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2021 6 ª edição revista atualizada ampliada HENRIQUE CORREIA CURSO DE DIREITO DO TRABALHO

CURSO DE DIREITO DO TRABALHO€¦ · cado de conhecimento ou habilidade, como médicos, advogados, artistas etc. Por fim, nada impede que um pedreiro ou taxista seja contratado como

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2021

6ªedição

revistaatualizadaampliada

HENRIQUE CORREIA

CURSO DE DIREITO DO TRABALHO

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Capítulo VIII

RELAÇÕES DE TRABALHO QUE NÃO CONFIGURAM VÍNCULO EMPREGATÍCIO

1. INTRODUÇÃO

As relações jurídicas a seguir não são consideradas relações de emprego, pois não estão presentes todos os requisitos essenciais à configuração do vínculo. Logo, essas relações de trabalho, em sentido amplo, não possuem o sistema protetivo previsto na CLT.

Destaca-se que, após a Emenda Constitucional nº  45/2004, que alterou o art. 114 da CF/88, a Justiça do Trabalho teve sua competência ampliada para processar e julgar causas envolvendo relações de trabalho em sentido amplo. A competência da Justiça do Trabalho é matéria ligada ao processo do trabalho.

Cabe ressaltar que, no dia 28/09/2020, o STF reconheceu que a competência para jul-gamento das demandas envolvendo representantes comerciais é da Justiça Comum com a seguinte tese de repercussão geral: “Preenchidos os requisitos dispostos na Lei 4.886/65, compete à Justiça Comum o julgamento de processos envolvendo relação jurídica entre representante e representada comerciais, uma vez que não há relação de trabalho entre as partes”. Embora essa decisão seja no âmbito do Processo do Trabalho e o livro trata de Direito Material, há reflexos importantes nas relações de trabalho que não configuram vínculo empregatício.

O TST tinha o posicionamento de que a competência da Justiça Comum se limitava às relações do representante comercial quando era organizado como pessoa jurídica. Se o representante era pessoa física e a empresa pessoa jurídica, a competência era da Jus-tiça do Trabalho. O STF, nesse julgamento, alterou o posicionamento do TST, pois passou a entender que, mesmo sendo pessoa física, a relação do representante comercial com a empresa é sempre de competência da Justiça Comum por ser uma relação comercial regu-lada por legislação própria.

Essa decisão não impactará, entretanto, nas demais relações de trabalho, que per-manecem sendo julgadas pela Justiça do Trabalho por força do art. 114 da CF/88. Outras interpretações entendendo que não há competência da Justiça do Trabalho para relações de trabalho “lato sensu” me parecem, com todo o respeiro, equivocadas.

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2. TRABALHADOR AUTÔNOMO E A REFORMA TRABALHISTA

O trabalhador autônomo é o prestador de serviços que atua como patrão de si mes-mo1, ou seja, é a pessoa física que presta serviços por conta própria, assumindo os riscos do empreendimento. Exemplos de trabalhadores autônomos: médico, pedreiro, taxista, veterinário, diarista etc.

Em geral, esse trabalhador é o dono das ferramentas e demais equipamentos indis-pensáveis para a realização das suas atividades, possui ampla liberdade para escolher o horário de trabalho e fixar o preço de seus serviços. Verifica-se, assim, que falta ao traba-lhador autônomo o requisito da subordinação para que se configure a relação empregatícia.

Essa prestação de serviços por trabalhador autônomo poderá ser fungível (substitui-ção por outra pessoa ou infungível). Infungível, portanto, é o trabalho que não pode ser repassado a outra pessoa, por exemplo, contrata-se o melhor pedreiro da cidade para re-forma do apartamento. Se ele enviar outro prestador de serviços, ficará inadimplente, pois o trabalho, nesse caso, não pode ser repassado a terceiros. Essa previsão deve constar no contrato. De acordo com o Ministro e Professor Maurício Godinho Delgado2:

Mesmo em se tratando de serviço pactuado com pessoa física, é muito comum o trabalho autônomo sem infungibilidade quanto ao prestador. Um serviço co-tidiano de transporte escolar, por exemplo, pode ser contratado ao motorista do veículo, que se compromete a cumprir os roteiros e horários prefixados, ainda que se fazendo substituir eventualmente por outro(s) motoristas(s).

O autônomo pode, contudo, ser pactuado com cláusula de rígida pessoalidade – sem prejuízo da absoluta ausência de subordinação. É o que tende a ocorrer com a prestação de serviços contratada a profissionais de nível mais sofisti-cado de conhecimento ou habilidade, como médicos, advogados, artistas etc.

Por fim, nada impede que um pedreiro ou taxista seja contratado como empregado, desde que estejam presentes os quatro requisitos da relação de emprego, em especial, a subordinação.

A Reforma Trabalhista inseriu o art. 442-B à CLT para prever:

Art. 442-B, CLT (acrescentado pela Lei nº 13.467/2017). A contratação do autônomo, cumpridas por este todas as formalidades legais, com ou sem exclusividade, de forma contínua ou não, afasta a qualidade de empregado prevista no art. 3º desta Consolidação.

De acordo com a redação do art. 442-B da CLT, o trabalho autônomo pode ser pac-tuado com cláusula de exclusividade e continuidade. É o que tende a ocorrer com a pres-tação de serviços contratada com profissionais de nível mais sofisticado de conhecimento ou habilidade, como médicos, advogados, artistas etc.

1. BARROS, Alice Monteiro. Curso de Direito do Trabalho. 2. ed. São Paulo: Ltr, 2006. p. 204.

2. DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 9. ed. São Paulo: Ltr, 2010.

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Ocorre que não há como visualizar, na prática, a aplicação do dispositivo. Dificilmente, será afastado o requisito da subordinação do trabalhador que presta serviços todos os dias em uma mesma empresa com exclusividade. Apesar de a exclusividade não ser requisito para a configuração do vínculo de emprego, o trabalhador que prestar seus serviços de forma contínua a apenas uma empresa terá, provavelmente, verificada a subordinação jurídica.

O presente artigo, acrescentado pela Reforma Trabalhista, é inexequível e sua aplica-ção será afastada pelo art. 3º da CLT e pelo princípio da primazia da realidade, quando presentes os requisitos para a formação do vínculo de emprego. No mesmo sentido, os Enunciados nº 51 a 53 da 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho3 esta-belecem que o art. 442-B não impede o reconhecimento do vínculo de emprego quando presentes os requisitos do art. 2º e 3º da CLT, por aplicação do princípio da primazia da realidade diante do desvirtuamento do trabalho autônomo:

Enunciado nº 51 da 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Tra-balho. Trabalhador autônomo exclusivo e art. 9º da CLT.

Trabalhador autônomo exclusivo. Reconhecimento da relação de emprego. A norma do artigo 442-B da CLT não impede o reconhecimento da relação de emprego, quando presentes os pressupostos dos artigos 2º e 3º da CLT e configurado o desvirtuamento do trabalho autônomo, com fraude à relação de emprego, à luz do art. 9º da CLT.

Enunciado nº 52 da 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Tra-balho. Trabalhador autônomo exclusivo e primazia da realidade

Primazia da realidade sobre a forma. É a primazia da realidade, e não a for-malidade exteriorizada de atos e negócios jurídicos, que deve ser considerada para o reconhecimento do vínculo de emprego (arts. 2º e 3º da CLT) ou de trabalho autônomo (art. 442-B da CLT).

Enunciado nº 53 da 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Tra-balho. Trabalho autônomo contínuo e exclusivo. Limites e interpretação conforme: inteligência do art. 442-B da CLT à luz da Constituição Federal.

Presume-se o vínculo empregatício diante da prestação de serviços contínua e exclusiva, uma vez que a relação de emprego é direito fundamental (arts. 1º, III e IV, 5º, caput e 7º da CF/1988), devendo o art. 442-B da CLT ser interpretado conforme a Constituição Federal para afastar a caracterização do trabalho autônomo sempre que o trabalhador, não organizando a própria atividade, tenha seu labor utilizado na estrutura do empreendimento e in-tegrado à sua dinâmica.

3. Nos dias 9 e 10 de outubro de 2017, foi realizada a 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho, organizada pela Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho – ANAMATRA, que teve a Reforma Trabalhista como temática. Vale ressaltar que os Enunciados da 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho não apresentam caráter vinculativo, mas expressam o posicionamento de parte da seara trabalhista nas questões envolvendo a Reforma Trabalhista.

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Conforme salientado, o traço característico do contrato de autônomo é a ausência de subordinação jurídica, o que exclui a formação do vínculo de emprego. O art. 442-B da CLT, inserido pela Reforma Trabalhista estabelece que, cumpridas todas as formalidades legais, será afastada a qualidade de empregado ao trabalhador autônomo. Referido dispo-sitivo gerará, durante anos, profundas discussões da doutrina, jurisprudência e no dia a dia das empresas. Em primeira análise, esse artigo foi apresentado para afastar o vínculo empregatício, pois somente se refere ao cumprimento de formalidades legais para a sua descaracterização.

Dessa forma, segundo novo posicionamento, um trabalhador que celebre contrato de trabalho autônomo e preencha todos os requisitos formais desse contrato, não deve ser considerado empregado. Essa orientação choca-se claramente com os princípios da prima-zia da realidade e da proteção do trabalhador, orientadores de toda a disciplina jurídica do Direito do Trabalho.

As formalidades legais, como a celebração de contrato, não são, por si sós, capazes de afastar os requisitos do vínculo. Por aplicação do princípio da primazia da realidade, a realidade se sobrepõe às disposições contratuais escritas. Deve-se, portanto, verificar se o conteúdo do documento coincide com os fatos. Aliás, um autônomo que trabalhe com total exclusividade e, ainda, de forma habitual em determinada empresa tem muita chance de ter declarado o vínculo empregatício, salvo se ficar devidamente comprovada a total ausência de subordinação.

Lembre-se de que o reconhecimento do vínculo de emprego dos empregados independe de sua manifestação em contrato elaborado com seu empregador, devendo ser sempre reco-nhecida quando presentes os requisitos da relação de emprego dispostos no art. 3º da CLT.

Esse artigo gerará insegurança jurídica durante anos, até a pacificação da matéria pelo TST. No entanto, até essa data, causará prejuízo a milhares de trabalhadores. Outro efeito esperado consiste no ajuizamento de milhares de novas ações individuais que passarão a discutir o vínculo empregatício a partir da redação desse novo dispositivo.

A inserção da figura do autônomo exclusivo na Reforma Trabalhista pode acentuar a pejotização4, podendo ter como uma de suas consequências a queda na arrecadação previdenciária5.

Para evitar o cometimento de fraudes na relação trabalhista, com a contratação ilegal de autônomos que preenchem todos os requisitos para o reconhecimento do vínculo de emprego, é indispensável a atuação do sindicato da categoria profissional no acompanha-mento do dia a dia da empresa, oferecendo assessoria jurídica aos empregados filiados. Os

4. A pejotização “refere-se ao processo de mascaramento e eliminação legal de relações de emprego, consolidan-do-se pela transformação do empregado em um prestador de serviços legalizado como pessoa jurídica (KREIN, José Dari et al. Flexibilização das relações de trabalho: insegurança para os trabalhadores. In: KREIN, José Dari; GIMENEZ, Denis Maracci; SANTOS, Anselmo Luis dos. Dimensões críticas da Reforma Trabalhista no Brasil. Campinas: Curt Nimuendajú, 2018. p. 97-104. p. 104.)

5. KREIN, José Dari et al. Flexibilização das relações de trabalho: insegurança para os trabalhadores. In: KREIN, José Dari; GIMENEZ, Denis Maracci; SANTOS, Anselmo Luis dos. Dimensões críticas da Reforma Trabalhista no Brasil. Campinas: Curt Nimuendajú, 2018. p. 97-104. p. 105.

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sindicatos devem pressionar os empregadores para o registro de seus trabalhadores como empregados, informando aos órgãos competentes sobre as fraudes praticadas pelas empresas.

Por outro lado, é atribuição dos auditores fiscais do trabalho a aplicação de multa aos empregadores por falta de registro. O empregador que mantiver empregado não re-gistrado, ou ainda, sem os dados e informações exigidos no artigo 41 do CLT (duração do trabalho, remuneração etc.) ficará sujeito à multa que será aplicada pela fiscalização do trabalho, que correspondia, antes da reforma trabalhista, ao valor de 378,2847 Unidades de Referência Fiscal (UFIRs) por empregado não registrado, conforme previsto no Anexo I da Portaria 290/1997 do Ministério do Trabalho, que corresponderia atualmente ao valor de R$ 402,536. Destaca-se que, no caso de reincidência, ocorreria o acréscimo de igual valor na multa aplicada.

Com a modificação promovida pela Reforma Trabalhista, a multa foi majorada para o valor de R$ 3.000,00 por empregado não registrado, com acréscimo de igual valor na hipótese de reincidência.

Cabe ao MPT a tutela inibitória da conduta lesiva ao trabalhador com o estabelecimento de Termo de Ajustamento de Condutas com os infratores ou o ajuizamento de ação civil pública para se evitar o cometimento de novas práticas que prejudiquem os trabalhadores.

2.1. Regulamentação do trabalho autônomo pela Portaria nº 349/2018 do antigo Ministério do Trabalho7

Entre os dias 14/11/2017 e 23/04/2018 vigorou a MP nº 808/2017 que trouxe diversas alterações nos dispositivos da Reforma Trabalhista. Não deixe de conferir os comentários completos à Medida Provisória no próximo tópico desta obra.

Com a perda de eficácia dessa medida provisória pelo fato de não ter sido votada pelo Congresso Nacional, o Ministério do Trabalho editou a Portaria nº 349, de 23 de maio de 2018, regulamentando em parte aquilo que estava previsto na MP nº 808/2017:

Art. 1º, Portaria nº 349/2018 do Ministério do Trabalho: A contratação do autônomo, cumpridas por este todas as formalidades legais, com ou sem exclusividade, de forma contínua ou não, afasta a qualidade de empregado prevista no art. 3º do Decreto-Lei nº  5.452, de 1º de maio de 1943, que aprova a Consolidação das Leis do Trabalho.

§ 1º. Não caracteriza a qualidade de empregado prevista no art. 3º da Conso-lidação das Leis do Trabalho o fato de o autônomo prestar serviços a apenas um tomador de serviços.

6. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Reforma Trabalhista. Salvador: Juspodivm, 2017. P. 15.

7. Com a promulgação da Lei nº 13.844/2019, em decorrência da conversão em lei da MP nº 870, o Ministério do Trabalho foi extinto e suas atribuições foram transferidas aos Ministérios da Economia, da Justiça e Segurança Pública e da Cidadania. O Ministério da Economia concentrou a maioria das antigas atribuições do Ministério do Trabalho, como a fiscalização do trabalho, a segurança e saúde do trabalho, a regulação profissional, a po-lítica salarial, entre outras. Para isso, foi criada a Secretaria Especial de Previdência e Trabalho.

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§  2º. O autônomo poderá prestar serviços de qualquer natureza a outros tomadores de serviços que exerçam ou não a mesma atividade econômica, sob qualquer modalidade de contrato de trabalho, inclusive como autônomo.

§ 3º. Fica garantida ao autônomo a possibilidade de recusa de realizar ati-vidade demandada pelo contratante, garantida a aplicação de cláusula de penalidade, caso prevista em contrato.

§ 4º. Motoristas, representantes comerciais, corretores de imóveis, parceiros, e trabalhadores de outras categorias profissionais reguladas por leis específicas relacionadas a atividades compatíveis com o contrato autônomo, desde que cumpridos os requisitos do caput, não possuirão a qualidade de empregado prevista o art. 3º da Consolidação das Leis do Trabalho.

§  5º. Presente a subordinação jurídica, será reconhecido o vínculo empre-gatício.

Tendo em vista que a Portaria nº 349/2018 compreende norma infralegal, pode surgir o questionamento quanto sua legalidade ao prever nova regulamentação para os disposi-tivos da Reforma Trabalhista. Destaca-se que que os atos normativos do Poder Executivo, desde que não criem novos direitos e obrigações, podem ser editados para esmiuçar as previsões legais existentes, permitindo a fiel execução da norma.

Entendemos que a Portaria nº 349/2018 do Ministério do Trabalho, ao tratar de temas reservados à legislação extrapolou seus limites. Entretanto, como os atos estatais gozam de presunção de legalidade e legitimidade, os dispositivos serão comentados nesse livro.

A Portaria nº 349/2018 elencou diversas hipóteses em que o trabalhador permanece como autônomo:

a) Prestação de serviços a apenas um tomador: Ainda que prestasse serviços a apenas um tomador, não haveria caracterização da qualidade de empregado. Esse dispositivo corrobora o art. 442-B da CLT que prevê a possibilidade de estabelecer cláusula de exclusividade no contrato do trabalhador autônomo.

b) Prestação de serviços a outros tomadores: De acordo com o § 2º do art. 1º da Portaria nº 349/2018 do MTb, o trabalhador autônomo pode prestar serviços de qualquer natureza a outros tomadores de serviços, que exercem ou não a mesma atividade econômica, inclusive sob qualquer modalidade de contrato de trabalho. Assim, um trabalhador autônomo pode ser contra-tado para prestar serviços como técnico de computação em uma empresa e também ser contratado como analista de sistemas em outra empresa, sem que se perca a qualidade de autônomo. Pela regulamentação, não importa a atividade desenvolvida ou a modalidade de contrato de trabalho celebrado com outros tomadores para descaracterizar a condição de autônomo. Nesse sentido, trata-se de dispositivo que reforça a possibilidade de o autônomo também ser contratado sem exclusividade nos termos do art. 442-B da CLT;

c) Recusa na prestação de serviços: O art. 1º, § 3º, da Portaria nº 349/2018 do MTb assegura ao autônomo a possibilidade de recusar a realização de ati-vidade demandada pelo contratante. Lembre-se de que a essência do contrato

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de trabalho autônomo é a ausência de subordinação jurídica em relação ao tomador de serviços. O trabalhador autônomo é “patrão de si mesmo”. Nesse caso, é possível a aplicação da cláusula de penalidade prevista no contrato de trabalho autônomo, pelo inadimplemento do avençado. Exemplo: traba-lhador autônomo deveria pagar multa estipulada em determinado valor caso o trabalho não fosse prestado conforme celebrado no contrato;

d) Leis específicas: Diversas profissões e atividades são regulamentadas por leis específicas e são compatíveis com o trabalho autônomo, no caso: moto-ristas, representantes comerciais, corretores de imóveis, parceiros, etc. Esses trabalhadores, desde que cumpridos os requisitos do art. 442-B, “caput”, da CLT e art. 1º, “caput”, da Portaria nº  349/2018, não seriam considerados como empregados.

Por outro lado, se presente a subordinação jurídica, o vínculo de emprego deve ser reconhecido. Conforme salientamos o trabalho autônomo diferencia-se da relação de em-prego pela ausência da subordinação jurídica, pois é o prestador de serviços que atua como patrão de si mesmo, ou seja, é a pessoa física que presta serviços por conta pró-pria, assumindo os riscos do empreendimento. Assim, se presente a subordinação com o tomador de serviços, estarão configurados todos os requisitos do vínculo de emprego.

2.2. Trabalhador parceiro

O exercício das atividades profissionais de cabeleireiro, barbeiro, esteticista, manicu-re, pedicure, depilador e maquiador é regulamentado pela Lei nº 12.592/2012. De acordo com seu art. 1º, parágrafo único, os profissionais desenvolvem atividades de higiene e embelezamento capilar, estético, facial e corporal dos indivíduos.

Em outubro de 2016, foi promulgada a Lei nº 13.352/2016, que acrescentou os arts. 1º-A a 1º-D à Lei nº 12.592/2012. Esses novos dispositivos legais alteraram a disciplina jurídica trabalhista referente a esses profissionais ao criar o contrato de parceria entre o dono do salão de beleza e os profissionais de cabeleireiro, barbeiro, esteticista, manicure, pedicure, depilador e maquiador. Na legislação, o salão de beleza e os profissionais são denominados “salão-parceiro” e “profissional-parceiro”, respectivamente.

A legislação permite a contratação do profissional-parceiro como pessoa jurídica e serão considerados pelas autoridades fazendárias como pequenos empresários, microempresários ou microempreendedores individuais (art. 1º-A, § 7º, Lei nº 12.592/2012).

A principal novidade trazida pela Lei nº 13.352/2016 é a ausência do reconhecimento de vínculo de emprego com o salão de beleza quando formalizada a parceria:

Art. 1º-A, § 5º, Lei nº 12.592/2012: O profissional-parceiro não terá re-lação de emprego ou de sociedade com o salão-parceiro, enquanto perdurar a relação de parceria tratada nesta lei.

Assim, o parceiro-profissional pode ser considerado como trabalhador autônomo, não tendo reconhecidos os direitos trabalhistas previstos aos demais empregados, como férias,

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13º salário, limitação de jornada etc. Ainda que presentes os requisitos do art. 3º da CLT para configuração do vínculo de emprego, o profissional-parceiro não será considerado como empregado do salão de beleza.

Para a formalização do contrato de parceria, é necessário ato escrito e a sua homo-logação pelo sindicato da categoria profissional e laboral. Na ausência do sindicato, é possível que a homologação ocorra por órgão do Ministério da Economia8 perante duas testemunhas. Ressalta-se que o profissional-parceiro, ainda que inscrito como pessoa ju-rídica, deve ser assistido pelo sindicato profissional ou, em sua ausência, pelo órgão do Ministério do Trabalho. Portanto, os sindicatos profissionais assumem papel extremamen-te relevante de atuação nesses contratos de parceria de salões de beleza, pois poderão auxiliar os profissionais-parceiros acerca das condições estabelecidas no contrato e evitar abusos pelo salão de beleza.

De acordo com a nova regulamentação, cabe ao salão-parceiro centralizar os paga-mentos e os recebimentos dos serviços prestados e reter sua cota-parte percentual, fixa-da no contrato de parceria, bem como os valores de recolhimento de tributos e contri-buições previdenciárias devidas pelo profissional-parceiro. Além disso, devem repassar ao profissional-parceiro sua cota-parte. O salão-parceiro e o profissional-parceiro receberão suas cotas-parte em razão das seguintes atividades desenvolvidas (art. 1º-A, §  4º, Lei nº 12.592/2012):

– Cota-parte do salão de beleza: atividade de aluguel de bens móveis e utensílios para o desempenho das atividades e/ou serviços de gestão, de apoio administrativo, de escritório, de cobrança e de recebimentos de valo-res transitórios recebidos de clientes das atividades de serviços de beleza;

– Cota-parte do profissional: atividades de prestação de serviços de beleza.

Ademais, o profissional-parceiro não pode assumir as responsabilidades e obrigações decorrentes da administração da pessoa jurídica do salão-parceiro, de natureza contábil, fiscal, trabalhista e previdenciária ou quaisquer outras que se refiram ao funcionamento do negócio (art. 1º-A, § 6º, Lei nº 12.592/2012). Dessa forma, por exemplo, se o salão--parceiro contratar um empregado para auxiliar nas atividades desenvolvidas, a responsa-bilidade pelos pagamentos de suas verbas trabalhistas é exclusiva do salão-parceiro, não podendo ser repassada ao profissional.

Além disso, existe previsão de 7 cláusulas obrigatórias no contrato de parceria de salão de beleza (art. 1º-A, § 10, Lei nº 12.592/2012):

1) Percentual das retenções pelo salão-parceiro dos valores recebidos por cada serviço prestado pelo profissional-parceiro;

8. Com a promulgação da Lei nº 13.844/2019, em decorrência da conversão em lei da MP nº 870, o Ministério do Trabalho foi extinto e suas atribuições foram transferidas aos Ministérios da Economia, da Justiça e Segurança Pública e da Cidadania. O Ministério da Economia concentrou a maioria das antigas atribuições do Ministério do Trabalho, como a fiscalização do trabalho, a segurança e saúde do trabalho, a regulação profissional, a po-lítica salarial, entre outras. Para isso, foi criada a Secretaria Especial de Previdência e Trabalho.

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2) Obrigação do salão-parceiro de reter e recolher os tributos e contribuições sociais e previdenciárias devidas pelo profissional-parceiro;

3) Condições e periodicidade do pagamento do profissional-parceiro por cada tipo de serviço oferecido;

4) Direitos do profissional-parceiro quanto ao uso de bens materiais neces-sários ao desemprenho de suas atividades, bem como sobre o acesso e cir-culação nas dependências do estabelecimento;

5) Possibilidade de rescisão unilateral do contrato mediante aviso prévio de, no mínimo, 30 dias;

6) Responsabilidade de ambas as partes com a manutenção e higiene de materiais e equipamentos, das condições de funcionamento do negócio e do bom atendimento dos clientes;

7) Obrigação do profissional-parceiro de manutenção da regularidade de sua inscrição perante as autoridades fazendárias.

Com o intuito de evitar contaminações e demais riscos à saúde da população, o art. 4º da Lei nº 12.592/2012 já previa, antes da alteração da Lei nº 13.352/2016, a necessidade de os profissionais de beleza atenderem às normas sanitárias com a devida esterilização dos materiais utilizados no atendimento a seus clientes. Esse dispositivo foi reforçado com a obrigação estendida ao salão-parceiro de preservar e manter condições adequadas de trabalho do profissional-parceiro (art. 1º-B, Lei nº 12.592/2012).

Cabe ressaltar, ainda, que o art. 1º-C da Lei nº 13.252/2016 traz as duas hipóteses em que o vínculo de emprego pode ser reconhecido entre o salão parceiro e o profissio-nal-parceiro, ainda que este tenha sido contratado na condição de pessoa jurídica:

a) Não existir contrato de parceria formalizado de acordo com as novas dispo-sições. Assim, é essencial ao atendimento às formalidades previstas com a as-sinatura do contrato por escrito com assistência do sindicato profissional ou do Ministério do Trabalho e, ainda, a previsão das cláusulas obrigatórias;

b) O profissional-parceiro desempenhar funções diferentes daquelas descritas no contrato de parceria. Dessa forma, se o trabalhador for contratado para prestar serviços de cabeleireiro e atuar em outras funções administrativas do salão-par-ceiro, será reconhecido o vínculo de emprego.

Essa nova relação jurídica de parceria está sujeita ao processo de fiscalização, de au-tuação e de imposição de multas aplicáveis às relações de emprego.

Outro caso que poderia gerar a configuração da relação de parceria é do motorista do Uber (parceiro) com a empresa contratante, havendo grande discussão acerca da possibi-lidade de configuração do vínculo de emprego com os motoristas do aplicativo Uber9. Não

9. O Uber é um aplicativo de celular que permite que uma pessoa se comunique com um motorista particular para programar uma viagem ou uma entrega. Os motoristas que atuam junto ao Uber não cobram diretamente do

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existe regulamentação no país acerca do uso dessas plataformas digitais para o transporte de passageiros. Atualmente, tramita na Câmara dos Deputados o PL nº 5587/16 e o PLC nº 28/2017, que pretendem regulamentar o aplicativo.

Nesse sentido, já houve decisão do Tribunal Regional da 3ª Região no processo de nº 0011359-34.2016.5.03.0112, que entendeu pela ausência de relação de emprego, sob os seguintes argumentos:

• Ausência de pessoalidade: não há prova de pessoalidade na prestação do ser-viço, já que o motorista pode se fazer substituir por outro motorista, desde que também cadastrado na plataforma. Além disso, o interessado no uso do aplicativo poderia ser pessoa jurídica.

• Ausência de subordinação: não há definição de jornada. O parceiro trabalha com autonomia, independência e não sofre punição pelo não fornecimento de água e balas aos usuários do aplicativo. Também não há que se falar em subordinação estrutural10, pois a empresa se caracteriza como plataforma digital, que objetiva integrar motoristas cadastrados aos usuários de transporte.

• Onerosidade: não é suficiente para a configuração da relação de emprego, de-vendo estar presentes as demais condições do art. 3º da CLT.

O tema está inserido no questionamento quanto à necessidade de regulamentação das novas formas de trabalho que não se enquadram na configuração tradicional do vínculo de emprego. O Ministério Público do Trabalho criou uma força-tarefa, em âmbito nacional, vinculado à Coordenadoria Nacional de Combate às Fraudes nas Relações de Trabalho para estudar os tipos de vínculos e implicações legais da relação entre os motoristas do Uber com a empresa que gerencia o aplicativo11.

2.3. Uberização das relações de trabalho

Diante das profundas transformações promovidas pelo desenvolvimento da tecnologia, as pessoas estão cada vez mais integradas ao meio digital e o uso de apps para o desen-volvimento das tarefas cotidianas está cada vez mais presente. A utilização do celular para escutar uma música, deslocar-se até a casa de um amigo, pedir comida, consultar e realizar transações bancárias passou a ser a realidade da sociedade atual. Nesse sentido, diversas empresas passaram a oferecer esses serviços e estão redefinindo as relações de trabalho.

Mas, afinal, o que significa “uberização” das relações de trabalho? A empresa Uber revolucionou a forma de transporte das pessoas, especialmente em grandes cidades ao

passageiro, como ocorre no táxi tradicional. O valor é pago à empresa Uber que repassa um valor aos moto-ristas. Além disso, a empresa cobra um percentual sobre o valor da corrida pelo serviço prestado de conectar o passageiro ao motorista.

10. A subordinação estrutural ou integrativa consiste na inserção do trabalhador na dinâmica produtiva do toma-dor de serviços.

11. Fonte: http://www.prt3.mpt.mp.br/procuradorias/prt-belohorizonte/673-comissao-pede-que-o-mpt-investi-gue-relacao-de-trabalho-no-sistema-uber

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Capítulo VIII • RELAÇÕES DE TRABALHO QUE NÃO CONFIGURAM VÍNCULO EMPREGATÍCIO

oferecer serviço de transporte individual de passageiros com excelência, rapidez e preços competitivos. Ocorre que os motoristas contratados pela Uber para prestar os serviços de transporte não são contratados como empregados. O tema está inserido no questiona-mento quanto à necessidade de regulamentação das novas formas de trabalho que não se enquadram na configuração tradicional do vínculo de emprego. A uberização das relações de trabalho pode ser conceituada como a nova forma de contratação informal, dinâmica e flexível de trabalhadores por empresas de aplicativos na condição de parceiros e não de empregados.

A uberização está associada à figura da precarização das relações de trabalho e à in-formalidade e suscita diversas discussões quanto aos direitos trabalhistas.

De acordo com o art. 11-A da Lei nº 12.587/2012, é de competência exclusiva dos Municípios e do Distrito Federal a regulamentação e a fiscalização do serviço de transpor-te remunerado privado individual de passageiros previamente cadastrados em aplicativos ou outras plataformas de comunicação em rede, tais como o Uber. Ocorre que somente a União pode versar sobre normas de Direito do Trabalho (art. 22, I, CF/88). Portanto, persistem as dúvidas quanto à formação do vínculo de emprego, que deverão ser solucio-nadas pelo Judiciário Trabalhista.

No dia 08/08/2019, foi publicada Resolução do Comitê Gestor do Simples Nacional, vinculado ao Ministério da Economia, que autoriza que os motoristas de aplicativo como o Uber possam ser contratados como microempreendedor individual e, com isso, contribuir para o INSS. Microempreendedor individual é a pessoa que trabalha por conta própria e que se legaliza como pequeno empresário, desde que seu faturamento não seja superior a R$ 60.000,00 por ano e que não tenha participado de outra empresa como titular ou sócio.

Há grande discussão se o motorista de aplicativo é empregado. Diversas ações traba-lhistas foram apresentadas pelos motoristas do Uber exigindo o reconhecimento do vínculo de emprego. No dia 18/12/2018, a 8ª Turma do TST proferiu decisão que não reconheceu o vínculo de emprego de motorista do Uber por ausência do requisito de subordinação jurídica, diante da demonstração de autonomia do trabalhador na prestação dos serviços. Além disso, de acordo com o tribunal, a divisão dos valores arrecadados entre o motorista e o Uber aproxima-se de regime de parceria, com a utilização da plataforma digital em troca da destinação de um percentual calculado sobre o valor total cobrado pela viagem.

Há, entretanto, sentenças em várias partes do país, em primeira instância, que reco-nheceram o vínculo empregatício. O tema é recente e gera muitas discussões. O Ministério Público do Trabalho tem o posicionamento de que há presença de vínculo de emprego. Nesse sentido, houve o ajuizamento de duas ações civis públicas, uma em face da em-presa Loggi Tecnologia LTDA12 e outra em face da empresa Ifood13. Na primeira delas (Loggi), o vínculo foi reconhecido na sentença e na outra o pedido foi indeferido. Essas ações ilustram a forte controvérsia sobre o tema, o que será solucionado nos próximos anos pelo Judiciário Trabalhista.

12. Para mais informações, confira o Processo nº 1001058-88.2018.5.02.0008 do TRT da 2ª Região.

13. Para mais informações, confira o Processo nº 1000100- 78.2019.5.02.0037 do TRT da 2ª Região.

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3. TRABALHADOR EVENTUAL

O trabalhador eventual é aquele que presta serviços ocasionais, esporádicos. Ademais, outro critério para identificar o trabalhador eventual é que ele atue em atividades não permanentes da empresa. Exemplo: faculdade de direito contrata programador de sistemas por 3 dias, para atualização dos computadores. Veja que esse trabalho não é uma ativida-de permanente da faculdade, e, ainda, não há repetição das atividades desse profissional.

Verifica-se, no trabalho eventual, a ausência de expectativa de retorno ao local de traba-lho, portanto falta o requisito da não eventualidade para configurar o vínculo empregatício.

Há 4 principais teorias que informam a noção de trabalho eventual, segundo Maurício Godinho Delgado14:

a) teoria da descontinuidade: trabalho eventual ocorre de forma fragmen-tada, sem continuidade no tempo;

b) teoria do evento: o trabalhador eventual é contratado para exercer uma atividade específica, sendo que seu trabalho dura enquanto persistir o even-to ocorrido, o qual não pode ter duração temporal muito ampla. Ou seja, o trabalho eventual depende de evento certo, casual e fortuito;

c) teoria dos fins do empreendimento: será eventual o trabalhador chamado a exercer atividade não inserida nos fins da empresa;

d) teoria da fixação jurídica ao tomador dos serviços: trabalhador eventual não se fixa a uma fonte de trabalho.

Segundo o doutrinador, apenas a teoria da descontinuidade não poderia ser usada para explicar o trabalho eventual, pois, à exceção do trabalho doméstico, a CLT teria re-jeitado essa noção.

4. TRABALHADOR AVULSO

A característica principal do trabalho avulso é a presença da intermediação de mão de obra, ou seja, o trabalhador avulso é colocado no local de trabalho com a interme-diação do sindicato da categoria ou por meio do Órgão Gestor de Mão de Obra – Ogmo.

Embora esse trabalhador não seja empregado, nem do sindicato, nem do Ogmo, uma vez que exercem a atividade a diversos operadores portuários (ausência do requisito de pessoalidade), o art. 7º, XXXIV, da CF/88 estendeu a ele todos os direitos previstos aos empregados. Diante disso, o trabalhador avulso terá direito a férias, décimo terceiro sa-lário, depósitos do FGTS etc., conforme previsto na Constituição Federal:

Art. 7º, XXXIV, CF/88: São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: a igualdade

14. DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 14. ed. São Paulo: Ltr, 2015. p. 3006-307.

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Capítulo VIII • RELAÇÕES DE TRABALHO QUE NÃO CONFIGURAM VÍNCULO EMPREGATÍCIO

de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso.

Reforça-se o direito à igualdade de direitos entre o trabalho avulso e o emprego, a proibição de celebração de convenção ou acordo coletivo que tenha como objeto suprimir ou reduzir essa igualdade, nos termos do art. 611-B da CLT, acrescentado pela Reforma Trabalhista:

Art. 611-B, CLT (acrescentado pela Lei nº 13.467/2017): Constituem objeto ilícito de convenção coletiva ou de acordo coletivo de trabalho, exclusiva-mente, a supressão ou a redução dos seguintes direitos:

(…)

XXV – igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso

4.1. Trabalhador avulso portuário (Lei nº 12.815/2013)

Inicialmente, cabe destacar que a exploração dos portos é feita por meio de conces-são de serviço público. Para facilitar a visualização da matéria, cabe destacar a presença de três pessoas envolvidas nessa relação:

1) Operador Portuário, que é responsável pela exploração da atividade li-gada aos portos;

2) Órgão Gestor de Mão de Obra (Ogmo), por sua vez, que é criado pelo operador portuário, com a finalidade única e exclusiva de gerenciar e admi-nistrar a mão de obra. O operador portuário e o Ogmo não se confundem com a figura de empregador15.

3) Trabalhador Avulso16, que não é empregado, é uma espécie de trabalhador eventual, colocado no trabalho com a intermediação do Ogmo.

Esse trabalhador se dirige até os portos para concorrer à escala de trabalho. Nem to-dos os dias conseguirá prestar serviços, pois há um rodízio entre eles. Cabe frisar que ele deverá receber vale-transporte mesmo nos dias em que não for escalado para o trabalho17. A escalação funciona da seguinte forma: 1. o operador portuário requisita ao Ogmo o número de trabalhadores necessários – aliás, o operador portuário é obrigado a requisitar trabalhadores apenas do Ogmo, exceto se o porto for particular; 2. o Ogmo, de acordo com o rodízio igualitário, escala os trabalhadores entre os que estão presentes no dia; 3. o pagamento é feito pelo operador portuário ao Ogmo, que, por sua vez, deve repassar em até 48 horas aos trabalhadores avulsos.

15. Informativo nº 30 do TST – veja o texto no final deste capítulo.

16. De acordo com legislação previdenciária, o Trabalhador Avulso é definido como: “quem presta, a diversas em-presas, sem vínculo empregatício, serviços de natureza urbana ou rural definidos no regulamento” (art. 12, VI, da Lei nº 8.212/91).

17. Informativo nº 61 do TST – veja o texto no final deste capítulo.

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Nessa escalação diária do trabalhador portuário avulso deverá sempre ser observado um intervalo mínimo de 11 horas consecutivas entre duas jornadas de trabalho, sal-vo em situações excepcionais, constantes de acordo ou convenção coletiva de trabalho.

Tanto o Ogmo como o Operador Portuário são solidariamente responsáveis pelos débitos trabalhistas e pelas contribuições previdenciárias do Trabalhador Avulso. Aliás, cabe a eles cumprir as normas ligadas ao meio ambiente de trabalho, conforme previsto na NR nº 29 do Ministério do Trabalho.

O trabalho portuário é, atualmente, regulado pela Lei nº  12.815/2013. A Lei nº 8.630/1993 foi revogada. A dinâmica dos portos funciona da seguinte forma: o operador portuário (pessoa jurídica responsável pelas atividades de movimentação de passageiros ou mercadorias nos portos) deve constituir um órgão gestor de mão de obra, cujas atri-buições estão descritas no art. 32 da Lei nº 12.815/2013, conforme destacado a seguir:

I – administrar o fornecimento da mão de obra do trabalhador portuário e do trabalhador portuário avulso;

II – manter, com exclusividade, o cadastro do trabalhador portuário e o re-gistro do trabalhador portuário avulso;

III – treinar e habilitar profissionalmente o trabalhador portuário, inscre-vendo-o no cadastro;

IV – selecionar e registrar o trabalhador portuário avulso;

V – estabelecer o número de vagas, a forma e a periodicidade para acesso ao registro do trabalhador portuário avulso;

VI – expedir os documentos de identificação do trabalhador portuário; e

VII – arrecadar e repassar aos beneficiários os valores devidos pelos opera-dores portuários relativos à remuneração do trabalhador portuário avulso e aos correspondentes encargos fiscais, sociais e previdenciários.

Nesse sentido, o Ogmo é o responsável pela seleção do trabalhador portuário avulso para que possa exercer sua profissão. Essa função do Ogmo na escalação dos trabalha-dores avulsos portuários não pode ser afastada por norma coletiva. Portanto, nos portos organizados, a intermediação de mão de obra feita pelo Ogmo substituiu a função que antes era desempenhada pelos sindicatos. Hoje os sindicatos têm essa função restrita aos avulsos não portuários, como será tratado no tópico a seguir.

Ressalta-se que, de acordo com o art. 41, § 1º, Lei nº 12.815/2013, somente poderá exercer a atividade de trabalhador portuário avulso aquele que realizar a inscrição no cadastro do trabalhador portuário, a qual depende de prévia habilitação profissional do interessado com a realização de treinamento pelo Ogmo. Além disso, a seleção para o trabalho deverá ser realizada de acordo com a disponibilidade de vagas e a ordem cronológica do cadastro.

Conforme salienta Vólia Bomfim Cassar18, o trabalhador portuário não pode ser con-fundido com o marítimo, uma vez que este tem vínculo de emprego, normalmente mora

18. CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. 8. ed. São Paulo: Método, 2013. p. 284.

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na embarcação e executa serviços profissionais necessários à navegação. Já o portuário é o responsável pela movimentação de mercadorias nos portes decorrentes do transporte aquaviário.

Ademais, os trabalhadores avulsos portuários dividem-se em registrados e cadastra-dos. Os primeiros são aqueles que realmente são selecionados pelo Ogmo para trabalhar para o operador portuário que o requisitar. Os cadastrados, por sua vez, apenas exercem a função de complementar a equipe quando não se alcançar número suficiente de regis-trados para o serviço19.

Cumpre destacar que não apenas os trabalhadores avulsos portuários podem prestar serviços nos portos brasileiros. Com a redação do art. 40 da referida Lei, verifica-se que é possível a contratação de empregado para o desempenho das mesmas funções dos avulsos:

O trabalho portuário de capatazia, estiva, conferência de carga, conserto de carga, bloco e vigilância de embarcações, nos portos organizados, será realizado por trabalhadores portuários com vínculo empregatício por prazo indeterminado e por trabalhadores portuários avulsos.

No entanto, é válido destacar que a contratação de trabalhadores portuários em-pregados para as atividades de capatazia, bloco, estiva, conferência de carga, conserto de carga e vigilância de embarcações deve ser feita exclusivamente entre os portuários avulsos registrados (art. 40, § 2º, Lei nº 12.815/2013).

De acordo com o Informativo nº 214 do TST, o TST confirmou expressamente que, após o advento da Lei nº 12.815/2013, os trabalhadores portuários somente podem ser contratados na condição de empregados dentre os trabalhadores avulsos registrados no Orgão Gesor de Mão de Obra. Para o tribunal, diante de interpretação literal, histórica e sistemática, há necessidade de se impor a exclusividade na contratação dos portuários registrados como empregados contratados por prazo indeterminado:

Trabalhador portuário avulso. Capatazia. Exclusividade de contratação dos trabalhadores registrados ou cadastrados no OGMO. Interpretação literal, histórica e sistemática do art. 40, § 2º, da Lei nº 12.815/2013.

Após o advento da Lei nº 12.815/2013, a contratação de trabalhadores portuá-rios avulsos para os serviços de capatazia com vínculo empregatício por prazo indeterminado deve ser realizada apenas dentre aqueles registrados no Órgão Gestor de Mão de Obra – OGMO. Se sob a égide do art. 26, parágrafo único, da Lei nº 8.360/93 (revogada) a contratação de trabalhadores no serviço de capa-tazia cadastrados no OGMO ocorria apenas de forma prioritária, a interpretação literal, histórica e sistemática do art. 40, § 2º, da Lei nº 12.815/2013 impõe a exclusividade de contratação dos portuários registrados ou cadastrados, de modo que qualquer outro entendimento violaria o sentido mínimo do texto legal. Sob esse fundamento, a SBDI-I, por unanimidade, conheceu dos embargos, por di-vergência jurisprudencial, e, no mérito, por maioria, negou-lhes provimento para

19. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de Direito do Trabalho. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 278.

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manter a decisão turmária que restabelecera a sentença quanto à determinação de que o embarganterequisite trabalhadores habilitados e inscritos no cadastro ou registro do OGMO para o desempenho de qualquer atividade de capatazia, devendo esta contratação dar-se de forma exclusiva a partir da data da vigência da Lei nº 12.815/2013, em 5.6.2013, nos termos de seu art. 40, § 2º. Vencido o Ministro Alexandre Luiz Ramos, relator. TST-E-ED-RR-52500-43.2007.5.02.0446, SBDI-I, rel. Min. Alexandre Luiz Ramos, red. p/ acórdão Min. Maria Cristina Iri-goyen Peduzzi, 5.12.2019 (Informativo nº 214)

Além disso, o pagamento do salário desse empregado será feito exclusivamente pelo operador portuário, no caso seu empregador, enquanto o avulso portuário receberá o va-lor em forma de rateio após a arrecadação pelo Ogmo. Não é o Ogmo que paga o avulso portuário, mas é o responsável por arrecadar o valor pago pelos operadores, repassar aos trabalhadores em forma de rateio e providenciar o recolhimento dos demais encargos.

Além disso, os trabalhadores portuários, sejam empregados ou avulsos, são conside-rados categorias profissionais diferenciadas, ou seja, a categoria é formada por estatuto profissional próprio20.

É válido ressaltar que o prazo prescricional aplicável ao trabalhador avulso é o mesmo previsto aos trabalhadores urbanos e rurais conforme art. 7º, XIX, CF/88:

Art. 7º, XXIX, CF/88: São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: ação, quanto aos cré-ditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho.

Veja que a Constituição Federal prevê o prazo de 2 anos para ingressar na Justiça do Trabalho. É chamada prescrição bienal. Ainda de acordo com o texto constitucional, o empregado poderá pleitear os direitos trabalhistas dos últimos 5 anos a contar do ajuiza-mento da reclamação. Contudo, surge o questionamento acerca do início da contagem do prazo de prescrição bienal para o trabalhador avulso portuário. A OJ nº 384 da SDI-I do TST, atualmente cancelada, previa o início do prazo prescricional para ajuizamento da recla-mação trabalhista com o término de cada prestação de serviço aos operadores portuários:

Orientação Jurisprudencial nº 384 da SDI-I do TST (CANCELADA): É apli-cável a prescrição bienal prevista no art. 7º, XXIX, da Constituição de 1988 ao trabalhador avulso, tendo como marco inicial a cessação do trabalho ul-timado para cada tomador de serviço.

Com o cancelamento da OJ e mudança de posicionamento do TST21, o início da pres-crição bienal ocorre com o cancelamento do registro ou do cadastro do avulso junto ao OGMO. Corrobora esse posicionamento, a previsão do art. 37, § 4º, da Lei nº 12.815/2013:

20. Sobre o tema, veja o título da Organização Sindical Brasileira no Capítulo de Direito Coletivo do Trabalho.

21. Para mais informações acerca do tema, confira o Informativo nº 141 do TST ao final do capítulo.

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Art. 37, § 4º, da Lei nº 12.815/2013: As ações relativas aos créditos de-correntes da relação de trabalho avulso prescrevem em 5 (cinco) anos até o limite de 2 (dois) anos após o cancelamento do registro ou do cadastro no órgão gestor de mão de obra.

Cabe ressaltar novamente, portanto, que o trabalho avulso portuário é aquele de-senvolvido a partir da intermediação entre o órgão gestor de mão de obra e o tomador de serviços, uma vez que será responsável por recrutar, selecionar, treinar, cadastrar, regis-trar, organizar em escala e remunerar o trabalhador portuário22. Lembre-se de que o art. 7º, inciso XXXIV, CF/88, estendeu a esses trabalhadores os mesmos direitos assegurados aos empregados urbanos e rurais.

Conforme assevera Maurício Godinho Delgado23, a posição mais favorável dos avulsos no ordenamento justrabalhista deve-se principalmente ao fato de que houve grande orga-nização e pressão dessa categoria profissional portuária, cujos entes sindicais sempre se destacaram por sua sólida organização coletiva.

4.2. Trabalhador avulso não portuário (Lei nº 12.023/2009)

É considerado trabalhador avulso não portuário aquele cuja atividade não é intermediada pelo órgão gestor de mão de obra, mas pelo sindicato da categoria profissional respectiva. Esse trabalhador pode ou não ser sindicalizado. A intermediação feita pelo sindicato não o obriga à filiação automática, que é uma prática vedada no país (art. 8º, V, da CF/88).

Há discussão jurisprudencial24 acerca da representação sindical do Sindicato dos Tra-balhadores na Movimentação de Mercadorias em Geral. Entendemos que o sindicato não deve exercer a representação dos empregados na movimentação de mercadorias, mas tão somente dos trabalhadores avulsos não portuários diante da previsão expressa no art. 1º da Lei nº 12.023/2009:

Art. 1º, Lei nº 12.023/2009: As atividades de movimentação de merca-dorias em geral exercidas por trabalhadores avulsos, para os fins desta Lei, são aquelas desenvolvidas em áreas urbanas ou rurais sem vínculo empre-gatício, mediante intermediação obrigatória do sindicato da categoria, por meio de Acordo ou Convenção Coletiva de Trabalho para execução das atividades.

Segundo Maurício Godinho Delgado25, as condições favoráveis para o fortalecimento da categoria profissional dos avulsos portuários não se verificaram nas regiões do interior, no campo ou na cidade. Assim, somente com a edição da Lei nº 12.023/2009, que dispõe

22. RESENDE, Ricardo. Direito do Trabalho esquematizado. 3. ed. São Paulo: Método, 2013. p. 84.

23. DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 11. ed. São Paulo: LTr, 2012. p. 343.

24. Pela representação somente dos trabalhadores avulsos, confira o Processo 0001625-05.2012.5.15.0132. Por sua vez, há julgado que sustenta a representação também dos empregados: 0000959-18.2010.5.15.0150.

25. DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 11. ed. São Paulo: LTr, 2012. p. 345.

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CURSO DE DIREITO DO TRABALHO • Henrique Correia

sobre as atividades de movimentação de mercadorias em geral, foi possível viabilizar o fortalecimento dos avulsos não portuários.

Ademais, é da atribuição desses sindicatos elaborar a escala de trabalho, respeitan-do o sistema de rodízio e as folhas de pagamento dos trabalhadores avulsos com a in-dicação do tomador de serviços (art. 4º, caput, Lei nº 12.023/2009)26. O pagamento ao sindicato, dos valores devidos pelos serviços prestados, deve ser efetuado pelo tomador de serviços no prazo máximo de 72 horas úteis, contadas a partir do encerramento do trabalho requisitado. Referido valor deve ser repassado aos beneficiários pelos sindicatos também no prazo de 72 horas (art. 5º da Lei nº 12.023/2009). Os deveres do sindicato estão expressos no art. 5º da Lei nº 12.023/2009:

Art. 5º. São deveres do sindicato intermediador:

I – divulgar amplamente as escalas de trabalho dos avulsos, com a obser-vância do rodízio entre os trabalhadores;

II – proporcionar equilíbrio na distribuição das equipes e funções, visando à remuneração em igualdade de condições de trabalho para todos e a efetiva participação dos trabalhadores não sindicalizados;

III – repassar aos respectivos beneficiários, no prazo máximo de 72 (seten-ta e duas) horas úteis, contadas a partir do seu arrecadamento, os valores devidos e pagos pelos tomadores do serviço, relativos à remuneração do tra-balhador avulso;

IV – exibir para os tomadores da mão de obra avulsa e para as fiscalizações competentes os documentos que comprovem o efetivo pagamento das remu-nerações devidas aos trabalhadores avulsos;

V – zelar pela observância das normas de segurança, higiene e saúde no trabalho;

VI – firmar Acordo ou Convenção Coletiva de Trabalho para normatização das condições de trabalho.

A Justiça do Trabalho, conforme previsto no art. 114 da CF, é competente para julgar os processos envolvendo trabalhadores avulsos, portuários e não portuários.

4.3. Medidas temporárias em resposta à pandemia decorrente da COVID-19 no setor portuário

No dia 04/04/2020, foi editada a Medida Provisória nº 945, que dispunha sobre me-didas temporárias em resposta à pandemia decorrente da covid-19 no âmbito do setor portuário e sobre a cessão de pátios sob administração militar. Após votação e aprovação do Projeto de Conversão em lei, foi promulgada a Lei nº 14.047/2020 no dia 24/08/2020.

26. Sobre a atribuição dos sindicatos, confira o Informativo nº 124 do TST no final do capítulo.

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Capítulo VIII • RELAÇÕES DE TRABALHO QUE NÃO CONFIGURAM VÍNCULO EMPREGATÍCIO

Dentre as alterações promovidas, destaca-se a modificação na dinâmica do trabalho portuário avulso. De acordo com o art. 2º da Lei nº 14.047/2020, o OGMO não poderá escalar trabalhador avulso nas seguintes hipóteses:

1) Trabalhador com sintomas da covid-19: se o trabalhador tiver sintomas com-patíveis com a covid-19, acompanhado ou não de febre: a) tosse seca; b) dor de garganta; ou c) dificuldade respiratória.

2) Trabalhador diagnosticado com covid-19 ou submetido a medidas de isola-mento domiciliar por coabitação com pessoa diagnosticada.

3) Trabalhadores que integram grupo de risco: gestante ou lactante, trabalhador com idade igual ou superior a 70 anos e trabalhadores com imunodeficiência, doença respiratória ou doença preexistente crônica ou grave, como doença car-diovascular, respiratória ou metabólica.

O OGMO deverá encaminhar à autoridade portuária semanalmente lista atualizada de trabalhadores portuários avulsos que estejam impedidos de ser escalados, acompanhada de documentação que comprove o enquadramento dos trabalhadores em alguma das hipóteses de impedimento. A comprovação de sintomas será realizada por meio de atestado médico.

Enquanto persistir o impedimento de escalação com fundamento, o trabalhador por-tuário avulso terá direito ao recebimento de indenização compensatória mensal no valor correspondente a 70% sobre a média mensal recebida por ele por intermédio do Órgão Gestor de Mão de Obra entre 1º de abril de 2019 e 31 de março de 2020, o qual não po-derá ser inferior ao salário mínimo para os que possuem vínculo apenas com esse órgão.

A indenização paga terá natureza indenizatória e não integrará a base de cálculo do IRPF, da contribuição previdenciária e dos demais tributos incidentes sobre a folha de salários, da base de cálculo do valor devido ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS e poderá ser excluída do lucro líquido para fins de determinação do imposto sobre a renda da pessoa jurídica e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido das pessoas jurídicas tributadas pelo lucro real.

5. TRABALHADOR VOLUNTÁRIO

No trabalho voluntário não há o requisito da onerosidade. Nesse caso, o prestador de serviços não tem a intenção de receber qualquer contraprestação pelo trabalho prestado. Logo, não há vínculo empregatício. Exemplo: pessoa que presta serviços num lar de idosos ou, ainda, a distribuição de remédios e alimentos para pessoas carentes. Nesse sentido, há a Lei nº 9.608/1998, que trata do serviço voluntário:

Art. 1º. Considera-se serviço voluntário, para os fins desta Lei, a atividade não remunerada prestada por pessoa física a entidade pública de qualquer natureza ou a instituição privada de fins não lucrativos que tenha objetivos cívicos, culturais, educacionais, científicos, recreativos ou de assistência à pessoa. (Redação dada pela Lei nº 13.297/2016)

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Parágrafo único. O serviço voluntário não gera vínculo empregatício, nem obrigação de natureza trabalhista, previdenciária ou afim.

Vale ressaltar que é possível o ressarcimento do trabalhador de eventuais despesas que comprovadamente realizou no trabalho voluntário. Essas despesas devem estar expressa-mente autorizadas pela entidade a que for prestado o serviço. Note-se que esses valores recebidos não configuram contraprestação pelo serviço prestado (onerosidade), mas ape-nas ressarcimento de algumas despesas do trabalhador voluntário, o que não configura vínculo empregatício.

6. COOPERADO

Cooperativa é uma sociedade de pessoas que reciprocamente se obrigam, com a união de esforços, a alcançar um objetivo comum. O próprio nome já diz, cooperar é atuar em conjunto. Exemplo: taxistas que se juntam para fundar uma cooperativa, com o in-tuito de dinamizar suas atividades (prestar serviços de transporte para várias empresas e diminuir custos com novas tecnologias, como rádios, GPS etc.). Às cooperativas de trabalho se aplica a Lei nº 12.690/12 e, no que com esta não colidir, a Lei nº 5.764/70 e o Código Civil.

Entre cooperados não há qualquer subordinação. Dessa forma, não há vínculo empre-gatício entre cooperativa e cooperados. Eles assumem, portanto, os riscos da atividade. Nesse sentido:

Art. 442 da CLT. Parágrafo único. Qualquer que seja o ramo de atividade da sociedade cooperativa, não existe vínculo de emprego entre ela e seus associados, nem entre estes e os tomadores de serviços daquela.

Para que a cooperativa seja lícita, são necessárias:

a) a inexistência de subordinação entre membros da cooperativa, ou seja, os coo-perados não são subordinados às ordens nem da cooperativa nem dos demais cooperados, pois prestam serviços com autonomia;

b) a ausência de pessoalidade: uma empresa, ao contratar serviços da cooperativa (exemplo: transporte ou limpeza), não tem possibilidade de escolher determinada pessoa, pois houve a contratação apenas de serviços.

Ocorre, entretanto, que há cooperativas fraudulentas, criadas para burlar direitos tra-balhistas. Exemplo: cooperativa dos colhedores de laranja. Há na verdade um “dono” da cooperativa, que admite, assalaria e coordena toda atividade desses colhedores/cooperados. Nesse caso, está presente a subordinação, aplicando-se ao caso o princípio da primazia da realidade. A consequência será a declaração de vínculo empregatício entre presidente da cooperativa fraudulenta e cooperados, que passarão a ser empregados, com todos os direitos previstos na CLT.

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Capítulo VIII • RELAÇÕES DE TRABALHO QUE NÃO CONFIGURAM VÍNCULO EMPREGATÍCIO

Para que se certifique não se tratar de cooperativa fraudulenta, devemos observar se há a presença de 2 princípios27:

a) Princípio da dupla qualidade: o filiado à cooperativa deve ser, ao mesmo tem-po, cooperado e cliente, sendo que o associado deve ser um dos beneficiários da atividade prestada pela cooperativa;

b) Princípio da retribuição pessoal diferenciada: a reunião em cooperativa permi-te que o associado receba uma retribuição pessoal superior àquela que receberia caso não estivesse associado.

Cabe ressaltar que não há qualquer vedação para que a cooperativa (pessoa jurídica, com direitos e deveres) contrate empregados, como telefonistas, administradores, vende-dores etc. Nesse caso, será equiparada às demais empresas para fins trabalhistas, devendo pagar todos os direitos laborais aos seus empregados.

A Lei nº 12.690/2012 disciplina a organização e o funcionamento das cooperativas de trabalho28. De acordo com referida legislação, considera-se cooperativa de trabalho a sociedade de trabalhadores constituída para o exercício das atividades laborativas ou profissionais com proveito comum, autonomia e autogestão com o intuito de obterem melhor qualificação, renda, situação econômica e condições de trabalho (art. 2º), não podendo ser utilizada para intermediação de mão de obra (art. 5º). A cooperativa so-mente poderá ser constituída com número mínimo de 7 sócios. Além disso, pode ser dividida em 2 grupos:

a) Cooperativa de produção: sócios contribuem com trabalho para a produção em comum de bens e a cooperativa detém os meios de produção;

b) Cooperativa de serviço: sócios prestam serviços especializados para terceiros sem a presença dos requisitos da relação de emprego. Note-se que se presentes os requisitos da relação de emprego com o tomador, a cooperativa é fraudulenta e o vínculo deve ser reconhecido diretamente com o tomador. De acordo com o art. 5º da Lei nº 12.690/2012, “a Cooperativa de Trabalho não pode ser utilizada para intermediação de mão de obra subordinada”.

Desse modo, as cooperativas de trabalho são pautadas pelos princípios da autonomia e da autogestão, o que impede a presença de vínculo de emprego entre os cooperados. Para se alcançar a autonomia prevista em lei, é necessária a fixação em Assembleia Geral das regras de funcionamento da cooperativa e a forma de execução dos trabalhos (art. 2º, § 1º, Lei nº 12.690/2012).

27. DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 14. ed. São Paulo: Ltr, 2015. p. 350-351.

28. Note-se que a noção de estabilidade provisória garantida aos dirigentes de cooperativas regidos pela Lei nº 5.764/71 não é estendida a dirigentes das cooperativas de trabalho. Nesse sentido, vide processo nº 0010417-45.2016.5.03.0033 do TRT-3.

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