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CURSO DE DIREITO “A BANALIZAÇÃO DO INSTITUTO DO DANO MORAL” ANA ELIZE DE ALMEIDA SANTOS DUCCA RA: 514304-5 TURMA: 3109A FONE: 4043-4199 E-MAIL: [email protected] SÃO PAULO 2011 1

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CURSO DE DIREITO

“A BANALIZAÇÃO DO INSTITUTO DO DANO MORAL”

ANA ELIZE DE ALMEIDA SANTOS DUCCA

RA: 514304-5

TURMA: 3109A

FONE: 4043-4199

E-MAIL: [email protected]

SÃO PAULO

2011

1  

ANA ELIZE DE ALMEIDA SANTOS DUCCA

Trabalho de Curso apresentado ao Curso de Direito

do Centro Universitário das Faculdades

Metropolitanas Unidas, como exigência parcial para

obtenção do título de Bacharel em Direito, sob a

orientação da Professora Mestre Renata Giovanoni

Di Mauro.

SÃO PAULO

2011

2  

BANCA EXAMINADORA:

Professora Orientadora:______________________

Professor Arguidor:_________________________

Professor Arguidor:_________________________

3  

Dedico o presente trabalho ao meu marido, que ao longo desses

anos, com muito amor, compreensão e paciência suportou minha

ausência e em especial à minha amada filha, que é a razão do meu

viver, que foi a idealizadora, a maior incentivadora da realização do

meu sonho a essa altura da minha vida.

4  

AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus, meu criador e mantenedor, que até aqui me guiou e me

possibilitou trilhar esse caminho.

Ao meu marido Jorge, amigo e companheiro, que com compreensão e paciência,

por inúmeras vezes se viu sozinho, à noite, nos finais de semana, deixando de passear,

deixando de viajar, suportou a minha ausência, contribuindo assim, para a realização do

meu sonho.

À minha amada filha Bruna, fonte de inspiração, a qual me impulsionou, me deu

força e coragem para seguir em frente, além de grande cooperação com seus

conhecimentos acadêmicos, da sua companhia em meus estudos sempre que precisei.

Aos meus queridos amigos, que me apoiaram e acreditaram em mim, em especial a

Gabriela, a Bruna e o Daniel.

À querida professora, mestre e orientadora Renata Giovanoni Di Mauro, pela

paciência, dedicação, auxílio, ensinamento e compreensão, que foram fundamentais para

a conclusão desse trabalho.

Ao querido professor Jorge Euclides Alves, que teve imensa contribuição para a

conclusão desse trabalho e pela transmissão de seus ensinamentos e conhecimentos.

Aos demais professores que contribuíram para a minha formação acadêmica.

5  

RESUMO

O instituto do dano moral passou por imensas modificações desde que surgiu no ordenamento jurídico brasileiro. Iniciando pela total rejeição do instituto, passando por transformações, chegando a sua consagração. A plenitude se deu, com a previsão contida na Constituição federal. Contudo, atualmente em razão de inúmeras possibilidades de se postular tal indenização, bem como a facilidade de ingresso ao judiciário e da impunidade dos litigantes de má-fé, o instituto se transformou em uma verdadeira indústria, com o propósito de se formular pedidos exorbitantes e sem nenhum fundamento legal, com isso o instituto tem sido usado como forma de obter enriquecimento fácil, visto que há possibilidade de muito ganhar e pouco a perder. Em razão da imensa quantidade de ajuizamento de ações com pedido de indenização a titulo de dano moral, o judiciário que há muito, já se era moroso, hoje está sobrecarregado e se mostra ineficiente na resolução de conflitos. Palavras-chave: Dano. Dano material. Dano moral. Responsabilidade civil. Quantificação. Banalização.

6  

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO....................................................................................................................1

1 O DIREITO E A MORAL ................................................................................................3

1.1 Noções sobre a história do Direito ..............................................................................3

1.2 A função do Direito na sociedade ...............................................................................5

1.3 Moral ...........................................................................................................................6

2 O QUE É DANO? .............................................................................................................9

2.1 Conceito de dano.........................................................................................................9

2.1.1 Dano Material .....................................................................................................10

2.1.2 Dano Moral.........................................................................................................11

2.1.3 Diferença entre dano material e dano moral.......................................................15

2.2 Caracterização do dano moral e mero aborrecimento ..............................................16

3 EVOLUÇÃO DO DANO MORAL ................................................................................18

3.1 Código de Hamurabi e Código de Manu...................................................................18

3.2 Evolução histórica do dano na Grécia e Roma .........................................................19

3.3 Danos morais na Alemanha e França........................................................................21

3.4 Dano moral no Direito americano.............................................................................23

3.4.1 Caso Gore X BMW ............................................................................................27

3.4.2 Caso Stella Liebeck X McDonald’s ...................................................................28

4 O DANO MORAL NO DIREITO BRASILEIRO..........................................................36

4.1 Responsabilidade Civil..............................................................................................36

4.1.1 Responsabilidade civil objetiva e subjetiva........................................................37

4.2 Quantificação do Dano Moral...................................................................................38

4.3 Da banalização ..........................................................................................................43

CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................51 BIBLIOGRAFIA   

 

7  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

8  

INTRODUÇÃO

O presente trabalho teve como objetivo, pesquisar e refletir sobre o instituto do

dano moral, sua história desde a antiguidade até os dias atuais, conceituação, requisitos e

efeitos, a fim de estabelecer a diferença entre o que é o dano moral, ressarcivel pelo

direito e mero aborrecimento, que não comporta em tese, qualquer reparação.

Também abordamos a forma de fixação do quantum indenizatório, onde o juiz

assume um papel de extrema importância, que sempre deve estar atento para o tipo médio

sensível da classe e ainda observar os critérios de razoabilidade e proporcionalidade, para

sem exageros aplicar indenização adequada.

Especificamente, procuramos abordar o aspecto negativo, no que diz respeito à

banalização do instituto, principalmente em sede juizado especial, onde quaisquer

aborrecimentos, simples discussões, em suma, qualquer fato que não foge a normalidade

tem gerado ações com pedido de indenização a titulo de dano moral.

Ressaltando ainda que, algumas dessas ações são julgadas procedentes sem a

devida aferição dos requisitos essenciais da responsabilidade civil e do próprio dano

moral.

Antes de introduzir o assunto propriamente dito, fizemos um breve relato da

história do Direito e a função do Direito na sociedade. Sendo este assunto de suma

importância, visto que o homem necessita viver e participar da vida em sociedade e em

razão de seu desenvolvimento aumenta também as relações entre os homens e

conseqüentemente iniciam-se os choques de interesses.

Desta forma, é imprescindível adotar normas e regras para que se possa disciplinar

e harmonizar tais conflitos.

Por fim, destacamos a grande importância da Constituição Federal de 1988 que

consagrou a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das

pessoas, além da indenização pelo dano moral decorrente de sua violação.

9  

Em razão disso, e da facilidade de acesso ao judiciário, abriu-se um leque de

possibilidades que tem gerado uma grande preocupação no que diz respeito à imensa

quantidade de processos, cujos pedidos são indenizações a titulo de danos morais.

10  

1 O DIREITO E A MORAL

1.1 Noções sobre a história do direito

Tudo o que o homem realiza em função do meio a que ele pertence está

relacionado com o direito. Isso ocorre porque o direito, como manifestação social

constitui instrumento disciplinador de toda a atividade humana, ou seja, o direito é uma

força de contenção dos impulsos individualistas e egoístas do homem. Sua presença é

inevitável no seu grupo social.

Dessa forma, se o grupo evolui, o direito também evolui no mesmo grau, porém

essa evolução não se pode processar de forma brusca nem de etapas isoladas uma das

outras.

As mudanças estão presas a um processo de evolução tanto da sociedade, como do

direito, sendo assim trazem na sua estrutura algo capaz de resistir a tudo o que ocorre no

decurso do tempo, mas sempre haverá relação entre passado e presente.

A verdade é que o presente é uma extensão do passado, ou seja, para que tenhamos

um bom conhecimento de uma legislação depende do bom conhecimento da sua história.

Todo Estado dispõe de ordenamento juridico próprio, composto de normas nas

quais se distinguem determinados valores protegidos pelo direito.

Esses valores, ou bens jurídicos, contam com maior ou menor amparo perante as

respectivas normas que os resguardam conforme a natureza e relevância que estas lhe

emprestaram, no momento em que editadas e em face do ambiente social para o qual se

destinaram e como o substrato social se encontra em continuada alteração, também

aquelas vem conhecendo periódicas mudanças, de acordo com a época e conveniência de

sua manutenção, ou não.

Assim, conforme as exigências de ordem política, econômica ou cultural, um ato

antijurídico, que estava a merecer apenas uma repressão de caráter civil, são colocadas

pelo legislador sob outro prisma de valores, e a necessidade de se proteger a ordem

11  

jurídica provoca, então, uma sanção mais rigorosa para a hipótese ou ocorrer o inverso, e

o ato, embora continue sendo reconhecido como ilícito, deixa de sofrer aquela pena,

passando a ser coibido ou condicionado a outros meios igualmente válidos para o

restabelecimento do direito atingido.

Com isso podemos entender que o direito constitui uma expressão inseparável de

qualquer meio social civilizado e o direito não se conserva estático, mas se dinamiza e se

transforma na medida em que as condições sociais assim exigem, então, não há como

desvincular o direito da realidade histórica, pois é preciso saber como este direito foi no

passado para entendê-lo no presente e aprimorá-lo para o futuro. Contudo, a ordem

jurídica possui partes que se movimentam rapidamente e visível para a sociedade, outras

partes são mais morosas, mas são perceptíveis, e ainda, há outras, que são tão lentos que

até parecem imóveis.

A história do direito na condição de ciência descreve, pesquisa, esclarece,

coordena e explicita a vida jurídica de um povo em seus mais variados aspectos, detendo-

se nas fontes, nos costumes, na legislação que o rege, em todas as manifestações, enfim,

que possibilitem o aperfeiçoamento dessa compreensão como um todo, resultante do

conhecimento dos fatos ocorridos e das impressões maiores ou menores que estes

deixaram.

Trata-se tanto de ciência histórica como jurídica, e em face dessa dupla

característica sua área de atuação não tem limites rígidos ou previamente direcionados.

A história do direito é de suma importância para o estudo da ciência jurídica, pois

visa compreender o processo de evolução e constante transformação das civilizações

humanas no decorrer da história dos diversos povos e consequentemente das diversas

culturas do ponto de vista jurídico, sendo assim, o direito é a ciência do conviver.

12  

1.2 A função do direito na sociedade

O ser humano, por sua natureza, possui forças instintivas que atuam sobre ele,

forças essas que influenciam na construção de seu mundo cultural. Segundo Maria Helena

Diniz: O homem é um ser gregário por natureza, é um ser eminentemente social, não só pelo instinto sociável, mas também por força de sua inteligência que lhe demonstra que é melhor viver em sociedade para atingir seus objetivos (…). O ser humano encontra-se em estado convivencial e pela própria convivência é levado a interagir (…). E como toda interação produz perturbação nos indivíduos em comunicação recíproca, que pode ser maior ou menor, para que a sociedade possa se conservar é mister delimitar a atividade das pessoas que a compõem mediante normas jurídicas. 1

Assim, para viver em sociedade, o homem deve passar por um processo de

adaptação, que deve ocorrer tanto na esfera interna quanto na externa. Diz-se interna

quanto for relativa ao corpo, sem a interposição da vontade, como o funcionamento dos

órgãos diante de diferentes situações em que deva se adaptar. Já na esfera externa a

relação é do homem com o espaço exterior. O homem tem inúmeras necessidades, que

são satisfeita pela natureza. O homem adapta e transforma o mundo a sua volta, e na

carência de recursos, constrói, cria e transforma a natureza para satisfação de determinada

necessidade.

Essas adaptações repercutem na formação da cultura de um determinado local e

influenciam a vida em sociedade. O homem, assim, irá conviver e participar da vida em

sociedade e para que essa convivência seja a mais harmônica deve haver normas e regras

a serem seguidas.

O Direito e o homem se influenciam mutuamente. Enquanto o Direito faz parte do

processo de adaptação do homem, devendo este se adequar e obedecer às normas, o

homem também influencia na criação do Direito, vez que este deve estar focado e

                                                            1 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro – 1. Teoria geral do direito civil. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, pp. 5-6.  

13  

adaptado ao meio para o qual foi produzido, obedecendo aos valores que a sociedade

elege como fundamentais.

É importante dizer que o Direito Natural possui como leis fundamentais as leis

advindas da natureza e do conceito da expressão justiça. Dessa forma, como o Direito

Natural não se originou de uma criação humana, por ser, inclusive, anterior ao próprio

homem, não pode ser classificado como processo de adaptação social. Entretanto, a

criação do Direito, em uma sociedade, deve estar baseada nas principais regras do Direito

Natural, pois seus princípios de respeito à vida, à liberdade, dentre vários outros, devem

estar contidos em qualquer lei.

O Direito também possui importante missão, pois ele serve como instrumento para

gerar a paz e harmonia nas diversas relações sociais. O Direito, por ser fruto da

elaboração humana, sofre influencia do tempo e do local, e por isso, ele deve estar sempre

aberto às mudanças que ocorrem durante as diferentes épocas. O tempo faz surgir

inúmeras e constantes transformações, e devido a isso, o Direito deverá estar sempre

atualizado.

Cumpre salientar que o Direito exige a imposição de determinados

comportamentos e posturas, que limitam a liberdade dos homens para uma interação

harmônica. Há outras manifestações sociais que também auxiliam o Direito nessa missão,

quais sejam: a religião, a moral, a ética e as regras de trato social.

1.3 Moral

Devemos observar que existe uma distinção entre o direito e a moral, pois a vida

em sociedade exige que se obedeça tanto normas jurídicas como outras normas. Isso se

dá, porque as pessoas devem pautar sua conduta pela ética, que é um conteúdo mais

abrangente que o direito, que envolvem normas jurídicas e morais.

14  

A distinção se dá pela sanção, pois, no direito, esta é imposta pelo Estado para

constranger os indivíduos a obedecerem às normas, enquanto que na moral, se dá apenas

pela consciência do homem, não há coerção.

Segundo Caio Mário: As ações humanas interessam ao direito, mas nem sempre. Quando são impostas ou proibidas, encontram sanção no ordenamento jurídico. São as normas jurídicas, são os princípios de direito. Quando se cumprem ou descumprem sem que este interfira, vão buscar sanção no foro intimo, no foro da consciência, até onde não chega à forca cogente do Estado. É, porém, certo que o principio moral envolve a norma jurídica, podendo-se dizer que, geralmente, a ação juridicamente condenável o é também pela moral. Mas a coincidência não é absoluta. 2

Dessa forma, entendemos que nem tudo que é moral é jurídico, pois a justiça se

constitui de uma parte da moral.

Para Marcos Peixoto Mello Gonçalves, podemos conceituar a moral, como “sendo

o conjunto de regras destinados a garantir a sobrevivência física, ao desenvolvimento

social e espiritual dos seres humanos”. 3

Desta forma, a moral se constitui de um produto da história humana, é a luta pela

sobrevivência física e o esforço pela afirmação e desenvolvimento da humanidade que é

tão diferente em sua multiplicidade étnica.

A cada época da história existe uma regra moral que convém à sobrevivência do

grupo humano, se torna norma social, de interesse comunitário e também individual e

tudo ocorrendo ao mesmo tempo. Sendo assim conclui-se que a moral é histórica, social e

individual.

Se o comportamento for compatível com as regras morais da época, do meio social

em que o homem vive, esse comportamento será tido como bom, como valioso, porém, se

não for compatível este será tido como mau e desvalioso.

                                                            2 PEREIRA, Caio Mário da Silva apud GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. 4. Ed. São Paulo: Saraiva 2007, p. 3. 3 GONÇALVES, Marcos Peixoto Mello. Levante a mão e fale alto – ética, cidadania e direito. São Paulo: Quartier Latin, 2010, pp. 92-93.  

15  

Entretanto, para que as regras morais sejam cumpridas, o seu descumprimento

deve ser sancionado pela reprovação moral do grupo, que critica e segrega os que não se

comportarem bem moralmente.

Para que as regras morais sejam cumpridas devem ser qualificadas pelo Direito,

estas devem ter capacidade de se fazer obedecidas, ou seja, dever haver poder decisório,

com capacidade de sanção.

16  

2 O QUE É DANO?

2.1 Conceito de dano

De acordo com a teoria da responsabilidade civil a palavra dano envolve uma

diminuição do patrimônio de alguém, em decorrência de ato ilícito praticado por outrem.

Entretanto, a conceituação prevista no Código Civil de 1916 era genérica, pois não se

referia qual o patrimônio atingido, ou seja, se o patrimônio é moral ou imaterial. O dicionário Houaiss da língua portuguesa diz que: Dano. 1.Ato ou efeito de danar(se), causar ou sofrer mal, corromper(se) r condenar(-se), ruína. 2. Ato ou efeito de danar (-se), estragar (-se); estrago, amassado, fratura, machucado, arranhão. 3. Toda diminuição nos bens jurídicos de uma pessoa. 3.1 Quaisquer prejuízo, especialmente financeiro patrimonial, sofrido por alguém, em que houve ação, influencia ou omissão de outrem. Dano certo: Fato que já causou prejuízo ao credor. Dano irreparável: Mal ou prejuízo de que não se pode recuperar, que não pode ser recuperado.4

O dicionário Aurélio ensina que: “Mal ou ofensa pessoal; prejuízo moral (...),

Prejuízo material causado a alguém pela deterioração ou inutilização de bens seus.

Estrago, deterioração, danificação”. 5

Por sua vez Carlos Alberto Menezes Direito e Sergio Cavalieri Filho conceituam o

dano como: “subtração ou diminuição de um bem jurídico, qualquer que seja a sua

natureza, quer que se trate de um bem patrimonial, quer que se trate de um bem

integralmente da personalidade da vítima, como a honra, a imagem, a liberdade, a

privacidade”. 6

Desta forma, conclui-se que o dano é a lesão de um bem jurídico, tanto

patrimonial, que podem ser danos emergentes e lucros cessantes, que vem a ser a

vantagem ou interesses econômicos que o credor deixou de receber, como moral, que são

os prejuízos causados a algum direito personalíssimo da vitima.                                                             4 HOUAISS, Antonio apud REIS, Clayton. Dano moral. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 01. 5 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda apud REIS Clayton, Op. cit., p.2. 6 DIREITO, Carlos Alberto Menezes; CAVALIERI FILHO, Sérgio apud REIS, Clayton. Op. cit., pp. 2-3. 

17  

Este conceito de dano retrata a nova realidade vivida pela teoria da

responsabilidade civil, ou seja, os danos da modernidade perderam o seu caráter

tradicional que eram exclusivamente patrimonialistas.

Isso ocorre, pois hoje se entende que há algo mais importante do que a ofensa aos

bens patrimoniais da vítima, visto que a pessoa humana, no seu componente dignidade,

esta no centro do mundo jurídico, onde se concentram seus bens espirituais.

Entretanto, há necessidade de se estabelecer a diferença entre o dano jurídico e o

injurídico. Essa importância se dá porque nem todo prejuízo causado à esfera jurídica de

outrem constitui dano indenizável, no sentido jurídico. O propósito é estabelecer qual

deles poderá ser objeto de indenização, pois o dano sofrido por alguém sem a intervenção

ilícita de terceiro não interessa à ordem jurídica, sendo assim impossível de ser

indenizado. Em resumo o dano que interessa ao direito é aquele decorrente de uma ordem

normativa violada, que causou perdas a outrem.

2.1.1 Dano Material

Dano significa qualquer mal ou ofensa que alguém tenha causado a outrem, e que

resulte em deterioração ou destruição a coisa ou um prejuízo a seu patrimônio. O dano

tem sentido econômico de desvalorização diminuição do patrimônio de alguém, por ato

ou fato estranho a sua vontade.

Dano material afeta única e exclusivamente os bens concretos que fazem parte do

patrimônio do vitima, atinge-se o bem físico.

Reparar o dano material tem por finalidade reparar a perda, ou seja, recompor ao

estado de origem, que decorre da perda do valor econômico do bem que sofreu violação.

Caso não seja possível recompor a coisa ao estado de origem a vitima fará jus a

compensação, com o objetivo de restabelecer o estado de origem “status quo ante”, ou

ainda recompor o que realmente perdeu.

18  

Agostinho Alvin define: “Dano é a efetiva diminuição do patrimônio e consiste na

diferença entre o valor atual do patrimônio do credor e aquele que teria se a obrigação

fora extremamente cumprida”. 7

Para Carlos Roberto Gonçalves: Indenizar significa reparar o dano causado a vitima integralmente. Se possível restaurando o “status quo ante”, ou seja, devolvendo ao estado em que se encontrava antes da decorrência do fato ilícito. Todavia, como na maioria dos casos se torna impossível tal desiderato, busca-se uma compensação em forma de pagamento de uma indenização monetária. 8

Segundo Clayton Reis:

A restauração do dano pressupõe uma recomposição ao seu estado de origem, em decorrência da perda do valor econômico do bem que sofreu violação. Não sendo admissível a reconstituição parcial do patrimônio violado, a vitima fará jus a uma compensação com o propósito de restabelecer o status quo ante ou, ainda, recompor equitativamente o que se perdeu.9

Por sua vez, Judith Martins-Costa:

Alberga a idéia da lesão ao interesse tutelado pela ordem jurídica, ao delinear que, pela “Teoria da Diferença”, o dano é o que resulta da diferença entre a situação do bem antes do evento danoso e aquela que se verifica após a sua ocorrência. O dano é assim, a supressão ou a diminuição de uma situação favorável. Se não há diferença, não há o que recompor, como explica a doutrina e acolhe expressamente a jurisprudência brasileira. Embora relevante e útil, conclui a doutrinadora, a Teoria da diferença não explica, porém, todas as hipóteses de dano, uma vez supor uma noção naturalista do dano, a qual serve tão só para verificar a sua existência. Esta idéia, embora não esteja equivocada, foi acrescida mais recentemente, pela noção normativa do dano, pela qual o dano é a lesão a interesse jurídico. Trata-se da teoria do interesse.10

Conclui-se então que o dano material é aquele que atinge exclusivamente os bens

que compõe o patrimônio da vitima e sua forma de reparação se dá com reparação da

perda.

2.1.2 Dano Moral

                                                            7 ALVIN, Agostinho apud REIS Clayton. Op. cit., p.3.  8 GONÇALVES, Carlos Roberto apud REIS, Clayton. Op. cit., p. 02. 9 REIS, Clayton, Op. Cit., p.2. 10 COSTA, Judith Martins apud REIS, Clayton. Op. cit., pp. 4-5. 

19  

Como vimos anteriormente, o dano perdeu seu caráter exclusivamente

patrimonialista, Isso ocorre, em razão de nos dias atuais se entender que há algo mais

importante do que a ofensa aos bens patrimoniais da vítima, visto que a pessoa humana,

no seu componente dignidade, deve estar no centro do mundo jurídico.

Ao ser reconhecido no ordenamento jurídico brasileiro, surgiu uma nova situação

para os juristas, pois não se tinha noção dos parâmetros. A doutrina descobriu que não

havia uma definição transparente do instituto. Surgiu assim uma problemática vivenciada

até hoje pelos operadores do direito.

Uma correta descrição do que vem a ser dano moral permite equilibrar a amplitude

dos seus alcances, a fim de facilitar os juristas na busca de soluções concretas para a

adequação a realidade social.

O dano moral se constitui de agressão à integridade psicossomática da pessoa, que

extrapola a idéia vinda de uma análise técnica do adjetivo moral. Em outras palavras o

dano moral só pode ser atribuído à dor, vexame, sofrimento, humilhação que fuja da

normalidade e como conseqüência interfira intensamente no comportamento psicológico

da pessoa, que lhe cause aflições, angústias e desequilíbrio do seu bem-estar.

Não deve ser entendido como dano moral o mero dissabor, aborrecimento, mágoa,

irritação ou sensibilidade exacerbada. Entende-se que além de fazerem parte da

normalidade do nosso dia a dia, no trabalho, no trânsito, entre amigos e até no ambiente

familiar, essas situações não são intensas e duradouras, a ponto de causar desequilíbrio

psicológico do individuo.

Em razão do subjetivismo do dano moral há vacilações tanto na doutrina como na

jurisprudência. Identificar o seu conceito é tarefa ainda muito difícil. Sendo assim, com o

passar do tempo surgiram três correntes conceituais: a negativista, da modificação do

estado anímico e da ofensa aos direitos da personalidade. Tais correntes ganharam

destaque junto aos juristas, entretanto, ainda o tema ainda não está pacificado.

Na corrente negativista, os seus defensores dizem que o dano moral, seria aquele

que não é taxado como patrimonial, ou seja, é ofensa a direito desprovido de valor

20  

econômico. Essa corrente gerou enorme rejeição, visto que, o dano moral é muito mais do

que o oposto do dano material, na medida em que sua autonomia plena, conseguida com a

Constituição de 1988 trouxe características próprias que podemos observar na própria

letra da lei.

Já para os defensores da corrente da modificação do estado anímico do sujeito

passivo, o dano moral, deve ser identificado a partir de uma dor, que não se resume ao

físico, envolve o psicológico e espiritual. A tristeza, a angústia, a vergonha, a humilhação,

a amargura, a inferioridade são sentimentos que devem ser vistos em um aspecto mais

amplo, pois antes de qualquer coisa são dores morais.

Dizem os doutrinadores que é a partir da modificação do estado anímico, com

alteração do bem estar psicofísico, que se identifica a agressão imaterial, ou seja, é algo

que ultrapassa as fronteiras do palpável e atinge o interior de cada individuo. Desta forma,

se observa que não é o dano em si que dirá se é ressarcivel, mas sim os efeitos provocados

pelo dano.

Sendo assim, abre-se um leque para identificar o dano moral, pois se em um

momento a análise é norteada apenas de uma visão psicológica, nada impede que uma

ofensa a um bem ou direito patrimonial, tenha como conseqüência uma profunda tristeza,

angústia, medo ou qualquer outro sentimento. Desta forma, está configurada que uma

agressão imaterial deve ser indenizada a vítima da agressão pelo sujeito ativo do ato

lesivo.

Dano moral como ofensa a direitos da personalidade, para os defensores dessa

corrente, deve haver uma análise que compreende não a conseqüência do ato lesivo, mas

sim a espécie de direito por ele atingido. Com essa transformação, foi ampliada a zona de

contato do dano moral. Isso ocorreu porque a proteção jurídica conferida procura

assegurar a integridade aos direitos da personalidade, que diante de suas características

especiais, demandam atenção muito mais efetiva por parte do legislador na confecção das

normas e do operador do direito na sua aplicação.

21  

Contudo, essa conceituação também foi alvo de criticas dos doutrinadores, que

alegaram que considerar o dano moral sendo unicamente ação decorrente de agressão aos

direitos da personalidade é fechar os olhos para a idéia de que eles não possuem nenhum

valor econômico, o que impossibilitaria a sua proteção.

Com isso, independentemente do entendimento de maior parte dos juristas, ainda

surge duvidas para definir o que realmente é o dano moral, pois se questiona que será que

é possível vincular a honra a um valor pecuniário. Um direito como a vida, que

transbordam todos os limites pode ser mensurado.

Na visão de inúmeros doutrinadores a lesão que autoriza a indenização a título de

dano moral é aquela que atinge o âmago do indivíduo, causando-lhe dor, sofrimento,

angústia, vexame ou humilhação e, por se passar no íntimo das pessoas, torna-se

insusceptível de valoração pecuniária adequada, esta é a razão porque o caráter da

indenização é o de compensar a vítima pelas aflições sofridas e de lhe subtrair o desejo de

vingança pessoal.

Para Wilson Melo da Silva os danos morais são definidos como sendo: “Lesões

sofridas pelo sujeito físico ou pessoa natural de direito em seu patrimônio ideal,

entendendo-se por patrimônio ideal, em contraposição ao patrimônio material, o conjunto

de tudo aquilo que não seja suscetível de valor econômico”.11

Para Antonio Chaves, “dano moral é a dor resultante da violação de um bem

juridicamente tutelado sem repercussão patrimonial. Seja dor física – dor-sensação, como

denomina Carpenter, nascida de uma lesão material; seja a dor moral – dor-sentimento, de

causa material”. 12

E Maria Helena Diniz preleciona: “o dano moral vem a ser lesão de interesse não

patrimonial de pessoa física ou jurídica”. 13

Por sua vez, segundo Maria Celina Bodin de Moraes:

                                                            11 SILVA. Wilson Melo da apud REIS, Clayton. Op. cit., p. 8. 12 CHAVES, Antonio apud REIS, Clayton. Ibidem.  13 DINIZ, Maria Helena apud REIS, Clayton. Ibidem. 

22  

Ao definir dano moral por meio da noção de sentimento humano, isto é, utilizando-se dos termos dor, espanto, emoção, vergonha, aflição espiritual, desgosto, injúria física ou mora, em geral, qualquer sensação dolorosa experimentada pela pessoa. O que se considera nessa relação de termos designativos da dor moral vivenciada pela pessoa em seus sentimentos, que lhe acarreta uma sensação desagradável, não é o que interessa a ordem jurídica, segundo comentário da autora. E conclui: o que o ordenamento jurídico pode e deve fazer é concretizar, ou densificar, a cláusula de proteção humana, não admitindo que violações a igualdade, à integridade psicofísica, à liberdade e à solidariedade (social e familiar) permaneçam irressarcidas. 14

Desta forma, o entendimento de todos os autores é que o Dano Moral é aquele que

atinge o patrimônio ideal das pessoas, isto é, que aquele que desperta um sentimento

negativo no espírito da vítima, fazendo-lhe surgir sensações desagradáveis que decorrem

das perturbações psíquicas causadas pela agressão.

2.1.3 Diferença entre dano material e dano moral

O dano material é aquele que afeta exclusivamente os bens concretos que

compõem o patrimônio da vitima. Ainda é todo ato que afeta o indivíduo no seu trabalho,

reputação ou vida profissional, que tenha reflexos no seu patrimônio físico.

Contudo, há situações quando o ato ofensivo atinge a personalidade do individuo

da sua intimidade, sua vida privada, sua honra, sua imagem, tanto quanto seu bem estar

íntimo, seus valores, ou seja, bens que constituem a causa de perturbações de natureza

espiritual.

A diferença entre as lesões estão na forma de como será operada a sua reparação.

Em casos dos danos materiais a reparação tem por objeto repor os bens lesionados ao seu

status quo ante, ou possibilitar a vitima a aquisição de outro bem semelhante ao destruído,

o que não é possível ocorrer aos danos extrapatrimoniais, pois se torna impossível repor

as coisas ao seu estado original.

                                                            14 MORAES, Maria Celina Bodin de apud REIS, Clayton. Op. cit., p. 9.  

23  

Nesse caso a reparação se dará em pagamento de uma soma pecuniária, fixada em

face do arbitrium boni iuris do magistrado, com o objetivo de possibilitar a vítima uma

compensação em decorrência da dor vivida.

Conclui-se então que, tanto as causa como os efeitos são diferentes no que se

refere aos danos materiais e extrapatrimoniais, visto que um atinge o bem físico e se

repara a perda, já o outro atinge o bem psíquico e a reparação se dá através de soma em

dinheiro com o fim de uma compensação a vitima.

2.2 Caracterização do dano moral e mero aborrecimento

Tão difícil quanto à conceituação doutrinaria do dano moral, outra tarefa

indispensável é adequar toda a sua complexidade ao cotidiano. É uma tarefa indispensável

para a evolução do instituto do dano moral, haja vista que, por sua própria essência,

necessita muito mais de subjetivismo do que da letra fria da lei.

Na vida moderna o homem passa por dissabores que fazem parte do seu dia-a-dia,

do seu cotidiano. Desta forma alguns transtornos são inerentes do atual estágio de

desenvolvimento da sociedade. Sendo assim, deve-se haver cuidado ao reconhecimento

do instituto, pois não é todo e qualquer melindre, contratempo, ou exaltação do amor

próprio ferido são passiveis de indenização.

Existem inúmeras situações que incidem sobre o sujeito passivo que não possuem

ares de agressão imaterial, sendo apenas mero aborrecimento. Dessa forma é necessário o

destaque da linha limítrofe entre os fatos do cotidiano e a real agressão.

Nas ofensas patrimoniais sua identificação se dá com a comprovação da redução

da capacidade econômica do ofendido. Porém na lesão de ordem imaterial o que reina é o

subjetivismo, o que torna muito mais difícil o reconhecimento da zona limítrofe do que

venha a ser o dano moral ou mero aborrecimento.

Com o objetivo de manter a credibilidade social sobre o instituto, o magistrado

deve ter cuidado e atenção na identificação efetiva do dano moral.

24  

É necessário haver prudência na sua avaliação, por ser muito difícil separar o que

vem a serem dissabores normais da vida em sociedade e o que vem a serem danos morais.

É uma questão bastante tormentosa, pois não existem critérios objetivos definidos em lei,

sendo assim o julgador busca amparo na doutrina e na jurisprudência para a verificação

ou não do dano moral.

Para majorar a diferença entre o dano moral e o mero aborrecimento deve ficar

claro de que não são todas as aflições ou tristezas que são passiveis de gerar indenização.

O resultado da agressão a direitos imateriais pode decorrer em sentimentos como

angústia, tristeza e humilhação. Porém não se quer relacionar a identificação do instituto a

um pesar que domina a pessoa, mas algo muito mais do isso. É por meio da mudança

anímica que será possível iniciar a diferenciação entre a configuração do real agravo

imaterial e o mero aborrecimento. Dessa forma para que haja a configuração concreta da

agressão é preciso que o resultado seja capaz de possibilitar a diferenciação.

Um dos elementos que caracterizam o dano moral é a dor, que pode ser tanto física

quanto moral. Embora seja impossível medir a extensão da dor da vítima, existem

algumas que são evidentes, por exemplo, a dor dos pais pela perda de forma violenta de

um filho, um dano estético, ou quem foi humilhado por injúria. Em casos como este é

evidente que as vítimas serão atingidas por imensa aflição, ainda que esta aflição seja

considerada de forma individual.

Ainda há também casos onde não há dor, porém envolvem exposição indevida na

mídia, agressões à honra, à intimidade e à privacidade e ao bom nome.

25  

3 EVOLUÇÀO DO DANO MORAL

3.1 Código de Hamurabi e Código de Manu

Apesar de nos dias atuais ainda haver controvérsias quanto às noticias da existência

de leis que tentavam a regulamentação do dano moral, sabemos que a idéia de

responsabilidade encontra-se presente desde os primórdios da civilização.

Nos primórdios da civilização o homem que sofria agressões tanto físicas como

morais, se defendia com suas próprias forças, na maioria dos casos essas forças eram

juntadas com o grupo do qual fazia parte. Com isso a cada agressão sofrida, despertava o

desejo de vingança pessoal a fim da satisfação da dor sofrida.

Na medida em que os povos foram se organizando houve uma evolução, pois o

Estado assumiu o papel de distribuir justiça. Este se colocava no lugar do ofendido e

apenava o agressor para, em nome da harmonia social, garantir o bem estar coletivo.

Por volta de 1700 a.C. foi promulgado pelo Rei da Babilônia, o Código de

Hamurabi. Nele já havia uma legislação com o objetivo de disciplinar o dano e sua

reparação. O Código estabelece uma ordem social baseada nos direitos do indivíduo e

aplicada na autoridade das divindades babilônicas e do Estado.

O Código de Hamurabi tratou da reparação do dano de duas formas diferentes. As

ofensas pessoais eram reparadas na mesma classe social e mediante ofensa igual dirigida

ao ofensor, e paralelamente havia a possibilidade da reparação do dano mediante

pagamento de valor pecuniário. Deriva deste Código a chamada pena de talião do “olho

por olho, dente por dente”. No inserto parágrafo 196 que prescrevia: “Se um awilum

destruir um olho de um outro awilum, destruirão seu olho”15 e o 200 prescrevia: “Se um

awilum arrancou um dente de um awilum igual a ele arrancarão seu dente”16

                                                            15 REIS, Clayton. Op.cit., p.23. 16 Idem. Ibidem.  

26  

Contudo, há alguns parágrafos que regulam a questão da indenização pecuniária,

exemplo é o parágrafo 209 que prescrevia: “Se um homem livre ferir a filha de outro

homem livre, e em conseqüência disso, lhe sobrevier um aborto, pagar-lhe-á 10 ciclos de

prata pelo aborto”.17

A imposição de uma pena pecuniária consistia em uma forma de diminuir o

patrimônio do lesionador e proporcionar à vítima satisfação compensatória.

No Código de Manu também encontramos a possibilidade de reparação do dano,

havia muita semelhança com o Código de Hamurabi. O mesmo se verificava Código de

Ur-Nammu, cujos fragmentos são semelhantes da Lei das XII Tábuas, que exprimia a

preocupação em coibir a vingança pessoal, substituída pela ação repressora do Estado,

representado à época pela figura do Monarca. A intenção do legislador era facultar à

vítima que sofreu danos a oportunidade de ser ressarcida mediante a uma soma em

dinheiro.

Entretanto, havia diferença entre o Código de Hamurabi e de Manu, enquanto no

primeiro a vítima se ressarcia à custa de outra lesão ao lesionador, no segundo havia a

possibilidade de ressarcimento de soma em dinheiro arbitrado pelo legislador. Desta

forma, podemos notar que houve evolução nos dois sistemas.

Sendo assim, a violência física que estimulava nova violência física, gerando um

ciclo vicioso e sem limites foi substituída por valor em dinheiro para atender a satisfação

da vítima.

3.2 Evolução histórica do dano na Grécia e Roma

A civilização Grega foi a mais marcante e expressiva de que se tem conhecimento,

além dos ensinamentos humanísticos, políticos e filosóficos, também se tem noticias de

um sistema jurídico que atingiu grande evolução. É na Grécia que se fala pela primeira

                                                            17 Idem. Ibidem.  

27  

vez em democracia e a reparação do dano era pecuniária e obedecia às regras

estabelecidas pelo Estado.

Em Roma a legislação referente à reparação do dano ganha mais nitidez, embora

não tivessem desenvolvido um sistema de responsabilidade civil, tinham exata noção de

reparação do dano de forma pecuniária. Os delitos de natureza pública eram considerados

mais graves, pois ofendiam o Estado sobre o qual se assentava toda a estrutura sócio-

político-econômica do sistema vigente na época.

No direito romano a responsabilidade civil se subdividia da seguinte cronologia:

Lei das XII Tábuas, no ano de 452 c.C., a Lex Aquilia, no ano de 286 a.C. e a legislação

Justiniana, nos anos de 528-534 a.C.

Nota-se na Lei das XII Tábuas, no capitulo que trata dos delitos, a presença de

vários apenamentos que indicam a compensação dos danos morais. Contudo, foi a partir

da Lei Aquilia e principalmente a legislação de Justiniano que houve ampliação no campo

da reparação do dano moral.

É da época de Justiniano a criação pretoriana do actio injuriarum aesmatoria, onde

a vítima, sob juramento, estimava um valor que correspondesse a sua satisfação quanto à

reparação do dano. O ofendido, deduzindo seu pedido nele especificava a lesão a qual se

queixava, reclamava o pagamento de certa quantia. O juiz tomava conhecimento do

pedido e se julgasse o pedido procedente, condenava o culpado ao pagamento da quantia

pedida, no todo ou modificava ao seu critério.

Alguns autores afirmam que em Roma a reparação do dano se impunha, não

importando a que titulo se havia dado a lesão, ou seja, comprovada a existência do fato

delituoso, impunha-se a obrigatoriedade de reparação do dano.

Conforme ensinamento de Wilson Melo da Silva, os cidadãos romanos: Para forrarem-se da injúria, em sentido estrito, contra si levada a efeito, dispunham a vítima da ação pretoriana a que se denominava injuriarum aestimatoria e pela qual podia reclamar uma reparação consistente sempre em uma soma de dinheiro, prudentemente arbitrada pelo juiz. 18

                                                            18 SILVA, Wilson Melo da apud REIS, Clayton. Op. cit., p. 30. 

28  

Vislumbramos que no direito clássico romano a pena pecuniária é figura da

punição ordenada pelo direito privado, passando a ser objeto de débito obrigacional. O

objetivo é salvaguardar os interesses morais do ofendido.

Segundo Maria Helena Diniz, “pode-se até afirmar que a responsabilidade era

objetiva, não dependia de culpa, apresentando-se apenas como uma reação do lesado

contra a causa aparente do dano”. 19

Desta forma, conclui-se que os fundamentos da responsabilidade civil encontram

seus alicerces nas referidas legislações, em especial no direito romano. Também é

importante ressaltar a evolução da aplicação da pena em se tratando de reparação de dano,

evolui pela renúncia ao sentimento de vingança, pois se busca a reparação do dano. Isso

ocorre com a interferência do Estado nos conflitos privados, fixando o valor dos

prejuízos, obrigando a vítima a aceitar a composição, renunciando a vingança.

3.3 Danos morais na Alemanha e França

Na Alemanha, a partir de 1815, como resultado do Congresso de Viena, surgiu a

Confederação Alemã. Entretanto somente após 1871 foi fundado o império e através do

legislativo federal iniciou-se a aplicação das leis civis.

Antes do BGB – Código Civil alemão- nos vários Códigos regionais da Alemanha

e mesmo no Gemeine dos países sem codificação, encontramos adesão da doutrina da

reparação dos danos morais. Sobre a dor moral, porém no sentido de sofrimento interior,

os alemães davam preeminência à dor física. Já no velho direito o instituto do

Schmerzensgeld (Schmerzens = da dor, geld= indenização), idealizava que as feridas e

lesões físicas faziam jus a uma reparação econômica.

Após a vigência do BGB os delitos causadores de dano passaram a ser reparados

de forma precisa e unificada, particularmente, nos danos morais. É o que prescreve o

artigo 253: “Por causa de um dano, que não é dano patrimonial, só pode ser exigido                                                             19 DINIZ, Maria Helena apud MELO, Nehemias Domingos de. Op. cit., p.14. 

29  

satisfação em dinheiro nos casos estabelecidos pela lei”. Também o § 847 prescreve: “No

caso de lesão do corpo ou da saúde, assim como no caso de privação da liberdade, pode o

lesado, também quanto ao dano que não seja patrimonial, exigir uma equitativa satisfação

em dinheiro”.

Na França a idéia de reparação surgiu somente no século XII. Diferente do Código

Civil alemão que possuía um parágrafo específico sobre o dano não patrimonial, o Código

Civil Francês, no seu artigo 1382 usou o termo dommage, ou seja, um dano deve ser

interpretado no aspecto amplo. Nesse sentido Wilson Melo da Silva, ensina que na

França, de lege lata, a questão da acolhida ampla e ilimitada da tese da reparabilidade dos

danos morais muito depende do conceito que se faça do referido termo.

O Código Civil Francês, foi inspirado no monumental Código de Napoleão, onde

os primeiros passos para uma idéia clara e segura no que diz respeito à responsabilidade

civil, foram introduzidos através dos gênios Domat e Pothier.

Desta forma podemos concluir que há uma nítida evolução na noção de reparação

de atos ilícitos. Do estímulo à vingança prevista na Lei de Talião ao pagamento de um

valor pecuniário previsto no Código de Manu. Após, os romanos renunciam ao direito de

vingança ao ofensor e adotou o pagamento em pecúnia como forma de penalidade.

Assim, desde a primariedade a humanidade percebeu os limites do dano e a

indispensável necessidade da sua reparação. Não pode haver dano provocado por ação

delituosa que não seja objeto de reparação, entretanto, antigamente o dano a ser reparado

era estritamente patrimonial. Esses povos desconheciam a noção da possibilidade de

reparar a dor moral ou íntima.

O processo civilizatório fez com que houvesse a valorização da pessoa, na sua

dimensão física e espiritual. O homem passou a ser considerado o centro de um sistema,

constituído por bens materiais e imateriais, onde se destaca a dignidade. Assim há bens

que se recompõem ao seu status quo ante, no entanto, há bens que por sua natureza não se

recompõem e quando atingidos devem ser reparados, mas de forma a possibilitar uma

compensação ou satisfação pecuniária da vítima.

30  

3.4 Dano moral no direito americano

Os Estados Unidos da América adotam o modelo consuetudinário conhecido como

Common Law. A valorização dos costumes como fonte de comportamento serviu para a

manutenção de alguns institutos que surgiram na Inglaterra. Assim suas tradições políticas

e jurídicas foram fortemente por eles influenciadas.

Segundo Miguel Reale, esse modelo de direito: Caracteriza-se como sendo costumeiro e jurisprudencial, revelando-se mais pelos usos e costumes do que pelo trabalho de criação de uma norma abstrata por parte do legislador, já que é coordenado e consolidado em precedentes jurisprudenciais, isto é, segundo uma serie de decisões baseadas em usos e costumes prévios (...) na realidade, são expressões culturais diversas.20

Nesse sentido, nos países da Common Law não se encontram normas legais

uniformes, ou seja, normas escritas, com regras gerais para todos os casos de dano moral

e de reparação civil.

Dessa forma, o procedimento adotado é de natureza objetiva e concreta. A

reparação dos danos, no caso de lesões geralmente se dá de forma ampla e irrestrita, ou

seja, não se questiona, a que titulo deve o dano moral ser reparado.

O que se questiona é apenas a ocorrência do dano concreto, sua conseqüência e

necessária reparação, sendo assim, basta ter elementos indispensáveis à configuração.

Existe uma grande aceitação da tese da reparação dos danos morais de forma irrestrita.

Segundo José de Aguiar Dias: O direito inglês reconhece amplamente a reparação do dano moral, como atesta Mayne, para quem toda e qualquer lesão importa um dano, ainda que patrimonialmente não corresponda à moeda mais insignificante. O dano não decorre somente do prejuízo pecuniário, mas também de qualquer ofensa que atinja o homem no seu direito. 21

                                                            20 REALE, Miguel apud RESEDÁ, Salomão. A função do dano social do dano moral. Florianópolis: Conceito Editorial, 2009, pp.229-230. 21 DIAS, José de Aguiar apud REIS, Clayton. Op. cit., p. 61. 

31  

Punitive Damage é um instituto de origem anglo-saxônica, que a sua atual

formatação americana data do inicio do século XVIII, contudo existem noticias históricas

de instituto semelhante desde o inicio do século XIII. Durante sua evolução histórica

seguiu tendências diferentes na Inglaterra e nos Estados Unidos.

Punitive Damage, a expressão tem dois sentidos, sendo um de aspecto civil e outra

de aspecto penal, pois quando está voltado ao direito do demandante de punir tem aspecto

civil e quando o objeto é imposição de um castigo tem aspecto penal. Em uma análise

mais aprofundada também existe uma idéia de vingança, pois se o valor aplicado alcançar

um patamar que venha causar restrições econômicas ao ofensor, o ordenamento estará lhe

impondo uma penalidade.

Para os americanos o instituto do punitive damage são sanções impostas pelo

ordenamento ao causador do dano em razão de peculiaridades inerentes nesta conduta, ou

seja, ato praticado por ação ou omissão é de natureza particularmente odiosa, maliciosa

ou arbitrária.

Essa espécie de indenização imputa ao ofensor além da necessidade de reparar os

prejuízos causados, também compensação da vítima com a obrigação de arcar com

pagamento de um valor majorado. É uma maneira de aplicar uma sanção ao réu em uma

ação civil partindo da idéia de que os danos provocados à vítima podem ser satisfeitos

mediante de um valor maior daquele considerado como adequado para suprir o agravo.

O punitive damage também tem outra vertente, que é a prevenção futura contra a

prática de atos semelhante, que são conhecidos como exemplary damage.

Exemplary damage, em português, conhecida como teoria do desestímulo, não

serve apenas como sanção ao ofensor, mas tem por objeto demonstrar para os outros os

potenciais agressores de quem adotar igual comportamento. Tem por objetivo assegurar a

harmonia e a paz social, pois há a presunção de que os agressores não mais praticarão atos

semelhantes ao que foi punido. Assim o punitive damage tem dois pilares de sustentação,

um sancionatório e outro que serve como desestímulo a práticas semelhantes.

32  

O punitive damage não traz a idéia de compensação da vítima, não se fala de

compensação ou ressarcimento. Trata-se de figuras que andam em paralelo, entretanto,

são independentes.

Conhecidos como compensatory damage, estes têm a função de confortar a vítima

lesada através de compensação dos prejuízos sofridos. Desta forma, as indenizações

americanas levam em considerações dois aspectos: o punitivo e compensatório.

Tort Law, no direito americano é definido como “um ilícito contra o qual o

remédio usualmente vem sob a forma de indenização”. 22 O tort law tem por objeto não

apenas a reparação do dano ou compensação do dano, mas também a prevenção de danos

futuros.

Para Margareth Brazier e John Murphy, a imposição de responsabilidade civil

opera não simplesmente para transferir os prejuízos relevantes da vitima para ofensor,

mas também para impedir a conduta ilícita em questão. 23

Sendo assim, os punitive ou exemplary damages são utilizados nas cortes de justiça

americanas para ensinar que o ilícito não compensa, desta forma desestimula o causador

do dano e outras pessoas a praticar condutas lesivas.

Os punitive damages se caracterizam por uma soma variável de valor, e é aplicada

quando o dano decorre de um comportamento lesivo marcado por grave negligência,

malícia ou opressão.

No entanto, se a conduta do ofensor, embora culposa, não é especialmente

reprovável, a imposição dos punitive damages mostra-se imprópria. Por conseqüência

estão excluídas dos punitive damages as condutas lesivas decorrentes de ignorância, culpa

negligência ou engano.

Os punitive damages não estão restritos aos casos de dano moral, pois o propósito

geral dessa indenização é o de punir o ofensor, impondo-lhe uma sanção que lhe sirva de

                                                            22 KIONKA, Edward apud ANDRADE, André Gustavo Corrêa de. Indenização punitiva. Disponível em: < http://www.tj.rj.gov.br/institucional/dir_gerais/dgcon/pdf/artigos/direi_civil/indenizacao_punitiva.pdf>. Acesso em: 12 jan. 2011. 23 BRAZIER, Margareth; MURPHY, John apud ANDRADE, André Gustavo Corrêa de. Op. cit., p.3. 

33  

exemplo para que não repita o ato lesivo, além de inibir comportamentos semelhantes por

parte de terceiros.

O âmbito de aplicação dos punitive damages é variado, alcança quase que todas as

áreas da responsabilidade civil, com destaque para os casos de responsabilidade de

produtores e fornecedores por danos decorrentes de produtos defeituosos, ofensa à honra,

erro médico, danos em acidentes de trânsito. A indenização punitiva tem sido aplicada,

também, em casos variados de ilícitos intencionais, em casos de responsabilidade de

profissionais em geral, fraude, invasão de privacidade assédio sexual, dentre outros.

Segundo Clayton Reis, conclui-se que os doutrinadores anglo-americanos

pretendem que o cidadão tenha amplo direito a uma vida social sem qualquer perturbação

que possa afetar seu ânimo de viver em paz no ambiente social. Para tanto o cidadão

recebe do Estado proteção no seu patrimônio, seja ele de caráter material ou imaterial.

Os punitive damages são admitidos em 45 dos 50 estados americanos. Em alguns

estados estão previstos em lei, em outros têm sua origem no Common law. Como regra

geral não acolhe os punitive damages os Estados de Massachusetts, Nebraska,

Washington, New Hampshire e Louisiana.

Vale ressaltar que os valores das indenizações estabelecidas a título de punitive

damages nos Estados Unidos da América tem sido objeto de enorme divergência entre os

partidários e opositores. Os primeiros sustentam que os montantes indenizatórios estão

“fora de controle”, o que é atribuído, de um lado, a um excessivo poder discricionário

entregue a um júri, e, de outro, à falta de preparo dos jurados para estabelecer esses

valores. Em razão disso, alguns Estados têm fixado limites.

Acrescentamos também que, a competência de arbitrar o valor da indenização

sempre será de um júri popular, que levará em consideração o interesse do Estado da

Federação em punir o infrator e impedir a reincidência.

Sendo assim, assunto que merece destaque são as indenizações milionárias,

decorrentes do Punitive damage que vem ocorrendo na atualidade americana.

A indústria do dano moral cresceu no transcorrer dos anos quando indenizações de

34  

valores estratosféricos ganharam repercussão mundial, fazendo surgir uma corrente

contrária a sua utilização. Como resultado, a partir da década de 90 os julgadores

passaram a rever os parâmetros concedidos a titulo de indenização pelos punitive damage.

Atualmente tem se visto inúmeras resistências quanto à aplicação irrestrita dos

exemplary damages. Ainda há insegurança referente à falta de padrões coerentes e

uniformes para estabelecer o que seria considerado como efetiva punição, visto que a

avaliação do montante do valor a ser pago é realizada a partir do subjetivismo das

decisões proferidas pelo Tribunal do Júri.

As indenizações estratosféricas dão origem à instabilidade social, econômica, e

ainda, é fonte de crise das seguradoras.

Desta forma, os debates envolvendo o punitive damage estão ultrapassando o

âmbito jurídico e entrando no âmbito político, pois essas indenizações têm gerado efeitos

negativos para a sociedade americana.

Outro ponto a ser apresentado é que o punitive damage passou a preocupar o

ordenamento norte-americano no que refere ao enriquecimento sem causa do ofendido em

razão dessas indenizações exorbitantes.

As indenizações milionárias têm atormentado os juristas, pois estes consideram

que estas têm transformado as cortes em verdadeiras loterias.

A idéia de enriquecimento sem causa esta ligada a possibilidade de majorar o valor

da indenização de acordo com as possibilidades do ofensor, isso ocorre porque grande

parte dos ofensores está em camadas sociais onde se encontram grandes empresas e

potenciais agressores a direitos da personalidade. Em razão disso, tem a possibilidade e

necessidade de arcar com indenizações consideravelmente altas, instaurando assim uma

verdadeira loteria judicial.

A título de exemplos mencionaremos a seguir dois casos famosos e até curiosos de

indenização de dano moral nos Estados Unidos da América:

3.4.1 Caso Gore X BMW

35  

O médico Ira Gore Jr. Moveu ação em face da BMW, em razão de ter adquirido

em 1990, um automóvel da referida marca pelo valor de US$ 40.000,00 (Quarenta mil

dólares), após nove meses, detectou que algumas partes do carro haviam sido repintadas,

entretanto, o automóvel foi vendido como novo. Constatou-se que o dano foi causado por

chuva ácida durante o transporte.

Em razão da omissão da informação o requerente entendeu que o veículo

desvalorizou 10% (dez por cento), ou seja, US$ 4.000,00 (Quatro mil dólares). Ocorre

que a este valor somava-se um pedido a título de punitive damages, no valor de US$

4.000.000,00 (Quatro milhões de dólares). O júri do tribunal de Birmigham aceitou o

pedido do requerente, entendendo que a política de não divulgação dos danos adotados

pela ré constituía em omissão fraudulenta. A empresa ré interpôs recurso na Suprema

Corte do Alabama e esta acabou por reduzir o valor, condenando a ré a pagar o montante

de US$ 2.000.000,00 (dois milhões de dólares) em punitive damages.

3.4.2 Caso Stella Liebeck X McDonald’s

Em fevereiro de 1992, Stella Liebeck, na época com 76 anos, comprou um café de

US$ 0.49 (quarenta e nove centavos de dólar) no drive-thru de uma lanchonete do

McDonald’s da cidade de Albuquerque, Novo México.

Após sair com o veiculo, tentou retirar a tampa de plástico do copo e acabou

derramando todo o café quente em seu colo e pernas, o que lhe acarretou queimaduras de

segundo e terceiro grau. Em razão dos ferimentos e da idade avançada, a Senhora

permaneceu internada por 7 dias. Nesse período por meio de carta entrou em contato com

a lanchonete, informando sobre o ocorrido e sugerindo a possibilidade de diminuição da

temperatura, além de solicitar o pagamento das custas do tratamento, entretanto, obteve o

pedido negado.

36  

Desta forma, a Sra. Stella ajuizou ação de reparação, pleiteando o valor de US$

100.000,00 (Cem mil dólares).

Ocorre que durante a investigação foi apresentado estudo com a ocorrência de mais

de setecentos casos com acidentes semelhantes. Assim o McDonald’s foi condenado ao

pagamento da quantia de US$ 200.000.00 (Duzentos mil dólares) a títulos

compensatórios, com redução de 20%, em razão de participação da requerente no

resultado e US$ 2.700.000 (Dois milhões e setecentos mil dólares) como danos punitivos.

O caso de Liebeck sempre vem sendo citado como símbolo da necessidade de

reforma da legislação sobre a responsabilidade civil nos Estados Unidos.

37  

4 O DANO MORAL NO DIREITO BRASILEIRO

Identificamos três momentos na evolução histórica do dano moral no direito

brasileiro. O primeiro momento qualquer possibilidade de incidência de indenização a

titulo de dano extrapatrimonial era totalmente inaceitável, em um segundo momento

apesar de reconhecer sua existência, este era previsto de forma muito restrita. Em razão

disso, decorria o pensamento de que não se permitia haver a cumulação entre dano moral

e patrimonial. E num terceiro momento é de reparação ampla do dano moral, que teve seu

início com a promulgação da Constituição Federal em 1988.

O primeiro momento se estende antes do Código Civil de 1916, passa pela edição

do Código e vai até 1966, quando o Supremo Tribunal Federal resolveu mudar a

orientação sobre o tema.

Na elaboração do Código Civil de 1916 a sociedade jurídica do país não dava

importância aos danos imateriais. Ainda, que o artigo 159 tinha um texto genérico, visto

que pressupunha ampla e restrita reparação do dano ao dispor: “Aquele que, por ação ou

omissão voluntária, negligência imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem,

fica obrigado a reparar o dano”. O referido artigo não expressava com clareza qual a

modalidade de dano a ser reparada, sendo assim, muitos divergiram da interpretação,

alguns com o entendimento que o dispositivo abrangia também lesões morais.

Inicialmente o pensamento que dominava no Brasil tinha como fundamento que

era impossível haver a reparação do que não pode ser auferido, valorado

economicamente. A maioria dos pensadores se fundava na incerteza do direito violado.

Entretanto, naquela época se aceitava a existência de agressão ao íntimo das

pessoas, reconhecia-se incidência de dano causado ao aspecto psicológico da pessoa,

porém não havia possibilidade de contraprestação indenizatória ou ressarcitória.

Nessa época influenciada pelo Código de Napoleão o ser humano era visto apenas

como produtor de riquezas, de rendas e não como ser merecedor de proteção especial.

38  

O materialismo exacerbado impedia a ampla proteção do homem com valor

próprio, o patrimônio era o eixo indispensável de toda a engrenagem jurídica. Assim o ser

humano era visto em posição secundária ao aspecto econômico, sendo reservadas poucas

e raras previsões normativas.

O homem era mensurado a partir de sua capacidade de acumulo de riquezas, era

comum que o homem desprovido de capacidade econômica fosse submisso ao seu

semelhante e bem como não havia respeito aos direitos e deveres mínimos.

A conseqüência desse pensamento era que a responsabilidade civil apenas obrigava

o ofensor a garantir o status quo ante ao ofendido.

Contudo, isso não indicava a impunidade total, pois havia previsão normativa que

sancionava tal comportamento no âmbito penal, por exemplo, a tipificação dos crimes de

calúnia, injúria e difamação.

A noção do delito era sintetizada na ação ou omissão que acarretasse dano ao

patrimônio do ofendido, caso contrário não poderia ser acobertado pelo Direito civil, mas

sim pelo Direito penal. Ainda, para que existisse indenização, exigia-se a comprovação da

prova do dano.

O Supremo Tribunal Federal mediante a imensa discussão da época se posicionava

contrário à possibilidade de reparação de dano moral, sendo assim fundamenta a ementa

do Recurso Extraordinário nº. 11.786/MG, que teve como relator o Ministro Hahnemann

Guimarães, dizendo que: “não é admissível que os sofrimentos morais dêem lugar a

reparação pecuniária, se deles não decorre nenhum dano material”. 24

Em um segundo momento o país passou por influências ocorridas no universo

jurídico mundial. O homem não era mais visto como subalterno ao patrimônio, passou a

perceber que mais importante do que os bens economicamente mensuráveis era o ser

humano e que este necessitava de ampla proteção.

Nesse sentido, lembra o Ministro Raphael de Barros Monteiro Filho que:

                                                            24 RESEDÁ, Salomão. Op cit., p. 96. 

39  

O colendo do Supremo Tribunal Federal, em novembro de 1942, ainda que não deferisse a indenização do dano extrapatrimonial, entreabriu a porta para um futuro reconhecimento, conforme deixou estampado na ementa do v. acórdão de que foi relator o Ministro Orozimbo Nomato: “No direito brasileiro atual, só em raros casos se indeniza o dano moral. Neles não se inclui o de homicídio. Contudo, o principio da reparação do dano puramente moral vai abrindo caminho, triunfando na doutrina e se inserindo nos Códigos”. 25

Essa inovadora maneira de pensar do Ministro Orozimbo Nonato passa a iluminar

os pensamentos dos demais componentes após o passar dos anos. O STF então passou a

mudar seu ponto de vista perante o instituto da responsabilidade civil, ainda que muito

diferentes dos contornos hoje existentes, o dano moral passou a fazer parte das decisões

da Corte.

A demonstração de força de que toda agressão deve ser indenizada fez-se

visualizar de que o aspecto moral do homem também é merecedor de proteção.

Então, em 1967, o acórdão 59.111/CE, sob a relatoria do Ministro Djaci Falcão, a

corte acatou o pedido de indenização a título de dano moral no caso de morte de filho em

razão de acidente. Contudo, esse período foi caracterizado por incertezas, pois ora havia

decisões com o reconhecimento de reparação do dano moral, fundada no chamado dano

patrimonial indireto, ora era inadmitida.

Segundo Salomão Resedá: Esse momento de transmutação engessou o reconhecimento da proteção aos direitos imateriais apenas a casos pontuais, em que a indenização era vinculada a perda expectativa de ganhos futuros dos pais em relação aos filhos e, em outros casos, dos gastos realizados por aqueles para a criação destes ate o fatídico acontecimento. Ou seja, não se buscava amenizar a ofensa a direitos personalíssimos pelo fortuito, mais sim assegurar, ainda, o aspecto patrimonial.26

Em razão desse pensamento e reiteradas decisões referentes a indenizações por

morte de descendente em acidentes, surge a sumula 491 que prescreve: “É indenizável o

acidente que cause a morte de um filho menor, ainda que não exerça trabalho

remunerado”.

                                                            25 Ibidem, p. 98. 26 Ibidem, p. 99. 

40  

Fazendo uma superficial análise, visualiza-se que abre portas para possibilidade de

indenização a titulo de dano moral e que tal determinação nada se relaciona com qualquer

gasto que decorrer do óbito. Porém se houver uma interpretação mais profunda constata-

se que o fundamento utilizado está na situação de que as famílias de baixa renda

perderiam com a morte de um filho menor, que representava para esta um potencial

econômico. Com isso, estamos diante novamente de caráter patrimonial.

Um grande salto dado pela doutrina, mas também que não significou a plenitude

do instituto do dano moral baseava-se no sentido de somente se aceitar sua existência nos

casos previstos em lei. Para a corrente defensora, todo dano deveria ser ressarcido pelo

sujeito ativo, porém, em se tratando de dano moral, havia a necessidade de maior cuidado,

já que sua essência havia a impossibilidade de agregar valor econômico.

Em razão da incompatibilidade pecuniária, passaram a existir especulações e

atuações de aproveitadores, que a partir da justificativa da efetividade, se utilizariam do

instituto para conseguir obter vantagens.

O terceiro momento se inicia com a Constituição Federal de 1988, estendendo-se

até os dias de hoje, pois o pleno reconhecimento do instituto do dano moral se iniciou

com a sua promulgação.

Isso ocorreu devido à evolução da sociedade e o direito com o dever de

acompanhar essa evolução. A sociedade encontrava-se inserida em novas vertentes

ideológicas. Com isso a Assembléia Constituinte trouxe um diploma constitucional

preocupado muito mais com a proteção do ser humano do que com o aspecto patrimonial

que vigia até então no País.

A pessoa humana foi elevada ao foco central da engrenagem jurídica, isso fez com

que o legislador destoasse em seu texto à proteção ao ser humano como principio

fundamental, esculpido à sombra da dignidade da pessoa humana.

Desta forma, a observação do ordenamento jurídico é mudada, o Direito Civil que

antes era o ponto central dá lugar ao Direito Constitucional, que com suas regras e

princípios, passa a embasar todo o ordenamento jurídico brasileiro.

41  

Os direitos da personalidade se tornam um pilar fundamental, assim há uma

mudança na hermenêutica do artigo 159 do Código Civil de 1916, pois agora é

interpretado a partir de uma visão mais humanitária e menos patrimonialista, passa-se a

buscar a idéia de danos morais e que por sua vez também influenciou a construção do

artigo 186 do Código Civil de 2002.

Segundo palavras de Maria Celina Bodin de Moraes: O que antes era tido como inconcebível passou a ser aceitável, e, de aceitável, passou a ser evidente. Se era difícil dimensionar o dano, em questão de poucos anos tornou-se impossível ignorá-lo. Se era imoral receber alguma remuneração pela dor sofrida, não era a dor que estava sendo paga, mas sim a vitima, lesada em sua esfera extrapatrimonial, quem merecia ser compensada pecuniariamente, para assim desfrutar de alegrias e outros estados de bem estar psicofísico, contrabalanceando os efeitos que o dano causara em seu espírito.27

Desta forma, a interpretação dever ser feita a fim de introduzir na sociedade a

noção de igualdade, onde o ser humano deve ser respeitado independentemente de sua

condição social. Essa mudança de pensamento fez com que se tornasse intolerável a não

garantia de indenização, a vítima de uma agressão a direitos personalíssimos.

O ser humano quando ofendido passa a ser valorizado, em conseqüência passa a

dispor de meios necessários que garantam a efetiva reparação do dano independentemente

de haver reflexos de cunho material. O ser está inserido nos problemas sociais e seus

conflitos não são mais vistos de forma individual, mas sim de toda a coletividade.

Ainda no sentido de valorização da pessoa, a Constituição Federal inseriu em seu

artigo 5º, dois incisos que foram o marco definitivo para a consagração do dano moral no

direito brasileiro. Primeiro o inciso V que prescreve: “É assegurado o direito de resposta,

proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem”; a

seguir, o inciso X que apresenta um rol exemplificativo, pois é evidente que a previsão

legal não consegue abranger todas as situações em que o ser humano possa ser inserido,

assim prescreve: “São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das

                                                            27 MORAES, Maria Celina Bodin de apud RESEDÁ, Salomão. Op. cit., p. 110.  

42  

pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua

violação”.

A consagração desses incisos na Constituição Federal representou para os

doutrinadores a constitucionalização do instituto dos danos morais. Assim o instituto

ganhou status de ordem jurídica nacional, o que fez com que nascessem os vários

institutos, como o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Código de Defesa do

Consumidor, o Estatuto do Idoso etc.

No mesmo sentido o novo Código Civil de 2002 em seu artigo 186 prescreve que:

“Aquele que, por ação ou omissão voluntaria, negligência ou imprudência, violar direito e

causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.

Entretanto, ainda há criticas, pois, autores como Carlos Alberto Menezes e Sérgio

Cavalieri Filho proclamam que: O dano moral, o grande vilão da responsabilidade civil, recebeu singela referência no seu artigo 186, não obstante o enorme prestígio que mereceu na Constituição Federal, conforme já ressaltado. Perdeu-se a oportunidade de disciplinar melhor questões relevantes a seu respeito, que estão sendo enfrentadas pela jurisprudência, tais como os princípios a serem observados no seu arbitramento e a legitimação para pleitear o dano moral no caso de indeterminação de ofendidos. 28

Rui Stoco também destaca preocupação ao apontar que:

Segundo nosso entendimento, o novo Código Civil padece, também, de um capítulo, seção ou preceito, ainda que isolado, que estabeleça critérios para a fixação da compensação por dano moral. Ressalta ainda, que o estabelecimento de valores para compensar as ofensas morais admitidas em juízo constitui atualmente uma questão angustiante, pois fica no critério exclusivo do poder discricionário do julgador, através de critérios subjetivos e aleatórios. 29

O juiz se vê sem amparo legal para arbitrar questões que envolvem danos morais,

assim, a decisão proferida, algumas vezes pode envolver arbitrariedades.

Sendo assim, há inúmeras críticas manifestadas por parte dos doutrinadores, pois

fica clara a preocupação da ausência de um dispositivo que discipline de forma ampla os

critérios de valoração do dano moral. Ressalta-se ainda, que a ausência de dispositivo                                                             28 DIREITO, Carlos Alberto Menezes; CAVALIERI FILHO, Sérgio apud REIS, Clayton. Op. cit., p. 89. 29 STOCO, Rui apud REIS, Clayton. Ibidem. 

43  

legal ainda se agravou com a edição da Súmula 281 do STJ, que proclama: “A

indenização por dano moral não está sujeita a tarifação prevista na lei de imprensa”, o que

faz entender ser inadmissível a aplicação de valores sugeridos na lei de imprensa que

variam de 05 (cinco) a 200 (duzentos) salários mínimos vigentes no país.

Conforme podemos concluir, até poucos anos atrás o direito a indenização a titulo

de dano moral, ainda era assunto de grande controvérsia.

4.1 Responsabilidade Civil

Ao abordar o assunto dano moral se faz necessário refletir sobre a responsabilidade

civil. A responsabilidade civil é o ramo do direito que estuda o fenômeno da reparação do

dano patrimonial ou extrapatrimonial. Sendo que essa responsabilidade pode ser objetiva

ou subjetiva.

Rui Stoco declara: “A responsabilidade civil é meio e modo de exteriorização da

própria e a responsabilidade é a tradução para o sistema jurídico do dever moral de não

prejudicar a outro, ou seja, neminem leadere”. 30

Dessa forma analisaremos o artigo 186 do Código Civil de 2002 que prescreve:

“Aquele que por ação ou omissão voluntaria, negligência ou imprudência, violar direito e

causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. Podemos

observar que a responsabilidade civil tem como pressuposto circunstância ou fato

considerado antecedente necessário de outro, ou seja, para sua caracterização é

imprescindível que ocorra de forma simultânea três fatos ou circunstâncias, que sem os

quais não há possibilidade de aplicar sanção.

Em razão disso, deve haver elo de causalidade entre a ação ou omissão e o dano

para que alguém possa ser responsabilizado por um dano. Sendo o dano o elemento mais

importante na obrigação de indenizar.

Vale lembrar também, que a culpa não é requisito essencial, pois alguns casos                                                             30 STOCO, Rui apud RESEDÁ, Salomão. Op. cit., p. 38. 

44  

haverá o dever de indenizar mesmo que não tenha ocorrido culpa do agente, bastando à

existência do nexo causal entre a conduta do agente e o resultado dano.

4.1.1 Responsabilidade civil objetiva e subjetiva

A responsabilidade civil pode ser subjetiva ou objetiva. Subjetiva quando se baseia

na culpa do agente, que deverá ser comprovada para surgir uma obrigação de indenização.

A responsabilidade de quem causa o dano, só se configura se ele agir com culpa ou dolo.

É chamada teoria clássica ou teoria da culpa ou subjetiva, onde a prova da culpa constitui

um pressuposto do dano indenizável. No entanto a lei estabelece, em alguns casos, a

obrigação de reparar o dano sem a existência de culpa. É a teoria objetiva ou do risco, que

não necessita de comprovação da culpa para a caracterização do dano que deverá ser

indenizável. Bastando ocorrer o dano e o nexo de causalidade para que seja caracterizada

a responsabilidade civil do agente.

O Código Civil de 2002, no seu artigo 186 mantém o elemento culpa como

alicerce da responsabilidade civil subjetiva. No entanto, o Código de Defesa do

Consumidor no seu artigo 12 prescreveu a responsabilidade civil objetiva:

O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.

O avanço tecnológico e industrial, com a produção em larga escala de produtos

diversos e com o crescimento populacional, tornou-se insustentável continuar com o

conceito tradicional da culpa.

Em alguns casos a responsabilidade civil objetiva foi adotada no Código Civil, um

exemplo é o artigo 927 do Código Civil que prescreve:

45  

Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Torna-se claro que responsabilidade civil subjetiva ou aquiliana, o elemento

subjetivo culpa está intimamente entrelaçado, onde a vítima, além de provar o nexo de

causalidade e a lesão sofrida, deverá também provar a culpa ou dolo do agente. Já na

responsabilidade civil objetiva não ocorre à necessidade de provar a culpa do agente

causador do dano.

4.2 Quantificação do dano moral31

Deparamos com um dos maiores problemas do instituto, que é a questão referente

ao valor que deve ser pago em razão de um prejuízo imaterial sofrido pelo sujeito passivo.

O primeiro questionamento se dá acerca da impossibilidade de vincular um prejuízo

imaterial a um valor econômico.

Sobre o assunto Anderson Schreiber afirma que: O novo Código civil perdeu a chance de estabelecer critérios legais para o arbitramento do dano moral. Pior: suprimiu o antigo artigo 1.533 e introduziu um confuso artigo 946, estabelecendo que, sendo as obrigações indeterminadas (a significar provavelmente ilíquidas), “apurar-se-á o valor das perdas e danos na forma que a lei processual determinar”. Ocorre que a lei processual nada determina no tocante à apuração do dano moral. O Código de processo Civil menciona, sim, o arbitramento, ao tratar da liquidação da sentença, mas o significado ai é inteiramente diverso daquele que era empregado pelo artigo 1.553 do Código Civil de 1916. 32

No entanto, a evolução doutrinária, constatou-se que a problemática não estava

apenas em solucionar a questão de como agregar valor econômico naquilo que não pode

                                                            31 Superior Tribunal de Justiça. Coordenadoria de Editoria e Imprensa. STJ busca parâmetros para uniformizar valores de danos morais. Disponível em: < http://www.stj.jus.br/portalstj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=93679&tmp.area anterior>. Acesso em: 14 jan. 2011. 32 SCHREIBER, Anderson apud RESEDÁ, Salomão. Op. cit., p. 188. 

46  

ser considerado prejuízo material. Passou-se então a achar que a análise deveria ser feita

de uma forma mais aprofundada, sendo assim, viu-se a necessidade de buscar padrões que

sanassem as incertezas no que se refere ao montante indenizatório.

Como conseqüência de uma liberdade, o ofendido sempre buscava altas

indenizações, enquanto o ofensor se via na árdua tentativa de desviar-se da imputação da

indenização, reduzi-la ou até aniquilar qualquer valor a ser pago em uma provável

condenação.

Como já não era possível estabelecer números precisos referentes ao tamanho do

agravo, coube ao magistrado exercer a sua sensibilidade para identificar e afastar abusos

praticados pelas partes. O magistrado tem como função principal adequar a ideologia da

sociedade ao subjetivismo do dano moral, pois isso é de suma importância para separá-lo

do mero aborrecimento.

Aquele que foi lesionado em sua honra, imagem, personalidade, que teve ofendido

um bem tutelado que para ele se torna mais valioso do que seus próprios bens

patrimoniais têm de receber quantia que compense a dor. A quantia que será arbitrada

pelo juiz deve levar em consideração tanto a situação pessoal do ofendido, como a

situação financeira do ofensor.

A quantia não poderá ser tão volumosa a fim de se transformar em enriquecimento

do ofendido e nem tão pequena que seja insignificante para o ofensor.

Ainda, também podemos observar que no Brasil não há limitação no que se refere

ao reconhecimento do dano moral, por se tratar de matéria prevista em cláusulas gerais,

permitindo assim que sejam construídas novas formas de danos à pessoa, tornando o

sistema de reparação civil mais efetivo.

Em razão disso, o juiz é de suma importância, visto que é legitimado para fixar a

quantia referente a determinado dano moral. Que deve atentar para o tipo médio sensível

da classe e ainda observar os critérios de razoabilidade e proporcionalidade, para sem

exageros aplicar indenização adequada.

No Brasil aplica-se o sistema aberto, que é um sistema de aferição da indenização,

47  

ao qual são atribuídos poderes ao magistrado para estabelecer o valor da indenização,

numa avaliação subjetiva e proporcional à possível satisfação da lesão experimentada

pelo ofendido.

Para essa análise é importante salientar a intensidade do dano, repercussão da

ofensa, grau de culpa do causador do dano, posição socioeconômica tanto do ofendido,

como do ofensor, tentativa ou retração do ofensor a fim minimizar o dano e aplicação da

pena a fim de provocar um desestímulo para reincidência.

Desta forma, a indenização a título de dano moral apresenta duas faces, uma com

caráter punitivo da conduta e outra de compensação da vítima pelo mal sofrido. Como é o

exemplo do instituto denominado de danos punitivos ou danos exemplares (punitive

damages ou exemplary damages) que são adotados nos Estados Unidos da América, onde

as indenizações são em valores estratosféricos.

Em razão de inúmeras críticas em relação à possibilidade de indenização de dano

moral, e de lhe agregar valor monetário, surgiu um tabelamento, ou seja, trata-se de um

sistema de consultas onde consta, de forma predeterminada valores relativos a um grupo

ou de forma isolada de direitos da personalidade ofendidos.

Assim, Superior Tribunal de Justiça preocupado como quantificar os valores de

indenizações a titulo de danos morais publicou alguns exemplos.

Morte dentro de escola =300 salários - Quando a ação por dano moral é movida

contra um ente público, cabe às turmas de Direito Público do Superior Tribunal de Justiça

o julgamento do recurso. Seguindo o entendimento da Segunda Seção, a Segunda Turma

vem fixando o valor de indenizações no limite de 300 salários mínimos. Foi o que ocorreu

no julgamento do Resp 860705, relatado pela ministra Eliana Calmon. O recurso era dos

pais que, entre outros pontos, tentavam aumentar o dano moral de R$ 15 mil para 500

salários mínimos em razão da morte do filho ocorrida dentro da escola, por um disparo de

arma. A Segunda Turma fixou o dano, a ser ressarcido pelo Distrito Federal, seguindo o

teto padronizado pelos ministros. O patamar, no entanto, pode variar de acordo com o

dano sofrido. Em 2007, o ministro Castro Meira levou para análise, também na Segunda

48  

Turma, um recurso do Estado do Amazonas, que havia sido condenado ao pagamento de

R$ 350 mil à família de uma menina morta por um policial militar em serviço. Em

primeira instância, a indenização havia sido fixada em cerca de 1.600 salários mínimos,

mas o tribunal local reduziu o valor, destinando R$ 100 mil para cada um dos pais e R$

50 mil para cada um dos três irmãos. O STJ manteve o valor, já que, devido às

circunstâncias do caso e à ofensa sofrida pela família, não considerou o valor exorbitante

nem desproporcional (REsp 932001).

Paraplegia = 600 salários - A subjetividade no momento da fixação do dano

moral resulta em disparidades gritantes entre os diversos Tribunais do país. Num recurso

analisado pela Segunda Turma do STJ em 2004, a Procuradoria do Estado do Rio Grande

do Sul apresentou exemplos de julgados pelo país para corroborar sua tese de redução da

indenização a que havia sido condenada.

Feito refém durante um motim, o diretor-geral do hospital penitenciário do

Presídio Central de Porto Alegre acabou paraplégico em razão de ferimentos. Processou o

Estado e, em primeiro grau, o dano moral foi arbitrado em R$ 700 mil. O Tribunal

Estadual gaúcho considerou suficiente a indenização equivalente a 1.300 salários

mínimos. Ocorre que, em caso semelhante (paraplegia), o Tribunal de Justiça de Minas

Gerais fixou em 100 salários mínimos o dano moral. Daí o recurso ao STJ.

A Segunda Turma reduziu o dano moral devido à vítima do motim para 600

salários mínimos (Resp 604801), mas a relatora do recurso, ministra Eliana Calmon,

destacou dificuldade em chegar a uma uniformização, já que há múltiplas especificidades

a serem analisadas, de acordo com os fatos e as circunstâncias de cada caso.

Morte de filho no parto = 250 salários - Em 2002, a Terceira Turma fixou em

250 salários mínimos a indenização devida aos pais de um bebê de São Paulo morto por

negligência dos responsáveis do berçário (Ag 437968). Caso semelhante foi analisado

pela Segunda Turma neste ano. Por falta do correto atendimento durante e após o parto, a

criança ficou com sequelas cerebrais permanentes. Nesta hipótese, a relatora, ministra

Eliana Calmon, decidiu por uma indenização maior, tendo em vista o prolongamento do

49  

sofrimento. “A morte do filho no parto, por negligência médica, embora ocasione dor

indescritível aos genitores, é evidentemente menor do que o sofrimento diário dos pais

que terão de cuidar, diuturnamente, do filho inválido, portador de deficiência mental

irreversível, que jamais será independente ou terá a vida sonhada por aqueles que lhe

deram a existência”, afirmou a ministra em seu voto. A indenização foi fixada em 500

salários mínimos (Resp 1024693).

Fofoca social = 30 mil reais - O STJ reconheceu a necessidade de reparação a

uma mulher que teve sua foto ao lado de um noivo publicada em jornal do Rio Grande do

Norte, noticiando que se casariam. Na verdade, não era ela a noiva, pelo contrário, ele se

casaria com outra pessoa. Em primeiro grau, a indenização foi fixada em R$ 30 mil, mas

o Tribunal de Justiça potiguar entendeu que não existiria dano a ser ressarcido, já que uma

correção teria sido publicada posteriormente. No STJ, a condenação foi restabelecida

(Resp 1053534).

Protesto indevido = 20 mil reais - Um cidadão alagoano viu uma indenização de

R$ 133 mil minguar para R$ 20 mil quando o caso chegou ao STJ. Sem nunca ter sido

correntista do banco que emitiu o cheque, houve protesto do título devolvido por parte da

empresa que o recebeu. Banco e empresa foram condenados a pagar cem vezes o valor do

cheque (R$ 1.333). Houve recurso e a Terceira Turma reduziu a indenização. O relator,

ministro Sidnei Beneti, levou em consideração que a fraude foi praticada por terceiros e

que não houve demonstração de abalo ao crédito do cidadão (Resp 792051).

Alarme antifurto = 7 mil reais - O que pode ser interpretado como um mero

equívoco ou dissabor por alguns consumidores, para outros é razão de processo judicial.

Em um caso, no ano passado, a Terceira Turma manteve uma condenação no valor

de R$ 7 mil por danos morais devido a um consumidor do Rio de Janeiro que sofreu

constrangimento e humilhação por ter de retornar à loja para ser revistado. O alarme

antifurto disparou indevidamente.

Para a relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, foi razoável o patamar

estabelecido pelo Tribunal local (Resp 1042208). Ela destacou que o valor seria,

50  

inclusive, menor do que noutros casos semelhantes que chegaram ao STJ. Em 2002,

houve um precedente da Quarta Turma que fixou em R$ 15 mil indenização para caso

idêntico (Resp 327679).

Entretanto, Wesley de Oliveira Lousada Bernardo ressalta: A estipulação de valores estanques para os casos de agravo imaterial representa um corte na propria carne do dano moral. O tabelamento retiraria do instituto sua principal caracteristicas: o subjetivismo. Seu diferencial está, exatamente, em tratar as pessoas de forma peculiar, com análise do pleito de forma individual”. 33

4.3 Da banalização

A Constituição Federal consagrou a inviolabilidade da intimidade, da vida privada,

da honra e da imagem das pessoas, além da indenização pelo dano moral decorrente de

sua violação.

Em razão disso, abriu-se um leque de possibilidade que somado a facilidade de

acesso ao judiciário tem gerado uma grande preocupação no que se refere da imensa

quantidade de processos, cujos pedidos são indenizações a título de danos morais.

O que se vê nos tribunais é o crescimento desordenado de ações com pedido de

indenização a título de dano moral. Hoje, no Brasil tramita por volta de 420.000

(quatrocentos e vinte mil) ações com tal pedido. É a modalidade de ação judicial que mais

cresce no país, pois nos últimos oito anos enquanto o número global de processos cresceu

nove vezes, as ações pleiteando danos morais foram multiplicadas por cinqüenta e dois.

Segundo palavras de Salomão Resedá, “a incidência é tamanha que se considera tal

pleito como batatas fritas, pois, à semelhança das promoções existentes nos inúmeros fast-

foods, elas sempre acompanham o pedido principal”. 34

Alguns doutrinadores tem defendido que hoje o dano moral não tem se limitado à

violação de direitos personalíssimos, mas sim em efeitos imateriais da lesão, desta forma

                                                            33 BERNARDO, Wesley de Oliveira Lousada apud RESEDÁ Salomão. Op. cit., p. 192. 34 RESEDÁ, Salomão. Op. cit., p. 145. 

51  

amplia-se possibilidade, nas quais, cabe o pedido dentro de uma ação, havendo como dito

anteriormente cumulação de pedido, aonde um dano material vem sempre acompanhado

de pedido de indenização por danos morais.

Acredita-se que a abertura desse leque também está atribuída à facilidade de

ingresso ao judiciário para postular e pleitear um dano moral, pois qualquer pessoa que se

vê impossibilitada de arcar com os custos da demanda judicial, pode através de simples

afirmativa, postular pedido de assistência judiciária gratuita.

Não havendo necessidade do pagamento da referida taxa judiciária, o pedido passa

a ser uma loteria, se fizermos uma comparação é uma espécie de aposta, visto que o autor

poderá pleitear valores astronômicos, uma vez que, no caso de um pedido de baixo valor

o juiz não pode conceder nenhum valor maior, pois teremos uma sentença ultra-petita.

Por outro lado, se formulado pedido com valor exorbitante, abre-se a chance de um

maior quantum indenizatório, pois se esta for julgada improcedente, nada mudará na

situação patrimonial do autor, pois como goza de assistência judiciária nada pagará.

Vale ressaltar também a facilidade oferecida pelos Juizados Especiais Cíveis, onde

o próprio autor tem capacidade postulatória, ou seja, pode ingressar com ações, pleiteando

indenização a título de dano moral, sem a necessidade de contratação de advogado, desde

que estas não ultrapassem a quantia de 20 (vinte) salários mínimos vigentes no país.

Em razão dessas inúmeras facilidades, hoje em dia ocorre um excesso de demandas

que acabam por movimentar a máquina judiciária desnecessariamente. Ocorre que os

mais triviais aborrecimentos que acometem o dia a dia de uma pessoa, sejam, no trabalho,

na rua, no trânsito, na família, enfim qualquer contrariedade tem sido equiparada a

sofrimento qualificado como resultado de uma insuportável dor moral. Assim, conclui-se

que qualquer contrariedade corriqueira, é para alguns intitulados de dano moral infinito,

cujo objetivo, é exclusivamente o recebimento de uma indenização.

No entanto, para que uma dor possa ser fundamento de uma indenização a titulo de

dano moral há necessidade que o ofendido demonstre de forma a não deixar dúvidas, de

que o ato ilícito que foi o causador do dano tenha ultrapassado a esfera daquilo que deixa

52  

de ser razoável, ou seja, aquilo que deixa de ser como um fato comum que ocorre

diariamente na sociedade, levando em consideração o homem médio de determinada

classe.

O dano moral deve ser efetivo e claro, não podendo, como dito anteriormente ser

considerado contrariedade a qual todos estão sujeitos no dia-a-dia das grandes cidades e

do mundo moderno.

Contudo, mesmo não tendo os elementos necessários para tal configuração o Poder

Judiciário também tem utilizado de forma reiterada a aplicação do dano moral para

qualquer fato, desta forma também tem colaborado para que o instituto se torne banal,

pois se comparado a um produto é produzido em larga escala, tornando-se assim uma

indústria.

Tal utilização reiterada, de forma errônea, encoraja mais e mais pessoas a

ingressarem no judiciário com tal pedido, como destaca a Juíza Rosangela Carvalho,

“deve ser desencorajada a proliferação da indústria de dano moral que atualmente ocorre,

havendo exacerbado número de demandas da espécie em nossos tribunais e, na maioria

das vezes, desacompanhadas de justa causa”. 35

Se houvesse maior rigidez no controle de pedidos de assistência judiciária o

requerente teria mais cautela sobre a possibilidade de ingressar com determinada ação,

que só o faria em caso de ter uma relativa razão e ponderação quanto à efetiva existência

do dano.

Todavia, o excesso de ajuizamento de ações também tem outra razão, que é a

imoralidade da sociedade, que por sua vez, na cobiça pelo dinheiro e no interesse e

empenho à ocorrência de fatos que podem fundamentar pedido de dano moral. Segundo

palavras de Gustavo Cauduro Hermes: A primeira causa é a falta de integridade moral de grande parte destes litigantes. Poderia até atribuir o acionamento do judiciário em busca de indenizações por supostos danos morais à pobreza, generalizada em nosso país, não fosse a grande

                                                            35 CARVALHO,Rosangela apud VENUTO, Andrey Jabour. A banalização do instituto dano moral. Disponível em: <http://www.viannajr.edu.br/site/viannasapiens/artigos/artigo05.pdf>. Acesso em: 20 jan. 2011, p. 15. 

53  

gama de litigantes ricos que pleiteiam verdadeiras fábulas dignas dos prêmios das melhores loterias. 36

Arruda Alvim avalia ainda, “que o principal problema teria origem na sociedade

brasileira, seria uma questão sociológica, de descontentamento do tecido social”. 37

Insta salientar que temos a influência de dois aspectos: para a camada menos

favorecida financeiramente a facilidade de ajuizamento de uma ação, pois esta pode ser

postulada sem ônus, para os mais favorecidos a impunidade, sendo que ações infundadas

poderiam ser caracterizadas como litigância de má-fé.

A crítica se dá não a pessoa que verdadeiramente acredita teve seu âmago ferido,

mas aquele que conhecia a inexistência do ato ilícito ou do dano moral, e mesmo assim

ingressa no judiciário para obter alguma vantagem econômica em razão de mero

aborrecimento ou à custa de algum afortunado.

Isso tem ocorrido em razão da nova configuração do dano moral no nosso

ordenamento, visto que, o requerente sabe que há a possibilidade do pedido ser julgado

procedente mesmo não tendo ocorrido o dano propriamente dito, pois em alguns casos

basta a existência do ato ilícito que ensejou o pedido.

Sendo assim, temos apenas o fato gerador e não o efetivo dano, não sendo

necessário a vitima se sentir lesada no seu aspecto íntimo e subjetivo para que ocorra a

reparação pela moral ofendida. Configura-se numa forma ampla de proteção da moral,

entretanto pode ocorrer que muitas vezes essa ampla proteção se dê em detrimento da real

configuração da responsabilidade civil.

Concluímos então, que o dano moral pode ser dividido em dano moral efetivo e em

situações que ensejam a reparação do instituto, que são situações onde ocorre a lesão, mas

o sentimento desta se dá de forma diversa, pois no primeiro caso é efetiva e no segundo a

situação pode causar o dano, mas sempre deve ser reparado.

As situações que ensejam o dano já se encontram pacificadas, contudo, perante um

imenso campo de possibilidade, as pessoas alegam dor moral em qualquer tipo de                                                             36 HERMES, Gustavo Cauduro apud VENUTO, Andrey Jabour. Ibidem. 37 ALVIM, Arruda apud VENUTO, Andrey Jabour. Op. cit., p. 14. 

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situações, chegando até de ser inimagináveis.

Conforme palavras do Desembargador aposentado Ramon G. von Berg: Se verifica, embora possa ser notada a tendência dos magistrados em buscar conter a onda vislumbrada como indústria do dano moral, com reflexos até no STJ, o fato é que a dimensão, o elastério, o alcance hoje do dano moral vem-se abrindo para hipóteses nunca dantes alvitrada. 38

Em razão disso a indústria dos danos morais tem adquirido imensa força. Pois não

são estabelecidos os casos em que ocorre o dano, o que é impossível diante da atual

complexidade da sociedade. Tem sido até comuns casos em que pessoas armam situações

com o objetivo de criar um dano moral ou até mesmo acionar a justiça por vingança

contra outra pessoa. Os seus integrantes são aqueles que maliciosamente, em legítimo

abuso de direito, se colocam em situação de risco e de criação ou majoração daquele dano

moral.

A única forma de desestimular a indústria do dano moral seria através do

desencorajamento dos pedidos incabíveis de reparação, através da condenação dos

requerentes em litigância de má-fé, bem como reduzir o valor das indenizações.

Entretanto, não se pode deixar que condenações em litigâncias de má-fé criem

receio à tutela da proteção à pessoa humana.

Contudo, mesmo diante de tais considerações, jamais se pensou na possibilidade

de restringir os direitos do cidadão a fim de inibir ou coibir o ajuizamento de tais ações,

visto que, o acesso à justiça é um direito consagrado pela Constituição Federal.

Por outro lado, a banalização, a indústria é conseqüência justamente dessa

facilidade de se pleitear. Deve-se conciliar a possibilidade de condenação em litigância de

má-fé em casos absurdos, com a transformação da caracterização do dano moral em algo

mais definido e concreto, que sejam estabelecidos critérios mais científicos e melhor

conceituado.

Outro questionamento se dá sobre a possibilidade de estabelecer, através de lei, a

fixação do quantum, porém estes são caracterizados como inquantificáveis, o que                                                             38 BERG, Ramon Von apud VENUTO, Andrey Jabour. Op. cit., p. 16. 

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conseqüentemente acarretaria na inconstitucionalidade dos dispositivos limitadores.

Na tentativa de desestimular a indústria, os Tribunais vêm decidindo que a

reparação deve ser feita com critérios, deve-se observar o enriquecimento de autor e

falência do réu. Sendo assim, os juízes devem ser rígidos na fixação da indenização, com

o objetivo de preservar o instituto, coibindo ainda, indenizações absurdas e que sejam

desproporcionais às ofensas supostamente geradas.

Não podemos deixar que a grandeza e importância do instituto do dano moral, que

além de ser previsto no Código Civil, também tem previsão Constitucional, acabe em

indevido descrédito por parte de todos.

A seguir segue alguns exemplos de ajuizamento de ações com pedido de dano

moral: Responsabilidade civil - Dano moral - Autor que alega ter sofrido humilhação ao ser "cobrado" pela gerente do banco-réu por dívida de terceira pessoa [sua esposa] - Inexistência de nexo causal entre o fato alegado e dano por ele produzido - Mero dissabor que não enseja reparação moral - Sentença mantida - Não provimento. (Apelação Cível, nº: 990.10.224004-5, TJSP, 4ª Câmara Cível, relator: Des. ENIO SANTARELLI ZULIANI, julgamento em: 11-11-2010).

Em resumo, o autor alegar ter sofrido humilhação por parte da gerente do banco,

onde possui uma conta corrente. No momento em que estava efetuando um saque no

caixa eletrônico foi abordado pela gerente, que segundo seu relato foi humilhado,

passando por situação vexatória, visto que foi cobrado por dívida de sua esposa.

Entretanto, segundo relato da gerente, confirmado por testemunha, esta o abordou

solicitando a informação sobre o endereço e telefone da esposa do requerente. Por sua

vez, o requerente pleiteou indenização a titulo de danos morais o montante de R$

6.500,00 (Seis mil e quinhentos reais), o qual foi julgado improcedente em primeira

instancia e mantida pelo Superior Tribunal de Justiça de São Paulo, cujo fundamento, de

que mero dissabor não gera dano moral. Agravo Retido-Decisão que indeferiu A produção de prova pericial e o pedido de Exibição de documentos – Provas que se Mostravam irrelevantes e incapazes de Descaracterizar a idoneidade daquilo que Já restou demonstrado nos autos – recurso Não provido. Obrigação de fazer – Cumulação com pedido de indenização Propaganda enganosa – inocorrenoa – faixa publicitária Que não

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tem potencial para induzir o consumidor em erro Quanto a dados essências relacionados à venda do produto Anunciado – danos morais não caracterizados – ação improcedente Sentença mantida – recurso não provido (Apelação Cível, nº: 994.09.317122-1, TJSP, 5ª Câmara Cível, relator: Des. ERICKSON GAVAZZA MARQUES, julgamento em: 20-10-2010).

Em resumo a autora ajuizou ação visto que acreditou que adquiriria um veiculo

apenas efetuando o pagamento de duas parcelas no valor de R$ 290,00 (Duzentos e

noventa reais) cada.

Relata que foi a concessionária com o objetivo de comprar um veiculo. Esta foi

atraída por propaganda publicitária que tinha apenas esse objetivo, atrair clientes, visto

que todas as condições de compra não estavam expostas.

Desta forma a apelante solicitou todas as informações referentes ao veiculo,

inclusive no que diz respeito ao prazo de entrega, cores disponíveis e características do

veiculo, no entanto relata que não indagou ao vendedor sobre o numero de parcelas de R$

290,00 (Duzentos e noventa reais) que deveriam ser pagas para a aquisição do veiculo.

Fato que não condiz com o conhecimento do homem médio, pois não é possível a

aquisição de veiculo por tal valor.

A ação foi julgada improcedente, e a sentença mantida em sede de recurso, pois

não foi caracterizado o dano moral, ainda caracterizado apenas como frustrações

decorrentes da vida em sociedade. Água e esgoto. Ação declaratória de inexistência de débito cumulada com pedido de indenização por danos morais. Sentença de parcial procedência. Manutenção. Cobrança acima da média confirmada pelo jurisperito. Réu que sequer se manifestou sobre o laudo; além disso, não produziu nenhuma prova que pudesse infirmar a forte possibilidade de erro de leitura no hidrômetro. Danos morais: não há, na inicial, causa de pedir quanto a eles; a autora pediu por pedir. Apelação do réu e recurso adesivo da autora não providos. (Apelação Cível, nº: 990.10.247651-0, TJSP, 36ª Câmara Cível, Presidente e Relator: ROMEU RICUPERO, julgamento em: 30-09-2010).

Em resumo, a autora recebeu da requerida contas de água de valores absurdos.

Após reclamação a ré substituiu o hidrômetro, no entanto não suspendeu a cobrança e

ainda ameaçou interromper os serviços de água e esgoto no caso inadimplemento. Em

razão disso, a autora ajuizou ação onde pleiteava inexigibilidade do débito perseguido

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pela requerida, sendo que estes estavam bem distantes da média mensal de consumo da

autora, bem como a indenização ao pagamento de danos morais sofridos.

Neste caso, podemos bem observar o entendimento de Salomão Resedá, como dito

anteriormente, compara os pedidos de danos morais como as “batatas fritas” dos fast

foods, visto que a ação em que pleiteia a inexigibilidade do débito tem razão de ser, tanto

que, houve o acolhimento, entretanto, o pedido de dano moral, foi julgado improcedente,

pois, conforme entendimento da câmara julgadora, em relação ao dano moral não há

causa de pedir, a autora pediu por pedir. RESPONSABILIDADE CIVIL - Indenização -Dano moral - Rompimento abrupto de noivado, réu surpreendido na cama da própria residência, a sexualmente se relacionar com colega de trabalho, casada - Dano moral tipificado; provimento parcial do apelo, todavia, para reduzir a indenização a-0, TJSP, 8ª Câmara Cível, Relator: LUIS AMBRA, julgamento em: 19-11-2011).

Trata-se de caso em que a autora pleiteia indenização por dano moral, a qual foi

julgada procedente e fixada em R$ 5.000,00 (Cinco mil reais), o presente recurso reduz o

valor para dez salários mínimos, visto que a câmara julgadora entende que a hipótese de

rompimento de noivado, como regra não é indenizável, no entanto, aqui se configura,

pelos motivos que levaram ao seu rompimento.

O casamento já ajustado, todos os móveis comprados para a futura residência,

quando a autora ao se dirigir a casa do noivo, sem avisar, o surpreende em pleno

relacionamento sexual com uma colega de trabalho, por sinal, casada.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Desta forma, constatamos a existência de uma verdadeira indústria do dano moral.

Como apresentamos, o instituto tem sido usado como forma de obter enriquecimento

fácil, sem a necessidade de nenhum dispêndio, pois o Judiciário de qualquer forma

apreciará o pedido, ou seja, há possibilidade de muito ganhar e pouco a perder.

A partir da constitucionalização do instituto, ampliaram-se também os motivos que

geram o dano moral, muito em razão da possibilidade de também ser considerado uma

garantia dos direitos individuais e se encaixar praticamente em todas as áreas do direito.

Também se observa que em razão das inúmeras atividades hoje realizadas na

sociedade, o homem esta sujeito a vários acontecimentos que poderiam enfadá-lo,

contudo, essas situações, em regra, não geram qualquer verossimilhança de uma

indenização, ou seja, não se configura o dano moral.

Como já dito anteriormente considera-se dano moral a dor subjetiva, dor interior

que foge à normalidade do dia-a-dia do homem médio venha a lhe causar ruptura em seu

equilíbrio emocional interferindo intensamente em seu bem estar.

Vale ressaltar, que além de motivos fúteis que fundamentam as exordiais de ação

por danos morais, também existem aqueles que se baseiam no desejo de se utilizam do

instituto com a finalidade de enriquecer-se.

Dentre os principais aborrecimentos, estão presentes com maior freqüência os

maus atendimentos, a má prestação de serviços, descumprimento contratual, etc.

É evidente que estes fatos na sua maioria são desagradáveis e causa, certamente,

uma espécie de desconforto ou aborrecimento, devendo a vítima, assim, procurar dar

continuidade a sua vida, fazendo com que o episódio desagradável lhe dê força para

enfrentar estas situações enfadonhas próprias do cotidiano.

Dessa forma, tais casos, não ensejam, com certeza, qualquer espécie de

indenização a titulo de dano moral, pois, se pensarmos que toda vez que fossemos vítimas

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de infortúnios, pleitearíamos indenizações junto ao Judiciário, causaríamos, assim, um

verdadeiro caos, ou, supondo-se devidas tais indenizações por "aborrecimentos morais",

estaríamos diante de um quadro de falência total do Estado, bem como das grandes e

pequenas empresas.

Apesar de alguns doutrinadores considerarem o grande numero de ações como

algo normal, justificando que isso não caracteriza banalização, mas sim a conscientização

da população, que hoje está lutando por seus direitos.

Atualmente, podemos afirmar com todas as palavras que ocorre sim a banalização

do instituto do dano moral, onde toda e qualquer simples discussão ou dissabor, fatos que

são apenas um contratempo e não fogem a normalidade, que quando muito se

caracterizam como meros dissabores geram ações de indenizações por danos morais sem

fundamento, e algumas dessas ações são julgadas procedentes sem a aferição dos

requisitos essenciais da responsabilidade civil e do próprio dano moral.

Dessa forma, o instituto do dano moral vem sofrendo um grande desvirtuamento,

por parte tanto dos requerentes, bem como dos profissionais do Direito, que estão

exagerando em sua configuração, pois ingressam com ações, em números cada vez

maiores, com pedidos de ressarcimento por danos morais em cifras absurdas.

Sendo assim, deve ficar claro que a caracterização do instituto somente se dá se

houver dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, foge à normalidade e é capaz de

interferir de forma intensa na esfera psicológica da pessoa, causando-lhe sofrimento,

angústia e desequilibro em seu bem-estar e a sua integridade psíquica, existindo

efetivamente um dano a ser reparado.

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BIBLIOGRAFIA

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