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Cunha(2003) A linguística funcional - teoria e prática

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lingüistica funcional:teoria e pratica

Maria Angélica Furtado da CunhaMariangela Rios de Oliveira

Mario Eduardo Martelotta (orgs.)

Este livro apresenta-se com quatro palavraspesadas: IingüÎstica, funcional, teoria epratica. Os pesos sac ponderados nas duasprimeiras, com complicaçao para 0

intérprete habituado a lidar cam as ciênciashumanas, pois a funcional da lingüistica édistinto do funcional da antropologia. Aquise trata de um tipo de abordagem queprivilegia 0 contato empfrico com os dados,sem comprometer-se com os pressupostosdo funcionalismo c1assico.

o terceiro termo, teoria, dissipa parte dasduvidas do profissional da linguagem edas pessoas interessadas na tematicada ecologia da linguagem. A teoriaabordada e elaborada neste livra origina-sede uma reaçao à Iingüfstica formalista,desencadeada na Costa Geste dos EstadosUnidos nos anos 1970, tendo camo figurasde praa Talmy Giv6n, Sandra Thompson e,mais recentemente, Joan Bybee. A teoriaconstruiu-se e constr6i-se mais em termosreativos do que proativos, pois os

squisadores avançam num constantercfcio de ensaio-e-erro, a partir dostulados formulados por Giv6n em 1979,sua monumental On understandingmar. Figura/fundo, transitividade,

icidade e gramaticalizaçao apresentam­como pedras de toque do movimento.

termo pratica é mais ambicioso e,portanto, mais prablematico. Em sua

., primeïra acepçao, pratica aponta para asanalises empfricas de fenômenos sintaticos

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Lingüistica funcional: teoria e pratica

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Lingüistica funcional: teoria e prâticaMaria Angélica Furtado da Cunha

Mariangela Rios de OliveiraMario Eduardo Martelotta (orgs.)

Revisao de provasDaniel Seidl

Projeta grâfico, diagramaçao e capaCarolina Falcâo

Gerência de produçiioMaria Gabriela Delgado

CIP-BRASIL. Catalogaçao-na-fonte

Sindicato Nacional dos Editores de Livras, RJ

Lingüistica funcional: teoria e pratica / Maria AngélicaFurtado da Cunha, Mariangela Rios de Oliveira e MarioEduardo Martelotta (orgs.) Rio de Janeiro: DP&A, 2003.

144p., 14 x 21 cmInclui bibliografiaISBN 85-7490-240-3

1. Lingüistica 2. Comunicaçâo 1. Titulo.

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Maria Angélica Furtado da Cunha

Mariangela Rios de Oliveira

Mario Eduardo Martelotta (orgs.)

Lingüistica funcional: teoria e pratica

Eduar Kenedy Areas

Lucia aria Alves Ferreira

arcos Antonio Costa

Maria Maura Cezario

Victoria Wilson Coelho

~APER.I~~"'ChII!I-R""'''''__ra• Poo.qu.... RIo .... --....

•~DP&A..edi1::ora..

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© DP&A editora Ltda.

Proibida a reproduçâo, total ou pardal, por qualquer

meio ou processo, seja reprogrâfico, fotografico,

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Impresso no Brasil

2003

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j/

Para Sebastiiio Votre,criador do grupo de estudos Discurso & Gramâtica,

amigo emestre de todos nos

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Sumario

PrefacioAnthony Nara

Introduçâo

A visâo funcionalista da linguagemno século XX

Mârio Eduardo MartelottaEduardo Kenedy Areas

Pressupostos teôricos f1.ndamentaisMaria Angélica Furtado da CunhaMarcos Antonio CostaMaria Maura Cezario )

A mudança lingüisticMârio Eduardo rtelotta

Estabilidade e continuidadesemântica e sintatica

Lucia Maria Alves Ferrei ra

Lingüistica funcional aplicadaao ensino de português

Mariangela Rios de OliveiraVictoria Wilson Coelho

Rumos da lingüistica funcionalMaria Angélica Furtado da CunhaMariangela Rios de OliveiraMârio Eduardo Martelotta

Bibliografia comentada

Referências bibliograficas

Sobre os autores

9

11

17

29

57

73

89

123

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131

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Prefacio

Ao final da década de 1970 surgiu no Rio de Janeiro uma nova

corrente de pesquisa lingüîstica orientada sobretudo para 0 estudo

do uso da lîngua em situaçoes diversas no mundo real. No inicio, aspesquisas concentravam-se principalmente na ârea desociolingüistica e varia -0, corn um certo direcionamento para

questoes relacionadas a s reflexos da diacronia na sincronia. A

principal fonte intelectual era a obra de William Labov. Ja na décadaseguinte, 0 espectro de estudo ampliou-se corn a inclusao da

orientaçao teôrica funci nalista norte-americana e, mais tarde, cornum interesse especia ara 0 fenômeno da gramaticalizaçao.

o grupo ori . al, comprometido corn essas pesquisas, hoje é

conhecido coma Programa de Estudo sobre 0 U50 da Lîngua (Peul).Na década de 1990, um de seus fundadores, 0 professor Sebastiao

Josué Votre, estimulado pela professora canadense Dianne Vincent,

criou outro grupo mais especific31nente voltado para investigaçoesfuncionalistas sobre 0 relacionamento entre Discurso e Gramâtica

(D&G), nome que adotou para 0 novo projeto. Esse nova grupoinspirou-se principqlmente nas idéias de Sandra Thompson, WallaceChafe e Talmy Givôn.

o grupo D&G, em 1996, publicou um considerâvel toma de

pesquisas intitulado Gramaticalizaçiio no português do Brasil: umaabordagem funciona1. Essa obra era dirigida aos niveis de graduaçao

e pâs-graduaçao das universidades e apresentava uma sintese das

pesquisas originais do grupo. 0 presente livro, por suavez, constituiuma tentativa de dialogo corn os professores de lîngua materna

interessados nas recentes contribuiç6es da lingüîstica à sua pratica

DP&A editora

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Anthony NaraProfessar titular de Lingüîstica

da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

pedagôgica. Além dissa, oferece um resumo de suas principaisdescobertas e conclus6es sobre 0 funcionamento do português do

Brasil em situaçao de comunicaçao. Trata-se de uma abordagem de

cunha didâtico, corn introduç6es te6ricas a cada subârea de estudoe aplïcaç6es ao português do Brasil. Tenho certeza de que a livra

possibilitarâ a introduçaa de orientaç6es p6s-gerativistas àcamunidade acadêmica mais ampla.

10 LingüÎstica funcional: teoria e pratica

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Introduçâo

Lingüîstica funcional: teoria e prtitica, como 0 titulo informa,

contempla duas faces ia investigaçao do uso da Hngua: 0

"tratamento introdut6rio de prindpios e pressupostos do

funci~.r:!alisI!l9....:D-Q!te-am~~icano~a$-IP-panhados de consideravel

cxemplificaçao, e a exerdC~',O de aplicaçao desse aparato ao ensino­é.1prendizagem de lîngua m terna no Brasil. A produçao desta obrateve coma ponto de parti a um relat6rio, com 0 mesmo titulo,

produzido par Sebastiao Josué Votre em 1992, e que até hoje temsida muito utilizado em squisas voltadas para a anâlise fundonal.

~

~. A relevânciadest 'vro configura-se, prindpalmente, devido àé~~~~de - rial correspondente ou afim em circulaçâo no

., '-', _...~,~._"~~., ...,....

mercado editorial nacional. Via de regya, a referência bibliogyaficade orientaçâo funcionalista encontra-se em lîngua estrangeira,

circula fundamentalmente em alguns cursos de p6s-graduaçâo strictosensu e os resultados de pesquisa nao sao considerados em termosde sua aplicabilidade mais sistematica nas salas de aula de lîngua

portuguesa e mesmo de lingilistica. Evidencia-se, pois, a importância

de uma publicaçâo coma a que ora apresentamos à comunidadeacadêmica,

Lingüîstica juncional: teoria eprtitica é um empreendimento dos'--------,--,;------:=----:-":

, membros do grupo de estudos Discurso & Gramatica (D&G), que

congyega pesquisadores da UFRJ, UFRN, UFE Uerj e UniRi~rata­se do resultado da fase atual de nossos estudos, mais modalizada e

reflexiva, preocupada também cam as quest6es que cercam arealidade educaciànal em nosso paîs em seusdiversos nîveis.

o gyupo D&G, que se dedica à pesquisa funcionalista, corn ênfase

DP&A editora

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12 Lingüfstica funcional: teoria e pratica

nos fgDÔ.l}1~_!19~s,de continuidade, variabilidade e mudança doportuguès, telYLn~s qu~~t6~~·c~~rfossintâticâs~~~ foco deinve~tigaçao.

Nessa tarefa, privilegiam-se nao so as estratégias de codificaçao mais

sistemâticas e regulares do usa lingüîstico, como também san

consideradas estruturas menos convencionadas, à margem da

gramâtica, principalmente em relaçao ao que é proposto pela

descriçao narmativa.

Além da orientaçao teorica, é marca do grupo 0 tratamento demesma fonte empîrica de pesquisa - os textos constituintes do CorpusDiscurso & Gramatica: aZingua jalada eescrita no Brasil, que consiste

em um banco de dados da comu;Yd estudantil de cinco cidades

" brasileiras: Rio de Janeiro (RJ),/Natal (RN), uiz de Fora (MG), Rio'.' r:. ~,: !-,.----.~- .---~--,--- ..-.

Grande (RS) e Niter6i (RI). Esses textos, co~~.tados e or9~nizados nosanos 1990, distribuem-se em cinco tipologias: narrativa de experiència

pessoal, narrativa recontada, relata de procedimento, descriçâo de

local e relata de opiniâo. Os informantes, divididos igualmente

entre sexos masculino e feminino, distribuîdos em todos os nîveis

de ensino, nas faixas etârias respectivas, foram convidados a produzir

~"t"l textos orais e, a partir dessa primeira etapa, redigiram 0 material .. ).' Tl.' .--;::,\ escnto correspondente. Trata-se, portanto, de um corpus relevante

l' para a tratamento da interface fq!a.__ x escrita, ârea privilegiada naf!)atual fase da pesquisa sobre a funcionamento da lîngua em situaçao

de comunicaçâo, além de perspectiva bastante contemplada nos

recentes documentos legais sobre 0 ensino-aprendizagem de lîngua

portuguesa no Brasil.

Nos parâgrafos a segllir, apresentamas uma sîntese do conteûdo

de cada capîtulo. Yale ressaltar que, embara sob a responsabilidade

de distintos autores, todos membros do grupo D&G, os capitulos

compôem um so projeta, um todo orgânico, que se inicia na clâssica

distinçâo entre os polos formalista e funcionalista dos estudos

lingüisticos, passa pela apresentaçâo dos pressupostos teoricos do

ûltimo pâlo na vertente norte-americana, discute e exemplifica a

mudança e seu contraponto, a continuidade, de acordo corn essa

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Introduçao 13

te6rica funcionalista e sua aplicaçâo à resoluçao de quest6esatinentes ao ensino-aprendizagem de lîngua materna no Brasil, e,por fim, apresenta e discute os rumos dessa corrente, as pr6ximastarefas a serem cumpridas na investigaçao lingüistica de caraterfuncional. Esses capîtulos obedecem, pois, a uma seqüência, que seorienta do menas para 0 mais especîfico, do global para 0 pontual,da teoria para a prâtica e as novas tendências.

o primeiro capîtulo, sob a responsabilidade de Mârio EduardoMartelotta e Eduardo Kenedy Areas, traça uma breve historia dos----estudos lingüisticos na Europa e nos Estados Dnidos, demonstrandoque, a partir de Saussure, as pesquisas nessa ârea caracterizaram-sepela alternância de duas grandes tendências te6ricas: uma atribuiaà funçao comunicativa das 1nguas 0 papel predominante; a outradava ênfase à forma lingüist ca, ficando suas funç6es em segundopIano. Esse capitulo for ece material para que se possamcompreender melhor as te dências funcionalistas da atualidade eas opç6es te6ricas e met ol6gicas que as distanciam dos estudosformalistas.

No segun capitulo, elaborado por Maria Angélica Furtadoda Cunha, Marcos Antonio Costa e Maria Maura Cezario, sao

introduzidos os pr~_!"!<:Jp~~~!~~~cos do funcionalismo, tais comaiconicidade, marcaçao, transitividade, pIanos discursivos,informatividade, gramaticalizaçâo, discursivizaçâo, cielo funcionale unidirecionalidade. Esses princîpios sao apresentados,primeiramente, em sua formulaçao original e, em seguida, em sua

versâo refarmulada, praposta pela grupo D&G a partir da aplicaçâodos mesmos nas pesquisas desenvolvidas. Cada um dos canc~itaséexemplificado corn dadas dos trabalhos jâ realizados pelos membras

dogrupa.

o terceiro capîtulo, redigida por Mârio Eduardo Martelotta,

apresenta uma proposta de a~~!i_~~_~~J!d~~alingüistica cornbase em prindpios funcionalistas, demanstrando que, no que serefere à trajet6ria hist6rica das lînguas, determinadas estruturasmodificam-se, enquanto outras se mantêm intactas. 0 capîtulo

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14 LingüÎstica funcional: teoria e pnHica

prop6e que 0 fenômeno da mudança lingü:istica nao pode serentendido segundo uma diacronia linear, ja que existem tendênciasde natureza cognitiva e conversacional, que agem regularrnente sobreos elementos lingilisticos, levando-os a ter seus valores modificados.

No quarto capitulo, Lucia Maria Alves Ferreira reune evidênciasde estabilidade sintatica e semântica na lingua portuguesa, a partirda analise contrastiva de enunciados representativos de diferentessincronias, e na üngua latina. Nos exemplos, observa-se a naturezasistematica e estavel das relaç6es polissêmicas, dos usos e dasconstruç6es em que se encontram os itens focalizados. A analiseproblematiza 0 prindpio da unidirecionalidade concreto > abstratona derivaçâo, no curso do tempo, de novos sentidos e usas para ositens lingü:isticos.

o capitulo quinto, dedicado à apli~~ao do funcionalismo ao

e~~~Il5?=.~J?!~~.dizagemdo português, elaborado par Mariangela Riosde Oliveira e Victoria Wilson Coelho, tem camo um dos objetivospredpuos farnecer aos professores de Hngua portuguesa e aosestudantes de graduaçâo e pôs-graduaçao uma releitura de algunsfenômenos e categorias lingüisticas tematizados ao longo doscapitulas anteriores. Sao abordados alguns objetivos do ensino deHngua partuguesa de acordo corn os prindpios postulados pelosParâmetros Curriculares Nacionais, que, ao privilegiarem umaperspectiva gramatical de natureza interativa e produtiva, vêm aoencontro da orientaçao funcionalista que concebe a gramâticae a

l:ingua em funçâo do usa, ou seja, numa perspectiva pragmatica.Dessa forma, propôem-se algumas sugest6es de atividades queenvalvem 0 binômio fa la x escrita, além daquelas que tratam dosgêneros discursivos, a fim de proporcionar ao leitor umapossibilidade de allar a teorizaçâo lingü:istica à prâtica pedag6gicaem sala de aula.

1:,~. ~~EfiIE, Maria Angéllca Furtado da Cunha, Mariangela Rios de

Oliveira e Mario Eduardo Martelotta apresentam e discutem os

ru~9.~ da pesquisa lingüistica de orientaçâo funcionalista no Brasil.Apôs apontar para as tendências atuais da referida area de

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lntroduçao 15

iIlvestigaçâo, os autores destacam os desafios a serem enfrentadosneste nova milênio, fundamentalmente os relativos ao viés multi- e1ransdisciplinar que deverâ marcar os estudos da linguagem, emtermos tanto internos, coma a interface corn a sociolingüistica e osl'studos de pidgins e crioulos, quanta externos, par intermédio dodiâlogo corn a filosofia, a antropologia e a educaçâo.

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A visâo funcionalista da linguagemno séculoXX

Mario Eduardo MartelottaEduardo Kenedy Areas

A lingüîstica do século XIX, em suas pesquisas de ordem

eminentemente hist6rico-c mparativa, deixou um importante

legado teôrico, sobretudo po intermédio dos neogramâticos e de

lingüistas comoHumboldt, oreen e Svedelius (MALMBERG,1974).

Entretanto,o surgimento lingüîstica moderna é normalmente

identificado corn 0 apa, imento do Cours de linguist_ique généralede Saussure, em~ partir de entâo, conforme prop6em Dirven

c Fried (1987), très noçoes bâsicas passaram a caracterizar a evoluçâo

da lingüîstica no século XX: sistema, estrutura e junçtio.'00 _o, _oooo __ o .,.L .0._._. .

A noçao de sistema deve-se a Saussure. De acordo corn

Benveniste (1976), a novidade da doutrina saussu~na reside

L'xatamente na visâo de lîngua como sistema, que (prevê uma

prioridade do todo em relaçao aos elementos que 0 comp6em.

o terma sistema mais tarde foi substituîdo pelo termo estrutura:Illna vez aceita a visan de que a Zingua constitui um sistema - um

conjunto cujos elementos agrupam-se num todo organizado -,

('umpre analisar-lhe a estrutura. Foi a tendència que se desenvolveu

!la lingüîstica a partir da publicaçao do Cours, tendo sua primeira

t 'xpressao nos trabalhos do Circulo Lingüistico de Praga, a partir de

1028. 0 estruturalismo foi, entâo, adquirindo novos adeptos, como

()s que fundaram a Escolaode Copenhague. Hjelmslev (ap. BENVENISTE,

J976) define novamente 0 dominio da lingüistica estrutural:

DP&A eclitoril

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18 Lingüfstica funcional: teoria e pratica

Compreende-se por lingüistica estrutural um conjunto de pesquisasque se apôiam numa hipotese segundo a quaI é cientificamenteIegitimo descrever a linguagem coma sendo essencialmente umaentidade autônoma de dependências internas ou, numa palavra,uma, estrutura. ,-, r}: .. , .r +., Î'" / Svl-M

; L. ..s?;! c·e. î ~ 1 1"

A anâlise lingüîstica estava, entao, restrita à rede de

dependências internas em que se estruturam os elementos da lîngua.

No que se refere ao Cîrculo Lingüistico de Praga, Fontaine (1978)

indica outras influências, além das provenientes de Saussure, que

levaram os lingüistas a se dedicar ao estudo da lôgica interna do

sistema da lingua. Essas outras influências provinham do filôsofo

Husserl e, principalmente, da teoria da Gestalt (KoFFKA, 1935), que se

deu par meio de seu freqüente contato corn a psicôlogo alemao

Karl Bühler.

A estreita relaçâo corn Bühler parece ter dada à lingüîstica de

Praga uma feiçao diferente das outras escolas estruturalistas

européias. Nas palavras de Fontaine (1978, p. 40), ele foi 0" avalista

filosôfico do aspecta funcionalista do estruturalismo praguense",

ja que via a funçâo corna um elemento essencial à linguagem. Essa

concepçao nao pode ser atribuîda a Saussure, que deixou de fora

dos estudos lingüîsticas os aspectos relacionados à funçao, a partir

do momenta em que propôs a distinçao entre langue e parole, fazendo

da primeira 0 objeta de estudo da lingüîstica. Essa estratégia teôrica

retirou da âmbito dos estudos lingüîsticos 0 interesse por passîveis

influências sofridas pela estrutura gramatical das lînguas,

provenientes de aspectas pragmatico-discursivos.

A noçâo de funçiio é um pouco mais problematica, na medida

em que varios autares a utilizam para caracterizar suas analises, que

nem sempre apresentam caracteristicas semelhantes. Segundo

NichaIs (1984),funçiio é um termo polissêmico e nao uma coleçao de

homônimos. Todos os sentidos do termo de certa forma se

relacionam, par um lado, à dependência de um elemento estrutural

corn elementas de outra ordem ou dOffiinio (estrutural ou nao­

estrutural) e, par outro lado, ao papel desempenhado por um

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J\ visao funcionalista da linguagem no século XX 19

~ 'Iemento estrutural no processo comunicativo, -ou seja, a funçao~ '( Hllunicativa do elemento.

Os te6ricos de Praga utilizaram a noçao de funçao nesses dois~;l'ntidos. De acordo corn Nichols (1984), a Escola de Praga praticoulima variante do que ela chama fJlnçiio/!!!J!zçfio, na medida em quef( lCalizou a relaçao do elemento cam 0 sistema lingüistico coma umlodo. A noçao de funçao como relaçao, tal coma proposta porNichols (1984), prevê a relaçao de um elemento estrutural corn ou(lentro de uma unidade estrutural maior. 0 status de funçâo/relaçao Çc

1

(lp6e-se ao status categorial, nao fazendo este ûltimo referência a y 1

lIIua ordem maior, mas simplesmente caracterizando a entidade l('omo um portador de propriedades. !:v,! tI U Ir, Y l'co. fl'J ( N'

Nao é essa, entretanto, marca do funcionalismo dos lingiiistasde Praga. 0 que caracteriz u suas analises foi a adoçao de uma

Iloçao~~ de funça (para eles, a lingua deve ser entendida('omo um sistema funcion , no sentido de que é utilizada para um;

determinado fimjNas pa vras de Fontaine (1978, p. 22), referindo­st' ao Cîrculo Lingiils· de Praga, lia intençao do locutor apresenta­se coma a expli çao 1 mais natural' em analise lingüistica: essaintençao do locutor é que fundamenta 0 discurso".

Dessas informaç6es, pode-se concluir que 0 estruturalismo nao

foi um movimento unificado, apresentandol ao contrariol aspectosdistintos de acordo corn diferentes autores. Dirven e Fried (1987)prop6em que as varias abordagens da lingüistica estruturatherdeiras da concepçao saussuriana da linguageml variavap-\lambém de acordo corn a ênfase dada à significância da funçfio emseus modelos te6ricosl podendo dividir-se em dois grandes p6los:

il) pâlo formalista, no quaI a analise ressalta a forma lingüîstical ) (Y\ficando sua funçao num pIano secundârio; (cR9

b) p6lo funcionalistal no quaI a funçâo que a forma lingüfsticadesempenha no ato comunicativo tem papel predominante.

Essa visao bipartida das tendências dalingüistica atual, emboradesconsidere algumas divergências, é compartilhada por outros

'lUtores, como Schiffrin (1994) e Kato (1998).

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20 Lingü[stica funcional: teoria e prMica

o polo formalista

o pâlo formalista caracteriza-se/ em termos gerais/ pela tendênciaa analisar a Hngua coma um objeto autônomo/ cuja estruturaindepende de seu usa em situaç6es comunicativas reais. SegundoDirven e Fried (1987)/ a tendência para a pâlo formalista pode servista entre os lingiiistas da Escala de Copenhague. ADinamarca temforte tradiçâo nos estudos da linguagem/ cam lingiiistas coma Rask/Madvig/ Noreen e Jespersen/ mas foi cam Hjelmslev/ Uldall e,anteriormente, Br0ndal que a lingüîstica tornou-se mais formaI eabstrata. Nota-se nos trabalhos desses lingüistas "um marcanteinteresse filosâfico e, em particular, lâgico" (LEPSCHY, 1971/ p. 61).

Hjelmslev (1975, p. 3) prop6e que a lîngua nao deve serinterpretada coma a reflexo de um conjunto de fatos nâo­lingiiîsticos/ mas coma uma "unidade encerrada em si mesma, camouma estrutura sui generis". Assim considerada, a lîngua apresentaum carater abstrato e estatico, ja que é dissociada do atocomunicativo.

o pâlo formalista teve sua mais forte expressâo no descritivismoamericano (Bloomfield/ Trager/ Bloch, Harris, Fries)/ mas foi aplicadomais rigorosamente nos sucessivos modelas de gerativismo. Emboraos estudos lingüîsticos tenhmn sida dominados pela gerativismo,que mantém uma forte tradiçâo até os dias de hoje/ a polofuncionalista permaneceu vigoroso. Abordagens gerativasalternativas/ coma a semântica gerativa, ou a gramatica dos casaspadem ser vistas coma um esforço/ no paradigma formalista/ dequestianar algumas das propastas desse paradigma, par UID ângulasemântica-funcionalista (DIRVEN e FRIED, 1987).

o polo funcionalista

o pâla funcionalista caracteriza-se pela concepçâo da lînguacamo um instrumenta de camunicaçao, quel coma tal, nao pode seranalisada coma um objeto autônomo/ mas coma uma estruturamaleavel, sujeita a press6es ariundas das diferentes situaç6escomunicativas, que ajudam a determinar sua estrutura gyamatical.

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A visao funcionalista da linguagem no século XX 21

o p6lo funcionalista também pode ser visto em algumas escolaslingüisticas p6s-saussurianas da Europa no século XX. Saussureinfluenciou mais de perto a Escola de Genebra, cujas principaisrepresentantes sao Charles BaUy, Albert Sechehaye e Henri Frei.Enquanto Sechehaye limitou-se basicamente a discutir as idéias deSaussure, BaUy, nas palavras de Leroy (1982, p. 94),

atacando 0 dificil problema da relaçao entre 0 pensamento e suaexpressâo lingüîstica, renovou a estilîstica, definindo-a como 0

estudo dos elementos afetivos da linguagem e dedicando suaatençao aos desvios que 0 usa individual (a fala) é levado a imporao sistema (a lîngua).

Essa proposta baseia-se no fato de que nao ha separaçaointransponivel entre esses dois aspectos da linguagem, posiçaote6rica por definiçao funcionalista. Por sua vez, Frei notabilizou-separ sua analise referente aos desvios da gramatica normativa, que,segundo sua proposta, nao sao fortuitos, mas constituem tendênciasconseqüentes da necessidade de comunicaçâo, constituindo,portanto, uma rica fonte de estudos lingüisticos. Frei se fez 0

promotor da lingüistica de base funcionat que associa os fatoslingüisticos a determinadas funç6es a eles relacionadas.

Essa influência chegou até Mar'tinet, que, de acordo cornMounin (1973), manteve freqüente contato corn os principaislingüistas de Praga, sobretudo corn ITubetzkoy, parquem foi bastanteinfluenciado. Para Lepschy (1971, p. 101), Martinet e Jakobson sao"os dois herdeiros mais importantes, no pensamento lingüisticointernacional, da Escola de Praga".

A herança funcionalista deixa também suas marcas nas escolasde Londres, em que, por meio de Halliday, desenvolveu-se umatendência a estudar as linguas de um ponto de vista funcionaI.

Mathiessen (ap. NEVES, 1997, p. 58) afirma que a gramatica funcionalde Halliday esta baseada no "funcionalismo etnogrâfico e [no]contextualismo desenvolvido por Malinowski nos anos 1920[MACEDO, 1998], além da lingüistica firthiana da tradiçao etnognificade Boas-Sapir-Whorf e do funcionalismo da Escola de Praga".

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22 Lingüfstica funcional: teoria e pratica

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A propensâo a analisar a lingua de um ponto de vista funcional

também estâ presente no grupo holandês. Reichling adotou apostura funcionalista, influenciando a gramâtica de Dik (NEVES,

1997), que trabalha corn uma concepçâo tele?16gic~?~linguagem.Para Dik, 0 principal interesse de uma lingüîst1ca funcionalista estânos processos relacionados ao êxito dos falantes ao se comunicarem

por meio de expressôes lingüîsticas.

o funcionalismo nos Estados UnidosComo visto anteriormente, a lingüîstica norte-americana foi

dominada por uma tendência formalista, que se enraizou cornLeonard Bloomfield e se mantém até hoje corn a lingüîstica gerativa.

Entretanto, houve paralelamente uma inclinaçâo para 0 pâlo

funcionalista. Franz Boas nao influenciou apenas 0 descritivismo,principal vertente lingüîstica dos EVA, mas também a tradiçâo

etnolingüîstica de Sapir e Whorf, assim como os trabalhos deBolinger, Kuno, Del Himes, Labov e muitos outros etno- esociolingüistas. Certamente, os ûltimos passos dados por antigos

gerativistas, como Langacker e Lakoff, que aderiram à gramâtica

cognitiva,l devem servistos como uma franca caminhada em direçâoao pâlo funcional (DIRVEN e FRIED, 1987).

A lingüîstica cognitiva caracteriza-se por adotar alguns

pressupostos contrârios à tradiçâo formalista. Entre essespressupostos estâ, por exemplo, a idéia de que asigni~se------=baseia numa relaçâo entre sîmbolos e dados de um mundo real de

vida independente, mas no fato de que as palavras e as frasesassumem seus significados no contexto, 0 que implica a noçâo deque ;SConceitos decorrem de padr6es criados culturalmente.

1 Salomao (1999) admite que a ênfase na acessibilidade da linguagem a seu usoaproximaria 0 enfoque cognitivista à tradiçao funcionalista, mas acrescentaque as analîses funcionalîstas da Costa Oeste americana e dos gruposcentralizados par Halliday e Dik na Europa estao ainda influenciadas pelatradiçâo estruturalista, apresentando as seguintes caraeterîsticas: a) mantêmo foco no significante; b) nao desenvolvem a importância do contexto,reduzindo-o a um conjunto de variaveis inorgânicas; c) prop6em, de ummodo geral, uma abordagem estatica do significado.

Page 25: Cunha(2003) A linguística funcional - teoria e prática

r.........--------------------

A visâo funcionalista da linguagem no século XX 23

Os cognitivistas propôem também que 0 pensamento provém dacanstituiçao corporal humana, apresentando caracteristicasderivadas da estrutura e do movimento do corpo e da experiênciaffsica e social que os humanos vivenciam por meio dele. Além dissa,o pensamento é imaginativo, 0 que significa dizer que, paracompreender conceitos que nao sao diretamente associados àexperiência fîsica, emprega metaforas e metonîmias que levam amente humana para além do que se pode ver ou sentir. Senda assim,a sintaxe nao é autônoma, mas subordinada a mecanismossemânticos que nossa mente processa durante a produçao lingilisticaem determinados contextos de usa.

Por outro lado, determinadas areas de pesquisa, coma amudança lingüîstica e crioulîstica,2 pareciam indicar as 1~:t!litgç6.et?

teorl~i~.fj~~~~âtica gerativa. Portanto,lingüistas de formaçao.... ,-.-,.,., ~"._..-

gerativista foram buscando alternativas teôricas que abordassemmelhor os fenômenos por eles estudados. É 0 casa de ElizabethCloss Traugott, que, devido ao seu interesse por fenômenosrelacionados à mudança lingüîstica, passou a adatar a teoria dagramaticalizaçao, focalizando os aspectos semântico-pragmaticosda mudança. Segundo essa teoria, as formas lingüîsticas têm seususos estendidos por p~~._!1nidirecionais~_ml;Lq.l!.nça,

motivados pelo uso e por fatores de ordem cognitiva.

o termo juncionalismo ganhou força nos Estados Unidos a partirda década de 1970, passando a servir de rôtulo para 0 trabalho delingüistas como Sandra Thompson, Paul Hopper e Talmy Givôn,que passaram a advogar uma lingüistica baseada no uso, cujatendência principal é observar a lingua do ponto de vista do contextolingüistico e da situaçâo extralingüîstica. De acordo corn essaconcepçao, a sintaxe é uma estrutura em constante mutaçâo emconseqüência das vicissitudes do discurso. Ou seja, a sintaxe tem a

2 Ârea de investigaçao de crioulos,linguas que se desenvolveram historicamentede um pidgin. Em poucas palavras, 0 pidgin é uma forma relativamentesimplificada de falar que se desenvolveu pelo contato de grupos lingüisticosheterogêneos, como 0 tok pisin (lingua de Papua-Nova Guiné, ilha ao norteda Australia).

ct-

Page 26: Cunha(2003) A linguística funcional - teoria e prática

24 Lingüistica funcional: teoria e pratica

, "

",

fonna que tememrazao das estratégias de organizaçao dainformaçao

empregadas pelos falantes no momento da interaçao discursiva.

Dessa maneira, para compreender 0 fenômeno sintatîco, seria preciso

estudar a lingua em usa, em seus contextos discursivos espedficos,

pois é nesse espaço que a gramatica é constituîda.

o texto considerado pioneiro no desenvolvimento das idéias

da escola funcionalista norte-americana foi flThe origins of syntax

in discourse: a case study of Tok Pisin relatives", pliblicado par

Gillian Sankoff e Penelope Brown em 1976. Nesse traballio, as autoras

fornecem evidências das motivaç6es discursivas geradoras das

estruturas sintaticas de relativizaçao do tok pisin, lîngua de origem

pidgin de Papua-Nova Guiné, ilha ao norte da Austrâlia.

Em 1979, Talmy Givon, influenciado pelas descobertas de

Sankoff, publica "From cliscourse ta syntax: grammar as a processing

strategy", texto programatico da lingüîstica funcional, explicitamente

antigerativista, que afirma que a sintaxe existe para desempenhar

uma certa funçao, e é esta funçâo que determina sua maneira de ser.

Iconicidade, fala e pancroniaUma maneira interessante de compreender 0 espîrito da

lingüistica funcional norte-americana é observar a refutaçâo,

proposta par Givon (1995), em relaçâo ao que ele caracteriza cama

t \'~J(;\' o~~s~~i~ da lingüîstica estrutural: a arbitrariedade do\1'\ ---signa lingüistico, a idealizaçâo relacionada à distinçao entre langue

e parole, e a rigida divisâo entre diacronia e sincronia.

A dautrina da arbitrariedade separa, no signa lingüistica, a

significante do seu correlata mental, 0 sigtÜficada, deixando apenas

os dois termas observaveis da equaçaa: 0 signa e seu referente, a

que Givon caracteriza coma uma triste caricatura da visâa pasitivista

e behaviorista do significado coma referência externa. Essa posiçâo

parece dever-se ao fato de os estruturalistas (sabretudo os narte­

americanos) tenderem a naa trabalhar corn entidades mentais vagas

e pouco acessiveis à anâlise empirica, cheganda mesmo a negar a

Page 27: Cunha(2003) A linguística funcional - teoria e prática

A visao funcionalista da Iinguagem no século XX 25

existência de pensamento, ou qualquer estrutura mental organizada,

preexistente à linguagem.

Par outra lado, a pr6pria noçâo de arbitrariedade do signa, ao

menas em sua farmulaçâo mais radical, é questionâvel, de acordo

corn Bolinger (1975), para quem as lînguas saa em parte arbitrârias,em parte icônicas - ou nao-arbitrârias. Saussure reconheceu que

havia exceç6es ao seu principio da arbitrariedlllie do signo lingüistico,mas,s~~ann(1977, p. 169),"desprezou-as por serem poucaimportantes", assumindo uma postura diferente, nesse aspecta, de

lingiiistas camo Schuchardt eJespersen./c' f

De fato, se c~ E~~'.l~~.~.~f9.E.~1!~E?9:~a.__!.~~.I_~~.~.~~.~t.~~_?!! seja, à \maneira formalista de obs ar a lingua fora de seu contexto de usa, i.

a que inevitavelmente merge diante da visâo do analista é uma

relaçao nâo-necessâ ·a - arbitrâria ou nâo-natural- entre umaestrutura sa e um si·g~ifi~~ë.îo---(ouu~-ôbjetoreferente).

Entretanto, quando se muda a foco de anâlise para uma abordagem

voltada ao uso da lingua, observa-se a existência de mecanismos

recorrentes, que refletem um pracesso mais funcional de criar r6tulos

novos para novos referentes.

Ocone que, para c~iar novos rôtulos, 0 falante naa inventaarbitrariamente séqfrências novas de sons, mas tende fortemente a

utilizar material jâ existente na Hngua, estendendo 0 sentido de

palavras, no que Ullmann (1977) chama motivaçiio semântica ('pé damesa", "coraçiio da cidade"), ou criando palavras novas, pelos

processos de derivaçâo ("apagadar", "leiteiro") ou camposiçâo

CUaguardente", "pâra-quedas"), utilizando um mecanismo que

Ullmann (1977) chama de motivaçiio morfol6gica. A esses dois junta­

se um terceiro mecanismo, chamado motivaçiiofonética, caracterizada

pelas anomatapéias ('cacoracô","tilintar"), em que 0 sam da palavra

c1aramente imita a caisa designada.

Esses très mecanismas têmemcomum 0 fato de serem motivadas

na sentido bâsico do termo: a palavra assume uma forma especîfica

por um motivo determinado. Assim, a palavra pé, par exemplo,

apresenta uma relaçao semântica corn as partes da mesa, destinadas

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26 Lingüfstica funcional: teoria e prÉltica

1V"

à sua sustentaçâo, ou 0 tenno apagador deve-se ao fato de tratar-se de

um instrumenta utilizado para apagar 0 quadro, normalmente em

uma sala de aula. Esses mecanismos sao mais comuns porque

funcionam bem do ponto de vista comunicativo e cognitivo, no

sentido de que um processo baseado em decis6es puramente

arbitnirias seria mais custoso para 0 falante e, sobretudo, para 0

ouvinte. Em muitos casos, essa motivaçâo se perde quando a

mudança semântica faz a palavra afastar-se de suas origens.

No campo da sintaxe, os funcionalistas consideram mais

aceitavel a idéia da nâo-arbitrariedade. Para citar um exemplo,

quando narramos seqüências de aç6es coma "Cheguei em casa,

tomei um banho e fui dormir", nâo ordenamos as clausulas

arbitrariamente, mas de acordo corn a ordem em que elas ocorreram

na realidade. A essas tendências, que se manifestam paralelamente

à arbitrariedade, refletindo algum tipo de motivaçâo, os

funcionalistas chamam iconicidade. Também sao explicados pelo

prindpio da iconicidade aspectos relacionados à extensâo da

sentença, assim coma àordenaçâo e à proximidade dos elementos

lingüisticos que a comp6em, dependendo de fatores como

complexidade semântica, grau de informatividade dos referentes

no contexto e proximidade semântica entre conceitos.

Outro dogma estruturalista refere-se à idealizaçâo associada à

distinçâo entre langue e parole. Corn essa dicotomia, Saussure

estabeleceu uma diferença entre 0 que é geral e 0 que é individual e,

conseqüentemente, entre 0 que é essencial e 0 que é acidental, ou

entre 0 que é regular e 0 que é fortuito. Para 0 trabalho do lingüista,

importavam somente os fatas relativas à langue, senda dispensada

atençâo diminuta à fala individual. TaI perspectiva difere muite

pauca da lingüistica gerativista no que se refere à distinçâa entre

competência e performance. Ambas as concepç6es priorizam a lingua

em detrimento da fala, considerando esta nao mais que mera

manifestaçâo das possibilidades de um sistema independente.

o pasicionamento funcianalista em relaçâo a esse aspecto

consiste em dar nova relevo ao discurso individual, passando a

Page 29: Cunha(2003) A linguística funcional - teoria e prática

A visao funcionalista da linguagem no século XX 27

compreendê-Io coma nîvel gerador do sistema hngüîstico. Este,

por sua vez, é definido à maneira de um corpo moldâvel e em

constante transformaçao. Nesse sentido, nao hâ coma separar a

langue da parole: 0 acidentaI ou casuaI que caracteriza 0 discurso

passa a ser a gênese do sistema, que, por sua vez, alimenta 0 discurso.

A proposta de Lichtenberk (1991), segundo a quaI existe uma relaçâo

simbi6tica entre discurso e gramâtica, é um 6timo exemplo dessa r~;

concepçao de linguagem. .....\' .

A dicotomia sincronia x diacronia, compreendida coma dois'" ~eixos separados e nao-intercambiâveis, é a terceiro dogma àc:estruturalista a ser revisto pelo funcionalismo. Para Saussure, os

princîpios e as consideraç es da anâlise sincrânica e da anâlise

diacrânica nao se confu em e devem restringir-se a seu domînio

espedfico de aplicaç- . Ou seja, 0 trabalho sincrânico lida com

fenômenos do' ma que nao têm relaçao necessâria, sendo, por

vezes, incompativel com 0 trabalho diacrônico.

Entretanto, pesquisas em gyamaticalizaçao têm demonstrado

que, ao lado de fenômenos que mudam corn 0 tempo, existem

determinados aspectos que parecemmanter-se ao longo da trajet6ria

das lînguas. Em outras palavras, hâ um conjunto de processof de

mudança que atuam corn relativa regularidade sobre os eleme~tos

lingüisticos, estendendo-Ihes 0 sentido. De uma perspec'tiva

hist6rica, esses processos podem dar a impressao de uma seqüência

de mudanças ocorridas no tempo; de uma perspectiva sincrônica,

a que se observa é UID conjunto de polissemias coexistindo.

A tendência que se percebe do funcionalismo norte-americano

a partir dos trabalhos sobre gramaticalizaçâo (HEINE, CLAUD! e

HüNNEMEYER, 1991; TRAUGOTI e HEINE, 1991; HOPPER e TRAUGOTI,1993)

é focalizar os mecanismos que geram a mudança camo senda

alicerçados emfatores comunicativos e cognitivas. Nesse sentido,

pode-se dizer que 0 funcionalismo tende a adotar uma cancepçâa

pancrônica de mudança (SAUSSURE, 1916/1973), observando naa as

relaç6es sincrônicas entre seùs elementos ou as mudanças percebidas

nesses elementos e nas suas relaç6es ao longo do tempo, mas as

Page 30: Cunha(2003) A linguística funcional - teoria e prática

28 LingüÎstica funcional: teoria e pratica

forças cognitivas e comunicativas que atuam no indivîduo no

momento concreto da comunicaçao e que se manifestam de modo

universal, jâ que refietem os poderes e as limitaç6es da mente

humana para armazenar e transmitir informaç6es.

Para resumir a visao funcionalista da linguagem, é interessante

o grupo de premissas com que Givôn (1995) caracteriza essa

concepçao:

• a linguagem é uma atividade sociocultural;

• a estrutura serve a funç6es cognitivas e comunicativas;

• a estrutura é nao-arbitrâria, motivada, icônica;

• mudança e variaçâo estâo sempre presentes;

• 0 sentido é contextualmente dependente e nâo-atômico;

• as categorias nao sao discretas;

• a estrutura é maleâvel e nao-rigida;

• as gramâticas sao emergentes;

• as regras de gramâtica permitem algumas exceç6es.

1

Page 31: Cunha(2003) A linguística funcional - teoria e prática

Pressupostos te6ricos fundamentais

Maria Angélica Furtado da CunhaMarcos Antonio CostaMaria Maura Cezario

o funcionalismo r güistico contemporâneo difere dasabordagens formalista - estruturalismo e gerativismo - primeiro

par conceber a lin~ em coma um instrumento de interaçao sociale segundo par seu interesse de investigaçao lingüistica vai alémda estrutura gramatical, buscando no contexto discursivo amotivaçâo para os fatos da lîngua. A abordagem funcionalistaprocura explicar as regularidades observadas nouso interativo dalingua analisando as condiç6es discursivas em que se verifica esse

usa. Os dominios da sintaxe, da semântica e da pragm~icasaorelacionados e interdependentes. Ao lado da descriçâo sit\ltâtica,

1

cabe investigar as circunstâncias discursivas que envolvem asestruturas lingüisticas e seus contextos espedficos de uso. Segundoa hip6tese funcionalista, a estrutura gramatical depende do usoque se faz da lingua, ou seja, a estrutura é motivada pela situaçâocomunicativa. Nesse sentido, a estrutura é uma variâvel dependente,pois os usas da lingua, ao longo do tempo, é que dao forma aosistema. A necessidade de investigar a sintaxe nos termos dasemântica e da pragmâtica é comum a todas as abordagensfuncionalistas atuais.

Iconicidade e marcaçâoEm lingüistica, iconicidade é definida coma a correlaçao natural

entre forma e funçâo, entre a c6digo lingüistico (expressâo) e seu

DP&A editora

Page 32: Cunha(2003) A linguística funcional - teoria e prática

30 Lingüistica funcional: teoria e pratica

designatum (conteudo). Os lingüistas funcionais defendem a idéiade que a estrutura da lingua reflete, de algum modo, a estrutura daexperiência. Como a linguagem é uma faculdade humana, asuposiçâo geral é que a estrutura lingüîstica revela as propriedadesda conceitualizaçâo humana do mundo ou as propriedades damente humana.

As discuss6es em toma da motivaçâo entre expressâo e conteudona lîngua remontam à Antigiiidade clâssica, corn a famosa polêmicaque dividiu os filôsofos gyegos em convencionalistas e naturalistas.Enquanto os primeiros defendiam que tudo na lîngua eraconvencional, mera resultado do costume e da tradiçâo, osnaturalistas afirmavam que as palavras eram, de fata, apropriadaspor natureza às coisas que elas significavam. Essas especulaç6esfilos6ficas têm seus desdobramentas no debate posterior entreanamalistas e analogistas acerca da (ir)regularidade da estruturalingüîstica.

No inîcio do sécula XX, essa controvérsia foi retomada porSaussure, que adotau pasiçâo favorâvel à concepçâoconvencionalista, reafirmando 0 carâter arbitrârio da lîngua: nâoexiste relaçâo natural entre a "imagem acûstica" do signo lingüîstico(0 significante) e aquilo que ele evoca conceptualmente (0significado) .1

o fil6sofo Peirce (1940) discorda parcialmente da idéia de totalarbitrariedade, recuperando, em certa medida, a posiçâo adotadapelos antigos naturalistas e conjugando-a à postura doscanvencionalistas. Segundo ele, a sintaxe das linguas naturais nao

1 Nao parece haver uma correspondência estrita entre naturalistas xconvencionalistas, por um lado, e analogistas x anomalistas, par outro. Apesarde aigumas afinidades, eles tinham preocupaç6es distintas e, de certa forma,independentes. Enquanto naturalistas e convencionalistas discutiam arelaçào entre as U coisas do mundo" e suas designaç6es, anaiogistas eanomalistas discutiam as regularidades do sistema lingüistico. TomemosSaussure camo exempio. Em reIaçao à conexâo entre significado esignificante, ele se alinha aos convencionalistas (arbitrariedade do signolingüistico); quanta ao carater regular e sistematico da lingua, ele se posicionajunto aos analogistas (a lingua é um sistema).

Page 33: Cunha(2003) A linguística funcional - teoria e prática

é totalmente arbitrâria, e sim isomârfica ao seu designatum mental.No entanto, esse isomorfismo da sintaxe, ou correlaçâo transparenteentre fonna e funçao, nao é absoluto, e sim moderado. Na codificaçâosintâtica, principios icônicos (cognitivamente motivados) interagemcorn prindpios mais simbâlicos (cognitivamente arbitrârios), querespondem pelas regras convencionais.

Peirce estabeleceu dois tipos de iconicidade: a imagética e adiagramâtica. A primeira diz respeito à estreita relaçao entre um f

ri.

item e seu referente, no sentido de um espelhar a imagem do outro 1

(p. ex., pinturas, estâtuas); jâ a segunda refere-se a um arranjo icônicode signos, sem necessâria intersemelhança. Ambos os tipos de relaçâoicônica têm interessado a pe quisadores de orientaçâo funcionalista.

É corn Bolinger (1977 que a isomorfismo lingüîstico revela suaface radical, quando R stula que a condiçao natural da lîngua épreservar uma for para um sentido, e vice-versa. Estudos sobreos proœ variaçao e mudança lingüîsticas, ao constatar aexistência de duas ou mais formas alternativas de dizer"a mesmacoisa", levaram à reformulaçâo dessa versao forte. Na lîngua queusamos diariamente, especialmente na lîngua escrita, existem porcerto muitos casos em que nao hâ uma relaçâo clara, transparente,entre forma e conteûdo. Ha contextos comunicativos emque acodificaçao morfossintâtica é opaca em sua funçâo. Tom~das

sincronicamente, determinadas estruturas exibem acentuado graude opacidade em relaçâo aos papéis que desempenham. Assim,encontramos correlaçâo entre uma forma e vârias funçoes, ou entreuma funçâo e vârias formas. 0 uso do sufixo -inho ilustra 0 primeirocaso. Essa forma, que originalmente indica tamanho diminuto, comaem criancinha, desenvolveu-se para marcar afetividade, camo empaizinho, pejoratividade, como em gentinha, ou ainda um valorde superlativo, como em devagarzinho (R.J. SILVA, 2000). A funçâo deimpessoalizaçao do agente da açao verbal pode ser codificada, emportuguês, por vârios recursos: verbo na terceira pessoa do plural(Construîram uma ponte na cidade"); particula se apassivadoraCConstruiu-se uma ponte na cidade"); voz passiva (Uma ponte·foiconstruîda na cidade"); pronome indefinido ('i\lguém construiu uma

Pressupostos te6ricos fundamentais 31

Page 34: Cunha(2003) A linguística funcional - teoria e prática

ponte na cidadefl); pronome de terceira pessoa do plural sem referente

explicita ("Eles construiram uma ponte na cidadefl), entre outros.

Em sua versâo mais branda, 0 prindpio de iconicidademanifesta-se em três subprincîpios, que se relacionam à quantidadede informaçâo, ao grau de integraçâo dos constituintes da expressâoe do conteûdo e à ordenaçâo linear dos segmentos.

Segundo a subprincipio da quantidade, quanta maior a quantidadede informaçâo, maior a quantidade de forma, de tal modo que aestrutura de uma construçâo gramatical indica a estrutura doconceito que ela expressa. Isso significa que a complexidade depensamento tende a refletîr-se na complexidade de expressâo (SLüBIN,1980): aquilo que é mais simples e esperado expressa-se corn 0

mecanismo morfol6gico e gramatical menos complexo.

o subprincfpio da integraçiio prevê que os conteudos que estâomais pr6ximos cognitivamente também estarao mais integrados nonivel da codificaçâo - 0 que esta mentalmente junto coloca-sesintaticamente junto.

o subprincfpio da ordenaçiio linear diz que a informaçâo maisimportante tende a ocupar a primeiro lugar da cadeia sintatica, demodo que a ordem dos elementos no enunciado revela a sua ordemde importância para 0 falante.

Vejamos aIgumas aplïcaç6es da versâo branda do principio deiconiddade. No estudo danegaçâo (FURTAOO DA CUNHA, 1996), a negativadupla fomece evidência favoravel ao principio icônico da quantidade:

\

32 Ungüistica funcional: teoria e pratica

1) ...um motorista dele... nesse tempo ele... num era... num era ummotorista dele nao... era do hote!... porque ele fkau sem motorista...(corpus D&G;Natal, p. 244).2

2 Na transcriçâo desse exempla, e nos demais de modalidade falada, foramutilizados os seguintes critérios: a) ... - qualquer pausa; b) ( ) - incompreensâode palavra ou segmenta; c) / - truncamento; d) :: - alongamento; e) « )) ­comentarios descritivos do transcritar; f) [ ] ~ inforrnaçâo elucidativacornplernentar; g) (...) - trecho saltado; h) eh - fâtico; i) l}) - sintagrna ellptico.É importante observar que na transcriçâo de falas adota-se 0 usa deminûsculas, ao passo que na reproduçâo de textos escritos usam-senormalmente as maitisculas quando necessario.

Page 35: Cunha(2003) A linguística funcional - teoria e prática

1 Na exemplificaçâo da modalidade escrita, os textos sao apresentadosexatamente coma produzidos par seus autores.

3) ...0 pai dele tava... tava tomando banho... 0 gato apareceu na... najanela lâ do... do... do banheiro ele tava tomando banho nabanheira .ele pulou dentro e rasgou 0 ... 0 0 pai dele todinho num matou nao .56 fez arranhar né?... depois ele pegou um cabo de vassoura... meteuno gato e 0 gato foi embora... (corpus D&GINatal, p. 28).

2) Hâ pouco tempo atrâs, dois Mrbaros assassinatos, 0 da atriz DanielaPerez e 0 da menina que foi queimada pelos sequestradoresressuscitou a polêmica da Pena de Morte (corpus D&G/Natal, p. ~1).3

\

Em relaçâo ao principio da ordenaçâo linear, a dâssico exem~locitado é "Vim l vi, vend"l cuja distribuiçâo das palavras na ora~âo

corresponde à seqüência cronolôgica das aç6es descritas. Ainda

outro exemplo: 0 trecho a seguir foi retirado de uma narrativa

recontada, em que 0 falante reproduz 0 filme Cemitério maldito.Note-se que a apresentaçâo dos eventos narrados obedece à ordem

cronol6gica e 16gica em que ocorreram na trama:

33l'n~ssupostos te6ricos fundamentais

No discurso falado, a pronuncia do niio tônico que precede 0

vl'rbo freqüentemente se reduz ao num atono, ou mesmo a uma

si mples nasalizaçâo. Para reforçar a idéia de negaçâo, 0 falante utiliza

Il III segundo nao no fim da oraçâo, como uma estratégia para suprir

() cnfraquecimento fonético do niio pré-verbal e 0 conseqüente

l'svaziamento do seu conteûdo semântico. Assim, 0 acréscimo do

segundo niio tem motivaçâo icônica: quanta mais imprevislvel se

1orna a informaçaol mais codificaçâo ela recebe.

Em seu trabalho sobre os procedimentos de manifestaçâo do

sujeito, Costa (2000) utiliza 0 prindpio icônico da proximidade para

l'xplicar a ausência de concordânciaverbal em oraç6es em que sujeito

(' verbo encontram-se estrutur ente distanciados. Aintroduçâo de

material de apoio entre 0 suj . 0 e 0 verbol como 0 aposto do exemplo

<lbaixo, enfraquece a int açâo entre sujeito e predicado no pIano

do con 0 resulta na falta de concordância verbal:

Page 36: Cunha(2003) A linguística funcional - teoria e prática

Do que foi exposto, conclui-seque a lingua nao é um

mapeamento arbitrârio de idéias para enunciados: raz6esestritamente humanas de importância e complexidade refletem-se

nos traços estruturais das lînguas. As estruturas sintâticas nao devem

ser muito diferentes, na forma e na organizaçao, das estruturas

semântico-cognitivas subjacentes. Como opçâo teôrica, 0 principioda iconicidade, em sua formulaçao atenuada, permite uma

investigaçâo detalhada das condiç6es que governam 0 uso dos

recursos de codificaçâo morfossintâtica da lîngua.

o principio de marcaçiio, herdado da lingüîstica estrutural

desenvolvida pela Escala de Praga, estabelece três critérios principaispara a distinçâo entre categorias marcadas e categorias nao-marcadas,

em um contraste gramatical binârio:

a) complexidade estrutural: a estrutura marcada tende a ser maiscomplexa (oumaïor) que a estruturanao-marcada correspondente;

b) distribuiçao de freqüência: a estrutura marcada tende a ser menasfreqüente do que a estrutura nao-marcada correspondente;

c) complexidade cognitiva: a estrutura marcada tende a sercognitivamente mais complexa do que a estrutura nao-marcadacorrespondente. Incluem-se, aqui, fatores coma esforço mental,demanda de atençao e tempo de processamento.

Hâ uma tendência geral, nas lînguas, para que esses três critériosde marcaçâo coincidam. Admite-se que a correlaçâo entre marcaçao

estrutural, marcaçâo cognitiva e baixa freqüência de ocorrência é 0

reflexa mais geral da iconicidade na gyamâtica, dada que representao isamorfismo entre correlatos substantivos (de naturezacomunicativa e cognitivaj"·~· ~~;~~ï~t~~f~;~~i~·d~~a;câçao:Assim,

• ,_.U'" .•_ ..~__ '""~""''-+'. ''W. '-••..,."."..........~••_.,.....,., ....,'"'-

as categorias que sao estrutura1mente mais marcadas tendem tambéma ser substantivamente mais marcadas.

Givôn (1995) adrnite que Ulla mesma estruturapode sermarcada

num contexto e nâo-marcada em outro, e acrescenta que, dessemodo, a marcaçao é um fenômeno dependente do contexto,

devendo, portanto, serexplicada cornbase em fatores comunicativos,

34 Lingüfstica funcional: teoria e prética

Page 37: Cunha(2003) A linguística funcional - teoria e prática

Essas três estruturas negativas nao se op6em binariamente, mas

se distribuem num contî:fiuo, exibindo diferentes graus de marcaçao

quanto à freqüência d'e uso, à complexidade estrutural ou àl' ,1

i (1 ../ l'/CO pi .~; (; ,:,,9· /)"( C:,'

\" .c' 1 ~

4) ...a nova regente... ela naD tava sabendo reger direito a regente docoral... tava errando lâ um monte de coisas... né? (corpus D&G/Natal, p. 278).

5) •••e teve uma pessoa que chegou pra mim e perguntou... l'Gerson .você aceita fkar no cargo e tudo fl num sei que... eu disse... nao .num aceito naD (corpus D&G/Natal, p. 178).

6) •..tudo eu faço sabe? tem isso comigo naD... (corpus D&G/Natal, p. 264).

socioculturais, cognitivos oubiolôgicos. Cita, C011'\O exemplo, que a

lendência para a~erçao do agente como sujeito e tôpico da oraçao \rcl ransitiva, que representa 0 cason~cado, provavelmente reflete !,,~:

r c

Lima norma cultural de falar egocentricamente mais acerca de seres \~

humanos volitivos do que sobre objetos inanimados.

Outra observaçao importante feita por Givôn é que a marcaçaonao se restringe apenas às categorïas lingilisticas, mas pode estender-

se a outros fenômenos, como a distinçao entre 0 discurso formal e a '~:\,

conversaçao espontânea. Por tratar de assuntos mais abstratos e

complexos, 0 discurso formaI é mais marcado em relaçao àconversaçâo informaI, que é cognitivamente processada corn maisrapidez e facilidade, por se referir, em geraI, a assuntos comuns efisicamente perceptiveis do tidiano social.

A titulo de exemplo, 0 ntraste entre afirmaçao e negaçao ilustra 6bem a atuaçao dos c . érios de marcaçao. Como afirmar algo é

cognitiv mais simples e esperado, portanto mais frequenteli

na interaçâo verbal, isso se reflete também na estrutura lingüistica, l

representando a (orma nao-marcada. A negaçao, ao contrario, porser mais complexa emtermos cognitivos e menos esperada, é também

menos freqüente e estruturalmente maior (tem, no minimo, ummorfema a mais que a afirmativa), constituindo 0 casa marcado.

Entretanto, essa marcaçâo sera relativizada se considerarmos as

diferentes estruturas negativas em português (FURTADü DA CUNHA,

2000), tais coma:

35l 'ressu postas teôricos fundamentais

Page 38: Cunha(2003) A linguística funcional - teoria e prática

Lingüfstica funcional: teoria e pratlca36

complexidade cognitiva. Considerando esses très critérios dedistinçâo entre estruturas marcadas e nao-marcadasl podemosestabelecer a seguinte hierarquia que ordena as oraç6es negativasde acordo corn 0 seu grau de marcaçao: negativa-padriio (ex. 4) >negativa dupla (ex. 5) > negativafinal (ex. 6). Apesar de a negativa­padrao ser marcada em relaçao à afirmatival esta clara quel das trèslela é a menas marcadal sob todos os aspectos: a) quanta à freqüência l

é a que registra maior ocorrència; b) quanto à complexidadeestruturall é a morfologicamente mais simples; c) quanta ao contextode USOI é a menos marcada pragmaticamentel pois pode ocor~rnoscontextos que favorecem tanto a negativa dupla quanta a final Dado

\ 0 carater fluido e criativo da lingual é necessario adotar parâmetros~r' de gradualidade na analise da marcaçaol em vez de considerar as

\ categor~as lingüîsticas em termos discretos ou binarios. jA necessidade de superar a dicotomia marcado x niio-marcadol

redefinindo 0 prindpio de marcaçao l também é questionada porOliveira (2000)1 em seu trabalho sobre as oraç6es adjetivas. Exemploscamo 7 e 81 em que se combinam informatividade do nûcleo SN4(menor integraçao) e definiçao da adjetiva (maior integraçao)1 saoos de maior freqüència nos corpora pesquisados:

7) As pessoas que 0 acusam confundem 0 ato de governar comdisposiçao e honradez (carta de leitor, Jornal do Brasil).

8) ...meu primo estava dirigino uma camionete que estava sem Jreio...(lîngua escrita, quarta série, corpus D&GlNiterôi).

"..'Z: Os resultados preliminares a que Oliveira chegou na pesquisa(; sobre a clausula adjetiva levaram-na a um impassel assim expresso

\,,~ ,

por ela: se a freqüència é 0 parâmetro de maior visibilidade e saliència_\:: perceptual para a aferiçao da marcaçaol entao teremos de admitir que

..... as adjetivas restritivasl que sao mais integradasl configuram-se coma"'-,~ as nao-marcadas. Por outro ladol seu maior vînculo semântico-

sintatico é traço caracterizadorde complexidade estrutural e cognitival

o que as classificaria como formas marcadas face às explicativas.

4 SN = sintagma nominal." d 1 l rj 1 cl,r\ '. .,,,\_,e(- t i~ '( /:-.lf..,A.\ ;' ", _ !t: G\: \..

Page 39: Cunha(2003) A linguística funcional - teoria e prática

'Id) Batman derrubou 0 Pingüim com um soco.

'!h) A Mulher Gato nao gostava do Batman.

'JI} Esse rio tem uma forte correnteza.

37

_ ..v~

Transitividade alta Transitividade baixa

ticipantes / dois ou mais um~'~_~'~._------~

_~.~~

ese / açao nao-açao.-.~ ... " ~_--- ------- -- .- - "._..•...•.. ,..." .-'---"-"-- ,._,_.~ ----- --_. '-'~_-

ecto do ver perfectivo nao-perfectivo.= .-._'------ " .-

ctualidade do verbo punctual nao-punctual.u______

ncionalidade do sujeito intencional nao-intencional-----,.• '.-'-.-" "' ._--------------------_. ------_._-,---,-- ~.~_.....__._-_._..._..

aridade da oraçâo afirmativa negativa_~~___~·~~___.o.o_f---.- -_....._.. ._-

dalidade da oraçâo modo reafis modo irrealis-_._~ __~_----~-~_- -------_.

ntividade do sujeito agentivo nao-agentivo_"_0 "'~ _________ -----,--___0-.___- --_.

tamento do objeto afetado nao-afetado ......:;,;,,,, ..

dividuaçâo do objeto individuado nao-individuado...-----t=. / fJ u rCi 1". I/r!·{· ·;CC: "

!

l 'IüSSUPOStos te6ricos fundamentais

S.Age

9. Afe

10. In

4. Pun

5.lnte

3. Asp

6. Pol

2. Cin

1. Par

7. Mo

Transitividade e pianos discursivos

Para a gramatica tradicional, transitividade refere-se à1l'a nsferência de uma atividade de um agente para um paciente.J':, portanto, uma propriedade dos verbos, classificados camo1ransitivos, quando acompanhados de objeto direto ou indireto, ouÎIl transitivos, quando nao ha complemento. Segundo a formulaçaot Il' Hopper e Thompson (1980), a transitividade é concebida camolima noçao continua, escalar. Trata-se de um complexo de dez C!IllHâmetros sintatico-semânticos independentes, que focalizan1

,.,-,.---~,----------~ ........,

(1iferentes ângulos aa transferência da açâo em uma porçâo diferenteda sentença. Sao eles: 1<: ~.....------...--... '""-.,------ ....----".,.:;:s> <II

}' M t At!'> ,..? ri. r l.-.Y...Cada um desses parâmetros contribui para a ordenaçao de

()raç6es numa escala de transitividade. Assim, é toda a sentença que(; classificada com9 transitiva, e nao apenas 0 verbo. A tîtulo deilustraçao, vejamos alguns exemplos, extraidos de uma narrativa(lue reconta a filme Batman:

Page 40: Cunha(2003) A linguística funcional - teoria e prática

38 Lingüistica funcional: teoria e pratica

Pela classificaçao da gramatica tradicional, as trés primeirassentenças sao transitivas, pois apresentam nm objeto comacomplemento do verbo. Segundo a formulaçao de Hopper eThompson, 9a é a que ocupa lugar mais alto na escala detransitividade, uma vez que contém todos os dez traças do complexa:dois participantes (Batman e Pingüim); verbo de açao (derrubou);aspecto perfectivo (verbo no passado); verbo punctual (açaocompleta); sujeito intencional; oraçao afirmativa; oraçaorealis (modoindicativo); sujeito agente (Batman); objeto afetada e individuado(Pingüim - referencial, humano, pr6prio, singular).

Ocupando 0 segundo lugar na escala de transitividade, temos9d, clàssificada coma intransitiva pela gramâtica tradicional. Essaoraçao contém sete traços: cinese; aspecto perfectivo; verbopunctual; sujeito intencional; polaridade afirmativa; modalidaderealis; sujeito agente.

A oraçao 9b esta mais abaixo na escala, pois apresenta quatrotraços positivos: dois participantes (Mulher Gato e Batman), objetoindividuado (Batman), perfectividade do verbo e modalidade realis.Por ultimo, a oraçao corn menor grau de transitividade é 9c, que s6apresenta os traços modalidade (realis) e polaridade (afirmativa).

Hopper e Thompson associam a transitividade a uma funçao( discursivo-comunicativa: 0 maior ou menor grau de transitividade

de uma sentença reflete a maneira coma 0 falante estrutura 0 sendiscurso para atingir sens prop6sitos comunicativos. Auniversalidade do complexo de transitividade parece residir nofato de que os parâmetros que 0 comp6em estao relacionados ao

.

J.. .event()5~~sa.1 pfototlpico, qu~_~..~~.~!l.i.g..2.E??:10 um evento em que~ um agente animado intencionalmente causa uma mudança nsica e

, perceptivel de estado ou locaçao em um objeto. Sao esses os eventosque a criança percebe e codifica gramaticalmente mais cedo. Ha,portanto, nma correlaçao entre os traços que caracterizam 0 eventocausal prototipico e os parâmetros que identificam a oraçao transitivacanônica. Desse modo, por refletirem elementos cognitivamentesalientes, ligados ao modo pela quaI a experiência humana é

',~ 1

Page 41: Cunha(2003) A linguística funcional - teoria e prática

Pressupostos te6ricos fundamentais 39

apreendida, os parâmetros da transitividade assinalam elementossalientes no discurso.

A transitividade oracional esta relacionada a uma funçâo~-------- --.,

pragmâtica. 0 modo como 0 falante organiza seu texto'é..,.'".....'~ ......_--~

determinado, em parte, pelos seus objetivos comunicativos e, emparte, pela sua percepçâo das necessidades do seu interlocutor.·Nesse sentido, a texto apresenta uma distinçâo entre 0 que é centrale a que é periférico. Para que a comunicaçâo se processesatisfatoriamente, ou seja, para que os interlocutores possampartilhar a mesma perspectiva, 0 emissororienta a receptora respeito ,.

."",\.~do grau de centralidade e de perifericidade dos enunciados que C' \1

constituem seu discurso. Em termos de estrutura de texto, ou de

plan~s,a divisâo entre centr~l?..~lj.cocorresponde à y},!f

distinçâo entre figura e fundo. 0 grau de transitividade de uma rR/2-;

oraçâo reflete sua funçâo discursiva caracterfstica, de modo queoraç6es cam alta transiti~dade assinalam porç6es centrais do texto,correspondentes à fi,gufa, enquanto oraç6es combaixa transitividademarcam as porç6es periféricas, correspondentes ao fundo. Hâ,portanto, uma correlaçâo forte entre a marcaçâo gramatical dosparâmetros da transitividade e a distinçâo entre figura e fundo.

Por figura entende-se aquela porçâo do texto narrativo queàpresenta a seqüência temporal de eventos concluidos, pontuais,afinnativos, realis, sob a responsabilidade de um agente, que constituia comunicaçâo central. Jâ fundo corresponde à descriçâo de aç6es eeventos simultâneos à cadeia da figura, além da descriçâo de estados, /;,da localizaçâo dos participantes da narrativa e dos comentâriosavaliativos. Vejamos a seguinte fragmenta, extraido de uma narrativafalada de um informante do ensino médio:' . \

10) .••al quando vinha aH no rio Tietê... num sei se você conhece... jâouviu falar... lâ de Sâo Paulo... quando vinha lâ do rio Tietê... tavachovendo muito..: a pista escorregadia né? ai 0 carro perdeu 0

controle... 0 motorista perdeu 0 controle né?... aî quando ele viuque 0 carro ia cair dentro do rio... ai eIe... colocou 0 carro num... pracima de outro carro... que tava um casaI de namorado assim ...namorando... (corpus D&G/Natal, p. 222).

Page 42: Cunha(2003) A linguística funcional - teoria e prática

40 Lingüistica funcional: teoria e pratica

Figura Fundo

...al quando vinha ali no rio Tietê...num sei se você conhece... ja ouviufalar... la de Sao Paulo... quandovinha la do rio Tietè... tava chovendomuito... a pista escorregadia... né?

ai 0 carro perdeu 0 controle...o motorista perdeu 0 controle... né? ..

ai quando ele viu que 0 carro ia cairdentro do rio...

..~--_._---

ai ele... colocou 0 carro num...pra cima de outra carro...

-

que tava um casal de namoradoassim... namorando...

- --~-----

o texto acima mostra oposlçao de tempo, aspecto e

dinamicidade: as sentenças da coluna da figura contêm perdeue colocou, verbos punctuais no tempo perfeito, enquanto no fundo

apresentam-se oraç6es que contextualizam 0 evento narrado, corn

comentarios descritivos e avaliativos do narrador.

o fundamento cognitivo para plana discursivo, corn suas

'fimens6es originais de figura e fundo, provém da psicologia

;gestaltista: identifican10s mais prontamente as entidades que se

!apresentam em primeiro pIano, coma figuras bem-recortadas efi1 focalizadas, em oposiçao a tudo 0 mais, que passa a ser percebido

contrastivamente como em plana de fundo.

Tipologicamente, a lingua portuguesa é classificada como

sendo de ordenaçao SVO (sujeito-verbo-objeto), ou seja, a posiçao

tipica, nao-marcada, do sujeito é anterior à do verbo. As construç6es

oracionais em que 0 sujeito é deslocado, ocupando posiçao posterior

à do verbo, parecem limitar-se a certos contextos discursivos. Par

exemplo, a estrutura VS corresponde, normalmente, às circunstâncias

que estao fora da seqüência narrativa propriamente dita (fundo),

conforme a seguinte exemplo:

Page 43: Cunha(2003) A linguística funcional - teoria e prática

Il) 0 drama começa quando a secretaria de um empresario descobreque 0 seu patrao quer construir uma usinanuc1ear, nao para gerarenergia, e sim para sugar energia da cidade. 0 patrao chegarepentinamente no escrit6rio e flagra a secretaria mexendo em seusdocumentos. Temendo ele que a secretaria resolvesse contar a todos,ele tratou de mata-la empurrando-a pela janela do escrit6rio queficava no andar muito alto de um edificio (corpus D&G;Natal, p. 317).

Extrapalanda a daminio da narrativa, Martelatta (1998) testa a(

possibilidade de aplicaçâo dos parâmetros da transitividade a outras

lipos de gênero textual, demonstrando que as noç6es de figura e

fundo também podern ser extremamenteuteis naanalise de desoiç6es, Crelatas de procedimento ou relatas de opiniâa. Mostra que um tipo 6de texto pode servir de fundo a outro tipo textual. Dm trecha narrativo, \~

por exemplo, em um contexto maior nào-narrativo, pode servir de \

fundo, pois, neste caso, esta em posiçao secundaria em relaçaa ao

foco central do texto. Em situaç6es como essas, a seqüência narrativa

('In segundo plana pode apresentar-se, ao mesmo tempo, camo figura

l'm relaçâo a outra nao-narrativa de nîvel inferior. Para ilu~traresse

1)(mta, tomemos 0 segtiinte fragmenta de um relata de opiniào falado,

dl' um aluno da oitava série do ensino fundamental: ~

Pressupostos te6ricos fundamentais

Figura Fundo

o drama começa quando1------'---- ,

a secretâria de um empresâriodescobre que a seu patrao querconstruir uma usina nuc1ear,

nao para gerar energia, e sim parasugar energia da cidade.

-

o patr"o chegn rcpentinan~,no escrit6rio e flagra a secre' riamexendo em seus docum tos.

/ Temendo cie que a secretâriaresolvesse contar a todos,

.-~--~

eie tratou de mata-la empurrando-apela janela do escrit6rio

i--1--------------------

1 que ficava no andar muito alto

1de um edifîcio.

1 --_._-- --,----...... ,.....--,--" -._--,-_._----,---,.,--_.".. , ---, ,-- -_ ..... , ____________ - _ •• 0___ - . ". -_.~~_.._-,_ ....,."._~._ ...,._--'"--".-

41

Page 44: Cunha(2003) A linguística funcional - teoria e prática

42 Lingüfstica funciona/: teoria e prâtica

\

12) E: Emerson... quaI é... a sua opiniâo acerca da pena de morte? vocêacha que é um... uma forma correta de... de... punir por um crime?você acha que se a pessoa comete um crime barbaro até hediondocoma a gente... coma a gente vern... tem ouvido falar você acreditaque a pena de morte é... é uma soluçâo?

1: eu acho que nao... ha pouco tempo... ha pouca tempo atras houvedois casos que... fez corn que ressuscitasse a polêmica da pena demorte no Brasil... foi 0 assassinato da Dan! da atriz Daniela Perez ede uma menina que foi seqüestrada e depois queimada... as pessoas...pela emoçao... achavam que deveria ser implantado a pena demorte ... mas cada casa é um caso... (corpus D&G/Natai, p. 313).

Respondendo à pergunta do entrevistador, 0 informante dasua opiniao sobre a pena de morte. Nesse caso, a seqüência narrativaencontra-se num pIano de fundo em relaçao ao foco principal dotexto. Contudo, essa mesma seqüência sobressaicomo figura quandocomparada ao trecho em que ele faz 0 esc1arecimento quanta àopiniao das pessoas acerca dos acontecimentos narrados.

Atualmente nao se trabalha mais corn a concepçao dicotômicade figura e fundo. AIgumas pesquisas (TOMLIN, 1987; SILVElRA, 1991)mostraram a necessidade de redefinir a categoria pIano discursivo,nao mais em termos binarios, e sim como um continuum, cujos pâlosseriam a superfigura, do lado mais :?aliente oUJelevante, e

< '-.. ~- ··--'--"'C"_' .-",-, ~- .....·_.c. _____superfundo, do lado mais difuso ou vago. Observe-se nesse sentidonm fragmenta do corpus de Silveira (1991), sobre a mae que acorda afilha para a escola:

13) Ai... ela acordou... ela tava dormindo... aî ela levantou... penteou 0

cabelo... aî fol foi la onde tava a filha dela aî €la acordou a filhadela... aî vestiu ela... pôs a mesa para 0 café elas tomaram café...

Figura Fundo

Ai... ela acordou...ai ela levantou...

ela tava dormindo...penteou 0 cabelo...al fol foi la

onde tava a filha dela.....---"

ai ela acordou a filha dela...al vestiu ela...pôs a mesa para 0 café...elas tomaram café...

----

Page 45: Cunha(2003) A linguística funcional - teoria e prática

1nformatividade

fÎ ~A A }~f J/"? ..,/"" S

Na coluna da figura, a clâusula aî ela acordo1faftlh~ dela tem um

nîvel mais proeminente do que aî ela acordoû~ Podemos perceber

também que as duas clâusulas em fundo têm graus distintos de

fundidade, jâ que uma apenas localiza a filha, enquanto a outra dâ Tconta de uma caracteristiça a mais, ao identificar 0 estado progressivo

de dormir.

43Pressupostos teôricos fundamentais

No exemplo 14,0 tema é acarteiro trouxe e 0 rema é uma encomenda;no exemplo 15, 0 tema é 0 sujeito e 0 rema é todo 0 predicado; no

t 'xemplo 16 verifica-se 0 contrârio: 0 tema é 0 predicado e 0 rema é 0

~';II jeito. Na lîngua oral, a ênfase é0 recurso mais usado para delimitar

1) status informacional da clâusula. Aqui a anâlise foi feita mediante

t 'xcmplos descontextualizados, mas, num texto real, 0 que se verifica

('t lin freqüência éa informaçâo velha estar contida no sujeito (tema)

,'il nova,nop.redicadoou p~rte.. dopre~~ç~do (ren~a?·i. ). 1/"1'\' . \.. r

/\î dll., 0 t\'(YVv1Çf.l ~t\çv'v:~ ((V l") A VOOf!C1 (i'dlAl1ffî) '[. ,..{I. '-1'" - 1 .. L l',. ('C f C.<l

" (1 (/ ! ;"... r.'-. \1 (\ li} ., li -fl C( 1/; '1 ' ~ v Il·t,(""-ï Ir- >!A,·tr(\-~.: ' /l';" . /' ... '., \ r '\-. -"~, JO t} ~ \j é~'(/>J v"'-' ':"/\ v ~t-l1/Vvt~1. Cf. )

if"" '. ...' '( r '. r ' .. ' l" r~ f\ "" 1r'l...., f.\( (, .... r,· ;it \èV\) y l'\''/vv

_.'. <'1l,

A informatividade manifesta-se em todos os rnveis da codificaçâc,

lingiiistica e diz respeito ao que os interlocutores compartilham, ou

supoem que compartilham, na interaçâo. Do ponto de vista

cognitivo, uma pessoa comunica-se para informar 0 interlocutor

sobre alguma coisa, que pode ser algo do mundo externo, do seu

prôprio mundo interior, u algum tipo de manipulaçâo que

pretende exercer sobre e e interlocutor. .J

Tradicionalment parte da clâusula que apresenta a informaçâo

velha-é-El-e Inada tema, enquanto a parte que apresenta a.... - <-

informaçâo~a é denominada ~e!!!a. Alguns exemplos presentes (

cm l.lari e Geral3i (1985) s.erâo retoma~os.a.qui: .... )

l,/à qu~J;.;u~~~ ~~~~e:,J:ca~:1r~? ·~ ~{ '1 ", '} r 'IDesta vez, 0 carteiro trouxof'uma encomenda.J Gkt7 (à-f"(QA" C Vl/ Ci l)

Isla que fez, desta vez})'~~;~?I-Oesta vez, 0 carteiroC~rouxe uma encomenda.J ç...;;c...o f'·'--(ij:1>!/t C L~' [ I~

1li) rQueri\1trouxe a encomenda?~ carteiroJtrouxe a encomenda.

Page 46: Cunha(2003) A linguística funcional - teoria e prática

44 LingüÎstica funcional: teoria e pratica

o primeiro esforço para formular um rnodelQ~cie._..Qiêcurso em- .que 0 grau de co~~~igH~!}tQ_çQmpélrtilhadodesempenha um papelessencial deve-se a :ertDs:e (1981).0 domînio que tem registrado maisavanço refere-se à coclificaçâoda informaçâo nos referentes nominais.Mesmo aquÎ, as tipologias de status inforrnadonal sâo ainda muitoincompletas, e as escalas propostas como refinamento da dicotomiac1assica entre informaçâo velha e informaçâo nova nâo cobrem todosos casos e concentram-se exclusivamente nos nomes.

A partir do trabalho de Prince, muitas pesquisas foram realizadaspara a descriçâo do status informacional dos nomes em variaslînguas, entre as quais 0 português. Dm dos trabalhos em que 0

tema é tratado com profundidade é a obra de G6rski (1985)/ da quaIé retirada a maioria dos exemplos desta seçâo.

A questâo da informatividade é abordada na lingüfsticafuncionalista principalmente a partir da cIassificaçao semântica eda codificaçâo de referentes no discurso, demonstrando que a forma

f como um referente é apresentado no discurso é determinada por. ,.:{J \ fatores de ordem semântico-pragmâtica. Segundo Lyons (1981)/

le a referência é a relaçâo que se estabelece entre expressôes lingüfsticas'--------\, e 0 que elas representam no mundo ou no universo discursivo.

Muitos lingüistas utilizam a noçâo de referência. No entanto, 0

conceito é de diffcil formulaçâo, porque a relaçâo entre referente e;denominaçâo envolve questôes de diferentes ordens coma quest6es/ de ordem psicolôgica e social. Quando, por exemplo, uma criança1chama gato e cachorro de au-au, ela esta tomando como parâmetro( para a denominaçâo 0 traço Ilquadrûpede'l; ou, quando a criança. usa um sô nome para se referir a frutas camo maçâ e laranja, ela

I;;J

) tem camo parâmetro os traços 11forma" (drculo) e IItamanho".

A categorizaçâo dos objetos ou dos eventos nâo depende apenas dapercepçâo, mas também da interpretaçâo e do desenvolvimentocognitivo. 0 adulto, devido às suas experiências, utiliza outros traçospara dar nomes a diferentes seres.

Chafe (1977) postula que, antes da produçâo discursiva, a falantetem em mente apenas uma idéia geral acerca do evento. À medida

Page 47: Cunha(2003) A linguística funcional - teoria e prática

A partir desses elementos destacados, algumas questoes saolevantadas:

17) foi uma situaçao dificil... né? eu nao sei... eu nao sei onde que englobaisso mas eu fui a Petrôpolis corn uma amiga que nunca tinha subido aserra estava dirigindo ha poueo tempo (...) quando a gente estavoltando eomeça a chovelJ assim... torrencialmente... e fura 0 pneu docarro dela e a gente nunc 'nha trocado pneu... nenhuma das duas...e aquela serra totalmen deserta... né? aî a gente encostou 0 carroassim do lado... 0 carro" oi puxando (...) meu eoraçao assim disparado...a gente desespera ... (...) desatarraxando tudo (...) a gente... demorouumpouqu-i 0 ... né? aî a gente entrou no carro... estava tudo molhado(...) paramos num posto... pra ver se estava tudo bem atarraxado etal... ai a mecânico falou que... (<p) nao sabia quaI 0 homem que tinhaapertado aquilo ((tiso)) (corpus D&GlRio de Janeiro).

que produz 0 discurso, esse falante organiza e detalha 0 conteûdoao mesmo tempo que situa os seres no evento e assinala os papéisque eles desempenham por meio de uma categorizaçao adequada(CHAFE, 1977; GbRSKI, 1985). Chafe enfatiza 0 processo criativo daverbalizaçao, uma vez que a estruturaçao da idéia dâ-se no momentoda enunciaçâo. 0 estudo da codificaçao de referentes é importantepara entender a estruturaçao discursiva.

o trecho da narrativa oral a seguir apresenta alguns recursosmorfol6gicos para a codificaçao de referentes. Entre eles, destacam­se os sintagmas nominais:·

45Pressupostos teôricos fundamentais

a) 0 que levaria um informante a produzir uma anâfora zero aoinvés de um SN pleno ou Ulll pronome em que ~ nao sabia quaI 0

homem que tinha feito aquilo? (0 sîmbolo q> representa urn sintagmaelîptico);

b) por que 0 informante apresenta um SN longo corn uma clâusulaadjetiva em uma amiga que nunca tinha subido aserra?

c) por que a expressâo 0 mecânico é apresentada coma uma ~

informaçao definida, se é a primeira vez que aparece no texto?

d) por que a segunda mençao da expressao a carro, em ai agenteencostou 0 carro assim do lado... 0 carro ja foi puxando é codificadapor meio de um SN pleno mesmo quando a sua ûltima mençaoestâ muito prôxima.(a informaçao é previsivel)?

c) por que hâ tantos recursos gramaticais para codificar referentes?

Page 48: Cunha(2003) A linguística funcional - teoria e prática

46 LingüÎstica funcional: teoria e prâtica

Essas e outras questôes saD tratadas pelos lingüistasfuncionalistas no estudo do tema injarmatividade. .

l', Prince (1981, p. 235) classifica os referentes (ou entidades) do1 (') ~ discurso a partirda noçâo de conhecimento compartilhado, que é assim

" descrito: "0 falante assume que 0 ouvinte conhece, admite ou pode. y inferir aIgo particular (sem estar necessariamente pensando nisso)".

1

Organiza as entidades em três grupos: novas, evocadas e infenveis.

\ "~ Dm referente é nova quando é introduzido pela primeira vezno discurso (camo no exemplo 18). Quando 0 referente é

{"}l inteiramente novo, é chamado novo-em-jolha. Se ja esta na mente do...- .'! '\

ouvinte, por ser geralmente um referente ûnico (num dado

X:-~ contexto), é chamado disponîvel. Sao exemplos de referentesdisponiveis termos como a lua, 0 sol, Pelé ou Petrôpolis (como no

'x< exemplo 19). Os referentes novos-em-folha podem vir ancorados aoutras entidades, como émostrado no exemplo 20, em que 0 referenteum rapaz é novo, mas apresenta uma clausula adjetiva que Ilancora"

esse referente a um referente conhecido, que é a pessoa que fala (eu).

18) Comprei um carro semana passada.

19) ...mas eu fui a Petrôpolis.

20) Um rapaz com quem trabalho foi assaltado ontem.

Dm referente pode ser evocado ou velho se jâ tiver ocorrido notexto (referente textualmente evocado) ou se estiver disponivel nasituaçao de fala (referente situacionalmente evocado), camo osprôprios participantes do discurso:

21) al 0 mecânico falou que... (p) nao sabia quaI 0 homem que tinhaapertado aquilo ((riso)) (corpus D&G/Rio de Janeiro).

22) Você poderia me dizer as horas?

Para Chafe (1976), a distinçâo entre novo e evocado (ou velho) é

determinada pelo falante e esta relacionada ao conhecimento que! ele presume que 0 ouvinte tenha. Assim, numa frase coma IIVi seu

J,\ ~::~:~~;:0~:~:::~::~~~:i~~~i;f,~;~~:;i~}~~~:t:~~,. (l' L" l ' C' 1 .• ..' " A /"' T\-r'i'

" VV"\ 1''( ut "t-u (1/'\) 0\-4./) C /i1 \,'" ~ If-; a. /~() )' I.J~"{ C\ ': [, itq p.' I..J r ~.

"~ c;. 1 +\]'\ ~ 1 ~V;1 n!l(>1\j Pt 1., i ~.

Page 49: Cunha(2003) A linguística funcional - teoria e prática

:Q) Quando eu vinha de Turiaçu pra ca, vinha um caminhâo, entrou numacurva, entao ele acabou de entrar na curva ele pegou um ônibus.

:',H) Eu tinha levado comida.

23) 0 ônibus parou e 0 motorista desceu.

24) .•.paramos num posto... pra ver se estava tudo bem atarraxado eta!... ai 0 mecânico falou que... nao sabia quaI 0 homem que tinhaapertado aquilo ((riso») (corpus D&G/Rio de Janeiro).

25) A beirada da mesa esta suja.

26) ...e fura 0 pneu do carro de a...

Dm referente denomina-se inferivel quando é identificado pormeio de um processo de inferência (exemplos 23 e 24) a partir deoutras informaçoes dadas. As entidades inferiveis padern estarcontidas em outras que jâ fazem parte do modela de discurso,camo evocadas ou mesmo inferiveis, coma nos exemplos 25 e 26.Os referentes inferiveis geralmente sao codificados corn um artigodefinido:

47Pressupostos te6ricos fundamentais

o referente codifica a como 0 motorista é inferivel porque foimencionado 0 refere e 0 ônibus: hâ um consenso de que ônibustêm motoristas. exemplo 24, a informante toma coma consensoque nuJU-' osto hâ mecânico e apresenta 0 referente coma inferîve1.No exemplo 25, hâ também um conhecimento compartilhado deque mesas têm beiradas. Nesse caso, 0 sintagma nominal abeiradaestâ contido em outra expressâo referendal, amesa. No exemplo 26,o referente a pneu (contido em outra expressao referencial) éinferiveI,uma vez que no discurso precedente a informante diz que subiu aserra de Petr6polis com uma amiga que estava dirigindo hâ pouco tempo.

Gbrski (1985) utiliza a taxonomia de Prince e prop6e aigumas<llteraç6es para dar conta de detenninadas formas de codificaçao dereferentes nao previstas no modela de Prince. Aqui seran destacadosos seus principais resultados.

Os SNs que representam referentes novos sao geraimentein troduzidos par meio de SNs indefinidos, morfologicamente 4 1

Illarcados (corn artigo indefinido) ou naD:

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48 Lingüfstica funcionaJ: teoria e pratica

Os SNs novos no discurso, porém disponiveis no universo

espacial ou cultural do ouvinte, sao represelitados por SNs

definidos:

29) Passei um més no Souza Aguiar [hospital de pronto-socorro no Riode Janeiro].

Os referentes evocados sao codificados por anâfora zero, porpronome, por advérbio ou porSN definido, coma, respectivamente,é ilustrado a seguir:

30) Eu tinha levado comida (CP) tinha levado frango, (CP) tinha feitoarroz de forno.

31) Ele botou uma moça pra morar lâ em casa comigo ai eu fui confiarnela.

32) Eu fui num baile a fantasia né (...) foi em Paquetâ (...) chegamos lâ(...)

33) Eu vi uma velha cair, coitada, segurei a velha.

Gbrski concluiu que, numa narrativa, os personagens principais

geralmente sao codificados par meio de pronomes ou de anâfora

zero, enquanto os secundârios sao identificados par SN pleno, comono exemplo 34, em que 0 personagem principal é 0 amigo do marido

e 0 personagem secundârio é a médico. Os referentes humanos, na

funçao de sujeito, sao geralmente codificados por anâfora zero(exemplos 21 e 30), enquanto os referentes nao-humanos sao

freqüentemente representados por SNs plenos, mesmo quando

evocados (exemplo 35):

34) Meu marido tem um amigo que ép era campeao de nataçao, cp tinhavârias medalhas, cI> era um atleta. Dm dia surgiu um caroço, ouqualquer coisa parecida, nas suas costas, ele foi ao médico. 0 casoera simples porque 0 caroço ainda estava pequeno, mas nao existiaainda tecnologia para este tipo de cirurgia no Brasil. 0 médica estavasendo treinado par uma equipe francesa para realizar este tipo decirurgia. EZe foi à França com a médico e 0 caso foi analisado pelosmédicos de lâ (corpus D&GlRio de Janeiro).

35) ai a gente encostou 0 carro assim do lado... a carro jâ foi puxando.

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36) quando eu tinha uns dois ou três anos... meu pai chegou em casado trabalho à noite e falou pra mim que tinha uma surpresa... aL.ele me deu um pacote... eu abri... e era um cachorrinho de borracha,desses que a gente aperta e faz barulho.

Givon (1990) explica a codificaçao dos referentes conforme 0

subprindpio daquantidade (cf. seçao "Iconicidade e marcaçao").No que diz respeito à referência, esse prindpio funciona da seguinte

forma: "Quanto mais previsîveVacessîvel for uma informaçao para

o interlocutor, menor quantidade de forma serâ utilizada".

Votre (1992) exemplifica 0 funcionamento desse subprindpio

corn 0 seguinte trecho de uma narrativa oral:

Na clâusula efalou pra mim, por exemplo, 0 referente sujeito(meu pai) foi codificado or meio de anâfora zero, porque é umreferente bastante pre isîvel, uma vez que foi mencionado na _

clâusula anterior. N lâusula era um cachorrinho de borracha, dessesque agente aperta az barulho, a expressao referencial destacada é{.'codificad muita forma (grande quantidade de massa fônica),porque 0 referente é imprevisîvel, isto é, nao estâ acessîvel à mente

do interlocutor, havendo necessidade de mais especificaçoes.

Os recursos gramaticais usados para representar ou codificarreferentes sao apresentados de forma escalar, dos mais previsîveis

aos menos previsîveis: anâfora zero, pronome, SN definido e SNindefinido. Camo foi mostrado, esses recursos estao disponîveis

nas lînguas para codificar a informatividade de um referentenominal a partir do conhecimento compartilhado entre os. 4 /t '~ j\interlocutores. C'. A).....-:. A., 1"1 1.' ,~,/Y'k" 1 ( ;-../1rI-( /'. JVO;' (/'\1 q v (' J f \-l; L..•

Gramaticalizaçâo e discursivizaçâo PC1/l/~ ~. ;Entre os lingüistas, 0 debate sobre a origem e 0 desenvolvimento

das categorias gramaticais nao é recente. No século XIX, por exemplo,acompanhando a orientaçao diacrônica e comparada do perîodo,cncontramos importantes estudos nessa ârea. No quadro da

Iingüîstica funcional, a gramaticalizaçiio e a discursivizaçfio sao

fenômenos associados aos processos de regularizaçao do ~o dat ,--- ---riCD JilhC'i'V) 0

1 ~Vl h J '-,l,' l'Cf l} 1i~';~Ï:tt4 (::= ~7r,\lt/;

49Pressupostos te6ricos fundamentais

, i

Page 52: Cunha(2003) A linguística funcional - teoria e prática

50 LingüÎstica funcional: teoria e pratica

lfngua. Ou seja, relacionam-se à variaçâo e à mudança lingüîsticas.Esses processos manifestam 0 aspecto nâo-eshitico da gramâtica,demonstrando que as lfnguas estâo em consfante mudança emconseqüência da incessante criaçâo de novas express6es e de novosarranjos na ordenaçâo vocabulaA A compreensâo é a de que, doponto de vista de sua evoluçâ0t! gramâtica estâ num contînuo

l!J i fazer-se, 0 que nos permite falar de uma relativa instabilidade daQ estrutura lingüistica. Ésob esse aspeet:o que se deve a Hopper (1987)

a noçâo de "gramâtica emergente", no sentido de que a gramâticade uma lîngua natural nunca esta completa. Do ponto de vistasincrônico, entende-se por gramatica 0 conjunto de regularidadesdecorrentes de press6es cognitivas e, sobretudo, de press6es de uso.J

\ 0 termo' discurso esta relacionado às estratégias criativas<'r" utilizadas pelo falante para organizar funcionalmente seu texto para

um determinado ouvinte em uma determinada situaçâocomunicativa. Por um lado, 0 discurso é tomado como 0 ponto de

GC! partida para a gramatica; por outro, é também seu ponto de chegada.CÀ. Quando algum fenômeno discursivo, em decorrência da freqüência

de uso, passa a ocorrer de forma previsîvel e estavel, sai do discursopara entrar na gramâtica. No mesmo sentido, quando determinado

I_fenômeno que estava na gramâtica passa a ter comportamentos nâo­

previsfveis, em termos de regras selecionais, podemos dizer que saida gramatica e retorna ao discurso.

Assim, na trajetôria dos processos de regularizaçao do uso dalingua, tudo começa sem regularidade, exatamente por estar no seucomeço, mas se regulariza corn 0 usa, corn a repetiçâo, que passa aexercer uma pressâo tal que faz corn que a que no começo eracasuîstico se fixe e se converta em norma, entrando na gramatica(gramaticalizaçâo). No momento de estabilizaçâo, verifica-se 0 nîvelde iconicidade maior, isto é, relaçâo transparente entre expressâo econteudo, 0 que resulta no mâximo de economia comunicativa e nomaxima de rentabilidade sistematica. Essa estabilidade, entretanto,é relativa e aparente. 0 que foi sistematizado entra em processode desgaste, corn liberdade progressiva da expressâo em termos derestriçâo de ocorrência, e corn liberdade progressiva do conteudo

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Pressupostos te6ricos fundamentais 51

em termos de desbotamento e esvaziamento semântico. Assim, asunidades migram para um mvel nao-gramatiCal, no sentido de queelas deixam de obedecer às restriç6es de seleçao e literalmenteretornam ao discurso (discursivizaçao).

o processo de gramaticalizaçao privilegia:

a) a trajet6ria dos elementos lingüîsticos do léxico à gramâtica (ex.:verbo pleno > verbo auxiliar);

b) a trajet6ria de categorias menos gramaticais para categorias maisgramaticais, coma 0 de categorias invariâveis para categoriasflexionais (ex.: menas> menas).

o termo gramaticaLizaçiio, portanto, é tomado em dois sentidos (relacionados: a gramatie lizaçao stricto sensu oeupa-se da mudança \que atinge as formas q e migram do léxico para a gramâtica; agramatiealizaçâo Lata s su busca explicar as mudanças que se dao

no interior da pr6pri gramâtica, compreendendo aî os processossintâticos e/ou di rsivos de fixaçao da ordem vocabular.

Co emplo de gramaticalizaçâo stricto sensu, podemos citara pesquisa de Maria Aparecida Silva (2000) sobre a trajet6ria demudança de iy, que acumula as funç6es de verho pleno e auxiliar,conforme signifique deslocamento espadal ou deslocamentotemporal, coma nos exemplos 37 e 38, respectivamente:

37) •..quando ele vai atrâs ele vê apenas um gato... ele pega 0 gato...entra no carro e vai embora... (corpus D&G/Natal, p. 308).

38) bem, a minha opiniao sobre 0 namoro é que estâ muito avançado,porque esses rapazes de hoje nao pensa do amanha que vai ser(corpus D&G/Natal, p. 363).

o estudo de Oliveira (2000) exemplifica a gramaticalizaçao Latasensu. Aautora investiga 0 deslizamento de sentido do item onde, cujamudançadâ-se na pr6pria gramâtica. De pronome relativo, cornsentido de espaço fîsico (ex. 39), onde passa a designar também espaçode tempo (ex. 40), evoluindo até a categoria de marcador discursivo,desprovido de significado lexical e utilizado como um recurso coesivo

para organizar e planejar intemamente 0 tumo (ex. 41):

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52 Lingüfstica funcional: teoria e pràtica

39) ...no banheiro nôs vamos encontrar... uma prateleira... onde fica osutensîlios pessoais... (corpus D&G/Natal, p. 309),

40) ...depois disso... teve a noite onde foi escolhido 0 grupo de cincopessoas mais ou menos... (corpus D&G/Natal, p. 304).

41) ...eu acho que ao invés das pessoas sair na rua... pedindo para... serimplantado a pena de morte no Brasil... deveria estar lutando paroutras ... par outros métodos... outros objetivos... de melhorescondiç6es de vida... de melhor educaçao para os seus filhos ... ondeas pessoas poderiam viver num paîs bom... certo? (corpus D&G/Natal, p. 314).

No ponto extremo do contînuo de mudança, localiza-se 0

processo de discursivizaçao, que focaliza a trajetôria de retarno doselementos da gramatica ao discurso. Estudando a trajetôria demudança semântica que caracteriza os usos da partîcula né? (nâo éverdade? > nâoé? > né?), Martelotta e Alcântara (1996) observam queessa partîcula, ap6s perder os traças semânticos basicos de seuscomponentes e, concomitantemente, sofrer reduçao fonética,distancia-se de seu sentido original como pergunta referencial oupergunta nao-ret6rica e passa a desempenhar 0 papelde preenchedorde pausa causada pela perda da linearidade do discurso. No exemplo42, abaixo, 0 informante parece perder, por um momento, a linha deraciodnio e usa a né? (corn outros elementos: poxa... eu sei lâ... sahel)para preencher 0 vazio causado por essa perda, enquanto tenta

solucionar seu problema comunicativo:

42) ...mas que adianta um casamento tao Hndo... gastam tanta... pra nofinal eh... vivi fka dois... três dias... depois se separam... entendeu?eu acho issa aî um absurdo porque... poxa... eu sei lâ... sabe?num... né? a vida::/ tudo bem tâ tudo difîcil... mas a pessoa... euacho que a pessoa tem que saber... diretamente aquilo que quer....(corpus D&G/Rio de Janeiro).

Costa (1995) trabalha corn a hip6tese de 0 português estarsofrendo um processo de discursivizaçao no sentido de que acategoria sintatica sujeito estaria retarnando da gramatica ao

1 discurso, na forma de tôpico. Essa hip6tese fundamenta-se no) pressuposto de que a categoria sujeito emerge a partir da categoria

i

Page 55: Cunha(2003) A linguística funcional - teoria e prática

43) ...esse acampamento todos os meus amigos foram... (corpus D&G/Natal, p. 303).

44) ...a casa de minha avo... ela é grande, sabe? (corpus D&G/Natal, p. 347).

Cielo funcional e unidirecionalidadeo desenvolvimento de novas estruturas gramaticais é mativado

quer par necessidades comunicativas nao satisfeitas, quer pelaausência de designaç6es lingüfsticas para determinados conteudoscognitivos. Dessa forma, a gramaticalizaçâo é interpretada comoum processo diàcrânico e um continuo sincrânico que atingemtanto as formas que vao do léxico para a gramâtica como as formasque mudam no interior da gramatica.

tâpico. Para Giv6n (1979b), a linguagem humana teria evoluido domodo pragmâtico para 0 sintâtico e, par issa mesmo, a sintaxe teriaevolufdo a partir do discurso. A trajet6ria t6pico > sujeito > t6picoremete-nos ao carater ciclico da trajet6ria lingüfstica sugerida parGiv6n (1979b), que toma camo marco de partida 0 discurso, passapela sintaxe, pela morfologia e pela morfofonologia, até retornar aodiscurso, completando 0 circulo.

A hip6tese da trajet6ria sujeito > t6pico tem como base aobservaçâo de que a estrutura t6pico-comentririo pode ser vista comao resultado do enfraquecimento progressivo das relaç6es entresujeito e verba, em termas tanta morfossintaticas quanta semânticos,que faz corn que 0 sujeito deixe de ter uma funçâa intra-oracional ese deslaque para fora d oraçâo, passando a exercer a papel de topico.

Para Costa (1995)~ qualquer classificaçâa sintatica tanto para aSN esse acampament (ex. 43) coma para 0 SN acasa de minha avo (ex.44) parece um ta forçada. 0 autorobserva que esses SNs mostram­se relativam e independentes da oraçâo-cOlnentaria que os segue,sem esempenharem nela qualquer funçao sintâtica. Antes, saotomados coma ponto de partida da porçâo do discurso que osseguira. 0 informante os seleciona como 0 elementa central a partirdo quaI a informaçao sera transmitida. Trata-se, portanto, de SNsmarcadameilte discursivas que recebem a rotulo de tôpico.

53Pressupostos teoricos fundamentais

Page 56: Cunha(2003) A linguística funcional - teoria e prática

54 LingüÎstica funcional: teoria e prâtica

a carater dclico da evoluçâo lingüistica é postulado por Giv6n

r' (1979b), que formula a seguinte esquema processual para representar

os pracessos diacrônicos de regularizaçâo do uso da lingua, desdeo ponta mais imprevisivel até a fase terminal: discurso > sintaxe >

\" morfologia> morfofonologia > zero. De acordo corn essa trajet6riaunidirecional de gramaticalizaçao, alguns itens lexicais passam aser utilizados em contextos nos quais desempenham certa funçaogramatical, ainda nao totalmente fixada. Progressivamente, viarepetiçao, seu usa torna-se mais previsîvel e regular, resultandonuma nova construçâo sintatica corn caracteristicas morfol6gicasespeciais, podendo, posteriormente, desenvolver-se para uma formaainda mais dependente, camo um clitico ou um afixo, corn eventuaisadaptaç6es fonol6gicas. Corn 0 aumento da freqüência de usa, essaconstruçao tende a sofrer desgaste formaI e funcional que poderacausar seu desaparecimento, dando inîcio a um nova cielo.

Alguns te6ricos funcionalistas prop6em que, semanticamente,

\

a trajetoria. d... e. gramaticalizaçâo manifesta-se na passagem doconcreto E~!a a abstrato. Entidades abstratas emergem da

..:;;....-.~~

experiência humana corn 0 mundo concreto. Traugott e Heine (1991),por exemplo, prop6em a seguinte escala para representar 0 processode abstratizaçiio gradativa no percurso de gramaticalizaçâo doselementos lingilisticos: espaço > (tempo) > texto. Essa escala apresenta

). dois desdobramentos possîveis. Num dos casos, descreve aemergência de categorias gramaticais, que têm sua origem em itens

!lexicais de sentido concreto. Serve de exemplo, aqui, a processo de! gramaticalizaçâo de ir, conforme ilustrado nos fragmentas 37 e 38

transcritos acima e repetidos abaixo:

37) ...quando ele vai atnis ele vê apenas um gato... ele pega 0 gato...entra no carro e vai embora... (corpus D&G/Natal, p. 308).

38) bem, a rninha opiniao sobre 0 namoro é que esta muito avançado,porque esses rapazes de hoje nao pensa do amanha que vai ser(corpus D&G/Natal, p. 363).

No exemplo 37, ir é usado camo verbo principal, corn a seusentido primario de movilnento ffsico. Ja no 38, comporta-se coma

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Pressupostos te6ricos fundamentais 55

um verba auxiliar marcador de tempo futuro, a que é enfatizadopela uso do advérbio amanhii. Constata-se, portanto, que a trajet6riade mudança de ir evolui do sentido mais concreto para 0 mais

abstrato, representada pelo estâgio espaça > tempo na escala deTraugott e Heine (1991).

o segundo desdobramento dessa escala diz respeito àabstratizaçao progressiva de significado de um dado elementolingüîstico sem que haja, necessariamente, mudança de categoriagramatical. Para esse caso, servem de exemplo os fragmentos em 39­41, retomados abaixo:

39) .••no banheiro nôs vamos encontrar... uma prateleira... onde fka osutensilios pessoais... (corpus D&G;Natal, p. 309).

40) ...depois disso... teve a oite onde foi escolhido 0 grupo de cincopessoas mais ou menos .. (corpus D&G;Natal, p. 304).

41) ...eu acho que ao invé das pessoas sair na rua... pedindo para... serimplantado a pena e morte no Brasil... deveria estar lutando poroutras... por 0 os métodos... outros objetivos... de melhorescondi~ vida... de melhor educaçào para os seus filhos... ondeas pessoas poderiam viver num pais bom... certo? (corpus D&G/Natal, p. 314).

No exemplo 39, onde desempenha sua funçao-padrâo depronome relativo, corn sentido de espaço fîsico, remetendo aprateleira. No exemplo 40,0 referente de onde é a noite, que nao éespaço fîsico, mas espaça de tempo, ou melhor, é 0 temporepresentado coma se fosse espaça. Onde, entao, por se referir aa noite, funciona como uma metâfora, representando, assim, umconceito mais abstrato a partir de um mais cancreto. No 41, ondefunciona como um mera marcador de pausas, ou seja, como meiode arganizar e planejar internamente 0 turno. Por nao ter referenterecuperavel, apresenta-se como um conector vazio de significado,podendo, portanto, ser omitido, sem prejuîzo semântico para 0

enunciado.

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A mudança lingüistica

Mârio Eduardo Martelotta

Dm dos aspectas relacionados às Hnguas humanas que maistêm intrigado os lingüistas é sua fluidez, ou seja, sua capacidade deassumir formas diferentes em individuos diferentes e em situaç6esou épocas diferentes. As linguas sao sensiveis às nuanças culturaisassociadas ao estilo de vida dos humanos, apresentando, de umlado, variaç6es de natureza individual, social, regional, sexual, entreoutras, que convivem em um mesmo momento do tempo, e, deoutra lado, mudanças que se manifestam corn 0 passar do tempo.Embora 0 fenômeno da variaçao esteja diretamente associado aotema em questao, este capîtulo focaliza a mudança lingüistica,apresentando algumas reflex6es sobre suas motivaç6es, suadirecionalidade, os aspectos estruturais, comunicativos e cognitivosa ela associados, os mecanismos que a veiculam, assim coma aregularidade ou nao da atuaçao desses mecanismos.

Para que se perceba de modo mais clara a aspecta da mudançalingüîstica que este capîtulo focaliza, é importante lembrar dois doscinco princîpios de gramaticalizaçao1 propostos por Hopper (1991):camadas e divergência. Trata-se de dois fenômenos estreitamenteassociados ao processo da mudança. 0 princîpia de camadas refere­se ao fata de que as linguas freqüentemente possuem mais de umaforma para desempenhar funç6es idênticas, sendo, nesse caso,

1 Hopper utiliza a termo grammaticization (gramaticizaçâo). Conforme se vêem Campbell e Janda (2001), 0 termo grammaticalization convive, na literatura,corn os termos grammaticization e grammatization, que se referem ao mesmofenômeno, sem diferença de sentido.

DP&A editora

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58 LingüÎstica funcional: teoria e pratica

importante registrar que a forma nova nao implica 0

desaparecimento da forma ja existente. No casa da divergência, tem­se um conjunto de fonnas corn a mesma etimologia, desempenhandofunç6es diferentes, e, novamente, a existência do nova usa naoimplica 0 desaparecimento do uso original.

A expressao da categoria de futura em português fornece umbom exemplo para os dois princîpios de Hopper. As formas falarei evou falar, porserem possibilidades dispornveis para a expressao dofuturo que coexistem na lingua, constituem camadas. Entretanto,quando observamos a relaçao entre essas formas e as construç6esque as originaram, estamos focalizandoum fenômeno relacionadoà divergência. a morfema de futuro emfalarei éproveniente da formaverbal hei (falar + hei), e a construçao vou falar, em que a verbo ir é

empregado como auxiliar indicando idéia de futuro, resulta de umprocesso, generalizado na lingua portuguesa, que implica umaextensao do usa original, em que 0 verbo ir expressa movimento no

espaço.

a foco deste capitulo nao esta na relaçao entre duas ou maisformas ja prontas e submetidas à disposiçao do falante, que s6 têmem comum a expressao semântica e a convivênda temporal, mas noconjunto de fenômenos que fazem corn que uma mesma forma tenhaseu usa ampliado para novas funç6es, constituindo 0 que Hopper(1991) chama divergência e outros autores chamam polissemia.

Funcionalismo e mudança

As pesquisas sobre mudança lingüistica em funcionalismo estâoestreitamente associadas à teoria da gramaticalizaçao, conforme 0

exposto no primeiro capitulo deste livro. Aemergência do paradigmada gramaticalizaçâo no contexto da lingüîstica funcionalistaamericana deu-se a partir dos anos 1970/ quando houve um resgatedo papel das transformaçoes diacrônicas nas explicaçôes da sintaxe.a texto motivador foi The origins ofsyntax in discourse (SANKOFF e BROWN,

1976)/ que teve eco no cielo funcional proposto par Giv6n (1979a),discurso> sintaxe > morfossintaxe > morfofonêmica > zero, apoiado

Page 61: Cunha(2003) A linguística funcional - teoria e prática

_...- ....

A noçao de unidirecionalidade, tal coma proposta pela teoria

da gramaticalizaçao,leva à hi ôtese de que existem fatores de ordem (~,-,

cognitiva, sociocultural e c municativa que norteiam a mudança.

Nesse sentido, pode-se ensar, corn Saussure, que existe uma

pancronia, ou um con' nto de leis gerais, que se fundamenta em

bases nao-:estrutur .s; pode-se também admitir, corn Furtado da

Cunha,O]bleÏ e Votre (1999), que hâ transformaç6es que ocorrem~)

em evidências oriundas da aquisiçao da linguagem, da passagem

de pidgins para crioulos e dos estudos diacrônicos.2

Desenvolveu-se a partir de entao a idéia de que 0 uso da lînguana~-)

situaçôes reais de comunicaçao motiva as transformaç6es que sofrem Cl nitos elementos lingüisticosao longo do tempoe que essas transformaç6es

apresentam unidirecionalidade: caminham do discurso para a

grarnâtica.3 Os elementos, com 0 processo de gramaticalizaçâo, perdem

a liberdade tipica dacriatividade contextua1mentemotivadado discurso

e tornam-se mais fixos e mais regulares. Assim, a~ios de lugar

assumem funçâo de conjunçao, e nao vice-versa; vocabulostransformam-se em afixos, êÎlaoVice-versa. '-~-

59A mudança lingüfstica

2 0 conceito de gramaticalizaçâo nâo é uma descoberta recente da lingüîstica.Sua origem remete às propostas gramaticais dos gregos (HARRIS e CAMPBELL,

1995; CAMPBELL e JANDA, 2001) e, sobretudo, foi muito utilizada peloscomparatistas do século XIX em suas anâlises. Aiguns lingüistas atuaisrevisitaram 0 conceito, relacionando-o aos aspectos cognitivos econversacionais desenvolvidos nas iiltimas décadas. Sua motivaçao estâ nanecessidade constante de criar r6tulos novos para expressar as idéias emsituaç6es novas de comunicaçâo.

3 Se de um lado os estudos diacrônicos apresentam evidências daunidirecionalidade da mudança, também levam à canstataçâo antagônica deque 0 conjunto dos usas atuais de determinados elementos lingüîsticos tarnbémse encontra em estâgios anteriores da lîngua. A segunda constataçâo leva-nosirremediavehnente à noçâo de uniformitarismo ou, em termos saussurianos, aoconceito de pancronia. A regularidade que caracteriza 0 conjunto de usos dealguns elementos lingüîsticos em diferentes sincronias imp6e que se repense 0

prindpio da unidirecionalidade e 0 papel do tempo no processo de mudançalingüîstica. Nossa tendência, no momento, tem sido aceitar a unidirecionalidade,relacionando-a nâo às mudanças sucessivas que uma forma lingüistica podeassumir ao longo do tempo, mas aos critérios e rumos dos processos cognitivosrelacionados à produçâo e à transferência de informaçâo entre diferentesdominios conceptuais que os falantes praticam no uso da lîngua.

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60 Lingüfstica funcional: teoria e prâtica

em todos os tempos e lugares, ja que ha evidências de que 0 meslUOtipo de transformaçao pode processar-se repetidamente,enfraquecendo a visao tradicional de que a mudança estarelacionada apenas à sucessao temporal. A lingüîstica funcionaltende, portanto, a adotar, juntamente corn Labov (1994), umaformulaçao mais refinada da hipôtese neogyamatica de mudança,segundo a quaI os mesmos tipos de mudança ocorreram em todas asfases da hist6ria das lînguas e tenderao a continuar ocorrendo.o que importa saber, nesse caso, é a natureza dessas caractensticas epeculiaridades pancrônicas, que nao se enquadram na oposiçaosincronia x diacronia do modelo estruturalista.

Mal: advérbia > prefixaTomando como base ocorrências do elemento lingüîstico mal

no corpus D&GiRio de Janeiro (VOTRE e OUVEIRA,1995) e em textosrepresentativos de estagîos antigos da lîngua portugues3, assimcoma 'as informaç6es referentes à origem desse elemento,provenientes dos fil610gos tradicionais, Martelotta e Silva (1997)apresentam um esquema que constitui uma possîvel representaçaoda trajet6ria diacrônica de mudança, segundo a quaI os novos usosde mal vao surgîndo progyessivamente de usos anteriores:

adj. port. mau

malus - a - um <: "" subst. malum-I .... subst. port. mal

adv. lat. male -+ prefixa lat. male -+ prefixa port. mal...... ,

adv. port. mal -+ conJ. tempo port. mal

Existem evidências de que a processo de mudança desenvolve­se no tempo, de modo que usas antigos passam a assumir, de formasucessiva, valores novos, coma demonstra a esquema. 0 fator tempo,portanto, nao deve ser descartado das analises referentes aofenômeno da mudança lingüîstica.

Entretanto, ainda segundo Martelotta e Silva (1997), osfenômenos parecem nao ocorrer exatamente do modo coma 0

esquema prop6e. Embora se possa admitiruma relaçao de sucessao

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temporal que vai, por exemplo, do prefixo latino male para 0 prefixo

português mal, naoocorre, na maioria dos casos, uma transformaçao

temporallinear entre esses dois usos.

Existem usos desse elemento corn valor de prefixo no português

que sao provenientes de usos latinos: maledicência e malevolência,por exemplo, provêm respectivamente do latim maledicentia e

malevolentia, vocâbulos em que male jâ funcionava como prefixa.

Mas casos coma os de malcontente, malfadado e malcriado, par

exemplo, sao diferentes porque representam formaç6es portuguesas

envolvendo a advêrbio mal, e nao evoluç6es de vocâbulos latinos

que jâ apresentavam a prefixa male, camo ocorre nos exemplos

anteriores.

Se os prefixos portugue es sao, na verdade, formaç6es recentes

envolvenda itens lexicais ovos, e naa transformaç6es progressivas

de formaç6es jâ exist tes em latim, a questao jâ nao ê mais

puramente diacrôn' a, na medida em que casas coma esses nao

refletem a evolu 0 de uma formaçao na base da proposta da

trajetôria unidir. cional. Deve haver tendências comunicativas,

cagnitivas e at estruturais que incentivam essas formaç6es,tornando esses lementos - hoje ou ontem, em português ou em

latim - patencialmente perfeitas para assumir funçao de prefixo

em contextos espedficos.

É clara que, em algum ponta, pode ocorrer algo diferente ou

inesperado. No casa de mal, conforme atesta Sequeira (1943, p. 183),

a advêrbia passau a desempenhar a papel de conjunçao (Mal saiude casa, cameçou a chover"), a que nao ocarria em latim. Mas, ainda

nesse casa, pode-se observar uma regularidade, desde que se olhe 0

fenômeno por outra ângulo. 0 português, ao se ver privado de

conjunç6es latinas, preencheu as lacunas corn a utilizaçâo de

advêrbios (ou express6es adverbiais), de prepasiç6es e até de verbos,

que passaram a ligar clâusulas. Nessa êpoca, portanto, foi comum a

passagem de deterrtrinados tipos de advérbio para conjunçao. Além

de mal, sao exemplos de passagem de advérbios de modo para

A mudança lingülstica 61

Page 64: Cunha(2003) A linguística funcional - teoria e prática

62 Lingüfstica funcional: teoria e prâtica

conjunçao apenas4("Apenas saiu de casa, começou a chover") e bem

(em construçoes do tipo se bem que). Além disso, foram muitos oselementos adverbiais de valor espacial que se tornaramconjunçôes.

Advérbio de lugar > conjunçaoComo os dados acima mencionados sugerem, existem fatores

que levam os elementos lingüîsticos a cumprir trajet6riasunidirecionais relativamente espedficas, que tendem a se repetircorn elementos diferentes, mas de natureza semelhante. É 0 quelevou Heine, Claudi e Hünnemeyer (1991) a propor um processoanal6gico chamado espaço > discurso, para caracterizar um tipo demudança muito comum nas lînguas humanas, que leva elementosde valor espacial a assumir funç6es tîpicas de conjunçao. Na baseclesse processo esta 0 fato de que a expressâo de dados espaciais émais elementar e concreta do que a indicaçâo das relaç6es textuais.5

Essa extensao anal6gica serve de fundamento para a organizaçaodo universo textual em termos de referentes espaciais externos e semanifesta basicamente por meio da anafora e da catafora, em queelementos originalmente dêiticos espaciais sao utilizados para fazeralusao a dados ja mencionados ou por mencionar:

1) Eu nâo sei matematïca. 18so vai me atrapalhar no exame.

2) Eu digo isso: nâo sei matematica.

Em casos como esses, a organizaçao espaciotemporal do mundoffsico é usada analogicamente para caracterizar 0 universo maisabstrato do texto. Esse procedimento revela-se mais produtivoquando se percebe a regularidade da utilizaçao de elementosalusivos a pontos no espaço ou no tempo para designar pontos no

4 0 termo apenas, segundo Machado (1977), resulta da formaçâo a + penas}sendo este proveniente do latim poena (expiaçâo, castigo). Originalmente,apenas funcionava coma advérbio de modo, que equivalia à atual expressâoa duras penas.

5 Trabalhos como os de Sankoff (1980), Greenberg (1985), Marmaridou (2000),entre outras, apontam para uma forte correlaçâo entre dêixis espacial,temporal e discursiva. Em termos experienciais, essa relaçâo pode serconsiderada em termos de mapeamentos através de dominios.

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3) Caiu, par iSBa se machucou.

6 Além da construçao par issa, conjunçôes portuguesas camo porém e partanto,entre outras, originam-se de construç6es anaf6ricas.

63

/ Tempo

~!Texto

A mudança lingüfstica

texto: "como foi dito anteriormente"; "como sera desenvolvidoadiante"; "ver 0 exemplo abaixo"; entre outras possibilidades.

A partir desses usos alusivos a trechos do texto, 0 elementopode desenvolver funçâo de conjunçao.6 É a que ocorre com isso,que também pode ser usado coma conjunçâo conclusiva, associadoà preposiçao por:

Como, em muitos casos de desenvolvimento de conjunçôes, apolissemia do elemento envolvido no processo apresenta tambémum valor temporal, Heine, Claudie Hünnemeyer (1991) propuseramuma trajet6ria de mudança semântica que um elemento lingiiisticotenderia a cumprir até atingir 0 stalus de conectivo:

Esse esquema representa uma trajet6ria unidiredonal demudança, muito comum nas linguas humanas, que leva advérbiosde Iugar a assumir funçôes tipicas de conjunçao, tendo ou naoapresentado intermediariamente valor temporal. 0 argumentobâsico é semelhante ao que esta subjacente à idéia da metâforaespaço > discurso: a expressâo de dados espaciais é mais bâsica econcreta do que a expressao de dados temporais, que, por sua vez,é mais bâsica e concreta do que a indicaçâo das relaçôes textuais.A metâfora, nesse caso, ocorre em funçao da extensao anal6gica douso espadal do termo para valores temporais e textuais.

o termo logo constitui um bom exemplo de coma essa trajet6riada-se em português. Atualmente, encontramos apenas os valorestextual (conjunçâo concIusiva) e temporal, exemplificadosrespectivamente em 4 e 5:

Page 66: Cunha(2003) A linguística funcional - teoria e prática

64

4) Pensa, logo exista.

5) Ele vai chegar logo.

Lingüfstica funcional: teoria e pratica

De acordo com Machado (1977), a origem esta no latim loco,ablativo locu-, que significa no lugar, no sîtio, no momento,logo. 0 valor

espacial do termo pode ser encontrado no português arcaico, na

forma de dois usos distintos, que jâ nao oconem em português:

6) Lançados som fora do miido e descenderô aos jnfernos e outras seleuatar6 eseu logo (Orto do esposo).

7) A primeira natureza da poonba he que en logo de cantar geme(Livra das aves).

Esses usos, registrados em dois textos arcaicos portugueses,

apresentam valor espacial. No exemplo 6, 0 termo assume valor desubstantivo, indicando especificamente lugar ("leuataro ë seu logo");no exemplo 7, apresenta valor correspondente ao da expressao atualem lugar de (em vez de> ao invés de).

Essa visao de que os usos do elemento adquiriram, de maneîrasucessiva e unidirecional, os valores espacia!, temporal e textual,entretanto, deve sel' analisada com cuidado. Quando se observa 0

verbete referente ao termo logo em Machado (1977), nota-se que,com exceçao do valor espadal, hoje em desuso, 0 elementoapresentava polissemia semelhante à que caracteriza seus usos atuais,

ou seja, exibia valores temporais e textuais. É0 que revela também averbete do substantivo latino locus,-i, apresentado em Faria (1975),que demonstra jâ haver, em latim, os très sentidos - espacial,

temporal e textual. Isso, sem duvida, enfraquece a visao tradicionalde que os elementos mudam de valor com 0 tempo. TaI constataçâo,de que existe uma certa regularidade no conjunto de usas de um

elemento em sincronias diferentes, nao é incomum e pode sel'encontrada em trabalhos camo os de Votre (1999) e Ferreira (2000).

Votre (1999) demonstra que os verbos achar, pensar, saber e verapresentam, nos diferentes estagîos de evoluçâo do português,configuraç6es sintatico-semânticas muito pr6ximas às dos termos

latinos correspondentes. 0 autor prop6e, inclusive, um princîpio de

Page 67: Cunha(2003) A linguística funcional - teoria e prática

8) Mal saî de casa, começou a chover.

7 Mais detalhes referentes à anâlise de Vatre (1999) e Ferreira (2000) padern serencantradas no proxima capitula deste livra.

Isso significa que, embora a polissemia do elemento mal apresente,

desde 0 latim, uma regularidade ilnpressionante, dados histôricos

demonstram que essa polissemia mudou, uma vez que surgiram usosnovas. E, 0 que é mais importante, esses novos usos têm valoT mais

gramatical, 0 que ratifiea a hipôtese da unidiredonalidade.

Pode-se associar ao camentario anterior 0 fato de que, na

polissemia de alguns elementos, desapareceram usos caracteristicos

de inîcio de trajetôria, ou seja, hipoteticamente os mais antigos.

Esse fenômeno, que ocorreu corn logo, coma foi vista, e perdeu seuvalor espacial, pode ser também constatado em elementos coma

entao,Jd, ainda/ agora, entre outras/ em que a origem espadal tambémse perdeu (MARTELüTIA, 1994).

65A mudança lingüÎstica

extensiio imagética instantânea, segundo 0 quaI a faculdade da

metâfora opera de modo instantâneo, disponibilizando todas aspossibilidades e potencialidades na mente das pessoas que

interagem na comunidade discursiva, ancoradas no contexto

situacional de cada interaçâo. Ferreira (2000) chegou a resultadossemelhantes em sua analise do modal poder. 7

Entretanto, estudos recentes em gramaticalizaçâo têm

apresentado resultados diferentes. É 0 que se vê no trabalho deSilva e Silva (2001) sobre os usos do advérbio mal. Segundo a autora,

a polissemia que caracteriza esse elemento lingiiistico apresenta, defato, uma grande regularidade: desde 0 latim, verificam-se seus usos

coma substantivo (0 mal), camo adjetivo (mau), camo advérbio

(cantar mal) e como prefixo ( alcheiroso). Entretanto, é provavelque, somente a partir do sée 10 XVIII, tenham começado a surgir,

no português, novos usa gramaticalizados, que até entâo nâo

apareciam nos textos. al como conjunçao temporal é um desses

novos usos. Eis exemplo:

Page 68: Cunha(2003) A linguística funcional - teoria e prática

66 Lingüfstica funcional: teoria e pratica

Os dados até aqui apresentados apontam para uma situaçao decerta forma contradit6ria. Por um lado, tem-se a noçao de extensaoimagética instantânea, segundo a qual os sentidos do elemento estao,de algum modo, previstos uns nos outros, de maneira que naoapresentam uma trajet6ria linear. Por outro lado, tem-se a noçâo,associada às propostas sobre gramaticalizaçao do inicio da décadade 1990, de que a mudança é unidirecional e sucessiva,caracterizando-se par uma evoluçao linear, segundo a quaI 0 valornova implica sempre a existência de um valor anterior.

Decidir como lidar corn essas perspectivas aparentementecontradit6rias é um problema que 0 estudioso da mudançalingüistica tem de resolver. Uma possivel saida para 0 impasse éobservar a natureza da polissemia e constatar se ela implica umconjunto de manifestaç6es simultâneas de um unico sentido ouuma relaçao de sentidos diferentes que evoluem uns dos outros.TaI procedimento significa focalizar os aspectos cognitivos econversacionais que estao na base dos fenômenos da referência e daextensao de sentidos, fazendo corn que a fatar tempo deixe deconstituir exclusiva perspectiva de observaçaa.

Tomando coma base, por exemplo, a mudança espaço > (tempo) >texto, determinados mavimentos cognitivos de base metaforica,como ja mencionado, parecem ter sido ativadas para que a evoluçaosemântica se efetivasse dessa maneira. E sao varias os advérbiosespaciais que, em diferentes fases da nossa lingua, cumpriram essatrajetoria.

r Traugott e Konig (1991, p. 190) argumentam que, paralelamentea esses processos de base metaforica, pode ocorrer, em deter11Ùnadasmudanças por gramaticalizaçao, outro mecanismo, chamado pressiiode injormatividade. Trata-se de um processo em que, porconvencianalizaçao de implicaturas conversacionais, 0 elementolingüistico passa a assumir um valor novo, que emerge dedeter11Ùnados contextos em que esse sentido novo pode ser inferidodo sentido primeiro, independentemente do valor textual dassentenças envolvidas no processo. Os autores demonstram a atuaçao

Page 69: Cunha(2003) A linguística funcional - teoria e prática

A mudança lingüÎstica 67

desse mecanismo de mudança em casos de elementos indicadoresde concomitância ou coocorrência entre fatos, que passam a assumir ~)

valar contrastiva (adversativo ou concessivo). Eles ilustram 0

processo, entre outros exemplos, corn a passagem, emlîngua inglesa,de while (concomitância temporal) para while (concessivo).

Em lingua portuguesa, algo semelhante ocorreu, por exemplo,corn 0 termo entretanto, que, atualmente, na norma brasileira, é usadocomo conjunçâo adversativa. A origem desse uso estâ na antigaexpressâo e.ntre tanto, que, segundo Said Ali (1971), desempenhavafunçâo de circunstanciador temporal corn valor de entrementes,enquanto isso sucede. Mais uma vez, vislumbra-se a motivaçâo espadalque irnplica a utilizaçâo da preposiçâo entre e 0 desaparecimentodo valor temporal da expressâo, 0 que alterou, corn 0 tempo, aconfiguraçâo da polissemi~que a caracterizava.

Outros exemplos de defenvolvimento de valores contrastivos apartirdaconcomitância te poralpodern ser apontados ernportuguês.Dm deles é 0 elemento to avia, que, segundo Machado (1977, vol. ~p. 311), vern do Iati tuta via,s que prirneirarnente significouconstanteme7Jlf,.se pre, acada passo; depois, nao obstanteainda.

Apassagem a seguir também ilustra a mecanismo de pressâo deinformatividade. Said Ali (1971, p. 223) apresenta 0 contexto do quaIsurge 0 novo usa contrastivo, ao demonstrar que se pode encontrartodavia ernpregado como correlato enfâtico de conjunç6esconceSSlvas:

9) E ainda que alguns sejam de obscura geraçao, todavia sao veneradose acatados.

Nesse caso, 0 valor de tempo indetermillado do elemento todavia(=sempre) apresenta-se como simultâneo à idéia concessivaexpressada pela sentença anteriar. Esse é 0 contexto que gera, parpressâo de informatividade, 0 usa contrastivo atual de todavia.

8 Na expressao tuta via, a palavra via, que significa estrada, caminho, remete a umaorigem espadal da expressao que, em português arcaico, passou a assumirvalor temporal, significando, de acordo corn Machado (1977), constantemente,sempre, passando depois a assumir funçao de conjunçao adversativa.

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68 Lingürstica funcional: teoria e pratica

Éimportante nao perder de vista 0 fato de que os mecanismos

referentes à metâfora e à pressao de informatividade nao saoincompatîveis. Ao contrario, tendem a ocorrer paralelamente no

processo de mudança. Os processos metafôricos parecem ocorrer

em situaç6es que os estimulam, 0 que relaciona aspectos cognitivos

corn aspectos comunicativos.

Nao se deve esquecer ainda que esses processos apresentamgrande regularidade no que diz respeito ao modo como atuam e ànatureza dos elementos lingüîsticos sobre os quais atuam. Essa

regularidade manifesta-se nao apenas em lînguas diferentes, mas

também em momentos diferentes da evoluçao hist6rica de umamesma lîngua. A atuaçao pancrônica regular desses processosmanifesta-se nao s6 na tendência à estabilidade que caracteriza a

polissemia de alguns elementos em sincronias diferentes, mas

também no fato de que trajet6rias de mudança de elementos antigosespelham as mesmas trajet6rias de elementos atuais. Isso pode ser

observado, por exempl0, no arcaico ende, cujos usos refletemgramaticalizaçao espaço > (tempo) > texto (MARTELOTTA, VOTRE e

CEZARIO, 1996).

A natureza da mudança

Longe de constituîrem casos isolados, os exemplos aquiapresentados nao sao processos de mudança fortuitos. Refletemtendências gerais que parecem estar constantemente na base das

transformaç6es sofridas pelos elementos lingüîsticos. Os exemplosde gramaticalizaçao advêrbio > conjunçiio refletem a regularidade

corn que atuam os processos motivadores das transformaç6esocorridas com elementos diferentes (embora de naturezasemelhante). Essa regularidade evidencia-se ainda mais quando se

percebe que os mesmos processos vaa caracterizar a polissemia desseselementas em estâgios diferentes da trajet6ria das lînguas.

Tais fatas levam à conclusaa de que a mudança lingüîstica naa

pode ser entendida em termas de uma diacronia linear, caracterizada

por transfOlmaç6es decorrentes da evoluçao temporal. Na abordagem

~-

Page 71: Cunha(2003) A linguística funcional - teoria e prática

A mudança lingü[stica 69

funcionalista, 0 fator tempo, embora ajude, em alguns casos, naavaliaçao objetiva da hipôtese da unidirecionalidade, nao éprimordial para a compreensâo da mudança lingüistica,constituindo a anaIise diacrônica apenas uma das estratégiaspossiveis para atestar as tendências pancrônicas (SAUSSURE, 1916/1973), que parecem estar mais associadas à capacidade humana deinterpretar 0 mundo e expressâ-Io a outros individuos. Como afirmaLyons (1979, p. 49), que jâ chamava atençao para a ingenuidade dadistinçao sinCl;,onia/diacronia:

A transformaçao da lîngua nao é nunca uma funçao do tempo,nesse sentido. Hâ muitos fatores diferentes que, tanto interna i ~

quanta externamente, podem determinar a sua transformaçao deum estado sincrânico para outro; 0 passar do tempo apenaspossibilita a interaçao desses vârios fatores.

Lyons (1979, p. 50) mencio a também 0 fato de que a evoluçao ldiacrônica sô tem utilidade ando aplicada macroscopicamente, \jâ que seria errôneo sup que as lînguas sao completamenteuniformes em uro dete inado momento de sua evoluçao.

o casa jâ cionado da passagem de mal de advérbio paraprefixo parece acrescentar mais Ulll dado a essa questao: 0 valorprefixal do elemento renova-se em novas utilizaç6es,independentemente da sua existência rustôrica em outros contextosem que se combina corn outros elementos lexicais. Isso indica apossibilidade de as tendências de mudança atuarem repetidamenteno desenvolvimento de novos usos. TaI atuaçâo, nesse sentido,independe do fator tempo, sublinhando a importância do contextoatualizado de uso coma elemento gerador de novas significaç6es.

-r C• ~

Assim, a mudança lingüistica deve ser entendida coma umfenômeno tridimensional, ou seja, a trajetôria de mudança deum elemento lingüistico é um reflexo de, pelo menos, três aspectosdiferentes: tempo e, sobretudo, cogniçào e uso. Se tempo é fatornecessârio para que osprocessos de mudança se façam sentir, cogniçàal'usa SaD de fundamental importância para uma teoria que interpretaas linguas humanas coma 0 reflexo do comportamento, no ato

-J

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70 Lingüfstica funcional: teoria e pré'ltica

concreto da comunicaçâo, das restriç6es cognitivas associadas à

captaçâo de dadas da experiência, à sua compreensào e ao seuarmazenamento na memôria, assim coma à capacidade de

organizaçâo, acesso, utilizaçào e transmissâo adequada desses dadas.Nesse sentido, a mudança ocorre pela necessidade diferenciada daatuaçâo desses fatores cognitivos, que é ditada no contexto de cada

distinta situaçào de cOlTIunicaçâo.

Aceitar essa visâo da mudança lingüistica implica levar emconsideraçâo 0 que Salomào (1999) caracteriza coma usuârio

~ voluntarioso da Zingua. Asituaçâo comunicativa real é 0 pa1co, no quaIaatuaçâoinovadoradofalante cria novas significadosque saoratificadosno curso dainteraçào. Étambémfundamental, nessecaso, compreender

a significaçào coma algo que depende bastante do contexto, 0 quesignifica admitir que os elementos lingüîsticos nâo têm uma totalautonomia semântica ou umsentido apenas didonarizado, relacionado

à sua estrutura coma elemento autônomo.9

Deve-se, portanto, deixar de lado a proposta tradicional dasemântica da referência, segundo a quaI uma expressào lingüîsticaé convencional e idiomatizada, semanticamente autônoma e capaz

9 Essa posiçao te6rica pode ser vista em Lakoff e Turner (1989). Entretanto,esses autores, embora neguem a teoria do sentido literaI, defendem a existênciade aiguns conceitos autônomos: cachorro, por exemplo, é um conceitoautônomo, mas a noçao de lealdade do cachorro s6 pode ser compreendida pormeio de uma metMora, que relaciona 0 comportamento do animal cornuma caracteristica humana. Essa concepçao estâ muito associada a umavisâo sincrônica da linguagem. Pode-se argumentar que os chamados conceitosautânomos sao, na realidade, elementos automatizados ou idiomatizados, nosentido de que sua origem perdeu-se corn 0 tempo e que seu valor atual,livre da presença de seu uso motivador, deixa de constituir, conformeBloomfield (ap. McMAHON, 1996) um sentido marginal (estendido de umsentido central anterior), para assumir 0 status de sentido central, a partir dosquais passam a se desenvolver outros sentidos marginais. A idéia da existênciade conceitos autônomos se enfraquece quando pensamos que conceitoshoje aceitos coma convencionais sao, na verdade, resultado de mudançassemânticas, cujas origens perderam-se corn 0 tempo. É 0 casa, por exemplo,de estar, proveniente de stiire, que, segundo Machado (1977), significavaU estar de pé; agüentar-se (falando de tIopas)", sentido diferente do queapresenta hoje. Ou 0 casa de convite, que, de acordo corn Said Ali (1970),provém do italiano convito, significando originariamente banquete.

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A mudança lingüfstica 71

de fazer referência à realidade objetiva. Nessa perspectiva, a realidade

possui existência independente da compreensao humana, tendo coma

conseqüência 0 fato de as afirmaç6es poderem ser objetivamente

verdadeiras ou falsas. Asignificaçao, ao contrmo, parece terum carater

elâstico,pois se estende, adaptando-sea diferentes contextos, em funçâo

de necessidades comunicativas localizadas. Nos termos de Marcuschi

(2000), a significaçao é negociada pelos interlocutores em situaç6es

contextuais espedficas, 0 que torna possîvel que os elementos rlingüîsticos se adaptem às diferentes intenç6es comunicativas,

apresentando flutuaç6es de sentido.

Entretanto, tais flutuaç6es de sentido, coma jâ visto, nao se dao

de modo aleat6rio. Estudos hist6ricos indicam uma forte

regularidade nos processos e mudança, no que diz respeito aos

mecanismos que os atualizam e à natureza do elemento envolvido.

Essescomentârios leva à conclusao de que as mudanças de

uma lîngua devem ser co reendidas como movimentos que se

iniciam no instante em ue um indivîduo produz seu discurso

para um interlocuto spedfico, em uma situaçâo comunicativa

determinada. e par um lado a produçao discursiva é limitada pelas

restriç6es jâ consagradas na gramâtica da lingua, por OUITO constituium processo criativo no quaI 0 falante recria formas e estende

sentidos de acordo corn suas limitaç6es cognitivas e as necessidades

comunicativas impostas contextualmente. Quando essas recriaç6es

sao, nas palavras de Bolinger (1975, p. 389), percebidas, apreciadas eadotadas, elas permanecem, podendo vir a gerar situaç6es efetivas

demudança.

Page 74: Cunha(2003) A linguística funcional - teoria e prática
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Estabilidade e continuidadesemântica e sintatica

Lucia Maria Alves Ferreira

A comparaçâo de enunciados representativos de diferentessincronias do português e do latim indica que, ao lado de mudanças

de ordem fonologica, morfologic / sintatica e semântica, que muitas

vezes padern ser diacronicame te atestadas, a lingua apresentatambém uma estabilidade que e manifesta em todos os nîveis dasua estrutura. Diferenteme e do fenômeno da mudança, no

entanta, a estabilidade nâpltem recebido atençao por parte dos

lingüistas. Confor~fontaVotre (2000/ p. 86), estamos taoacostumados à traaIÇao histôrico-comparativa e neogramâtica, queprivilegia a mudança, que"quase perdemos a capacidade de examinara estâvel, a permanente, 0 duradouro".

Neste capitulo serâo apresentadas evidências de estabilidade

sintatica e semântica na lingua a partir da analîse contrastivade enunciados representativos de diferentes sincronias do português

e do latim. As analîses privilegiam uma abordagem pancrônica dosfenômenos lingüisticos, isto é, simu1taneamente sincrânica ediacrânica, na medida em que nem a abordagem sincrânica,

essencialmente estatica, nelTI a diacrânica, demasiadamentecomprometida coma mudança, pennitiriam que se observasse corn

Inaior transparência a natureza sistemâtica e estavel das relaçôes

polissêmicas, dos usos e das construçôes em que se encontram ositens focalizados.

o olhar pancrônico pressupôe a adoçâo explîcita do principio(I() uniformitarismo camo hip6tese de trabalho. Tomado emprestado

DP&A editora

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74 Lingüistica funcional: tearia e pratica

da geologia do século XVIIII 0 uniformitarismo tornou-se uma dasbases do pensamento neogramatico. Em formulaçao de Brugman(ap. LABOVI 19941p. 22)1 /los fatores que produziram mudanças na falahumana cinco ou dez mil anos atras nao podem ter sidaessencialmente diferentes daqueles que estao operando outransformando as linguas vivas/!. No âmbito dos trabalhos aquirelatadosl a estabilidade semântico-sintâtica dos itens examinadosem diferentes sincronias esta relacionadal assim como a mudançala principios geraisl de carâter atemporall que refletem processoscontînuosl regulares e estaveis na mente dos falantesl que osatualizam a cada enunciadol ha muitos séculos.!

Outra ponta em comum entre as analises é a problematizaçaodo principio da unidirecionalidade cancreto > abstrato na derivaçaolno curso do tempol de novas sentidos e usos para os itenslingüisticos. Na medida em que a maioria das formas e dos sentidosexaminados, mesmo os mais abstratos, jâ estava disponîvel nassincronias mais distantes do português e do latiml nao foramencontradas evidências de que os sentidos mais abstratos e genéricossao derivados dos mais concretos e especificos no curso do tempo.Mesmo nos casos em que nao foram identificados usos mais abstratosem uma sincronia mais distantel nao se pode ter certeza de que naocirculavam na lîngua OUI como prefere Votre (1999/2000)1 Ilse estavamdisponiveis, potenciais, e nao aparecem nos dados porque naohouve ai contexto que os aninhasse".

No que se segue serao abordados trés trabalhos de orientaçaopancrônica que comparam enunciados de diferentes sincronias dalîngua. Nos trés casos, visando à cooperaçâo corn 0 leitor e a umamaior inteligibilidade dos exemplos, a sincronia mais recente seraexaminada em primeiro lugar. Oliveira (1997) enfoca a trajetôria degramaticalizaçâo de onde examinando dadas de lingua em usono português contemporâneo, no português do século XVI, no

1 Ver a capitula anteriar deste livra sobre 0 princfpia do unifarmitarismoaplicado à mudança lingüîstica.

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Estabilidade e continuidade semântica e sintatica 75

português do século XIII e no latim. Além de indicios de mudança,a autora observa instâncias de continuidade e estabilidade.

Ferreira (2000) focaliza 0 modal poder observando que,diferentemente do que aconteceu corn os modais can e may do inglês,cujo processo de gramaticalizaçao e abstratizaçao é amplamentedocumentado na literatura, a maioria dos usos do verbo poderapresenta uma estahilidade semântico-sintâtica que se manifestaem enunciados representativos de três sincronias situadas em umperiodo de 22 séculos.

Votre (2000) examina construç6es sintaticas complexas quecontêm os verbos achar, pensar, saber e ver em que 0 objeto direto éuma oraçao, desenvolvida ou reduzida. Buscando fontes dereferência sobre a semântica e as' taxe das construçôes no portuguêsoral contemporâneo, no portu ês arcaico e no teatro latino, 0 autorenfraquece 0 principio der' acionista, que prevê caminhounidirecional do concreto pa a 0 abstrato. Em vez de falarmos emderivaçao de sentido, propÇ>é0 autor, devemos enfatizar as relaç6esentre sentid6s, semg~irquaI teria sido a sentido fundante.

----..---~---

Os usas de onde

Examinando a trajetôria do elemento onde, seus diversossignificados e usos, Oliveira (1997) examina 0 carater multicategoriale multifuncional de onde nao apenas nas varias sincronias doportuguês, mas também no latim.

No português contemporâneo, onde tende a atualizar outrossentidos diferentes do sentido de lugar comumente usado. Assumevalor anaf6rico-discursivo de espaço dentro do prôprio texto, detempo, chegando/ em alguns contextos, a perder totalmente 0 sentido()riginal de espaço fisico, passando a serutilizado como um marcadordiscursivo, vazio de significado, funcionando coma um recurso1)(Jra manter a continuidade do discurso. Nos exemplos a seguir, do{'()j'pus D&G/Natal (FURTADüDA CUNHA, 1998),ilustram-se alguns dosIlsas mais abstratos e nao-canânicos de onde no português1'( ll1 temporâneo.

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76 Lingüfstica funcional: teoria e prâtica

1) 0 meu forte mesmo é ampliar desenhos. Onde eu acho um desafio.Pois eu tenho de chegar à perfeiçao. 0 meu objetivo é fazer umdesenho mais parecido e possîvel daquele outro (lîngua escrita,oitava série).

2) ...quando chegou no acampamento ... ele pegou a comida que tavatudo junto e dividiu... sendo que... cada pessoa comia de cada coisauma... ou seja... 0 que eu levei. .. eu nao comi sozinho... eu tive quedividir corn todos os amigos... depois disso... teve a noite onde foiescolhido 0 gyupo de cinco pessoas mais ou menos ... (lîngua falada,oitava série).

3) .•.às vezes pessoas que roubam... um sacQ de feijao ... um relôgio... tâna cadeia enquanto que outros que deu prejuîzo à sociedade... milh6ese milh6es bilh6es até... de dinheiro que foi tirado da populaçao e tâ aîà solta... por quê? porque tem dinheiro... onde a justiça do Brasil sô évâlida para os pobres... (lîngua falada, oitava série).

No exemplo l, Oliveira observa que 0 elemento onde refere-senao a um espaço fisico (cf. '/\ casa onde morei"), seu sentido canânico,mas a um espaço no discurso. Retomando 0 enunciado precedente,onde funciona como um elemento anaf6rico equivalente a isto,aparecendo inclusive depois de uma grande pausa pros6dica. Passaa expressar no texto um outro lugar: 0 discursivo, conservandoassim seu conteûdo semântico original de Iugar, embora, ao mesmotempo, assuma outros sentidos diferentes de lugar fîsico. Ja noexemplo 2, onde refere-se a anoite, que nao é nem espaço ffsico nemdiscursivo, e sim espaço de tempo. No exemplo 3, por outro lado,onde parece exercer uma funçao textuaI, organizadora do discurso,semelhante à de um conector causal. Nesse caso, jâ perdeu muitode seu sentido original de espaço ffsico, e, mais vazio de significado,funciona como um elemento de ligaçâo, organizador das idéias.Esses exemplos seriam evidências sincrânicas da trajet6ria degramaticalizaçâo do elemento onde, que teria obedecido ao esquemaespaça> tempo> texto, desenvolvido no curso do tempo.

A analise da ocorrência de diferentes sincronias do portuguêsrealizada por Oliveira revela que onde ja expressava, em outrosperîodos evolutivos da lîngua, alguns dos sentidos mais abstratosencontrados no português contemporâneo. Esse fato contraria a

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Estabilidade e continuidade semântica e sintatica 77

expectativa de que na analise das sincronias mais distantes seriamencontradas apenas evidências dos estagiosconcernentes aossentidos mais concretos. No exelnplo 4, a seguir, do século XVI,honde nao se refere a um espaça fîsico, mas a tudo que foiargumentado antes, funcionando, portanto, coma um elementoanafôrico-discursivo, corn sentido de conclusao:

4) Imprimatur à Gramâtica de José de Anchieta (DÉSIRÉ, s/d)"Licença"Vi por mandado de Sua Alteza eftes liuros de Grammatica & Dialogoscompostos pelo Padre Ioseph de Anchieta Provincial, que foy daCompanhia de letra noffa Sagrada Religiao, nem bos custumes,antes muytas que feruirao muyto pera melhor inftruiçao dosCathecumenos &augmento da nova Chrinftadade daquellas partes& pera corn mais facilidade & fuauidade fe plantar & dilatal' nellasnoffa Sancta Fee. Alem da f tisfaçao & edificaçao que ha por todaaquela costa de grande vil' de, l'eligiao & exemplo do Autor deque sempte darey testemu ho. Por honde me parece que fedeuemde imprimir estas suas ras. Em Lisboa, a vinte & cinco deSeptembro, de mil & quO hentos & noventa & quatro.Augustinho Ribeyro

Oliveira ofefêêe-nos ainda um exemplo do século XIII, emgalego, encontrado na Crestomatia Arcaica, no capitulo II dasOrdenaç6es de D.MonsoII (NuNEs, 1943). No exernplo 5,ondeparecereferir-se a tudo que foi dito antes, funcionando como um conectordiscursivo, corn valor conclusivo, sem significado necessariamentelocativo.

5) Dos Dezemos Que An A Dar Os Cristiaos A Sancta IgreiaAbraam fuy 0 primeyro dos proffetas e fuy muy sancto orne e taamigo de Deus que disso por el que enD seu linnage seeria beeytastodalas gentes e este connosçendo que era pouco aquello que dauaos que foron ante que el a Deus, segundo os bees que deI rreçebia,comezou el a dar 0 dezemo de mays das primiçias e das offerendasque elles daua e dou-Io primeyramete a Me1chisedec, que erasacerdote, e sennaladamete dou 0 que gaannou dos rreys queuencio, quando les tollio a Loth, sou sobrino, que leuaua catiuo.Onde, enas duas maneyras de siruiçio de primiçias e de offerendasque 56 ditas enD titulo ante deste e en esta terceyra, que é dosdezemos, husar6 os ornees de siruir a Deus...

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78 Lingüfstica funcional: teoria e prÉttica

Corn referência ao latim, Oliveira observa, a partir de exemplos

encontrados em gramâticas hist6ricas e latinas, que a forma ubi,

que, juntamente corn unde, teria sida precursora do onde português,

além do sentido canânico de lugar, era usada também cam valores

temporal e conc1usivo.

Oliveira conc1ui que, em seu percurso hist6rico, onde mantém

seu sentido original e que outras sentidos surgem sem que a

primeiro desapareça. Coma nem sempre os mesmos valores e usas

sao encontrados em todas as sincronias, a autora postula que algunssentidos seguem uma Ilespécie de onda dc1ica, realizando um

movimento de emergiy e submergiy". A essa interpretaçao dos dadas

acrescentamos outra: é possivel que os valores e usas mais abstratos

tenham estado sempre disponiveis na lingua, mas que a analise das

evidências hist6ricas realizadas pela autora simplesmente nao os

tenha flagrado.

o modal poder

Grande parte das hip6teses acerca do desenvolvimento dos

itens que expressam a noçao de modalidade propostas na ultima

década prevê trajet6rias diacronicamente estaveis de abstratizaçâo

do sentido. Bybee, Perkins e Pagliuca (1994), par exemplo, postulam

que itens lingüisticos que se referelll à capacidade fisica, uma

modalidade exc1usivamente orientada para a agente, padern, corn

a tempo, vir a expressar noç6es coma a possibilidade epistêmica,

uma modalidade mais abstrata e orientada para 0 falante. Esta parece

ter sido a trajet6ria de desenvolvimento de may.2

Também Traugott (1989) postula que os modais, originalmente

verbos plenos, comsentidos concretos, seguindo tendências universais

de mudança semântica, tomam-se progressivamente mais abstratos e

orientados pela atitude subjetiva do falante em relaçâo à proposiçâo.

2 Segundo Bybee (1988), may era usado em referência a habilidade fîsica oupoder e, gradualmente, por um processo de generalizaçâo, no final doperioda denorninado Middle English (1125-1500), passau a indicar apossibilidade de raiz, a perrnissâo e a possibilidade epistêmica.

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Estabilidade e continuidade semântica e sintâtica 79

Em relaçao aos verbos modais do português, também sebaseando no prindpio da unidirecionalidade concreto > abstratona mudança semântica e na gramaticalizaçao, Rigoni Costa (1995)identifica, no portuguès contemporâneo, evidências de um processodiacrônieo de desenvolvimento dos verbos.

As postulaç6es de mudança lingüfstica acima prevêem naoapenas estagios em que os sentidos fundantes e os novos convivem,mas também 0 desaparecimento de tais sentidos. Apolissemia dasformas em uma mesma sincronia revelaria os diversos estâgios datraj etôria concreto > abstrato de um processo de mudançadiacronicamente atestâve1. Nas palavras de Tabor e Traugott (1998),tais pos ulaç6es prevêem isomorfismo entre 0 desenvolvimentohistorieo e relaç6es sincrônicas entre itens polissêmicos.

Em relaça ao verbo poder, entretanto, pode-se verificar que asnoç6es contextu . adas por esse verbo no portuguès contemporâneojâ estavam disp nfveis no verbo posse, que deu origem a potere eposteriormente poder, desde a fase arcaica da lingua latina (FERREIRA,

2000). Isso si . .. a dizer que 0 possîvel desenvolvimento dos sentidos

mais abstrato do modal a partir dos sentidos mais concretos naopoderâ ser atestado diacronicamente a partir do latim, ao menos combase nos dados coletados até 0 momento.

Os très exemplos a seguir, do portuguès contemporâneo,3 doportuguès do século XVI e do latim arcaico do século II a.C.,respectivamente, ilustram 0 usa do modal para codificar apossibilidade epistêmica, ou seja, uma noçao mais abstrata do queoutras mais concretas, camo a capacidade atribuîda ao sujeito, oumesmo uma possibilidade mais factual, também codificadas pela

verbo nas très sincronias.

:\ Na tese de doutorado de Maria Lucia Alves Ferreira (2000) sâo examinadasamostras representativas de três sincronias do português: a) 0 corpus D&G/Riode Janeiro (VOTRE e OLIVEIRA, 1995), para 0 português contemporâneo; b) os Autosda Barca do Inferno, Barca do Purgatôrio e Inès Pereira, de Cil Vicente, e 0 Auto dasRegateiras, de Antonio Ribeiro Chiado, para 0 português do século XVI;c) 0 Amphitrvo, de Plauto, para 0 latim arcaico. No presente trabalho, é tambémanalisado um enunciado da peça Asinaria, de Plauto, do século II a.c.

Page 82: Cunha(2003) A linguística funcional - teoria e prática

6) 1: nunca... pra falar a verdade... nunca digo que eu sei fazer algumacoisa... eu sempre parto do princîpio que aIguém sabe fazer melhordo que eu... passa nao conhecer, mas... alguém algum dia vai aparecersabendo fazer melhor do que eu...= É possîvel [eu naD conhecer]

7) Pero: E esta de qu'anos serâ? [referindo-se à idade da escrava] (...)VeIha: Nao queira Deos que vos menta:houve-a no tremos da terra;pode agora ser essa perra - Auto das Regateiras 806môça d'alguns cincoenta,salvante s'a conta erra.= Pode ser [que ela tenha uns cinqüenta anos] Épossîvel [que tenha...]

8) Demaenetvs: Non esse seruus peior hoc quisquam potest -Asinaria 118Nec magis uersutus nec quo ab caueas aegrius.Ninguém pode ser um escravo pior do que esseNem tao astuto nem tao difîcil de quem você tenha que se precaver= NaD é possîvel [que alguém seja um escravo pior... ]

80 Lingüfstica funcional: teoria e pratica

A anéilise indica, portanto, que, no casa de poder, a

direcionalidade concreto > abstrato na mudança lingüistica nao é

cronologicamente verificavel, na medida em que tanto a noçao mais

concreta (a capacidade) quanta a mais abstrata (a epistêmica,

exemplificada acima) coexistem ha muitos séculos.

A estabilidade dos usos de poder/posse manifesta-se nao apenas

no fato de que nas três sincronias ilustradas 0 modal coocorre corn

verbo no infinitivo e que 0 sentido codificado é 0 da possibilidade

epistêmica. Observe-se que nos três exemplos as parafrases indicam

que a modalidade incide sobre toda a proposiçao. A possibilidade

epistêmica envolve 0 falante em um processo inferencial no quaI

ele expressa seu comprometimento em relaçao à possibilidade de

atualizaçao da proposiçao e tem, portanto, tada a proposiçao coma

escopo. Em outras palavras, 0 modal epistêmico veicula um

julgamento subjetivo do falante acerca do conteudo propasicional,

e esse fato é iconicamente representado na gramatica pela escopo

mais amplo, coma indicam as parafrases nos exemplas 6, 7 e 84 e a

4 Observe-se que 0 exemplo 8 admite também a seguinte leitura: Ninguém écapaz de ser escravo pior do que este. Nesse casa, a modalidade estaria incidindosobre 0 sujeito, e nao sobre a proposiçao. A identificaçao do escopo damodalidade é problemâtica em muitos casos.

Page 83: Cunha(2003) A linguística funcional - teoria e prática

Estabilidade e continuidade semântica e sintatica 81

incidência da negativa sobre a predicaçâo principal, e nao sobre 0

modal no exemplo 6.

A estabilidade dos usos mais abstratos de poder e passe em

diferentes sincronias do português e do latim manifesta-se também

em usos mais voltados para a interaçao, na ocorrência do modal em

atos de fala manipulativos, isto é, atos verbais por intermédio dos

quais 0 falante tenta levar seu interlocutor a agir (GIVÔN, 1993).

Na maioria das vezes, trata-se de permiss6es, pedidos e ordens, atos

que envolvem 0 falante em uma relaçao de maior ou menor tensao

quanto a seu interlocutor e que estao associados a fatares coma

distanciamento social e tipo de imposiçao, entre outros. As

ocorrên . sa seguir, do português do século XVI e do latim arcaico,

ilustram ato de fala que podem ser indiretamente interpretados

coma pedidos ou até Inesmo ordens, dependendo da relaçao de

poder entre os ir terlocutores:

9) Velha: E dar- os-ei ua escravaque trabalha coma zeina: [égua]amassa e e rega e lava.Pero: E es a nao se pode ver? - Auto das Regateiras 787Velha: Sim, Jesu, logo ness'hora.Cadela, aî ca fora![Pero Vaz pedindo para ver a escrava, parte do dote de Beatriz]

10) Mercvrivs: Possum seire, quo profectus, cuius sis, aut quid ueneris?- Amphitrvo 346Sosia: Huc eo, eri sum seruus.Mercûrio: Passa saber onde vais, a quem pertences ou par que vieste?Sôsia: Vou para Li. Sou servo de meu amo.[Mercurio pede informaçao a Sôsia fingindo naD conhecê-lo]

11) Ivppiter: Nimis iracunda es.Alcvmena: Potin5 ut abstineas manum? - Amphitrvo 903Jûpiter: Estas muito irritada.Alcmena: Podes tirar a mao de mim?[Alcmena pede/ordena ao marido que se afaste dela]

Segundo Ernout e Thomas (1953), a construçao potin ut... ? é formada apartir de pote est ("é possivel").

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82 Lingüfstica funcional: teoria e pratica

Observe-se que a interpretaçao dos enunciados 9,10 e Il camo

atos de fala manipulativos é pragmaticamente motivada, na medidaem que construç6es semelhantes corn poder SaD freqüentemente

associadas à noçao de possibilidade. Os enunciados sâo, portanto,

ambiguos e sua interpretaçâo depende fundamentalmente deparâmetros externos, pragmaticos. Uma vez que nao sao entendidos

pelos interlocutores coma perguntas acerca da possibilidade derealizaçâo das aç6es, sua interpretaçao como pedidosou ordens éacionada por um mecanismo inferencial associado a uma

implicatura conversacional (CRIeE, 1975; LEVINSON, 1983).

A analïse desses exemplos, que encontram sua contrapartidaem ocorrências do português contemporâneo, evidencia quebasicamente as mesmas estratégias comunicativas e as mesmas

inferências relacionadas ao uso de poder e passe vêm sendo usadaspelos falantes ha mais de 22 séculos, a que significa que as press6es

funcianais e comunicativas que motivam sua ocorrência ecristalizaçao sao continuas e regulares, e, tudo indica, permanecem

inalteradas.

Éverdade que alguns usas de passe do latim desapareceram dalingua,6 mas a analise de ocorrências em sincronias tao distantesentre si aponta mais para a estabilidade dos mecanismos inferenciais

que prapiciam as extens6es de sentido do que para a mudança. 0 fatode que sentidos tanto mais concretos, orientados para 0 agente, quantamais subjetivos, centrados no falante, estavam disponiveis na

sincronia mais distante sugere que, no caso do modal poder, as relaç6es

entre os sentidos mais concretos e os mais abstratos têm a ver corn leisgerais, de carMer pancrônico, atemporais. Em outras palavras, 0 fato

de que relacionamos a noçâa de capacidade à de possibilidade e estaà de permissâonao tem carMer linem; temporal, nemreflete tendênciasestruturais. Ao contrario, esta relacionado ao carMer imaginativo do

pensamento humano e a press6es de ordemcognitiva e comunicativa

6 Ferreira (2000) identifica na amostra latina um usa de posse nao registradonas duas amostras do português. Trata-se de uma ocorrência em que averbal na forma passiva, significa tomar posse.

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Estabilidade e continuidade semântica e sintatica 83

que fazem corn que estejamos continuamente atualizando nossacapacidade imagética e aplicando-a a situaç6es que percebernos cmuoanâlogas às que jâ vivenciamos.

Os verbos de cogniçâo

Contrastando usas dos verbos ver, achar, pensar e saber ern duasdiferentes sincronias da lîngua portuguesa e no latim, Votre (1999)prop6e uma revisao das hip6teses clâssicas de unidirecionalidade namudança semântica e sintâtica nos processos de gramaticalizaçâo.Segundo essas hip6teses, os sentidos tornam-se gradativamente maisgenéricos e abstratos, e, no que diz respeito à mudança sintatica,as constru 6es podern tornar-se, corn a tempo, sintaticarnente maisintegradas.

Apartir de dos que indicam que os usos mais abstratos dessesverbos jâ estava cristalizados no latim, 0 autor prop6e que é maisadequada falar da laçâo entre as noç6es expressadas pelos verbosdo que de derivaçâo de processos diacrônicos de mudança. No quediz respeito àmudan a semântica, as evidências indicam que cadacamada de sentido isponivel no português contemporâneocoexistiu corn senti os de fases precedentes, representandoprocessos estâveis, coma indicam os exemplos de usos do verbo vera seguir, examinados pela autor:

a. Corpus D&G/Rio de Janeiro, 1995

12) Deixa eu ver 0 que que tem mais no meu quarto... [lernbrar, pensar]

13) Ble diz que vê você passando todos os dias aqui na rua. [ver com osolhos]

14) Com 0 tempo fui venda que nao era nada disto. [perceber, conduir]

15) Aî eu fa1ei até corn meu namorado pra ver se ele se mancava. [testar,verificar, julgar]

b. Gil Vicente, Auto das Barcas e Inês Pereira, século XVI

16) Fidalgo: Parece-me isso cortiço!Diabo: Porque a vedes lâ de fora! [ver com os 01h08]

17) Diabo: Ora entrai nos negros fados, / ireis ao lago dos caes, / e vereisos escrivaes 1como estao prosperado8! [perceber]

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84 Lingü[stica funcional: teoria e pr<3tica

18) Anjo: Veremos se vern alguém / merecedor de tanto bem / que devade entrar aqui. [verificar, checar]

19) Diabo: Tomareis um par de remos, / veremos como rernais! [avaliar]

c. Plauto, Amphitrvo, latim arcaico, século II a.c.

20) Alcmena: Atque me nunc proinde appellas, quase muIto post videris?Como fala assim comigo, apôs teres me visto hâ pouco?Amphitrvo: Immo equidem te nisi nunc hodie nusquam vidi gentiurn.De fato, naD vi vocè esta manha, estou segura disso! [ver,literalmente]

21) Blepharo: Vos inter vos partite: ego abeo, mihi negotium est, nequeego unquam usquarn tanta mira me vidisse, censeo.Vocès, dèem 0 fora! Estou fora disso. Até hoje, nunca vi tanta coisafantastica, certamente. [experimentar, perceber]

22) Amphitrvo: Sequere hac igitur me; nam mihi istuc primum exquisitoest opus. Sed vide ex navi efferantur ut quae imperes compareant.Por favor, fiquem comigo. Primeiro, cabe resolver este mistério.Mas vejam tudo 0 que sair dos navios, para que venham para ca.[verificar, checar]

23) Mercurius: Hinc enim dextravox auris, ut videtur, verberat.De fato, vejo que alguma coisa soa, no ouvido direito. [percebercorn os ouvidos, ouvir]

As evidências oferecidas pelas enunciados corn ver indicam,segundo Votre, a necessidade de enfraquecer a hip6tese deunidirecionalidade cancreta > abstrata camo trajet6ria atestaveldiacronicamente. Na perspectiva proposta pela autor, nadadesaparece ou é inteiramente novo. Tudo esta em processo deadaptaçao às novas situaçoes, sendo reformatado, mas semevidências de que um uso precede 0 outra no curso do tempo.

No que diz respeito à hip6tese de que as construç6es tendem atornar-se mais integradas no curso do tempo, 0 estudo indica que,no caso do verbo ver, nao ha evidência de movimento para maÏorintegraçào no perîodo de 22 séculos examinado.

o verbo achar/do latim adflare > aflare, oferece-nos outra ordemde evidências. No latim, 0 verbo tinha significados relacionadosaos atos de soprar, inspirar, farejar, coma em Canis afflat venatum("0 cachorro fareja a presa ff

), que podia ser metaforicanlenteinterpretado coma '10 cachorro acha a presa". Essa extensào de

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Estabîlidade e continuidade semântica e sintatica 85

sentido é um indicio da abstratizaçâo de adflare jâ no latim. A formaachar do português sofreu alteraç6es fonéticas em sua evoluçâo dolatim, mas 0 verbo aflar ainda estâ disponîvel no portuguêscontemporâneo e significa soprar ("Leques aflavam de leve sobre oscolas orvalhados de pedrarias" -Coelho Neto, A tormenta).

Em relaçao à integraçâo sintâtica de construç6es cam 0 verboachar, a autor mostra-nos que no português arcaico, como nocontemporâneo, 0 verbo achar podia ser seguido de sintagmanominal ou de complemento oracional corn verbo finito.Contrariamente às expectativas, no entanto, uma construçâo cornmaior nivel de integraçâo sintâtica é encontrada no portuguêsareaico: x + complemento oracional infinitivo, exemplificada a seguir:

24) E madou "nr c6migo hua muy honrada dona diaconyssa, pernome chama Romana, a quaI, quando ueo, achou iazer aos peesdo sancto bispo ono Pelagia corn gran planto e doo.

Aconstruçao 24, q\ e nâo ocorre no português contemporâneo,parece expressar umt decisao e assemelha-se, em seu uso, àconstruçâo cristaliza~a achar + de + infinitivo do portuguêscontemporâneo: achou de beber.

o fato de a construçâo achar + infinitivo, mais integrada, oeorrerno português arcaico e ser inexistente no português contemporâneodesautoriza a prindpio de unidirecionalidade na integraçâosintâtica camo pressuposto absoluto da mudança lingüistica.

Em relaçâo ao verbo pensar, 0 termo que lhe deu origem, pendo,pependi, pensum, pendere, significava suspender, pendurar, pesar,especialmente os pratos da balança, pagar e, ainda, pesarmentalmente, ponderar, considerar, estimar, julgar. Em suaargumentaçâo a favor da hipôtese de que a faculdade metafôrica dalinguagem opera de modo instantâneo, ancorada no contexto decada interaçao, Votre faz uma interessante observaçâo acerca dosusos do verbo no latim. Ao mesmo tempo que servia para a idéia depesar, atribuir valor ao trabalho por meio do peso da la, no periodoromano, 0 verbo também era utilizado corn 0 sentido de pesar

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86 Lingüfstica funciona/: teoria e pratica

palavras, idéias, propostas, taI camo fazemos hoje, ou seja, seu sentidonao se tornou mais abstrato no curso do tempo.

Observaçao semelhante é feita a respeito de saber. No latim, aconfiguraçao semântica de sapere, IIter 0 sabor", inclufa os sentidosde ter senso, discernimento, conhecer, compreender, associados aoverbo no português contemporâneo.7 Outra vez argumentando queé mais adequado falar de uma correspondência metafôricainstantânea do que de transferência metaforica, Votre (2000, p. 87)pergunta-se até que ponto 0 segundo saber é distinto do primeiro,ou dele derivado. Como provar que os dois sentidos nao coincidemou nao se emaranham de forma inextricâvel? 'i\té que ponto temosem nos uma substância mental distinta da corporeidade?"

Concluindo sua anâlise de ver, achar, pensar e saber, Votre (2000)observa que suas configuraç6es sintâtico-semânticas no portuguêssao intimamente relacionadas às configuraç6es correspondentes nolatim. a padrao geral que emerge da anâlise é, portanto, regular,continuo, resultando em uma gramâtica que resistiu a mudançasculturais, polfticas e historicas. A partir dessa constataçao, 0 autorprop6e um prindpio de extensiio imagética instantânea, naodesenvolvido no curso do tempo, segundo a quaI

a faculdade metaf6rica da linguagem opera de modo instantâneo,no sentido de que todas as virtualidades e potencialidades de sentidode um termo se tornarn disponfveis na mente das pessoas queinteragern na comunidade discursiva, ancoradas no contextosituacional de cada interaçao (id., ib., p. 72).

Por uma interpretaçâo funcionalista da estabilidade

A perspectiva pancrônica do estudo dos fatos lingüfsticos, aopermitir a comparaçao entre vârias sincronias da lingua, dâ maiorvisibilidade aos aspectos relacionados à continuidade e àestabilidade, e, conseqüentemente, os resultados das pesquisas

7 Observe-se que 0 sentido ter sabor é corrente no português de Portugal. NoBrasil, é freqüente no Nordeste e também na lingua literaria: "Nao sabe amel, sao sabe a fel, é de papeI" (Ferreira Gullar).

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Estabilidade e continuidade semântica e sintatica 87

confrontam-nos corn um nova elenco de questionamentos.8 Comaevidenciado nos trabalhos aqui relatados, as hipôteses de trajetôriasunidirecionais de desenvolvimento semântico-sintatico precisamser enfraquecidas, na medida ern que, muitas vezes, configuraçôessemântico-sintaticas supostamente "mais jovens" (porque maisabstratas) sao observadas na sincronia mais remota, coexistindo aolado de configuraçôes mais concretas, que, por sua vez, permanecem,desafiando todas as press6es histôricas e culturais que poderiam terlevado ao seu desaparecimento ou rnudança. Resta-nos, entao,perguntar como e por que isso acontece.

Votre (1999) vern trabalhando corn a hipôtese de extensaoimagética instantânea, e nao desenvolvida linearmente no curso dotempo. ~ ndo essa hipôtese de correspondência metafôrica, astendências pr entes em determinado momento do passado atuamno presente e con' uarâo a atuar, da mesma forma, indefinjdamente,sempre que 0 conte to situacional de cada interaçâo assim 0 exigir.

Aadoçao desse p . dpio ajudar-nos-ia, por exemplo, a entendera aparente onda dclica m que sentidos parecem emergÏy e submergir,observada por Oliveir acerca dos usos de onde. 0 princîpio tambémnos permitiria entender que as inferências pragmaticamentemotivadas associadas aos usas de poder e posse em atos de falamanipulativos estâo relacionadas a press6es cognitivas ecomunicativas que vêm atuando de forma regular e constante emsituaç6es reais de uso ha pelo menos 22 séculos e que provavelmenteeontinuarao a atuar enquanto 0 falante pereeber os eontextossituacionais de uso como analogos. Por fim, a hipôtese de que aproduçao de extens6es metafôricas oeorre simultaneamente e naode forma proeessual, ao longo do tempo, também nos auxilia aentender que, ao lado dos processos que mastram a maleabilidade erlexibilidade da lingua, existem aqueles que apontam para apermanência da sintaxe e da semântica.

Il Estudos diacrônicos também permitem a comparaçâo entre vârias sincronias.A pancronia é, no entanto, mais abrangente porque engloba as sucessividades(' os estados.

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Page 91: Cunha(2003) A linguística funcional - teoria e prática

Lingüistica funcional aplicadaao ensino de português

Mariangela Rios de OliveiraVictoria Wilson Coelho

Apresen dos os fundamentos basicos do funcionalismo f

acompanhados sua respectiva ilustraçâo em lingua portuguesaf

o presente capitulo Ha-se para a demonstraçâo da aplicabilidade

do aparato teârico refe ido segundo 0 ensino da lingua materna noBrasil nos nîveis funda entale média. Nesse sentidof trata-se de

uma mediaçâo entre te rizaçâo lingüîstica e pratica pedagôgica f

uma das concepçôes e stemolâgÏcas da lingüîstica aplicada.

o que pretendemos é f a partir dos pressupostos abordadosanteriormente, oferecer alguns subsîdios à investigaçâo do

partuguês em sala de aula em termas de instrumental de reflexâo e

de açâo pela linguagem. Acreditamos que a proposta funcionalista f

assim coma outras correntes de analïse lingüîstica f possa trazer

aIguma cantribuiçâo aa estuda da relaçâa discurso X gyamatica f sejana analîse de textos, seja na praduçâo de textos. Corn base nessacrença, mostraremas como a abordagem funcianalista pode auxiliar

nas tarefas referidas.

Evidentementef nao temos a pretensâo de dar conta de forma

cabal e absoIuta dos pontas abordadas f menas ainda a ingenuidadede imaginar que estamos elaborando algum receituario para a

saluçâo de problemas educacionaisf alguns ja c1assicos, que vêm àtona quando se aborda essa questâa em nosso pais. Sabemos que hagrande, necessaria e prudente distância a separar os resultados de

DP&A editora

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90 LingüIstica funcional: teoria e prâtica

1

pesquisas mais recentes da realidade das salas de aula de lîngua

portuguesa. A tarefa de ensino, por sua pr6prianatureza, precisa

lidar corn metodologias e conteûdos mais sedimentados, mais

consensuais na comunidade acadêmico-escolar. Portanto, os pontas

tratados neste capitula sao alguns dos que circulam corn relativa

unanimidade na ârea, t6picos basilares em torno dos quais hâ certa

identidade interpretativa.

Para tratar da aplicaçao do funcionalismo ao ensino de

portugués, partimos do texto legal, da Lei de Diretrizes e Bases da

Educaçao Nacional, a LDB 9.394/96, e dos documentos

governamentais a partir daî elaborados - fundamentalmente os

Parâmetros Curriculares Nacionais, os peN. Corn essa estratégia,

buscamos registrar os objetivos gerais de lingua portuguesa no

ensino fundamental e médio do Brasil, correlacionando-os à

perspediva funcionalista de tratamento lingüistico. Yale ressaltar

que as metas consubstanciadas nos referidos documentas sao

resultantes, em muitos aspectos, da consolidaçao e do

desenvolvimento da pesquisa lingüistica brasileira, do maior

conhecimento acumulado nessa ârea cientîfica.

No segundo momento, procedemos à anâlise de oito text9s.,..../-

elaborados por membros da comunidade estudantil nacionaP à

luz da associaçâo estabelecida anteriormente - objetivos de ensino/

proposta funcionalista. Nessa anâlise, tanto discutimos quest6es

relativas à produçao textual (relevância, status da informaçao,

transitividade, entre outras) quanta tratamos da categorizaçao

gramatical, corn comentârios referentes à prototipicidade, à seleçâo.-.........~_.-.----..

lexical, à implicaçao da correlaçao sintaxe/morfologia, por exemplo... -,...., .. , .. , .- ." ..._, .. , ...~.,~-' .

Nosso objetivo é oferecer umaabordagE'În que trabalhe a gramâtica

no discurso; em outras palavras, que dé carater mais global e

motivado ao ensino de conteûdos de lingua portuguesa. Trata-se de

modelos de anâlise que se revestem de meras sugest6es que padern

1 Quatro textos falados e seus correspondentes escritos, componentes do CorpusDiscurso & Cramâtica: a Zingua falada e escrita no Brasil, organizado pelosmembros do grupo de estudos Discurso & Gramâtica.

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Lingüistica funcional aplicada ao ensino de português 91

e devem ser aprimoradas, complementadas ou refinadas por aquelesque, de fato, têm a responsabilidade nesse empreendimento (acadêmico - 0 corpo docente de lîngua portuguesa.

Objetivos gerais do ensino de lingua portuguesa

... \ Comparadas genericamente as propostas da antiga LDB (5.692/\

71))com as da atual, em termos de ensino de lingua materna no

, Brasil, 0 que se destaca n~!l0vaorientaçao govemamental sao duas..,/ vertentes, em torno das quais d~ve fundamentar-se e inspirar-se a

./ (:

atividade docente nessa ârea: a transdisciplinaridade e 0 carâter /,

social do usa lingüistico.

Na LDB/71, ainda persistia a ori,entaçao dicoto?1izada, quedestacava, p . cipalmente no ensino médio, conteudos de literaturae conteudos de " a, às vezes ainda cornuma terceira segmentaçâo \ i·

jJ

- a produçao tex al. Verificava-se a ênfase na fixaçâo da:nomenclatura grama al, freqüentemente dissociada de anâlise dousa das categorias a p tir de sua ocorrência no discurso. Favorecia­se a repetiçâo do estud de conteudos, via de regra nao aprendidos,ao longo dos ensinos f ndamental e médio, 0 que concorria para 0awnento da sensaçâo de fracasso escolar. Todo esse quadro contribuiapara a configuraçâo de uma situaçâo meio paradoxal - lima {comunidade de usuârios corn 0 sentimento de que nao sabia falar /

fsua pr6pria lingua, de que ela seria muito dificil, de que se perseguia (

\

um ideal quase inatingivel- a norma cuIta escrita. .

Com aL~ sobretudo a partir das proposiçôes contidas nosPCN, marca-se ôinicio da mudança no rumo da antiga orientaçâopedag6gica oficial. Se a realidade do ensino em nosso pais, em termosgerais, ainda estâ longe das aspiraç6es consubstanciadas nos PCN,é fato que essa reorientaçâo nos objetivos da atividade docente delîngua portuguesa começa jâ a provocar, no âmbito das secretariasestaduais e municipais de educaçao e da categoria do magistérioem geral, a preocupaçâo corn a adoçao de novos procedimentosmetodol6gicos, no sentido do alcance dos atuais objetivoscducacionais. Toda essa guinada sup6e, como ponto de partida,

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92 Lingüfstica funcional: teoria e pratîca

1ri

... 1, "i \, •

a alteraçâo da perspectiva em reIaçâo ao tratamento e à abordagemdas atividades corn a linguagem, entre as quais se destaca 0 ensinode lingua materna, area para a quaI os pressupostos teoricos

funcionalistas padern trazer alguma contribuiçâo. Essa contribuiçâo

assume maior reIevância diante da constataçâo da ainda pouco

expressiva produçao de material didatico para ensino de lîngua

materna orientada pela recente perspectiva.

Para 0 nîvel fundamentaI, correspondente ao antigo primeirograu, os peN destacam a utilizaçao competente do português nao

so coma instrumental de acesso e apropriaçâo de bens cuIturais e

participaçâo ativa no mundo letrado, coma também, e de forma

acentuada, sua utilizaçâo na resoluçâo e superaçâo de situaç6es eproblemas do cotidiano. Em outras palavras, trata-se de uma

proposta de ensino numa vertente que podemos chamar de

funcionalista, em que 0 aluna trabalha as quest6es lingüîsticas parapropositos pragmaticos e comunicativos de maior evidência,

vinculados a seu ambiente histôrico-social. Essa prâtica sintetiza-sena atividade de"anâlise e reflexâo sobre a linguaf/ (peN,20aO, p. 78),

por meio da quaI é aprimorada a capacidade de compreensâo e

expressâo dos alunos, em contextos de comunicaçao oral ou escrita.

o trabalho analîtico e reflexivo sobre a lîngua tem camo ponto

bâsico e inicial a observaçâo das estruturas mais regulares verificadasno desempenho discursivo. Ora~ 'oC~quê-~'~"estKpropondo é, na

verdade, a investigaçâo dos usos Iingüîsticos coma um contînuo;,'~

~ . é a concepçâo male~~ele relativamente instâvel da gramâtica, talcamo 0 faz a abordagem funcionalista aqui"àpresentada. Ao tomar

como objeto de ensino para as séries iniciais as estruturas mais

sistemâticas do português, os peN apontam a escalaridade, aprototipicidade das categorias lingiiîsticas, aIém de confirmar serem

as regularidades pontas de maior visibilidade e saliência perceptual,mais acessîveis, portanto, aos alunas iniciantes.

Para chegarem à investigaçao das estratégjas recorrentes naexpressâo lingüfstica, devem as atividades concentrar-se na prâtica

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Lingü(stica funcional aplicada ao ensino de português 93

d~ revisào textual, contexto privilegiado para a anâlise mais acuradadesses usas. 0 trabalho de reescritura de textos, realizadopreferencialmente em grupo, nao visa apenas à detecçao deproblemas, de estratégias inadequadas que devem ser substituidas,mas sim à procura de altemativas, de outras recursos de organizaçâotextual articuladores de distintos efeitos discursivos. Novamente sepode fazer aqui paralelo entre tal concepçâo e a propostafuncionalista, no sentido de que esta se fundamenta na relaçâounidirecional funçâo > forma, relaçâo em que alteraçao deconfiguraçào implica alteraçâo de conteûdo, em que dizer de outramaneira passa a significar de outra maneira.

A proposta de reescritura abre espaça para 0 llidico, para a jogono ensino den a portuguesa. Ao acrescentar, retirar,deslocar outransfonnar porço ou termos da seqüência textual, os alunas estâoaprendendo a manip ar nao sô a estrutura discursiva, mas tambémos sentidos, os conteûdos orelaveiculados, desenvolvendo individual

e coletivamente sua capadpade de percepçâo dos artilicios ou recursosde linguagem a que tod~s estâo submetidos numa comunidade

1lingüistica. 0 conhecinfento par parte dos docentes de linguaportuguesa de questoes relativas à informatividade, à transitividade,à relevânda e à iconicidade, entre outras, poderâ contribuir para aeficâcia da prâtica de reescritura textual, instrumentalizando-os para 'a anâlise da macrossintaxe, das relaçoes discursivas, nivel de

investigaçâo situado além do foco e d9?prop()~it9s d9:"gIélmilticatradicional. Nessa tarefa, os co~pê~dios es~olares p-~~co ou nada (

podem contribuir, uma vez que se esgotam na anâlise do chamado ,perfodo composta.

Em relaçào aos pontas clâssicos do ensino de lingua portuguesa,os peN também apresentàm irlOvaçoes. Uma delas reside no

tratamento da pont.~~s..ào, questào vista freqüentemente comaautêntico obstâculo à apropriaçâo da norma culta escrita. Da proposta

de ensino da pontuaçâo coma receituârio, do tipo x serve pa~(1 y, \ )em que cada sinal, témlado isoladamente, descontextualizado, évisto \\\,,1

camo referência a um tipo espedfico de estruturaçâo lingüîstica, "\",

" ,;, l' ( r ("J ,Jcl, \>'1,(Il

1 ~ "" !. ,. . t

(1 r l\(~iJ â, k':>'P >

. !

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94 Lingüfstica funcional: teoria e prâtica

passa-se à observaçao da pontuaçao nas diversas produç6es textuais,

em que se enfatiza e prioriza a discussâo dasalternativas, das

possibilidades de uso dos sinais e dos efeitos de sentido a partir dai

articulados. Ao invés de partir dos contextos que devem ser

pontua~ps,a proposta dos peN, inversamente a tal perspectiva,

destacail ûnica e verdadeira regra orientadora dessa questâo, aquela)

1 • que trata das margens que nao padern receber pontuaçâo: entre

sujeito e verbo, e entre verbo e seu complemento; tuda 0 mais fica

no âmbito das possibilidades, das motivaç6es] Essa reorientaçâo no

ensino de pontuaçâo pode ser trabalhada na perspectiva do

fundonalismo, a partir do tratamento da adjacência e da ordenaçâo

linear coma variâveis senslveis à articulaçâo de sentido. Ao se

pontua~ atenua-se ou quebra-se a vînculo semântico-sintâtico entre

os constituintes textuais, a separaçâo espacia! toma-se indicativo de

separaçao nocional; quanta mais os termos estiverem afastados na

linearidade, mais seu canteudo estarâ dissociado também. A unicaregra referida abre interessante espaça para a discussâa da integraçao

SVeVO, em termos de sintaxe canânica do partuguês, e, a partir

dal, para todo um trabalho em torna de usas alternativos - de

intercalaç6es, de invers6es, de rupturas - em que se supera a atitude

prescritiva em pral da abordagem reflexiva no ensino de português.

Os pontos gramaticais, canteûdos em que a atividade docente

de lingua portuguesa tem se pautado prioritariamente, passam a

ser tratados nas situaç6es de produçâo, revisâo e reescritura de textas.

As quest6es relativas à marfalogia e à sintaxe deixam de representar

um fim em si mesmas para se constituirem em pontas cuja anâlise

serâ necessâria ao alcance do competente e eficiente desempenho

lingüistico. Trata-se da proposta da gramâtica no discurso, do

reconhecimento dos recursos gyamaticais coma componentes e

concorrentes da tessitura textua1.

Nesse sentido, segundo a LDB/96, os aspectas da gramâtica

trabalhados em sala de aula devem ser aqueles de relevância e

pertinência para a resoluçâo de prablemas acerca da legibilidade

Page 97: Cunha(2003) A linguística funcional - teoria e prática

LingüfstÎca funcional aplicada ao ensino de português 95

ir) "if,J V',) \.l' 1

, " )!

ou da adequaçao de textos, observando-se ainda a faixa etaria dos

alunos, em termos de maturidade para a reflexâo sobre essas quest6e~.

Como a orientaçâo funcionalista assume a prototipicidade categorial,

dimensâo em que as classes dos distintos niveis de analise lingüîstica

sao entendidas como feixes de traços mais ou menos presentes, 0

que permite 0 tratamento escalar das mesmas, essa perspectiva nâo-

linear e discreta, de que passa a se revestir 0 tratamento dos aspectos

gramaticais, pode ser abordada pela referida orientaçao. De acordo

corn a categorizaçao prototîpica, é possîvel interpretar a definiçao

das classes morfolôgicas ou funç6es sintaticas na gramatica

tradicional como 0 eixo central, composto pelos traços mais" ,,..-~~_..-.-,, -.

recorrentes de ue se costuma revestir a categoria.rO-que s~

acrescenta à visa tradicional nos peN é a perspectiva escalar, a

admissâo de marg s categoriais, a proposta de contînuo no

tratamento dos pontos amaticais corn vistas à facilitaçâo das tarefas

de produçao e de reescri ura de textos. Trata-se de municiar 0 aluna

do aparato necessario ao monitoramento progressivo da prôpria

atividade de analïse e refl ao sobre a lîngua. Assim, quest6es camo

o que' ensinar e como en inar, em termos de conteudo gramatical,

serao respondidas face às exigências oriundas da adequaçao e da

pertinência desse conteudo corn vistas ao aprimoramento do

desempenho lingüfstico do aluno.

Para 0 ensino médio, a LDB/96 prop6e 0 aprofundamento dos

conhecimentos de lîngua portuguesa, corn enfoque no ('desenvolvimento da capacidade cognitiva do aluna e da marca ,:,

interativa <::la linguagem.'·Valori~~:~~ ~os PCN 0 ca!~t.!:?x hi?t6rico-

social da expressao lingüîstica, corn a integraçao dos estudos de

lîngua e de literatura. Mantém-se a foco na atividade de PE?duçao

L' revisao textual, no entendimento de que 0 aluno, coma ser hist6rico

l' espacialmentemarcado, revela-se e manifesta-se pelos textosque

1){'oduz, par aquilo que faz corn e pela linguagem.

Esta mantida e reforçada, portanto, a importância da produçao

h'xtual jâ destacada para a ensino fundamental. Trata-se agora de

,II )rofundar a reflexao, corn atividades cujo enfoque resida empontas

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96 Lingüfstica funcional: teoria e prética

coma atribuiçao de sentido, marcas de intertextualidade, recursos

de pressuposiçao, efeitos de inversao de ordem, enfim, na exploraçao

da fundonalidade dos mûltiplos recursos lingiiîsticos à disposiçao

dos usuarios. Nos objetivos de lingua portuguesa estabelecidos para

o ensino médio, portanto, também é possivel confirmar um paralelo

corn a perspectiva te6rica funcionalista.

Essa çgrrespondênda pode ser encontrada em varios pontos

dos PCr{?la esta na correlaçao estabelecida entre 0 domînio dosrecursos lingüisticos e a eficaz e competente açao comunicativa.

Reside ainda na associaçao entre os gêneros discursivos e suainterface corn as quest6es sodais que permeiam a atividade

lingüistica. Encontra-se ainda na afirmaçao de que somente emsituaçao de usa, em funcionamento, levando-se em conta a

diversidade das interferências intra- e extratextuais, é possivel

a atividade de analise lingiiistica. A dedaraçao de que a lîngua em

uso é a representaçao e 0 reflexo da experiência humana, permeadade emoç6es, crenças, atitudes e necessidades, sintetiza a relaçao

{ basica da orientaçao funcionalista, 0 binômio funçiio > forma.

Uma proposta de aplicaçâo

Nesta seçao, trazemos sugest6es para tratamento de pontos

relativos à anrilise e reflexiio sobre a Zingua em uma perspectivafuncional. No primeiro momento, apresentamos a coletânea

utilizada - quatro textos orais e seus correspondentes escritos,

produzidos por estudantes de quatro cidades brasileiras na décadade 1990. (Vale ressaltar que 0 material escrito apresenta-se tal como

elaborado pelos alunos.) Aseguir, tratamos esses textos corn base no

binômio jala X escrita. Por Hm, sugerimos alternativas de abordagemde pontos gyamaticais a partir dos materiais em analise. A ausência

de indicaçao do nivel ou série a que se aplicariam esses

procedimentos justifica-se pela possibilidade de maioraprofundamento ou nao dos itens, 0 que flexibiliza a presente

proposta.

7J·t:..

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Lingüistica funcional aplicada ao ensino de portuguès 97

Textos em antilise

a) Narrativa experiencial de Elisângela, aluna da quarta série- Niter6i:

Fala:

1: quando eu era pequena... eu ficava brincando cam aquelesdisquinho que era... ai eu amarrei... fiquei rodando... rodando .rodando... aî fiquei tonta... ai tinha um... um negocinho assim .assim no redor das paredes... na minha casa... ai eu rodei rodei .caL. bati cam a testa... ai ficou! sa! saiu muito sangue... ai llinhamâe botou guardanapo desesperada... que ela estava pintando...[minha mâe1estava pintando a casa aî ela botou:: ele botou! tomoubanho... rapidinho... botou "a roupa botou urn guardanapo aquina rninha testa porque estava muito sangue... ai ( ) ela teve que melevaI' pro An ~nio Pedro... ai foi... correu tudo bem...

Escrita:

o que aconteceu c m migoEu, quando era peq ena, peguei um disquinho e amarrei numacorda. Rodei e fiquei tonta. Tinha Ull batentinho ao redor dasparedes e 0 disquinho oou e eu bati corn a testa no batentinho esaiu muito sangue. Min a mae me levou para a hospital.

b) Relata de pracedimenta e Flâvia, aluna da aitava série - Rio Grande

Fala:

1: barn... a gente pega uma panela... vou te falar corn rnedida... tâ?pega uma panela... meia grande assim... aî pra quatro pessoas achoque sao... duas xicaras de arroz... é... duas xicaras de arroz... al...lava 0 arroz... aî bota na panela duas xîcaras... bota três de âgua...nao bota a arroz... bota 0 6Ieo... e bota um pouquinho de saI... aibota três xîcaras d'âgua... ai mexe... deixa refogar... acho que écin/ nao sei... quanta tempo... dez minutos... ah:: ... deve sel' dezminutas... ai... deixa secar... esta pronto...

Escrita:

Para se fazer um arroz para 4 pessoas é necessârio uma panelameia grande, 2 xîcaras de arros, 6leo. um pouco de saI, coloca-se 3xîcaras de àgua, mexe-se tudo depois coloca-se no fogo por uns 10minutos e pronto.

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98 Lingüfstica funcional: teoria e pratica

c) Descriçao de local de Andréa, aluna do ensino médio - Juiz deFora (Podemos usar apenas uma seqüência do texto falado.)

Fala:

1: ah... teve uma casa... que eu fiquei em Bûzios... que era assim...maravilhosa... ficava num condomlnio assim no alto... dava pravocê ver assim a praia de Jeribâ toda... entendeu? e a pral e acasa... era assim toda de vidro... eh:: corn madeirinha... sabe?toda enverniza: :da etaI... ai tinha um deque na casa... al que vocêchegava que dava pra ver 0 maior visual... né? 0 mar:: etaI:: ... aivocê ficava vendo aquele pôr-do-sol:: ... estrelinhas ((riso» e maisalguma coisa... né? e a casa... ela eral tinham dois andares... erasuperaconchegante corn aquelas poltroninhas fofinhas ((riso» e:: ageladeira... acho que era a que que eu mais gostava ((riso» porque .a gente comia 0 dia inteiro... né? comia e bebia 0 dia inteiro... e .estaval nesses dias estava chol nos primeiros dias choveu bastante .entao a gente ficou ... quase 0 tempo todo dentro de casa mesmo ..e:: eh::/

E: quaI 0 lugar na casa que você gostava mais?

1: 0 quarto ((riso»

E: 0 quarto? como era 0 quarto?

1: 0 quarto era enorme... sabe aquelas coisas assim de filme... cornas cortininhas se abrem assim... al 0 ventinho vern e as cortininhasficam assim esvoaçantes «riso» assim? aî tinha um tapete... assimde::/ parece aqueles tapetes assim de corda... sabe? [de praia] corn...aquele piso de tabua corrida... 0 chao etaI... a cama... era enorme acama... muito grande mesmo «riso»

E: (muito alta)

1: e... tinha uma coisa até engraçada... porque tinha uma goteira((tiso» em cima da cama... entendeu? ((riso» que direcionavaexatamente no meu pé ((riso» e nesses dias estava meio friozinho...entao era terrîvel... né? mas:: ... assim... a... a arquitetura da casaassim era moderna... né? mas ao mesmo tempo... eh:: elal 0 tetodela eral parecia corn aquelas construç6es de casas mais antigas...porque era bem alto... sahel e:: e a goteirinha conseguia chegar nomeu pé ((riso»

E: mas no quarto... 0 que que tinha mais no quarto?

1: tinha estantes... eh:: tinha um armârio... eh:: corn cabides la... masnao tinha nada dentro do armârio ((riso» porque eu nao tinha

. ~ . d d d '1 1 d . . hpaClenC13 e guar ar na a... ne. e:: ... 0:: elxa eu ver... tm a asacadinha... né? dentro do quarto ... taI... tinha uns quadros bonitos

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Lingüfstica funcional aplicada ao ensino de português 99

dentro do quar eh:: dentro do quarto assim eh:: a maioria eram eh::mari de mar:: né? e tal... paisa::gens... e:: tinha uma cadeira urnacadeirinha de balança... dentro do quarto eh:: ((riso)) mais 0 quê?

Escrita:

Certa vez fui corn meu namorado para Buzios. Ficamos numa casamaravilhosa, corn uma arquitetura moderna e ao mesmo temporustica, 0 lugar que mais me chamou atençao foi 0 quarto.

Ele era bastante espaçoso e aconchegante. Havia uma cama grandecorn lençôis brancos. Perto do armârio havia uma cadeira de balançode palha sob um tapete de cordas. Havia uma varanda que dava devista para 0 mar. 0 venta era constante, as cortinas pareciamdançar...

d) Relato de oplnlao de Valéria, aluna do ultimo perîodouniversit .0 - Rio de Janeiro

Fala:

1: eh... 56 sel poHtic ... eu estou achando que agora esta tendo umaabertura maiar... é? a gente estâ... esta vendo 0 que estaacontecendo corn 0 p îs... estai tudo a que esta acontecenda a genteesta vendo... nao é a que era antigamente... onde... a gente nao...sabia de nada... fka a tudo escondido... achava quel naD tinhainformaçao... né? a verdade é isso... a imprensa tem/ eu estouachando que [esta Hum] papel fundamentaL.. na divulgaçao dascoisas... né? que... pô... fulano roubou... a gente estâ sabendo... eh::naD sei quem foi preso... a gente esta sabendo... esta tudo às claras...eu acho que 0 pessoal também estâ corn meda dissa... aî eu achoque estao andanda mais na linha naa é que antigamente naoroubava... 16gica que roubava mas hoje em dia a gente estâvendo que... quem rouba mesmo e:: ... quando rouba a gente sabe...e antigamente nao acontecia isso naa podia se falar:: ... nao podialtudo... tudo proibi::do... nao podia ter uma opiniâo de na::da...fkava todo mundo mais alienado... hoje em dia eu acho que estamelhorando... um dia a gente chega la... eu tenho esperança ((riso))

Escrita:·

A respeito da situaçaa polîtica do Paîs, acho que as pessoas estâo seconscientizando de que cada um, é, de algum modo, responsâvelpela "vida" do Paîs. Os meios de comunicaçâo perceberam a armaque tem nas maos e corn a dita demacrada ficou mais fadl delesdesempenharem a funçao de informantes, que infarmam a que as

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100 Lingüfstica funcional: teoria e pré3tica

pessoas estao interessadas em ser informadas e nao aquela "incheçaode linguiça" que nao nego ainda existi, mas que a cada dia quepassa vern sendo mais criticada, acho que as pèssoas estao maisacordadas, principalmente os jovens, que foram às ruas e tiverama sensaçao de tirar um Presidente do governo.

Hoje, a sujeira estâ mais as claras, todos ficam sabendo. Antesquando tudo era mais censurado, as coisas aconteciam mas ninguémficava sabendo.Tenho esperança de que um dia as coisas entremnos eixos, que esta tao falada moralizaçao, definitivamente imperee tenho certeza de que se todos fizessem sua parte seria bem maisfâcil, faço a minha, mas sei que posso fazer mais. Acho que é por aL

]

Interface fa la x escritaNa discussâo atuai acerca do ensino-aprendizagem de lingua

portuguesa, muito se enfatiza a interferência da variavel modalidadenesse processo. Como forma primaria e basica da comunicaçâohumana, a fala, principalmente nas fases iniciais de escolarizaçâo,deve influenciar mais diretamente a produçâo escrita, 0 que significaque muitas ou aIgumas das marcas pragmaticas caracteristicas daoralidade podern estar presentes nos textos escritos dos alunas doensino fundamentat mais especificamente, e do ensino médio,atingjndo, inclusive, 0 nîvel universitario.

Além da interferência referida, ao se incorporarem aos objetosde ensino de lingua portuguesa, as produç6es orais ganham outradimensâo, passando a ser vistas coma processos passîveis deinvestigaçâo, de analise, tais como os produtos da classica econsagyada modalidade escrita. Nesse sentido, as contribuiç6es dalingüistica, em suas diversas orientaç6es teâricas, têm sidafundamentais para essa nova area em que transita a atividadepedagâgjca de lingua portuguesa.

Essa reorientaçâo articula de imediato algumas quest6es emdiscussâo: quaI 0 modo organizacional da oralidade? Que simetriase assirnetrias ela estabelece corn a escrita? Estara 0 corpo docente delîngua portuguesa preparado para abordar esse nova objeto ernsala de aula, face à ausência de uma pedagogja do oral?

Na tentativa de contribuir para a resposta a essas quest6es,a presente seçâo aborda os textos aqui apresentados sob a ôtica da

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Lingüfstica funcional aplicada ao ensino de portuguès 101

interface jala x escrita, destacando 0 que separa e une as duas. " . J

modalidades. Os materiais utilizados favorecem a anâlise, na medidaem que os informantes, ap6s produzirem seus textos falados,

elaboram os materiais escritos correspondentes, 0 que pennite maiorcomparabilidade entre ambos.

Dm râpido e genérico alhar sobre essas produç6es jâ salienta

.certas tendências. Uma delas diz respeito à m~ior comeactaçao das /.produç6es esêritas. Elas sao mais enxutas, mais sintéticas. A questao

...~~.A

dos pIanos discursivos, da relevância textual, apresentada na seçaa"Transitividade e pIanos discursivos", do capîtulo "Pressupostos

te6ricos fundamentais", pode auxiliar na anâlise interpretativa desse ,fenômeno.

Tomemo elato de procedimento de Flâvia, aluna do segundosegmenta do ensin fundamental, coma exemplo. Seu texto faladoé permeado por marc que registram os passos de sua elaboraçao,coma se verifica nos des aques:

1) bom ... a gente pega UDJ a pane1a... vou te falar corn medida... ta? pegauma panela... meia grande assim... aî pra quatro pessaas acho quesao... duas xîcaras dl arraz... é... duas xîcaras de arroz... ai lava aarroz... ai bota na panela duas xîcaras... bata três de âgua nao .bata 0 arraz... bata a ôlea... e bata um pauquinha de saI... aî bata .três xîcaras d'âgua... ai mexe... deixa refagar... acho que écin/ nao sei .quanto tempo... dez minutos... ah:: ... deve ser dez minutos... aL. deixasecar... estâ pranto...

Associadas às estratégias destacadas, observarn-se repetiç6es(pega uma panela, duas xîcaras de arroz, bota) e hesitaç6es (ntio sei...quanto tempo... dez minutos... ah::... deve ser dez minutos), além de repara(toda a série inicial do procedirnento é substituida apôs a particulantio) e truncarnento (acho que écin/ nâo sei).

Essas marcas, reveladoras do processamento on-Zine da roralida,de, resultantes, portanto, das interferências pragmâtico­comunicativas do modo de elaboraçao espedfico do texto falado,situarn-se em pIano de fundo, concorrendo para a configuraçaaperiférica do fluxa inforrnacional. Tais fenômenos, situados fora da

" ( ,r

~

l'"~, ('

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102 Lingüistica funcional: teoria e pratica

cadeia tapica, do eixo central da informaçao, podern levar à impressaode que a aluna, ao se expressar oralmente, informarnais do que porescrito. a que ocorre é que, nessa ultirna rnodalidade, apagam-se aspistas do processamento, jâ que as correç6es e reescrituras, pr6priasdo canal escrito, resultam numa produçao mais concisa. Asinformaçoes de fundo, nesse contexto, passam a serde outranatureza,

como se verifica no trecho:

2) Para sefazer um arroz para 4 pessoas é necessârio uma panela meia grande,2 xîcaras de arros, 6leo. um pouco de sal, coloca-se 3 xîcaras de àgua,mexe-se tudo depois coloca-se no fogo por uns 10 minutos e pronto.

e--..,..,l No fragmento acima, os informes mais subsidiârios ficam porconta da finalidade do procedimento (para se fazer um arroz para 4pessoas é necesstirio) e do resultado da tarefa (e pronto). rrata-se de umnovo arranjo sintâtico-discursivo em relaçao ao texto oral da mesmainformante. Numa seqüência mais curta e objetiva em relaçao a suaproduçao oral, embora nao menos eficiente, Flavia relata coma se fazarroz. Para tanto, pouco utiliza informaçoes de fundo, estruturandoseu relato basicamente por intermédio do pIano da figura.

L~ Se 0 fundo se mostra muito distintamente articulado em relaçâo,\. ao binômio fala x escrita, 0 rnesmo nao se pode afirmar do nîvel de\' maior saliência perceptual - a figura. Nas duas produçoes da

informante, hâ similaridade nesse pIano, 0 que yale dizer que,independentemente da modalidade e de sua interferência naorganizaçao textual, 0 conteudo nuclear, 0 eixo central em torno doquaI se articula a informaçao, apresenta grande correspondência,seja em canal falado, seja em canal escrito.

Em termos de ensino-aprendizagem de lîngua portuguesa, essaobservaçâo da complexidade da relevância discursiva, da atuaçâodos distintos nîveis ou planas informacionais, deve ser considerada

/.-..,

'\ na tarefa de reescritura de textos. A constataçâo da funcionalidade eda importância do que é periférico e do que é central, além dadiscussâo sobre como, pela acréscimo de informes subsidiârios,consegue-se fundamentar, detaihar ou pormenorizar um

acontecimento, um procedimento, uma descriçao ou mesmo uma

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3) Certa vez fui corn meu namorado para Bûzios. Ficamos numa casamaravilhosa, corn uma arquitetura moderna e a9 mesmo temporûstica, ar que mais me chamou atençao foi 0 quarto.Ele era bastan espaçoso e aconchegante. Havia uma cama grandecorn lenç6is branc s. Perto do armârio havia uma cadeira de balançode palha sob um ta te de cordas. Havia uma varanda que dava devista para 0 mar. a nta era constante, as cartinas pareciam dançar...

Comafechamento de' ua produçao escrita, Andréavolta a recorrerao plana de fundo. 0 ve1to e cortinas dançantes dao 0 toque final aoespaça descrito. rrata-se de comentanos avaliativos, distintos da tîpicaestruturaçâo descritiva, que, coma conteudos periféricos, moldam,destacam e valorizam 0 local escolhido camo tema.

Mas é no conjunto dos alunos universitarios, via de regra, quesao encontrados os textos mais ricos em detalhes, em informaçôesde plana de fundo. Dos textos escritos aqui selecionados, 0 de Valéria

é 0 mais completo e complexo nesse aspecto:

opiniao, pode constituir interessantes e eficazes estratégias para a jareferida tarefa de ancilise ereflexiio sobre aZingua.

Essa maior elaboraçao em termos de trabalho corn informaçôesde fundo pode ser observada nas produçôes textuais de alunos denîvel mais avançado de ensino. Na descriçâo escrita de Andréa, saoutilizados eficientes recursos de articulaçâo de pIano de fundo.Para tratar do quarto em que ficou numa viagem corn seu namorado,a estudante do ensino Inédio faz uma longa introduçâo desse tema.Para tanto concorre todo a primeiro paragrafo de seu texto, quefunciona coma um grande enquadramento do cenario a ser descrito:

103Lingüfstica funcional aplicada ao ensino de português

4) A respeito da situaçâo politica do Paîs, acho que as pessaas estiio seconscientizando de que cada um, é, de algum modal respansdvel pela//vida 1/ da Paîs. Os meios de comunicaçao perceberam a arma quetem nas maos e corn a dita democracia ficou mais fâcil delesdesempenharem a funçâo de informantes, que informam 0 que aspessoas estâo interessadas em ser informadas e naD aquela /Iincheçaode linguiça/l que nao nego ainda existi, mas que a cada dia quepassa vern sendo mais criticadal acho que as pessoas estao maisacordadas, principalmente os jovens, que foram às ruas e tiverama sensaçao de tirar um Presidente do governo.

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104 Lingüfstica funcional: teoria e pratica

Hoje, a sujeira estâ mais as claras, tados ficam sabenda. Antes quandotudo era mais censurado, as coisas aconteciam mas ninguém fkavasabendo. Tenha esperança de que um dia as coisas entrem nos eixas, queesta tao falada moralizaçâo, definitivamente impere e tenho certezade que se todos fizessem sua parte seria bem mais fadl, faço aminha, mas sei que posso fazer mais. Acho que é por al.

Corn 0 propôsito de emitir sua opiniâo sobre a politica nacional,a aluna, a partir de três declaraçoes basilares, em pIano de figura,destacadas no texto, articula uma série de outras, subsidiarias a essas,em que fundamenta e consubstancia seu parecer. No primeiroparagrafo, apas a tese inicial, é comentada a importância e 0 poderdos meios de comunicaçâo e da força dos jovens para a conduçâodo destino politico do pais. No segundo paragrafo, Valéria trabalhacorn a questâo temporal- 0 Brasil antes e depois da ditadura militar.Ja na terceira e ûltima seqüência, a aluna fala da esperança, do futuroe da responsabilidade de cada brasileiro nessa construçâo.

Além das questoes concernentes à distinçâo dos pIanosdiscursivos, outro fenômeno que concorre para a compactaçâoescrita é a maior vinculaçâo semântico-sintatica dos constituintesoracionais ai verificada. Esse maior nivel de integraçâo contrasta

corn a aparente fré1;glTI~~ltaçâodas unidades da fala, em geral demenor extensâo e em maior numero, conforme observa Chafe (1986).

4,- \ Aaparente fragmentaçâo dos arranjos oracionais assim organizados..:;) t é superada pelos fatares contextuais espedficos da oralidade, que

r Ccontribuem para canferir organicidade e unidade a esse tipo de_" \\ produçâo.

Se a oralida~~ é pontuada par ~arca~o.r.es,muitos dos quaiscumpridOres de trajetôria rumo à discursivizaçâo, conforme se exp6ena seçâo "Gramaticalizaçâo e discursivizaçâo", do capitula"Pressupostos te6ricos fundamentais", a escrita articula-se porcanectores mais eX}2licitos e categôricos, a funcio~~'èomo-efementos

- -,~_. ~- .... ----- ..-.-.- ~ ..,~ .._~-" ,." .._..__ .__ ..._"".-----'-~._-

l' de maiar vinculaçâo oradonal. Mesmo na produçâo de usuâriosmais jovens, camo Elisângela,aluna do primeiro segmenta do ensinofundamental, observa-se esse ·contrastesintatico. Em sua narrativa

oral, a partîcula aî concorre para a seqüenciaçâo oracional:

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Lingüfstica funcional aplicada ao ensino de português 105

5) quando eu era pequena... eu ficava brincando corn aquelesdisquinho que era... aî eu amarrei... fiquei rodando... rodando .rodando... ai fiquei tonta... ai tinha um... um negocinho assim .assim no redor das paredes... na minha casa... ai eu rodei rodei .caL. bati corn a testa... ai ficou/ sa! saiu muito sangue... aî illinhamâe botou guardanapo desesperada... que ela estava pintando...[minha mâe] estava pintando a casa ai ela botou:: ele botou/ tomoubanho... rapidinho... botou a roupa botou um guardanapo aquina minha testa porque estava muito sangue... ai ( ) ela teve que melevar pro Antônio Pedro... aî foi... correu tudo bem...

Par intermédio da articulaçao de uma série de estruturas depequena extensao, justapostas ou coordenadas, muitas pontuadaspor aî, a aluna narra um acidente ocorrido corn ela. Esse processode reduçâ .ntagmatica tem na seqüência aîfoi ... um de seus pontosmâxirnos; em co textos como esse, 0 preenchimento conteudisticoé feito por meio de tores pragmâtica-comunicativos. Note-se quea sintagma quando eu apequena, que inaugura a relato, parece ser,na verdade, um circun tanciador macrotextual, a delimitar toda 0

acidente, tema da narra ·va.l'

Jâ 0 texto escrito d<fElisângela organiza-se em tarno de outraconector:

6) Eu, quando era requena, peguei um disquinho e amarrei numacorda. Rodei e fiquei tonta. Tinha um batentinho ao redor dasparedes e 0 disquinho voou e eu bati corn a testa no batentinho esaiu muito sangue. Minha mae me levou para 0 hospital.

Em vez de aî, a aluna utiliza ecoma elo bâsico de sua produçaaescrita. Embora ainda utilizanda poucas apç6es para 0

estabelecimento de relaç6es oracionais, ela jâ distingue em quecanais articular ai e e. Suas unidades sintâticas sao agora maisextensas; nao hâ lugar para estruturas do tipa aî foi. A temporalquando em pequena surge intercalada, numa localizaçao mais marcada.

Os textos de Elisângela poderiam constituir interessantelnaterial para a ensino-aprendizagern de conectores ern linguaportuguesa, seja pela comparaçâo entre as duas modalidades e seusdistintos usas, seja pela discussâo de alternativas para a canexâo

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106 Lingüistica funcional: teoria e prÉltica

oracional da escrita. A polissemia de aî e sua relaçâo corn outrosprocessos semelhantes pelos quais vêm passando outras particulasem português, coma jâ, câ ou onde, e as partfculas que poderiamsubstituir e na produçâo escrita, por exemplo, seriam pontos depertinência e de interesse nessa questâo.

Amilise gramatical

Toda educaçâo verdadeiramente cornprometida corn. 0 exerdcioda cidadania precisa criar condiçôes para 0 desenvolvirnento dacapacidade de uso eficaz da linguagern que satisfaça necessidadespessoais - que podern estar relacionadas às aç6es efetivas docotidiano, à transmissâo e busca de inforrnaçâo, ao exerdcio dareflexâo (peN, 2000, p. 30).

Vma mudança de perspectiva dessa natureza para a concepçaoda lîngua/linguagem deve, certamente, afetar uma nova ou outraconcepçâo do ensino da lîngua portuguesa. Se a hipôtesefuncionalista reside no fato de a estrutura gramatical depender douso que se faz da lingua, determinada pela situaçao comunicativa,pensar a lingua e conseqüentemente a gramâtica implicacompreendê-Ias motivadas pelas circunstâncias e pelos contextosespecîficos de uso.

Os avanços nos âmbitos teôrico e acadêmico devem estender-seàs salas de aula. Como justificar tantas dificuldades dos alunos noterreno da aprendizagem da lingua materna? Por que nao entendertais dificuldades coma fruto da concepçao prescritiva da gramâticatradicional que nao contempla a maleabilidade da lingua? Por quenao olhar a gramâtica tradicional como uma grande obra dereferência e apoio? Afinal é sempre dela que partimos coma primeiroparacligma para as reflexôes a respeito da lingua.

Resta, pois, ao teôrico investigar, pesquisa:ç. oferecer a1ternativas,apresentar propostas; ao professor cabe a tarefa de testar taispropostas, repensar as investigaçôes, buscar soluçôes a partir deuma atitude dial6gica, sempre. Portanto, ousaré uma palavra-chave.A mudança de perspectiva prevê novas possibilidades de trabalhocorn a lingua sem medo.

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LingüÎstica funcional aplicada ao ensino de português 107

Pesquisa realizada por Neves (1991, p. 45-48) aponta algumas~ ~ ~""'-'~-'~"-~"""""---"'-'~~"~"'-

c,~~~~?s6_~scom base na discussao sobre 0 ensirto da gramâtica naescola, a saber:

'r :\

• os professores em geral acreditam que a funçao do ensino degramatica é levar a escrever melhor;

• os professores foram despertados por uma critica dos valores dagramatica tradicional;

• os professores têm procurado dar aulas de gramâtica nao- ..normativa;

• os professores verificam que essa gramâtica "nao estâ servindo:para nada";

• apesar disso, os professores mantêm as aulas sistemâticas degramâtica co um ritual imprescindîvel à legitimaçao de seupapel.

Vma vez que a esc a, ou melhor, os professores, apesar de

reconhecerem que a gra âtica normativa nrio serve para nada ou é

inadequada para dar cont'jl de outra variedade da lîngua que nao1

seja a variedade cuita em sha modalidade escrita, ainda é a ela que/

os mesmos recorrem, seja para legitimarem sua funçao, conforme aspalavras da autora, seja para se sentirem mais seguros no

desempenho de seu exerdcio, seja inclusive pela falta de material

didâtico apropriado e disponîvel, institucionalmente legitimado.

Apesar dos esforços de varios estudiosos em prol da reflexao,

da analîse e das propostas de remodelaçao do ensino da Hngua,

apesar dos avanços apresentados nos PCN, 0 que falta para, de fato,

fazermos acontecer as mudanças necessarïas e esperadas?

Vma vez que os PCN orientam no sentido da necessidade de

tornar 0 estudo da lîngua portuguesa mais dinâmico e adaptado às

diferentes situaç6es de comunicaçâo, as funç6es pragmâtico­

discursivas assumem papel relevante no tocante ao ensino da lingua.

Pretende-se, segundo 0 referido documento, que 0 aluno "nao s6

evolua como usuârio, mas que possa assumir, progressivamente,

o monitoramento da pr6pria atividade lingiiistica".

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108 Lingüfstica funcional: teoria e pratica

Ern relaçao à interface jala x escrita, é importante destacar as

peculiaridades referentes a cada uma dessas modalidades. Emtermos de aplicaçao, 0 professor deve considerar a noçao de

adequaçéio ao gênera e ao registro, reconhecendo os diferentes usos

da lingua, as interferências pragmaticas correlacionando à questaoda norma cuita, uma vez que 0 que esta em jogo nao é a correçao dasformas lingüîsticas, mas sua adequaçao às condiç6es do contexto

comunicativo.

Conforme foi demonstrado na seçao anterior, sao evidentes as

diferenças que caracterizarn uma e outra modalidade. Repetiç6es,

hesitaç6es, reparos, truncamentos, conectores do tipo aî, marcadoresdiscursivos como assim sao eliminados no registro escrito, que requerum outro tipo de arranjo sintatico-discursivo. Que tipos de arranjos

e associaç6es sao previstos tendo em vista 0 gênero discursivo e amodalidade escolhida? Que fatores externos e internos estao

envolvidos nesses processos de elaboraçao? Como, de fato, podernos

substituir as noç6es de correto/incorreto, restritas aos paradigmasda gramatica tradicional, pelas de adequaçao/inadequaçao,

consideradas pelas teorias da variaçâo lingüistica?

Vamos procurar, por meio de exemplos do corpus, desenvolveralgumas propostas ou estratégias de trabalho corn a lîngua quecontemplern um estudo critico de texto e gramatica, numa

perspectiva funcional, integrada e "produtiva" da lingua.

Se a nossa orientaçao reside na reorientaçao real dos paradigrnasda gramatica tradicional, precisamos, até mesmo por uma questao

de coerência te6rica e de procedimentos, ater-nos à questâo dosgêneras ou estruturas discursivas. Como dar conta das variantes de

registro e rnodalidade sem compreenderrnas os tipos de eventoscomunicativos que estao envolvidos? Para issa, é precisa aliar àcompetência lingüîstica a campetência camunicativa, associada

e/ou estimulada pelo canhecimento cultural. Segundo Paredes Silva(1996a, p. 2), niveis de estruturas discursivas 1/saa madas de

organizaçâo que representam as passibilidades da lingua, as ratinas

ret6ricas ou formas convencianais que 0 falante tem à sua disposiçâ.o

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Lingüfstica funcional aplicada ao ensino de português 109

na lîngua". Para cada uma dessas estruturas, havera um conjunto

de traços lingüisticos tipicos, espedficos.

Considerando que a primeira praposta de atividade concentra­

se na descriçiio de local realizada por uma informante da ensino médio

de Juiz de Fora, Minas Gerais, vale registrar as caracteristicasapresentadas por Paredes Silva para as chamadas estruturasdescritivas: verbo numa forma naa-perfectiva; predicada estativo

em torna de entidades (terceira pessoa), sintaticamente centradasem estmturas nominais.

A estruturaçao em torna de uma organizaçao espacial e nao­

temporal, cujo tempo é 0 da simultaneidade, e a recorrência aaspectas figurativos sao as caracteristicas bâsicas da descriçao, cuja

funcionalida eside na fixaçao de caracteres, na qualificaçao de

personagens, de 10 e tempo. Os fatores reunidos, ao mesmo tempaque estruturam a des içao, sao responsâveis por apresentar uma

determinada visao de unda, 0 ponto de vista filtrada pelo texto.

Tamanda por base tais conceitos, vamos observar camo adescriçaa é realizada em ,!uas diferentes modalidades - fala e escrita

-, verificanda inclusive Je tais conceitos aplicam-se igualmente em

ambos os procedimentos.

De acorda corn a prindpia de icanicidade, verificamos, nadescriçao de Andréa, a ocorrência sistematica do sufixo -inho em

sua funçâo afetiva, dadas as caracteristicas do local descrito e domodo como a informante 0 descreve, refletindo uma interaçao

pasitiva corn 0 meio.

Segundo Camara Jr. (1976, p. 72-73), 0 sistema flexional é

obrigatôrio, sistematico e regular, imposta pela natureza da prôpria

frase, isto é, assaciado aos aspectas gramaticais, ao passo que 0

pracesso derivacional estabelece um tipa de relaçiio aberta, mais

sujeito, entâa, conforme a perspectiva funcionalista, às influênciase às caracterîsticas do discurso. Nesse sentido, 0 grau nao pode serconsiderado um processo flexional em partuguês, "porque naa é

um mecanismo obrigatôrio e coerente e nao estabelece paradigmas

exaustivos e de termos exclusivos entre sr'. Para Mattoso, a sua

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110 Lingüfstica funcional: teoria e pratica

inclusao na flexao nominal decorreu da transposiçao pouco

inteligente de um aspecto da gramâtica latina para anossa gramâtic~

sobretudo no que diz respeito aos graus comparativo e superlativo.

A gramâtica tradicional inclui a grau no âmbito da flexao,

conforme podemos observar:

• A rigor, a flexao de grau é pertinente ao adjetivo. Admitimos,porém, a existência de três graus para a substantiva - a normal, aaumentativo e 0 diminutivo - em consonância corn a NomenclaturaGramatical Brasileira e a Nomenclatura Gramatical Portuguesa(...) (CUNHAe CINTRA, 1985, p.193).

• Coma os substantivas, os adjetivos podemflexionar-se em numero,gênera e grau (id., ib., p. 243).

• Flexôes do adjetivo: coma 0 substantiva, a adjetivo pode variaremnumero, gênera e grau (BECHARA, 1987, p. 89).

No entanto, na Gramatica da lîngua portuguesa (1975, p. 107),

Celso Cunha aprésenta no capîtulo sobre derivaçâo os sufixos

nominais (aumentativos e diminutivos), tratando-os, portanto, como

processos derivacionais. Exceto essa questâo, yale ressaltar 0 aspecto

nao-obrigatôrio, tipico da derivaçao: "É a rigor uma questao de

estilo ou de preferência pessoal" (CAMARAJR., 1976, p. 72).

Portanto, trataremos, é lôgico, 0 grau coma parte do sistema de

derivaçao do português, sujeito às leis do discurso, aos gêneros

discursivos, às modalidades e aos diferentes contextos comunicativos.

Acrescentamos também que a prôpria gramâtica tradicional

entende os sufixos diminutivos em seu aspecta afetivo e estilistico,

nem sempre se referindo, no caso, à diminuiçâo de tamanho, esta

expressa, em geral, pelas formas analiticas correspondentes.

Adescriçao de local realizada por Andréa (cf. "Textos em anâlise",

neste capîtulo), a começar pela qualificaçao inicial atribuîda à casa

coma um espaço agradâvel, ideal, maravilhoso - teve uma casa... queera assim... maravilhosa -, corresponde a um tipo de descriçao cuja

visao de mundo esta comprometida corn valores afetivos positivos,

tais como alegria, satisfaçâo, entusiasmo e aconchego.

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Lingüfstica funcional aplicada aD ensino de português 111

o traço genérico que caracteriza a casa como maravilhosa édesdobrado sucessivamente por meio de especificaç6es e descriç6esminuciosas sobre as partes da casa. Tais desdobramentos fixam esustentam os caracteres positivos (subjetivos, afetivos) apresentadosde modo que 0 texto aparece figurativamente estruturado corn umacodificaçao morfossintatica correspondente à realidade descrita,

conforme podemos verificar:

7) teve uma casa... que era assim... maravilhosa

7.1. ficava num condomînio no alto

7.2. clava pra você ver assim... a praia de Jeribâ

7.3. a casa era assim...

7.3.1. co madeirinha...

7.3.2. toda env iza::da

7.3.3. tinha um de e... que clava pra ver a maior visual

7.3.3.1. você ficava endo aquele pôr-do-sol... estrelinhas ((Tiso))e mais algum coisa... né?

7.4. tinham dois andares

7.5. era superaconcheganre com aquelas poltroninhas fofinhas...j

A atmosfera envolvente, romântica, de sonho (assim de filme)propicia e desencadeia 0 usa de recursos morfossintaticos querefietem a estrutura da experiência, conseqüentemente a estrutura demundo. Podemos observar como a preferência pelo sufixo -inho nacaracterizaçâo da casa, da natureza ou do pr6prio ambiente contribuipara reforçar 0 tom de afetividade presente no texto de Andréa.Termos como estrelinhas e poltroninhas fofinhas intensificam 0 climaromântico e aconchegante do espaço descrito.

o clima de envolvimento intensifica-se ainda mais quando ainformante é solicitada pela entrevistadora a descrever 0 localpreferido da casa, no caso, 0 quarto: "0 quarto era enorme... sabeaquelas coisasassim de filme...".

A figuratividade soma-se à ou é resultante da afetividadeimprimida na descriçao e da relevo à atmosfera onirica criada por

meio do emprego de substantivos pertinentes ao contexto,

pragmatica e discursivamente motivados:

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112 Lingüfstica funcional: teoria e prâtica

8) ...com as cortininhas se abrem assirn..... .a1 0 ventinho vern e as cortininhas ficam assim esvoaçantes...tinha a sacadinha né?...tinha uma cadeira uma cadeirinha de balança...

Até mesmo 0 incâmodo de uma goteira e da temperatura doambiente (estava frio) nao recebem tratamento distante ou negativo;

ao contrârio, expressam-se de modo a se inserir no clima vivido

pela informante:

9) e nesses dias estava meio friozinho ... entâo era terrîvel... né?mas... (...) e a goteirinha conseguia chegar no meu pé

Portanto, de acordo corn a principio de iconicidade, a sufixo

-inJui2 é iconicamente motivado: a) pela natureza discursiva (gênera:

descriçao de local); b) pela qualidade (propriedade, peculiaridade)do local descrito; c) pelo tipo de interaçao que a informante estabelece

corn 0 ambiente (natureza que envolve sentimentos positivos). Sao

esses fatores responsâveis pela correspondência entre a motivaçaoicânica e as funçoes pragmâticas que desencadeiam mudanças

morfossintâticas produtivas na Hngua.

Notamos também que a descriçâo de Andréa assemelha-se à

estrutura descritiva apresentada por Paredes Silva: predominância

de predieados estativos centrados em entidades (observa-se aquantidade de predicados do tipo nominal para a descriçâo do

ambiente e dos elementos que 0 comp6em) e verbos nao-perfectivos

(preferência por ter, tîpico da oralidade, no imperfeito doindicativo).

No tocante, porém, ao procedimento escrito, observamos que

hâ uma mudança significativa. Adescriçâo é mais econômica quanta

à extensâo do texto e ao conteûdo informaciona1. Além disso, outrosarranjos sintaticossâo utilizados. 0 carâter sugestivo, mais do que

informativo, atribuido às opinioes oferecidas pela informante, se

ganha relevo na modalidade oral, é, na escrita, substituido par outro

;0 A respeito da funcionalidade desse sufixo no português do Brasil, ver seçâo"1conicidade e marcaçâo", do capitulo "Pressupostos teâricos fundamentais".

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Lingüfstica funcional aplicada ao ensino de português 113

tipo de desempenho lingüîstico, isto é, a competência discursivaou pragmatica ajusta-se às peculiaridades das situaç6escomunicativas.

Coma a interaçâo face a face cede lugar, na escrita, a outra tipode interaçâo, exigern-se outras condiç6es de adaptaçâo a essamodalidade. Cabe ao professor procurar, corn os alunos,leva-los aperceber e a refletir sobre as mudanças ocorridas de um registropara 0 outro, a começar, par exemplo, pela eliminaçâo das formasdêiticas e indefinidas encontradas na fala; pela presença deconectores lôgicos e sintaticos no lugar de marcadoresconversacionais e das hesitaç6es caracterîsticas da fala (a respeito de,de algum modo, mas, antes ...quando); pelo enriquecimento dovocabulario, justamente para dar conta dos vazios mais facilmentpreenchidos na oralidade que precisam ser ocupados corn aisinformaç6es que visem aO maior esc1arecimento do leit ; pelapreocupaçâo corn 0 registro formaI que atende às exig"ncias danorma cuita; pelaformataçâo do texto, dividido em par/grafos ematençâo às partes do texto como introduçâo, desenvol imento econc1usâo; pela preocupaçâo, enfim, corn a maior le 'bilidade,consistência, relevância e aceitabilidade do texto, tendo e vista 0

contexto comunicativo.

o texto escrito requer melhor elaboraçâo quanto aoplanejamento por parte do produtor, ao passo que 0 texto falado,salvo espedficas situaç6es de comunicaçâo (palestras, telejornais,entrevistas, entre outras), seria, nessa perspectiva, mais espontâneo.Par outra lado, a maior densidade lexical encontrada na passagemde uma a outra modalidade no relato de Andréa também é fruto deuma necessidade pragmatica e do contexto em questâo.

Na descriçâo escrita, em geral, e na da informante, em particular,enfraquece-se 0 grau de subjetividade e afetividade encontrado noregistro falado (por meio da utilizaçâo de mecanismosmorfossintaticos como a economia de atributos e qualificaç6esreferentes à casa e a eliminaçâo da presença do sufixo derivacional-inho, responsavel pela intensificaçâo da afetividade e pela interaçâo

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corn 0 interlocutor). Também se observa coma a informante substituio verbo ter, freqüente no registro oral, pelo seu correspondente haver,na escrita, 0 que confere maior grau de formalidade, atendendo eajustando-se às press6es normativas. rrata-se, pois, de procedimentosutilizados pela inforrnante que representam os modos de organizaçiioda informaçiia eas ratinas ret6ricas disponfveis na lfngua peculiares acada estrutura discursiva e propâsito comunicativo. Compete aoprofessor, em suas aulas de português, dar relevo a tais estratégiasou procedirnentos e ativar a competência pragmâtico-discursivaem consonância corn a cornpetênda gramatical para que 0 alunotrabalhe corn a correspondência entre ambas.

Como a modalidade escrita submete-se mais às normasgramaticais, em funçâo do propâsito comunicativo, a descriçâo de

Andréa corresponde, fundonal e gramaticalmente, a essas exigências.Podemos afirmar corn isso que a atitude prescritiva é motivada porraz6es narmativo-pragmaticas em atençâo ao tipo de evento e propâsitocomunicativo cuja funçâo reguladora favorece a padronizaçao deprocedirnentos relacionados à utilizaçâo de um registro que atendaàs convenç6es estabelecidas pela norrna cuita da lfngua.

Portanto" corn base na regulaçao e na padronizaçao, 0 professorpode demonstrar coma cada contexto" cada gênero e cadamodalidade: a) requerem diferentes procedimentos e articulaç6essintaticas, semânticas, morfol6gicas; b) adaptam-se às situaç6es;c) modificam-se em funçâo das press6es de uso e press6es gramaticais.

No entanto, yale a pena charnar a atençâo para os seguintes

aspectos:

• Par que 0 aluno parece ser estimulado a ficonter-seN em seu textoescrito?

• Por que somente a liberdade/autonornia em relaçao à linguageme aos procedimentos gramaticais é concedida para os textos oraisde cunho informaI e para os literarios?

• Até que ponto, por exemplo, 0 sufixo -inho, as repetiç6es e a maiorquantidade de atributos iriam comprometer a descriçao escritade Andréa?

114 Lingüfstica funcional: teoria e pratica

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LingüÎstica funcional aplicada ao ensino de português 115

• A par das rotinas ret6ricas pertinentes a cada situaçâocomunicativa, nao valeria uma tentativa - por meio de exerdciosde produçâo de textos - de desenvolver corn os alunos outrasrotinas lingüisticas; testar novos procedimentos?

Trabalhar a descriçâo oral de Andréa, chamando a atençâo paraos recursos utilizados, e confronta-los corn sua interface escrita éum caminho para a reflexao sobre a lingua. Sugerir outrosprocedimentos, propor outras elaboraç6es dos textos estimula noaluno sua capacidade criativa, por exemplo. Conscientiza-lo dasregularidades e ao mesmo tempo capacita-lo para a exploraçâode novas possibilidades por meio da reflexao, da comparaçao dediferentes situaç6es comunicativas e da atribuiçao de novos sentidos,ampliaçôes e alteraç6es de textos contribui para a apropriaçâoprogressiva dos diferentes registros, meta que esta no bojo da anâlisee da reflexao propostas nos PCN.

Nesse sentido, podemos verificar como, na descriçâo escrita,a informante, ao optar pela parataxe, eliminando basicamente todosos conectores corn exceçâo do e, conferiu ao texto uma progressâoseqüencial em termos de espaço. Nesse caso, ela se aproximamaisda definiçâo prototîpica da descriçâo, ao passo que se afasta damesma em sua descriçâo oral.

.\~ Portanto, sugerimos que 0 professor adote, junto aos alunos,~~m tipo de definiçâo que se ajuste às caracteristicas do registro em

questâo, demonstrando haver maior maleabilidade nos textos orais,interpretando-os e avaliando-os corn base na eficacia, na adequaçâoe na pertinência dos usos lingüîsticos.

Em relaçâo aos usos da lingua, coma explicar a presença de/ enunciados intercalados na descriçâo oral de Andréa? 0 que dizer

a respeito do item assim, tâo recorrente nessa descriçâo? Assim éclassificado como advérbio de modo na gramatica tradicional, masa abordagem funcionalista admite outras funç6es que nao serestringem a essa classificaçâo, nem par ela estao previstas, e quesâo tipicas da modalidade oral. Segundo Martelotta e outros (1996,p. 262), a trajet6ria de assim compreende tanto 0 processo de

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116 Lingüistica funcional: teoria e prética

gramaticalizaçâo quanto 0 de discursivizaçào, assumindo,respectivamente, novas funç6es gramaticais coma anaf6rico ecataf6rico, além de exercer uma funçâo de marcador discursivo naqualidade de preenchedor de causa.

Caracteriza-se a oralidade, diferentemente da escrita, pelo usode formas mais dêiticas que gramaticais, com referências ao espaçoou alusâo a gestos, coma revelam os exemplos a seguir:

JO) teve uma casa... que eu fiquei em Bûzios... que era assim ...ficava num condomînio assim no alto...corn as cortininhas se abrem assim...

Além da funçâo dêitica, a elemento assim acumula, nos exemplosdestacadas acima, uma funçào adverbial modal, conforme aclassificaçâo gramatical atesta. Par outra lado, também atua: a) camocataf6rico ("dava pra você ver assim... a praia de Jeribâ"), assumindoum valor de"anunciadar de complemento": assim = praia de Jeribâ;b) coma predicativo: "teve uma casa... que era assim maravilhasa";"a casa era assim... toda de vidro, corn madeirinha , envernizada";c) corn valar comparativo: "sabe aquelas caisas assim de filme";"corn as cortininhas se abrem assim"; "e as cortininhas ficam assimesvoaçantes"; "ai tinha um tapete assim de... parece aqueles tapetesassim de corda" (acumulaçâo de usos anaf6rico e cataf6ricosimultaneamente, bem como a alusâo a gesto).

Observando esses empregos de assim e estudando as propostasdas PCN, podemas analisar corn 0 aluno a variedade de empregospossfveis desse termo, nas funç6es em que ele se manifesta nadescriçao, seja coma dêitico e marcador discursivo (na manutençaoda seqüência lôgica do raciodnio), seja no preenchimento defunç6es mais gramaticais, que nao correspondem, no entanta, àquelatestemunhada na gramâtica. Ao invés de desconsiderar esses usosou de classifica-los como corrupçiio da linguagem, a perspectivafuncionalista nao invalida a gramâtica; ao contrârio, liberta-a dedefiniç6es rigidamente categ6ricas, que muitas vezes cerceiam asdiferentes e dinâmicas manifestaçôes lingüisticas, e prop6e umaanâlise mais contînua das categorias gramaticais.

.~

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Lingüfstica funcional aplicada ao ensino de português 117

/

Sugerimos, a titulo de reflexâo e proposta de aplicaçâo, quea professor observe os diferentes usos de assim na descriçâo oral;

que busque outras textos (diferentes registros e modalidades) em que

o termo apareça corn distintas ou idênticas ocorrências e ainda

que estimule a elaboraçâo de textos pelas alunas: a) que preenchamas funç6es de assim em outra modalidade, por exemplo; b) que

substituam 0 termo por outros, se possIvel, de sentido semelhante

(no discurso oral); c) que reproduzam situaç6es em que assim possaser empregado na modalidade escrita, observando, em todos esses

casas, a adequaçâo às circunstâncias em que é empregado. Enfim,a etapa referente à produçâo pela aluno pode ser enriquecida e

ampliada se 0 professor contemplar as vârias possibilidades aqui

sugeridas, que ultrapassam os limites tâo categ6ricos postuladospela gramâtica tradicional.

Quanto ao relato de opiniâo de Valéria, aluna do ûltimo penodo

universitârio, do Rio de Janeiro (cf. "Textos em anâlise" l nestecapitulo), sao uhlizadas estruturas do tipo expositivo­

argumentativas. De acordo corn Paredes Silva (1996a), tais estruturas

repousam em unidades semânticas referentes à proposiçâo,sintaticamente subordinadas l apresentando preferencialmente

verbos nao-perfectivos e construç6es hipotéticas e dial6gicas.

~~, Estruturas expressivas, ao contrârio, apresentam verbos"~dominantementeno presente e na primeira pessoa, corn

predicados de opiniâo, avaliativos ou subjetivos. Segundo a autora

(1996b)1 estruturas expressivas ou avaliativas representam areconstruçâo de uma experiência, par isso requerem recursos de

expressividade e avaliaçôes.

o relato de opiniâo de Valéria, em sua modalidade oral, conjuga

aspectos pertinentes à estrutura expositiva e também à expressiva.Quanto ao primeiro tipo de estrutura, pode-se verificar a

predominância de verbos nâo-perfectivos: "eu estou achando";"a gente estâ vendo a que estâ acontecendo"; "0 que era (...) a gente naosahia (...),jicava tudo escondido"; "achava que tinha informaçâo";"('u estou achando"; "a gente estâ sabendo"; Ileu acho que estâo

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118 Lingüfstica funcional: teoria e pratica

andando"; "nao roubava (...) lôgico que roubava"; "a gente estâ vendo" ;Ilnao acontecia"; Ilnâo podia se falar /'; Ilnao podia tér"; "ficava todo

mundo"; "eu acho que estâ melhorando".

Embora os verbos exprimanl a nâo-perfectividade, os predicados

que os acompanham vêm introduzidos por sujeito em primeirapessoa ou pela expressâo agente, numa clara manifestaçao expressiva

e avaliativa que corresponde ao tipo de gênera proposto (relatode opiniâo). A expressividade corn caracterîstica de expressao dejulgamento é confirmada, nesse relato, em casos de clâusulas serem

introduzidas pelo verbo achar, considerado um verbo duplo dotipo proposicional e emotivo. Verbos proposicianais "sao aqueles que

exprimem, de uma maneira geral, julgamento de ordem intelectualsobre algum fato"; verbos emotivos, por sua vez, "exprimem um

julgamento de ordem pessoal ou cujos sujeitos exercem (ou tentam

exercer) uma manipulaçao sobre 0 sujeito da clâusula subordinada,

coma quere~deixar e desejar" (CEZARIO et al., 1996, p. 79-82).

o relato d~()E~!:li.~c:'.apresenta,assim, uma caracterîstica dupla,porque propicia a manifestaçao simultânea de um julgamento deordem intelectual e pessoa!. Esse carâter dual de natureza sugestiva

mais do que informativa, conferida pela emprego do verbo achar,é fortalecido, na modalidade oral nesse exemplo do corpus, pelas

hesitaç6es e pelas indetenninaç6es semânticas e ideol6gicas do pontode vista do sujeito que enuncia (oraeu, oraagente). Do ponta de vista

gramatical, a escolha de substantivos, advérbios e pronomes denatureza indefinida e demonstrativa pressup6e um conhecimento

partilhado, um interlocutor capaz de preencher as informaç6es

subjacentes às escolhas indeterminadas: "eu estou achando queagora"; Ilnâo é 0 que eraantigamente"; lia gente nao... sabia de nada";llficava tudo escondido";"a verdade é issa"; "na divulgaçao das coisas( ) "fuI b" Il t / t d" 1 "" h... que... po... ana rou ou; es a u 0 as c aras; eu ac 0 que 0

pessoal também estâ... commedo disso"; "mas hoje em dia"; Ile antigamentenao acontecia isso"; "tudo... tudo proibido; "ficava todo munda maisalienado"; Ilum dia a gente chega lâ".

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Lingüistica funcionalaplicada ao ensino de português 119

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Todos os termos e express6es destacados3 distinguem-se pelaescassez lexical e carência infonnacionalque requerem do interlocutora recuperaçâo dessas informaç6es, que faça inferências, utilizandoseu conhecimento de mundo: a informaçâo central do texto gira emtorno da abertura polîtica do pais e do papel da imprensa para aratificaçao dessa abertura e divulgaçao dos fatos (coisas).

A julgar pelo tipo de construçao elaborada pela informante,o professor desavisado tenderia a c1assificar esse texto comodesprovido de coesao e coerência textuais, além de comprometidopelas intimeras incorreç6es gramaticais. No entanto, deve-se levarem conta que a 16gica da oralidade tem seus pr6prios mecanismosresponsâveis pela garantia da coerência e da coesao textuais.

Coma nao se trata de um espaço de interlocuçao entre aentrevistador e a informante, pois nâo é uma situaçâo deconversaçâo, fica a cargo daquele e de possiveis leitores umainterpretaçâo mais sujeita a fatores de ordem pessoal, dada aindefiniçâo do contexto exterior ao texto. 0 grau de informalidade,natural nos discursos orais em relaçâo aos escritos, prevê, entâo,certos arranjos sintâtico-semânticos que exigem do outro umaparticipaçâo mais intima corn 0 texto, parecendo, à primeira vista,que 0 texto seja prejudicado em termos de legibilidade e

~ credibilidade das informaç6es. Cabe ao professor, nesse momento,'~alharcorn critérios definidos previamente para nao incorrer

em equîvocos desastrosos para a interpretaçao de textos e acompreensâo dos sistemas lingüisticos em jogo, ressaltandosempre a importância da situaçao comunicativa estabelecida.

Esse éa momento propicio, considerando-se ainda a relato porbase, para 0 professor promover e estabelecer a reflexâo de todos osaspectos envolvidos nas diversas situaç6es lingüisticas que seapresentam. É 0 momento de levar 0 aluno a perceber como elepode substituir uma linguagem de carâter pessoal (em quepredomine a opiniao) por outras em que haja reflexâo sobre a

3 A respeito da informatividade, ver a seçâo referente ao assunto no capitulo"Pressupostos teéricos fundamentais".

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120 Lingü[stica fUhcional: teoria e pratica

"1r.

assunto corn defesa de idéias e pontos de vista, de acordo corn osprop6sitos comunicativos definidos. Que tal sugerir aos alunos,sempre que possîvel, que:

• substituam os elementos genéricos por outros mais precisos,devidamente contextualizados: situar 0 tempo e 0 espaço (agora,hoje em dia, antigamente, quando); situar os sujeitos e suas falas (eu,agente, fulano, quem, todo mundo);

• esclareçam os subentendidos (tudo às claras, tudo proibido);• explicitem os complementos verbais e nominais que se inferem

(fulano roubou; nao é que antigamente nao roubava... lôgico queroubava; hoje em dia eu acho que estâ melhorando... um dia a gentechega la... eu tenho esperança: quem roubou? 0 que nao se roubavaantigamente? coma 0 verbo roubar pode ser entendido em suatransitividade nesses casos? 0 que estâ melhorando hoje em dia?esperança de quê?);

• expliquem as raz6es dos fatos expostos: agente esta vendo 0 que estaacontecendo cam 0 paîs; lôgico que roubava: por que se roubava?;antigamente nao acontecia isso: 0 que (nao) acontecia e por que naoacontece mais?

Como podemos verificar, abre-se um leque de possibilidadespara a interpretaçâo do texto. Ao mesmo tempo que 0 professordireciona 0 trabalho para os aspectos gramaticais, ele desenvolveno aluno a capacidade de inferência, compreensao e interpretaçao.Aquestao da legibilidade do texto pode tomar-se nma tarefa criativa,produtiva, critica e também prazerosa,levando 0 aluno a perceberque nao hâ uma separaçao entre texto e gramâtica; ao contrârio, naohâ nm sem 0 outro, e vice-versa. Esse aspecta dinâmico e funcianalda lîngua, acreditamos, é 0 que pode ser extraîdo para 0 seu estudoem sala de aula.

A partir das quest6es apresentadas, 0 professor pode aproveitara oportunidade para chamara atençao do aluno para a funcionalidadee a produtividade dos usos indefinidos e dêiticos de pronomes eadvérbios no texto oral. Por exemplo, se os termos ou express6esrepresentados pelas classes de palavras mencionadas sao anaf6ricosou cataf6ricos (solicitando ao aluno fazer as relaç6es no texto);

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Lingüfstica funcional aplicada ao ensino de português 121

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se fazem referências endof6ricas ou exof6ricas (explicando a

pertinência dessas referências pela analogia com 0 texto oral); se amotivaçâo desses empregos esta adequada à obtençâo dos efeitos

desejados (ou seja, a comunicaçao faz-se eficiente/eficaz? haveria

outra forma mais adequada, que pudesse substitul-Ia, em se tratandode texto oral?); se os referidos termos e express6es enquadram-se

numa classificaçao formaI prototipica ou ultrapassam a classificaçâoproposta pela tradiçao, ocupando outras funç6es e assim assumindodiferentes possibiIidades morfol6gicas na oralidade; se atendem ao

requisito consistência, isto é, quando todos os enunciados do texto

podem ser considerados verdadeiros, nâo-contradit6rios, em ummesmo mundo ou nos mundos representados no texto.

rodos os fatores tao fartamente estudados e desenvolvidos pela

lingüfstica textual encontram terreno fértil na abordagemfuncionalista da lingua, uma vez que ambas as perspectivas

contemplam os diversos aspectas da funcionamenta lingüîstico emcada situaçâo de comunicaçao.

Esta, pois, apresentada uma proposta pratica de trabalho corn a

lfngua de modo produtivo desprovida de certos precanceitos,

procurando levar adiante os requisitos expostos nos PCN, entre osquais aquele de que é preciso livrar-se do mita que ainda predominaentre os professores, "0 de que existe uma unica forma 'certa' de

falar - a que se parece corn a escrita - e 0 de que a escrita é 0 espelhoxx.....,

'~clêiala - e, sendo assim, seria precisa 1cansertar' a fala do aluna para

evitar que ele escreva errada" (PCN, 2000, p. 31).

Essa visâa precanceituosa da fala (descontfnua, pouca organizada, : ()

rudimentar, sem qualquer planejamenta), estabeledda corn base no

ideal da escrita, certamente compramete 0 ensino da lîngua, pois

elitnina a possibilidade de trabalhar corn os diferentes registros, alémde empobrecer as aulas de português. Pretendemos, partanto,

demonstrar como cada modalidade apresenta uma estruturaçâo

pr6pria, motivada pelas circunstâncias pragmatico-discursivas e

sociacognitivas, e coma a Iingüistica funcional pode ser um caminhoviavel para a produçâo, interpretaçâo, anaIise e reflexâo de variados

textos que 0 professor deve pôr à disposiçâo de seus alunos,

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Rumos da lingüistica funcional

Maria Angélica Furtado da CunhaMariangela Rios de Oliveira

Mârio Eduardo Martelotta

Antes de fechar este livro sobre os prindpios basicos dofuncionalismo norte-americano, fazemos aqui alguns comentârios

.acerca das novas tendências que se verificam no âmbito dos estudossobre 0 uso da linguagem e sua relaçâo corn 0 desenvolvimento defuturas pesquisas no contexto da lingüistica funcional. Este capîtulo,portanto, trata dos caminhos que a pesquisa em funcionalismo, talcomo por nos é praticada, tende a trilhar, apontando ainda paraduvidas e preocupaç6es futuras.

Aigumas constataçôes

/

.~ Vma consulta à produçâo recente dos programas de pôs-"··~duaçâoem estudos da linguagem no Brasil permite identificar

um-conjunto de tendências que apontam para a progressivavalorizaçâo dos estudos do uso da lingua em situaçâo de interaçâo,em tempo real, em espaços geogrâficos delimitados e com dadoscoletados segundo metodologias plurais. Nesses estudoscontemplam-se manifestaç6es tanto da fala quanto da escrita, destae de outras sincronias. A listagem preliminar destas tendênciasmostra:

1) a expansâo da pesquisa sobre 0 uso da lîngua no Brasil, traduzidapela aumento do numero de dissertaç6es e teses em variosprogramas de pos-graduaçâo e pela proliferaçâo de gruposvoltados para essa ârea de investigaçâo;

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124 Lingüfstica funcional: teoria e prâtica

2) a énfase na investigaçâo de outras sincronias do portugués,resgatando os estudos histôricos, bem coma a atençâo paraquest6es da escrita, revisitando os projetas de fiIoIogia e denormativizaçâo da lingua;

3) a postuIaçâo da pancronia coma uma perspectiva para a estudodas novas tendências de regularizaçâo e de renovaçao do uso,complementando 0 fenômeno da variabilidade, quer em termosde variaçao eStélveI, quer em termos de variaçâo que prefigurae anuncia mudança;

4) a busca de um aprofundamento dos aspectas interacionais ecognitivos envolvidos na configuraçâo dos fenômenoslingüîsticos;

5) a abordagem da esfera discursiva na anâlise do uso: a ênfase nasmetodologias qualitativas; a observaçâo das condiç6espragmâtico-comunicativas: ° foco na interaçâo, na situaçâoconcreta de comunicaçâo;

6) a carMer abrangente da frente de estudos do uso da lîngua, emque a pesquisa caminha par vârios rumos (aquisiçâo,aprendizagem, ensino) assumindo distintos vieses.

Esses sao alguns pontos que consideramos interessantes naopara a fechamento, e sim para a abertura de novas perspectivas depesquisa dos tôpicos que resultaram neste livra.

Novas tendências

Apostura inicial de trabalho consiste em resgatar parte do refraosegundo 0 quaI nao hâ teorias superadas, assim coma 0 prindpiode que também nao hâ teorias corretas, dado que 0 produzir humanoé, par definiçâo, mais ou menas adequado, representa aproximaç6es.Nao ha coma garantir a quâo prôximo se esta da abordagem ideal,pois nao ha padrao de referéncia para compararmos graus deadequaçao. 0 critério de escolha passa a ser 0 nîvel de satisfaçaoque cada proposta provoca na comunidade discursiva em que amesma se produz.

No quadro em que se verificam os desmontes das propostasparadigmaticas fechadas, parece nao fazer sentido porfiar par uma

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formulaçâo exata, estrita e restritiva de uma s6 abordagem te6rica.

Convivemos corn tendências de fusâo dos opostos e doscamplementares, em que as disciplinas unem-se ou reûnem-se emtendências inter-, multi- e transdisciplinares.

As atividades interdisciplinares sup6em a interface corn asocialingüistica quantitativa correlacional, em que se destacam

a pastulaçâo e a anâlise de categorias decomponiveis em variantes

discretas, mensurâveis, normalmente avaliadas corn auxîlio deaplicativos probabilîsticos, destinados a prever tendências,

verossimilhança e possibilidade de co-atuaçâo de fatores, bem comade discriminaçâo do efeito relativo de cada fator na configuraçâo

de fenômenos lingüîsticos. TaI parceria implica uma revisao docarMer discreto das categorias, dada a tendência dos estudos do uso

a postular categorias maleâveis, continuas, escalares ou corn limitesimprecisos. Embasa essa postura a idéia, defendida por autores como

Labove Sankoff, de que a mente trabalha estatisticamente. A mesma

perspectiva estâ presente na clâssica afirmaçâo de Du Bois: ''Asgramâticas codificam melhor 0 que os falantes fazem mais". Hâ,

portanto, uma relaçâo, a investigar, entre cogniçâo e estatistica,

pressupondo-se que 0 procedimento psicol6gico individual elocalizado é a base das tendências de organizaçâo social da

linguagem.

Outra interface relativamente promissora é a que se verificacorn estudos de pidgins e crioulos, e que se pode ilustrar pela anâlise

de feixes de traças associados aos processos de despidginizaçao edescrioulizaçiio no português no Brasil. De fato, 0 nascimento dalîngua que se dâ no pidgin é 0 contexto ideal para encontrar as

motivaç6es funcionais das formas lingüîsticas, que 0 desgaste pela

usa faz desaparecer apas sucessivos processos de gramaticalizaçaa,dos quais vao derivar as lînguas jâ formadas.

Podem-se, também, citar os esforços em criar interface corn

estudos de psicologia, de orientaçâo cognitiva, a exemplo daspropostas referentes à relaçâo entre categarizaçâo e formas de

percepçao, bem como entre processos de metaforizaçâo e

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Rumos da lingü[stica funcional 125

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126 Lingüfstica funcional: teoria e pratica

transferência de informaç6es entre domînios conceptuais. Essesesforços demonstram que nao faz sentido estabelecer uma barreiraentre as ciências psicolôgicas e as ciências sodais, tal coma prop6emChomskye seus seguidores.

Nesse sentido, outra parceria produtiva verifica-se corn aantropologia cultural e corn a etnometodologia, que resulta, entreoutros aspectos, na reposiçao do indivîduo coma centro de interessedo estudo, pelo que ele diz e, em especial, pelas intuiç6es que temsobre a linguagem e sobre si mesmo, coma ser de linguagem. TaIparceria também se manifesta na analise dos papéis sociais, naabordagem da linguagem coma elemento operador daconceptualizaçao sociaimente localizada, segundo a quaI 0 sujeito,em situaçao concreta de comunicaçao, produz significados comoobjetos do discurso, e nao realidades independentes, em um processoengendrado pelos participantes da interaçao. Por fim, pode-se falardo crescimento de uma tendência aplicada, comprometida com aideologia e corn a pedagogia lingüîstica.

Questôes a investigarou em processo de investigaçâo

Corn base no que foi aqui exposto, enumeramos um conjuntode questoes que refietem as preocupaçoes dos pesquisadores emlingüîstica funcional e que deverao transformar-se em objetivosgerais de investigaçoes futuras:

• É possîvel estudar 0 usa da lingua focalizando aspectosestruturais, relacionados à gramaticalizaçao dos fatos lingüîsticos,sem observar aspectas semânticos mais gerais?

• Corn que evidência pode-se propor uma interpretaçao daquiloque a teoria considera sistematizaçao, ou gramaticalizaçao, defatos da linguagem?

• Até que ponto a freqüência das formas lingüisticas deve serutilizada como um critério caracterizador da estrutura da lingual

• Até que ponto os côdigos e os ritos de linguagem que utilizamosresultam, do que aprendemos corn os outros, na interaçâo?

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Rumos da lingüÎstica funcional 127

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• Como distinguir entre contribuiçôes do indivîduo ou do grupono processo de socializaçao de usos da lingua que resulta emgramâtica?

• Como relacionar os dados empîricos que apontam para mudançanas linguas corn a atuaçâo pancrônica e regular de determinadastendências, que se manifesta nao s6 na estabilidade que caracterizaa polissemia de alguns elementos em sincronias diferentes, mastambém no fato de que trajet6rias de mudança de elementosantigos espelham as mesmas trajet6rias de elementos atuais?

• QuaI a importância da situaçao sociocognitiva na produçâo dalinguagem? Seria possîvel relacionar as questôes associadas àcogniçâo e à interaçâo aos mecanismos de desenvolvimento daslînguas através do tempo? Até que ponto ta1 relaçao pode conferirvalidade, verificabilidade, verossimilhança e testabilidade ao quepropomos?

Abusca de respostas a essas questôes constitui 0 objetivo bâsicoe atual do grupo de estudos Discurso & Gramâtica.

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Bibliografia comentada

FURTADO DA CUNHA, Maria Angélica (org.) Procedimentos discursivos na falade Natal. Uma abordagem funcionalista. Natal: Ed. UFRN, 2000.

Coletânea que reune trabalhos desenvolvidos pelo grùpo de estudosDiscurso & Gramâtica, seçâo UFRN, sobre a interface entre discurso,morfossintaxe e ensino-aprendizagem de lîngua materna, corn base noportuguês em uso na cidade de Natal (RN). Os temas investigadoscompreendem: estratégias de negaçâo, manifestaçâo do sujeitooracional, usos e funçoes do onde, processos de superlativaçâo eexpressâo da subjetividade, descritos sob a perspectiva da lingüfsticafuncional americana. A relevância dessa obra consiste ainda no valordocumentaI que representa ao contemplar como objeto de investigaçâoa variedade lingüîstica do português do Nordeste do Brasil.

GIVÔN, Talmy. Functionalism and grammar. AmsterdâlFiladélfia: JohnBenjamins Publishing Company, 1995.

Dm dos maiores méritos da obra de Givôn é 0 de oferecer à

Amunidade acadêmica uma reflexâo teorica mais densa e modalizada

a proposta funcionalista em relaçâo a sua fase inicial, acompanhada darevisâo das propostas empfricas dessa abordagem. Partindo do

... pressuposto de que padroes estruturais devem e precisarn serconsiderados no trato da lingua em uso, de que hâ uma parte dagramâtica em que a arbitrariedade e a opacidade evidenciam-se, 0 autorarnplia e aprofunda a discussâo desse paradigma: faz 0 historieo e aautocrîtica do funcionalisrno, inclui a dimensâo discursiva no trato damarcaçâo, aborda a gramâtica e a coerência no texto e na mente; enfim,rediscute os postulados te6rieos e redefine as metas empfrieas dessaainda nova vertente dos estudos lingüîsticos.

LAKOFF, George. Women, ftre and dangerous things. What categories revealabout mind. Chicago/Londres: The University of Chicago Press, 1987.

Trata-se de um livro sobre categorizaçâo e sua relaçâo corn nossospensamentos, nossas açoes e nossa cornunieaçâo. 0 autor apresenta asbases cognitivas do fenômeno da categorizaçâo, estabelecendo umaoposiçâo às tendências que as propostas objetivas atribuern ao fenômeno.

DP&A editora

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130 LingüÎstica funcional: teoria e pratica

MARTELoTTA, Mârio; VOTRE, Sebastiao; CEZARIO, Maria Maura.Gramaticalizaçiio no português do Bras il. Uma abordagem funcional. Riode Janeiro: Tempo Brasileiro, 1996.

Representa uma obra bâsica sobre 0 processo de gramaticalizaçao,que aborda essencialmente 0 desenvolvimento de conjunç6es a partirde advérbios espaciais e ternporais. 0 livro apresenta ainda anâlisesacerca de outros fenômenos, como a negaçao, a repetiçao, a ordenaçaode constituintes e a integraçâo de clâusulas, à Juz da teoria dagramaticalizaçâo. A obra prop6e tarnbém 0 processo de discursivizaçâopara dar conta do desenvolvirnento dos elernentos chamados marcadoresdiscursivos.

NEVES, Maria Helena de Moura. A gramatica funcional. Sao Paulo: MartinsFontes, 1997.

Introduçâo à visâo funcionalista da linguagem, focalizando osdiferentes modelos de anâlise que se enquadram nessa linha de pesquisa,a partir da Escola de Praga, passando pelo funcionalismo europeu deM. A. K. Halliday e Simon Dik, pela corrente americana de Talmy Givôn,Sandra Thompson e Paul Hopper, até a interface mais recente entregramâtica funcional e cognitivismo. Aborda, ainda, os conceitos-chavedesse quadro teôrÎCo, como motivaçâo, iconicidade e gramaticalizaçao.o ûltimo capîtulo destaca a aplicaçâo dos princîpios funcionalistas nasdiversas âreas de investigaçâo lingüîstica.

OLIVEIRA, Mariangela Rios. Repetiçiio em diâlogos. Anâlise funcional daconversaçiio. Niterôi: Eduft 1998.

Abordagem das estratégias de repetiçâo lexical em diâlogos entredois informantes do corpus Nurc/RJ, corn evidência da forte iconicidadecaraeterizadora desses fenômenos. A autora, fundamentando-se noaparato teôrico do funcionalismo de orientaçao norte-americana,levando em conta as dimens6es cognitiva e pragmâtica associadas àarticulaçâo dessas estruturas, e nas contribuiç6es da anâlise da conversaçao,estabelece nîveis hierârquicos e inter-relacionais da organizaçâo darepetiçâo atuantes na constituiçao do texto conversacional como umtodo. Trata-se de um estudo que focaliza a interface discurso x gyamâticaem perspectiva funcional.

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Sobre os autores

Eduardo Kenedy Areas, doutorando em Lingüîstica pelaUniversidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Lucia Maria Alves Ferreira, doutora em Lingüîstica pelaUniversidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), professora daUniversidade do Rio de Janeiro (UniRio), uma das organizadorasde Linguagem, identidade e mem6ria social: novas fronteiras, novasarticulaçoes (DP&A, 2002).

Marcos Antonio Costa, doutorando em Lingüîstica pelaUniversidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e professor daUniversidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

Maria Angélica Furtado da Cunha, doutora em Lingüîstica pelaUniversidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), corn pâs-doutoradona Universidade da Calif6rnia (Santa Bârbara), professora daUniversidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN),coordenadora do grupo D&G/UFRN, e organizadora deProcedimentos discursivos nafala de Natal e Corpus Discursa & Gramatica:a lfngua falada eescrita na cidade de Natal.

Maria Maura Cezario, doutora em Lingüîstica pela UniversidadeFederal do Rio de Janeiro (UFRJ) - onde também é professora-,coordenadora do grupo D&G/UFRJ e uma das organizadoras deGramaticalizaçiio na português do Brasil: uma abordagem funcianal.

Mariangela Rios de Oliveira, doutora em Letras Vernâculas pelaUniversidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), professora daUniversidade Federal Fluminense (UFF), coordenadora do grupoD&G/UFF e autora de Repetiçao em diâlogas: anâlise funcional daconversaçao.

DP&A editora

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Mârio Eduardo Martelotta, doutor em Lingüistica pelaUniversidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) -,- onde também éprofessor -, coordenador geral do grupo D&G e um dosorganizadores de Gramaticalizaçiio no português do Brasil: umaabordagem funcional.

Victoria Wilson Coelho, doutora em Lingüistica pela PontiffciaUniversidade Catôlica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), professora daUniversidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e uma das autorasda série Entre textos: leitura e produçiio de textos no ensino da lînguaportuguesa.

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e léxico-semânticos do português,desenvolvidas pelos membros do grupo deestudos Discurso & Gramatica, comcompetência, seriedade e alto rendimento.É a acepçao de diagnostico, descriçao,analise da sintaxe no discurso. Ja 0

segundo sentido do termo praticatransporta-nos para uma esfera menosconsensual, em cuja orbita gravitamproblemas de distinta natureza, porque eminterface com a intervençao. Pedra deescolho no caminho dos lingüistas,formados para a pesquisa, guiados pelasperguntas e orientados para um fazer emque a verdade final naD existe, aintervençao sup6e a certeza dasuperioridade das propostas interventivasface às que vigem no mercado, a garantiade que vale a pena mudar os habitosIingüfsticos dos membros da comunidadediscursiva e, sobretudo, a apresentaçao ediscussao das estratégias para assimproceder.

A produçao do conhecimento na area dalinguagem convive com uma séria crise deesvaziamento na repetiçao de propostas deintervençao e no amalgama de alternativasde analise, provocada em parte pelo afa demostrar resultados, a todo custo, paraatender à demanda de controle acadêmicosobre 0 aumento de produtividade dos6rgaos governamentais. A expectativa é queeste livro sobreviva, sereno, àsperturbaç6es e aos conflitos na area,resultantes da exacerbaçao do modismo.

Sebastiâo Votre

Professor adjunto de Ungua Portuguesada Universidade Federal Fluminense (UFF).

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