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Curso de Atualização - Tópicos em Sociologia Jurídica e Filosofia do Direito: Comunicação, Sistema Jurídico e Organizações Professor: Bruno Amaral Machado Período: de 17 a 26 de abril de 2012 1 DISCURSOS CRIMINOLÓGICOS SOBRE O CRIME E O DIREITO PENAL: COMUNICAÇÃO E DIFERENCIAÇÃO FUNCIONAL 1 Bruno Amaral Machado 2 ÁREAS: SOCIOLOGIA JURÍDICA TEORIA SISTÊMICA DIREITO PENAL POLÍTICA RESUMO: Os debates criminológicos contemporâneos tendem a enfatizar a divisão entre correntes teóricas, em um esforço de superação de paradigmas. Neste artigo propomos um novo olhar (observação de segunda ordem) sobre os saberes criminológicos. Partimos da premissa de que existem sistemas concorrentes que comunicam sobre o crime, o direito penal e a política criminal. Buscamos mapear comunicações sobre o crime e o direito penal nos diversos sistemas criminológicos, bem como a tradução das “mensagens” no sistema político e no sistema jurídico-penal. Ao final, sugerimos possíveis caminhos para reflexão e construção de referenciais (mapas) cognitivos sobre o crime, o direito penal e a política criminal. PALAVRAS-CHAVE: Teoria Criminológica – Política Criminal – Direito Penal – Sistemas Autopoiéticos ABSTRACT: Criminological debates tend to emphasize theoretical breaks among them; an effort of one paradigm to overcome the others. We suggest a new approach on criminological knowledge (second order observation). Our hypothesis is that there are different concurrent systems that communicate about crime and criminal law. We try to identify these different communications about crime, criminal law on criminological systems and its translation to other social systems. We suggest cognitive maps about crime, law and politics. KEY WORDS: Criminology – Criminal Policy – Criminal Law – Autopoietic Systems. SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO; 2. SISTEMA E DIFERENCIAÇÃO FUNCIONAL; 3. CIÊNCIA, CRIMINOLOGIA E DIREITO PENAL: DIFERENCIAÇÃO FUNCIONAL E SISTEMAS CONCORRENTES; 3. 1 CIÊNCIA, CÓDIGOS E COMUNICAÇÃO; 3.2 DA ESCOLA POSITIVA À BIO-CRIMINOLOGIA: ESTRUTURA E COMUNICAÇÃO SOBRE O CRIME E O CORPO; 3. 3 A DIFERENCIAÇÃO INTERNA DA COMUNICAÇÃO SOCIOLÓGICO-CRIMINAL: DA SOCIOLOGIA DO COMPORTAMENTO DESVIADO À CRIMINOLOGIA CRÍTICA; 3. 4 O SUBSISTEMA CRIMINOLOGIA ATUARIAL: NOVAS MENSAGENS SOBRE O CRIME E O DIREITO PENAL; 4. POLÍTICA, DIREITO PENAL E CRIMINOLOGIA: UMA ABORDAGEM AUTOPOIÉTICA; 4.1 SISTEMA POLÍTICO E SISTEMA JURÍDICO: LEGISLAÇÃO E DECISÕES PROGRAMADORAS; 4.2 A EXPANSÃO DO DIREITO PENAL NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA: UMA INTERPRETAÇÃO; 4.3 SABERES E DISCURSOS DA CIÊNCIA: TRADUÇÃO AOS CÓDIGOS DA POLÍTICA; 4.4 SABERES E DISCURSOS DA CIÊNCIA: TRADUÇÃO AOS CÓDIGOS DO DIREITO; 5. CONCLUSÃO; 6. REFERÊNCIAS. 1. INTRODUÇÃO O que é o crime? Quais são as suas causas? O que são os processos de criminalização? Como gerenciar os riscos da prática do crime? Não, este não é mais um artigo que trata da história dos pensamentos criminológicos 3 . Tampouco pretendemos assumir a bandeira deste ou daquele paradigma como porta-voz da verdade. A proposta é outra. Porque não observar (observação de segunda ordem) a criminologia como sistema autopoiético que comunica sobre o crime, suas causas e processos de criminalização (Luhmann, 1997c, p. 93-96; Luhmann, 1996, pp. 76-77 e 297; Luhmann, 2005, p. 436)? Para mencionar algumas das questões que parecem centrais na autodescrição da criminologia - ou criminologias, melhor dizendo - como subsistema da ciência. O caminho proposto diverge de interpretação muito difundida na atualidade: a hegemonia da cultura do controle (Garland, 2002, pp. 197-205). A nossa hipótese não é a de uma cultura hegemônica que permeia todos os espaços sociais, e que substituiu a estratégia da disciplina (Foucault, 1987) pela difusão das formas de controle (Garland, 2002). Por outro lado, não negamos a cultura do controle. O nosso argumento, porém, é 1 Este artigo constitui-se em parte de pesquisa desenvolvida como visiting scholar nas Universidades Fordham e John Jay of Criminal Justice (Nova Iorque) nos meses de maio e junho de 2011, bem como integra pesquisa em programa de pós-doutorado em Sociologia pela Universidade de Brasília. Agradeço os comentários dos pesquisadores e estudantes do Grupo de Pesquisa Política Criminal (Uniceub), onde discutimos uma versão deste texto, inserido na linha de pesquisa “Ciência, comunicação e discursos criminológicos” (http://dgp.cnpq.br/buscaoperacional/detalhepesq.jsp?pesq=6719883195099829). 2 Doutor em Sociologia Jurídico-Penal pela Universidade de Barcelona. Pós-doutorando em Sociologia pela Universidade de Brasília. Pesquisador associado do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília. Professor associado dos programas de mestrado e doutorado em Direito do Uniceub (Brasília). Professor da Fundação Escola Superior do MPDFT. Professor do programa de doutorado em Ciências Penais da Universidade San Carlos (Guatemala). Promotor de Justiça em Brasília. 3 Para levar às últimas consequências esta afirmação, melhor seria dizer comunicação criminológica, pois se trata de processo que vai além das consciências e subjetividades.

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DISCURSOS CRIMINOLÓGICOS SOBRE O CRIME E O DIREITO PENAL: COMUNICAÇÃO E DIFERENCIAÇÃO

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Bruno Amaral Machado2

ÁREAS: SOCIOLOGIA JURÍDICA – TEORIA SISTÊMICA – DIREITO PENAL – POLÍTICA RESUMO: Os debates criminológicos contemporâneos tendem a enfatizar a divisão entre correntes teóricas, em um esforço de superação de paradigmas. Neste artigo propomos um novo olhar (observação de segunda ordem) sobre os saberes criminológicos. Partimos da premissa de que existem sistemas concorrentes que comunicam sobre o crime, o direito penal e a política criminal. Buscamos mapear comunicações sobre o crime e o direito penal nos diversos sistemas criminológicos, bem como a tradução das “mensagens” no sistema político e no sistema jurídico-penal. Ao final, sugerimos possíveis caminhos para reflexão e construção de referenciais (mapas) cognitivos sobre o crime, o direito penal e a política criminal. PALAVRAS-CHAVE: Teoria Criminológica – Política Criminal – Direito Penal – Sistemas Autopoiéticos ABSTRACT: Criminological debates tend to emphasize theoretical breaks among them; an effort of one paradigm to overcome the others. We suggest a new approach on criminological knowledge (second order observation). Our hypothesis is that there are different concurrent systems that communicate about crime and criminal law. We try to identify these different communications about crime, criminal law on criminological systems and its translation to other social systems. We suggest cognitive maps about crime, law and politics. KEY WORDS: Criminology – Criminal Policy – Criminal Law – Autopoietic Systems. SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO; 2. SISTEMA E DIFERENCIAÇÃO FUNCIONAL; 3. CIÊNCIA, CRIMINOLOGIA E DIREITO

PENAL: DIFERENCIAÇÃO FUNCIONAL E SISTEMAS CONCORRENTES; 3. 1 CIÊNCIA, CÓDIGOS E COMUNICAÇÃO; 3.2

DA ESCOLA POSITIVA À BIO-CRIMINOLOGIA: ESTRUTURA E COMUNICAÇÃO SOBRE O CRIME E O CORPO; 3. 3 A

DIFERENCIAÇÃO INTERNA DA COMUNICAÇÃO SOCIOLÓGICO-CRIMINAL: DA SOCIOLOGIA DO COMPORTAMENTO

DESVIADO À CRIMINOLOGIA CRÍTICA; 3. 4 O SUBSISTEMA CRIMINOLOGIA ATUARIAL: NOVAS MENSAGENS SOBRE

O CRIME E O DIREITO PENAL; 4. POLÍTICA, DIREITO PENAL E CRIMINOLOGIA: UMA ABORDAGEM AUTOPOIÉTICA; 4.1 SISTEMA POLÍTICO E SISTEMA JURÍDICO: LEGISLAÇÃO E DECISÕES PROGRAMADORAS; 4.2 A EXPANSÃO DO

DIREITO PENAL NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA: UMA INTERPRETAÇÃO; 4.3 SABERES E DISCURSOS DA CIÊNCIA: TRADUÇÃO AOS CÓDIGOS DA POLÍTICA; 4.4 SABERES E DISCURSOS DA CIÊNCIA: TRADUÇÃO AOS CÓDIGOS DO

DIREITO; 5. CONCLUSÃO; 6. REFERÊNCIAS. 1. INTRODUÇÃO

O que é o crime? Quais são as suas causas? O que são os processos de criminalização? Como gerenciar os riscos da prática do crime? Não, este não é mais um artigo que trata da história dos pensamentos criminológicos3. Tampouco pretendemos assumir a bandeira deste ou daquele paradigma como porta-voz da verdade. A proposta é outra. Porque não observar (observação de segunda ordem) a criminologia como sistema autopoiético que comunica sobre o crime, suas causas e processos de criminalização (Luhmann, 1997c, p. 93-96; Luhmann, 1996, pp. 76-77 e 297; Luhmann, 2005, p. 436)? Para mencionar algumas das questões que parecem centrais na autodescrição da criminologia - ou criminologias, melhor dizendo - como subsistema da ciência.

O caminho proposto diverge de interpretação muito difundida na atualidade: a hegemonia da cultura do controle (Garland, 2002, pp. 197-205). A nossa hipótese não é a de uma cultura hegemônica que permeia todos os espaços sociais, e que substituiu a estratégia da disciplina (Foucault, 1987) pela difusão das formas de controle (Garland, 2002). Por outro lado, não negamos a cultura do controle. O nosso argumento, porém, é 1 Este artigo constitui-se em parte de pesquisa desenvolvida como visiting scholar nas Universidades Fordham e John Jay of Criminal Justice (Nova Iorque) nos meses de maio e junho de 2011, bem como integra pesquisa em programa de pós-doutorado em Sociologia pela Universidade de Brasília. Agradeço os comentários dos pesquisadores e estudantes do Grupo de Pesquisa Política Criminal (Uniceub), onde discutimos uma versão deste texto, inserido na linha de pesquisa “Ciência, comunicação e discursos criminológicos” (http://dgp.cnpq.br/buscaoperacional/detalhepesq.jsp?pesq=6719883195099829). 2 Doutor em Sociologia Jurídico-Penal pela Universidade de Barcelona. Pós-doutorando em Sociologia pela Universidade de Brasília. Pesquisador associado do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília. Professor associado dos programas de mestrado e doutorado em Direito do Uniceub (Brasília). Professor da Fundação Escola Superior do MPDFT. Professor do programa de doutorado em Ciências Penais da Universidade San Carlos (Guatemala). Promotor de Justiça em Brasília. 3 Para levar às últimas consequências esta afirmação, melhor seria dizer comunicação criminológica, pois se trata de processo que vai além das consciências e subjetividades.

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distinto: existem sistemas concorrentes que comunicam sobre o crime, o direito penal, a política e o controle (Nobles e Schiff, 2001)4. A teoria sistêmica também sugere perspectivas empíricas. Identificar a comunicação sobre o crime e o direito penal, bem como a tradução das “mensagens criminológicas” nos diversos sistemas sociais surge como caminho para a reflexão e (re) construção de referenciais (mapas) cognitivos na área penal (Teubner e Paterson, 1998).

A abordagem remete a outras questões que parecem importantes para o debate contemporâneo: quais são as consequências do enfoque para análise do direito penal? Que conexões existem entre a criminologia, o direito penal e a política?

2. SISTEMA E DIFERENCIAÇÃO FUNCIONAL

A teoria sistêmica constitui-se em proposta original, nem por isso insuscetível de críticas, de análise da sociedade contemporânea (Bankowski, 1996, pp. 63-80; Cotterrell, 2001, pp. 80-103; Lempert, 1988, pp. 188-189)5. O modelo sugere outro enfoque para análise sociológica. A teoria clássica identifica no conceito de ação social, esteja orientada por fins - racionalidade instrumental -, interesses ou valores, categoria fundamental para a pesquisa empírica (Berger e Luckmann, 1999 [construção social da realidade]; Habermas, 1999 [intersubjetividade]; Schütz, 1993 [motivos – porque e para]; Parsons, 1997, pp. 17-34 [ação social e sistema social]; Weber, 1992 [ação social])6. O modelo sistêmico luhmanniano recupera parte da tradição social e incorpora outras disciplinas como a cibernética (Ashby, 1956), a teoria sistêmica (Bertallanfy, 1972; Parsons, 1997) e a biologia (autopoiese) (Maturana e Varela, 2008, pp. 16-21 e 104-117). O foco é reorientado, assim, para a comunicação (Luhmann, 1990a, pp. 251-260; Luhmann, 1993, p. 27-35; Luhmann e De Giorgi, 2008, p. 9-16; Luhmann, 1997 a, pp. 42-107).

Sem a pretensão de recuperar todas as implicações do modelo, expomos unicamente os conceitos fundamentais para a compreensão das possibilidades teóricas, conforme objetivos traçados neste artigo. O ponto de partida não diverge da pergunta central em boa parte da literatura sociológica: o que possibilita a ordem social (dilema hobbesiano)? As respostas e proposições teóricas se afastam bastante das leituras convencionais (Parsons, 1997, p. 18). No encontro entre Ego e Alter a comunicação apenas é possível pela redução da complexidade em face da dupla contingência, conceito que descreve o que não é nem necessário nem impossível (Luhmann, 1997c, pp. 89-90)7.

No modelo luhmanniano, a ação social perde a centralidade como categoria analítica, lugar ocupado pelas comunicações, que se decompõem em seleções e ações. Distingue-se nesse modelo a informação, a expressão e a compreensão. A informação é o que se quer comunicar. A segunda seleção é expressar ou não. A compreensão é a terceira seleção. As comunicações em determinados momentos formam estruturas que funcionam como pré-seleções de comunicações possíveis no sistema. As estruturas tornam possível a comunicação e essa permite a redução de complexidade, limitando um infinito leque de possibilidades a um número restrito (Luhmann, 1990a, p. 251 e ss; Luhmann e De Giorgi, 2008, p. 105-168). Dessa forma, a comunicação não está atrelada à consciência, mas à produção de sentido que possibilita a continuidade dos processos comunicativos. Nenhuma consciência pode unir suas operações às de outra consciência. A comunicação deve desprender-se de referencias psicológicos e referir-se a processos de produção da comunicação pela comunicação (Luhmann, 1996, pp. 22-23). Os sistemas sociais continuam dependendo das consciências como elemento transformador da percepção (acontecimentos com aparição efêmera) em comunicação. Mas a consciência não se transforma em sujeito da comunicação (Luhmann, 1996, p. 164).

4 Outro caminho possível: mapear os artefatos semânticos da dogmática penal que descrevem o crime. Decidimos não trilhar esta via, que também pode propiciar referenciais cognitivos para observar a autodescrição do subsistema jurídico-penal. 5 As críticas referidas parecem, contudo, superadas: não parece adequada a representação dos sistemas psíquicos como totalmente colonizados pelos sistemas sociais (Bankowski, 1996); a teoria sistêmica, ao retirar o foco das pessoas, não esgota as possibilidades de pesquisa empírica (Cotterrell, 2001); o modelo não corresponde exatamente à autonomia do sistema jurídico, na tradição anglo-americana, sendo muito mais complexo (Lempert, 1988). 6 Certamente há diferenças muito significativas entre os autores referidos. Apesar disso, a centralidade do sujeito cognoscente e da categoria ação social para a pesquisa empírica e a reflexão teórica nos modelos propostos pelos autores permitem a assumida simplificação. 7 O conceito de complexidade representa o núcleo da teoria luhmanniana, já que dela deriva a formação dos sistemas sociais e se constitui na questão fundamental: a complexidade do homem frente ao mundo. A complexidade vincula-se à totalidade dos acontecimentos possíveis. O sistema social existe porque cumpre a função de diminuir a complexidade, reduzindo-a ao nível mais determinável possível. O homem utiliza-se dos sistemas sociais para reduzir a complexidade, conferindo significado aos acontecimentos. Com a redução de complexidade e aquisição de sentido abre-se um horizonte de possibilidades disponíveis, entre as quais o sistema pode escolher (Luhmann, 1997c, pp. 66-107; Luhmann e De Giorgi, 2008, p. 40-45).

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Neste paradigma e para a compreensão de todas as suas consequências teóricas e empíricas, o autor distingue entre sistemas sociais, sistemas psíquicos e sistemas vivos, cada qual com sua unidade operacional respectiva: comunicação, pensamento e vida (Luhmann, 1990a, pp. 65-68). A análise sistêmica distingue ainda os seguintes tipos de sistemas sociais: sociedade, interação e organizações, os quais se reproduzem por meio de diferentes tipos de comunicação. A sociedade engloba, assim, organizações, interações e suas respectivas comunicações8. Cada sistema social comunica a partir de códigos próprios, constituindo-se em entorno para os outros sistemas (Luhmann e De Giorgi, 2008, pp. 145-162; Luhmann, 1990a, pp. 68-76; Luhmann, 2005a, p. 507-566)9.

Nas sociedades contemporâneas, diferenciadas funcionalmente, a economia, a religião, a arte, a moral, a ciência, a política e o direito constituem sistemas autopoiéticos, cognitivamente abertos e operativamente fechados, os quais se autodescrevem e auto-reproduzem a partir de códigos e programas próprios10. As operações constituem-se em referencial teórico importante, na medida em que, como instrumento de observação que pretende designar uma realidade independente, a união de operações é o que dá lugar ao sistema (Luhmann, 1996, p. 195). Neste modelo, não há que se falar, contudo, em sistemas fechados e isolados em relação ao entorno (o sistema só é fechado porque ele é aberto). Da mesma forma, não faz sentido a compreensão dos sistemas sociais como sistemas abertos (Bertallanfy, 1972). A identidade sistêmica opera-se pela autodescrição sistêmica e delimitação das fronteiras em relação ao entorno (Spencer Brown, 1971), o que apenas é possível pelos acoplamentos estruturais entre os diversos sistemas sociais (Luhmann, 2005a, pp. 507-566)11.

O modelo teórico permite uma nova interpretação sobre a ciência e a criminologia, em particular, bem como sobre o direito e a política. A proposta tem consequências importantes pois reformula os limites metodológicos e epistemológicos da pesquisa jurídica e sócio-jurídica. Em um nível mais abstrato de análise, o modelo rompe com a visão dicotômica entre análise externa e interna do direito, pois a autopoiese do direito envolve tanto a abertura cognitiva (irritação em relação ao entorno) quanto o fechamento operacional a partir dos programas e códigos próprios do sistema jurídico (Luhmann, 2005a, pp. 453-471; Nelken, 1996).

Busca-se superar tanto a visão instrumentalista (crítica criminológica ou Critical Legal Studies) quanto a leitura kelseniana do direito como sistema autônomo12. A metáfora da termodinâmica entre o cristal e o opaco alude às dinâmicas entre variabilidade e redundância13 (Luhmann, 2005a, p. 453 e ss). A centralidade da análise desloca-se das relações de causalidade. Os acoplamentos estruturais entre os sistemas sociais permitem a tradução à semântica interna de cada sistema, a partir da autodescrição e delimitação das fronteiras em relação ao entorno. Categorias como o contrato e a propriedade promovem o acoplamento estrutural entre o direito e a economia, assim como a lei e a constituição possibilitam o acoplamento entre direito e política, apenas para mencionar alguns dos sistemas sociais.

3. CIÊNCIA, CRIMINOLOGIA E DIREITO PENAL: DIFERENCIAÇÃO FUNCIONAL E SISTEMAS CONCORRENTES

8 Distinguem-se quatro formas de diferenciação: segmentação, centro/ periferia, estratificação e diferenciação funcional (século XVIII) (Luhmann e De Giorgi, 2008, pp. 254-260). 9 Diante de novos acontecimentos e da complexidade exterior o sistema deve implementar mecanismos de adaptação a esses fenômenos, a partir da regra do requisite variety. A ressonância produzida pelo entorno sugere problemas ao sistema, que impulsiona sua crescente adaptação, produzindo-se uma maior complexidade interna. O sistema reduzirá a complexidade do mundo e do ambiente tornando-se paulatinamente mais complexo. Imprime-se, assim, uma diferenciação a partir de funções, divididas e designadas aos sistemas. Nesse processo são fundamentais: a diferenciação sistêmica e os mecanismos intra-sistêmicos (variação, seleção e estabilização). A primeira refere-se à diferenciação funcional de diversos sistemas dentro do sistema social, tais como o econômico, o político e o jurídico, dentre outros. Mas também se relaciona a outros tipos que foram historicamente se consolidando ao longo da história, como a religião e a ciência (Luhmann, 1990a, p. 445 e ss e 1997a, p. 108 e ss, Luhmann e De Giorgi, 2008, p. 191-221). 10 O código próprio a cada sistema permite a construção de sentidos próprios a partir da ressonância do entorno ou ambiente. Em sistemas diferenciados os códigos estão providos de uma programação própria (conceito próximo ao elaborado pela cibernética). Uma idéia fundamental é a de que o sistema observa o ambiente a partir de seus códigos e programas. O código é a condição para abertura e fechamento do sistema. A partir desse conceito podem ser compreendidas outras categorias: o fechamento operacional consiste exatamente na operação do sistema a partir de códigos próprios, e a abertura cognitiva se refere à permeabilidade do sistema à complexidade do ambiente. A observação e a descrição constituem-se nas formas pelas quais o sistema se diferencia (Luhmann, 1990a, p. 675 e ss; Luhmann e De Giorgi, 2008, p. 247 e ss). 11 A compreensão de Luhmann sobre a autopoiese diverge da apresentada por Teubner. Para aquele, não existem sistemas parcialmente autopoiéticos; para este, a autopoiese é uma realidade gradativa (Teubner, 1989, pp. 66-67). 12 Neste aspecto específico não há como não identificar certa proximidade com a descrição do direito em Bourdieu (2001). O autor francês, porém, não rompe com a tradição sociológica clássica, na medida em que a ação social (base das práticas sociais) ainda é uma categoria relevante de análise. 13 A informação é o valor de surpresa das notícias, dado o reduzido número de outras possibilidades. A redundância decorre do fato de que a informação precedente deve ser levada em conta na operação dos sistemas autopoiéticos (Luhmann, 2005, p. 416).

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3.1 CIÊNCIA, CÓDIGOS E COMUNICAÇÃO Uma idéia central e ponto de partida deve ser a compreensão sobre a função da ciência nas sociedades

contemporâneas. A redução de complexidade e os processos comunicativos do sistema ciência ocorrem a partir da diferenciação de outros sistemas sociais, como a moral, a religião e a política. No processo de distinção e autodescrição da ciência, o código verdadeiro/ falso e os programas próprios, na forma de teorias, metodologias e técnicas de pesquisa, permitem a distinção em relação ao entorno e a identidade da ciência como sistema comunicativo. A diferença em relação ao senso comum também é construída a partir da duplicidade binária, demarcando a diferença com o entorno e a autopoiese da ciência (Luhmann, 1996).

A simplificação pode sugerir ingenuidade ou absoluta simplificação. Uma rápida e não muito detida revisão da filosofia da ciência mostra a complexidade do debate sobre a ciência na modernidade (Lamo de Espinoza, González García e Torres Albero, 1994). Debates como objetividade e subjetividade, neutralidade e engajamento, para mencionar alguns. O paradigma do falseamento e a revolução paradigmática para mencionar outros (Popper, 1962; Kuhn, 2003). As reflexões sobre os limites da pesquisa científica e a produção do discurso sugerem também mais complexidade para análise dos opostos binários (Latour, 2000).

A reflexividade na produção do conhecimento científico também faz parte deste esforço mais amplo de situar e dar mais complexidade às limitações binárias (Lamo de Espinoza, González García e Torres Albero, 1994, pp. 603-632). Porém, uma desilusão na produção do saber científico parece dominar a visão pós-moderna ou desconstrutiva (Derrida,1978; Lyotard, 1984). A ruptura epistemológica surge também, no debate, como esforço de busca de um certo comprometimento social dos saberes, e desconfiança sobre a hegemonia da ciência (dupla ruptura epistemológica) (Santos, 1989).

A proposta luhmanniana deriva de premissas distintas. O ponto de partida é o questionamento sobre as condições que possibilitam o sistema ciência. No processo de diferenciação funcional - que potencializa relações de interdependência entre os sistemas -, a ciência surge como sistema autopoiético no momento em que a verdade estabiliza-se como meio simbólico generalizado de comunicação14. Tudo o que a ciência comunica, independentemente do que ocorra no interior do sistema, é verdadeiro ou falso (Luhmann, 1996, pp. 196-197 e p. 215). Apenas a ciência ocupa-se da verdade codificada e da observação de segunda ordem; da afirmação de que os enunciados verdadeiros pressupõem exame prévio e rechaço do que é falso. Caso apareçam outras distinções (bom/ mal [moral], governo/ oposição [política], direito/ não direito [jurídico], etc.) a comunicação não é científica, ainda que tenha sido iniciada por cientistas. Assim, outros sistemas, ao cumprir suas funções, podem interferir na ciência, mas não modificam sua autopoiese (Luhmann, 1996, p. 205- 223).

O modelo gera efeitos importantes para análise do conhecimento. A caracterização do novo (conhecimento) também é uma construção do sistema, o que abre distintas perspectivas sobre os limites do conhecimento científico. Na observação de segunda ordem, exclui-se o que se refere à codificação de outros sistemas sociais e o entorno assume uma relevância particularmente importante para as ciências cognitivas, pois as irritações delimitam o problema, o qual é incluído mediante processos próprios da ciência. O conhecimento não é produto do contato com o mundo (embora organizações possam estabelecer contatos com o entorno social), mas de operações recursivas (sistema fechado) (Luhmann, 1996, pp. 219-225)15.

A construção da identidade do sistema não ocorre de forma ontológica. A ciência busca controlar sua insegurança aumentando a complexidade. Nas operações internas os resultados próprios são usados internamente (recursividade). Por outro lado, o sistema converte-se a si mesmo em objeto para as próprias operações (reflexividade). A reflexividade surge, assim, como processo de diferenciação funcional (Luhmann, 1996, pp. 226-241). )16. Por outro lado, a autopoiese da ciência não seria possível se os sistemas

14 A escrita tem um papel fundamental na evolução dos meios de comunicação simbolicamente generalizados (Luhmann, 1996, p. 174). 15 Na análise sistêmica da ciência, o conhecimento surge como ressonância aos acoplamentos estruturais dos sistemas sociais, característica do processo comunicativo (e não dos sistemas psíquicos). Os procedimentos, tais como a comprovação, a fundamentação e a refutação devem ser especificadas por meio da observação de segunda ordem, orientada pelos códigos verdadeiro/ falso (Luhmann, 1996, pp. 93-94). Nos processos de diferenciação sistêmica, é relevante distinguir a ação (experiências e eventos gerados pelo sistema) das vivências (geradas pelo entorno), na medida em que são estas que permitem a análise do conhecimento científico. A linguagem e a escrita permitem novas possibilidades de evolução do conhecimento (lapsos temporais entre as observações, por exemplo). O conhecimento torna-se parte da evolução dos sistemas sociais e psíquicos. (Luhmann, 1996, pp. 105-108). 16 O sistema ciência, assim com a linguagem, constroem suas unidades operacionais mediante conceitos, os quais reduzem complexidade pela criação de complexidade própria. A ciência busca controlar a insegurança com o aumento de complexidade (Luhmann, 1996, p. 234).

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não estivessem acoplados ao entorno objetivo e psíquico (irritações) (Luhmann, 1996, p. 205). A evolução da ciência e a produção de conhecimento também geram irritação para os demais sistemas sociais, que devem incorporá-lo, o que também produz efeitos estruturais (Luhmann, 1996, p. 258). As revoluções paradigmáticas (Kuhn) ocorrem, assim, com a estabilização de inovações evolutivas (Luhmann,1996, p. 226).

Além do processo de codificação, a programação é importante, pois o sistema deve fazer uso de programas adicionais em relação aos conhecimentos aos quais deve ser atribuído o valor verdade (relação de complementação). Dessa forma, os programas podem ser alterados por operações internas (códigos não). No fechamento recursivo do sistema há uma binarização dos programas a partir de métodos e teorias. Em outras palavras, as decisões corretas na comunicação científica são metodológicas ou teóricas (Luhmann, 1996, pp. 288-290). As teorias constroem (não há ciência sem teoria), por meio da linguagem, a forma como as argumentações podem ser comunicadas ou reformuladas; desempenham um papel importante pois ensejam interdependências abstratas internas, o que permite a continuidade da comunicação científica e operacionalizam as condições para sua autosubstituição. Os métodos buscam orientar a decisão (entre verdade e falso) a partir de um problema concreto (diferente das teorias) (Luhmann, 1996, pp. 291-298)17.

Finalmente, outra questão relevante para a análise neste artigo é a forma como surgem as disciplinas científicas (subsistemas) no processo de diferenciação interna do sistema ciência. Disciplinas como a física, a química, a biologia e a sociologia podem, assim, ser visualizadas como entornos recíprocos. O surgimento das disciplinas associa-se à forma como são equacionados os problemas que surgem da combinação entre redundância (possibilidade de autoconstrução) e variação (exposição ao objeto). As relações de prestação das disciplinas em relação ao entorno são assimétricas. Algumas podem ter mais facilidade, em razão do fato de que suas construções teóricas encontram ressonância direta em sistemas sociais específicos (ex. da pesquisa biológica e o sistema saúde). A diferenciação da ciência em disciplinas possibilita a observação do surgimento de um paradigma próprio ou de teorias e escolas em concorrência (Luhmann, 1996, pp. 320-322 e pp. 324-325). No processo de diferenciação interna, nem sempre é tarefa simples identificar nas novas especialidades o caráter de diferenciação sistema/ entorno. As associações nacionais e internacionais de uma determinada disciplina podem apoiar-se em organizações, promovendo relações de pertencimento (membros) e uma densa rede de contatos. As subunidades podem aparecer a partir de campos específicos e formas de financiamento. Por outro lado, podem surgir dificuldades em relações de pertencimento de uma dada disciplina, fomentando o personalismo ou modismos. Não se trata de decomposição do todo em partes, mas de nova construção que reforça o desvio em um determinado campo (Luhmann, 1996, 326-327)18.

3. 2 DA ESCOLA POSITIVA À BIO-CRIMINOLOGIA: ESTRUTURA E COMUNICAÇÃO SOBRE O CRIME E O CORPO

A dimensão comunicativa da criminologia não pode estar dissociada da diferenciação funcional da ciência na sociedade contemporânea e sua diferenciação interna em disciplinas (subsistemas). A opção que fazemos percorre as tendências mais difundidas na Europa e América Latina, o que supõe uma simplificação.

A identidade da criminologia positivista surge a partir da distinção em relação ao entorno, e pela identidade teórica e metodológica (programas) (Lombroso, 2001). A definição do corpo do criminoso como objeto de pesquisa (subsistema médico-criminológico/ antropologia criminal), a ser submetido a metodologia própria (programa científico positivista) para identificação das causas do crime (disciplina etiológica) ganha identidade própria pela diferenciação em relação ao componente religioso ainda presente na Escola Clássica: o crime como pecado e o livre arbítrio como explicação para o comportamento criminoso. Diferencia-se, por outro lado, das teorias frenológicas, e constrói a sua identidade a partir de leituras físico-antropológicas marcadas por elementos racistas, por meio de programas (teoria e metodologias) mais complexos19.

O contexto da época (entorno objetivo e psíquico) não é irrelevante. Analistas do período histórico em que aparece o discurso positivista relacionam o comprometimento da argumentação teórica lombrosiana com

17 A possibilidade de conexão (enlace) da ciência é potencializada pela publicação (Luhmann, 1996, p. 309). 18 O que acontece quando as perguntas só podem ser trabalhadas quando participam várias disciplinas? Fala-se, então, em investigação interdisciplinar, que podem gerar aprendizagem com os contatos ocasionais e capacidade da disciplina em transformar casualidade em estrutura (Luhmann, 1996, p. 327-330). 19 Um trecho ilustra bem o esforço de rompimento com a metafísica da Escola Clássica: “(...) seria preciso deixar de lado todas as teorias filosóficas e estudar, e suma, mais que o crime, os criminosos” (Lombroso, 2001, p. 21). Conferir também crítica à Escola Clássica e ao conceito de livre arbítrio (Ferri, 2006, p. 13).

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interesses classistas pelo controle de classes perigosas20. Certamente, as irritações do entorno não são irrelevantes na diferenciação funcional da ciência21. O fechamento operacional da ciência apenas se dá pela sua abertura cognitiva. Porém, não parece adequado apontar relação direta ou causal22.

Os determinismos biológicos e os atavismos fazem parte da semântica do discurso positivista, e condiciona o olhar sobre o crime e o criminoso. Os postulados da Escola Clássica, aparentemente influenciados pela comunicação religiosa e moral (entorno) (Romagnosi, 1956; Carrara, 1977), podem ser descritos como forma de irritação que o sistema criminologia (positivista) processa (de forma recursiva) a partir do código verdadeiro/ falso. Esta autodescrição corresponde a um retrato identitário da criminologia, afim a uma leitura comtiana de busca de regularidades e leis gerais (Comte, 1981), hegemônica no século XIX. Na análise dos processos de diferenciação funcional da criminologia, a referência a uma criminologia da inquisição só faz sentido como metáfora da disciplina, em esforço de rotulação avant la lettre de uma prática social dominante em um período marcado pela estratificação social, sem uma clara diferenciação funcional entre a ciência e a religião (Anitua, 2005, pp. 23-31).

A narrativa de aspectos gerais do positivismo criminológico pode sugerir um sistema estático, com estruturas fossilizadas a despeito da irritação do entorno e indiferente aos processos evolutivos internos (recursividade) é à própria reconstrução semântica das operações internas (reflexividade). Há um equívoco nesta simplificação. A versão francesa do positivismo sugere uma preponderância do meio na explicação do comportamento delituoso (Lacassagne, 1890). A próprio positivismo italiano apresenta-se excessivamente simplificado. O viés sociológico e o esforço em traduzir a linguagem médica aos códigos do direito sugerem processos de autodescrição e distinção em relação ao entorno segundo a racionalidade própria de cada sistema (Ferri, 2006; Garofalo, 1908).

A identificação do elemento biológico como fator explicativo preponderante é hegemônica na comunicação sobre o crime e o criminoso segundo o subsistema criminologia positivista, não se restringindo à consciência deste ou daquele criminólogo (Lombroso, 2001)23. Por outro lado, as reflexões teóricas, análises empíricas e reconsideração de conclusões anteriores constituem-se em processos funcionais para a comunicação e autopoiese da criminologia positivista (subsistema) (Lombroso, 2001, p. 22; Lombroso, s/d)24. A análise vai, contudo, além da elucubração teórica dos criminólogos. As teorias e reflexões dos positivistas podem revelar-se funcionais do ponto de vista sistêmico, na medida em que estabiliza novas estruturas que comunicam sobre o crime e o criminoso25.

Ao longo do século XX, as teorias e metodologias iniciadas pela Scuola Positiva passaram por importantes adaptações (evolução no sentido sistêmico). As variações regionais das técnicas lombrosianas sugerem que fatores raciais e aspectos corporais foram incorporados nas argumentações teóricas do que se estabilizou como bio-criminologia (subsistema) contemporânea26. Algumas destas disciplinas revelam uma mudança importante do ponto de vista metodológico (alteram os programas e não a codificação). Do corpo visível como sinal (estigma) de atavismos que antecipam o comportamento criminoso à sofisticação das análises biomédicas (genética criminal entre outras) da unidade corpórea infinitesimal a ser mapeada por novas tecnologias – tomografias computadorizadas e ressonâncias magnéticas -, que possibilitam acessar 20 Ver, por exemplo, análise de Lombroso sobre os anarquistas, diagnóstico e recomendações (Walby e Carrier, 2010). 21 A irritação é um estado do sistema, não atribuível diretamente ao entorno; a irritação deixa em aberto a possibilidade de modificação das estruturas. Assim, quando se observa uma irritação em um sistema, não se pode concluir que seja um problema para o entorno (este é com é!) (Luhmann, 2007, pp. 626-628). 22 O sistema jurídico-penal não é indiferente à irritação do entorno (discurso das criminologias). No século XIX surgem as chamadas teorias utilitaristas como artefatos semânticos do direito penal, e as mais diversas manifestações de defesa social. Desde as teorias de prevenção (geral e especial) até as teorias ressocializadoras, juntamente com as teorias da retribuição, todas provocaram ressonância no sistema jurídico-penal e irritação em outros sistemas sociais (político, inclusive). 23 Ver, por exemplo, como a tipologia dos criminosos, proposta por Ferri, é incorporada na análise de Lombroso (2001, p. 22). 24 Ver especialmente análise das influências exteriores no comportamento humano (Ferri, 2006, p. 33). 25 A interpenetração entre criminologia positivista e sistema jurídico penal não é marcada, invariavelmente, pela utilização das recíprocas complexidades sistêmicas. Exemplo disso são as abstrações teóricas e formulações conceituais. O conceito de crime natural não deixa, assim, de apresentar forte conteúdo moral (bem/ mal), o que gera irritação interna e dificuldade para a criação de estruturas compatíveis com os códigos da ciência (Garófalo, 1908, pp. 26-30). Porém, a suposta funcionalidade da comunicação criminológica positivista para o sistema jurídico-penal não é direta ou inequívoca, conforme sugere o surgimento do Positivismo Jurídico e suas manifestações no direito penal (Anitua, 2005, pp. 224-226). A interpenetração entre cientistas e sistema ciência pressupõe a socialização dos cientistas (sem ciência não há cientistas). A capacidade de percepção e de pensamento do cientista prepara sua complexidade para descarregar no sistema ciência irritações frequentes (Luhmann, 1996, pp. 403-406). 26 Nesse sentido, são paradigmáticos os escritos de recentes de Barkley sobre a preponderância dos fatores genéticos na determinação do comportamento anti-social e as reflexões de Wright, quem associa aspectos morfológicos do cérebro do afro-americano aos índices de criminalidade entre os negros nos Estados Unidos (Walby e Carrier, 2010, p. 276).

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partes invisíveis do corpo humano e o diagnóstico de disfunções potencialmente associadas ao comportamento criminoso (Walby e Carrier, 2010, p. 275).

A diferenciação funcional entre as ciências, como a consolidação e a subdivisão entre as ciências psi levaram a processos internos de diferenciação e fechamento operacional para descrição do objeto a partir de programas (técnicas) próprios (Eysenck, 2003, pp. 91-105). A representação do corpo aparece, assim, nas novas versões estabilizadas do positivismo criminológico, nas categorias sofisticadas que descrevem processos biológicos, sócio-biológicos e psíquicos. Não morre a criminologia positivista; ela é reinventada a partir de novos programas e discursos que continuam a comunicar sobre o crime (dado indiscutido) e, especialmente, sobre o criminoso (Eysenck, 2003; Jalava, 2006; Sarnoff, Gabrielli e Hutchings, 1993; Simon, 1998; Walby e Carrier, 2010).

A bio-criminologia, por meio de programas teóricos e metodológicos, incorpora também novas estruturas (reflexividade) no seu discurso científico. Ao invés da relação direta de causalidade, a criminalidade congênita seria deflagrada por outros elementos do meio (Walby e Carrier, 2010, p. 276). Estabiliza-se, assim, a comunicação bio-criminológica. Porém, persiste um vínculo direto da nova mensagem com o discurso positivista lombrosiano: a pretensão de identificar o homem criminoso e sugerir formas de defesa social (re-entry

27 com a política). A mensagem bio-criminológica produz ressonância e ruído para outros sistemas sociais (inclusive para os subsistemas criminológicos). Até que ponto a legislação e as políticas criminais traduzem e incorporam estes discursos?

3. 3 A DIFERENCIAÇÃO INTERNA DA COMUNICAÇÃO SOCIOLÓGICO-CRIMINAL: DA SOCIOLOGIA DO

COMPORTAMENTO DESVIADO À CRIMINOLOGIA CRÍTICA O século XIX marca também a diferenciação das disciplinas que associam o crime a fatores

sociológicos a serem identificados pelos programas da física social (Quetelet, 1993, pp. 32-46). Se é certo que a própria Scuola Positiva revela interpretações que atenuam a centralidade do corpo como elemento explicativo do comportamento criminoso (Ferri, 2006), a vertente bio-criminológica enfatiza muito mais a dimensão biológica, relegando os aspectos sociais a uma posição secundária, um gatilho que acionaria patologias latentes. O contraponto iniciado pela Escola Francesa (Lacassagne, 1890) encontra em Dürkheim terreno fértil. O sociólogo francês, em mais de uma oportunidade, confronta as explicações patológicas do crime; este é reconstruído como fato social (e não uma anormalidade), que poderia, em algumas situações, inclusive, antecipar moral futura (Dürkheim, 1995a, pp. 84-93 e 374-375; Dürkheim, 1995b, pp. 30-38 e 58-65). A nascente sociologia europeia, sob influência do programa (teórico-metodológico) comtiano estabiliza uma mensagem distinta sobre o crime e o criminoso: a explicação não se encontra no corpo humano28.

Parte da criminologia sociológica (subsistema), que ganhou terreno em solo norte-americano, constrói sua identidade (também) a partir da diferenciação em relação ao discurso positivista, tanto comtiano quanto lombrosiano. Questionar o ponto de partida da criminologia positivista não era raro nas análises dos sociólogos (distintas escolas) que pesquisavam o comportamento desviado das pautas consideradas normais (Sutherland, 1940, p. 1-2; Merton, 1938, p. 672). A crítica de Sutherland reporta-se não apenas às metodologias de pesquisa, enviesadas pelas fontes utilizadas, mas também pela associação do crime a patologias físico-mentais e à pobreza (Sutherland, 1940, p. 1-2). Merton também rebate a suposta origem biológica dos comportamentos que não se adequariam às normas e estruturas sociais (Merton, 1938, p. 672)29.

A Escola de Chicago e os estudos sobre a sociologia urbana marcam também um terreno fértil para uma análise de fundo muito mais complexa30. Uma releitura das ciências sociais mostra identidade própria e sua diferenciação em relação às ciências naturais, o que parece retratado no par oposto: ciências nomotéticas e ideográficas (Windelband). Uma ciência social compreensiva parece sugerir, assim, novos processos de

27 Conceito que traduz a reentrada de uma diferença no que já foi previamente diferenciado (Spencer Brown). Corresponde ao manejo auto-referente da diferença entre auto-referência e hetero-referência (Luhmann, 1996, p. 140). 28 Quando uma comunicação estabelece como verdadeira uma dada informação, estabelece-se uma limitação à arbitrariedade dos mundos possíveis (Luhmann, 1996, p. 195). 29 Por outro lado, seria um exagero associar a ascensão da Escola de Chicago à contraposição às teses positivistas. Houve processos internos na sociologia que podem ser muito mais explicativos (nova semântica sobre a pesquisa social, programas da disciplina, etc.). 30 O contexto social do final do século XIX, nos Estados Unidos, não é irrelevante (entorno). Os sinais de conflitos sociais e o déficit de integração social do Melting Pot norte-americano constitui-se no entorno social em que surge a sociologia norte-americana (irritação).

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diferenciação em relação aos programas aplicáveis às ciências sociais (Weber, 1992). O paradigma interpretativo e o interacionismo simbólico conferem identidade à criminologia sociológica ao marcar a diferença em relação a programas centrados no corpo como elemento explicativo. Os significados da interação social surgem como elementos que marcam e delimitam o espaço em relação ao entorno. A preocupação central com os mecanismos de integração e controle social diferencia-se do discurso dos modelos explicativos bio-criminológicos (Mead, 1973, pp. 315-343; Dewey, 1954)31. A definição histórica das primeiras décadas da Escola de Chicago como Era do Controle sintetiza bem a mensagem da disciplina que constrói identidade própria: o controle social das condutas que se afastam dos padrões considerados normais (antecedente da sociologia do comportamento desviado) (Melossi, 1992, pp. 160-191).

As linhas de pesquisa e a produção acadêmica, apesar de distintas, parecem compartilhar um certo olhar sobre o comportamento delituoso. Comunica-se uma visão mais ou menos homogênea sobre as causas do crime, novos programas (metodologias e técnicas de pesquisa) são criados e reformulados (Park, 1976)32. A autodescrição e, ao mesmo tempo, distinção em relação ao entorno, passa por uma nova semântica sobre a pesquisa social no campo criminológico: os significados da ação social, os mecanismos internos de controle social e as relações de subjetividade na prática do ato desviado. A diferenciação interna da sociologia do comportamento desviado pressupõe a estabilização de estruturas que comunicam o desvio também como patologia; não biológica mas social (desorganização social, sub-culturas, associação diferencial, etc).

O entorno social e psíquico é fundamental para compreender a autopoiese da ciência (Luhmann, 1996, p. 205). Os anos de pós-guerra e a consolidação do welfare sugerem mensagens relevantes (políticas, econômicas, etc.) para a compreensão dos processos evolutivos da ciência e diferenciação funcional em disciplinas. A consolidação do subsistema estrutural-funcionalista ocorre com a síntese teórica (programa teórico parsoniano) que estabiliza a mensagem de que o desvio de pautas culturais compartilhadas não pode estar dissociado de uma interpretação mais ampla dos processos de socialização, associados a aspectos psicológicos, culturais e sociais (Parsons, 1997, pp. 239-307). O comportamento criminoso é apenas um capítulo de um campo mais amplo de pesquisa cujo objeto é o desvio dos padrões de normalidades, definido como crime ou não (patologias sociais).

A posterior difusão do direito como mecanismo de controle social (punitivo) e a forma como parte da dogmática penal incorporou o controle social na construção de artefatos semânticos da teoria jurídico-penal nem sempre leva em conta a concepção original do conceito (Bergalli, 1996)33. A sociologia do comportamento desviado marca historicamente a estabilização da dimensão comunicativa (sociológica) em relação ao crime e ao criminoso. Mas não se trata de um processo dirigido a um fim específico como parece sugerir análises contemporâneas sobre a reorientação do objeto de pesquisa criminológica (Sumner, 1994).

Já se tornou lugar comum associar o final da década de 1950 e o início da década de 1960 à revolução no pensamento criminológico. Reporta-se a uma forma absolutamente nova de encarar o comportamento desviado e o crime. Diferente da concepção ontológica sobre o delito, privilegia-se o enfoque sobre os processos de definição do comportamento desviado, do crime e do criminoso (Becker, 2008; Lemert, 1951)34. Diferencia-se, assim, o paradigma conhecido como Labelling Approach ou Teorias do Etiquetamento (subsistema). Em tentativa de mapear empiricamente processos de constituição de novos sistemas comunicativos, há uma nova diferenciação em relação ao entorno e na autoconstrução da identidade científica da nova disciplina35.

O entorno da época é importante para compreensão dos processos internos da ciência. Na década de 1960 proliferam os movimentos de contestação e contra-cultura. A diferenciação funcional das disciplinas que contestam os programas do estrutural-funcionalismo pressupõe a abertura cognitiva à irritação do entorno

31 No mesmo sentido, mas contextual e cronologicamente diferente do que é aqui referido: Schütz (1993); Berger e Luckmann (1999). 32 Veja, por exemplo, as técnicas de pesquisas criadas pela Escola de Chicago ao longo da primeira metade do século XX. 33 A única função do direito é a estabilização de expectativas normativas. Controle é apenas uma prestação, pois diversos outros equivalentes funcionais podem atuar como forma de controle (Luhmann, 2005, p. 182 e p. 218). 34 Até que ponto a obra seminal de Becker pode ser considerada uma ruptura com a sociologia do comportamento desviado? Parece mais adequado que Becker, ao questionar os processos de criminalização, não abandona as relações de subjetividade entre os envolvidos, os significados na construção social das práticas, suas opções e dilemas (Becker, 2001, cap. 10). Ver também extensa referência ao movimento em Larrauri (1992, pp. 25-36). 35 Quando a comunicação anula uma expectativa, assinalando como falsa a sua informação, gera a pergunta sobre o que seria verdadeiro (Luhmann, 1996, p. 195).

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e à complexidade e processos evolutivos de outros sistemas sociais, como a política, a economia e o direito. As irritações não são irrelevantes para os subsistemas criminológicos36.

A reorientação metodológica passa pela distinção de modelos anteriores e críticas ao déficit de cientificidade em relação à escassa problematização do direito penal ou uma visão ontológica sobre o direito positivado. De fato, no processo de auto-referência dos subsistemas anteriores (criminologias), o direito penal positivado (e o direito positivo de forma geral, assim como a constituição) surge como forma de acoplamento estrutural entre o sistema político, o sistema jurídico-penal e os subsistemas criminológicos. Os significados são distintos para cada um dos subsistemas, obviamente (policontextual). Para o sistema político o direito penal positivado é política em ação (instrumental ou simbólica). Para o sistema jurídico-penal o direito é programa que permite o seu fechamento operacional e a autopoiese. Para a criminologia rotulada como tradicional, tanto positivista quanto sociológica, o direito é um dado empírico (referência) para a análise dos desvios em relação à norma, seja nos processos comunicativos centrados na autodescrição biológica, psicológica ou sociológica. Nesta última visão (Etiquetamento) há uma distinção relevante, pois o direito penal positivado já não é um “dado operativo” ou ponto de partida, mas é redefinido como elemento construído a partir da interação social, criação e aplicação de etiquetas. Em outras palavras, surge como objeto de pesquisa, na forma de novos programas teóricos e metodológicos37.

No final da década de 1960 e princípios da década de 1970 estabilizam-se novos subsistemas comunicativos sobre o crime, o criminoso e o comportamento desviado (Garland, 2001, pp. 66-67; Van Swaaningen, 1997, pp. 74-107)38. A diferença em relação ao entorno, e especialmente a distinção em relação às teorias do Etiquetamento, surgem na comunicação de uma visão instrumental (marxista) sobre o direito penal (Larrauri, 1992, pp. 54-66 e pp. 118-142). Os movimentos sociais muitas vezes são fundamentais na redefinição dos significados de uma determinada prática social e também produzem irritação aos sistemas sociais. Não há aqui espaço para a descrição detalhada do que se constituiu o National Deviance Conference e o seu papel na produção de novos debates sobre a pesquisa criminológica (entorno objetivo e psíquico)39. Para os fins deste artigo, é suficiente mencionar a importância das novas reflexões epistemológicas e metodológicas sobre o objeto da pesquisa criminológica (novo significado sobre o crime e a criminalização). A crítica às tradições anteriores e um certo ceticismo em relação ao discurso da ciência e do direito juntam-se à defesa de uma política criminal alternativa. A mensagem que se estabiliza sinaliza interpenetração entre ciência e política; a redefinição do espaço da ciência (Spencer Brown) surge a partir da complexidade da política (Luhmann, 1990 a, p. 354; Luhmann, 1996, p. 403). A complexidade da política (codificação e programação) é usada pela comunicação científica para conectar argumentação teórica (pouca pesquisa empírica em um primeiro momento) com a proposta de ações concretas de intervenção social (codificação parasitária, Andersen, 2003, p. 179)40.

Porém, não há como não sugerir certa aproximação41 com a moral e com a política na comunicação que se estabiliza no final da década de 1970, em alguma das manifestações recorrentes do novo modelo42. A incorporação da práxis como elemento teórico sugere, por exemplo, a autodescrição do subsistema criminologia crítica e a criação de nova estrutura a partir da complexidade do sistema político (re-entry). A corrente crítica britânica (início do movimento) e o Realismo de Esquerdas (posterior versão pragmática), que surge como contraposição a um pretenso Idealismo de Esquerdas, parece traduzir parte deste aludido processo 36 As influências externas afetam não a autonomia dos sistemas, mas o seu grau de diferenciação e a complexidade intra-sistêmica (Luhmann, 1996, p. 212). 37 “Un escondite famoso para los científicos sociales es la crítica ideológica. (…) Pero precisamente por ello es notable que también aquí, según el ideal de Marx, hay que basarse en deformaciones de la vivencia causada por los intereses, y no en los fines de la acción, y que sólo así se puede presentar como ciencia” (Luhmann, 1996, p. 162). 38 Os autores (Garland e Van Swaaningen) não analisam o movimento sob uma ótica sistêmica. Enfatizam aspectos conjunturais e contextuais do movimento, suas variações regionais e opções teóricas. 39 Conferir extensa referência ao movimento e como são articuladas as reflexões sobre os novos caminhos para a pesquisa criminológica (Van Swaaningen, 1997, pp. 51-107 e 97-207; Larrauri, 1992, p. 67-75). As percepções geram, assim, novas comunicações sobre o crime, o criminoso e o controle. 40 A comunicação parasitária é caracterizada pela existência de um sistema com código próprio, que se utiliza ademais, de código de outro sistema social, de forma suplementar, para que o sistema alcance seus próprios fins (Andersen, 2003, p. 179) 41 Se no lugar da codificação verdadeiro/ falso aparece a diferença bom/ mau ou útil/ nocivo, a comunicação não ocorre no sistema ciência (Luhmann, 1996, p. 223). 42 Certamente, há imensa literatura a respeito. Ver as diferentes tradições da criminologia crítica (nova ou radical, dependendo do contexto). Sobre os caminhos do movimento na Europa ver, especialmente: (Van Swaaningen, 1997, pp. 50-217; Young, Taylor e Walton, 2001, pp. 286-286). Na América Latina, ver, especialmente, a evolução da disciplina e a ressonância do entorno objetivo (político e econômico) da época (ditaduras militares e resquícios da dominação colonial): (Aniyar de Castro, 1987; Bergalli, 1989; Santos, 1981).

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e intenso comprometimento com um certo projeto político, ainda que marcado pelo retorno a uma leitura ontológica sobre o direito penal (acoplamento estrutural) e sua função em uma política criminal alternativa (Lea, 2002; Matthews e Young, 1992; Van Swaaningen, 1997, pp. 197-201). A substituição da prática reabilitadora pela práxis revolucionária de conscientização sobre as condições estruturais (econômicas) do início dos anos 1970 cedeu espaço para visões mais pragmáticas do ponto de vista político-criminal, o que nem sempre contava com a adesão de parte da comunidade dos críticos (ruído interno) (Larrauri, 2000, pp. 236-243; Van Swaaningen, 1997, pp. 197-201).

As diferentes correntes e os debates entre as principais lideranças do movimento, do ponto de vista sistêmico, podem ser descritos como irritação ao subsistema criminologia crítica43. Esta reflexão não é descabida, pois sugerida na auto-análise e autocrítica sobre possível desorientação epistemológica, o que levou até mesmo à proposta de mudança da identificação da disciplina (reflexividade) e reconstrução de sua identidade científica (sociologia do controle penal), diferenciando-se em relação à criminologia tradicional - o adjetivo crítico não seria suficiente! - (identidade a partir da diferença, conforme Spencer Brown) (Bergalli, 1985 e 1989; Martinez, 1990; Novoa Monreal,1985; Pavarini, 2004)44.

A redução de complexidade das disciplinas criminológicas críticas (todas as suas variações) também se dá com a estabilização de novas estruturas que permitem mais reflexividade, tais como a incorporação de teorias de gênero e de discussões sobre a raça e o racismo (crítica à comunicação positivista) para análise do crime e dos processos de criminalização (tornando mais complexa a visão predominantemente marxista) (Baratta, 1999b; Bergalli e Bodelón, 1989; Duarte, 2002). A crítica sugere, também, que determinadas versões da política criminal alternativa comunicada pela disciplina criminologia feminista (um novo subsistema?) teria justificado mais criminalização e seletividade do sistema de justiça criminal (Andrade, 1999; Bergalli e Bodelón, 1989; Larrauri, 1992, pp. 216-230). As mensagens podem ser resumidas na comunicação crítica: a denúncia aos usos instrumentais do direito penal para a gestão de problemas sociais (imigração, pobreza, etc.); a seletividade do sistema de justiça criminal (programa inicial que não foi abandonado); a crítica ao giro autoritário das políticas criminais, especialmente nos Estados Unidos e na Europa após o 11 de Setembro. Porém, persiste uma tensão interna em face de uma vertente muito mais pragmática (busca de causas sociais dos delitos) e que aposta na possibilidade de políticas alternativas e, em alguns casos, no uso estratégico do direito penal45.

3. 4 O SUBSISTEMA CRIMINOLOGIA ATUARIAL: NOVAS MENSAGENS SOBRE O CRIME E O DIREITO PENAL

O referido período (década de 1980) coincide com a estabilização do retrato identitário do direito penal na forma de penas aflitivas (Pires, 2003)46. O movimento descrito como neo-retribucionista (Von Hirsch, 1997) marca não apenas a identidade do direito penal, mas sugere os possíveis significados do direito penal para a política. Na diferenciação funcional do sistema jurídico-penal, estabilizam-se artefatos semânticos da dogmática que traduzem as novas mensagens do entorno objetivo e psíquico47. A mensagem punitiva não se distancia de uma reconstrução semântica do castigo institucionalizado, cuja identidade diferencia-se (e se distancia) da mensagem ressocializadora, estabilizando-se em enunciados conhecidos pelo rótulo da “Tolerância Zero” (a racionalidade do controle e da exclusão) (Wilson e Kelling, 1982).

43 A corrente abolicionista não deve ser ignorada, pois foi relevante na evolução da comunicação crítica (Van Swaaningen, 1997, pp. 116-130). Certamente, a mensagem abolicionista produziu irritação nos demais subsistemas criminológicos, provocou ressonância nas disciplinas críticas (evolução e mais complexidade) e ruído no subsistema jurídico-penal. As evidências não se encontram, contudo, no entorno, mas nos mecanismos de variação e seleção de cada um dos sistemas sociais observados. Exemplo disso são as teorias e reflexões sobre os caminhos propostos com a abolição do sistema de justiça criminal. O garantismo penal pode ser descrito, assim, como artefato semântico (teoria jurídica) que surge neste contexto de intensa crítica ao direito penal e esforço de limitação e legitimação do poder punitivo. 44 Alguma experiência pessoal é válida para as reflexões que aqui fazemos (observação participante). Entre 2001 e 2005, como parte dos programas do Master

Europeu em Criminologia Crítica e do Doutorado em Sociologia Jurídico-Penal pela Universidade de Barcelona participamos diretamente de alguns dos debates, sendo possível mapear diferenças significativas entre os discursos criminológicos críticos em seminários organizados entre universidades que integram o mesmo programa em Criminologia Crítica e Justiça Criminal na Europa (Atenas, em 2002 e Barcelona, em 2004). Impossível não identificar um intenso ruído entre a narrativa do grupo inglês e o discurso do grupo espanhol (Barcelona), por exemplo. Tais discursos sugerem sistemas comunicativos concorrentes sobre a ciência e seus programas (Contrastar com análise de Nobles e Schiff [2001] sobre os sistemas concorrentes [jurídico X policial] em análise empírica da atividade da Polícia). 45 As variações teóricas que se contradizem podem sobreviver até que outras modificações teóricas abram oportunidades para a estabilização de novas estruturas que não admitam a conclusão de que as diversas versões são igualmente verdadeiras (Luhmann, 1996, p. 412). 46 O que é resultado de um processo muito mais longo e anterior ao que fazemos referência, conforme descrito detalhadamente por Pires (2003). 47 A crise de meados da década de 1970 marca o fim de um período de crescimento econômico e acirra a discussão sobre a intervenção do Estado na economia. As políticas públicas voltadas à ressocialização, consideradas cara e ineficientes, são atacadas por diversas frentes (academia, política, etc.).

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Um novo sistema comunicativo parece surgir em face desta nova complexidade (e para reduzir a complexidade): o subsistema criminologia atuarial (Managerialism). A diferença fundamental em relação aos subsistemas anteriores aparece na distinção a partir de um novo olhar sobre o crime e o criminoso. Não se trata de identificar as causas ou de prever o comportamento delituoso. A mensagem é diminuir os riscos e as oportunidades para a prática do crime. Este é o retrato identitário do subsistema criminologia atuarial. Nesta diferenciação em relação ao entorno, o direito penal novamente surge como dado indiscutido, prévio, determinado. O paradoxo da redução de complexidade está exatamente na produção de mais complexidade, com a incorporação de novos programas, tais como o uso de técnicas securitárias para análise de riscos48. No novo modelo, descrito de uma forma mais ampla como “Nova Penalogia”, o foco orienta-se para os grupos de risco e não para o indivíduo (Garland, 2002; Feeley e Simon, 1993; Simon, 1998; Young, 1999).

Não se tratam de sistemas excludentes ou sucessivos, mas concorrentes. No processo de diferenciação interna da ciência (subsistemas), especializam-se disciplinas que comunicam sobre o criminoso e a etiologia do comportamento criminoso, tendo como objeto o corpo humano (biológico ou psíquico) (Jalava, 2006; Walby e Carrier, 2010). Da mesma forma, a criminologia sociológica não foi sepultada pela “revolução paradigmática” (Matsueda, 2006; Ferrell, 1999). Os sistemas criminológicos passaram por processos de diferenciação em relação ao entorno e se tornaram mais complexos (para reduzir a complexidade) e estabilizam-se novas disciplinas, como a criminologia cultural (Ferrel, 1999). Da mesma forma, o subsistema criminologia crítica não desapareceu com o subsistema criminologia atuarial – ao contrário, parece estabilizada na atualidade como crítica às mensagens criminológicas dos demais subsistemas e irritação ao sistema jurídico-penal49; convivem e comunicam de forma distinta, marcando identidades em relação ao entorno (Van Swaaningen, 1997, pp. 135-169 e pp. 191-217; Young, 1999, pp. 121-166). E as mensagens podem produzir irritações nos sistemas sociais, o que depende de processos internos e da tradução aos respectivos códigos50.

4. POLÍTICA, DIREITO PENAL E CRIMINOLOGIA: UMA ABORDAGEM AUTOPOÉTICA

A teoria sistêmica permite outro olhar sobre possíveis acoplamentos estruturais e irritações recíprocas entre os sistemas. As relações de causalidades são substituídas por processos circulares, sem uma relação direta e determinista. De outro ângulo, cada sistema social depende que outros cumpram suas funções sociais, o que sugere novas possibilidades de análise (observação)51. A tarefa apresenta, contudo, limitação importante, caso se aceite que a única posição de observação competente da ciência é a partir da ciência mesma (Luhmann, 1996, p. 226). Se não é possível ao observador externo ver como o sistema se relaciona com o exterior, a não ser colocando-se na posição de auto-observação do sistema, resta esta última posição ou, ao menos, estimular alguma irritação ao sistema (criminologia) e novos processos comunicativos.

O ponto de partida é considerar que o sistema apenas vê (e observa) a partir de seus códigos próprios. Identificar certo viés racista e classista na formulação teórica lombrosiana parece dominar certa visão criminológica crítica (Anitua, 2005a, p. 184). A pretensão de enquadrar o comportamento social a determinados padrões de conduta, rotulados como normais, e a pretensão de que existe uma cultura que se amolda a valores e interesses comuns (estrutural-funcionalista) e subculturas desviadas (Parsons, 1997) também parecem inseridas na crítica aos desígnios do poder (Foucault, 1987). Alude-se, assim, aos discursos da ciência (saberes/ poderes) como forma de dominação/ disciplina (Foucault, 1987).

Apontar eventual sintonia dos paradigmas científicos com interesses de grupos sociais soa, contudo, como um truísmo. Não explica, por exemplo, os processos internos dos sistemas sociais, a evolução e a estabilização de novas estruturas, nem sugere como estas reagem à irritação do entorno. A criação de novos 48 A estabilização de novos programas sugere interpenetração com outros sistemas sociais, incorporando-se técnicas e metodologias de outras disciplinas. 49 A comunicação criminológica crítica pode ser identificada em diferentes espaços sociais: os congressos que discutem e criticam os usos instrumentais do direito penal para gestão de problemas sociais, a criminalização da pobreza, entre outros. A ocupação de postos na política e de espaços nos meios de comunicação já foi analisada por especialistas (Van Swaaningen, 1997, pp. 135-169). A consolidação de intérpretes do paradigma em departamentos de direito (Europa continental e América Latina) ou nos departamentos de ciências sociais (Reino Unido e Estados Unidos), assim como a produção de pesquisas e reflexões teóricas (na forma de publicações) constituem-se em exemplos concretos da crítica criminológica (Van Swaaningen, 1997). 50 Os atavismos da criminologia positivista traduzem-se nos monstros da “Nova Penalogia”; a incapacitação surge como alternativa para gerenciamento dos riscos (Simon, 1998). 51 A ciência depende que a política garanta a paz social, que os conflitos jurídicos sejam devidamente equacionados, que a economia funcione, etc (Luhmann, 1996, p. 441 e ss).

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programas científicos e novas estruturas torna muito mais complexa a operação interna do sistema (recursividade). Por outro lado, não deve ser desconsiderado o re-entry entre sistemas sociais. A complexidade sistêmica pode ser mutuamente compartilhada entre os sistemas sociais (interpenetração) (Luhmann, 1990a, p. 354; Luhmann, 1996, p. 403)52. Eventuais pontos de contato podem levar a novos processos demarcatórios das zonas limítrofes entre sistema e entorno (Spencer Brown, 1979).

O que apresentamos, em seguida, são reflexões introdutórias, que demandam futuro aprofundamento; o objetivo é sugerir possíveis caminhos para pesquisa e construção de referenciais cognitivos para análise dos discursos sobre o crime, o direito penal e a política.

4.1 SISTEMA POLÍTICO E SISTEMA JURÍDICO: LEGISLAÇÃO E DECISÕES PROGRAMADORAS A abordagem autopoiética sugere referenciais cognitivos distintos para análise das possíveis conexões

entre política, direito e sistemas sociais submetidos à regulação pelo direito penal53. A observação do sistema político permite outras análises sobre as interdependências com os subsistemas criminológicos e sistema jurídico-penal. Na diferenciação funcional da política e do direito, a constituição e o direito positivado constituem-se em acoplamentos estruturais. Para o sistema jurídico, são programas que permitem a sua autopoiese. Para o sistema político, o direito positivado e a constituição assumem o papel de política em ação, instrumental ou simbólica (Luhmann, 2005, p. 482 e p. 548).

Os processos decisórios da política e do direito dividem-se em programadores e programados, respectivamente. A produção legislativa refere-se à primeira modalidade, inserta em um contexto de extrema complexidade. Atua no espaço tridimensional do sistema político, que engloba o Estado, o público e a administração pública. O legislador tem, assim, elevada capacidade cognitiva. A decisão judicial, por outro lado, é programada, operando em ambiente com complexidade já reduzida pela positivação do direito. As referências cognitivas são limitadas àquilo que reservam as decisões programadoras.

O legislador e o juiz se defrontam com distintos programas e técnicas de processo decisório. Enquanto o legislador controla sua agenda e seleciona os temas sobre os quais tem intenção de decidir, o juiz não controla as causas encaminhadas ao judiciário (non liquet). As limitações instituídas ao legislador são assim menores que as estabelecidas ao juiz. O legislador tem no eleitorado o seu mecanismo de controle por excelência (vertical) e suas decisões são operadas a partir dos critérios governo/ oposição, enquanto o juiz busca o fundamento de sua decisão na validez do ordenamento jurídico, estando sua argumentação embasada no código direito/ não direito. O legislador atua com finalidade ampla e aberta, cujas decisões são constantemente submetidas a correções. As pressões de grupos organizados são interpretadas como parte do jogo político e perfeitamente legítimas (Campilongo, 2002, p. 103-107; Luhmann, 1990b, pp. 104, 126-127 e 261-262).

4.2 A EXPANSÃO DO DIREITO PENAL NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA: UMA INTERPRETAÇÃO Uma das interpretações sobre expansão do direito na sociedade contemporânea, diferenciada

funcionalmente, relaciona o elevado grau de complexidade dos sistemas sociais e a irritação provocada ao sistema jurídico. Este é sobrecarregado com irritações que levam à expansão do direito positivo, de forma que a pressão social exercida sobre o sistema jurídico aumenta sua complexidade, dificultando a capacidade decisória desse sistema (Luhmann, 1990b, p. 333).

Uma das explicações difundidas atualmente é a que busca as causas do fenômeno na nova configuração do modelo social, nas duas últimas décadas (Silva Sánchez, 2001). As possíveis causas da expansão do direito penal, em especial na última década, seriam dois grupos de fatores: fatores objetivos – como os novos interesses definidos pela doutrina como bens coletivos e difusos, o aparecimento de riscos decorrentes do desenvolvimento de novas técnicas na indústria, na biologia, na energia nuclear, nas telecomunicações e a institucionalização da insegurança, diluída em uma sociedade cada vez mais complexa – e fatores subjetivos, constituídos especialmente pela sensação de insegurança potencializada pela mídia e pelas próprias instituições públicas (Silva Sánchez, 2001).

52 Oferecimento da complexidade de um sistema para a construção de outro sistema (Luhmann, 1990a, p. 354; Luhmann, 1996, p. 403). 53 Além disso, cada sistema depende das funções cumpridas por outros sistemas sociais (Luhmann, 1996, p. 449).

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Nesse contexto social, proliferam demandas pela ampliação da proteção penal, flexibilizando o direito penal clássico. Multiplicam-se as demandas de criminalização em matéria ambiental, econômica e corrupção política. A sociedade passiva típica do Welfare State, ao contrário da sociedade industrial do século XIX, mostra-se cada vez mais resistente à aceitação do chamado risco permitido, definindo-se muitas liberdades como "liberdades perigosas" e identificando a maioria social como vítima do delito. Tal diagnóstico completa-se com o descrédito de outras instâncias de proteção, em especial a ética social, o direito civil e o administrativo. Nessa interpretação, o fenômeno não se deve unicamente à instância estatal, como solução fácil aos problemas sociais, deslocando-se ao plano simbólico o que deveria ser resolvido no plano instrumental. Suas causas relacionam-se à nova configuração do modelo social nas duas últimas décadas e às mudanças do papel do direito penal para diferentes setores sociais (Silva Sánchez, 2001). Ao contrário do movimento law and order de décadas anteriores, marcado pela ênfase sobre a criminalidade patrimonial, o qual enfrentou forte resistência de movimentos de defesa dos direitos humanos e amplo debate sobre a função do direito penal, a expansão do direito penal na atualidade aparentemente é representada de forma positiva (Silva Sánchez, 2001, p. 22-24)54.

A interpretação que busca mapear possíveis causas da expansão penal relaciona distintos fatores que atuariam de forma concorrente. Ao identificar um certo consenso sobre as virtudes do direito penal não se esclarece, contudo como o sistema político traduz tais demandas aos seus códigos próprios. Mas sugere possíveis caminhos a serem explorados.

4.3 SABERES E DISCURSOS DA CIÊNCIA: TRADUÇÃO AOS CÓDIGOS DA POLÍTICA As interdependências entre os saberes criminológicos e a política são complexas. Os discursos

criminológicos podem produzir irritação para o sistema político (dado interno e não do entorno); este, contudo, não comunica de acordo com os códigos dos subsistemas criminológicos. A abertura cognitiva não significa a colonização do sistema político pelos subsistemas da criminologia. As informações são processadas de acordo com os códigos da política (governo/ oposição) (governante/ governado)55.

De fato, a literatura sugere que pode haver influência de comunidades epistemológicas de criminalistas e criminólogos na produção do direito penal (Enguéléguélé, 1998; Gracia Blanco, 1998; Machado, 2004b). As decisões do sistema político são mediadas pela tradução de diferentes discursos sobre as funções do direito penal. A resposta não se resume, contudo, a lobbys ou grupos de poder que veiculam determinados interesses de empresários morais (atípicos ou não!).

A forma como o sistema político abre-se cognitivamente às comunicações dos sistemas criminológicos concorrentes está relacionada às estruturas e artefatos semânticos da política. Na política, por outro lado, não é rara, por exemplo, a utilização de codificações parasitárias. Embora a racionalidade seja científica, a codificação é política, na medida em que a comunicação busca a verdade como justificativa para decisões políticas e nunca coloca em questão a verdade por meio do falseamento (Andersen, 2003, p. 179).

A autopoiese da política opera-se pelo paradoxo: o sistema apenas é fechado porque é aberto. A abertura cognitiva é condição para o seu fechamento operacional. Para o sistema político, os discursos sobre o crime e a pena só fazem sentido a partir dos códigos e programas da política. Uma análise sistêmica deve, contudo buscar a compreensão a partir da própria identidade e diferenciação interna do sistema político. Na dimensão funcional, o direito (inclusive o direito penal) é política em ação: simbólica e instrumental. Legislar criando novos tipos penais, descriminalizando ou endurecendo as penas é política em ação56.

54 A expansão penal é potencializada pela globalização econômica e pela integração supranacional, as quais passaram a exigir do direito penal demandas práticas na abordagem da criminalidade (Silva Sánchez, 2001, pp. 81-82 e 90-91). 55 Certamente, uma proposta tentadora seria tentar identificar a influência da criminologia na política e no direito penal, tarefa que alguns já se arriscaram (Souza, 2007). Os escritos de Garofalo sugerem tentativa de tradução do discurso médico à linguagem jurídica. A categoria periculosidade surge como conceito descritivo para as situações de perigo geradas pelos atavismos e outras aberrações humanas. Na elaboração teórica do jurista, o conceito também se constitui em distinção útil para o sistema jurídico. A incorporação às legislações (programa do sistema jurídico) possibilita a operacionalização jurídica de conceito híbrido, fortemente influenciado pela razão médica (fronteiras entre o direito e a criminologia) (Garofalo, 1908, pp. 82-85). Por outro lado, a mensagem não deixa de ter um componente político (política penal), na medida em que propõe ações concretas em relação aos sujeitos perigosos (comunicação política). 56 A descrição é elucidativa: "(...) la macchina legislativa viene avviata politicamente e fornisce uno dei grandi meccanismi con i quali la politica si trasforma e raggiunge un successo immediatamente visible che è costituito, appunto, dalle leggi. Pressuposto di questa cooperazione è e rimane però la differenziazione dei sistemi. L'esito complessivo perderebbe il suo senso se il diritto no fosse altro che politica applicata o la politica nientr'altro che la costituzione attuata" (Luhmann, 1990b, p. 148-149).

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Pesquisas empíricas sugerem que nos últimos anos houve tendência de endurecimento das penas por políticas que traduziriam a linguagem da criminologia da intolerância (faceta criminológica da política de Tolerância Zero) (Wilson e Kelling, 1982) e demandas por suposta proteção punitiva de direitos fundamentais (movimentos feminista e ambientalista) (Larrauri, 1992, pp. 216-230). Ao que parece, contudo, não há uma relação direta de causalidade. A utilização dos programas de Tolerância Zero mostra muito mais a racionalidade da política que a sua colonização por um certo discurso da criminologia, o que parece evidenciado na implementação de políticas de segurança pública na América Latina57. Os subsistemas criminológicos podem produzir, assim como outros elementos do entorno, ressonância e irritação ao sistema político. A metáfora dos Think Tanks representa, assim, apenas retoricamente o rolo compressor que simboliza a colonização da política pela criminologia da intolerância, pelo Atuarialismo e pelas novas políticas do castigo.

Por outro lado, os novos discursos da intolerância parecem soar compreensíveis e de fácil tradução aos códigos da política contemporânea, especialmente quando acompanhados de supostas evidências empíricas na redução de índices de criminalidade58, ainda que à custa do incremento dos índices de encarceramento (novas racionalidades punitivas). A mensagem crítica, por outro lado, em algumas de suas manifestações, também já sugeriu a criminalização em programa de política penal alternativa59. A estabilização da comunicação crítica descriminalizadora e despenalizadora requer, ao que parece, mais elementos de tradução (apelos).

O público certamente é um referencial importante da política e não pode ser desconsiderado. A racionalidade simplificadora da linguagem técnica e científica (tradução aos códigos da Mídia) pelo sistema Mídia não deixa também de produzir irritação sistêmica. Não raramente, as visões sobre o crime e os discursos sobre o criminoso e sobre as penas são mediados (e simplificados) pela ótica midiática (Garland, 2001, pp. 85-87; Machado, 2004a; Nobles e Schiff, 2004; Young, 1999, p. 128-130). A demanda por respostas pragmáticas pela política e pela Mídia (ajustas aos respectivos códigos) pode sugerir maiores dificuldades na tradução da mensagem crítica a estes sistemas sociais (Nobles e Schiff, 2004)60. Não parece absurda a afirmação de que o discurso atuarial oferece uma maior intelecção e requer menores esforços para compreensão sobre sua aplicabilidade e eficiência. O que não deixa de conferir certa razão, exatamente por isso, à análise de Garland sobre a dominação da cultura do controle nas práticas sociais e na política contemporânea (Garland, 2001, pp. 197-205).

A política criminalizadora do risco (criação de novos tipos penais) (Silva Sánchez, 2001), por exemplo, gera irritação e processos internos no sistema jurídico. Os limites da regulação jurídica de outros sistemas sociais geram controvérsias entre os autores que buscam na teoria sistêmica explicações para a política legislativa contemporânea. A política, como sistema autopoiético, tem como função propiciar decisões vinculantes à sociedade. A tentativa, assim, de resolução de problemas internos de outros sistemas sociais, conduziria a processos de hiperjuridificação, acompanhados de déficits de aplicação e efeitos não previstos. Uma das interpretações possíveis para a expansão do direito na sociedade contemporânea, diferenciada funcionalmente, relaciona o elevado grau de complexidade dos sistemas sociais e a irritação provocada ao sistema jurídico. Este é sobrecarregado com pressões que levam à expansão do direito positivo, de forma que a pressão social exercida sobre o sistema jurídico aumenta sua complexidade, dificultando a capacidade decisória desse sistema (Luhmann, 1990b, p. 333)61.

Nesse contexto, surge uma leitura pessimista sobre as possibilidades de uma política legislativa em face da autopoiese própria dos diferentes sistemas sociais, os quais traduzem o direito a partir de seus códigos

57 Conferir análise da construção do conceito de segurança pública nos Distritos Federais do Brasil e México e, especialmente, os usos políticos da etiqueta “Tolerância Zero” (Zackseski, 2006). 58 Ver especialmente o questionamento sobre a Tolerância Zero e sua influência nos níveis de criminalidade (Young, pp. 124-128). 59 O engajamento político da corrente crítica, por exemplo já foi acusado de sugerir processos de criminalização diferenciada (Baratta, 1999a, p. 202; Larrauri, 2000, pp. 236-243). A acusação não parece acertada, contudo. A forma como o sistema político abre-se cognitivamente às comunicações dos sistemas criminológicos concorrentes está relacionada às estruturas e artefatos semânticos da política. 60 Referimos aqui à mensagem crítica que aposta em medidas descriminalizadoras e despenalizadoras. Certamente, o retrato identitário do direito penal moderno (punitivo) condiciona os olhares e a recepção das mensagens sobre o crime pelos programas da política (Pires, 2003). Conferir estudo sobre o caso brasileiro, especialmente a análise das razões apresentadas por parlamentares para agravar as penas (Gazoto, 2010, p. 273 e ss). 61 A explicação dada pelo enfoque luhmanniano não é, obviamente, a única. Habermas identifica a expansão do direito na sociedade atual como manifestação da colonização do mundo da vida pelo direito (Habermas, 1999, p. 502).

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próprios. Uma possível alternativa, proposta por Teubner, aposta em uma mudança em alguns pressupostos do modelo sistêmico, a partir do conceito de direito reflexivo. O esforço de regulação social apenas teria êxito se superado o “trilema regulatório”62. O direito reflexivo surge, assim, como alternativa para os espaços de regulação pelo direito, não se sobrepondo à lógica de cada sistema social, mas regulando a autonomia dos sistemas, por meio de mecanismos procedimentais e democráticos, o que pressupõe alterações muito importantes no modelo teórico luhmanniano, como o ponto de partida de que os sistemas são operacionalmente fechados. A proposta de Teubner parece sugerir a capacidade dos sistemas em colocar em questão sua própria identidade e perceber que outros sistemas atuam em relações de interdependência, como se os sistemas adotassem pontos de referência que não os seus (uma visão altruísta dos sistemas sociais) (Teubner, 1989).

O crescimento da legislação penal na área econômica, com a criação de tipos penais e novas tentativas de regulação de condutas por meio do controle punitivo gera, certamente, déficits de aplicação e críticas ao direito penal moderno. O direito reflexivo não surge como dado empírico observável neste campo específico. Sobrecarrega-se o sistema jurídico e nem sempre as promessas de regulação social surtem os efeitos desejados. A própria dinâmica interna (operação própria) do sistema jurídico parece revelar o intervalo entre as decisões vinculantes da política e os efeitos no sistema social pretensamente regulado pela legislação penal.

Um exemplo concreto permite a visualização dos limites da ampliação das políticas de controle penal63. Tivemos a oportunidade de abordar parte deste processo em pesquisa empírica sobre a produção da Lei 9605/1998 (Lei de Crimes Ambientais). O debate jurídico-penal entre duas concepções sobre as finalidades do direito penal é um dos aspectos relevantes para nossa análise64.

O anteprojeto que nasceu da Comissão de juristas do Ministério de Justiça compartilhava uma determinada visão do direito penal como instrumento de proteção do meio ambiente. A concepção minimalista do direito penal aparentemente era afastada ao se privilegiar a visão funcional do direito penal como mecanismo de controle de condutas. A lei sancionada não decorre porém, da recepção pura e simples de um documento que plasma a visão de uma determinada comunidade epistemológica (Machado, 2004a)65.

A aprovação da lei supõe a tradução aos códigos da política, pela mediação dos discursos ambientalistas e uma visão instrumental (e simbólica) sobre o direito penal - direito penal dos ambientalistas, na alusão a uma suposta invasão à reserva de mercado - à lógica da política66. Não parece adequado sugerir que a mensagem punitiva tenha prevalecido sobre a lógica da política. A aprovação do texto final parece evidenciar como a comunicação política (governo/ oposição) foi determinante na definição das figuras típicas e penas67.

4.4 SABERES E DISCURSOS DA CIÊNCIA: TRADUÇÃO AOS CÓDIGOS DO DIREITO Se o sistema político cria novos programas (ou exclui) para o sistema jurídico, a dogmática penal e as

teorias sobre a pena constroem artefatos semânticos que permitem a autodescrição e redundância do sistema jurídico-penal diante de novos programas criados. No modelo sistêmico a dogmática não se constitui em sistema, mas expressão da necessidade de argumentar juridicamente mediante conceitos. Os conceitos

62 O trilema regulatório é descrito em sua tripla manifestação: o predomínio do sistema político (sobrepolitização), com desajustes no sistema regulado, traduzindo unicamente uma função simbólica da legislação; o predomínio do jurídico , descrito como “sobrelegalização” da sociedade e efeitos destruidores sobre o sistema social regulado; prevalência da lógica do sistema que se busca regular – sobressocialização -, com decomposição das estruturas normativas. 63 Segundo o enfoque luhmanniano, a única função do direito é a estabilização de expectativas normativas. Controle é apenas uma prestação, pois diversos outros equivalentes funcionais podem atuar como forma de controle (Luhmann, 2005, p. 182 e p. 218). A construção discursiva sobre o direito penal remete a argumentações que buscam sua legitimação (autodescrição). 64 Utilizamos várias fontes na pesquisa: análise documental dos textos elaborados no Congresso Nacional bem como dos debates entres os parlamentares e notícias veiculadas pelos meios de comunicação sobre o tema; entrevista com representantes de ONG, consultores legislativos e membros da Comissão formada no Ministério de Justiça para proposição do anteprojeto da Lei de Crimes Ambientais (Machado, 2004 a). 65 Vale a pena conferir a discussão sobre responsabilidade penal da pessoa jurídica entre os juristas (construção jurídica) (Machado, 2004 a). Tarefa interessante é acompanhar de que forma o sistema jurídico passou a operar com este novo programa criado pela política (análise jurisprudencial) e a estabilização de conceitos jurídicos que possibilitam a aplicação da norma (reconstrução da dogmática penal) (redundância). 66 Se é certo que havia certo predomínio de juristas ambientalistas, a referida comissão também contou com penalistas reconhecidos (Machado, 2004 a). 67 A votação final ocorreu por meio de acordo de lideranças partidárias. Vale a pena conferir o lobby evangélico para que fosse vetado o artigo que tipificava a poluição sonora; por outro lado, é eloquente o silêncio em relação ao artigo que criou a responsabilidade penal da pessoa jurídica. Na época, houve ampla divulgação do lobby do setor produtivo, especialmente os interesses agrários, para que fosse alterada parcialmente a proposta da Câmara. A mídia deu especial atenção à disputa entre ambientalistas e setor produtivo sobre o texto do projeto de lei (Machado, 2004 a).

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jurídicos não têm a função facilitadora da dedução lógica, mas a de ressaltar distinções funcionais para o sistema jurídico (Luhmann, 2005a, p. 451-452).

Por um lado, os subsistemas criminológicos produzem distintas comunicações sobre o crime, o criminoso e as formas de controle; por outro lado, as teorias jurídicas sobre as penas constroem artefatos semânticos sobre as finalidades da punição institucionalizada. As novas racionalidades punitivas não são indiferentes às mensagens criminológicas. Assim como a estabilização da mensagem preventiva da pena mostra abertura à comunicação criminológica sobre os sujeitos perigosos e o discurso da defesa social, a nova penalogia produz discursos que sugerem proximidade com a mensagem atuarial de controle sobre os grupos de risco.

A evolução da teoria do delito sugere, também, a tradução à racionalidade jurídica da irritação do entorno. A evolução de novas estruturas e a formulação de novos critérios para imputação das condutas são exemplos concretos de novos conceitos jurídicos que ressaltam distinções (Bleckmann, 2007; Jakobs, 2007; Müssig, 2007)68. A referência à dogmática funcionalista não significa, contudo, afirmar que o funcionalismo penal tenha incorporado de forma consistente a teoria sistêmica (García Amado, 2006).

A resposta do sistema jurídico a este processo não é linear. Os processos internos podem levar à não aplicação de um programa pela ausência de suficiente redundância do sistema, traduzida na incompatibilidade dogmática ou constitucional (intra-sistêmica). Os processos circulares do sistema jurídico podem, eventualmente levar à construção de novas categorias jurídicas que permitam a recepção dos novos programas. A teoria jurídico-penal pode desempenhar um papel importante na aferição de critérios de validade das normas. A dogmática penal do risco não deixa de ser funcional (Mendonza Buergo, 2002), assim, em processos de autodescrição do sistema jurídico, na medida em que permite suficiente redundância e condições para a operação do sistema: desparadoxizar o paradoxo69.

O estudo de caso sobre a produção da Lei de Crimes Ambientais (Lei n. 9606/1998) sugere outras perspectivas para análise da influência dos saberes (penais e criminológicos) nas operações do sistema jurídico. As críticas de parte da comunidade dos penalistas à lei remete ao papel da teoria jurídica na produção de artefatos semânticos sobre o direito penal, sua função, aspectos técnico-legislativos e dogmáticos. Coloca em evidência a função das assim denominadas doutrinas e escolas jurídicas, consubstanciadas em publicações e seminários, revelando o papel dos juristas em entorno de grande complexidade social, marcado pela expansão das formas de regulação penal70 (Machado, 2004a; Machado 2004b). Os conflitos entre profissões jurídicas também estão associados à autopoiese dos sistemas sociais. Em outras palavras, o sistema jurídico reconstrói a realidade do meio ambiente a partir de seus códigos. Os juristas desempenham um papel relevante ao criar novos discursos, doutrinas e figuras retóricas com significado jurídico (Rogowski, 1995, pp. 128-129)71

O tema remete a outra questão relevante na análise sistêmica: a autopoiese das organizações, tais como a Polícia, o Ministério Público e o Judiciário. Não há espaço aqui para releitura da seletividade, tema clássico da crítica, a ser reformulada em términos sistêmicos. Parece suficiente mencionar que as organizações, como máquinas decisórias, funcionam também segundo códigos e programas próprios (Luhmann, 1997b). Se é certo que as organizações tendem a incorporar lógicas dos sistemas sociais a que estão diretamente relacionadas, não se trata de uma mera transposição. A existência de sistemas (e não um único) que comunicam de forma concorrente não é indiferente para os processos decisórios. Sugere-se, por

68 Por outro lado, a ênfase de parte do funcionalismo na função do direito penal de estabilização de expectativas normativas não parece encontrar eco em Luhmann. Esta é a função do sistema jurídico e não de um ramo específico do direito (Luhmann, 2005, p. 194). 69 Discute-se sobre a possibilidade de corrupção de códigos na modernidade periférica. Há quem entenda que a exposição às irritações e os contatos com outros sistemas podem também desnaturar a forma de operação própria de cada sistema, gerando a corrupção de códigos. Utilizando-se do modelo sistêmico luhmanniano, Neves (1999) afirma que a modernidade gera distintas conseqüências no centro e na periferia. Enquanto no centro são criadas condições para o surgimento de sistemas sociais autônomos, na periferia são geradas formas autodestrutivas e heterodestrutivas, com a corrupção e a sobreposição de códigos. Outra explicação para o contexto periférico nega a existência de códigos corrompidos. Segundo Campilongo, haveria um "hipercontato intrasistêmico" a impedir o auto-isolamento cognitivo dos sistemas sociais, inclusive do sistema jurídico (Campilongo, 2002, p. 172). 70 Na época houve a produção de vasta literatura dogmático-penal que criticava diversos aspectos da lei: falta de técnica legislativa, administrativização do direito penal, desrespeito aos princípios clássicos do direito penal (tal como a responsabilidade penal da pessoa jurídica) (Machado, 2004 a). 71 Aqui vai um esforço de aplicação analógica. O autor refere-se especialmente às disputas entre advogados e advogados corporativos em face da complexidade do direito e significados do mundo corporativo para o sistema jurídico (Rogowski, 1995, pp. 128-130).

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exemplo, que tais sistemas concorrentes podem levar à não prevalência, por exemplo, da codificação jurídica (Nobles e Schiff, 2001)72.

A influência dos discursos da ciência e da criminologia no sistema jurídico não é direta e sequer inequívoca73. A forma como o sistema jurídico incorpora os saberes é complexa (Nelken, 2006, pp. 598-602; Van Krieken, 2006, pp. 574-590). As comunicações reproduzidas pelas disciplinas criminológicas (subsistemas) geram respostas distintas nos sistemas sociais, pois a irritação relaciona-se a processos internos (evolutivos). Além disso, os discursos científicos também concorrem com o senso comum nos processos operativos do direito (sistema jurídico). Valverde sugere hipótese explicativa: a lógica pragmática do direito admite a co-existência de diferentes epistemologias, segundo a arena legal (Valverde, 2003, p. 15). As diferentes mensagens sobre o crime e o criminoso não apenas concorrem entre si, mas também com outros saberes. O sistema jurídico faz uso dos fatos como evidências e investe na construção de verdades (estruturas semânticas) que permitem a sua autopoiese.

5. CONCLUSÃO

A abordagem autopoiética sugere novas possibilidades de observação de temas de interesse das ciências penais, rompendo a visão de paradigmas sucessivos no campo criminológico; a diferenciação interna entre as disciplinas não gera, em processos evolutivos, invariavelmente, a completa superação dos modelos.

Propomos nesta análise que existem sistemas concorrentes, subsistemas da criminologia, que comunicam sobre o crime e o criminoso. Cada um destes sistemas estabilizou estruturas e acoplamentos estruturais com a política e com o sistema jurídico-penal. Assim, o direito penal (positivado), programa do sistema jurídico-penal, pode ser interpretado como acoplamento estrutural com significados distintos (policontextual) segundo o subsistema observado (criminologia).

Ao contrário da visão que aposta em saberes comprometidos com interesses sociais e políticos do contexto analisado, o modelo sugere que as irritações do entorno possibilitam processos evolutivos e mais complexidade aos subsistemas (disciplinas), não gerando a desdiferenciação funcional do sistema ciência.

A abordagem sugere novas possibilidades de pesquisa, apenas referidas neste artigo: ao analisar a evolução das disciplinas criminológicas, quais são os acoplamentos estruturais que permitem a seleção e a estabilização de determinadas comunicações sobre o crime e o criminoso inteligíveis para os programas e códigos da política? Que artefatos semânticos da teoria jurídico-penal conferem inteligibilidade aos discursos criminológicos e quais as consequências para a autopoiese do sistema jurídico (redundância e variabilidade)?

No processo de diferenciação funcional entre os sistemas sociais (político, jurídico e ciência), constroem-se relações de interdependência e acoplamentos estruturais que levam à estabilização de novas estruturas que reduzem complexidade. Não se trata, assim, de hierarquia entre os sistemas, nem de relações diretas e intercâmbio de informações. Se o sistema não vê que não vê o que não vê, os ruídos do entorno apenas podem gerar ressonância interna a partir de estruturas que permitem a tradução aos códigos próprios.

O resultado final não é o de uma colonização dos sistemas psíquicos pelos sistemas socais, como podem sugerir algumas análises (Bankowski, 2006, pp. 63-80). Ao contrário, há relações de interpenetração (Luhmann, 1990a, p. 354; Luhmann, 1996, p. 403). Criminólogos, penalistas, políticos e jornalistas também podem iniciar processos comunicativos sobre o crime e possíveis formas de controle; e nem sempre a comunicação será científica, jurídica, política ou jornalística. As percepções emitidas pelos sistemas psíquicos podem gerar ruídos e novas estruturas nos distintos sistemas sociais. Nesse sentido, a crítica não é inócua; tampouco sugerimos o imobilismo e o “nothing works”. Se os processos comunicativos dependem das consciências como transformadoras das percepções em comunicação (Luhmann, 1996, p. 164)74, aquelas 72 No sistema jurídico, aos tribunais caberia essa função específica, permitindo o fechamento operacional do sistema. Contudo, "os programas do sistema jurídico não podem determinar completamente as decisões dos tribunais" (Luhmann, 1990c, p. 162). Considerando-se que a legislação e sua aplicação estão constantemente expostas à irritação do sistema político, a politização da magistratura é uma conseqüência inevitável, especialmente em sociedades complexas, onde o Estado passou a ocupar-se de crescente número de atividades, fomentando a produção de leis, fazendo proliferar as cláusulas gerais e potencializando, assim, a discricionariedade na interpretação do direito. Posteriormente, em obra sobre o direito na sociedade, Luhmann sugere dinâmicas que levariam ao insulamento dos tribunais de influências externas, como a organização e a profissionalização (Luhmann, 2005a, p. 390-395). Este parece ser, contudo, uma questão para a pesquisa empírica, e não exatamente um pressuposto teórico. 73 Esta afirmação diverge um pouco da compreensão de Luhmann, no sentido de que os sistemas sociais encontram-se obrigados a admitir conhecimentos científicos, o que levaria a transformações na estrutura do próprio sistema (Luhmann, 1996, p. 258). Trata-se, contudo, de outro tema para a pesquisa empírica. 74 As consciências não se transformam, contudo, em sujeitos da comunicação (Luhmann, 1996, p. 164).

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