sabem que nãofalta muito para que o público conclua que são os publicitáriosque censuram a expressão criativa dos jammers.

Assim, enquanto a maioria das grandes marcas se apressaem abrir processos por alegadas violações de marca registrada eprontamente levam uns aos outros aos tribunais por parodiarslogans ou produtos (como fez a Nike quando os calçados Can-dies adotaram o slogan "Just Screw It"), as multinacionais estãose mostrando bem menos ansiosas por entrar em batalhas judici-ais que claramente serão travadas menos no campo judicial doque no político. "Ninguém quer estar em evidência por ser alvode protestos ou boicotes da comunidade", disse um executivode publicidade a Advertising Age.11 Além disso, as corporaçõesjustificadamente vêem os jammers como fanáticos que queremchamar a atenção, e têm aprendido a evitar qualquer coisa quepossa granjear cobertura da mídia para suas proezas. Um casosurgiu em 1992, quando a Absolut Vodka ameaçou processar aAdbusters por sua paródia "Absolut Nonsense". A empresa ime-diatamente voltou atrás quando a revista foi à imprensa e de-safiou a destilaria a participar de um debate público sobre osefeitos prejudiciais do álcool.

E para imensa surpresa da Negativland, os advogados daPepsi abstiveram-se de responder ao lançamento de 1997 dabanda, Dispepsi - um disco antipop consistindo em jingles daPepsi alterados, distorcidos e desfigurados. Uma canção imitaos anúncios justapondo o nome do produto com uma lista de

Page 15: CULTUREJAMMING - naolab.nexodesign.com.br

imagens aleatórias e desagradáveis: "Fui demitido por meuchefe. Pepsi/ Preguei Jesus na cruz. Pepsi/ (...) O fedormedonho de fábricas de filhotes. Pepsi" e assim por diante.12

Quando indagada pela revista Entertainment Weekly se reagiriaao disco, a gigante dos refrigerantes afirmou que ele era "muitobom de ouvir".13

As políticas de identidade tornam-seinterativas

Há uma ligação entre a fadiga de publicidade expressapelos jammers e a artilharia feroz contra o sexismo, o racismo ea homofobia da mídia que estiveram tão voga quando eu eraestudante no final dos anos 80 e início dos 90. Essa ligação étalvez mais bem identificada através do relacionamento que asfeministas têm tido com o mundo da publicidade, particular-mente porque o movimento merece crédito por estabelecer asbases para muitas críticas atuais à publicidade. Como observaSusan Douglas em Where the Girls Are, "De todos os movimen-tos sociais das décadas de 1960 e 70, nenhum foi mais explicit-amente anticonsumista do que o movimento feminista. As fem-inistas atacaram as campanhas publicitárias de produtos comoPristeen e Silva Thins e, mediante a rejeição da maquiagem, damoda e da necessidade de limites claros, repudiaram a próprianecessidade de comprar determinados produtos".14 Além disso,quando a revista Ms. foi relançada em 1990, os editoreslevaram tão a sério a interferência dos publicitários que to-maram a atitude sem precedentes de proibir completamente apresença de publicidade lucrativa em suas páginas. E a seção"No Comment" (Sem comentários) - uma galeria de anúnciossexistas de outras publicações reproduzidos na última página -continua sendo um dos fóruns mais conhecidos de adbusting.

445/750

Page 16: CULTUREJAMMING - naolab.nexodesign.com.br

Muitas culture jammers dizem que começaram a se in-teressar pelas maquinações do marketing através de uma críticada indústria da beleza, "Feminism 101". Talvez tenham sesobressaltado pelo "alimente-me" rabiscado nas propagandas daCalvin Klein nos pontos de ônibus, como fizeram os membrosskatistas e secundaristas da Bitch Brigade. Ou talvez tenhamposto as mãos em um exemplar do zine de Nomy Lamm, I'm SoFucking Beautiful, ou tropeçaram no game interativo "Feed theSuper Model" no site oficial da RiotGrrrl. Ou talvez, comoCarly Stasko, de Toronto, tenham dado início a sua própria pub-licação feminista. Stasko, de 21 anos, é uma fábrica de imagemalternativa que se fez por si mesma: sua bolsa e sua mochilatransbordam de adesivos de propaganda jammed, exemplares deseu último zine e panfletos escritos à mão sobre as virtudes da"jardinagem de guerrilha". E quando Stasko não está estudandosemiótica na Universidade de Toronto, plantando sementes deflores em terrenos urbanos abandonados ou fazendo sua própriamídia, ensina em escolas alternativas onde mostra a turmas de14 anos como podem preparar, pelo método da colagem, suaspróprias culture jams.

O interesse de Stasko pelo marketing começou quando elapercebeu como definições contemporâneas de beleza feminina -amplamente articuladas pela mídia e pela publicidade - estavamfazendo com que ela e suas companheiras se sentissem insegur-as e inadequadas. Mas, ao contrário de minha geração de jovensfeministas que tiveram revelações semelhantes pedindo porcensura e programas de reeducação, ela foi contagiada pelaloucura da publicação pessoal de meados dos anos 90. Ainda naadolescência, Stasko começou a publicar Uncool, um zine foto-copiado apinhado de colagens de questionários recortados derevistas femininas, anúncios jammed de absorventes higiênicos,manifestos de culture jamminq e, em uma edição, uma propa-ganda de página inteira da Barbie filosófica. "O que veioprimeiro?", pergunta a Barbie de Stasko, "A beleza ou o mito?"E "Se eu quebro uma unha, mas estou dormindo, será que aindaassim estarei em crise?" Ela diz que o processo de produzir sua

Page 17: CULTUREJAMMING - naolab.nexodesign.com.br

própria mídia, assumindo a voz do promotor e arranhando aaparência da cultura da publicidade começou a enfraquecer osefeitos da publicidade sobre ela. "Percebi que podia usar osmesmos instrumentos que a mídia emprega para promover min-has idéias. Tornei a mídia menos desagradável para mim porquevi que era fácil fazer isso."15

Embora tenha dez anos mais que Stasko, o caminho quelevou Rodriguez de Gerada ao culture jamming compartilha al-gumas das mesmas reviravoltas. Membro fundador do grupo dearte política Artflux, ele começou a fazer adbusting na mesmaépoca em que muitos membros da comunidade negra e latinaorganizavam-se contra a propaganda de cigarro e álcool. Em1990, trinta anos depois de a National Association for the Ad-vancement of Colored People ter pressionado pela primeira vezas empresas de cigarros a usar mais modelos negros em suapublicidade, teve início, em várias cidades americanas, um mo-vimento de base religiosa acusando as mesmas empresas de ex-plorar a pobreza dos negros usando as áreas pobres da cidadecomo alvo de marketing para seu produto letal. Em um clarosinal dos tempos, a atenção passou de quem estava nos anúnciosaos produtos que eles vendiam. O reverendo Calvin O. Butts, daIgreja Batista Abissinia no Harlem, liderou seus paroquianosem blitzes de busting de outdoors durante as quais alterariam osanúncios de cigarro e álcool em torno de sua igreja. Outrospregadores adotaram a luta em Chicago, Detroit e Dallas.16

O adbusting do reverendo Butts consistia em atingir oscartazes ofensivos com rolos de pintura, cobrindo os anúnciosde branco. Era funcional, mas Rodriguez Gerada decidiu sermais criativo: substituiria as mensagens de consumo das empre-sas por suas próprias mensagens

447/750

Page 18: CULTUREJAMMING - naolab.nexodesign.com.br

políticas, mais persuasivas. Sendo um artista habilidoso, elecuidadosamente transformava as faces dos modelos de cigarrode forma que parecessem repugnantes e doentes. Ele substituiuo Surgeon General's Warning (O Diretor Nacional de Saúde ad-verte, equivalente a "O Ministério da Saúde adverte" no Brasil)por suas mensagens: "O Diretor Nacional de Saúde adverte:Negros e latinos são os principais bodes expiatórios para drogasilegais, e os principais alvos das drogas legais."

Como muitos outros culture jammers anteriores, Rodrig-uez de Gerada logo estendeu suas criticas para além da propa-ganda de tabaco e álcool e passou a incluir furiosos bombarde-ios à publicidade e ao comercialismo em geral e, de muitasformas, teve a pretensão de fazer branding de si mesmo paraagradecer por essa evolução política. Quando garotos do centropobre da cidade começaram a se apunhalar uns aos outros porcausa de acessórios e roupas Nike, Polo, Hilfiger e Náutica,ficou claro que as empresas de tabaco e álcool não eram as ún-icas no marketing que apostavam na ânsia das crianças por umasaída. Como vimos, essas etiquetas da moda vendiam para cri-anças destituídas de forma tão bem-sucedida em suas repres-entações exageradas da boa vida - o country club, o iate, acelebridade superstar - que o logotipo se tornou, em algumaspartes da Cidade Global, um talismã e uma arma. Enquantoisso, as jovens feministas da geração de Carly Stasko, cujosenso de injustiça foi despertado pelo Mito da beleza de NaomiWolf e o documentário Killing Us Softly, de Jean Kilbourne,também viviam em frenesi em torno de uma cultura"alternativa" de geração X, hip hop e rave. No processo, muitastornaram-se vivamente conscientes de que o marketing afeta ascomunidades não somente estereotipando-as, mas também - ecom igual poder - atraindo sua atenção e acossando-as. Essa foiuma mudança tangível de uma geração de feministas para aseguinte. Quando a Ms. passou a circular sem publicidade em1990, por exemplo, havia a crença de que a interferência corro-siva da publicidade, da qual Gloria Steinem e Robin Morgandecidiram livrar sua publicação era um problema

Page 19: CULTUREJAMMING - naolab.nexodesign.com.br

especificamente feminino.17 Mas à medida que as políticas deidentidade se confundiam com a crítica nascente do poder cor-porativo, a exigência deixou de ser reformar campanhas publi-citárias problemáticas e passou a ser questionar se os publi-citários tinham o direito legítimo de invadir todos os cantos denosso ambiente físico e mental: voltou-se para o desapareci-mento do espaço e a perda de opções significativas. A culturada publicidade demonstrou sua notável capacidade de absorver,acomodar e até lucrar com as críticas ao conteúdo. Nessecontexto, tornou-se muito claro que o único ataque que real-mente abalaria essa indústria resiliente não seria se voltar contraas belas figuras nas fotos, mas dirigir as acusações contra ascorporações que as pagam.

Assim, para Carly Stasko, o marketing tornou-se maisuma questão ambiental do que de gênero ou auto-estima, e seuambiente são as ruas, o campus universitário e a cultura de mí-dia de massa em que ela, como urbanóide, vive sua vida "Este éo meu ambiente", diz ela, "e essas propagandas são dirigidas amim. Se essas imagens podem me afetar, eu posso afetá-lastambém."

A publicidade no banheiro como catalisadorpolítico

Para muitos estudantes que chegaram à maioridade no fi-nal dos anos 90, o momento decisivo em que se passou do focono conteúdo da publicidade para uma preocupação com a pró-pria forma ocorreu no mais privado dos lugares: nos banheirosde suas universidades, vendo um anúncio de automóvel. A pro-paganda em banheiros começou a aparecer nas universidades daAmérica do Norte em 1997, e desde então vem proliferando.Como já vimos no Capítulo 5,

449/750

Page 20: CULTUREJAMMING - naolab.nexodesign.com.br

os administradores que permitem que os anúncios se in-troduzam furtivamente em seus campi dizem a si mesmos queos jovens já são tão bombardeados com mensagens comerciaisque umas poucas a mais não os matariam, e as receitas ajudari-am a financiar valiosos programas. Mas parece que existe algocomo uma publicidade que se transforma na gota d'água - e,para muitos estudantes, era assim que parecia.

É claro que a ironia é que, da perspectiva dos publicitári-os, o nirvana do nicho fora atingido. A publicidade nos banheir-os das faculdades representa um mercado jovem tão cativoquando o que existe no planeta. Mas do ponto de vista dosestudantes, não poderia haver metáfora mais literal para ofechamento do espaço do que uma propaganda da Pizza Pizzaou do Chrysler Neon encarando-os sobre o mictório ou da portado reservado do banheiro. É precisamente por isso que o es-quema de branding mal orientado criou a oportunidade paraque centenas de estudantes norte-americanos dessem seusprimeiros passos na militância direta anti corporação.

Em retrospectiva, os funcionários das escolas deviam verque havia algo hilariantemente mal orientado sobre colocar pro-paganda em reservados de banheiro onde se sabia que osestudantes sacavam suas canetas ou delineadores e garatujavamdeclarações desesperadas de amor, espalhavam boatos sem fun-damento, discutiam aborto e compartilhavam insights filosófi-cos profundos. Quando chegaram os minicartazes, o banheirotornou-se o primeiro espaço verdadeiramente seguro onde sepodia responder à publicidade. Em um instante, a direção do es-crutínio através do vidro espelhado do grupo de foco foi inver-tida, e o mercado- alvo apontou para as pessoas por trás dovidro. A resposta mais criativa veio de estudantes na Universid-ade de Toronto. Um punhado de universitários ocupou empre-gos de meio expediente na empresa dos cartazes de banheiro eperdeu convenientemente as chaves de fenda feitas sob medidaque abriam as 400 molduras de plástico. Logo, um grupoautodenominado Escher Appreciation Society estava quebrandoas molduras "à prova de estudantes" e sistematicamente

Page 21: CULTUREJAMMING - naolab.nexodesign.com.br

substituindo as propagandas no banheiro por reproduções deMaurits Cornelis Escher. Em vez de relembrar o mais recenteproduto da Chrysler e da Molson, os estudantes podiam apren-der a apreciar o artista gráfico holandês - escolhido, admitiramos escheristas, porque seu trabalho geométrico pode ser foto-copiado sem perda de qualidade.

Os anúncios no banheiro tornaram inquestionavelmenteclaro para uma geração de militantes estudantis que eles nãoprecisavam de publicidade mais cool, mais progressista ou maisdiversa - antes de mais nada, eles precisavam que a publicidadese calasse de vez em quando. O debate nas universidadescomeçou a sair de uma avaliação do conteúdo dos anúnciospara o fato de que estava ficando impossível escapar do olharinvasivo da publicidade.

E claro que há entre os culture jammers aqueles cujo in-teresse em publicidade é menos ventilado no novo ethos do ran-cor antibranding, e em vez disso tem muito em comum com osesquadrões da moralidade dos anos do politicamente correto.Na época, a revista Adbusters se sentia uma versão um poucomais moderna do Public Service Announcement sobre dizer nãoà pressão dos colegas ou lembrar de Reduzir, Reutilizar e Re-ciclar. A revista é capaz de uma sagacidade dilacerante, masseus ataques à nicotina, ao álcool e às lanchonetes podem ser re-petitivos e óbvios. Os jams que mudam a Absolut Vodka para"Ressaca Absolut" ou cigarros Ultra Kool para cigarros "UtterFool" (tolice completa) são o bastante para afastar os possíveisaliados que vêem a revista cruzando uma tênue linha entre adesobediência civil da era da informação e a acusação puritana.Mark Dery, autor do manifesto original de culture jammers eex-colaborador da revista, diz que a ênfase antibebida, antici-garro e antifast-food não passa de paternalismo manifesto -como se "as massas" não pudessem ser encarregadas de "poli-ciar seus

451/750

Page 22: CULTUREJAMMING - naolab.nexodesign.com.br

próprios desejos".18

Ouvindo o marqueteiro interno

Em um artigo na New Yorker intitulado "The Big Sellout",o autor John Seabrook discute o fenômeno do "marqueteiro in-terno". Ele argumenta convincentemente que uma nova geraçãode artistas não se preocupa com velhos dilemas éticos do tipo"se vender", porque já são mercadorias ambulantes à venda,compreendendo intuitivamente como produzir arte pré- embal-ada para ser sua própria marca. "Os artistas da próxima geraçãofarão sua arte com um adequado barômetro interno de market-ing. O auteur como homem de marketing, o artista como exem-plo de si mesmo: a integração vertical definitiva."19

Seabrook está certo em sua observação de que o ritmo doavanço está nas sinapses de muitos artistas jovens, mas ele erraao supor que o barômetro de marketing embutido será usadosomente para buscar fama e fortuna nos setores culturais. Comoassinala Carly Stasko, muitas pessoas que se venderam estãotão afinadas com o andamento do marketing que, assim quelêem ou ouvem um novo slogan, começam a brincar com eleem suas mentes, como faz ela própria. Para Stasko, é o adbusterque é interno, e toda campanha publicitária é um enigma esper-ando pelo jam correto. Assim, a habilidade identificada por Se-abrook, que permite que artistas escrevam a baboseira de im-prensa para suas próprias vernissages em galerias e os músicosproduzam grande quantidade de biografias curtas cheias demetáforas para os textos de capa dos discos, é a mesma qualid-ade que contribui para um culture jammer extremamente tal-entoso. O culture jammer é o artista militante como antimar-queteiro, usando uma infância recheada de comerciais Trix, euma adolescência passada identificando a disposição doproduto em Seinfeld, para mexer com um sistema que antes sevia como ciência especializada. Jamie Batsy, uma militantehacker de Toronto, coloca desta forma. "Os publicitários e

Page 23: CULTUREJAMMING - naolab.nexodesign.com.br

outros formadores de opinião estão agora em uma posição emque são confrontados com uma geração de militantes que já as-sistiam televisão antes mesmo que pudessem andar. Essa ger-ação quer seus cérebros de volta, midia de massa é seu torrãonatal."20

Os culture jammers são atraídos para o mundo do market-ing como traças ao fogo, e o brilho de seu trabalho é alcançadoprecisamente porque eles ainda sentem uma afeição - emboraprofundamente ambivalente - pelo espetáculo da mídia e amecânica da persuasão. "Acho que muita gente que está real-mente interessada em subverter ou estudar a publicidadeprovavelmente quis, em algum momento, ser profissional depublicidade", diz Carrie McLaren, editor do zine de Nova YorkStay Free!21 Pode-se ver isso em suas ad busts, que são esmera-damente limpas em seu design e ferozes em seu conteúdo. Emuma edição, uma antipropaganda de página inteira mostra umacriança descalça e jogada no chão. No canto do quadro, umamão roubando seus tênis Nike. "Just Do lt", diz o slogan.

Em nenhum lugar o tino do adbuster para o avanço éusado com efeitos mais amplos do que na promoção do próprioadbusting, um fato que pode explicar por que os mais fiéis doscrentes no culture jamming com freqüência parecem um es-tranho cruzamento entre vendedores de carros usados e profess-ores universitários de semiótica. Superados apenas pelos huck-sters da internet e os rappers, os adbusters são suscetíveis auma enorme fanfarronice e a um nível de autopromoção que éobviamente tolo. Há uma forte inclinação a se dizer filho, filha,neto ou filho bastardo de Marshall McLuhan. Há uma fortetendência a exagerar o poder da cola e de uma boa brincadeira.E a exagerar seu próprio poder: um manifesto de culture jam-ming, por

453/750

Page 24: CULTUREJAMMING - naolab.nexodesign.com.br

exemplo, explica que "a meta do artista de outdoors é fazer umataque surpresa preciso às engrenagens da mídia, obrigando afábrica da imagem a parar, sobressaltada".22

A Adbusters levou sua abordagem agressiva a tal pontoque chegou a enfurecer culture jammers rivais. Particularmenteirritante para seus críticos é a linha de produtos anticonsumo darevista, que eles dizem tê-la tornado menos uma carteira decompensação de culture jamming do que uma rede de comprasem casa para acessórios adbusting. As "caixas de ferramenta"culture jammer são relacionadas para venda: pôsteres, vídeos,adesivos e postais; mais ironicamente, ela costumava vendercalendários e camisetas para coincidir com o Dia de Não Com-prar Nada, embora hoje prevaleça um bom senso mais apurado."O que se verifica não é uma alternativa real a nossa cultura deconsumo", escreve Carrie McLaren. "Apenas uma marca difer-ente." Os jammers equivalentes de Vancouver da Guerilla Me-dia (GM) desferiram um ataque mais feroz à Adbusters no bole-tim inaugural da GM. "Prometemos que não haverá calendários,chaveiros ou canecas de café GM no futuro próximo. Ainda es-tamos, contudo, trabalhando naquelas camisetas que alguns devocês encomendaram - apenas estamos procurando o perfeitoexplorador de mão-de-obra para produzi-la."23

O marketing dos antimarqueteiros

Os ataques são muito semelhantes àqueles desferidos a to-do punk que assina com uma gravadora e a todo zine que setransforma em uma publicação mais sofisticada: a Adbusterssimplesmente se tornou popular demais para ser boa para osradicais que antes tiravam o pó dos sebos de livro de seu bairrocomo se polisem uma pedra preciosa. Mas além desse purismopadrão, a questão de como fazer melhor o "marketing" de ummovimento antimarketing é um dilema excepcionalmente espin-hoso. Alguns adbusters pensam que o culture jamming, como o

Page 25: CULTUREJAMMING - naolab.nexodesign.com.br

próprio punk, deve continuar como uma espécie de porco-es-pinho; que para opô-lo a nossa inevitável mercantilização, deve-se manter sua perspectiva de espinhos afiados. Depois da mortedo Alternativo e do Girls Power™, o processo de nomear umatendência, ou cunhar um lema, é considerado por alguns comprofunda suspeita. "A Adbusters caiu em cima e estava prontapara reivindicar seu movimento antes que ele realmente exis-tisse", diz McLaren, que em seus escritos se queixa amarga-mente da USA Today/MTVização da Adbusters. "Ela se tornouuma propaganda para a antipropaganda."24

Outro temor subjaz a esse debate, um temor mais confusopara seus proponentes do que a perspectiva de o culture jam-ming "se vender" aos ditames do marketing. E se, apesar detoda a retórica que seus adeptos podem reunir, o culture jam-ming não importar realmente? E se não houver nenhum jiu-jítsu, apenas um adversário imaginário semiótico? Kalle Lasninsiste que sua revista tem o poder de "sacudir a sociedade pós-moderna de sua catalepsia da mídia" e que seus anticomerciaisameaçam agitar a tevê em seu cerne. "A mentalidade da tele-visão foi homogeneizada nos últimos trinta ou quarenta anos. Éum espaço muito seguro para as mensagens comerciais. Assim,se você subitamente introduz uma nota de dissonância cognitivacom um anúncio que diz, 'Não compre um carro', ou no meio deuma matéria de moda mostra alguém de repente dizendo: 'E aanonrexia?', acontece uma poderosa hora da verdade."25 Mas averdade é que, como uma cultura, parecemos ser capazes de ab-sorver quantidades ilimitadas de dissonância cognitiva quandoassistimos à TV. Nós fazemos culture jamming manualmente acada vez que mudamos de canal - saltando dos apelos desesper-ados por fundos da Foster Parent Plan para infomerciais daBuns of Steel; de Jerry Springer e Jerry Falwell; de New Coun-try a Marilyn Manson. Nessas horas de entorpecimento com in-formação, estamos fora do alcance de

455/750

Page 26: CULTUREJAMMING - naolab.nexodesign.com.br

sermos abruptamente despertados por uma imagem sur-preendente, uma justaposição aguda ou mesmo um détournementfabulosamente engenhoso.

Jaggi Singh é um militante que ficou desiludido com ateoria jiu-jítsu. "Quando você faz jamming, está em um tipo dejogo, e acho definitivamente que o campo de jogo é dispostocontra nós porque eles têm o poder de saturar (...) Não temos osrecursos para fazer todos aqueles outdoors, não temos os re-cursos para comprar todo aquele tempo, e, de certa forma, équase científico - quem pode arcar com esses mecanismos dealimentação?"

Sobrecarga da logo

Para aumentar a evidência de que o culture jamming émais uma gota no oceano do que uma pedra no sapato, osprofissionais de marketing estão cada vez mais decidindo parti-cipar da brincadeira. Quando Kalle Lasn diz que o culture jam-ming dava a sensação de "uma certa novidade", ele não estavaexagerando.26 Acontece que o culture jamming - com sua com-binação de atitude hip hop, antiautoritarismo punk e uma fontede truques visuais - tem um grande potencial de venda.

A Yahoo! já tem um site oficial de culture jamming na in-ternet, cheio de "alternativos". Na Soho Down Et Under naWest Broadway, em Nova York, no Camden Market, em Lon-dres, ou em qualquer outra rua importante onde há roupas al-ternativas à venda, você pode conseguir camisetas, adesivos eemblemas com logos alterados. Recorrer ao détournement - parausar uma palavra que de repente parece deslocada - incluimudar Kraft para "Krap" (de "crap", "merda"), Tide para "Jive"("troça"), Ford para "Fucked" ("fodido") e Goodyear para"Goodbeer" ("cerveja boa"). Não são comentários sociais exata-mente mordazes, particularmente porque os logos jammed pare-cem ser intercambiáveis com o kitsch corporativo de camisetas

Page 27: CULTUREJAMMING - naolab.nexodesign.com.br

Dubble Bubble e Tide. Na cena rave, o jogo do logo está a todovapor - nas roupas, tatuagens temporárias, pintura corporal e atéem comprimidos de ecstasy. Os traficantes de ecstasy chegam amarcar suas pastilhas com logos famosos: existem Big Mac E,Purple Nike Swirl E, X-files E e uma mistura de estimulantes etranqüilizantes chamada "Happy Meal", o McLanche Feliz. Omúsico Jeff Renton explica a apropriação de logos corporativospela cultura da droga como uma revolta contra o marketing in-vasivo. "Acho que é uma questão de 'Vocês entram em nossavida com suas campanhas publicitárias de milhões de dólarescolocando logos em lugares que nos deixam pouco à vontade,então vamos pegar seus logos e usá-los em lugares onde vocêsficarão pouco à vontade'", diz ele.27

Mas, por enquanto, o jam como uma forma de resposta àpublicidade começa a parecer uma prova de nossa total coloniz-ação por ela, especialmente porque a indústria da publicidadeestá provando que é capaz de acabar com o culture jamming emsua passagem. Exemplos de publicidade pré-jammed incluemuma campanha de 1997 da Nike que usou o slogan "Não sou/Um mercado alvo/ sou um atleta", e a campanha "Imagem não énada" da Sprite, mostrando um jovem negro dizendo que portoda sua vida foi bombardeado com mentiras da mídia lhedizendo que os refrigerantes fariam dele um atleta melhor oumais atraente, até que ele percebeu que "imagem não é nada".A Diesel Jeans, contudo, foi ainda mais longe, incorporando oconteúdo político dos ataques anticorporação do adbusting.Uma das formas mais populares para artistas e militantes ressal-tarem as desigualdades da globalização de livre mercado éjustapor ícones do Primeiro Mundo com cenas de TerceiroMundo: o Mundo de Marlboro nas ruínas de guerra de Beirute;uma garota haitiana obviamente desnutrida com óculos MickeyMouse; Dinastia sendo exibido e uma TV em uma choça afric-ana; estudantes

457/750

Page 28: CULTUREJAMMING - naolab.nexodesign.com.br

indonésios rebelando-se em frente aos arcos do McDonald's. Opoder dessas críticas visuais de primeiro-mundismo feliz é pre-cisamente o que a campanha publicitária "Brand O" da empresade roupas Diesel tenta cooptar. A campanha mostra anúnciosdentro de anúncios: uma série de outdoors açoitando uma fictí-cia linha de produtos Brand O em uma cidade indefinida daCoréia do Norte. Em um anúncio, uma loura magra glamourosaé retratada ao lado de um ônibus lotado de trabalhadores deaparência fraca. O anúncio está vendendo "Brand O Diet - Nãohá limites para o quão magra você pode ser". Outro mostra umasiático encolhido sob um pedaço de papelão. Sobre ele, eleva-se um outdoor de Ken e Barbie Brand O.

Talvez o ponto sem volta tenha chegado em 1997, quandoMark Hosler, da Negativland, recebeu um telefonema da agên-cia de publicidade ultramodernina a Wieden Et Kennedy per-guntando se a banda que cunhou a expressão "culture jamming"faria a trilha sonora de um novo comercial da Miller GenuineDraft. A decisão de rejeitar o pedido e o dinheiro seria sufi-ciente, mas eles os mandaram passear. "Eles não com-preenderam absolutamente que todo nosso trabalho é essencial-mente feito em oposição a tudo a que eles estão ligados, e issome deixa realmente deprimido, porque pensei que nossa estéticanão pudesse ser absorvida pelo marketing", diz Hosler.28 Outrodespertar repentino veio quando Hosler viu a campanha"Obedeça sua sede" da Sprite. "Esse comercial estava a umadistância muito curta de uma canção de nosso disco [Dispepsi].Foi surreal. Não é só a cultura marginal que está sendo absor-vida agora - isso sempre aconteceu. O que está sendo absorvidoagora é a idéia de que não resta mais oposição, que toda res-istência é inútil".29

Não tenho certeza disso. Sim, alguns profissionais de mar-keting encontraram uma forma de destilar o culture jammingem um tipo particularmente mordaz de publicidade não-linear,e não há dúvida de que a adoção de técnicas de adbusting pela

Page 29: CULTUREJAMMING - naolab.nexodesign.com.br

Madison Avenue conseguiu esvaziar as prateleiras das lojas.Depois que a Diesel começou sua campanhas agressivamenteirônicas "Razões para viver" e "Brand O" nos Estados Unidos,as vendas passaram de US$ 2 milhões para US$ 23 milhões emquatro anos,30 e a campanha "Imagem não é nada" da Sprite éresponsável por um aumento de 35 por cento nas vendas emapenas três anos.31 Dito isto, o sucesso dessas campanhas nadatinha a ver com desarmar o rancor antimarketing que antes demais nada estimulou o adbusting. Na verdade, pode ter tido oefeito oposto.

Ponto de explosão da cool hunting

A perspectiva de jovens se voltando contra o hype da pub-licidade e se definindo contra as grandes marcas é uma ameaçacontínua para agências de cool hunting como a Sputnik, essa in-fame equipe de leitores profissionais de diários e bisbilhoteirosde gerações. "Bandos de intelectuais", como a Sputnik chamaos jovens pensantes, estão conscientes de e indignados com suautilidade para os profissionais de marketing:

Eles compreendem que as gigantescas corporações agorabuscam sua aprovaçao para continuamente fornecer bensque se traduzirão em megavendas. Sua atitude de intelec-tual diz aos outros, e a si mesmos, e de forma mais im-portante aos profissionais de marketing - que gastam in-contáveis quantias em publicidade direta do tipo "é dissoque você precisa" - que eles não podem mais ser compra-dos ou tapeados pelo hype. Ter cabeça significa que vocênão vai se vender nem vai deixar que o que vestir, o quecomprar, o que comer ou

459/750

Page 30: CULTUREJAMMING - naolab.nexodesign.com.br

falar seja determinado por alguém (ou algumacoisa) que não você mesmo 32

Mas apesar de os redatores da Sputnik informarem seusleitores corporativos sobre as idéias radicais nas ruas, eles pare-cem pensar que, embora essas idéias venham a influenciardrasticamente o modo como os jovens se reunirão, vestirão oufalarão, elas magicamente não têm nenhum efeito sobre comoos jovens se comportarão como seres políticos.

Depois de soar o alarme, os caçadores sempre asseguram aseus leitores que todo esse negócio anticorporação é na verdadeuma afetação sem importância que pode ser trabalhada comuma campanha mais moderna e mais mordaz. Em outras palav-ras, o rancor anticorporativo não é uma tendência das ruas maissignificativa do que uma meiga preferência pela cor laranja. Afeliz premissa subjacente aos relatórios dos cool hunters é a deque, apesar de toda a conversa de punk-rock, não existe umcredo verdadeiro e não existem rebeldes que não possam ser do-mesticados com uma campanha publicitária ou por um promo-tor de rua que realmente fale com eles. O pressuposto incontest-ado é de que não há um ponto final neste ciclo de estilo.Sempre haverá novos espaços para colonizar - sejam físicos oumentais - e sempre haverá uma propaganda capaz de penetrar aúltima linhagem de cinismo do consumidor. Nada de novo estáacontecendo, dizem os caçadores uns aos outros: os profission-ais de marketing sempre extraíram símbolos e sinais dos movi-mentos de resistência de sua época.

O que eles não dizem é que as ondas anteriores de res-istência jovem eram dirigidas principalmente contra inimigoscomo "o establishment', o governo, o patriarcado e o complexoindustrial-militar. O culture jamming é diferente - sua raivaabarca o tipo de marketing em que os cool hunters e seus cli-entes estão envolvidos quando tentam imaginar como usar orancor antimarketing para vender produtos. Os novos anúnciosdas grandes marcas devem incorporar um cinismo jovem não

Page 31: CULTUREJAMMING - naolab.nexodesign.com.br

em relação aos produtos como símbolo de status, ou em relaçãoa homogeneização de massa, mas em relação às próprias marcasmultinacionas como incansáveis abutres da cultura.

Os publicitários têm encarado esse novo desafio semmudar seu curso, Estão diligentemente perseguindo e re-vendendo o moderno, assim como sempre fizeram, e é por issoque a Wieden Et Kennedy pensou não haver nada de estranhoem pedir à Negativland para cantar para a Miller. Afinal, foi aWieden Et Kennedy, agência de publicidade da moda sediadaem Portland, Oregon, que fez da Nike um tênis feminista. Foi aWEtK que elaborou o plano de marketing de alienação pós-in-dustrial para a OK Cola da Coca-Cola; a WEtK que fez aomundo a declaração velada de que o Subaru Impreza era "comoo punk rock"; e foi a WEtK que trouxe a Miller para a era daironia. Mestres em lançar o individual contra várias encarnaçõesdo bicho-papão do mercado de massa, a Wieden Et Kennedyvendeu carros a pessoas que odiavam propaganda de carro,calçados a quem abominava imagem, refrigerantes à NaçãoProzac e, acima de tudo, propaganda a pessoas que "não eramum mercado-alvo".

A agência foi fundada por dois pretensos "artistas beat-nik", Dan Wieden e David Kennedy, cuja técnica, ao queparece, para aquietar seus próprios temores atrozes de que es-tavam se vendendo, tinha sido levar as idéias e ícones da con-tracultura para o mundo da publicidade. Uma rápida olhada notrabalho da agência nada revela de uma reunião de contracul-tura - Woodstock com os beats e com a Factory de Warhol. De-pois de colocar Lou Reed em uma propaganda da Honda emmeados dos anos 80, a WEtK usou o hino "Revolution" dosBeatles em um comercial da Nike, depois arrastou "InstantKarma" de John Lennon para outro. Eles também pagaram aoartista proto-rock-and-roll Bo Diddley para fazer os comerciais"Bo Conhece" da Nike, e ao cineasta Spike Lee para fazer umasérie inteira de comerciais do

461/750

Page 32: CULTUREJAMMING - naolab.nexodesign.com.br

462/750

Page 33: CULTUREJAMMING - naolab.nexodesign.com.br

Air Jordan. A WEtK chegou a colocar Jean-Luc Godard diri-gindo um comercial europeu da Nike. Houve ainda mais artefa-tos da contracultura utilizados: enfiaram a face de William Bur-roughs em um minicenário de TV em outro comercial da Nike eplanejaram uma campanha, interrompida pelo Subaru antes deir ao ar, que usava On the Road (Pé na estrada), de Jack Kerou-ac, como o texto de fundo para um comercial do SVX.

Depois de fazer seu nome com base na boa-vontade davanguarda de fixar seu preço para a mistura correta de ironia edólares, a WEtK dificilmente pode ser culpada de pensar que osculture jammers também ficariam empolgados em participar dabrincadeira pós-moderna de uma campanha publicitária cônsciade si. Mas a reação contra as marcas, de que o culture jammingé apenas uma parte, não se relaciona com vagas noções de cul-tura alternativa combatendo a cultura dominante. Ela tem a vercom as questões específicas que têm sido assunto deste livro atéagora: a perda de espaço público, censura corporativa e práticasde trabalho antiéticas, para citar apenas três - questões menosfacilmente digeridas do que petiscos saborosos como o GirlPower e o grunge.

É por isso que a Wieden Et Kennedy dá com a cabeça naparede quando pede à Negativland para se associar à Miller, e épor isso que esta foi somente a primeira de uma série dederrotas da agência. A banda pop política britânica Chum-bawamba recusou um contrato de US$ 1,5 milhão que teriadado à Nike permissão para usar sua canção "Tub-thumping"em um comercial da Copa do Mundo. Não estavam em questãonoções abstratas de permanecer indie (a banda não autorizou ouso da canção na trilha sonora de Esqueceram de mim 3); nocentro dessa rejeição estava o uso da Nike de mão-de-obrasemi-escrava em suas fábricas. "Todos na sala levaram apenas30 segundos para dizer não", disse Alice Nutter, membro dabanda.33 O poeta político Martin Espada também recebeu umachamada de uma das agências menores da Nike, convidando-o atomar parte do "Nike Poetry Slam". Se ele aceitasse, receberiaUS$ 2.500 e seu poema seria lido em um comercial de 30

Page 34: CULTUREJAMMING - naolab.nexodesign.com.br

segundos durante a Olimpíada de Inverno em Nagano. Espadarejeitou categoricamente a oferta da agência, enumerando ummonte de motivos e terminando com este: "Por fim, estou rejeit-ando sua oferta como uma forma de protestar contra as brutaispráticas de trabalho da empresa. Não me associarei com umaempresa envolvida na bem documentada exploração de trabal-hadores em fábricas exploradoras."34 O despertar mais in-clemente veio com o mais perspicaz dos esquemas da WiedenEt Kennedy em maio de 1999, com os escândalos trabalhistasainda pairando sobre o logo da Nike, a agência abordou RalphNader - o mais poderoso líder do movimento pelos direitos doconsumidor e um herói popular por seu ataque às corporaçõesmultinacionais - e lhe pediu para fazer um comercial da Nike. Aidéia era simples: Nader embolsaria US$ 25.000 para exibir umtênis Air 120 e dizer, "Outra vergonhosa tentativa da Nike devender calçados". Uma carta enviada da sede da Nike ao es-critório de Nader explicava que "o que estamos pedindo é queRalph, como o mais proeminente defensor do consumidor dopaís, nos dê uma serena punhalada. Esta é uma coisa típica daNike, que fazemos em nossas propagandas". Nader, em partealguma conhecido como sereno, diria apenas, "Veja só o atrevi-mento desses caras".35

Foi mesmo uma coisa típica da Nike. A publicidade co-opta por reflexo - eles assim o fazem porque o que a cultura deconsumo faz é consumir. A Madison Avenue geralmente não émuito seletiva quanto ao que engole, não evita o veneno diri-gido contra ela, em vez disso, como mostrou a Wieden EtKennedy, mastiga o que quer que encontre pelo caminho comose procurasse pelo novo "moderninho". O cenário que elaparece relutante em levar em consideração é que seus publi-citários, os eternos seguidores de adolescentes, podem por fimestar seguindo seu mercado-alvo até a beira de um penhasco.

464/750

Page 35: CULTUREJAMMING - naolab.nexodesign.com.br

Adbusting nos anos 30: "Torne-se umretocador!"

É claro que a indústria da publicidade desarmou reaçõesantes - de mulheres reclamando de sexismo, gays denunciandoinvisibilidade, minorias étnicas cansadas de caricaturas grosseir-as. E isso não é tudo. Na década de 1950 e novamente na de 70,os consumidores ocidentais tornaram-se obcecados pela idéia deque estavam sendo ludibriados pelos publicitários através douso dissimulado de técnicas subliminares. Em 1957, VancePackard publicou o enorme sucesso The Hidden Persuaders,que chocou os americanos com a afirmação de que cientistas so-ciais estavam embutindo mensagens invisíveis ao olho humanoem anúncios publicitários. A questão reapareceu em 1973,quando Wilson Bryan Key publicou Subliminal Seduction, umestudo das mensagens lascivas metidas em cubos de gelo. Keyficou tão entusiasmado com sua descoberta que fez afirmaçõesbombásticas, como "a promessa subliminar para alguém com-prar gim Gilbeys é simplesmente uma boa e velha orgia sexu-al".36

Mas todos esses espasmos antimarketing tinham umacoisa em comum: eles visavam exclusivamente o conteúdo e astécnicas da publicidade. Esses críticos não queriam ser sublim-inarmente manipulados - e realmente queriam os afro-amer-icanos em seus anúncios de cigarro e gays e lésbicas vendendojeans. Como as preocupações eram tão específicas, era relativa-mente fácil para o mundo da publicidade recorrer a elas ouabsorvê-las. Por exemplo, a carga de mensagens ocultas abriga-das em cubos de gelo, e outros espectros cuidadosamentemoldados, geraram um subgênero de publicidade carregado deironia que os historiadores do design Ellen Lupton e J. AbbotMiller denominam "meta-subliminar" - peças publicitárias queparodiam a idéia de que a publicidade manda mensagenssecretas. Em 1990, a Absolut Vodka lançou a campanha "Abso-lut Subliminar" que mostrava uma garrafa de vodca com gelo

Page 36: CULTUREJAMMING - naolab.nexodesign.com.br

com a palavra "Absolut" claramente projetada nos cubos degelo. A Seagram e o gim Tanqueray seguiram com sua própriabrincadeira subliminar, como fez o elenco de Saturday NightLive com o personagem recorrente Homem Subliminar. As crít-icas à publicidade que tradicionalmente têm vindo do meioacadêmico também não foram ameaçadoras, embora pormotivos diferentes. A maioria das críticas se concentrou nãonos efeitos do marketing sobre o espaço público, a liberdadecultural e a democracia, mas nos poderes de persuasão da publi-cidade sobre pessoas aparentemente incautas. Para a maioria, ateoria do marketing se concentra na forma como a publicidadeimplanta falsos desejos no público consumidor - fazendo-noscomprar coisas que são ruins para nós, poluir o planeta ou em-pobrecer nossa alma. "A publicidade", disse certa vez GeorgeOrwell, "é o retinido de um graveto em um balde de lavagem."Quando essa é a opinião dos teóricos a respeito do público, nãosurpreende que haja pouco potencial de redenção na maior parteda crítica da mídia: essa triste ralé jamais estará de posse dos in-strumentos de crítica de que necessita para formular uma reaçãopolítica à mania de marketing e à sinergia da mídia.

O futuro é ainda mais árido para aqueles acadêmicos queusam a crítica da publicidade para um ataque mal disfarçado à"cultura de consumo". Como escreve James Twitchell em Ad-cult USA, a maior parte da crítica à publicidade cheira a de-sprezo pelas pessoas que "querem- argh! - coisas".37 Tal teoria não pode jamais esperar formar ofundamento intelectual de um verdadeiro movimento de res-istência contra a vida de marca, uma vez que o genuíno em-powerment político não pode ser conciliado com um sistema decrenças que considera o público um bando de bois alimentadoscom propaganda, mantidos em cativeiro pelo feitiço hipnóticoda cultura comercial; qual é o problema de passar pelo con-tratempo de tentar derrubar a cerca? Todo mundo sabe que asvacas marcadas continuarão lá, parecendo estúpidas e

466/750

Page 37: CULTUREJAMMING - naolab.nexodesign.com.br

467/750

Page 38: CULTUREJAMMING - naolab.nexodesign.com.br

ruminando.

Curiosamente, na última vez em que houve um ataquebem-sucedido à prática da publicidade - em vez de um desa-cordo sobre seu conteúdo e suas técnicas - foi durante a GrandeDepressão. "Na década de 1930, a própria idéia de uma so-ciedade de consumo satisfeita e estável retratada na publicidadeprovocou uma onda de ressentimento por parte de milhões deamericanos que se viam excluídos do sonho de prosperidade.Surgiu um movimento antipublicidade, que atacava a propa-ganda não por imagens falhas, mas como a face mais exposta deum sistema econômico profundamente falho. As pessoas não seenfureciam com as imagens nas propagandas, mas com acrueldade da promessa obviamente falsa que elas repres-entavam - a mentira do sonho americano de que o estilo de vidade consumo feliz era acessivel a todos. No final dos anos 20, edurante toda a década de 1930, as promessas frivolas do mundoda publicidade feitas por justaposições estonteantes com os de-sastres do colapso econômico montaram o palco para uma ondasem paralelo de ativismo de consumidores.

Existiu uma revista de curta existência publicada em NovaYork chamada The Ballyhoo, uma espécie de Adbusters da épo-ca da Depressão. Na esteira do crash da bolsa de 1929, The Bal-lyhoo surgiu como uma nova voz cínica, violentamente zom-bando da "psiquiatria criativa" da propaganda de cigarros edesinfetantes bucais, bem como do rematado charlatanismo quecostumava vender todo tipo de poções e loções.38 The Ballyhoofoi um sucesso imediato, alcançando uma circulação de mais de1,5 milhão de exemplares em 1931. James Rorty, publicitárioda Madison Avenue dos anos 20 convertido em socialista re-volucionário, explicou o apelo da nova revista: "Enquanto abase de vendas da revista de massa ou do consumidor de elite éformada pelos leitores que confiam na publicidade, a base devendas da Ballyhoo é composta dos leitores que detestam publi-cidade, e detestam a arte de vender com métodos persuasivos de

Page 39: CULTUREJAMMING - naolab.nexodesign.com.br

modo geral. (...) A Ballyhoo, por sua vez, parasita o corpo in-chado e grotesco da publicidade."39

A culturejam da Ballyhoo inclui os cigarros "Scramel"("Tão atrevido que chega a ser insultante"), ou a linha de "69cremes Zilch diferentes: O que as garotas bem ensebadasusarão. Absolutamente indispensável (Pergunte a qualquer dis-pensário)". Os editores estimulavam os leitores a ir além de suasrisadinhas e sair para destruir alguns cartazes inconvenienteseles mesmos. Uma propaganda falsa da "Twitch Toucher UpperSchool" mostrava o desenho de uma mulher que tinha acabadode pintar um bigode em uma glamourosa modelo de cigarros. Alegenda dizia, "Torne-se um retocador!" e prosseguia: "Se vocêanseia por emporcalhar a publicidade: se seu coração implorapara pintar cachimbos nas bocas de belas senhoras, experimenteeste teste de 10 segundos AGORA! Nossos diplomados deixamsuas marcas em todo o mundo! Bons retocadores são sempremuito procurados". A revista também criou produtos falsos paraespicaçar a hipocrisia da administração Hoover, como o"Lençol Lady Pipperal De Luxe" - extralongo, para se ajustarconfortavelmente a bancos de parque quando você virar umsem-teto. Ou o "smilette", o "sorrisinho" - dois ganchos que sãopresos de cada lado da boca e forçam uma expressão feliz."Afaste a Depressão com um sorriso! Entre conosco com umsorriso na Prosperidade!"

Porém, os violentos culture jammers da época não eramhumoristas da Balyhoo, mas fotógrafos como Walker Evans,Dorothea Lange e Margaret Bourk White. Esses documentaris-tas políticos agarravam-se às hipocrisias de campanhas publi-citárias como "Não há melhor modo do que o modo americano"da Nation Association of Manufacturers, ressaltando os contras-tes visuais gritantes entre anúncios e a paisagem ao redor deles.Uma

469/750

Page 40: CULTUREJAMMING - naolab.nexodesign.com.br

técnica popular era fotografar outdoors com slogans como "Omais alto padrão de vida do mundo" em seu habitar verdadeiro:erguido surrealmente sobre uma fila de mendigos e cortiços. Osorriso maníaco dos modelos apinhados no sedã da família eramclaramente cegos para as massas maltrapilhas e as esquálidascondições abaixo deles. Os fotógrafos da época também docu-mentavam escrupulosamente a fragilidade do sistema capitalistaretratando homens de negócios arruinados erguendo placas"Trabalho por comida" à sombra de enormes outdoors etapumes descascados da Coca-Cola.

Em 1934, os publicitários começaram a usar a paródiapessoal para lidar com a crescente crítica que encaravam, umatática que alguns viam como prova do estado de abandono daindústria. "As transmissoras e sem dúvida também osprodutores de cinema sustentam que essas promoções de ven-das burlescas acabam com a maldição da conversa de vendedor,e isso provavelmente é verdade até certo ponto", escreve Rortysobre a autozombaria. "Mas a prevalência da tendência dá lugara uma certa suspeita sinistra (...) Quando a comédia burlescasobe ao púlpito do Templo da Publicidade, pode-se suspeitar le-gitimamente que o edifício está condenado; que será em brevedemolido ou convertido para usos seculares."40

E claro que o edifício sobreviveu, embora não incólume.Os políticos do New Deal, pressionados por uma ampla gamade movimentos populistas, impuseram ao setor reformasduradouras. Os adbusters e os fotógrafos do documentário so-cial eram parte de uma maciça revolta pública popular contragrandes empresas, que incluía a rebelião de fazendeiros contra aproliferação de cadeias de supermercados, o estabelecimento decooperativas de compras para o consumidor, a rápida expansãode uma rede de sindicatos de comércio e uma punição a fábricasdo setor de vestuário que exploravam mão-de-obra (que viram afiliação a dois sindicatos de trabalhadores do setor saltar de40.000 em 1931 para mais de 300.000 em 1933). Acima detudo, as primeiras críticas à publicidade eram intimamente liga-das ao nascente movimento de consumidores que tinha sido o

Page 41: CULTUREJAMMING - naolab.nexodesign.com.br

catalisado por One Hundred Million Guinea Pigs: Dangers inEveryday Foods, Drugs and Cosmetics (1933), de F. J. Schlinke Arthur Kallet, e Your Money's Worth: A Study in the Waste ofthe Consumer Dollar (1927), escrito por Stuart Chase e F. J.Schlink. Esses livros apresentavam catálogos abrangentes decomo o povo era enganado, fraudado, envenenado e roubadopelos capitães da indústria americanos. Os autores fundaram oConsumer Research (que mais tarde deu origem à dissidênciaConsumers Union), que serviu como um laboratório independ-ente de teste de produtos e um grupo político que fazia lobbyjunto ao governo por melhor classificação e identificação deprodutos. O CR acreditava que o teste objetivo e a identificaçãoconfiável podiam tornar o marketing tão irrelevante que se torn-aria obsoleto. De acordo com a lógica de Chase e Schlink, se osconsumidores tivessem acesso a pesquisa científica cuidadosaque comparasse os méritos relativos dos produtos no mercado,todos simplesmente tomariam decisões ponderadas e racionaissobre o que comprar. Os publicitários, é claro, ficaram fora desi, e apavorados com os adeptos que F. J. Schlink arrebanhounas universidades e entre a intelligentsia de Nova York. Comoobservou o publicitário C. B. Larrabee em 1934, "Umas quar-enta ou cinqüenta pessoas não querem mais comprar uma caixade biscoitos para cachorro se F. J. não der seu 'OK'. (...) obvia-mente eles pensam que a maioria dos publicitários é de rábulasdesonestos e hipócritas".41

A utopia racionalista de Schlink e Chase de consumismoao estilo Spock nunca se concretizou, mas seu lobby obrigou osgovernos em todo o mundo a criminalizar afirmações gritante-mente falsas em publicidade, a estabelecer padrões de qualid-ade para os bens de consumo e a se tornar ativamente en-volvidos em sua classificação e identificação. E o ConsumersUnion Reports ainda é a bíblia do comprador na América, em-bora há muito tenha

471/750

Page 42: CULTUREJAMMING - naolab.nexodesign.com.br

cortado seus laços com outros movimentos sociais.

Vale a pena observar que as tentativas mais extremas doatual mundo da publicidade de cooptar o rancor anticorporativotêm se alimentado diretamente de imagens produzidas original-mente por fotógrafos documentaristas da época da Depressão.A Brand O da Diesel é quase uma réplica da série de outdoors"American Way", de Margaret Bourke-White, tanto em estiloquanto em composição. E quando o Bank of Montreal lançouuma campanha publicitária no Canadá no final dos anos 90, noauge de uma reação popular contra os lucros astronômicos dobanco, ele usou imagens que lembravam as fotografias deWalker Evans de homens de negócios da década de 1930 le-vantando placas "Trabalharei por Comida". A campanha dobanco consistiu em uma série de fotos granuladas em preto ebranco de pessoas maltrapilhas segurando placas que diziam,"Jamais terei minha casa própria?" e "Vai ficar tudo bem con-osco?" Uma placa simplesmente dizia, "O garoto está por suaprópria conta". Os anúncios de televisão desacreditavam o gos-pel e o ragtime da época da Depressão com imagens industriaislúgubres de trens de carga abandonados e cidades empoeiradas.

Em outras palavras, quando chegou a hora do fogo contrafogo, os publicitários voltaram a uma época que eles sempredetestaram, e somente uma guerra mundial poderia salvá-los.Parece que esse tipo de choque psíquico - uma empresa deroupas usando as mesmas imagens que marcaram a indústria devestuário; um banco tirando partido de um rancor antibancos - éa única técnica que restou para atrair a atenção de nós, baratasresistentes à publicidade. E isso pode bem ser verdade, doponto de vista do marketing, mas há também um amplo con-texto que vai além do imaginário: a Diesel produz muitas desuas roupas na Indonésia e em outras partes do Extremo Ori-ente, lucrando com as mesmas disparidades ilustradas em suasmordazes propagandas de Brand O. Na verdade, parte docaráter moderno da campanha é a clara noção de que a empresa

Page 43: CULTUREJAMMING - naolab.nexodesign.com.br

está flertando com a saturação de relações públicas no estiloNike. Até agora, a marca Diesel não teve alcance suficiente nomercado para sentir a força total de ter suas imagens atiradas devolta para seu organismo corporativo, mas quanto maior umaempresa se torna - e ela está cada vez maior a cada ano - maisvulnerável ela fica.

Essa foi a lição das reações à campanha "Sinal dos tem-pos" do Bank of Montreal. O uso pelo banco de poderosas im-agens de colapso econômico exatamente no momento em queanunciava lucros recorde de US$ 986 milhões (aumentando em1998 para US$ 1,3 bilhão) inspirou uma onda espontânea deadbusting. A simples imagem da campanha - pessoas segur-ando placas raivosas - era de fácil replicação pelos críticos dobanco com paródias que espicaçavam as exorbitantes taxas deserviço do banco, seus funcionários de empréstimo inacessíveise o fechamento de agências em bairros de baixa renda (afinal, atécnica do banco tinha sido roubada de ativistas). Todos en-traram em ação: jammers solitários, o programa satírico da CBSThis Hour Has 22 Minutes, o Globe and Mail Report on Busi-ness Magazine e organizações independentes de vídeo.

Claramente, essas campanhas publicitárias estão mexendocom emoções poderosas. Mas, ao brincar com sentimentos quejá são dirigidos contra eles - por exemplo, o ressentimentopúblico contra os bancos lucrativos ou as crescente, disparid-ades econômicas -, o processo de cooptação corre o risco deamplificar a reação, em vez de desarmá-la. Sobretudo, a apro-priação da imagem parece radicalizar os culture jammers e out-ros militantes anticorporação - desenvolve-se atitude de "coopteisso!" que se torna ainda mais difícil de difundir. Por exemplo,quando lançou uma campanha de anúncios pré-jammed doNeon (a que acrescentou um falso "p" em spray, mudando "Hi"para "Hip"), a Chrysler inspirou Billboard Liberation

473/750

Page 44: CULTUREJAMMING - naolab.nexodesign.com.br

Front a fazer sua maior investida em anos. O BLF desfiguroudezenas de outdoors do Neon em Bay Área alterando "Hip"para "Hype" e acrescentando, na maior parte deles, uma caveirae ossos cruzados. "Não podemos descansar enquanto essasempresas cooptam nossos meios de comunicação", disse JackNapier. "Além disso... eles são feios."

Talvez o erro de cálculo mais sério por parte dos merca-dos e da mídia seja a insistência em ver o culture jammingapenas como uma sátira inofensiva, um jogo isolado de umgenuíno movimento ou ideologia política. Certamente, para al-guns jammers a paródia é percebida, de uma forma pomposa,como um poderoso fim em si mesmo. Mas para muitos outros,como veremos nos próximos capítulos, é simplesmente umnovo instrumento para enfeitar a artilharia anticorporativa, maiseficaz para romper a barreira da mídia que a maior parte deles.E como veremos, os adbusters estão atualmente agindo emmuitas frentes diferentes: as pessoas que escalam outdoors sãocom freqüência as mesmas que organizam manifestações contrao Acordo Multilateral de Investimento, montando protestos nasruas de Genebra contra a Organização Mundial do Comércio eocupando bancos para protestar contra os lucros que estão ob-tendo com as dívidas dos estudantes. O adbusting não é um fimem si mesmo. É apenas uma ferramenta - uma entre muitas -que está sendo usada, emprestada e tomada em um movimentopolítico muito maior contra a vida de marca.