138
1 CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 GEOMETRIA E TOPOLOGIA ALGÉBRICAS EM SUPERFÍCIES DE RIEMANN UMA INTRODUÇÃO 1. Introdução. O tema central deste curso, a “superfície riemanniana”, é um raro caso em que a justificativa histórica é absolutamente verdadeira: todas as noções fundamentais neste domínio se devem efetivamente a Georg Friedrich Bernhard Riemann (1826- 1866). A noção central é a de que uma função de variáveis complexas define um conjunto natural, diferente e mais rico do que o plano complexo habitado por essas variáveis, onde suas propriedades possam ser estudadas em detalhe. Este conjunto é uma superfície muito mais elaborada do que um simples plano, e cada função, ou família de funções complexas, definirá as suas superfícies riemannianas próprias, dotadas de geometrias não-triviais. Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico, do qual as variedades em geral são casos particulares, como são particulares em relação a essas os espaços métricos. E as variedades riemannianas são espaços métricos complexos, dotados particularmente da métrica riemanniana. O exemplo mais elementar de uma superfície riemanniana é exatamente o do “plano complexo estendido”, que podemos simbolizar como , e que, topologicamente, isto é, através de deformações contínuas e suaves, equivale inteiramente a uma esfera, a “esfera de Riemann” 1 . Para entendermos melhor essa equivalência, nada melhor que uma figura construída por uma técnica cartográfica já conhecida na Antiguidade - por Ptolomeu e provavelmente também pelos egípcios -, a projeção estereográfica:

CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

1

CURSO DE FORMAÇÃO – CBPF – JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011

GEOMETRIA E TOPOLOGIA ALGÉBRICAS EM SUPERFÍCIES DE RIEMANN – UMA INTRODUÇÃO

1. Introdução.

O tema central deste curso, a “superfície riemanniana”, é um raro caso em que a justificativa histórica é absolutamente

verdadeira: todas as noções fundamentais neste domínio se devem efetivamente a Georg Friedrich Bernhard Riemann (1826-

1866). A noção central é a de que uma função de variáveis complexas define um conjunto natural, diferente e mais rico do

que o plano complexo habitado por essas variáveis, onde suas propriedades possam ser estudadas em detalhe. Este conjunto

é uma superfície muito mais elaborada do que um simples plano, e cada função, ou família de funções complexas, definirá

as suas superfícies riemannianas próprias, dotadas de geometrias não-triviais.

Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço

topológico, do qual as variedades em geral são casos particulares, como são particulares em relação a essas os espaços

métricos. E as variedades riemannianas são espaços métricos complexos, dotados particularmente da métrica riemanniana.

O exemplo mais elementar de uma superfície riemanniana é exatamente o do “plano complexo estendido”, que

podemos simbolizar como , e que, topologicamente, isto é, através de deformações contínuas e suaves, equivale

inteiramente a uma esfera, a “esfera de Riemann” 1 . Para entendermos melhor essa equivalência, nada melhor que uma

figura construída por uma técnica cartográfica já conhecida na Antiguidade - por Ptolomeu e provavelmente também pelos

egípcios -, a projeção estereográfica:

Page 2: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

2

Todos os pontos pertencentes à superfície da esfera podem ser projetados por uma reta com origem no “polo norte” da esfera

sobre o plano que corta o equador. Todos, exceto um: o próprio polo norte. Podemos perceber que, quando o ângulo tende

a zero, as retas tendem a tangentes que tocam a esfera exatamente no polo norte, formando um plano tangente neste ponto, e

podemos dizer que todas as retas desse plano tangente se encontram em um ponto no infinito que corresponde à projeção do

Page 3: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

3

polo norte. Exatamente o mesmo raciocínio pode ser feito para as projeções a partir do “polo sul” da esfera, é óbvio que com

resultados diferentes. Traduzindo para a linguagem da geometria analítica, e usando o símbolo usual 2S para uma superfície

esférica situada, ou imersa, em 3 dimensões, as coordenadas de um ponto 2, , polo norteP x y z S , projetadas a partir

do polo norte, são

, ,1 1

x yX Y

z z

,

ao passo que as coordenadas, projetadas a partir do polo sul, de um ponto 2, , polo sulP x y z S , são dadas por

, ,1 1

x yU V

z z

.

Definindo agora as coordenadas complexas

, , , Z X iY Z X iY W U iV W U iV ,

podemos verificar que W é uma função holomorfa, ou analítica, de Z :

2 2

1 1

1 1

x iy z X iYW X iY

z z X iY Z

.

O que significa que 2S pode ser considerada como uma variedade complexa, ou mais particularmente, como uma superfície

complexa, identificada com a esfera de Riemann 1 (pode-se entender agora que o 1 significa simplesmente

“projeção”). Esta técnica de inclusão, que consiste em transformar um espaço de Hausdorff não-compacto – apenas

localmente compacto – em um espaço globalmente compacto, através da inclusão de um único ponto, é conhecida com

compactificação de ponto único, ou de Alexandrov (do matemático russo Pavel Alexandrov, 1896-1982), e possui

aplicações mais gerais, como na teoria de cordas da Física subnuclear.

A relação 1W Z é uma correspondência um-para-um, analítica e conforme (ou seja, preservadora dos ângulos, como

veremos, e que já se pode prever pela figura). Em outras palavras, visualizando as projeções a partir de ambos os polos,

verifica-se que se pode reconstruir a esfera a partir do plano complexo (e dos pontos no infinito), levando naturalmente, e de

Page 4: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

4

forma geral, à noção de funções analíticas existentes sobre a esfera de Riemann, e das propriedades dessas funções. Surgem

daí teoremas tais como: „uma função holomorfa sobre uma esfera de Riemann é constante”; ou “uma função sobre uma

esfera de Riemann que possui apenas singularidades pontuais (ou polos, assim como os “norte” e “sul” do exemplo) é uma

função racional”.

Princípios análogos regem as superfícies de Riemann mais gerais, das quais serão vistas apenas as superfícies

compactas (isto é, fechadas e limitadas). Por definição, uma superfície de Riemann compacta S é o resultado da “cola” de

um número finito de discos (por exemplo, 2Z ) 1, mU U no plano complexo: para cada par de discos ,i jU U , existem

domínios ,ij i ji jV U V U que são identificados por meio de uma correspondência :ij ij jiV V , um-para-um e analítica. Em

outras palavras, uma superfície de Riemann é uma união de conjuntos 1, , NU U , cada um dos quais provido de uma função

de coordenadas 1, ,iz i N , que nada mais é do que o mapeamento (ou a projeção, como mostra o exemplo da esfera) de

iU sobre um disco no plano complexo. E mais, em toda interseção ij i jV U U , a coordenada jz é expressa em termos de

iz como uma função analítica, e vice-versa.

Esta é uma noção bem-definida de analiticidade para uma função contínua de variáveis complexas, sobre uma

superfície de Riemann S , referente a uma vizinhança de um ponto p S . E, como fica claro, é uma extensão (por se

manifestar sobre uma superfície de curvatura arbitrária) da analiticidade sobre o plano complexo. Esta propriedade

fundamental está na raiz da definição mais geral de uma variedade diferenciável com dimensão arbitrária, riemanniana ou

não, que é aquela que, localmente – na vizinhança de um ponto – se comporta como um espaço plano, seja este n ou n .

É importante se fixar aqui que a noção não-trivial de uma superfície riemanniana leva a conceitos matemáticos de

outra natureza, cada vez mais afastados de suas origens. Assim como um campo na álgebra está associado às operações entre

seus elementos, e uma variedade riemanniana está associada aos seus próprios conceitos de métrica, uma superfície

riemanniana está associada à noção de funções analíticas/holomorfas e meromorfas (aquelas que são holomorfas por quase

toda parte, exceto em um conjunto enumerável de pontos singulares). Quando se entra no universo das funções analíticas

multivaloradas, as análises se tornam muito mais simplificadas ao se conhecer o fato de que, para cada uma dessas funções,

Page 5: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

5

é possível a construção de uma superfície de Riemann sobre a qual a função em questão é monovalorada. E, no caso

particular das funções algébricas, que nos propomos estudar, as superfícies de Riemann de interesse são sempre compactas.

Quase imperceptivelmente, demos um salto fundamental, ao nos “libertarmos” das representações sobre o plano

complexo estendido para representações mais ricas geometricamente sobre a z -esfera riemanniana 1 , que, como

vimos, é equivalente, ponto a ponto, por uma transformação sobrejetiva e injetiva – ou “isomorfa” –, ao plano. A partir daí,

fica fácil representarmos superfícies mais complexas, digamos, uma w -esfera, sobre a z -esfera, e assim sucessivamente,

como se estivéssemos “empilhando” representações sobre superfícies cada vez mais complicadas.

O caso mais simples de uma dessas w -esferas é representado pela função multivalorada nw z , se a analisarmos

através da função inversa, nz w w , que é monovalorada. Podemos, portanto, considerar w como uma variável

independente que assume valores sobre a particular w - esfera de Riemann S , que vem a ser exatamente a superfície

riemanniana da função w . A relação nz w define um mapeamento da w -esfera S sobre a z -esfera 1 : pode-se imaginar

a esfera S existindo “acima” de 1 , em um espaço “maior”, no qual encontramos um ponto correspondente a cada ponto

0z z . Desta forma, para 0 0,z , a imagem inversa sobre S de um disco 0:U z z , para um 0 suficientemente

pequeno, é constituída por n domínios disjuntos , 1, ,iW i n :

iw w g t,

0

tz

, 1ng t t

, 0 1g ,

0

1z

tz

,

onde os iw são os valores distintos de 0

n z , como na figura (a) abaixo.

Page 6: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

6

Entretanto, em uma vizinhança do ponto 0 (ou ), a imagem inversa de um disco z (ou t , com 1t z ) se constitui

de um único círculo : nW w , que repousa sobre o disco no formato de uma “hélice” composta por n passos, e cujo eixo

se reduz a apenas um ponto comum, como na figura (b) acima. Como todos os pontos da hélice W são mapeados sobre o

círculo u , diz-se que u é uma folheação riemanniana de W . Uma analogia útil para imaginarmos uma folheação é

considerar um livro W como uma função multivalorada com n páginas, onde cada página j , numerada no espaço discreto e

unidimensional , é mapeada sobre a mesma folha (daí o nome do objeto) genérica, ou categoria das páginas, u .

No caso geral, uma função algébrica é definida por uma equação , 0f z w , onde ,f z w é um polinômio

0, n

nf z w a z w a z , e os ia z , por sua vez, são polinômios em z . Em uma primeira visão aproximada do que

seria a superfície de Riemann da função w , podemos considerar o conjunto S de todas as soluções ,z w de , 0f z w .

Page 7: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

7

Neste conjunto, é imediato perceber que w é a função que assume o valor 0w em 0 0,z w . Esta definição, no entanto, pode

ser feita de forma mais precisa, se admitirmos que 2S , onde 2 é o hiperplano 4-dimensional das duas

variáveis complexas ,z w, e, logo, que a topologia de S é “herdada” de 2 . Ou seja, tudo se passa como se, simplesmente,

S fosse uma curva algébrica complexa sendo descrita no plano 2 .

Conforme veremos ao longo do curso, esse tipo de raciocínio geométrico generalizante será usado todo o tempo no

presente contexto, e já podemos adiantar dois conceitos adicionais, fundamentais no estudo das propriedades das superfícies

de Riemann e das funções algébricas que as geram: as transformações conformes, isto é, aquelas transformações de pontos

entre duas superfícies diferentes em que os ângulos não são alterados; e o conceito de classes características, que são

invariantes topológicos associados principalmente ao “genus” de uma superfície, isto é, à quantidade de “furos” (como o de

um anel, ou de uma alça de xícara) ou descontinuidades incontornáveis que uma determinada superfície apresenta.

Page 8: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

8

2. Variedades 2-dimensionais.

2.1. Introdução

O conceito topológico de uma superfície ou variedade 2 - dimensional é uma abstração matemática do conceito familiar de

uma superfície feita de papel, folha metálica, plástico, ou outro material qualquer fino e moldável. Uma superfície ou

variedade 2 -dimensional é um espaço topológico com as mesmas propriedades locais do familiar plano da geometria

euclidiana. O análogo natural de uma superfície em dimensões superiores é uma variedade n -dimensional, que é um espaço

topológico com as mesmas propriedades locais que um n -espaço euclidiano. Serão apresentadas aqui, principalmente, as

superfícies, ou variedades com 2n , e um forte motivo é que existe um teorema que classifica todos os casos possíveis

quando estas variedades são compactas – o que já foi demonstrado que não ocorre para dimensões 4n , e não se conhece

equivalente para 3n . Uma vez, porém, que as variedades de dimensão n continuam a ser intensamente pesquisadas,

algumas das definições e propriedades referentes a elas serão citadas.

2.2. Definição e exemplos de n -variedades

Seja n um inteiro positivo. Uma variedade n -dimensional (ou n -variedade) é um espaço de Hausdorff (um espaço

topológico em que sempre existem dois abertos centrados em dois pontos distintos quaisquer que têm intercessão vazia:

“axioma da separação”) tal que todo ponto possui uma vizinhança aberta homeomorfa ao disco aberto n -dimensional

| 1n nU x x .

Exemplos

2.2.1. O espaço euclidiano n é naturalmente uma n -variedade, conexa, localmente compacta.

2.2.1. A n -esfera

1 | 1n nS x x

é uma n -variedade conexa e compacta.

2.2.3. Se M é uma m -variedade e N é uma n -variedade, o espaço produto M N será uma m n -variedade localmente

compacta.

Page 9: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

9

2.3. Variedades orientáveis e não – orientáveis

As n -variedades conexas com 1n se dividem em duas espécies: orientáveis e não – orientáveis.

Por exemplo, podemos sempre definir sobre o plano 2 qual a direção de rotação, horária ou anti-horária, será a

positiva, e qual será a negativa – ou, de forma equivalente, quais serão os sentidos positivos do par de eixos cartesianos x e

y (“regra da mão direita”). O mesmo vale para qualquer 2 -variedade, uma vez que cada ponto desta terá uma vizinhança

homeomorfa a uma vizinhança de um ponto no plano 2 . Diz-se que uma 2 -variedade é orientável, quando nenhum

percurso contínuo é capaz de inverter os sentidos positivo e negativo, e não – orientável, no caso contrário.

O exemplo mais simples de uma 2 -variedade não – orientável é o da faixa de Möbius, facilmente construída se

cortarmos uma tira de papel e colarmos as extremidades, depois de realizar uma torção de 180º, conforme mostrado na

figura abaixo. A faixa de Möbius é um espaço topológico que pode ser matematicamente definido como se segue. Seja X o

retângulo definido sobre o plano como

2, | 10 10, 1 1X x y x y .

Page 10: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

10

Formamos agora um espaço quociente de X , identificando os pontos 10, y e 10, y no intervalo aberto 1 1y .

Observe-se que foram omitidas as fronteiras do retângulo correspondentes a 1y e 1y , para que o resultado continue

a ser uma variedade. Observe-se também que a linha média da faixa corresponde a um círculo, apenas agora com a

propriedade de que qualquer percurso fechado que se realize sobre ele resultará na inversão da orientação: começa-se em

uma face da superfície, e termina-se na outra face. Este tipo de percurso fechado recebe a classificação de inversor de

orientação. Um percurso que não possua essa propriedade é denominado de preservador de orientação.

Agora podemos fazer a classificação das variedades quanto à orientação: define-se uma 2 -variedade conexa como

orientável quando todo percurso fechado é preservador de orientação, e como não – orientável quando existe pelo menos

um percurso fechado inversor de orientação.

Podemos estender o mesmo procedimento a uma 3 -variedade, uma vez definidos os sentidos positivos das rotações e

dos eixos, usando outra vez a regra da mão direita.

A faixa de Möbius pode ser generalizada a dimensões maiores (embora a construção física não seja mais possível),

como se pode ver no caso 3 -dimensional:

3, , | 10 10, 1 1, 1 1X x y z x y z .

O espaço quociente de X será formado agora pela identificação dos pontos 10, ,y z e 10, ,y z nos intervalos

1 1y e 1 1z .

2.4. Exemplos de 2 -variedades conexas e compactas

Chamaremos uma 2-variedade conexa abreviadamente de uma superfície. O exemplo mais simples de uma superfície

compacta é a 2-esfera, para a qual usaremos a notação usual 2S ; o segundo exemplo mais importante é o do 2-toro, cuja

notação é 2T . Um 2-toro pode ser descrito resumidamente como qualquer superfície homeomorfa à superfície de um anel

sólido, ou de uma câmara de pneu cheia de ar. E pode ser definido com rigor matemático de uma das maneiras seguintes:

(a) Qualquer espaço topológico homeomorfo ao produto de dois círculos, ou 2 1 1T S S ;

Page 11: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

11

(b) Qualquer espaço topológico homeomorfo ao seguinte subconjunto de 3 :

2

1 23 2 2 2, , : 2 1x y z x y z

.

(este conjunto é obtido pela rotação do círculo 2 22 1x z , situado no plano xy , em torno do eixo z )

(c) Seja X o quadrado unitário no plano 2 :

2, : 0 1,0 1x y x y .

Um toro é qualquer espaço homeomorfo ao espaço quociente de X obtido pela identificação dos lados opostos do quadrado

X , de acordo com as seguintes regras:

1. Os pontos 0, y e 1, y se identificam no intervalo 0 1y .

2. Os pontos ,0x e ,1x se identificam no intervalo 0 1x .

Estas identificações podem ser representadas no diagrama abaixo:

Page 12: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

12

Outra maneira de representar um toro é considerar a identificação entre os pontos 2 , 2 , ,x y x yx n y n n n na figura

(a) abaixo, e o espaço quociente 2T seria representado pela área sombreada, cujos lados seriam identificados como em (b).

Um toro

2T é uma variedade (superfície) orientável.

O próximo exemplo de uma superfície compacta, mas não-orientável, é o plano projetivo real, ou simplesmente plano

projetivo. Uma vez que o plano projetivo não é homeomorfo a nenhum subconjunto do espaço euclidiano tridimensional, é

muito difícil sua visualização espacial, por falta de exemplos concretos.

Definição. O espaço quociente da 2 -esfera 2S obtido através da identificação de cada ponto diametralmente oposto é

chamado de plano projetivo. Todo espaço homeomorfo a este espaço quociente também é chamado de plano projetivo. Na

figura abaixo, mostra-se um diagrama do plano projetivo 2:

Page 13: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

13

Uma forma de visualizar o plano projetivo é a seguinte:

Consideremos um vetor unitário n̂ , representado na figura acima, e vamos identificá-lo com ˆn (o que equivale a ignorar a

seta, ou o “início” e o “fim” do vetor). Podemos associar a esse vetor ˆ ˆn n todos os pontos da esfera 2S , exceto em um

caso: o dos pontos situados sobre o círculo máximo, ou equador, de 2S . Todos os pontos antípodas ˆ , n e

ˆ , n representam o mesmo estado. Logo, como apenas um hemisfério é suficiente para realizar essa

Page 14: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

14

identificação, tomamos, por exemplo, o hemisfério superior como o espaço quociente, ou coset, 2S . Este espaço coset,

porém, não é um hemisfério usual, uma vez que os pontos situados sobre sua fronteira, o equador, são identificados entre si.

Por uma deformação contínua deste hemisfério, assim definido, em um quadrado, obtemos o quadrado da figura (b) acima.

É fácil mostrar que o plano projetivo é uma variedade não-orientável, pois, na verdade, contém como subespaço um

conjunto homeomorfo à faixa de Möbius.

Veremos agora como obter várias superfícies compactas usando a técnica das somas conexas. Sejam 1S e

2S duas

superfícies disjuntas. Forma-se sua soma conexa, com a notação 1 2#S S , cortando um pequeno furo circular em cada

superfície, e juntando-se ambas fazendo coincidir as bordas de ambos os furos. Em linguagem matemática, escolhemos

subconjuntos 1 1 2 2,D S D S , tais que

1 2,D D sejam discos fechados (isto é, homeomorfos ao disco fechado unitário no

plano 2 2 2 2, : 1E x y x y ). Seja iS o complemento do interior de

iD em iS para 1,2i , e escolhamos um

homeomorfismo h entre a borda de 1D e a borda de

2D . Então, 1 2#S S será o espaço quociente de

1 2S S obtido pela

identificação entre os pontos x h x para todos os pontos x situados na borda de 1D . Fica claro que

1 2#S S é uma

superfície. Pode ser provado rigorosamente que a natureza topológica de 1 2#S S não depende da escolha dos discos

1D e 2D ,

nem da escolha do homeomorfismo h .

Exemplos.

Se 2S é uma 2 -esfera,

1 2#S S será homeomorfa a 1S .

Se 1S e

2S são ambas 2 -toros, 1 2#S S será homeomorfa à superfície de um bloco atravessado por dois furos que não

se tocam.

Se 1S e

2S são ambas planos projetivos, então 1 2#S S é uma “garrafa de Klein” (do matemático alemão Felix Klein

(1849-1925)), isto é, uma superfície homeomorfa à obtida pela união de duas faixas de Möbius, como mostram as

figuras abaixo. A primeira mostra o quadrado resultante, e a segunda mostra como se podem obter duas faixas de

Möbius a partir de uma garrafa de Klein.

Page 15: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

15

Algumas propriedades da operação de somas conexas: a) a operação é comutativa, isto é, 1 2 2 1# #S S S S ; b) a

operação é associativa, isto é, 1 2 3# #S S S é uma variedade homeomorfa a 1 2 3# #S S S ; c) a 2 -esfera 2S é um

elemento neutro, ou unitário, dessa operação; d) o conjunto das classes de superfícies que são homeomorfas sob essa

operação forma um semigrupo, uma vez que não existem elementos inversos.

Deve ser ressaltado que a definição de somas conexas dada acima é válida para variedades 2 -dimensionais,

mas para n -variedades com 2n , dependerá do fato do homeomorfismo h preservar ou inverter a orientação.

Page 16: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

16

2.5. Teorema de classificação das Superfícies Compactas.

Teorema 2.5.1. Toda superfície compacta é homeomorfa a uma das três 2 -variedades: a) a 2 -esfera 2S ; b) uma

soma conexa de toros 2 21 2# #T T ; c) uma soma conexa de planos projetivos 2 2

1 2# #

2.6. Triangulação de Superfícies Compactas

Definição 2.6.1. Uma triangulação de uma superfície compacta S consiste em uma família de subconjuntos fechados

1 2, , nT T T que recobre S , e em uma família de homeomorfismos : , 1, ,i i iT T i n , onde cada iT é um triângulo no

plano 2 (isto é, um subconjunto compacto de 2 limitado por três linhas retas distintas). Os subconjuntos iT são

chamados de “triângulos”. Os subconjuntos de iT que, segundo o homeomorfismo i , são as imagens dos vértices e lados

do triângulo iT , são chamados de “vértices” e “arestas”, respectivamente. Por fim, se requer que quaisquer dois triângulos

iT e jT obedeçam a somente uma das três condições seguintes: a) sejam disjuntos; b) tenham apenas um vértice em comum;

c) tenham uma das arestas inteiramente em comum.

O fato de dois triângulos distintos não possuírem os mesmos vértices permite que a triangulação completa de uma

superfície seja determinada pela simples enumeração dos vértices, e pela associação de cada tripla de vértices a apenas um

triângulo.

Esta definição conduz a que qualquer triangulação de uma superfície compacta satisfaça as duas condições seguintes:

a) Cada aresta em comum é uma aresta de exatamente dois triângulos.

b) Seja v um vértice de uma triangulação. Podemos então fazer um arranjo do conjunto de todos os triângulos ordenando o

vértice v ciclicamente, 0 1 2 1 0, , , ,n nT T T T T T , de tal forma que iT e 1iT tenham uma aresta comum para 0 1i n .

Page 17: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

17

Exemplos de triangulações

1. A triangulação do plano projetivo está representada na figura abaixo, onde os vértices estão numerados de 1 a 6, e os 10

triângulos são: 124, 245, 235, 135, 156, 126, 236, 346, 134, 456.

2. A triangulação de um toro, representado na figura abaixo como um quadrado com os lados opostos identificados, possui 9

vértices, e os correspondentes 18 triângulos: 124, 245, 235, 356, 361, 146, 457, 578, 658, 689, 649, 479, 187, 128, 289, 239,

379, 137.

Page 18: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

18

Já vimos que a soma conexa de dois planos projetivos é homeomorfa a uma garrafa de Klein. Uma vez que pode ser provado

também que a soma conexa de um plano projetivo e um toro é homeomorfa à soma conexa de um plano projetivo e uma

garrafa de Klein, resulta o seguinte e surpreendente resultado:

Lema 2.7.1. A soma conexa de um toro e um plano projetivo é homeomorfa à soma conexa de três planos projetivos.

E daí resulta o teorema seguinte:

Teorema 2.7.2. Toda superfície compacta e orientável é homeomorfa à esfera 2S ou a uma soma conexa de toros 2T . Toda

superfície compacta e não-orientável é homeomorfa à soma conexa de uma superfície compacta e orientável com uma das

duas classes de variedades: a) uma soma conexa de planos projetivos; b) uma soma conexa de garrafas de Klein.

Page 19: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

19

2.8. A característica de Euler de uma superfície

Já foi mostrado que toda superfície compacta é homeomorfa a uma esfera, ou a uma soma de toros, ou a uma soma de

planos projetivos, mas não sabemos ainda que todas essas variedades são topologicamente diversas. Poderia ser o caso que

existissem inteiros positivos , ,m n m n , tais que a soma de m toros fosse homeomorfa à soma de n toros. Para mostrar que

isso não ocorre, é necessário introduzir uma grandeza numérica invariante chamada característica de Euler (do matemático

e físico suíço Leonhard Euler, 1707-1783).

Inicialmente, vamos definir a característica de Euler de uma superfície triangulada. Seja M uma superfície compacta

com triangulação 1, nT T , e sejam

v = número total de vértices de M

a = número total de arestas de M

t = número total de triângulos (neste caso, t n ).

A característica de Euler de M é definida como sendo

M v a t .

A partir das figuras abaixo, podemos calcular a característica de Euler de: uma esfera (a) - 2 ; um toro (b) - 0 ; e (c)

plano projetivo - 1 .

Page 20: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

20

Page 21: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

21

É importante ressaltar que M depende apenas de M , qualquer que seja a triangulação escolhida.

A seguinte proposição sintetiza os resultados anteriores:

Proposição 2.8.1. Sejam as superfícies compactas 1S e 2S . As características de Euler de cada uma delas e a da sua soma

conexa estão relacionadas pela fórmula

1 2 1 2# 2S S S S .

Por indução, obtêm-se as seguintes expressões para as características de Euler de todas as possíveis superfícies compactas:

Page 22: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

22

Superfície

Característica de

Euler

Esfera 2

Soma conexa de n toros 2-2n

Soma conexa de n planos projetivos 2-n

Soma conexa de um plano projetivo e n

toros 1-2n

Soma conexa de uma garrafa de Klein

e n toros -2n

Observe-se que a característica de Euler de uma superfície orientável é sempre um número par, enquanto que a de uma

superfície não-orientável pode ser par ou ímpar.

Assumindo a invariância topológica da característica de Euler e os resultados anteriores, obtemos o seguinte resultado:

Teorema 2.8.2. Sejam as superfícies compactas 1S e 2S . Podemos afirmar que 1S e 2S são homeomorfas se e somente se

suas características de Euler são iguais e ambas são orientáveis ou não-orientáveis.

Até o momento, este importante resultado só se aplica com certeza a 2 -variedades; em 3 dimensões não existe teorema

equivalente, e há contra-exemplos em 4 dimensões que indicam sua não-aplicabilidade.

Para finalizar este capítulo, será apresentado o conceito euleriano de genus: diz-se que uma superfície é de genus n

quando é o resultado da soma conexa de n toros, ou de n planos projetivos, enquanto uma esfera 2S , e suas superfícies

homeomorfas, tem genus 0. De forma geral, pode-se igualar o genus ao número de “furos”, ou “alças”, que uma superfície

possui. De forma mais rigorosa, existem as seguintes relações entre o genus g e a característica de Euler de uma

superfície compacta:

Page 23: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

23

1

2 , no caso orientável2

2 , no caso não-orientável

g

2.8.3. Classes de Chern

A característica de Euler também pode ser vista como um caso particular de classes características topologicamente

invariantes, as classes de Chern (do matemático sino-americano Shiing-Shin Chern, 1911-2004), da seguinte forma:

Classes de Chern são classes características, ou seja, invariantes topológicos, associados a fibrados vetoriais

complexos (logo, com um número par de dimensões reais) E M , e são dadas por uma sequência de elementos da co-

homologia da variedade 2 j -dimensional M :

0 1 2 jc E c E c E c E .

Algumas das propriedades das classes de Chern:

(1) 0 1c E ;

(2) 2 jc E E , a característica de Euler;

(3) 0, 2nc E n j .

Page 24: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

24

3. Superfícies riemannianas e curvas algébricas.

3.1. Conceitos básicos

Na verdade, superfícies, ou variedades, de Riemann, são mais convenientemente descritas como variedades complexas

analíticas especiais, e, por isso, serão apresentados a seguir conceitos de geometria analítica complexa. Um forte motivo

para isso é que várias propriedades das superfícies de Riemann são mais simplesmente explicáveis a partir de variedades

complexas analíticas mais gerais.

3.1.1. Carta complexa e coordenadas complexas. Consideremos um espaço topológico M . Define-se uma carta complexa

sobre M como um homeomorfismo : nU de um subconjunto aberto U M sobre um subconjunto aberto

nU . As coordenadas do espaço vetorial complexo n determinam funções contínuas a valores complexos 1, , nz z

sobre U , que são chamadas de coordenadas complexas sobre U . Todo ponto p U é unicamente determinado pelo

conjunto ordenado de suas coordenadas 1 , , nz p z p , e a carta tem a seguinte representação em coordenadas:

1 , , np z p z p . Inversamente, dado um conjunto ordenado 1, , nz z de funções contínuas a valores complexos

sobre U , este conjunto será um sistema de coordenadas complexas sobre U se o mapa : nU definido pela

representação acima for uma carta, ou seja, um homeomorfismo sobre um conjunto aberto de n .

Exemplo 3.1.1.1. Seja n o espaço projetivo complexo n -dimensional, dotado da topologia usual. Consideremos um

dado sistema de coordenadas homogêneas 0 : : nx x (multiplicando-se as coordenadas homogêneas de um ponto por um

escalar não-nulo, as coordenadas resultantes representam ainda o mesmo ponto. A notação x:y é usada para diferenciar das

coordenadas cartesianas, e enfatizar que as coordenadas homogêneas são razões entre aquelas). Temos então a seguinte carta

complexa:

: nU

Page 25: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

25

0 0 1: : , ,n n n nx x x x x x

com coordenadas

1 0 1, ,n n n nz x x z x x ,

onde

0 : : | 0n nU x x x .

Este classe de cartas, e as respectivas coordenadas, são chamadas de afins (o uso de transformações afins na geometria

riemanniana faz com que os ângulos sempre sejam preservados entre superfícies distintas e homeomorfas). Toda carta afim

é definida sobre um subconjunto aberto que é o complemento de um hiperplano em n , e sua imagem é o espaço inteiro n . Em particular, as coordenadas homogêneas 0 1:x x sobre a linha projetiva complexa (ou esfera de Riemann) 1

determinam uma única coordenada afim 0 1z x x , a qual somente não é definida no ponto 1:0 . O símbolo 1 0 é

visto naturalmente como a z -coordenada deste ponto, logo, bastam duas coordenadas homogêneas para representar um

ponto sobre 1 . Esta é a forma puramente algébrica do procedimento geométrico mostrado anteriormente através da

projeção estereográfica, ou compactificação de Alexandrov. De forma geral, para representar um ponto do hiperplano

projetivo n , bastam 1n coordenadas homogêneas. As coordenadas homogêneas foram definidas pela primeira vez em

1827, pelo matemático alemão August Ferdinand Möbius (1790-1868).

3.1.2. Atlas analítico complexo. Seja 1, , mf f f um mapa de um subconjunto aberto nU para um subconjunto

aberto mV . Dizemos que f é holomorfa (ou analítica) se suas componentes 1, ,i nf z z forem holomorfas, no sentido

dado pela teoria das funções de múltiplas variáveis complexas.

Um atlas complexo sobre um espaço topológico M é uma coleção (possivelmente infinita) de cartas complexas

: |ini iU i , cujos domínios de definição iU cobrem inteiramente o espaço M . Dizemos que é um atlas

analítico se os mapas de transição

Page 26: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

26

1 :j i i i j j i jU U U U

são holomorfos para quaisquer ,i j . As componentes de 1j i são as funções de transição das coordenadas de i para

as coordenadas da carta j , em seu domínio comum de definição, i jU U .

Exemplo 3.1.2.1. Um atlas sobre n que consista de cartas afins é sempre analítico. Em particular, existe um atlas sobre 1 com apenas duas cartas: 1 z

e 11 0z

. A função de transição 1 z sobre 0 é

obviamente holomorfa.

3.1.3. Variedades analíticas complexas. Um espaço de Hausdorff M , equipado com um atlas analítico complexo , é

chamado de variedade analítica complexa, ou simplesmente de variedade complexa. É usual usar-se a mesma notação M

para uma variedade complexa e para o seu conjunto de pontos, sendo assumidos como fixos a topologia e o atlas. Uma carta

complexa : nU sobre uma variedade complexa M é analítica se pode ser acrescentada a sem destruir a

analiticidade deste atlas. Isto significa que as funções de transição entre as coordenadas de e as de qualquer carta de

são analíticas. E mais, o atlas que contém todas as cartas complexas analíticas sobre M é um atlas analítico maximal:

qualquer nova carta adicionada tornará o atlas não-analítico. Este atlas analítico maximal recebe o nome de uma estrutura

complexa analítica sobre M . De forma geral, salvo ressalva em contrário, um sistema local de coordenadas sobre M será

considerado sempre um sistema de coordenadas complexas correspondente a uma carta analítica sobre M . Variedades

complexas são definidas de modo a refletirem localmente a estrutura de uma bola aberta em n , e o uso de coordenadas

localmente reduz o estudo de variedades complexas à teoria das funções analíticas com n variáveis. No caso particular das

superfícies de Riemann, normalmente são suficientes funções de apenas uma variável.

Exemplo 3.1.3.1. O espaço n pode ser dotado de um atlas que consiste apenas em uma carta, 1, , nz zn n . A

estrutura analítica correspondente consiste em homeomorfismos bi-holomorfos : nU de um subconjunto aberto

Page 27: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

27

nU sobre um subconjunto aberto nV . Sempre se assume que a variedade complexa n esteja equipada com

exatamente esta estrutura analítica.

Exemplo 3.1.3.2. Será assumido que o espaço n é provido da estrutura analítica que corresponde a um atlas composto

de cartas afins.

Exemplo 3.1.3.3. Seja o reticulado discreto, ou rede discreta, n . Neste caso o espaço quociente n é portador de

uma estrutura de variedade complexa, definida pelo mapa quociente : n n . Pode-se considerar que existe um atlas

sobre n , definido pelo conjunto dos setores locais de que são mapas contínuos : ns U de um subconjunto nU , tais que , s p p p U . Esta variedade é compacta se e somente se possuir a dimensão máxima 2n , e

neste caso, n é chamado de toro complexo.

Exemplo 3.1.3.4. O produto M N de duas variedades complexas possui uma estrutura natural de variedade complexa.

Pode-se tomar como atlas sobre M N o conjunto de todas as cartas , : m nU V , onde e são,

respectivamente, cartas complexas analíticas sobre M e N .

Exemplo 3.1.3.5. Seja o subconjunto aberto U M . As cartas complexas analíticas sobre M cujo domínio de definição

está contido em U definem uma estrutura analítica natural sobre U . A variedade U , com esta estrutura, é chamada de

subvariedade aberta de M . Portanto, no nosso contexto, todo subconjunto aberto de M será considerado, nesse sentido,

uma variedade.

Exemplo 3.1.3.6. De forma mais geral, um subconjunto N de uma variedade complexa M é chamada de subvariedade se

for definido localmente por um sistema de equações 1 0nf f , onde 1, , nf f são funções holomorfas das

coordenadas 1, , mz z e a matriz i

j

f

z

é de dimensão n . Isto equivale a dizer que N é localmente plano sobre M : todo

ponto p N possui uma vizinhança aberta U em M , com coordenadas 1, , mz z , de tal forma que

1| 0nU N p U z p z p . Logo, o subconjunto N é portador de uma estrutura natural de variedade

Page 28: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

28

complexa, e podemos tomar as funções 1, ,n mz z como coordenadas sobre U N . Em consequência, todo subespaço

projetivo complexo de n é uma subvariedade fechada.

3.1.4. Mapas de variedades complexas. Diz-se que um mapa :f M N entre variedades complexas é holomorfo se suas

coordenadas locais são dadas por funções holomorfas. Significa dizer que as funções 1, ,i i mw f z z , que definem f nas

coordenadas locais 1, , mz z sobre M e 1, , nw w sobre N , são holomorfas em seus domínios de definição. É importante

observar que não é possível verificar se f é holomorfa para todas as representações de coordenadas deste mapa, mas

somente para um conjunto de representações, cujos domínios de definição incluem todos os pontos em M .

Um mapa entre variedades complexas cujo inverso é holomorfo é chamado de isomorfismo. Um automorfismo é um

isomorfismo de uma variedade sobre ela própria. Verifica-se que as variedades complexas (objetos) e seus mapas

holomorfos (morfismos) compõem uma categoria, dotada dos isomorfismos e automorfismos definidos acima. Mapas

holomorfos da forma :f M são chamados de funções holomorfas sobre a variedade complexa M . Se :f M N é

um mapa holomorfo, e :g N é uma função holomorfa, define-se como pullback de g por f , ou composição, a

operação :f g g f M . A operação dual do pullback, também naturalmente induzida pelo mapa :f M N ,

chama-se pushforward, também chamada de mapa diferencial, e é notada como f .

Exemplo 3.1.4.1. Toda carta complexa analítica : nU sobre M é holomorfa, e suas coordenadas são funções

holomorfas sobre U .

Exemplo 3.1.4.2. Um grupo de Lie complexo é uma variedade complexa G dotada de estrutura de grupo, tal que a lei de

grupo, dada por 1 2g gG G G

, e o mapa inverso

1gG G

são ambos holomorfos. Por exemplo, n e as variedades

quocientes n são grupos de Lie aditivos complexos, e : n n é um homomorfismo holomorfo desses grupos.

Exemplo 3.1.4.3. Seja o espaço projetivo n , com coordenadas homogêneas 0 : : nx x , e seja ijM m uma matriz

inversível com dimensão 1 1n n . Resulta que

Page 29: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

29

n n

0 00 0 0 0 0: : n n n n nn nx x m x m x m x m x

é um automorfismo holomorfo. Estes mapas são chamados de fracionais lineares, uma vez que, em coordenadas afins, são

dados em termos de funções fracionais lineares:

00 1 0 1 0 1 0 1 1 1 11

0 1 1 0 1 1

, , , ,n n n n n n n n nn

n n n n nn n n n n nn

m z m z m m z m z mz z

m z m z m m z m z m

.

Exemplo 3.1.4.4. Sejam os pontos 2,p q , e seja 1 2 uma linha que não passe em p . Então, o mapa projeção

2 1: p

1q pq

é holomorfo. O termo pq representa a linha complexa entre p e q .

3.1.5. Dimensão de uma variedade complexa. A dimensão de uma carta : nU é o número n , isto é, o número de

suas coordenadas complexas. Para uma variedade complexa conexa M , este número independe da escolha de sobre M ,

e é chamado de dimensão de M . A dimensão de M pode ser representada por dim M , ou simplesmente por dimM .

Exemplo 3.1.5.1. dim dim dimn n n n . Em particular, as dimensões complexas de n e de n ,

considerados como espaços lineares, são iguais às suas dimensões analíticas complexas.

3.1.6. Superfícies de Riemann Definição 3.1.6.1. Uma superfície de Riemann é uma variedade complexa analítica conexa com dimensão igual a 1.

Exemplo 3.1.6.2. 1 é a esfera de Riemann

Page 30: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

30

e é o plano de Argand-Gauss

Im 0z é o semiplano superior

1z é o disco unitário

0 1z é o disco unitário perfurado.

O semiplano superior é isomorfo ao disco unitário. Este isomorfismo pode ser visto, por exemplo, através de uma função

linear fracional:

, z a

z az a

.

Exemplo 3.1.6.3. Um toro complexo unidimensional é chamado de uma curva elíptica complexa.

Exemplo 3.1.6.4. Seja o plano projetivo 2 , com coordenadas homogêneas : :x y z , e seja , ,f x y z um polinômio

homogêneo não identicamente nulo. O conjunto de zeros deste polinômio,

: : | , , 0C x y z f x y z ,

é chamado de curva algébrica plana complexa, a qual herda a topologia do subespaço, e é compacta e conexa. A curva

,C nos casos em que se identifica como uma subvariedade complexa de 2 , é não-singular. Esta subvariedade

unidimensional é chamada de superfície de Riemann associada a C . A não-singularidade de C pode ser verificada pelo

seguinte critério: se, para todo p C , temos que

: : 0 :0 :0f f f

p p px y z

,

então C é não-singular.

Exemplo 3.1.6.5. Uma forma quadrática homogênea 2 2 2ax bxy cy dz de dimensão 3 define sobre 2 uma curva

algébrica não-singular, chamada cônica. A projeção de uma cônica a partir de qualquer de seus pontos para a esfera de

Page 31: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

31

Riemann 1 se estende por continuidade a um isomorfismo da superfície de Riemann associada à cônica sobre 1 , como

mostra a figura abaixo.

Exemplo 3.1.6.6. A equação n n nx y z define uma curva algébrica não-singular sobre 2 , chamada curva de Fermat

de grau n . Em coordenadas afins, a curva é representada pela equação 1n nX Y . O genus da curva de Fermat é igual a

1 2 2n n , o que significa que, no caso em que 2n , a curva é topologicamente uma cônica de genus 0, e, para 3n

uma curva elíptica de genus 1 (o genus g de uma superfície compacta orientável está relacionado com a característica de

Euler através da expressão 2 2 g , e é igual ao número de “alças” , ou “furos” independentes, que a superfície

possui). Esta curva é usada na formulação do Último Teorema de Fermat (de Pierre de Fermat (1601-1665)), o qual foi

provado pelo matemático britânico Andrew Wiles somente em 1995, e afirma que a equação acima não tem solução para

, , ,x y z n inteiros e positivos e 2n .

Exemplo 3.1.6.7. Um exemplo típico de uma superfície de Riemann é a superfície de Riemann de uma função algébrica.

Para simplificar, vamos assumir que F x é uma função algébrica sobre 1 . Dito de outra forma, F é uma função

multivalorada que satisfaz uma equação do tipo , 0f z F , onde f é um polinômio complexo com duas variáveis e de

grau n em F . Supondo também que f é irredutível, isto é, não pode ser decomposto em fatores, pode-se assegurar a

existência de uma superfície de Riemann S sobre a qual F é monovalorada. Mais precisamente, que existem um mapa

holomorfo 1:g S e uma função meromorfa sobre S , tal que 1F g . Esta superfície é chamada de superfície

de Riemann da função algébrica F .

Page 32: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

32

3.1.7. Variedades diferenciáveis. Substituindo o espaço n por 2n , e exigindo que os mapas de transição sejam

diferenciáveis, e não mais holomorfos, podem ser definidas variedades diferenciáveis, assim como sistemas de

coordenadas diferenciáveis sobre estas. As coordenadas permitem que seja introduzida a noção de um mapa diferenciável

entre variedades diferenciáveis. Toda variedade complexa analítica M pode ser considerada como uma variedade

diferenciável com o mesmo atlas. Para isto, basta substituir o espaço n pelo espaço real correspondente 2n e, do ponto de

vista das coordenadas, substituir cada coordenada complexa 1i i iz x y pelas duas coordenadas reais ,i ix y . Uma vez

que os mapas de transição são holomorfos, os seus correspondentes no atlas real são diferenciáveis, e, obviamente,

dim 2dimM M ,

onde dim M é a dimensão real de M , isto é, a dimensão de M enquanto variedade diferenciável. Variedades

diferenciáveis de dimensão 2 são chamadas superfícies, e uma superfície de Riemann pode ser assim chamada exatamente

nesse sentido, ou, em casos especiais de não-diferenciabilidade, em um sentido topologicamente mais fraco.

Page 33: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

33

3.2. Mapas de Superfícies de Riemann

A superfície de Riemann de uma função algébrica é sempre construída como uma cobertura finita sobre a qual a função se

torna monovalorada. Todas as superfícies de Riemann consideradas em 3.2. serão assumidas como holomorfas.

3.2.1. Mapas não-constantes de superfícies de Riemann são discretos. Um mapa :f X Y entre espaços topológicos é

discreto se a imagem inversa 1f p de todo ponto p Y é um subconjunto discreto de X .

Teorema 3.2.1.1. Teorema de unicidade. Suponhamos que 1 2 1 2, :f f S S sejam dois mapas de superfícies de Riemann

que coincidam sobre algum subconjunto não-discreto de 1S . Então, esses mapas coincidirão sobre toda a superfície 1S .

Este teorema é simplesmente uma generalização do teorema de unicidade para funções holomorfas de uma variável

complexa.

Corolário 3.2.1.2. Todo mapa não-constante de superfícies de Riemann é discreto.

3.2.2. Funções meromorfas sobre uma superfície de Riemann. Seja S uma superfície de Riemann.

Definição 3.2.2.1. Uma função meromorfa sobre S é uma função f parcialmente definida sobre S que, localmente, é

meromorfa no sentido usual. Ou seja, é uma função que, sobre algum disco aberto sobre S , é holomorfa, exceto em pontos

isolados, chamados polos da função. Mais precisamente, uma função meromorfa f sobre S é holomorfa sobre algum

subconjunto aberto U , cujo complemento S U é discreto em S e consiste em polos de f .

Um polo p S U pode ser definido de uma das seguintes formas equivalentes:

(a) limq p

f q

;

(b) f z pode se escrita localmente como uma série de Laurent (de Pierre Alphonse Laurent, 1813-1854)

Page 34: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

34

ii

i n

f z a z

,

com 0, 0na n , onde z é um parâmetro local em p , isto é, uma coordenada local tal que 0z p .

(c) localmente, f g h , onde ,g h são funções meromorfas em alguma vizinhança de p , com 0, 0g p h p .

O conjunto de todas as funções meromorfas sobre S é representado por S .

Uma função meromorfa f pode ter uma continuação analítica em cada polo p para um mapa 1: :f S f p ,

transformando-se em uma função holomorfa, como resultado do Teorema de Remoção de Singularidade de Riemann.

Inversamente, se 1:f S é um mapa de superfícies de Riemann e z é uma coordenada afim sobre 1 tal que

f z , então o pullback f z é uma função meromorfa sobre S , cujos polos formam o conjunto 1f . Logo, as

funções meromorfas f S podem ser identificadas com os mapas holomorfos 1:f S .

Exemplo 3.2.2.2. Todo polinômio f z de grau 1 define uma função meromorfa sobre 1 que possui um único polo

em . Na verdade, toda função racional f z (ou seja, da forma g z h z ) define uma função meromorfa sobre 1

que só não possui polo em no caso em que f z for uma fração própria. Inversamente, toda função meromorfa f sobre

1 é racional. A partir deste resultado pode-se mostrar a existência e a unicidade da expansão de uma fração própria

complexa em frações parciais complexas n na H z . Logo, 1 z , onde z é o campo das funções

racionais de uma só variável z . Deste ponto de vista, as funções meromorfas são uma generalização natural de funções

racionais, e essas noções coincidem para qualquer superfície de Riemann compacta, para uma definição apropriada de razão

algébrica.

Page 35: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

35

Exemplo 3.2.2.3. Seja 1 2:f S S um mapa não-constante de superfícies de Riemann. O pullback f g de qualquer

função meromorfa 2g S é meromorfo sobre 1S .

Exemplo 3.2.2.4. Consideremos um mapa holomorfo 2:f S de uma superfície de Riemann S sobre um plano

projetivo 2 , com coordenadas afins 1 2,z z . Vamos supor que uma função racional 1 2,z zg encontra-se definida ao

menos um ponto de f S . Isto significa que pode ser escrita como uma razão entre polinômios de mesmo grau:

0 1 21 2

0 1 2

, ,,

, ,

p x x xz z

q x x xg ,

onde 0 1 2: :x x x são coordenadas homogêneas sobre 2 que correspondem a 1 2,z z , e o conjunto de zeros do polinômio

0 1 2, ,q x x x não contém f S . Neste caso, o pullback desta função racional é meromorfo sobre S .

Exemplo 3.2.2.5. A função de Weierstrass (de Karl Wilhelm Theodor Weierstrass (1815-1897); esta função foi

apresentada por Weierstrass em 1860, como o primeiro exemplo de uma função contínua que não possui derivada em

nenhum ponto) é uma função meromorfa sobre o plano de Argand-Gauss (de Jean-Robert Argand (1768-1822) e Johann

Carl Friedrich Gauss (1777-1855)), definida pela série convergente

2 2 20

1 1 1,z z

z z

,

onde representa um reticulado de dimensão máxima. Esta função tem as seguintes propriedades:

(a) é par: z z = ;

(b) é periódica: , z z = ;

(c) não possui outros polos além dos do reticulado.

A função , por ser periódica, induz uma função meromorfa bem definida sobre a curva elíptica , cujo único

polo se situa na origem. Em particular, existe uma função meromorfa não-constante sobre cada uma dessas curvas.

Page 36: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

36

Lema 3.2.2.6. As funções meromorfas sobre uma superfície de Riemann S formam um campo S , dotado das

operações naturais da adição e da multiplicação.

Lema 3.2.2.7. Um mapa não-constante 1 2:f S S entre superfícies de Riemann define uma extensão de campo, isto é, uma

inserção homomorfa 2 1:f S S dos campos de funções meromorfas.

Observando que f também é uma extensão de , as funções constantes podem ser identificadas como números

complexos: ,f c c c .

3.3. Funções meromorfas com comportamentos predeterminados nos polos. É muito importante a questão geral da

estrutura do campo das funções meromorfas S para uma superfície de Riemann S , particularmente a prova de que

S . Um resultado preliminar resulta do problema de se demonstrar a existência de uma função meromorfa com

partes principais predetrminadas, que será exemplificado a seguir.

Seja um ponto p sobre uma superfície de Riemann S . Fixemos um parâmetro local z em p . Se ii

i n

f a z

é a

expansão de Laurent de uma função meromorfa em uma vizinhança de p , então o segmento inicial desta série, 1

ii

i n

a z

, é

chamado de parte principal da função f . Observe-se que, a menos de um termo que seja holomorfo em uma vizinhança

de p , a parte principal é independente da escolha do parâmetro local z . Segue-se o seguinte resultado:

Teorema 3.3.1. ( Mittag-Leffler) Funções meromorfas. Seja 1

ii

i n

a z

um conjunto de partes principais, definidas sobre

um conjunto discreto de pontos de uma superfície de Riemann S . Existe uma função meromorfa f S com polos

somente nesses pontos, e com as partes principais predeterminadas, nos seguintes casos: (a) superfícies de Riemann não-

Page 37: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

37

compactas, como, por exemplo, o plano complexo de Argand-Gauss; (b) superfícies de Riemann compactas, se os

coeficientes ia das partes principais satisfizerem um conjunto finito de relações lineares, que dependem da topologia da

superfície S .

3.4. Multiplicidade de um mapa; Ordem de uma função. Seja 1 2:f S S um mapa não-constante de superfícies de

Riemann. Sejam também dois parâmetros locais, z em um ponto 1p S , e w em 2f p S . Nestas coordenadas, f pode

ser escrita como

nw z g z , onde

n é um inteiro e a função g z é holomorfa em uma vizinhança da origem, com 0g z . Mais precisamente:

Lema 3.4.1. Os parâmetros locais z e w nos pontos 1 2,p S f p S podem sempre ser definidos, de modo que o mapa f

tenha a forma nw z .

Definição 3.4.2. O número n acima é chamado de multiplicidade de f em p , e é representado por mult p f .

Definição 3.4.3. O número mult 1p pr f f é chamado de índice de ramificação de f em p . Um ponto 1p S é

chamado de ponto de ramificação se 1pr f .

Definição 3.4.4. A ordem de uma função meromorfa 1:f S no ponto p S é definida como se segue:

mult se 0, isto é, se é um zero de

ord mult se = , isto é, se p é um polo de

0 em todos os outros casos

p

p p

f f p p f

f f f p f

Page 38: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

38

O número mult p f é bem definido, o que resulta da interpretação geométrica da multiplicidade. Se tomarmos a imagem

inversa total 1f q de um ponto 2q S f p na vizinhança de f p , vamos encontrar exatamente mult p f pontos

próximos a p .

Exemplo 3.4.5. nz

possui 0 como um ponto de ramificação simples, com índice 1n .

Exemplo 3.4.6. exp

não possui pontos de ramificação.

Exemplo 3.4.7. Se 1f z é um polinômio de grau d , então ord f d , e ord p f é igual à multiplicidade de p

como raiz de f , no caso em que 0f p .

Exemplo 3.4.8. A função de Weierstrass possui polos de segunda ordem nos pontos de reticulado: ord 2, = .

De forma mais geral, p é um polo de ordem n se ord p f n (ver

http://functions.wolfram.com/EllipticFunctions/WeierstrassP/introductions/Weierstrass/03/)

Obs. 3.4.9. Os pontos de ramificação de 1 2:f S S formam um conjunto discreto em 1S . Verifica-se que, se w f z é

uma descrição local de f , os pontos de ramificação serão exatamente os zeros da função derivada f z .

Obs. 3.4.10. Se f c é uma função constante, então ord 0p f para 0c . Convém então considerar que ord 0p .

3.5. Propriedades topológicas de mapas de superfícies de Riemann. Todas as proposições seguintes podem ser

facilmente obtidas da teoria das funções analíticas de uma variável.

Proposição 3.5.1. Todo mapa não-constante de superfícies de Riemann é aberto.

Corolário 3.5.2. Seja 1 2:f S S um mapa não-constante de superfícies de Riemann, onde a superfície 1S é compacta.

Então 2S também é compacta, e f é sobrejetiva.

Proposição 3.5.3. Se um mapa entre superfícies de Riemann é injetivo, então esse mapa é uma imersão aberta, isto é, um

isomorfismo sobre um conjunto aberto.

Page 39: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

39

Proposição 3.5.4. Seja :f S uma função holomorfa não-constante sobre uma superfície de Riemann S . Então f não

possui nenhum valor máximo sobre S .

Corolário 3.5.5. Toda função holomorfa é constante sobre uma superfície de Riemann compacta.

Este último resultado explica, em parte, porque é necessária a introdução de funções meromorfas, especialmente no caso

compacto.

Obs. 3.5.6. A maioria dos resultados acima pode ser generalizada a mais dimensões, especialmente o corolário 3.5.5., que se

aplica a variedades complexas compactas de quaisquer dimensões.

3.6. Divisores sobre superfícies de Riemann. Quando se investiga pontos de ramificação, em conjunto com suas

multiplicidades, ou se tenta formalizar o problema de encontrar uma função com determinados zeros e polos, ou em várias

outras questões da teoria das superfícies de Riemann, chega-se naturalmente à noção de divisor.

Definição 3.6.1. Um divisor D sobre uma superfície de Riemann S é uma combinação linear local, formal e finita,

i iD a p ,

onde ia e ip S . „Localmente finita‟ significa que o suporte de D ,

sup | 0i iD p a ,

é um subconjunto discreto de S .

Definição 3.6.2. Os divisores de uma superfície de Riemann S formam um grupo aditivo Div S , chamado de grupo

divisor.

Definição 3.6.3. Um divisor i iD a p é efetivo se todo 0ia , e se usa a notação 0D .

Definição 3.6.4. Para divisores finitos i iD a p , isto é, para divisores cujo suporte é finito, existe a noção de grau:

grau iD a .

Page 40: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

40

Exemplo 3.6.5. Todo divisor sobre uma superfície de Riemann compacta S é finito; e existe o epimorfismo de grau

grau: Div S . Em álgebra abstrata, um epimorfismo é um homomorfismo sobrejetivo, isto é, para quaisquer

homomorfismos 1 2 1 2 2 3: , , :f S S g g S S ,

1 2 1 2g f g f g g .

Exemplo 3.6.6. Seja 1 2:f S S um mapa não-constante entre superfícies de Riemann. Cada ponto 2p S determina um

divisor efetivo

1

multq

q f p

f p f q

,

cujo suporte é a fibra 1f p. Por aditividade, esta relação define um homomorfismo

2 1: Div Div f S S

,

i i i ia p a f p .

O divisor 1Div pR r f p S , onde pr f é o índice de ramificação de f em p , é chamado de divisor de

ramificação de f .

Exemplo 3.6.7. Seja f uma função meromorfa não-constante sobre uma superfície de Riemann S . Os divisores efetivos

00

ord p

f p

f f p

e

ord p

f p

f f p

São chamados, respectivamente, de divisor de zeros e divisor de polos de f . O divisor

0

ord pf f p f f

é o divisor da função f . Esta noção permite que seja definido um homomorfismo

: Div S S

f f .

Page 41: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

41

Um divisor na imagem deste mapa, isto é, da forma f , é chamado de divisor principal. O kernel deste homomorfismo,

isto é, o conjunto 0| 0f S f f f

, consiste em todas as funções holomorfas em S que não possuem valores

nulos. Em particular, para uma superfície compacta S , este kernel consiste em todas as funções constantes não-nulas.

Segue-se daí que, em uma superfície de Riemann compacta, uma função é unicamente determinada por seu divisor, a menos

de multiplicação por uma constante.

Exemplo 3.6.8. Um divisor i iD a p sobre a esfera de Riemann 1 é principal se e somente se seu grau é igual a zero.

Um divisor principal sobre uma superfície de Riemann compacta tem sempre grau zero; mas, se a superfície não é isomorfa

a 1 , nem todo divisor com grau zero é principal.

Definição 3.6.9. Dois divisores 1 2,D D em uma superfície de Riemann S são linearmente equivalentes, representados por

1 2D D , se ambos diferem por um divisor principal: 1 2 , D D f f S .

Exemplo 3.6.9. Dois divisores 1 2,D D em 1 são linearmente equivalentes se e somente se possuem o mesmo grau.

3.7. Mapas finitos de superfícies de Riemann. Um mapa entre espaços topológicos :f X Y é próprio se a imagem

inversa de todo subconjunto compacto é compacta. Se X é compacto, f é sempre próprio.

Definição 3.7.1. Um mapa entre superfícies de Riemann é finito quando é não-constante e próprio.

Exemplo 3.7.2. nz

é um mapa finito.

Exemplo 3.7.3. O mapa 2

1z

não é finito.

Proposição 3.7.4. Todo mapa finito de superfícies de Riemann é sobrejetivo. Em particular, uma função meromorfa não-

constante sobre uma superfície de Riemann compacta assume todos os valores complexos e também .

Page 42: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

42

Proposição 3.7.5. Todo divisor principal sobre uma superfície de Riemann compacta S possui grau zero, ou, mais

precisamente, grau 0, f f S

.

Teorema 3.7.6. Teorema Fundamental da Álgebra – Um polinômio complexo de grau n possui n raízes complexas.

3.8. Coberturas não-ramificadas de superfícies de Riemann. Um mapa :f X Y entre espaços topológicos é uma

cobertura não-ramificada se cada ponto p X possui uma vizinhança aberta U tal que 1 if U U , onde os iU são

pares de subconjuntos abertos disjuntos de Y e todos os : if U U são homeomorfismos.

Definição 3.8.1. Um mapa não-constante entre superfícies de Riemann é não-ramificado se não possui pontos de

ramificação.

Definição 3.8.2. Um mapa entre superfícies de Riemann é uma cobertura não-ramificada se também o for

topologicamente. E também será um mapa não-ramificado.

Exemplo 3.8.3. Um mapa finito e não-ramificado entre superfícies de Riemann é obviamente uma cobertura não-ramificada.

3.9. Cobertura Universal. Será usado o conjunto de noções e resultados referentes ao grupo fundamental X de um

espaço topológico X , que nada mais é do que o grupo de caminhos fechados, ou laços, equivalentes por meio de

deformações contínuas, pertencentes a X (o conceito de grupo fundamental será visto em detalhe no parágrafo 4. deste

texto), e da cobertura universal X de X . Por definição, X é dotada de uma cobertura não-ramificada X X que possui a

seguinte propriedade universal: para toda cobertura não-ramificada Y X existe um mapa contínuo X Y tal que o

triângulo

Page 43: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

43

seja comutativo (isto é, as setas podem ser revertidas simultaneamente). Uma variedade conexa (complexa ou diferenciável)

X possui uma cobertura universal X simplesmente conexa, isto é, que não possui “furos”. O grupo fundamental X

atua livre e discretamente sobre X , uma vez que X e , onde e é o elemento neutro da operação que define o grupo, e

resulta que X X X . Além disso, existe uma correspondência um-para-um

X X X X

entre o conjunto de coberturas conexas não-ramificadas Y X (a menos de um isomorfismo) e o conjunto de todos os

subgrupos X (a menos de conjugação complexa). No caso de uma cobertura n -folheada Y X (significando

que a imagem inversa de um ponto p X consiste de n pontos), temos que :n X . Como este resultado é válido

para espaços topológicos em geral, a especialização para o caso das superfícies de Riemann necessita da seguinte

proposição:

Proposição 3.9.1. Seja uma superfície de Riemann S , e seja :f M S uma cobertura conexa não-ramificada de espaços

topológicos. Existe uma única estrutura complexa analítica em M que faz de f uma cobertura não-ramificada de

superfícies de Riemann.

Podem-se tomar como cartas em M todas as composições :f U , onde :f U V é um homeomorfismo

sobre um subconjunto aberto V S , e :V é uma carta em S .

Corolário 3.9.2. Existe uma correspondência um-para-um entre as coberturas não-ramificadas 1 2S S de uma superfície

de Riemann S e os subgrupos do seu grupo fundamental S . Uma cobertura n -folheada corresponde a um subgrupo de

índice n .

Corolário 3.9.3. A superfície S de cobertura universal de uma superfície de Riemann S é uma superfície de Riemann

simplesmente conexa, sobre a qual o grupo fundamental S atua através de automorfismos holomorfos, e S e ,

onde e é o elemento neutro (isto é, 0e para uma operação aditiva, e 1e , para uma operação multiplicativa).

Page 44: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

44

Assim, para descrever todas as superfícies de Riemann, é suficiente descrever aquelas que são simplesmente conexas,

juntamente com grupos de automorfismos que atuam livre e discretamente sobre elas.

Exemplo 3.9.4. A cobertura não-ramificada , onde é qualquer reticulado discreto, é universal e

.

Exemplo 3.9.5. Como um caso especial, a cobertura exp é universal, com , e a ação sobre é dada por

2 1z z n , para n .

Exemplo 3.9.6. De forma similar, a cobertura exp 1z é universal, com , e a ação sobre é dada por

2z z n , para n . Logo, para todo 0n existe uma única cobertura não-ramificada e n -folheada S , que é

isomorfa a nz .

3.10. Continuação de mapas. O grupo fundamental também é útil para a descrição de mapas finitos. Se 1 2:f S S é um

mapa finito entre superfícies de Riemann, então existe uma cobertura não-ramificada finita 11 2:f S f S , onde

o lócus ramificado 2S é o subconjunto discreto acima do qual os pontos de ramificação se situam. E, inversamente:

Proposição 3.10.1. Seja 2S um subconjunto discreto. Uma cobertura não-ramificada finita 2U S possui uma

continuação única para um mapa finito (possivelmente ramificado) 1 2S S , onde 1S U .

Este resultado é obviamente local. Logo, pode ser assumido que S e 0 . Agora, toda cobertura não-ramificada

conexa U é isomorfa a nz (ver Exemplo 3.9.6. acima), a qual pode ser continuada para o mapa finito

nz .

Corolário 3.10.2. Existe uma correspondência um-para-um entre os mapas finitos 1 2S S de grau n que são ramificados

somente sobre 2S e os subgrupos de índice n de 2S .

Page 45: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

45

Se 2S é uma superfície compacta, então é finito, e o grupo fundamental 2S possui uma apresentação explícita

finita.

Definição 3.10.3. Um mapa entre superfícies de Riemann 1 2:f S S é normal, ou de Galois (de Évariste Galois (1811-

1832)), se seu grupo de automorfismos

1Aut Aut |f g S f g f

atua transitivamente sobre as fibras 12, f p p S .

Corolário 3.10.4. Um mapa normal finito 1 2:f S S corresponde a um subgrupo normal tal que 2Aut f S .

3.11. A superfície de Riemann de uma função algébrica.

Proposição 3.11.1. Seja

11 2 n n

nP T T c T c S T

um polinômio irredutível (isto é, que não pode ser fatorado). Existe então um mapa finito de superfícies de Riemann

1 2:f S S , de grau n , e uma função meromorfa 1F S que satisfaz a equação

11 0n n

nF f c F f c .

A função F é algébrica sobre o campo 2S , e pode ser vista como uma função n -valorada sobre 2S . Seus valores

formam os pontos de uma superfície 1S , que é então chamada de superfície de Riemann da função algébrica F . Mais

precisamente, seja 2S um subconjunto discreto que contém os polos de todas as funções 1, , nc c e também todos os

pontos 2p S onde o polinômio

11 n n

p nP T T c p T c p T

Page 46: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

46

possui raízes múltiplas. Esses últimos pontos são os zeros do discriminante de P (por exemplo, se P é de segundo grau, da

forma 2az bz c , o discriminante será 2 4b ac ; para o quarto grau, o discriminante terá 16 termos, para o quinto grau,

59 termos, para o sexto, 246 termos, etc.). A subvariedade

2 2, | 0pU p z S P z S

é uma superfície de Riemann. A conectividade de U não é trivial, e se segue do inverso da Proposição 3.11.1.

Proposição 3.11.2. Seja 1 2:f S S um mapa finito entre superfícies de Riemann. Então, toda função 1F S é

algébrica sobre 2S e satisfaz uma equação como a mostrada acima, e grau grau F n f .

Exemplo 3.11.3. Superfície Hiperelíptica. Seja 1 nf z z a z a um polinômio com raízes distintas

1, , .na a O polinômio 2P T T f , que é irredutível sobre o campo 1 z , define a função algébrica

f . A superfície de Riemann S desta função é compacta, e é chamada de hiperelíptica. Também recebem a mesma

designação o mapa 1: S , de grau 2, e a involução :j S S , que permuta os pontos nas fibras de . Os pontos de

ramificação de são os pontos fixos de j , que se situam acima dos pontos

1, , ,na a se n é ímpar, e

1, , na a se n é par.

Poderia ser mais conveniente apresentar a superfície S hiperelíptica como sendo simplesmente a curva plana 2y f z .

Porém, para 4n esta expressão possui uma singularidade no infinito, o que não ocorre com a representação definida

acima.

Das duas Proposições acima decorrem os seguintes resultados:

Teorema 3.11.4. Se 1 2S S é um mapa finito entre superfícies de Riemann, então a extensão de campo

2 1:f S S é finita, e grau grau ff .

Page 47: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

47

Teorema 3.11.5. Seja 2S uma superfície de Riemann e seja 2: S K uma -extensão finita de grau n . Então,

existe um mapa finito de superfícies de Riemann 1 2:f S S de grau n , cuja extensão de campo associada

2 1:f S S é isomorfa a . Este mapa f é único, a menos de isomorfismo.

Corolário 3.11.6. O campo das funções meromorfas S de uma superfície de Riemann compacta S é gerado de forma

finita sobre , e possui grau de transcendência 1 . O grau de transcendência pode ser definido em álgebra abstrata como

a máxima cardinalidade de um subconjunto de S , algebricamente independente sobre o campo .

Corolário 3.11.7. Todo campo K com grau de transcendência 1 que é gerado sobre de forma finita é isomorfo ao campo

das funções meromorfas S de pelo menos uma superfície de Riemann S compacta.

Esta superfície S é chamada de modelo do campo K . Por exemplo, a esfera de Riemann 1 é um modelo da extensão

transcendental pura z do campo .

Definição 3.11.8. Uma curva algébrica dada em 2 por um polinômio homogêneo irredutível 0 1 2, ,F x x x é chamada de

irredutível.

Corolário 3.11.9. Seja 2:f S um mapa não-constante holomorfo de uma superfície compacta S para 2 . Então,

f S é uma curva algébrica irredutível.

Corolário 3.11.10. Inversamente ao caso anterior, seja 2C uma curva algébrica. Então existe uma superfície de

Riemann S compacta e um mapa holomorfo 2:f S cuja imagem é idêntica a C . Para uma escolha apropriada de S ,

o mapa f é genericamente injetivo, e é chamado de dessingularização da curva S .

Exemplo 3.11.11. A figura abaixo mostra esquematicamente a dessingularização do fólio de Descartes, dado pela equação 2 2 3

2 1 0 2 0x x x x x , representada em coordenadas afins 1 0 2 2 1 2,z x x z x x . A dessingularização se obtém pela

parametrização 2 21 21, 1 ; 0 :1:0z z z z z

Page 48: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

48

Corolário 3.11.12. Uma curva plana complexa irredutível é conexa.

Corolário 3.11.13. Seja 2C uma curva algébrica não-singular. Então, toda função meromorfa sobre a superfície de

Riemann de C é o pullback (ver 6.7.2.) de alguma função racional sobre 2 .

Page 49: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

49

4. O grupo fundamental.

4.1. Introdução. Para todo espaço topológico X e para todo ponto 0x X pode ser definido um grupo, chamado de grupo

fundamental de X , que é representado como 0,X x (na verdade a escolha do ponto 0x é de pouca importância em

geral, e o mesmo será omitido da notação, salvo explicitado em contrário). A definição desse grupo é feita por um

procedimento muito simples e intuitivo, usando-se caminhos fechados em X . Pela definição, ficará claro que o grupo é um

invariante topológico de X , ou seja, se dois espaços são homeomorfos, seus grupos fundamentais serão isomorfos. O que

permite que se prove que dois espaços não são homeomorfos, provando-se que seus grupos fundamentais não são isomorfos.

Este método é suficiente para se fazer a distinção entre várias superfícies compactas, e em muitos outros casos.

O grupo fundamental também fornece informações sobre mapas contínuos entre espaços: todo mapa contínuo de um

espaço X para um espaço Y induz um homomorfismo entre o grupo fundamental de X e o de Y . Certas propriedades

topológicas do mapa contínuo serão refletidas nas propriedades desse homomorfismo induzido. Assim, podem-se provar

fatos acerca de certos mapas contínuos através do estudo do homomorfismo induzido entre os grupos fundamentais.

Resumindo, usando-se o grupo fundamental, problemas topológicos acerca de espaços e mapas contínuos podem ser

frequentemente reduzidos a problemas puramente algébricos sobre grupos e homomorfismos. Esta é a estratégia básica da

topologia algébrica: achar métodos para reduzir problemas topológicos a questões de álgebra abstrata pura, e torcer para que

os algebristas as resolvam.

4.2. Notação básica e terminologia. Como de hábito, para quaisquer números reais ,a b tais que a b , a notação [ , ]a b

representa o intervalo fechado da linha real que tem como pontos extremos a e b . Será representado abreviadamente o

intervalo [0,1]I . Dados dois intervalos quaisquer [ , ]a b e [ , ]c d , existem homeomorfismos lineares únicos

1 0, :[ , ] [ , ]h h a b c d

tais que

0h a c , 0h b d , 1h a d , 1h b c .

O homeomorfismo 0h é preservador de orientação, e 1h é inversor de orientação.

Page 50: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

50

Um caminho, ou arco, em um espaço topológico X , é um mapa contínuo de um intervalo fechado para X . As imagens dos

pontos extremos do intervalo são chamadas de pontos extremos do caminho ou do arco, e o caminho faz a ligação entre os

pontos extremos. Um dos pontos extremos é o ponto inicial, o outro é o ponto terminal.

Um espaço X é conexo por arcos ou conexo por caminhos se quaisquer dois pontos ,x y de X podem ser unidos

por um arco. Um espaço conexo por arco é conexo, mas a afirmação inversa é falsa (um espaço topológico é definido como

desconexo se pode ser descrito como 1 2X X X , onde

1X e 2X são abertos e

1 2X X . Caso contrário, é um espaço

conexo, em que os caminhos não existem apenas entre intervalos fechados. Ou seja, exceto por casos excepcionais, também

chamados de patológicos, os espaços conexos podem ser considerados como os espaços conexos por arcos ou caminhos). Os

componentes de arco de X são os subconjuntos maximais de X conexos por arcos (por analogia com as componentes

usuais de X ). Observe-se que as componentes de arco de X não precisam ser conjuntos fechados. Um espaço é localmente

conexo por arcos se cada ponto possui uma família básica de vizinhanças conexas por arcos (por analogia com a noção

usual de conectividade local).

Exemplo 4.2.1. Um espaço conexo que é localmente conexo por arco é conexo por arcos.

Definição 4.2.2. Equivalência de caminhos. Sejam 0 1, :[ , ]f f a b X dois caminhos em X tais que 0 1f a f a ,

0 1f b f b (ou seja, os dois caminhos possuem os mesmos pontos iniciais e terminais). Estes dois caminhos serão

equivalentes, representados por 0 1f f , se e somente se existir um mapa contínuo

:[ , ]f a b I X ,

tal que

0

1

,0[ , ]

,1

f t f tt a b

f t f t

0 1

0 1

,

,

f a s f a f as I

f b s f b f b

.

Page 51: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

51

Nesta definição, I pode ser substituído por qualquer outro intervalo fechado, se for necessário. Esta relação é reflexiva,

simétrica e transitiva.

Pode-se dizer, intuitivamente, que dois caminhos são equivalentes se um deles pode ser continuamente deformado no

espaço X até coincidir com o outro. Ao longo da deformação, os pontos extremos são conservados fixos.

Definição 4.2.3. Produto de caminhos. O produto de dois caminhos só pode ser definido se o ponto terminal de um

caminho é idêntico ao ponto inicial do outro caminho. Valendo esta condição, o caminho produto é percorrido quando se

percorre o primeiro caminho e em seguida o segundo, na ordem dada. Mais precisamente, sejam

:[ , ]f a b X ,

:[ , ]g b c X

caminhos tais que , f b g b a b c . Então, o produto :[ , ]f g a c X é definido por

, [ , ]

, [ , ].

f t t a bf g t

g t t b c

Nesta definição, foi feita a exigência um tanto inconveniente de que os domínios de ,f g devam ser intervalos [ , ],[ , ]a b b c ,

respectivamente. Isto pode ser resolvido e simplificado com a mudança dos domínios de f ou de g , usando-se o

homeomorfismo linear preservador de orientação. Em verdade, o conceito essencial é o de classes equivalentes de caminhos,

e não o de caminhos propriamente ditos. Será definida a seguir uma classe de equivalência de caminhos, a partir de sua

relação natural..

Definição 4.2.4. Classes equivalentes de caminhos. Sejam :[ , ]f a b X e :[ , ]g c d X caminhos tais que g fh , onde

:[ , ] [ , ]h c d a b é um homeomorfismo linear preservador de orientação. Então f e g são caminhos equivalentes.

Agora, em vez de considerar caminhos cujo domínio é um intervalo fechado arbitrário, e homeomorfismos lineares

preservadores de orientação entre tais intervalos, é tecnicamente mais simples requerer que todos os caminhos sejam funções

definidas sobre um único intervalo fixo, o intervalo [0,1]I . Uma consequência, porém, desta simplificação, é que a

fórmula que representa o produto de dois caminhos, mostrada acima, será substituída por uma fórmula mais complicada,

Page 52: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

52

uma vez que agora se está lidando com classes, e não mais com caminhos individuais. Da mesma forma, não será

imediatamente óbvio que a multiplicação de classes de caminhos seja associativa.

4.3. Definição do grupo fundamental de um espaço X .

Considere-se um caminho em X com o significado de um mapa contínuo I X . Se f e g são caminhos em X tais que o

ponto terminal de f é o ponto inicial de g , então o produto f g é definido por

2 , 0 1 2

2 1 ,1 2 1.

f t tf g t

g t t

Dois caminhos 0f e 1f são equivalentes 0 1f f quando satisfazem a definição 4.2.4. acima.

Lema 4.3.1. A relação de equivalência e o produto definidos acima são compatíveis no seguinte sentido: Se 0 1f f e

0 1g g , então 0 0 1 1f g f g (o ponto terminal de 0f é o ponto inicial de 0g ).

Decorre deste resultado que a multiplicação de caminhos define uma multiplicação das classes de equivalência de caminhos

definidas anteriormente. Será esta multiplicação de classes o objeto central do desenvolvimento a seguir. Como bônus,

observe-se que a multiplicação de caminhos não é associativa em geral, isto é, f g h f g h , mas existe o seguinte

resultado:

Lema 4.3.2. A multiplicação de classes de equivalência de caminhos é sempre associativa.

Para todo ponto x X , a classe de equivalência do mapa constante de I para o ponto x é representada por x . Esta classe

de caminhos possui a seguinte propriedade fundamental:

Lema 4.3.3. Seja uma classe de equivalência de caminhos com ponto inicial x e ponto terminal y . Então x , e

y .

Para todo caminho :f I X , seja f o caminho definido por

Page 53: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

53

1 , f t f t t I .

O caminho f é obtido ao se percorrer o caminho f no sentido oposto.

Lema 4.3.4. Sejam e as classes de equivalência dos caminhos f e f , respectivamente. Então

x , y ,

onde ,x y são os pontos inicial e terminal do caminho f .

Em vista dessas propriedades da classe de caminhos, passará a ser representada pela notação 1 . Pelo lema anterior, 1 é única, logo, se 0 1 0 1f f f f .

Definição 4.3.5. Grupo Fundamental. Um caminho, ou classe de caminhos, é fechado, ou é um laço, se os pontos inicial e

terminal são o mesmo ponto x . Então, o ponto x é a base do laço, e é também chamado de ponto base.

Seja x um ponto qualquer de X . Verifica-se facilmente que o conjunto de todos os laços com base em x formam um

grupo. Este grupo é chamado de grupo fundamental, ou grupo de Poincaré, de X no ponto base x , e é representado por

,X x .

Sejam ,x y dois pontos em X , e seja uma classe de caminhos com ponto inicial x e ponto terminal y (logo, x e

y pertencem a um mesmo arco em X ). Usando o caminho , pode-se definir um mapa : , ,u X x X y através da

fórmula 1 . Vê-se imediatamente que este mapa é um homomorfismo de ,X x para ,X y . Usando agora o

caminho inverso 1 em vez de , pode-se definir similarmente um homomorfismo : , ,v X y X x . Verifica-se

imediatamente que os homomorfismos compostos vu e uv são os mapas identidades de ,X x e ,X y ,

respectivamente. Logo, u e v são isomorfismos, e cada um é o inverso do outro. Provou-se então o seguinte teorema:

Page 54: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

54

Teorema 3.5. Se um espaço topológico X é conexo por arcos, os grupos ,X x e ,X y são isomorfos para todos os

pontos ,x y X .

A importância deste teorema é óbvia, pois significa que a questão de ,X x possuir alguma propriedade teórica de grupo

(por exemplo, se é abeliano ou não, finito, nilpotente, etc.) é independente do ponto x , e, logo, depende unicamente do

espaço X , desde que seja conexo por arcos. Por outro lado, não existe um isomorfismo natural ou canônico entre ,X x

e ,X y : para cada escolha de uma classe de caminhos entre x e y haverá um dado isomorfismo entre ,X x e

,X y . De forma geral, diferentes classes de caminhos darão origem a diferentes isomorfismos.

Teorema 3.6. Sejam , :f g I X dois caminhos com ponto inicial 0x e ponto terminal 1x . A equivalência f g existe se

e somente se f g for equivalente ao caminho constante em 0x .

4.4. O efeito de um mapa contínuo sobre o grupo fundamental.

Seja : X Y um mapa contínuo, e sejam 0 1, :f f I X caminhos em X . É imediato verificar que, se 0 1f f , o mesmo

ocorrerá entre as funções compostas: 0 1f f . Logo, se é a classe de caminhos que contém 0f e 1f , pode-se

representar a classe de caminhos que contém 0f e 1f como . Na verdade, é a imagem da classe de

caminhos sobre o espaço Y , e pode-se verificar facilmente que o mapa que leva para tem as seguintes

propriedades:

(a) Se e são classes de caminhos em X tais que é definido, então .

(b) Para todo ponto x xx X .

(c) 11

.

Por essas razões, pode-se dizer que é um homomorfismo, ou o homomorfismo induzido por .

Page 55: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

55

Se :Y Z é também um mapa contínuo, pode-se verificar facilmente que

(d) .

E, finalmente, se : X X é o mapa identidade, então

(e) para toda classe de caminhos em X ; isto é, é o homomorfismo identidade.

Observe-se agora que, em vista dessas propriedades, um mapa contínuo : X Y induz um homomorfismo

: , ,X x Y x ; e, se é um homomorfismo, então também será um homomorfismo, de extrema

importância no estudo do grupo fundamental.

Para prosseguir no estudo do homomorfismo induzido , será necessário introduzir agora a noção de homotopia de mapas

contínuos.

Definição 4.4.1. Homotopia. Dois mapas contínuos 0 1, : X Y são homotópicos se e somente se existir um mapa

contínuo : X I Y tal que, para qualquer x X ,

0,0x x ,

1,1x x .

Se dois mapas 0 e 1 são homotópicos, sua relação é representada por 0 1 . Esta relação de equivalência sobre o

conjunto de todos os mapas contínuos X Y é chamada de classe de homotopia de mapas.

Para visualizar melhor o conteúdo geométrico da definição, pode-se escrever o mapa na forma paramétrica

, , ,t x x t x t X I . Então, para todo t I ,

:t X Y

será um mapa contínuo. Considerando o parâmetro t como representando a variável tempo, por exemplo, em um tempo

inicial 0t teremos o mapa 0 , e, depois de um tempo 1t , teremos o mapa 1 , obtido através de uma variação contínua.

Page 56: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

56

Por esta razão, uma homotopia é descrita frequentemente como uma deformação contínua de um mapa. Na verdade, o mapa

0 1:t nada mais é do que um caminho de 0 para 1 .

Definição 4.4.2. Dois mapas 0 1, : X Y são homotópicos relativos ao subconjunto A de X se e somente se existir um

mapa contínuo : X I Y tal que

0,0x x , x X ,

1,1x x , x X ,

0 1,a t a a , ,a A t I .

Teorema 4.4.3. Sejam 0 1, : X Y dois mapas homotópicos relativos ao subconjunto x . Ocorre então que

0 1 0: , ,X x Y x ,

ou seja, os homomorfismos induzidos são os mesmos.

Definição 4.4.4. Um subconjunto A de um espaço topológico X é uma retração de X se existir um mapa contínuo

:r X A (também chamado de retração) tal que , r a a a A . Isto é,

:r X A

, , |r x r a x X a A r a a .

Um exemplo simples de retração de um espaço é o “círculo central” de uma faixa de Möbius.

Sejam agora uma retração :r X A e o mapa de inclusão :i A X . Para todo ponto a A , considerem-se os

homomorfismos induzidos

: , ,i A a X a

: , ,r X a A a .

Uma vez que ri é o mapa identidade, conclui-se que r i ‟homomorfismo identidade‟ do grupo ,A a , pelas

propriedades (d) e (c) mostradas em 4. Daí se conclui que i é um monomorfismo, e que r é um epimorfismo. A condição

Page 57: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

57

r i identidade impõe fortes restrições sobre o subgrupo ,i A a de ,X a . Este resultado serve para demonstrar que

certos subespaços não são retrações.

Teorema 4.4.5. A retração de um espaço de Hausdorff é obrigatoriamente um subconjunto fechado.

Teorema 4.4.6. A relação de retração é transitiva: se A é uma retração de B e B é uma retração de C , então A é uma

retração de C .

Será introduzida agora a noção de retração por deformação. O subespaço A é uma retração por deformação de X se

existe uma retração :r X A que seja homotópica ao mapa identidade : X X . Ou, mais precisamente:

Definição 4.4.7. Um subconjunto A de X é uma retração por deformação de X se existe uma retração :r X A e uma

homotopia :f X I X tais que

,0

,1

f x xx X

f x r x

,

,f a t a , ,a A t I .

Teorema 4.4.8. Se A é uma retração por deformação de X , então o mapa de inclusão :i A X induz um isomorfismo de

,A a em , ,X a a A .

A prova deste teorema decorre de que r i é o mapa identidade de ,A a , ir é homotópico, relativo a a , ao mapa

identidade X X , logo, i r é o mapa identidade de ,X a . Aplicando-se agora o teorema 4.4.3., segue-se o

isomorfismo. Este resultado é usado para provar que dois espaços possuem grupos fundamentais isomorfos; assim como

para provar que, se os grupos fundamentais de dois espaços não são isomorfos, um não é uma retração do outro; e também

que certas retrações não são retrações por deformação.

Definição 4.4.9. Um espaço topológico X é contrátil a um ponto se existir um ponto 0x X tal que 0x é uma retração

por deformação de X .

Definição 4.4.10. Um espaço topológico X é simplesmente conexo se for conexo por arcos e se ,X x e para um

ponto qualquer (e logo para todos) x X .

Page 58: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

58

Corolário 4.4.11. Se X é contrátil a um ponto, então X é simplesmente conexo.

Exemplo 4.4.12. Um subconjunto X do plano, ou, de forma mais geral, do n -espaço euclidiano n , é dito convexo se o

segmento de linha unindo quaisquer dois pontos de X se situa inteiramente em X .

Todo subconjunto X de n convexo é contrátil a um ponto. Para demonstrar essa afirmação, basta escolher um ponto

arbitrário 0x X e definir :f X I X com a fórmula

0, 1f x t t x tx

para todo ,x t X I [isto é, ,f x t é o ponto sobre o segmento de linha que une x a 0x que o divide na razão 1 :t t ].

Desta forma, f é contínua, 0,0 , ,1f x x f x x , conforme o exigido. Mais geralmente, pode-se definir um subconjunto

X de n estrelado com respeito ao ponto 0x X , com a condição de que o segmento de linha que une x a 0x se situe

inteiramente em X , para todo x X . Obviamente, se X é estrelado com respeito ao ponto 0x , também será contrátil ao

ponto 0x .

Exemplo 4.4.13. A 1n -esfera 1nS é uma retração por deformação de 0n , o disco unitário real n -dimensional

com a origem subtraída. Para demonstrar isso, basta definir um mapa :f X I X , onde

0 :0 1n nX x x , pela fórmula

, 1x

f x t t x tx

.

Logo, f é contínua, 1,0 , ,1 nf x x f x x x S , e, se 1nx S , então , ,f x t x t I . Em particular, para 2n , vê-

se de imediato que a circunferência é uma retração por deformação de um disco perfurado no centro.

Exemplo 4.4.14. Seja um 2-toro real 2T e seja X o complemento de um ponto em 2T . Existe um subconjunto de X que é

homeomorfo a uma curva em forma de “8”, e que é uma retração por deformação de X .

Page 59: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

59

Exemplo 4.4.15. Seja S uma superfície compacta, e seja X o complemento de um ponto em S . Existe então um

subconjunto A X tal que (a) A é homeomorfo à união de um número finito de círculos; (b) A é uma retração por

deformação de X .

Exemplo 4.4.16. Sejam ,x y pontos distintos de um espaço X simplesmente conexo. Existe então uma única classe de

caminhos em X com ponto inicial x e ponto terminal y .

4.5. O grupo fundamental de um círculo é infinitamente cíclico.

Seja 1S o círculo unitário no plano euclidiano 2 (ou, de forma equivalente, no plano complexo ), tal que

1 2 2 2, : 1S x y x y . Seja 1:f I S o caminho fechado que percorre uma volta no círculo exatamente uma vez,

definido por

cos2 ,sen2 , 0 1f t t t t ,

sendo a classe de equivalência de f .

Teorema 4.5.1. O grupo fundamental 1 1, 1,0S S é um grupo cíclico infinito gerado pela classe de caminhos .

Como corolário deste teorema, resulta que o grupo fundamental de todo espaço que possui um círculo como retração de

deformação é ciclicamente infinito, e exemplos desses espaços são a fita de Möbius, um disco perfurado, uma região do

plano limitada por dois círculos concêntricos, ou ânulo, o plano perfurado, etc.

Teorema 4.5.2. O grupo fundamental de 1S é isomorfo ao grupo dos inteiros :

1S .

Page 60: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

60

Na figura abaixo, o mapa 1:p S definido como expx ix projeta 2x m sobre o mesmo ponto em 1S , e o mapa

:f , tal que 0 0f e 2 2f x f x n , para n fixo, define um mapa 1 1:f S S . O inteiro n

especifica a classe de homotopia, ou de caminhos, a que f pertence. Observe-se que o ponto base 1 permanece fixado.

Page 61: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

61

Teorema 4.5.3. Seja iU uma cobertura aberta do espaço X , a qual possui as seguintes propriedades:

(a) Existe um ponto 0 ,ix U i . (b) Cada iU é simplesmente conexo. (c) Se i j , então i jU U é conectado por arcos.

Nestas condições, X é simplesmente conexo.

Corolário 4.5.4. (a) A 2-esfera unitária 2S é simplesmente conexa. (b) a n -esfera unitária , 2nS n , é simplesmente

conexa.

Teorema 4.5.5. Os espaços 2 e n não são homeomorfos, se 2n .

4.6. O teorema do ponto fixo de Brouwer.

Seja n a bola unitária fechada no n -espaço euclidiano n , definida como

: 1n nx x .

Teorema 4.6.1. Teorema de Brouwer. Todo mapa contínuo : n nf possui pelo menos um ponto fixo, isto é, um

ponto x tal que f x x .

Este é um dos mais conhecidos teoremas de topologia, e será mostrado a seguir um exemplo da importância do mesmo.

Considere-se um sistema de n equações com n incógnitas:

1 1, , 0ng x x ,

2 1, , 0ng x x ,

1, , 0n ng x x .

Os ig são funções de variáveis reais 1, , nx x , contínuas e valoradas nos reais. É frequente e muito importante o problema

de se decidir se um sistema de equações desse tipo possui solução. Pode-se transformar o problema acima em um problema

de ponto fixo, como mostrado a seguir. Seja

Page 62: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

62

1 1, , , ,i n i n ih x x g x x x ,

para 1,2, ,i n . Agora, para todo ponto 1, , nx x x , define-se a função

1 , , nh x h x h x ,

a qual, por construção, é uma função contínua que mapeia um dado subconjunto do n -espaço euclidiano (que vai depender

do domínio de definição das funções 1, , ng g ) para o n -espaço euclidiano. Se for possível achar um subconjunto X do n -

espaço euclidiano que seja homeomorfo a n , de tal modo que h seja definida em X e h X X , pode-se concluir do

teorema de Brouwer que a função h possui um ponto fixo no conjunto X . Porém, qualquer ponto fixo da função h pode ser

imediatamente identificado a uma solução comum às equações 1, , ng g , assegurando assim a existência de solução para o

sistema. A extensão do teorema de Brouwer, a partir do subespaço euclidiano n , para certos subespaços de espaços

funcionais, pode ser usada para provar teoremas de existência de soluções para equações diferenciais ordinárias e parciais,

lineares e, principalmente, não-lineares.

4.7. O grupo fundamental de um espaço produto.

Será provado a seguir que o grupo fundamental do produto de dois espaços é naturalmente isomorfo ao produto direto dos

grupos fundamentais de cada espaço, ou seja,

X Y X Y .

Sejam os espaços topológicos , ,X Y A . Se :f A X é um mapa qualquer, as coordenadas de ,f a a A podem ser

representadas por 1 2,f a f a , onde foram definidos os mapas 1 :f A X e 2 :f A Y . É uma propriedade básica da

topologia de espaços produtos que esses mapas serão ambos contínuos, se e somente se f for contínua. Logo, existe uma

correspondência natural um-para-um entre mapas contínuos :f A X Y e pares de mapas contínuos 1 :f A X e

2 :f A Y . Podem-se abreviar as projeções do espaço produto em seus dois fatores como :p X Y X e :q X Y Y ,

logo, 1 2,f pf f qf .

Page 63: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

63

No caso em que A I , o intervalo unitário, existe uma correspondência um-para-um natural entre os caminhos

:f I X Y e os pares de caminhos 1 2: , :f I X f I Y . Esta correspondência possui as seguintes propriedades, óbvias,

mas importantes:

(a) Se , :f g I X Y são caminhos com os mesmos pontos iniciais e terminais, então f g se e somente se

1 1 2 2,f g f g , onde 1 2,g pg g qg .

(b) Sejam os caminhos , :f g I X Y tais que o ponto terminal de f seja o ponto inicial de g , e seja h o caminho

produto h f g . Obtém-se então que 1 1 1 2 2 2,h f g h f g , onde 1 2,h ph h qh .

Estas duas afirmações podem ser resumidas dizendo-se que a correspondência natural 1 2,f f f é compatível com a

relação de equivalência e com o produto entre dois caminhos, na forma em que foram definidos anteriormente.

Aplicando essas considerações ao estudo do grupo fundamental do espaço produto, , ,X Y x y , e representando

os homomorfismos induzidos pelas projeções ,p q como, respectivamente, : , , ,p X Y x y X x e

: , , ,q X Y x y Y y : da propriedade (a), se observa que a correspondência ,p q estabelece uma

correspondência um-para-um entre os conjuntos , ,X Y x y e , ,X x Y y ; e decorre da propriedade (b) que essa

correspondência preserva produtos, ou seja, é um isomorfismo entre grupos.

Estes resultados se resumem no enunciado a seguir, que pode ser estendido a um número finito qualquer de espaços.

Teorema 4.7.1. O grupo fundamental do espaço produto , ,X Y x y é naturalmente isomorfo ao produto direto dos

grupos fundamentais , ,X x Y y . O isomorfismo é definido ao se fazer corresponder a cada elemento

, ,X Y x y o par ordenado ,p q , onde : , :p X Y X q X Y Y representam as projeções do espaço

produto nos seus fatores.

4.8. Tipo de homotopia e equivalência de espaços por homotopia.

Page 64: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

64

Antes do teorema principal, será necessário desenvolver algumas noções preliminares sobre a topologia de certos

subconjuntos do plano. Um espaço topológico será um disco fechado se for homeomorfo ao conjunto

2 2 2 2, : 1E x y x y ;

e será um disco aberto se for homeomorfo ao conjunto

2 2 2 2, : 1U x y x y .

A fronteira de um disco fechado é o subconjunto que corresponde ao círculo 1S sob um homeomorfismo do disco em 2E .

Seguem-se alguns resultados elementares referentes a discos.

(a) Todo subconjunto E do plano que for compacto, convexo e com interior não-nulo, é isomorfo a 2E , e, portanto, é um

disco fechado.

(b) Sejam os discos fechados 1 2,E E com fronteiras 1 2,B B , respectivamente. Então, todo mapa contínuo 1 2:f B B pode

ser estendido a um mapa contínuo 1 2:F E E . Se f for um homeomorfismo, então se pode escolher um F que também

seja um homeomorfismo.

(c) Sejam o disco fechado 1E , e 2E o espaço quociente de 1E , obtido pela identificação de um segmento fechado da

fronteira de 1E com um ponto. Então, esse espaço quociente 2E também será um disco fechado.

Para provar (c), na figura abaixo 1E será definido como o trapezóide ABCDE , isomorfo a um disco fechado, e 2E como o

triângulo ABC . Um mapa 1 2:f E E será definido de forma a que o segmento DE da fronteira de 1E seja mapeado

inteiramente sobre o vértice C de 2E , sendo porém um-para-um em todo o resto de 1E . Para isto, f observará a condição

de que, para todo ponto 1P E , os três pontos , , 0,1P P f P C estejam sobre uma linha reta, sendo a coordenada y

de ,P x y sempre o dobro da coordenada y de ,P x y , como se segue:

Page 65: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

65

2 11

012

2

yx x

yy

y y

, ou

2

2 20 1

1

2

yx x

yy

y y

.

O primeiro par de fórmulas mostra que f é contínua, e o segundo par mostra que f é um-para-um, exceto sobre o

segmento DE , que é inteiramente mapeado sobre o ponto C . Uma vez que 1E é fechado e 2E é de Hausdorff, f é um

mapa fechado, e, logo, o espaço quociente 2E possui a topologia determinada por f , e é um disco fechado.

Seja agora o disco fechado D com fronteira B (a sua circunferência), e seja :g I B um mapa contínuo que envolve o

intervalo exatamente uma vez em torno da circuferência. Mais precisamente, 00 1g g d B , e g mapeia o intervalo

0,1 homeomorficamente sobre 0B d .

Page 66: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

66

Lema 4.8.1. Seja X um espaço topológico. Um mapa contínuo :f B X pode ser estendido a um mapa D X se e

somente se o laço fechado :fg I X for equivalente ao laço constante no ponto base 0f d .

Na aplicação deste lema, é conveniente se usar de um “abuso de linguagem”: diz-se que o mapa :f B X “representa” a

classe de equivalência do laço fg .

Antes de enunciar o próximo teorema, sejam 0 1, : X Y mapas contínuos, e seja : X I Y uma homotopia entre 0

e 1 , isto é, 0,0x x e 1,1x x . Escolhendo-se um ponto base 0x X , 0 1, induzem homorfismos

0 0 0 0, ,X x Y x ,

1 0 1 0: , ,X x Y x .

Seja uma representação da classe de homotopia do caminho 0, ,0 1t x t t , em Y . Isto define um isomorfismo

0 0 1 0: , ,u Y x Y x através da fórmula

10 0, ,u Y x .

Teorema 4.8.2. De acordo com as hipóteses acima, o seguinte diagrama é comutativo:

Definição 4.8.3. Dois espaços X e Y são do mesmo tipo de homotopia se existem mapas contínuos, chamados de

equivalências de homotopia, : , :f X Y g Y X , tais que id : , id :gf X X fg Y Y .

Teorema 4.8.4. Se A é uma retração por deformação de X , então a inclusão \ :A X i A X é uma equivalência de

homotopia.

Page 67: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

67

Teorema 4.8.5. Se :f X Y é uma equivalência de homotopia, então : , ,f X x Y f x é um isomorfismo para

todo x X .

Este teorema é usado como auxílio na determinação do grupo fundamental de alguns espaços, e como um método de se

provar se certos espaços são ou não do mesmo tipo de homotopia, e, logo, não são homeomorfos.

Obs 4.8.6. O conceito de grupo fundamental foi introduzido pelo matemático francês Jules Henri Poincaré (1854-1912) em

1895, e, em 1935, o matemático polonês Witold Hurewicz (1904-1956) introduziu os grupos de homotopia em várias

dimensões 2, n , por analogia com o grupo fundamental, que representou como 1 . De acordo com essa nova

conceituação, são mostrados abaixo alguns grupos de homotopia mais frequentemente usados, associados a alguns espaços

topológicos.

Page 68: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

68

Page 69: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

69

5. A topologia das superfícies riemannianas.

5.1. Orientabilidade. O conceito já foi exposto do ponto de vista topológico geral. Será visto em seguida em uma versão em

coordenadas, restrito ao caso diferenciável. Sejam 1, , nx x e 1, , ny y dois sistemas de coordenadas em uma variedade

diferenciável M . Ambos terão a mesma orientação se o determinante do jacobiano da transformação de coordenadas,

det i

j

y

x

, é positivo em todo o domínio de definição. Uma variedade M diferenciável ou complexa será (suavemente)

orientável se possui um atlas diferenciável cujos sistemas de coordenadas possuem orientações idênticas.

Proposição 5.2. Toda variedade complexa M é orientável.

Habitualmente se toma o atlas real subjacente a algum atlas analítico em M . O que significa que os sistemas de

coordenadas complexas 1, , nz z deste último atlas são substituídos pelos sistemas de coordenadas reais 1 1, , , ,n nx y x y ,

onde 1i i iz x y . A prova de que esses sistemas possuem orientação idêntica decorre do seguinte fato da álgebra linear:

seja A a matriz complexa n n de um dado mapa -linear : n nf . Então, f corresponde a um mapa -linear 2 2: n nf , cuja matriz real 2 2n n A é tal que

2det detA A .

O caso 1n é óbvio:

1A a b , a b

Ab a

, e

22 2det 1A a b a b .

Seja S uma superfície de Riemann. Seja p S e considere-se uma vizinhança aberta U de p homeomorfa ao disco

unitário. Então, U p , e este grupo fundamental possui um gerador canônico, definido por um laço em torno de p

Page 70: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

70

orientado na direção positiva. De fato, o parâmetro local z em p permite fixar um laço simples e pequeno

2 1 , 0, 0,1tz t e t , que é definido como positivo. Qualquer outro laço simples em U ao redor de p será

positivo quando coincidir com esse pequeno laço através de uma deformação contínua (no plano , esses laços são

caminhos orientados no sentido anti-horário).

A definição de positividade não depende da escolha do parâmetro local. De fato, todo parâmetro local 1z x y pode ser

deformado continuamente em outro, em uma vizinhança de p , uma vez que o jacobiano da transformação em suas

componentes reais ,x y é positivo. Intuitivamente, dizer que S é orientável significa dizer que, se se tomar um disco

pequeno e se escolher percorrê-lo em um dado sentido ao longo de sua circunferência, esse disco pode ser movido

continuamente através de qualquer caminho fechado em S e sempre, ao retornar ao ponto inicial, a circunferência

continuará a ser percorrida no mesmo sentido que antes. As coordenadas da superfície de Riemann permitem que o sentido

do percurso seja controlado durante o deslocamento do disco.

Obs. 5.1.2. A positividade de um laço simples depende da escolha de uma raiz quadrada 1 . Logo, 1 é assumida

sempre como fixa.

Obs. 5.1.3. Existem certas superfícies não-orientáveis, como, por exemplo, o plano projetivo 2 e a faixa de Möbius.

Decorre da proposição acima que essas superfícies não possuem estrutura analítica complexa.

5.2. Triangulabilidade. Um triângulo sobre uma superfície de Riemann S é uma imagem homeomorfa T , segundo a

topologia usual, de um triângulo euclidiano. A imagem de um vértice é um vértice de T , e a imagem de um lado é chamada

de aresta. Uma triangulação de S é uma família iT de triângulos em S tal que

(a) iS T

(b) dois triângulos só podem se tocar de duas formas: 1) por um vértice comum; 2) por um lado comum

Page 71: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

71

(c) se iT não é uma família finita, exige-se que seja localmente finita, isto é, somente um número finito de triângulos

possui um vértice comum, e a união destes triângulos define uma vizinhança deste vértice comum, como mostrado na figura

abaixo.

Teorema 5.2.1. Toda superfície de Riemann é triangulável.

No caso de superfícies suaves, como as de Riemann, ou superfícies diferenciáveis, a triangulabilidade equivale à existência

de uma base enumerável para a topologia, ou à enumerabilidade da topologia no infinito. Em particular, no caso de

superfícies compactas, o teorema é óbvio.

5.3. Desenvolvimento; Genus Topológico. Em razão da propriedade de triangulabilidade finita, uma superfície de Riemann

pode ser construída pela colagem de pares de arestas de algum polígono M , chamado de desenvolvimento de S . Essa

colagem de arestas é descrita pelo símbolo do desenvolvimento, que é uma sequência de letras que designam as arestas, à

medida que se percorre a fronteira de M . Os pares de arestas a serem coladas são descritos pela mesma letra. Se duas

arestas devem ser coladas com orientações no mesmo sentido, enquanto se percorre a fronteira, serão descritas por uma letra

sem expoente; caso contrário, uma das arestas terá expoente igual a -1. Há um certo número de operações padrão com

desenvolvimentos, gerando um desenvolvimento representado por um símbolo de razoável simplicidade.

Teorema 5.3.1. Uma superfície de Riemann compacta S tem um desenvolvimento com uma das duas construções de

símbolo:

(1) 1aa , ou

Page 72: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

72

(2) 1 1 1 11 1 1 1a b a b a b a b

g g g g

Corolário 5.3.2. No caso (1), a superfície de Riemann S é homeomorfa a uma esfera; no caso (2), é homeomorfa a uma

esfera com g alças.

Vê-se assim que os símbolos dos desenvolvimentos apresentados no Teorema 5.3.1. são invariantes topológicos da

superfície de Riemann.

Definição 5.3.3. O número g em (2) (e 0, em (1)), recebe o nome de genus (topológico) da superfície de Riemann

compacta. Em outras palavras, uma superfície de Riemann S de genus g é homeomorfa a uma esfera com g alças. O genus

de S é representado por Sg , ou simplesmente g .

Exemplo 5.3.4. Uma curva elíptica tem um desenvolvimento cujo símbolo é 1 1aba b , logo, uma curva elíptica é

homeomorfa a um toro 2T , e 1 g .

5.4. Estrutura do Grupo Fundamental.

Teorema 5.4.1. O grupo fundamental de uma superfície de Riemann compacta S de genus g é isomorfo ao grupo

quociente do grupo livre dado pelos geradores 1 1, ,a b a bg g pelo subgrupo normal dado pelo elemento

1 1 1 11 1 1 1a b a b a b a b

g g g g .

O caso em que 0g é trivial. Para 1g , considere-se um desenvolvimento cujo símbolo é 1 1 1 11 1 1 1a b a b a b a b

g g g g . Os

vértices desse desenvolvimento estão todos colados em um único ponto p S . Toda aresta ia ou ib define então um laço

em S cuja classe de homotopia define um elemento de S . Agora, o laço correspondente ao símbolo

1 1 1 11 1 1 1a b a b a b a b

g g g g é evidentemente homeomorfo ao laço trivial, e esse mapa assim construído é o isomorfismo

requerido.

Page 73: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

73

Exemplo 5.4.2. Para uma curva elíptica , o grupo fundamental é isomorfo ao grupo dado pelos geradores ,a b ,

com a relação de comutação 1 1 1aba b . Logo, é isomorfo também ao grupo abeliano livre com dois geradores em

(ver 3.9.).

Para se construírem mapas finitos sobre superfícies de Riemann compactas, é útil se conhecer o grupo fundamental das

superfícies perfuradas pontualmente (ver 3.10.).

Teorema 5.4.3. Seja S uma superfície de Riemann compacta de genus g com um conjunto finito de pontos distintos

1, , np p . O grupo fundamental da superfície de Riemann iS p é isomorfo ao grupo quociente do grupo livre dado pelos

geradores 1 1 1, , , , , , , na b a b c cg g pelo subgrupo normal gerado pelo elemento 1 1 1 11 1 1 1 1 na b a b a b a b c c

g g g g .

A prova é obtida como no Teorema 5.4.1. (ver figura abaixo).

Corolário 5.4.4. Para toda superfície de Riemann compacta S e para todo grupo finito G , existe um mapa normal e finito

entre superfícies de Riemann 1 2:f S S e o grupo de automorfismo Aut f G .

Considerando extensões de campos de funções meromorfas (ver 6.14, mais adiante), obtém-se o seguinte resultado:

Corolário 5.4.5. Todo campo com grau de transcendência 1 que é gerado de forma finita sobre G possui uma extensão

normal finita com qualquer grupo de Galois finito predeterminado.

Page 74: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

74

5.5. A Característica de Euler. Seja S uma superfície de Riemann compacta, com uma triangulação iT . O número de

vértices será representado por v , o número de arestas por a e o número de triângulos por t .

Lema 5.5.1. O número

S v a t

independe da triangulação.

Este lema permanece válido para qualquer partição finita de S em polígonos (isto é, imagens homeomorfas de polígonos

convexos do plano euclidiano); neste caso, t será o número de polígonos na partição.

Definição 5.5.2. O número S é chamado de característica de Euler da superfície S .

Corolário 5.5.3. Para uma superfície de Riemann compacta S de genus g existe a seguinte relação:

2 2S g .

Em particular, a característica de Euler é par, e 2S .

Para 1g , o desenvolvimento padrão de S (ver 5.3.) é representado por uma partição com um polígono, um vértice,

e 2g arestas.

Corolário 5.5.4. (Euler). Os números V de vértices, A de arestas e F de faces de um poliedro convexo arbitrário estão

relacionados pela fórmula 2V A F .

5.6. As fórmulas de Hurwitz (do matemático alemão Adolf Hurwitz, 1859-1919). A característica de Euler pode ser

usada para controlar o comportamento do genus, sob mapas entre superfícies de Riemann.

5.6.1. Fórmula de Hurwitz para a característica de Euler. Seja 1 2:f S S um mapa não-constante entre superfícies de

Riemann compactas. Então

Page 75: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

75

1 2grau grau S f S R , onde

R é o divisor de ramificação de f (ver 3.6.). Em particular, o número de pontos de ramificação – contando-se as

multiplicidades, isto é, o índice de ramificação – é sempre par.

Para demonstrar este resultado, escolhe-se uma triangulação suficientemente refinada iT sobre 2S , cujos vértices incluem

as imagens de todos os pontos de ramificação. Sobre 1S é escolhida a triangulação 1if T

. Agora, a imagem inversa de

todo triângulo, tomado isoladamente, consiste em grau f triângulos. Contando finalmente os números de vértices, arestas e

triângulos, obtém-se a relação desejada.

O Corolário 5.5.3. permite que essas relações sejam escritas em termos do genus.

5.6.2. Fórmula do genus de Hurwitz.

1 2

1grau grau grau 1

2S f S R f g g .

Corolário 5.6.3. 1 2S Sg g .

Exemplo 5.6.4. Seja S uma superfície de Riemann hiperelíptica (ver 3.11.3.), com mapa de projeção 1: S , que

possui n pontos de ramificação. Neste caso, 1

12

S n g . Logo, existe sempre uma estrutura de superfície de Riemann –

por exemplo, hiperelíptica - sobre toda superfície orientável compacta.

Exemplo 5.6.5. Seja S uma superfície de Riemann compacta de genus g , e seja 1:f S um mapa não-constante de

grau n . Decorre da fórmula do genus de Hurwitz que

grau 2 1 2 2R n n g , onde

R é o divisor de ramificação de f . Inversamente, para todo número par 2 2b n existe um mapa finito 1:f S com

grau R b . É possível construir o mapa f apenas com ramificação simples (índice 1) acima de b pontos distintos

Page 76: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

76

11, , bp p . O conjunto 1, ,n pode ser identificado com uma fibra genérica 1f p

, e movendo as fibras de f ao

longo de caminhos fechados, evitando os pontos ip , define-se um homomorfismo

1: i np S ,

que recebe o nome de monodromia de f , onde nS é o grupo de permutação de 1, ,n . Assim, aos geradores ic do grupo

1ip (ver Teorema 5.2.3. e a figura anterior) correspondem algumas permutações i nS , e devem valer as

seguintes condições:

(a) 1 idb (pelo Teorema 5.2.3.);

(b) os i atuam transitivamente sobre 1, ,n , devido à conectividade de S ;

(c) os i são transposições, uma vez que só existe um ponto de ramificação simples acima de cada ip ( ver 1.6);

Estas condições são obedecidas, por exemplo, pelas transposições

1 2 1,2 , ; 2 3 2 2 1, ;n n n 2 1 1,2n b .

Resta estabelecer a existência do mapa requerido 1:f S com uma dada monodromia e que satisfaça (b) e (c). Para

isto, basta aplicar o Corolário 3.10.2. ao subgrupo

1 | 1 1ip ,

que é de índice n em 1ip . Os pontos da fibra 1f p

podem então ser identificados com os cosets à esquerda

1ip , e a monodromia com o homomorfismo natural

1 1Auti ip p ,

que mensura a ação desses cosets (um coset H à esquerda de um grupo G , sendo H um subgrupo de G , é o conjunto

| ,gH gh h H g G . Um coset à direita é definido de forma similar, e um subgrupo é normal quando gH Hg ).

Page 77: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

77

Obviamente, o número de mapas 1:f S com ramificação simples acima de b pontos ip é finito. Hurwitz encontrou

uma fórmula para o número desses pontos e estabeleceu sua equivalência topológica.

Obs. 5.6.6. O grupo de monodromia, isto é, a imagem da monodromia , é o grupo completo de permutações nS , desde

que 1:f S seja um mapa suficientemente ramificado, por exemplo, se 1b n n . Sabendo que o grupo nS não é

resolvível para 5n , pode-se extrair daí o teorema de Abel sobre o fato de que o polinômio complexo genérico de grau 5

não possui solução por radicais.

5.7. Homologia e Co-homologia; Números de Betti.

5.7.1. Grupos de homologia: são um refinamento da característica de Euler, no sentido de que esta pode ser obtida

diretamente dos grupos de homologia de um espaço topológico decomposto em simplexos (v. Teorema de Euler-Poincaré,

5.7.3.):

Seja K um complexo simplicial n -dimensional, definido por um número finito de simplexos sobre n tais que

, caso contrário face , . Define-se sobre K um único grupo de homologia característico

,0rH K r n , abeliano e invariante topológico (v. Nash & Sen, “Topology and Geometry for Physicists”, Cap.4).

5.7.2. Números de Betti (de Enrico Betti, matemático italiano, 1823-1892) – Seja K um complexo simplicial, e seja

;rH K a parte abeliana livre do grupo de homologia completo ;rH K , definida como o subgrupo de dimensão f

;rH K (soma direta com f termos)

O r -ésimo número de Betti rb K é definido como a dimensão dessa parte abeliana livre:

Por exemplo, os números de Betti do toro bidimensional 2T serão

0 1b K 1 2b K 0 1b K ;

dimr rb K H

Page 78: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

78

e, para a esfera 2S , serão

0 1b K 1 0b K 2 1b K .

A característica de Euler também pode ser calculada em função dos números de Betti, usando-se o Teorema de Euler-

Poincaré, a seguir.

5.7.3. Teorema de Euler-Poincaré – Seja K um complexo simplicial n -dimensional, e seja rI o número de r -simplexos

em K . A característica de Euler será dada por

0 0

1 1n n

r r

r rr r

K I b K

.

Esta expressão define a característica de Euler para um poliedro generalizado n -dimensional K , generalizando a fórmula

para superfícies bidimensionais já encontrada acima.

Exemplificando mais uma vez, para o toro 2T , 1 2 1 0K . E, para a esfera 2S , 1 0 1 2K .

5.7.4. Grupo de co-homologia: se M é uma variedade diferencial, os grupos de homologia das formas diferenciais em M

possuem espaços duais, chamados de grupos de co-homologia.

A propriedade de nilpotência da derivada exterior, simbolizada por 2 0d , permite que se faça uma definição de co-

homologia baseada em p -formas diferenciáveis.

A base do espaço vetorial das r -formas, em uma variedade diferenciável qualquer M , é 1 2 rdx dx dx onde

é o produto exterior das 1-formas (também chamado, neste caso, de produto cunha (wedge product)). Diz-se que uma

p -forma p é fechada se 0pd ; e que é exata, se 1p pd , para alguma 1p -forma 1p . Uma p -forma fechada

sempre pode escrita localmente, mas não globalmente, na forma 1pd . Para uma variedade diferenciável K , define-se a co-

homologia de De Rham (do matemático suíço Georges de Rham, 1903-1990) como o espaço quociente

formas fechadas em

formas exatas em

p p KH K

p K

.

Page 79: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

79

A dimensão desse espaço pH K é o número de Betti pb . Os números de Betti dependem unicamente da topologia

do espaço, e pertencem à estrutura de característica de Euler, ou número de Euler, da variedade K , dado por

0

1d

p

pp

K b

Exemplo 5.7.5. Co-homologia de de Rham e a forma diferencial BRST.

A parte de campos de matéria (férmions) não é relevante para o entendimento da quantização de uma teoria de calibre não-

abeliana, e em vista disso, será considerada aqui apenas a quantização da teoria de Yang-Mills pura – ou seja, a parte de

campos de calibre da lagrangiana.

Conforme já é sabido a partir do estudo da QED , a invariância de calibre se reflete em fortes restrições à estrutura da

lagrangiana de campos de calibre. Em particular, a matriz dos coeficientes dos termos quadráticos da densidade lagrangiana

é singular, e, portanto, não-inversível. A consequência é que, se tomarmos G

como a teoria dinâmica, ficamos

impossibilitados de definir propagadores, e toda a filosofia de efetuar cálculos perturbativos a partir dos diagramas de

Feynman vai por água a baixo. Para contornar essa dificuldade, normalmente acrescentamos um termo à densidade

lagrangiana de calibre de forma a quebrar a invariância de calibre, permitindo assim que se definam os propagadores para os

campos de calibre. Chama-se a esse termo de “termo de fixação de calibre”, e pode ser qualquer termo que remova as

singularidades dos coeficientes da matriz dos termos quadráticos, mantendo ao mesmo tempo as várias invariâncias globais

da teoria. Por exemplo, podemos adicionar à densidade lagrangiana o termo

21

2

a

GF A

,

conhecido na literatura como o termo padrão covariante de fixação de calibre, onde representa uma constante arbitrária,

chamada de parâmetro de fixação de calibre, cuja natureza já nos foi parcialmente revelada na QED . Será mais conveniente

considerarmos aqui a densidade lagrangiana acrescida, não de uma constante, mas de um campo auxiliar aF , tomando então

a forma

Page 80: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

80

2

a a a a

GF F A F F

.

Com esta expressão para a lagrangiana, é imediato que a equação de movimento do campo auxiliar será a aF A

,

o que significa que, quando eliminarmos aF na lagrangiana, recuperaremos a densidade lagrangiana padrão com fixação

covariante de calibre, a menos de um termo de divergência total que não afeta a lagrangiana. Da mesma forma que na QED ,

esta forma da lagrangiana permite a escolha de calibres variados, como o de Landau para 0 , e o de Feynman para 1 .

É claro que, ao adicionarmos um termo de fixação de calibre à densidade lagrangiana de calibre, alteramos a teoria, e,

portanto, precisamos compensar este fato. Convencionalmente, o que se faz é acrescentar à densidade lagrangiana ainda

mais um termo, chamado de densidade lagrangiana fantasma, com o seguinte procedimento: - vamos supor que

0a a af x A x F x

seja a condição que corresponda à situação descrita pela densidade lagrangiana de fixação

de calibre. Neste caso, acrescentamos à lagrangiana um termo

ab

a

Fant b

f xdy c x D c y

A x

,

onde os novos campos ac e ac são conhecidos como os campos fantasma e antifantasma, respectivamente, ambos com spin

zero, escalares e anticomutáveis – portanto, não são campos físicos, e sim variáveis grassmannianas auxiliares, que já foram

descritas anteriormente, com o nome de seus descobridores: campos de Fadeev-Popov. Em geral, quando a condição de

fixação de calibre envolve outros campos além dos campos de calibre, a ação fantasma pode ser escrita como

g a

a b

Fant Fant b

fS dxdy dxdy c x c y

,

Onde g a

f representa a transformada de calibre da condição de fixação de calibre, e a x corresponde ao parâmetro local

da transformação de calibre. Por exemplo, no calibre covariante que estamos usando, já escolhemos

Page 81: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

81

0a a af A F

,

e, logo, a lagrangiana fantasma, para esta escolha de fixação de calibre, será

b a

a ab a

Fant xdy c x x y D c y c x D c x

,a

ac x D c x

onde o último termo é uma derivada total, que pode ser descartada.

Com todas essas modificações, a densidade lagrangiana total para uma teoria de puro calibre não-abeliana tem a forma

Tot G GF Fant .

Para o calibre covariante que estamos usando, a lagrangiana total será então, explicitamente, dada por

1

4 2

aa a a a a a a

Tot F F F A F F c D c

.

Como já foi dito antes, a fixação de calibre e a lagrangiana fantasma modificam a teoria original de forma a se

compensarem, permitindo que os diagramas e as regras de Feynman sejam definidos, e, assim, os cálculos perturbativos

possam ser efetuados. Num sentido mais profundo, a fixação de calibre e as lagrangianas fantasmas correspondem, no

formalismo integral funcional, a simplesmente um fator multiplicativo unitário, que não modifica o conteúdo físico da

teoria. Este cancelamento pode ser resumidamente representado pelos determinantes de operadores que resultam da

integração funcional da lagrangiana de Fadeev-Popov, que, no caso simples do calibre de Feynman sem acoplamento, numa

dimensão genérica d , se apresentam como um produto

2 1

2 2det detd

,

onde o expoente negativo do primeiro determinante é próprio aos campos bosônicos, e o expoente positivo do segundo

determinante é característico de campos fermiônicos (variáveis grassmannianas), Vê-se assim que o determinante dos

campos fantasmas anticomutáveis sempre cancela, para cada valor do índice a , duas componentes (uma do tipo tempo e a

outra de polarização longitudinal) do campo de calibre aA .

Page 82: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

82

Veremos a seguir como, de fato, e num sentido que ficará claro, aqueles termos adicionados à densidade lagrangiana

não possuem conteúdo físico.

A última expressão acima da lagrangiana teve o seu calibre fixado, e, portanto, não possui a invariância de calibre da

teoria original. Entretanto, podemos verificar que a densidade lagrangiana total, após ter o calibre fixado, desenvolveu uma

simetria fermiônica global que, de certa forma, lembra a invariância de calibre da teoria original. É fácil mostrar que a

densidade lagrangiana total é invariante quanto às transformações globais

a

aA D c ; 2

a abc b cc f c c

; a ac F ; 0aF ,

Sendo o parâmetro constante anticomutável, ou grassmanniano, da transformação global. Em outras palavras, o

cancelamento de termos singulares obtido para a teoria pura de Yang-Mills com a introdução dos campos de Fadeev-Popov

se estende, após a introdução deste novo parâmetro e desta nova simetria, também à teoria interativa completa. Antes de

mostrar a invariância da densidade lagrangiana total quanto a essas transformações, é importante ressaltar que cada uma

dessas transformações é nilpotente – uma propriedade das variáveis de Grassmann – para qualquer variável de campo a ,

isto é,

0, , ,a a

i ji j . Sabendo disso, é fácil agora mostrar a invariância da densidade lagrangiana

Tot. Em primeiro

lugar, note-se que a transformação de aA é na verdade uma transformação de calibre com parâmetro a ac , e, portanto, a

densidade lagrangiana é invariante de forma trivial sob essa transformação, como se vê:

0G .

Consequentemente, precisamos nos preocupar apenas com as densidades lagrangianas fantasma e de fixação de calibre, o

que se mostra também trivial, porque o campo auxiliar aF não se transforma 0aF , e teremos então

a a

a a a a

GF Fant F A c D c c D c

0a a

a aF D c F D c

,

Page 83: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

83

onde foi usado que 0a

D c , o que se segue da nilpotência das transformações. Cabe observar paralelamente que essa

nilpotência, quando os campos fantasmas estão presentes, é off-shell, e somente existe sem eles quando são usadas as

equações de movimento.

Essas transformações, que definem uma simetria residual da teoria completa e, em certo sentido, substituem a

invariância de calibre original, são chamadas de transformações BRST (C. Becchi, A. Rouet, e R. Stora, Comm. Math. Phys

42,127 (1975); I. V. Tyutin, Lebedev Institute preprint, 1975), e cumprem um papel basilar no estudo das teorias de calibre.

As transformações BRST foram desenvolvidas originalmente como uma extensão do método de Fadeev-Popov ( L. D.

Fadeev e V. N. Popov, Phys. Lett. 25B, 29 (1967)), mas podem também ser consideradas como a substituição mais geral

desse método.

As transformações globais definidas acima correspondem na verdade à forma diferencial BRST nilpotente

2

0BRSTd ,

a qual por sua vez define uma co-homologia local de de Rham sobre o espaço A das funções (ou dos funcionais) locais,

dada pelo espaço quociente entre o kernel e a imagem da forma diferencial aplicada sobre A :

Ker ImBRST

BRST BRSTH d d .

O kernel é dado pelas formas fechadas 0BRSTd A , e as formas exatas BRSTA d A na imagem da diferencial também serão

formas fechadas, pela nilpotência da diferencial BRST: 2

0BRST BRSTd A d A .

5.7.6. Dualidade de Poincaré – Seja M uma variedade compacta e sem fronteira (ou seja, fechada e orientada) m -

dimensional, e sejam , elementos dos grupos de co-homologia de de Rham: rH M e m rH M . Note-se que o

produto cunha define um elemento de volume em M , o que permite definir um produto interno

, : r m rH M H M através do funcional

Page 84: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

84

,M

.

O produto interno é bilinear e não-singular, isto é, se 0 e 0 , , não é identicamente nulo. Logo, o funcional

define a dualidade entre rH M e m rH M como o isomorfismo

r m rH M H M .

Esta é a conhecida dualidade de Poincaré. Como toda variedade possui uma orientação única mod2 , a dualidade de

Poincaré é válida mod2 para qualquer variedade, independente da orientação.

Uma outra forma de apresentar a dualidade de Poincaré é através do isomorfismo entre os grupo mutuamente duais de

homologia e de co-homologia:

rm rH M H M .

Teorema 5.7.7. Existe um isomorfismo natural

1 , ,H S S S S , onde

,S S é o subgrupo comutador do grupo fundamental S .

Todo caminho é equivalente por homotopia a um caminho ao longo das arestas de uma triangulação, e, portanto, pode

ser representado por 1-cadeia simplicial. Correspondentemente, um laço pode ser representado por 1-ciclo, e é assim que o

isomorfismo é estabelecido. Em particular, as arestas ia e

ib de um desenvolvimento padrão definem classes de homologia

unidimensionais, as quais também são chamadas de ia e

ib .

Exemplo 5.7.8. Para uma curva elíptica , se obtém que

1 , ,H .

Corolário 5.7.9.

1

1 1 1, ,H S H S a b a b g g ,

0 2

0 2, , , ,H S H S H S H S , logo,

Page 85: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

85

1 0 2

1 0 22 , 1, 2 2b b b b b b S g g .

5.8. Produto Interseção; Dualidade de Poincaré. Dois caminhos sobre , u t e v t , encontram-se transversalmente em

um ponto 0 0p u t v t caso os vetores tangentes 0

dut

dt e 0

dvt

dt sejam linearmente independentes sobre os reais.

Então o produto interseção p

u v assume o valor +1 quando 0 0,du dv

t tdt dt

é uma base positiva em , ou seja, quando

este sistema de coordenadas possui a mesma orientação que o sistema ,x y , onde 1z x y . No caso contrário,

1p

u v . De forma similar, as coordenadas locais sobre uma superfície de Riemann S permitem definir a

transversalidade de uma interseção, assim como o produto interseção em um ponto de S .

Lema 5.8.1. Quaisquer dois laços sobre S se encontram transversalmente, a menos de homotopia.

Definição 5.8.2. O produto interseção de dois laços ,u v que se encontram transversalmente em uma superfície de Riemann

S é definido pela fórmula

p

u v u v , onde

p percorre o conjunto (finito) de todos os pontos de interseção dos laços.

O resultado a seguir permite estender a noção de um produto interseção a qualquer par de laços.

Proposição 5.8.3. (sobre invariância de homotopia). O produto interseção u v depende somente da classe de homotopia

dos laços u e v .

Page 86: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

86

Observe-se que é necessário contar não apenas os pontos de interseção, mas como cada um deles contribui com um

determinado sinal (ver figura acima). As propriedades do produto interseção são fáceis de serem verificadas:

(1) uv w u v v w , e 1u w u w , onde uv representa a composição dos laços u e v , e 1u é o inverso de

;u

(2) u v v u (antissimetria).

Assim, no caso compacto, segue-se do Teorema em 5.7. que o produto interseção é uma forma bilinear antissimétrica:

1 1 : , ,H S H S .

Proposição 5.8.4. A forma bilinear acima é unimodular.

Logo, o grupo 1 ,H S possui uma base 1 1, , , ,a b a bg g na qual

, , 0i j i ja a b b e ,i j ija b .

Assim é, por exemplo, a base dada pelas arestas de um desenvolvimento com símbolo 1 1 1 1

1 1 1 1a b a b a b a b

g g g g , sempre que a

fronteira é percorrida no sentido positivo (ver Corolário em 5.7. e a figura abaixo).

Page 87: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

87

Corolário 5.8.5. A forma unimodular acima definida induz o isomorfismo entre grupos de homologia e de co-homologia

conhecido como Dualidade de Poincaré:

1

1 1, Hom , , ,H S H S H S .

Page 88: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

88

6. Cálculo sobre superfícies de Riemann.

Nesta seção todas as superfícies de Riemann S são consideradas infinitamente diferenciáveis, ou seja, S C .

6.1. Vetores Tangentes e Diferenciação. Seja S uma superfície de Riemann. Entenda-se por uma função a valores

complexos diferenciável sobre S um mapa diferenciável S (ver 1.7.). Funções a valores complexos diferenciáveis em

S formam uma -álgebra S . Uma diferenciação de S em p S é um mapa -linear :D S que satisfaz a

relação de Leibniz

D f g D f g p f p D g .

As diferenciações em um ponto p formam um espaço vetorial complexo equipado com as operações naturais da adição e da

multiplicação por constantes (escalares). Este espaço vetorial, representado usualmente por pT S , é chamado de espaço

tangente de S em p .

Exemplo 6.2. Seja 1z x y uma coordenada local em um ponto p S . Então, as derivadas parciais, f

px

e

fp

y

,

das funções f S , escritas nas coordenadas locais x e y , determinam diferenciações px

e

py

em p . É importante

notar que uma função holomorfa sobre um conjunto aberto U nada mais é do que uma função diferenciável f U

que satisfaz a condição de Cauchy-Riemann 0fz

.

Page 89: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

89

Lema 6.3. Os dois vetores px

e

py

, ou, na representação segundo a coordenada complexa local e sua conjugada,

respectivamente, pz

e

pz

, formam uma base do espaço tangente pT S . Logo, dim 2pT S , ou seja, o espaço tangente

é isomorfo ao plano 2 , e contém todas as retas tangentes a S no ponto p , daí o seu nome.

6.2. Formas diferenciais. Seja S uma superfície de Riemann. Uma função a valores complexos pertencente à família de

todos os espaços tangentes pT S , que seja linear em cada um dos espaços tangentes pT S , é definida como uma 1-

forma diferencial, ou simplesmente como diferencial, ou 1-forma.

Exemplo 6.2.1. Seja 1z x y uma coordenada local em um conjunto aberto U S . Existe então uma diferencial em

U que mapeia um vetor tangente a bx y

em sua

x

-coordenada a (ou, respectivamente, em sua

y

-coordenada b ).

Essa diferencial é representada por dx (ou, respectivamente, por dy ). Analogamente, podem-se definir as diferenciais dz e

dz .

Lema 6.2.2. Toda 1-forma em S pode ser escrita localmente como

| 1U fdz gdz f g dx f g dy , onde

f e g são funções com valores complexos definidas em um conjunto aberto U S , e 1z x y é uma coordenada

local em U .

Uma 1-forma é diferenciável se, para toda representação local fdz fdz , as funções f e g são diferenciáveis. O

espaço vetorial complexo com dimensão infinita formado pelas 1-formas diferenciáveis em S será representado por 1A .

Uma forma é do tipo 1,0 (respectivamente, 0,1 ) se, localmente, fdz (respectivamente, gdz ). As formas do

Page 90: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

90

tipo 1,0 (respectivamente, 0,1 ) compõem um espaço vetorial 1,0A (respectivamente, 0,1A ). Decorre daí que existe a

decomposição 1 1,0 0,1A A A : toda 1-forma pode ser escrita de forma única como uma soma 1 2 , onde

1 e 2

são formas dos tipos (1,0) e (0,1), respectivamente.

Se, na definição de uma 1-forma, cada espaço tangente pT S for substituído por seu produto p pT S T S , e a condição

de linearidade por multilinearidade, obtém-se a definição de uma forma de grau 2 . Prosseguindo, se 1 e

2 são 1-

formas, pode-se definir uma forma 1 2 que mapeia cada par de vetores tangentes 1 2, p pt t T S T S em

1 2 1 2 1 1 2 2,t t t t . Esta forma é o produto tensorial de 1 e

2 . O produto tensorial de qualquer número de 1-

formas pode ser definido da mesma maneira. Localmente, toda forma w pode ser escrita como uma combinação linear de

produtos tensoriais das diferenciais dz e dz , com funções como coeficientes. Quando um produto tem i fatores, é

chamada de uma i -forma. E mais, se todos os coeficientes são funções diferenciáveis, será uma forma diferenciável. Tal

como ocorre com quaisquer funções multilineares, podem ser impostas condições de simetria, antissimetria, simetria

hermitiana, etc. Por exemplo, se 1 e

2 são 1-formas, então a 2-forma 1 2 1 2 2 1

1

2 é antissimétrica. De

fato, 2 1 1 2 . Esta forma é definida como o produto exterior, ou produto cunha (wedge product), simbolizado

pelo operador . Formas diferenciais antissimétricas, também conhecidas como formas ou diferenciais exteriores, são de

especial interesse em geometria diferencial. O espaço vetorial complexo das i -formas diferenciáveis exteriores da superfície

de Riemann S é representado por iA . Por definição, 0A S . Como localmente uma superfície de Riemann só possui

duas coordenadas reais, para 3 0ii A . Toda 2-forma exterior em uma superfície de Riemann é do tipo 1,1 , e tem a

seguinte representação local:

2 1fdz dz dx dy .

Por exemplo, se localmente 1 1 1 2 2 2, f dz g dz f dz g dz , então

Page 91: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

91

1 1

1 2

2 2

f gdz dz

f g .

6.3. Diferenciações exteriores; Co-homologia de deRham. No caso complexo, há três tipos de diferenciação:

0 1:d A A , 0 1,0: A A , e 0 0,1: A A

Localmente,

f f f fdf dz dz dx dy

z z x y

,

ff dz

z

,

ff dz

z

.

Estes mapas são -lineares, e possuem continuações naturais para mapas -lineares 1 2, , :d A A .

Localmente,

g f

d fdz gdz df dz dg dz dz dzz z

,

g

fdz gdz f dz g dz dz dzz

,

f

fdz gdz f dz g dz dz dzz

.

Os mapas 1, , : , 2i id A A i são definidos de modo análogo. Entretanto, para superfícies de Riemann esses mapas são

triviais, uma vez que 0, 3iA i , além de serem diferenciações exteriores, ou seja, d f df fd (e da mesma

forma para , ). Por outro lado, valem as seguintes relações:

Page 92: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

92

0dd , d , .

Uma forma iA será uma forma fechada se 0d . As formas , id A são formas exatas, ou co-

homologicamente triviais. Por definição, uma função 0f A é exata se f for identicamente nula. Logo, as i -formas

exatas constituem um subespaço vetorial complexo do espaço das i -formas fechadas. O espaço quociente correspondente

define o grupo de co-homologia de de Rham, e pode ter a representação particularizada i

DRH S .

Exemplo 6.3.1. Uma função 0f A é fechada se e somente se for constante. Neste caso, i

DRH S . Por outro lado, f é

-fechada, isto é, 0f , se e somente se for holomorfa (ver Exemplo em 6.1.)

Exemplo 2. Obviamente, 0, 3i

DRH S i .

6.4. Métricas de Kähler e de Riemann. O produto simétrico de duas 1-formas é definido através da regra

1 2 1 2 2 1

1

2 .

Uma 2-forma hermitiana em uma superfície de Riemann S é do tipo 1,1 , e pode ser escrita localmente como

2 2fdzdz f dx dy , onde

f é uma função com valores reais. Se f for também diferenciável e positiva, a forma recebe o nome de métrica de

Kähler (do matemático alemão Erich Kähler, 1906-2000) sobre S .

Lema 6.4.1. Toda superfície de Riemann S é dotada de uma métrica de Kähler.

A existência dessa métrica é, por construção, obviamente local, e, em certas condições, pode também ser estabelecida

globalmente.

Exemplo 6.4.2. A 2-forma 2 2dzdz dx dy é a métrica euclidiana em . Esta métrica é invariante sob translações, e,

logo, induz uma métrica de Kähler nos espaços quocientes , onde é qualquer reticulado discreto, ou rede.

Page 93: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

93

Exemplo 6.4.3. Seja z uma coordenada afim em 1 . Neste caso a 2-forma

2

21

dzdz

z

pode ser analiticamente continuada

para uma métrica de Kähler em 1 .

Exemplo 6.4.4. O modelo de Poincaré para a geometria de Lobachevsky sobre o disco unitário tem a métrica

2

21

dzdz

z

.

Considere-se agora uma superfície S diferenciável. Toda 2-forma real simétrica em S pode ser escrita localmente como 2 22fdx gdxdy hdy .

Esta 2-forma será uma métrica de Riemann em S se as funções , ,f g h são diferenciáveis, e se é positivo-definida em

todo ponto p S . Estas condições são localmente equivalentes às desigualdades 0f e

0f g

g h .

Teorema 6.4.5. Seja S uma superfície diferenciável e orientável, com uma métrica de Riemann . Existe então em S uma

única estrutura de superfície de Riemann tal que seja também uma métrica de Kähler.

Isto significa que, para alguma coordenada local 1z x y , obtém-se que 2 2f dx dy . As coordenadas ,x y que

satisfazem esta 2-forma são chamadas de isotermas, ou conformes. A orientação sobre S fixa um atlas máximo, cujos

sistemas de coordenadas possuem orientação idêntica. Um sistema de coordenadas conformes ,x y para este atlas

determina a coordenada analítica requerida 1z x y . Os mapas de transformação entre as z -coordenadas

correspondentes são conformes, ou seja, preservam as orientações e os ângulos, e, logo, são holomorfos.

Obs. 6.4.6. A conexão entre as geometrias riemanniana e analítica complexa é substancialmente mais complicada do que o

Teorema 6.4.5. sugere. Por exemplo, a métrica de Riemann sobre variedades diferenciáveis de dimensão 3 não possui uma

representação local, de forma geral.

Page 94: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

94

6.5. Integração de Diferenciais Exteriores; Fórmula de Green. O valor de uma função f em um ponto p S é o

exemplo mais simples de uma integral: p

f f p . Numa escala crescente de dificuldade, há o exemplo conhecido da

integral de linha: u

, onde : 0,1u S é um caminho suave sobre uma superfície de Riemann S . Esta integral é linear em

e aditiva em u . Por força da aditividade, a definição da integral de uma 1-forma sobre qualquer caminho se reduz às

integrais curvilíneas usuais no plano . Usando-se o resultado a seguir a integral de uma 1-forma fechada pode ser definida

sobre um caminho arbitrário.

Lema 6.5.1. Sejam 1 2,u u caminhos suaves homotópicos sobre uma superfície de Riemann S , e seja 1A uma forma

fechada. Segue-se então que

1 2u u

.

Considerando o pullback de (ver 6.7.2.) com respeito a uma homotopia suave, pode-se demonstrar este resultado pela

redução ao resultado correspondente para formas fechadas sobre o quadrado 0,1 0,1 .

Exemplo 6.5.2. Toda forma exata df pode ser integrada por meio da fórmula de Newton-Leibniz

1 2u

df f u f u .

Exemplo 6.5.3. Seja i

i

i n

f z a z

a série de Laurent de uma função meromorfa definida em uma vizinhança da origem.

Seja u um caminho fechado simples e positivamente orientado em torno de zero. Então:

1

1

2 1 u

f z dz a

.

Page 95: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

95

Corolário 6.5.4. (Critério de Exatidão). Uma forma fechada 1A em uma superfície de Riemann S é exata se e

somente se 0u

para todo caminho fechado u em S .

Para estabelecer a exatidão de , deve-se encontrar uma função 0f A tal que df , função primitiva (ou

antiderivativa) de . Fixa-se então um ponto p S , e faz-se u

f q , onde u é um caminho qualquer de p para q .

Então f será bem definida precisamente quando as condições do Corolário 6.5.4. forem válidas para .

Considerem-se agora integrais do tipo G

, onde 2A , e G é uma região regular de S . Entenda-se por região regular de

uma superfície de Riemann S um conjunto aberto G S com fronteira G , cujo fecho G G G em S é compacto, e

G consiste em um número finito de caminhos suaves. A orientação dos caminhos na fronteira é escolhida de maneira tal

que um normal que saia de G e um vetor tangente ao caminho formem uma base positiva em uma carta complexa de S . Em

outros termos, ao se percorrer G , a região G se mantém à esquerda de um vetor tangente que aponte no sentido do

percurso (ver figura abaixo).

O fecho de uma região regular G possui sempre uma triangulação finita iT , cujas arestas são todas suaves. A triangulação

pode ser escolhida de maneira suficientemente refinada, por exemplo, tal que todo triângulo iT se situe no domínio de

definição de uma coordenada local z . Define-se então

Page 96: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

96

i iT z T

fdz dz

como a integral dupla usual sobre um triângulo curvilíneo iz T , e

iG T

.

Esta integral depende apenas da região G e da 2-forma . Observe-se mais que a integral u

sobre qualquer caminho u ,

onde 1A , depende na verdade somente da 1-forma , mesmo se esta não é fechada, e da imagem 0,1u S e de sua

respectiva orientação.

Equação 6.5.5. Fórmula de Green. Para toda região regular G de uma superfície de Riemann S , e para toda forma 1,A o seguinte resultado é valido:

G G

d

.

Este resultado decorre imediatamente da definição e da fórmula de Green para regiões regulares do plano .

Uma i -forma tem suporte compacto se for nula no exterior de algum subconjunto compacto de S . Logo, uma forma 2A será nula no exterior de uma região regular G , e pode-se definir a integral

S G

.

Corolário 6.5.6. Se 1A é uma forma diferencial com suporte compacto, resulta que 0S

. Isto vale, em particular,

para toda forma 1A em uma superfície de Riemann compacta S .

Page 97: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

97

6.6. Períodos; Isomorfismo de deRham. Os períodos de uma 1-forma fechada em uma superfície de Riemann S são

definidos como as integrais u

, onde u percorre os caminhos fechados sobre S . Assumindo que S é compacta, em razão

da invariância homológica (ou homotópica) destas integrais, existe um isomorfismo de período

1: ,H S

(ou : S ),

definido por c

c . Daí resulta um mapa -linear

1 1

1, Hom , ,DRH S H S H S ; classe de

,

objeto do teorema a seguir.

Teorema 6.6.1. Teorema de de Rham. O mapa acima definido é um isomorfismo.

Em outros termos, todo homomorfismo 1 ,H S é o homomorfismo de período de uma 1-forma fechada , a qual é

unicamente determinada, a menos de uma forma exata. A unicidade, que implica dizer que o mapa 1 1 ,DRH S H S é

injetivo, é diretamente verificada pelo critério de exatidão, já visto anteriormente.

Corolário 6.6.2. Para uma superfície de Riemann compacta S de genus g resulta que

1dim 2DRH S g .

Corolário 6.6.3. Se c é um 1-ciclo (por exemplo, um caminho fechado) tal que 0c

para todas as formas fechadas ,

então a homologia de c é zero.

A dualidade de Poincaré (ver 5.8.) define uma forma unimodular bilinear integral

1 1: , ,H S H S ,

Page 98: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

98

denominada medida produto (cup product). Pode-se estendê-la, por -linearidade, ao espaço de co-homologia 1 ,H S ,

transformando o grupo de co-homologia em um anel. Por outro lado, existe uma forma bilinear natural na co-homologia de

de Rham:

1 1 , : DR DRDRH S H S

1 2 1 2,DR

S

.

Proposição 6.6.4. O isomorfismo de de Rham do Teorema 6.6.1. associa , à medida produto.

Esta proposição pode ser facilmente demonstrada pelo cálculo de 1 2, via períodos.

6.7. Diferenciais holomorfas; Genus geométrico e genus topológico.

Definição 6.7.1. Uma diferencial 1A sobre uma superfície de Riemann S é uma diferencial holomorfa se, localmente,

gdz , sendo g uma função holomorfa.

As diferenciais holomorfas formam um espaço complexo S , ou . Obviamente, toda forma holomorfa é do tipo 1,0 , e é

fechada (é inclusive -fechada: 0 ). A afirmativa inversa também é verdadeira. Por outro lado, a primitiva de uma

forma holomorfa exata é holomorfa, e, logo, é constante sobre uma superfície de Riemann constante. Em consequência

disso, no caso de uma superfície de Riemann compacta S , o mapa natural 1

DRH S é injetivo, e o espaço de funções

holomorfas tem dimensão finita. Sua dimensão complexa é o genus geométrico de S .

Exemplo 6.7.2. Seja 1 2:f S S um mapa de superfícies de Riemann, e seja uma diferencial holomorfa em S . O

pullback f é definido localmente pela substituição f g f z df z , onde w f z é uma representação local de

f , e gdw . A forma f é bem definida e holomorfa. Logo, o pullback produz um mapa -linear 2 1

: S Sf , que

é injetivo se f não é constante. Este resultado acarreta, em particular, o Corolário de 5.6. sobre gêneros geométricos.

Page 99: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

99

Exemplo 6.7.3. Em uma curva elíptica existe uma única forma holomorfa, a menos de multiplicação por uma

constante. A diferencial holomorfa dz em é invariante sob translação, logo, induz uma diferencial holomorfa em

, com dz , onde : é o mapa de projeção. Qualquer outra diferencial holomorfa em é do tipo

f , onde f é uma função holomorfa em , logo, é uma constante. Portanto, o genus geométrico da uma curva elíptica

é igual a 1.

Este último exemplo deve ser ressaltado por dois aspectos. Em primeiro lugar, mesmo em uma superfície de Riemann

compacta podem existir diferenciais holomorfas não-nulas. Lamentavelmente, o método óbvio de construção essas

diferenciais como diferenciais totais de funções holomorfas não é aplicável, pela ausência de funções holomorfas não-

constantes em uma superfície de Riemann compacta (ver Lema em 6.8.). Em segundo lugar, o exemplo mostra que o genus

geométrico e o genus topológico de uma curva elíptica coincidem, como, aliás, ocorre para qualquer superfície de Riemann

compacta.

6.8. Diferenciais meromorfas; Divisores canônicos.

Definição 6.8.1. De forma geral, define-se o divisor de uma função meromorfa f como

( )

( ) :z R f

f s z

,

onde R f é o conjunto de todos os zeros e polos de f , e

, se for um zero de ordem

, se for um polo de ordem

a z as

a z a

Uma diferencial meromorfa sobre uma superfície de Riemann S é uma diferencial holomorfa sobre um subconjunto

aberto U S , cujo complemento S U é discreto em S , com a propriedade de que, localmente, fdz , onde f é uma

Page 100: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

100

função meromorfa com polos em S U . Os pontos de S U são os polos de . A ordem ord p de uma diferencial

meromorfa não-nula em um ponto p S é definida localmente pela fórmula ord ordp p f , onde fdz .

É neste sentido que ord p p é o divisor da diferencial meromorfa não-nula . Divisores do tipo , onde é

uma diferencial meromorfa não-nula sobre S , são os divisores canônicos SK , ou simplesmente K , da superfície de

Riemann S . Quaisquer duas 1-formas sobre a superfície terão os seus divisores canônicos linearmente equivalentes (ver

3.6.), daí se chamarem canônicos.

Por exemplo, dz é uma diferencial meromorfa sobre a esfera de Riemann 1 , e 2dz é um divisor canônico.

Diferenciais meromorfas sobre uma superfície de Riemann S formam um espaço complexo 1 S . A multiplicação por

funções meromorfas transforma o espaço 1 S em um espaço vetorial sobre o campo das funções meromorfas S .

Lema 6.8.2. A dimensão de 1 S sobre S é, no máximo, igual a 1. Mais precisamente, se é uma diferencial

meromorfa não-nula em S , então qualquer outra diferencial meromorfa em S é do tipo f , onde f S . Neste, e

somente neste caso, a dimensão é igual a 1.

Em geral, é mais conveniente se trabalhar com diferenciais meromorfas do que com funções meromorfas.

Corolário 6.8.3. Toda diferencial meromorfa em 1 é racional, ou seja, 1 1 z dz (ver Exemplo em 3.2.).

Corolário 6.8.4. Seja 1 2:f S S um mapa normal finito entre superfícies de Riemann. Então,

Aut 1 1

2 1

ff S S , o

subespaço das diferenciais meromorfas em 1S que é invariante sob a ação de Aut f . Além disso, 2 1

Aut f

S Sf , ou seja,

toda diferencial holomorfa em 1S que é invariante sob a ação de Aut f é o pullback de uma diferencial holomorfa em 2S .

Exemplo 6.8.5. Seja 2C uma curva algébrica sem singularidades, dada por um polinômio irredutível 0 1 2, ,f x x x de

grau d . Em coordenadas afins 1 0 2z x x , 2 1 2z x x , a curva é dada pela equação 1 2 1 2, , ,1 0F z z f z z . Segue-se do

Page 101: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

101

Lema 6.8.2. e do Corolário em 3.11. que todas as diferenciais meromorfas na superfície de Riemann de C são racionais. O

que significa que são representadas por 1 2 1 1 2 2, ,g z z dz h z z dz , onde g e h são funções racionais de 1z e

2z , restritas a

C . Portanto, toda diferencial holomorfa pode ser escrita como

2 11 2 1 2

1 1 2 2 1 2

, ,, ,

dz dzg z z g z z

F z z z F z z z

, onde

g é um polinômio de grau 3d . A diferencial é evidentemente holomorfa no domínio em que 1z e

2z se situam.

Mudando para outras coordenadas afins, preserva seu formato, logo, é holomorfa em toda a curva C . Resulta que o

genus da superfície de Riemann de uma curva C não-singular é igual a 1

1 22

d d , que é a dimensão do espaço dos

polinômios com duas variáveis e de grau 3d . Em particular, uma curva cúbica 3d possui genus 1g .

Finalizando, todo par de divisores canônicos pertence à mesma classe de equivalência linear (ver 3.6.), e, de fato,

f f .

6.8.6. Fórmula de Hurwitz para divisores canônicos. Se 1 2:f S S é um mapa não-constante entre superfícies de

Riemann, então, 1 2S SK f K R , onde R é o divisor de ramificação de f . Mais precisamente, se 1

20 S , obtém-

se f f R .

Esta última fórmula se reduz localmente a 1n ndz nz dz (ver Lema em 3.4.). Em virtude do Corolário em 3.7., todos os

divisores canônicos em uma superfície de Riemann compacta são do mesmo grau. Por exemplo, um divisor canônico sobre a

esfera de Riemann 1 é de grau 2 , uma vez que 2dz . Para uma superfície de Riemann compacta generalizada, o

grau de um divisor canônico pode ser expresso em termos do genus: grau 2 2K g (ver Corolário em 6.14.). Logo, é um

invariante topológico da superfície.

Seja 1 2:f S S um mapa não-constante entre superfícies de Riemann. Então

Page 102: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

102

1 2grau =grau grau + grau S SK f K R .

Pela fórmula anterior, e usando a relação 2 2

grau grau grau S Sf K f K , o resultado acima é óbvio.

Obs. 6.8.7. A existência de um divisor canônico em uma superfície de Riemann arbitrária não é um resultado óbvio, mesmo

no caso compacto.

Obs. 6.8.8. Um dos problemas tradicionais do cálculo é encontrar integrais indefinidas ,R z w z dz , onde R é uma

função racional, e é uma função algébrica. Em termos da teoria das superfícies de Riemann, em sua versão complexa,

esse problema é o mesmo que o de se descobrir, em geral, uma primitiva multivalorada da diferencial meromorfa ,R z w dz

na superfície de Riemann S da função algébrica w . Se S for meromorfa a 1 , pelo Corolário 6.8.3. se pode afirmar que a

diferencial é racional e que sua primitiva pode ser encontrada através de uma redução a uma soma de frações parciais. Este

princípio é subjacente a todos os métodos de se tornar uma integral racional por meio de certas irracionalidades algébricas.

Por exemplo, a substituição de Euler 2az bz c nasce de um isomorfismo entre o fecho da cônica 2 2ax bx c ,

em 2, e

1.

6.9. Diferenciais meromorfas com comportamento predeterminado nos polos; Resíduos.

Uma parte principal diferencial é uma soma do tipo 1

i

p i

i n

a z dz

, onde p é um ponto de uma superfície de Riemann S ,

e z é um parâmetro local em p . A parte principal de uma diferencial meromorfa em qualquer ponto p S é definida por

meio da série de Laurent (ver 3.3.).

6.9.1. O problema de Mittag-Leffler para diferenciais meromorfas. Seja p um conjunto de partes principais

diferenciais dado em pontos discretos p de uma superfície de Riemann S . Deseja-se encontrar uma diferencial meromorfa

1 S com precisamente este conjunto de polos e com as partes principais dadas.

Page 103: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

103

Definição 6.9.2. Seja 1

i

i

i n

a z dz

a parte principal de uma diferencial meromorfa em um ponto p S . O coeficiente 1a é

o resíduo de em p , e é representado por Res p .

Res p é independente da particular escolha de um parâmetro local z em p , um fato que pode ser provado por métodos

puramente algébricos. Pode ser visto também a partir da representação integral do resíduo:

1Res

2 1p

u

, onde

u é um caminho fechado positivo e pequeno em torno do ponto p S .

Lema 6.9.3. Teorema do Resíduo. Seja uma diferencial meromorfa em uma superfície de Riemann S . Então,

Res 0p .

Exemplo 6.9.3. Seja f uma função meromorfa não-constante sobre uma superfície de Riemann compacta S . Então

Res ordp pdf f f e, pelo Lema 6.9.2., grau ord 0pf f (ver Corolário em 3.7.)

O Teorema do Resíduo pode ser provado diretamente a partir da fórmula de Green e da representação integral do resíduo.

6.9.4. Condições necessárias para a resolução do problema de Mittag-Leffler (de Magnus Gösta Mittag-Leffler,

matemático sueco, 1846-1927).

Sobre uma superfície de Riemann compacta,

(a) o problema só se resolve para um conjunto p de partes principais diferenciais se Res 0p ;

(b) o problema só se resolve para um conjunto pf de partes principais funcionais se Res 0,p pf .

Obs. 6.9.5. Se 1, , g é uma base de , então Res 0,p pf , se e somente se Res 0, 1, ,p p if i g .

Neste caso, a condição (b) acima se traduz em um conjunto de g equações lineares dos coeficientes das partes principais,

onde g é o genus de S .

Page 104: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

104

Obs. 6.9.6. Os análogos dos problemas de Mittag-Leffler nos casos de variedades complexas de dimensões superiores

tiveram um papel fundamental no desenvolvimento dos métodos co-homológicos.

6.10. Períodos de Diferenciais Meromorfas

Definição 6.10.1. Uma diferencial meromorfa em uma superfície de Riemann S

(1) é de primeira espécie, se for holomorfa;

(2) é de segunda espécie, se todos os seus resíduos são triviais;

(3) é de terceira espécie, se todos os seus polos p são de primeira ordem, isto é, se ord 1p .

Diferenciais meromorfas são fechadas em toda região onde forem holomorfas. Além disso, a integral sobre um laço de

uma diferencial de primeira e de segunda espécies depende tanto da classe de homotopia deste laço sobre S quanto

sobre polos de S . Por exemplo, 2 1 Res 0p

u

para todo pequeno circuito u em torno de um polo p .

Se uma diferencial de segunda espécie é exata, então sua primitiva é meromorfa. E inversamente, a diferencial df de

uma função meromorfa f é de segunda espécie. É natural se questionar se existe uma diferencial de segunda espécie

com períodos especificados, e a resposta é simples: esta diferencial existe para quaisquer períodos predeterminados,

como ficará estabelecido em 8.3.3.

6.11. Diferenciais Harmônicas. Desde a época de Riemann, a solução de problemas de existência tem sido reduzida a

resultados da teoria de equações diferenciais parciais, particularmente àqueles envolvendo equações do tipo elíptico.

Atualmente, isto fica um tanto obscurecido por uma cortina de construções co-homológicas. Para lidar com esses

problemas, é necessário considerar variáveis reais independentes, o que leva naturalmente a questões sobre a existência

de funções harmônicas e de diferenciais com predeterminação de períodos ou de singularidades. Com o fim de introduzir

alguma simetria nas coordenadas reais ,x y , sendo 1z x y uma coordenada local sobre uma superfície de Riemann

S , é conveniente usar o operador de conjugação bem definido e -linear 1 1: A A . Localmente,

Page 105: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

105

pdx qdy qdx pdy , ou também

1fdz gdz fdz gdz .

Lema 6.11.1. Se 1

1 2 A , sendo 1,0

1 A e 0,1

2 A , então

2 11 .

Definição 6.11.2. A forma 1A é uma diferencial harmônica quando

0d d .

O operador d recebe o nome de cofecho, e se diz que é cofechada quando 0d .

Localmente, fdz gdz é fechada se g f

z z

, e que é cofechada se

g f

z z

. Logo, é harmônica se e somente se

0f g

z z

, isto é, se e somente se f é holomorfa e g é anti-holomorfa.

Proposição 6.11.3. 1H , onde 1H e são, respectivamente, os espaços das diferenciais harmônicas e anti-

holomorfas sobre a superfície de Riemann S .

Obs. 6.11.4. Uma função diferenciável f em uma superfície de Riemann S é harmônica se for harmônica localmente:

0f , onde 2 2

2 24

x y z z

é o operador laplaciano local. É imediato verificar que a harmonicidade de uma

função não depende da escolha de uma coordenada local 1z x y . Existe uma relação próxima entre a

harmonicidade de uma forma e a de uma função. Na verdade, uma função f é harmônica se e somente se sua diferencial

total df também o for. Além disso, uma 1-forma é harmônica se e somente se df , localmente, para alguma

função harmônica f . A diferença para uma função harmônica vista como uma 0-forma é absoluta: esta 0-forma será uma

constante. Esta é uma boa razão pela qual é mais fácil encontrar diferenciais meromorfas (harmônicas) do que funções.

Page 106: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

106

6.12. Espaço de Hilbert de Diferenciais; Projeção Harmônica. Funções harmônicas podem ser construídas por projeção

ortogonal à componente harmônica. O principal resultado que será usado a seguir para resolver problemas de existência é

o Teorema de Decomposição Ortogonal 6.12.1.

Sejam 1 e

2 duas 1-formas com suportes compactos em uma superfície de Riemann S . Define-se um produto interno

hermitiano segundo a expressão

1 2 1 2,S

.

De fato, localmente, 1 2 1 2 1 2p p q q dx dy , onde , 1,2i i ip dx q dy i . Assim, as 1-formas com suportes

compactos formam um espaço unitário com norma , . Para uma superfície compacta, esse espaço contém

todas as formas diferenciáveis, e, logo, harmônicas. Para contrastar, no caso não-compacto, existem inúmeras formas

com suporte compacto, mas toda forma harmônica, e, em particular, holomorfa, com suporte compacto, é trivial, pelo

Teorema da Unicidade. Porém, é necessário se considerar algumas formas harmônicas também no caso não-compacto,

por exemplo, quando se quer construir diferenciais meromorfas com singularidades predeterminadas sobre uma

superfície de Riemann compacta (ver 6.14.). São essas as formas limitadas 1A tais que 2

S

(a

integral imprópria pode ser definida, por exemplo, como supUU

S

, onde U contém todos os subconjuntos abertos de

S com fecho compacto). As 1-formas limitadas e diferenciáveis compõem um espaço unitário 1B , o qual inclui todas as

1-formas com suporte compacto. Sobre uma superfície de Riemann compacta, toda 1-forma diferenciável é limitada e

tem suporte compacto. Seja E o fecho em 1B do espaço das diferenciais exatas d de todas as funções em S com

suporte compacto.

Page 107: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

107

Teorema 6.12.1. Teorema da Decomposição Ortogonal. Seja 1B uma 1-forma diferenciável em uma superfície de

Riemann S . Existe uma única decomposição h df dg , onde

h é uma diferencial harmônica limitada em S , 0,f g A e ,df dg E .

Agora, os espaços ,E E são ortogonais entre si, e o espaço H das diferenciais harmônicas limitadas é ortogonal a E e a

E . Ou seja, dizer que uma diferencial 1B é fechada significa dizer que ela é ortogonal a E , e dizer que é

cofechada, que é ortogonal a E . Logo, é fácil demonstrar que H é ortogonal a E E , e mais, que H é precisamente o

espaço ortogonal a E E .

Teorema 6.12.1. Teorema da regularidade. H E E

.

6.13. Decomposição de Hodge. Seja S uma superfície de Riemann compacta, e seja 1L o espaço vetorial das classes de

diferenciais mensuráveis em S , de modo que a diferencial é Lebesgue-integrável e 2

S

(ou

seja, com norma finita). Neste caso, 1 1 1A B L , e 1H H é o espaço das formas harmônicas em S . Como já foi visto,

uma forma fechada é ortogonal a E . Logo, pelo Teorema da Decomposição Ortogonal 6.12.1., uma forma fechada 1A em S pode ser representada de modo único como

h df , onde 1

h H . Assim, toda classe de co-

homologia de de Rham unidimensional possui uma única representação harmônica. Este fato, aliado à Proposição em

6.11., resulta no seguinte e bem conhecido resultado sobre a decomposição de classes de co-homologia. Por

conveniência, será considerada a co-homologia de de Rham.

Teorema 6.13.1. Teorema de Hodge. 1

DRH S .

Corolário 6.13.2. Para uma superfície de Riemann compacta S de genus topológico g , obtém-se que dim g . Assim, o

genus geométrico e o genus topológico são sempre iguais.

Page 108: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

108

Corolário 6.13.3. Se c é um 1-ciclo (por exemplo, um laço) integral, ou real, tal que 0, c

, então c é homólogo

a zero (ver 6.6.)

Corolário 6.13.4. Existe sempre uma forma holomorfa em S com quaisquer A -períodos predeterminados i .

6.14. Existência de Diferenciais e Funções Meromorfas. Usando funções suaves, pode-se construir um grande número de

1-formas diferenciáveis com suportes compactos. As projeções harmônicas dessas formas também são harmônicas, e

suas componentes 1,0 são holomorfas (ver 6.2. e 6.11.). Para se obter uma forma não-trivial, não se pode partir de uma

1-forma topologicamente trivial. No caso compacto, a forma é escolhida em uma classe de homologia de de Rham não-

trivial (Teorema de Hodge). No caso não-compacto, se usa predeterminar o tipo de singularidade (por exemplo, uma

parte principal) da diferencial em algum ponto. Portanto, seja S uma superfície de Riemann arbitrária, e seja z um

parâmetro local em um ponto p S .

Teorema 6.14.1. Teorema de Riemann sobre a existência de diferenciais harmônicas. Para todo 1n , existe em S p

uma diferencial harmônica exata tal que.

(a) a diferencial 11 n nd z n z dz é harmônica em alguma vizinhança U de p .

(b) 1

S UB , ou seja, S U

.

Exemplo 6.14.2. Seja z uma função diferencial em S tal que 0 no exterior de U e 1 em alguma vizinhança de

p no interior de U . A forma nd z z é meromorfa em uma vizinhança de p , que é seu único polo. Então a

forma 1 é diferenciável e, para uma escolha apropriada de U , tem suporte compacto em S . Pelo teorema da

decomposição ortogonal, 1 h df dg , onde h é uma forma harmônica em S , e ,f g são funções

diferenciáveis. Pode ser mostrado que a diferencial 1 hdf dg satisfaz as condições do teorema.

Page 109: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

109

Corolário 6.14.3. Sobre uma superfície de Riemann S , existem diferenciais de segunda espécie com qualquer conjunto

finito predeterminado de polos p e com quaisquer partes principais 2

, 2i

p i

i n

a z dz n

.

Exemplo 6.14.4. Seja uma diferencial harmônica, como no Teorema 6.14.1. Então, 11

2 é uma diferencial de

segunda espécie com parte principal 1nn z dz no seu polo simples p .

Efetuando-se a razão entre diferenciais de segunda espécie, pode-se estabelecer a existência de várias funções meromorfas.

Em particular,

Corolário 6.14.5. Em uma superfície de Riemann S , existe uma função meromorfa que assume quaisquer valores

predeterminados em um conjunto finito de pontos.

Corolário 6.14.6. Se 1 2:f S S é um mapa finito entre superfícies de Riemann, então o grau da extensão

2 1:f S S é igual ao grau de f .

Corolário 6.14.7. Os mapas não-constantes entre superfícies de Riemann 1 2:f S S e as extensões de campos de funções

meromorfas 2 1:f S S estão em correspondência um-para-um.

Corolário 6.14.8. Seja 2S uma superfície de Riemann e seja 2: S K uma extensão finita. Então existe um único

mapa finito entre superfícies de Riemann, 1 2:f S S , tal que o mapa de inclusão 1 2:f S S seja isomorfo a

.

Exemplo 6.14.9. A unicidade permite, em particular, que se atribua um significado geométrico à hiperelipticidade: uma

superfície de Riemann compacta S que possua um mapa 1: S de grau 2 é hiperelíptica. De fato, qualquer

extensão quadrática do campo z pode ser obtida através de uma função algébrica f , onde f z é um

polinômio que possui somente raízes simples. Segue-se também que uma superfície de Riemann hiperelíptica é

unicamente determinada pelas imagens dos seus pontos de ramificação.

Page 110: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

110

Corolário 6.14.10. Para toda superfície de Riemann, ocorre que 1dim 1S

S . Logo, existe um divisor canônico.

Corolário 6.14.11. O campo S de funções meromorfas em uma superfície de Riemann compacta S é gerado de modo

finito sobre , com grau de transcendência igual a 1.

Corolário 6.14.12. (Fórmula de Riemann-Hurwitz). Seja S uma superfície de Riemann compacta de genus topológico g .

Então grau 2 2K S g .

Este resultado já foi mostrado em 6.8. no caso particular da esfera de Riemann 1 .

Obs. 6.14.13. A relação grau K S é o dual do teorema de Hopf sobre o índice de um campo vetorial em uma

superfície.

Uma superfície de Riemann compacta S cujo campo de funções meromorfas S é isomorfo à extensão puramente

transcendental z de é uma superfície racional. Em particular, toda superfície de Riemann racional é isomorfa à

esfera de Riemann 1 .

6.15. O Princípio de Dirichlet. Não há dificuldade em se obter unicidade no Teorema de Riemann de Existência para

diferenciais harmônicas, bastando adicionar uma condição extra:

(c) , 0dh para toda diferencial exata 1dh A tal que dh e que, em alguma vizinhança de p , 0dh .

Uma forma alternativa de enunciar esta condição é a seguinte. Supondo que 0dh em alguma vizinhança U de p ,

2 2 2 2

, , , ,S NS N S N S N

dh dh dh dh dh dh

.

Deste modo, a diferencial harmônica minimiza S N

na classe de todas as diferenciais dh tais que 0dh em N .

Este fato se traduz como o Princípio de Dirichlet (do matemático alemão Johann Peter Gustav Lejeune Dirichlet (“Le

jeune de Richelette”, cidade da Bélgica de onde sua família era originária), 1805-1859) . Obviamente, a unicidade de

fica estabelecida. O grande problema que resta é a prova de existência de , à qual Riemann não deu atenção, e por isso

foi criticado por Weierstrass. A versão final do método da decomposição ortogonal foi sugerida somente em 1940, por

Page 111: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

111

André Weil (1906-1998, fundador em 1935 do grupo de matemáticos franceses que assumiu o nome coletivo fictício de

“Nicolas Bourbaki”), embora se baseie em idéias originais de Riemann.

Page 112: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

112

7. Classificação de superfícies de Riemann

O Corolário em 5.3. contém uma classificação topológica de superfícies compactas orientáveis: toda superfície compacta de

Riemann (orientável) de genus g é homeomorfa a uma esfera com g alças. Uma situação similar ocorre quando se

classificam superfícies diferenciáveis. Porém, quantas superfícies de Riemann com genus g existem, a menos de

isomorfismos? Ou, uma questão equivalente, quantas estruturas analíticas podem ser introduzidas em uma esfera com g

alças? Esta questão, na verdade, é muito mais delicada. O fato de que a esfera de Riemann é a única superfície de genus 0

não é usual em outros gêneros de superfícies. O que se pode afirmar é que existem famílias contínuas de superfícies de

Riemann com genus 1g cujos membros não são isomorfos entre si. Esta é a diferença fundamental entre a geometria de

variedades analíticas, de um lado, e a geometria ou topologia diferencial, de outro. Ao lado de invariantes topológicos

discretos ( como o genus ou o grau de um divisor canônico), as superfícies de Riemann precisam possui também certos

invariantes contínuos, ou, no contexto de coordenadas, certos parâmetros contínuos, chamados moduli (módulos). Um

exemplo universal – a matriz de períodos, ou, na forma invariante, o jacobiano de uma superfície de Riemann – será

detalhadamente discutido em 7.11. Será usada aqui a noção de cobertura universal, introduzida em 3.9.

7.1. Regiões canônicas. Existem dois tipos de superfícies conexas, simplesmente conexas a menos de homeomorfismos e

difeomorfismos: o plano real (o caso não-compacto) e a esfera bidimensional (o caso compacto). De forma surpreendente, a

classificação de superfícies de Riemann simplesmente conexas não é muito mais complicada do que esse exemplo.

Teorema 7.1.1. Teorema do mapeamento de Riemann. Uma superfície de Riemann simplesmente conexa é isomorfa a

uma das seguintes regiões da esfera de Riemann: 1, ou .

Estas regiões são chamadas de regiões canônicas, embora a escolha da última delas não seja inteiramente única. É

conveniente às vezes substituir o semiplano superior pelo seu isomorfo disco . Por exemplo, para provar que e

não são isomorfos, é mais simples usar e o teorema de Liouville.

Lema 7.1.2. Nenhum par das regiões canônicas 1, , possui isomorfismo.

Os casos restantes são óbvios, a partir de considerações topológicas. Assim fica estabelecida uma caracterização topológica

da racionalidade de uma superfície de Riemann (ver 6.14).

Page 113: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

113

Corolário 7.1.3. Uma superfície de Riemann é racional se e somente se for homeomorfa a uma esfera, ou, de forma

equivalente, for compacta e de genus 0g .

7.2. Uniformização. Dada uma função analítica multivalorada f w de uma variável complexa, é desejável se achar duas

funções analíticas monovaloradas ,z z , meromorfas em alguma região da esfera de Riemann, tais que

z f z , e que a imagem de z seja um subconjunto denso do domínio de f .

Exemplo 7.2.1. A função ,w , pode ser uniformizada através das funções ,z zz e z e .

Exemplo 7.2.2. A função 21 z é uniformizada através de sen , cosz z z z , ou também através de

2 2 22 1 , 1 1z z z z z z .

Teorema 7.2.3. Teorema da uniformização. De acordo com o teorema da uniformização – devido a Felix Klein (1849-

1925), Poincaré e Köbe -, para toda função multivalorada f w existe uma uniformização tal que o domínio de , é igual

a 1, ou . De fato, do ponto de vista geométrico, f é um subconjunto ,U w f w , dado localmente por

uma relação analítica , 0F w f (e também globalmente, se f for uma função algébrica, por uma relação algébrica). Após

se remover o conjunto discreto dos seus pontos singulares 0F w F f , pode-se considerar U como sendo uma

variedade, e, logo, uma superfície de Riemann (no caso algébrico, pode ser usada a dessingularização mostrada em 3.11.).

Devido à existência e à simples conectividade da cobertura universal, e pelo teorema de mapeamento de Riemann 7.1.1.,

existe um mapa não-ramificado de alguma região canônica simplesmente conexa sobre U . A primeira e a segunda

componente deste mapa são as funções , .

Obs. 7.2.4. O problema da uniformização surgiu em conexão com o problema da integração de funções algébricas (ver Obs.

4.8.2.). A uniformização de funções algébricas e analíticas com um número arbitrário de variáveis é o objeto do 22º

problema de Hilbert. Entretanto, nenhum progresso significativo foi feito até hoje no sentido da solução deste problema,

mesmo para o caso de duas variáveis. Por outro lado, a expansão do estudo de estruturas abstratas (como superfícies de

Page 114: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

114

Riemann, variedades complexas, e variedades algébricas) fez com que o problema da uniformização perdesse muito de sua

importância inicial.

7.3. Tipos de superfícies de Riemann. Toda cobertura universal é simplesmente conexa. Portanto, do teorema de Riemann

decorre o seguinte resultado:

Teorema 7.3.1. Toda superfície de Riemann é isomorfa a uma superfície quociente S , onde S é uma região canônica

simplesmente conexa, e é um grupo de automorfismo que atua de forma livre e discreta sobre S .

A natureza da região canônica é unicamente determinada pela superfície de Riemann, uma vez que a cobertura universal

desta é única.

Definição 7.3.2. As regiões canônicas 1, , são respectivamente chamadas de elíptica, parabólica e hiperbólica. De

forma mais geral, diz-se que uma superfície de Riemann é do tipo elíptico, parabólico ou hiperbólico, de acordo com o

tipo de sua cobertura universal.

Corolário 7.3.3. Na notação do teorema, o grupo de automorfismo da superfície de Riemann S é isomorfo a N , onde

N é o normalizador de em Aut S .

Obs. 7.3.4. A subdivisão das superfícies de Riemann em tipos reflete a variação das geometrias métricas do plano:

riemanniana (sem linhas paralelas), euclidiana (duas linhas paralelas), lobachevskiana (ao menos três linhas paralelas).

7.4. Os automorfismos das regiões canônicas.

Teorema 7.4.1. (a) Esfera de Riemann: Todo automorfismo de 1 é uma transformação linear fracional:

, 2,a b

z az b cz d SLc d

.

Estas transformações formam um grupo de Lie complexo de dimensão 3, chamado de grupo de Möbius:

1Möb Aut 2,SL I .

(b) Plano de Argand-Gauss: Todo automorfismo de é uma transformação afim complexa:

, , z az b a b .

Page 115: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

115

Estas transformações formam um grupo de Lie complexo de dimensão complexa 2.

(c) Semiplano superior: Todo automorfismo de é uma transformação linear fracional real:

, 2,a b

z az b cz d SLc d

Estas transformações formam um grupo de Lie real de dimensão real 3: 2,SL I .

(d) Disco unitário: Todo automorfismo de é uma transformação linear fracional da forma

1 , ,1

z az e a

az

.

O grupo de automorfismo do disco unitário é isomórfico ao grupo do semiplano, uma vez que essas regiões são isomorfas.

Nas outras regiões, todo automorfismo é linear fracional, e, logo, pode ser continuado para toda a esfera de Riemann.

A descrição explícita desses automorfismos permite verificar o seguinte e notável fato, que explica a escolha de

métricas para diferentes modelos da geometria lobachevskiana:

Corolário 7.4.2. (a) Modelo de Poincaré: A menos de proporcionalidade, ou escolha de escala,

2

Imdzdz z

é a única métrica de Kähler no semiplano superior que é invariante sob todos os automorfismos.

(b) Modelo de Poincaré: A menos de proporcionalidade, ou escolha de escala,

2

21dzdz z

é a única métrica de Kähler sobre o disco unitário que é invariante sob todos os automorfismos.

Obs 7.4.3. Em termos mais abstratos, em toda superfície conexa riemanniana de tipo hiperbólico existe – a menos de

proporcionalidade, ou escolha de escala – uma única forma de Kähler que seja invariante sob automorfismos. Em particular,

este resultado induz uma forma de Kähler sobre toda superfície de Riemann de tipo hiperbólico, que possui a curvatura de

Page 116: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

116

Gauss constante 0K , através da qual é determinada de forma única. No caso parabólico, a métrica da 0-curvatura é

induzida a partir da métrica euclidiana. E, no caso elíptico, a métrica de curvatura constante e positiva é a curvatura de

Fubini-Study, descrita abaixo em 7.5. e 7.6.). A própria nomenclatura dos tipos – elíptico, parabólico, hiperbólico – provém

da subdivisão das métricas da curvatura de Gauss, de acordo com a assinatura: 0, 0, 0K K K .

7.5. Superfícies de Riemann do tipo elíptico.

Proposição 7.5.1. Uma superfície de Riemann do tipo elíptico é isomorfa à esfera de Riemann.

Pelo teorema em 7.3, esta superfície é isomorfa a 1 . Neste caso, o grupo atua de forma livre, e isto somente é

possível se id , uma vez que uma transformação linear fracional sempre possui um ponto fixo.

7.6. Superfícies de Riemann do tipo parabólico.

Proposição 7.6.1. Uma superfície de Riemann do tipo parabólico é isomorfa a: (a) ou ; (b) uma curva elíptica .

Para uma escolha apropriada de uma coordenada afim em , pode-se assumir que o reticulado é gerado por 1 e por

. A curva elíptica associada é representada por E (lembrando que é isomorfo a 0E ). O parâmetro

indica a presença de moduli para curvas elípticas. Entretanto, não é determinado unicamente pela classe de isomorfismo

da superfície E , mas para todas as transformações modulares da forma , 2,a b

a b c d SLc d

. Na

verdade, a transformação a b c d corresponde a um isomorfismo E E , o qual é induzido por um mapa

afim z z c d + constante da cobertura universal . Usando as propriedades das coberturas universais e a descrição

dos automorfismos de , é fácil verificar que não existem outros isomorfismos. Além disso, os automorfismos de uma

curva elíptica podem ser descritos de forma muito semelhante. Por exemplo, o grupo de translações é isomorfo a E . Bem

mais interessante é o grupo quociente 0Aut Aut E E E , que pode ser identificado com os automorfismos que

preservam 0 E .

Page 117: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

117

Teorema 7.6.2.

(a) 0Aut 2z

E

, exceto se E for isomorfo a 1

E

, ou a E , onde

1

3e

.

(b) 4 1

0 1Aut 1 1 4

zE

.

(c) 6 1

0Aut 6z

E .

A idéia central em que se apóia a demonstração deste teorema é identificar 0Aut com o grupo de rotação do

reticulado, ou da rede, . De fato, todo automorfismo de que fixa a origem é induzido por um mapa linear

,z az a , tal que a . Para uma rede genérica, esse grupo consiste de exatamente duas rotações, pelo ângulos 0 e

, o que prova (a). Existem apenas duas exceções: (b) rede quadrada, e (c) rede hexagonal, como mostra a figura abaixo.

Obs. 7.6.3. Um mapa de uma curva elíptica que preserva a origem é um homomorfismo. O grupo 0Aut pode ser

interpretado nesse caso como o grupo de automorfismo (isto é, o grupo de endomorfismo endomorfismo inversível) do

grupo de Lie .

Page 118: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

118

Obs. 7.6.4. Um endomorfismo de uma curva elíptica é chamado de isogenia. O exemplo mais simples de uma

isogenia é a multiplicação por um inteiro positivo:

:z

.

Obs. 7.6.5. Pela Proposição 7.6.1., toda superfície de Riemann parabólica compacta tem genus 1. O resultado inverso será

estabelecido no Corolário 7.7.6. abaixo.

7.7. Superfícies de Riemann do tipo hiperbólico. Toda superfície desse tipo é isomorfa a um espaço quociente , onde

o subgrupo 2,SL I atua de forma livre e discreta sobre . É o mesmo que dizer que é discreto como um

subgrupo do grupo de Lie 2,SL I . A métrica invariante 2

Imdzdz z define uma distância 1 2,z z entre quaisquer

dois pontos 1 2,z z , que é a distância no modelo de Poincaré da geometria de Lobachevsky (Nikolai Lobachevsky (1792-

1856)). Neste modelo, uma linha reta é um raio vertical ou um semicírculo centrado em um ponto do eixo real, como mostra

a figura abaixo. De um ponto de vista intrínseco, estas linhas são as geodésicas para a métrica invariante. Para uma melhor

compreensão dessas geodésicas, consideremos um modelo com métrica simples sobre o plano complexo e um subgrupo

discreto, ou um reticulado,

1 2 1 2 1 2 2 1, | , ; , 0m n m n .

O espaço quociente é obtido, por exemplo, e sem perda de generalidade, para 1 2Im 0 , identificando-se os

pontos 1 2,z z pela métrica simples

1 2 1 2z z m n . Na figura abaixo, os lados opostos da área sombreada se

identificam, e, portanto, é homeomorfo ao toro 2T , e a estrutura complexa de define naturalmente a estrutura

complexa de . O que é o mesmo que dizer que o par 1 2, define uma estrutura complexa sobre o toro 2T , e, logo,

que existem muitos pares 1 2, que definem a mesma estrutura complexa sobre 2T . É fácil demonstrar que, para que dois

pares 1 2, e 1 2, , tais que 2 2 11Im ,Im 0 , definam a mesma estrutura, ou seja, os dois reticulados

coincidam, é necessário e suficiente que exista uma matriz com determinante unitário

Page 119: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

119

22, 2,a b

PSL SLc d

tal que

1 1

2 2

a b

c d

.

Page 120: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

120

Voltando agora para a geometria de Lobachevski do modelo de Poincaré, seja 2,SL I =

22, 2,PSL SL um subgrupo discreto. Pode-se fixar um ponto 0z tal que 0 0g z z , para todo idg

(note-se que, como atua livremente, 0z é um ponto arbitrário de ). Seja agora o conjunto

0 0| , , ,D z z z gz z g .

Teorema 7.7.1. O conjunto D é um polígono convexo numa geometria de Lobachevsky definida sobre pela métrica

riemanniana do modelo de Poincaré (ver figura abaixo), possivelmente com um número infinito de lados, e o seu interior oD é um domínio fundamental do grupo . Neste modelo, uma linha reta corresponde aos semicírculos centrados sobre o

eixo real, e a figura mostra triângulos e polígonos convexos (dois destes estão sombreados, a reta é o arco de um semicírculo

de raio infinito) da geometria de Lobachevski metrificada pelo modelo de Poincaré. Assim como os pares 1 2,

mostrados acima definem paralelogramos equivalentes e homeomorfos ao toro 2T , as interseções dos arcos dos semicírculos

definem polígonos D convexos equivalentes entre si, que produzem uma tesselação do semiplano . Define-se D como

sendo o polígono normal de com centro 0z .

Page 121: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

121

Exemplo 7.7.2. O polígono normal do grupo modular completo 1 2,SL I = 22,SL com centro

0 1, , 1z a a a , é a bem conhecida figura modular mostrada abaixo:

| 1, 1 2 Re 1 2z z z .

Corolário 7.7.3. O espaço quociente é compacto se e somente se o polígono normal for limitado.

Se o espaço quociente for compacto, os polígonos gD , com g , serão compactos, logo, limitados e fechados, possuirão

um número finito de lados, e formarão uma tesselação (tessellation ou tiling, isto é, uma partição de um espaço em

subespaços contíguos com a mesma dimensão do espaço particionado) do plano de Lobachevsky. Como D é fundamental,

cada lado s de D define exatamente uma transformação não-idêntica st , que leva este lado no -equivalente lado st s

do mesmo polígono D . O grupo é gerado por esses elementos st . Supondo de início que o grupo atua de forma livre, o

polígono D pode ser visto como um desenvolvimento da superfície de Riemann compacta . Nesta nova construção,

unir lados e vértices é o mesmo que realizar uma -equivalência, e obtêm-se as seguintes propriedades:

(a) os lados unidos são iguais, com orientações opostas;

(b) a soma dos ângulos de todos os vértices que se unem num único ponto é igual a 2 .

Page 122: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

122

No sentido inverso deste resultado, o interior de um desenvolvimento D com as propriedades (a) e (b) é um domínio

fundamental para algum grupo discreto . Além disso, atua de forma livre sobre , e o quociente é uma superfície

de Riemann compacta com desenvolvimento D .

Proposição 7.7.4. Seja 2,SL I um subgrupo discreto, de atuação livre no espaço quociente ; e seja D um

domínio fundamental para , por exemplo, um polígono normal. Neste caso, sua característica de Euler será igual a

2

1

4 1 ImD

dz dz

z

.

Este é um caso particular do Teorema de Gauss-Bonnet, apresentado a seguir.

Uma maneira mais geral de calcular a característica de Euler, para variedades de dimensão maior que 2, é usando o

Teorema de Gauss-Bonnet, mas para isso é necessário definir as classes de Euler:

Definição 7.7.5. Classes de Euler – Seja M uma variedade de Riemann 2l -dimensional orientável, e seja TM o espaço

tangente de M . A curvatura de M será . A classe de Euler e M é definida como sendo a raiz quadrada da 4l -forma lp :

le A e A p A .

Ambos os lados da expressão devem ser entendidos como funções de uma matriz A 2 2l l , e não da curvatura , que é

identicamente nula. Entretanto, e M e é uma 2l -forma, e resulta efetivamente em um elemento de volume de M .

Quando M é uma variedade com dimensão ímpar, define-se 0e M .

Teorema 7.7.6. Teorema de Gauss-Bonnet (de Gauss e do matemático francês Pierre Ossian Bonnet, 1819-1892) – Seja

M uma variedade compacta orientável. Sua característica de Euler será dada pela expressão

M

e M M .

Se a matriz A 2 2l l é antissimétrica, o seu determinante é igual ao quadrado de um polinômio chamado o Pfaffiano Pf A :

2

det PfA A .

Page 123: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

123

Em termos da curvatura , podemos escrever que

Pfe M ,

e, como o determinante de uma matriz antissimétrica de dimensão ímpar é sempre nulo, resulta neste caso que e M e

M também serão nulas.

Corolário 7.7.7. Seja S uma superfície de Riemann compacta com genus g . Esta superfície será do tipo

(a) elíptico, se 0g ;

(b) parabólico, se 1g ;

(c) hiperbólico, se 2g .

A demonstração usa os resultados anteriores, que implicam que, para uma superfície hiperbólica, a característica de Euler é

dada por 2 2 0S g .

Obs. 7.7.8. Resulta do Corolário 7.7.7. que uma superfície de Riemann S com genus=1 é isomorfa a uma curva elíptica.

Isto é verdade, em particular, para uma curva cúbica. A fórmula para se encontrar fica clara a posteriori: S E para

1 1b a

w w , onde 0w é uma forma diferencial holomorfa em S , e 1 1,a b é uma base padrão para o grupo de homologia

1 1 1, , , 1H S a b . A transformação para outra base equivalente é dada por uma matriz 2,a b

SLc d

, que

corresponde a uma transformação linear fracional das razões dos períodos: d c b a (ver 7.6. acima).

Obs. 7.7.9. A classificação das superfícies de Riemann dos tipos elíptico e parabólico, a menos de isomorfismos, leva a um

número finito de famílias, mais precisamente, a quatro famílias: a esfera de Riemann 1 , o plano de Argand-Gauss , o

plano de Argand-Gauss perfurado na origem , e a família de curvas elípticas E . Por outro lado, o tipo hiperbólico se

constitui em uma série infinita de famílias, mesmo no caso compacto, correspondentes às superfícies de Riemann de genus

2g (ver adiante em 7.10.). por isso, esse tipo é chamado às vezes de tipo geral.

Page 124: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

124

Não existe uma descrição completa dos grupos de automorfismo das superfícies de Riemann do tipo hiperbólico, nem para

as superfícies correspondentes, restando apenas resultados qualitativos.

Teorema 7.7.10. Teorema de Schwarz (do matemático alemão Klaus Hermann Amandus Schwarz, 1843-1921). Uma

superfície de Riemann compacta com genus 2g , ou seja, do tipo hiperbólico, possui um grupo de automorfismo finito.

Obs. Na verdade, demonstra-se que a ordem do grupo de automorfismo de uma superfície de Riemann de genus 2g não

ultrapassa 84 1g . Este limite é consequência do fato de que a área de um domínio fundamental – de um polígono normal,

por exemplo – de um grupo discreto 2SL I não pode ser inferior à constante absoluta 21 . Será visto em 7.10.

que uma superfície de Riemann suficientemente geral com genus 3g não possui nenhum automorfismo.

7.8. Formas automorfas. Séries de Poincaré. Historicamente, a primeira abordagem dos teoremas de existência para

funções meromorfas e formas diferencias em superfícies de Riemann fez uso da noção de cobertura universal (ver Teorema

7.3.1.). A dificuldade maior era provar o Teorema do Mapeamento de Riemann. Na verdade, a esfera de Riemann é a única

superfície de tipo elíptico, e suas funções meromorfas e formas diferenciais são racionais (ver 6.8.). O problema a seguir

considera, no caso hiperbólico compacto , a questão mais geral de se achar diferenciais simétricas meromorfas sobre a

cobertura , que são invariantes sob a ação do grupo . Sabe-se que qualquer forma diferencial de grau m sobre pode

ser escrita como mf dz . Se f for meromorfa, a diferencial também o será, e a invariância desejada significa que

,

mdg z

f g z f z gdz

.

Definição 7.8.1. Uma função meromorfa f em com a propriedade de invariância acima é uma forma automorfa de peso

2m com respeito a . As formas automorfas de peso 0 são chamadas de funções automorfas.

Exemplo 7.8.2. Seja 2m , e seja h uma função holomorfa e limitada em . Neste caso, a série de Poincaré

Page 125: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

125

m

g

dg zf z h g z

dz

é absoluta e uniformemente convergente sobre todo subconjunto compacto de . Logo, esta série define uma função

holomorfa f em , e é fácil verificar a condição de invariância acima. E também é uma forma holomorfa de peso 2m com

respeito a . Para a convergência ser demonstrada, basta considerar que é discreto e que é limitado, daí a escolha de

como cobertura, e não de seu espaço isomorfo .

Exemplo 7.8.3. Algumas formas podem ser construídas a partir de outras por simples operações aritméticas. Deste modo, a

soma de formas automorfas que possuem o mesmo peso é uma forma automorfa com esse peso. O produto de duas formas

automorfas é uma forma automorfa cujo peso é a soma dos pesos dos fatores. E, finalmente, a razão entre duas formas

automorfas 1 2f f é uma forma automorfa cujo peso é a diferença entre os pesos de 1f e 2f . Em particular, a razão entre

duas séries de Poincaré de mesmo peso é uma função automorfa.

Teorema 7.8.4. Seja um grupo de automorfismo que atua de modo livre e discreto sobre , com o espaço quociente

compacto . Existe então uma quantidade finita de formas automorfas com mesmo peso tais que

: nf

seja um embedding de em n .

Um embedding representa um isomorfismo sobre a imagem (ver 8.1., mais adiante). Uma versão mais algébrica e precisa

deste teorema será dada em 8.4., abaixo.

7.9. Superfícies de Riemann quocientes; o Invariante Absoluto. Usando uma construção geral, seja 2,SL I um

grupo de transformação discreto do semiplano superior . Estes grupos de transformação de recebem o nome de

fuchsianos. Tal como no caso de uma ação livre, existe em uma única estrutura de superfície de Riemann tal que o

mapa quociente seja holomorfo. Logo, pode ser substituído, sem perda de generalidade, por uma superfície de

Riemann arbitrária S , e por um grupo atuando sobre S de forma discreta. A dificuldade para se introduzir uma estrutura

Page 126: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

126

analítica em S reside na construção de quocientes de vizinhanças dos pontos p S que possuam um estabilizador não-

trivial |p g g p p . Devido à ação discreta, p é um grupo finito de rotação de p em uma métrica de curvatura

constante (ver 7.4., acima). Logo, para uma escolha apropriada de um parâmetro local z em uma vizinhança de p , obtém-se

1np z z , onde n é a ordem de p . A função nz pode ser considerada como um parâmetro local sobre S , em

alguma vizinhança da órbita p . Agora, a menos que seja a identidade, uma transformação g z az b cz d , com

2,a b

SLc d

, possui no máximo um ponto fixo em (e dois em 1). Uma transformação g z que possui um

ponto fixo z (dois pontos 1,z z ) é chamada de elíptica. De modo correspondente, os pontos z cujo

estabilizador é não-trivial, assim como as imagens desses pontos, são chamados de pontos elípticos do grupo , e sua

ordem é a mesma do grupo z .

Exemplo 7.9.1. O exemplo mais importante de um grupo fuchsiano é o grupo modular completo 1 (ver 7.7.). A superfície

quociente 1 tem dois pontos elípticos: as órbitas 1 1 , de ordem 2, e 1 , de ordem 3. Considerando a figura

modular como um desenvolvimento de 1 , é imediato ver que 1 é homeomorfo a um plano. E mais, a superfície

1 é isomorfa ao plano de Argand-Gauss. Pelo teorema de Riemann do mapeamento, é o mesmo que dizer que 1

contém uma compactificação em um ponto, isto é, uma compactificação de Alexandrov, o que pode ser visto na figura

modular. O parâmetro local no ponto de compactificação 1 é dado pela função 1 -invariante 2 1ze , observada a

condição Im 0z .

Este exemplo é notável sob ao menos dois aspectos. Em primeiro lugar, implica a existência de uma cobertura não-

ramificada de uma região limitada do plano sobre dois pontos . Em paralelo, isto também decorre do fato de que

essa região é hiperbólica. Em segundo lugar, existe uma única coordenada global 1z , tal que

Page 127: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

127

1 11 1, 0z z . De modo equivalente, há em uma única função holomorfa j que é 1 -invariante, assume

qualquer valor complexo, tem o mesmo valor apenas nos pontos que pertencem à mesma órbita, e é tal que

1 1, 0j j . Esta função é chamada de invariante absoluto, porque, ao contrário de , o valor j é um

verdadeiro invariante da curva elíptica E , e qualquer outro invariante pode ser expresso em termos dela. De fato, j

determina E , a menos de isomorfismos.

7.10. Moduli de superfícies de Riemann. A idéia de moduli como parâmetros numéricos de superfícies de Riemann do

mesmo tipo topológico surge naturalmente do exemplo seguinte.

Exemplo 7.10.1. A toda superfície de Riemann S de genus=1 pode ser associado um número, o seu invariante absoluto

j S j , onde , S E . Obviamente,

(a) duas superfícies de Riemann de genus 1, 1S e 2S , são isomorfas se e somente se seus invariantes absolutos são iguais:

1 2j S j S ;

(b) existe sempre ume superfície de Riemann de genus 1 com qualquer valor complexo previamente definido para o seu

invariante absoluto.

Este exemplo, entretanto, levanta outras questões. Em que sentido a parametrização acima é natural? Existem

parametrizações essencialmente diferentes, por exemplo, com um número maior de parâmetros complexos independentes?

Há outro problema: superfícies de Riemann de genus suficientemente grande ( 40g ) não possuem parametrizações

naturais com parâmetros independentes. Assim, na situação mais geral, uma superfície de Riemann de genus g é descrita

por uma coleção de parâmetros numéricos que mantêm algumas relações e possíveis identificações sob a ação de um grupo,

ou modulo alguma relação de equivalência (ver 3.10.) mesmo em casos como os moduli de superfícies de Riemann

hiperelípticas – quando se sabe que existem parâmetros independentes -, a escolha dos parâmetros é intrinsecamente

ineficiente. Tudo isto leva a crer que o que é mais importante e acessível muito provavelmente não seja a determinação

concreta e numérica de parâmetros, mas sua natureza geométrica: a quantidade de parâmetros independentes de relações e

Page 128: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

128

identificações, o “quão próximas” duas superfícies de Riemann se encontram quando seus parâmetros têm valores próximos,

se existe uma parametrização com parâmetros independentes, etc. Em outras palavras, poder-se-ia prover o conjunto discreto

g (definido a priori) das classes de isomorfismo de superfícies de Riemann de genus g com uma topologia e uma

estrutura analítica complexa, ou qualquer outra estrutura. Os sistemas de coordenadas em g correspondem a alguns

parâmetros naturais, os moduli – a existência de coordenadas globais é equivalente à existência de parâmetros

independentes. Estas considerações levam à idéia de um espaço de moduli g , cuja estrutura analítica complexa é definida

e construída usando-se famílias analíticas de superfícies de Riemann.

Definição 7.10.2. Um mapa entre variedades complexas :f M B é uma família de superfícies de Riemann de genus g

se a fibra 1f b acima de todo ponto b B for uma superfície de Riemann de genus g .

Exemplo 7.10.3. Seja 2,SL . Existe uma extensão de (com subgrupo normal ) que atua de forma

livre e discreta sobre o produto de acordo com a regra

, ,, ,

g n m a b z n mz

c d c d

,

onde , ,a b

g n mc d

, e pontos elípticos do grupo I .

É fácil verificar que

:f

é uma família de superfícies de Riemann de genus 1.

Uma família :f M B de superfícies de Riemann de genus g induz um mapa da base B g que leva um ponto b B

na classe de isomorfismo da fibra 1f b.

Page 129: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

129

Definição 7.10.4. O conjunto g , equipado com uma estrutura analítica complexa tal que qualquer mapa induzido

B g seja holomorfo, é um espaço de moduli não-refinado (coarse moduli space) para superfícies de Riemann de

genus g .

Obs. 7.10.5. Um espaço de moduli refinado (fine moduli space) inclui também uma família universal de objetos

algébrico-geométricos T sobre todo espaço de base B , a qual é o pullback de T ao longo de um único mapa B M . Um

espaço de moduli refinado é um espaço M que é base de uma família universal. Um espaço de moduli não-refinado

possui somente o espaço de base M , e não contém necessariamente uma família, universal ou não, de objetos.

Teorema 7.10.6. O espaço de moduli 1 existe, e é canonicamente isomorfo a 1 .

A família 2,SLf com base 1 dois pontos elípticos induz um embedding que pode ser continuado para um

isomorfismo entre 1 e 1 . Na forma com coordenadas, o isomorfismo 1 é dado pelo invariante absoluto.

Para superfícies de Riemann de genus 2g , o espaço de moduli não-refinado existe enquanto um espaço analítico

complexo, e não como uma variedade complexa. O que difere um espaço complexo de uma variedade complexa é a a

presença de singularidades. Sob algumas restrições naturais a singularidades, o espaço de moduli não-refinado é único, e é

representado por g . Para provar sua existência e unicidade as demonstrações são bastante técnicas. Entretanto, não é

difícil determinar a quantidade de parâmetros. Toda superfície de Riemann de genus 2g é hiperbólica, logo, a menos de

isomorfismo, é um espaço quociente , onde é um grupo fuchsiano atuando de forma livre sobre . Mas é

isomorfo ao grupo fundamental de uma superfície de Riemann de genus g (ver 5.4.), logo, possui 2g geradores

1 1, , , , 2,A B A B SL I g g , conectados pela relação

1 1 1 11 1 1 1A B A B A B A B I g g g g .

Em virtude disso, é fácil obter as seguintes afirmações.

Page 130: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

130

Lema 7.10.7. As sequências 1 1, , , , 2,A B A B SL I g g que satisfazem a relação acima formam uma variedade

analítica de dimensão 6 3g . Aquelas que correspondem a superfícies de Riemann de genus g constituem um subconjunto

aberto.

Proposição 7.10.8. Se 2g , então dim 6 6g = g .

A prova faz uso essencialmente do Teorema 7.7.9 de Schwarz, que implica que sequências de geradores próximos resultam

em superfícies de Riemann isomorfas se e somente se podem ser obtidas umas das outras por um automorfismo interior:

1 1 1 11 1 1 1, , , , , , , , , 2,A B A B aA a aB a aA a aB a a SL I g g g g .

Subtraindo dim 2, 3SL I de 6 3g , obtém-se o resultado acima.

A existência de um espaço de moduli dá significado a afirmações sobre o efeito que alguma propriedade P é satisfeita

para uma superfície de Riemann de genus g . Isto quer dizer que todas as superfícies de Riemann de genus g que não

possuem a propriedade P estão incluídas em um subespaço analítico complexo de dimensão inferior (por exemplo, no

sentido topológico) à dimensão do espaço de moduli (se 2g , dim 6 6g = g ). Em outras palavras, uma variação

arbitrária, suficientemente pequena, de uma superfície de Riemann de genus g , resulta em uma superfície de Riemann de

genus g que possui a propriedade P . Uma das maneiras de se demonstrar uma propriedade genérica é fazer a contagem de

parâmetros. Nessa direção, prova-se o seguinte corolário.

Corolário 7.10.9. O grupo de automorfismo de uma superfície de Riemann genérica de genus 3g . Em particular, a

superfície de Riemann genérica de genus 3g é não-hiperelíptica.

Mais precisamente, usando a fórmula para o genus de Hurwitz (ver 5.6.), verifica-se que superfícies de Riemann de genus

1g com um automorfismo de ordem 2 formam um subespaço com dimensão real 4 2 g , que é inferior a 6 6g

quando 3g .

Obs. 7.10.10. A existência de uma estrutura analítica sobre g se deve essencialmente ao fato de que é possível classificar

superfícies de Riemann compactas. No caso não-compacto, o máximo que se pode esperar é analiticidade real. Por exemplo,

Page 131: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

131

toda superfície de Riemann que seja homeomorfa a um ânulo será isomorfa a algum ânulo 1r z . O número real

0 1r é o seu invariante absoluto, logo, o intervalo semi-aberto 0,1 é um espaço de moduli para essas superfícies.

Page 132: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

132

8. A natureza algébrica das superfícies riemannianas compactas.

Um isomorfismo de uma superfície de Riemann sobre uma subvariedade unidimensional de uma variedade complexa é

chamado de embedding (embebimento). Para construir embeddings de uma superfície de Riemann compacta em certos

espaços projetivos são necessárias ferramentas apropriadas: o mapa associado com um divisor, e a fórmula de Riemann-

Roch.

Uma superfície de Riemann compacta de genus g será representada por S , e um divisor canônico por K .

8.1. Espaços de funções e mapas associados com divisores. Uma função meromorfa não-nula em S mapeia S sobre 1 .

Uma generalização imediata é um mapa qualquer da forma nS

0 : : np f p f p ,

onde 0, , nf f são funções meromorfas não-nulas em S . Este mapa é definido e holomorfo em toda a superfície S . O caso

mais conveniente é quando as funções if formam uma base do espaço vetorial complexo

| 0 0 0 ord ,ip i iL D f S f f D f f a p ,

onde i iD a p é um divisor em S .

Definição 8.1.1. L D é um espaço vetorial, e também é o espaço das funções meromorfas em S que está associado ao

divisor D .

Teorema 8.1.2. L D é um espaço vetorial de dimensão finita, e dim grau 1L D D , desde que grau 1D .

Um caso muito ilustrativo é o do divisor efetivo l lD a p . Neste caso o espaço L D consiste de funções meromorfas

com polos apenas nos lp , e com partes principais 1

l

ili l

i a

c z

, onde lz é um parâmetro local em lp . O mapa linear que associa

Page 133: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

133

com essa função a sequência de coeficientes lic possui em seu kernel apenas funções holomorfas, e, logo, constantes, em

S . Logo, dim 1 grau 1lL D a D . O caso geral pode ser obtido a partir das seguintes propriedades de L D .

Lema 8.1.3. (a) Supondo-se que D e D não são linearmente equivalentes, isto é, D D g , onde g S , o mapa

L D L D , definido por f g f , é um isomorfismo -linear.

(b) dim 0L D se e somente se D é linearmente equivalente a um divisor efetivo. Em particular, isto implica que

grau 0D .

A dimensão de L D é representada por l D .

Definição 8.1.4. Seja 0, , nf f uma base para L D . Então o mapa nS mostrado acima é chamado de mapa

associado com o divisor D , e é representado por D . Observe-se que 1n l D , e que D é definida apenas para

1l D .

A menos de um isomorfismo, o mapa D permanece inalterado se for escolhida uma base diferente para L D , ou se D for

substituído por um divisor linearmente equivalente. Isto decorre do lema anterior.

8.2. A fórmula de Riemann-Roch (de Riemann e de Gustav Roch, matemático alemão, 1839-1866).

Teorema 8.2.1. grau 1l D l K D D g+

Esta é uma versão da fórmula de Riemann-Roch,e parece sem utilidade á primeira vista, uma vez que reduz o cálculo de

l D ao cálculo de l K D . Mas 0l K D para divisores D de grau >grau 2 2K g .

Corolário 8.2.2. Se grau grau 1 2 1D K g , então grau l D D g+ 1 .

No caso geral, vale o seguinte resultado:

Page 134: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

134

Corolário 8.2.3. (Desigualdade de Riemann). grau 1l D D g .

Dentre as muitas perfeições da fórmula de Riemann-Roch está a sua simetria: a fórmula de Riemann-Roch para D é

equivalente à fórmula para K D ; e a invariância topológica do seu lado direito depende somente, e de forma linear, de

grau D e de g.

As demonstrações mais recentes da fórmula de Riemann-Roch são baseadas na teoria e nas técnicas da co-homologia. A

fórmula é escrita na forma

0 1dim dim grau 1H D H D D g ,

onde iH D é o i -ésimo grupo de co-homologia com coeficientes no feixe associado com o divisor D . E, nesse contexto,

1dim 0Hg é o genus aritmético de S .

8.3. Superfícies de Riemann compactas são projetivas. Dos resultados anteriores resulta que toda superfície de Riemann

compacta pode ser embebida em um espaço projetivo. Mais precisamente,

Teorema 8.3.1. D é um embedding se grau 2 1D g .

Logo, toda superfície de Riemann compacta S é isomorfa a uma subvariedade fechada unidimensional de algum espaço

projetivo. Chama-se a isto um modelo projetivo de S , e, quando isto ocorre, se diz que S é projetiva.

Obs. 8.3.2. Uma variedade complexa de dimensão 2 , mesmo se for compacta, não será necessariamente projetiva.

Corolário 8.3.3. Toda superfície de Riemann compacta S pode ser embebida em 3 .

Obs. 8.3.4. Uma superfície de Riemann genérica não pode ser embebida em 3 . Uma obstrução inicial é a fórmula do

genus para uma curva plana (ver exemplo 6.8.5.). Entretanto, existe sempre uma imersão, isto é, um mapa regular 2S ,

que é um-para-um, ou injetivo, por quase toda parte.

8.4. A natureza algébrica de modelos projetivos; superfícies de Riemann aritméticas. Um subconjunto de um espaço projetivo é algébrico se é o conjunto de zeros de alguma família de polinômios homogêneos

representados nas coordenadas homogêneas do espaço projetivo. É claro que os valores desses polinômios homogêneos não

Page 135: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

135

são bem definidos nos espaços projetivos, mas seus zeros são bem definidos. Uma vez que anéis de polinômios sobre

campos são nötherianos (de Amalie (Emmy) Nöther, matemática alemã (1882-1935)), isto é, cada subconjunto não-vazio de

ideais tem um elemento máximo, pode-se assumir, sem perda de generalidade, que a coleção de polinômios que define o

conjunto algébrico acima é finito.

Teorema 8.4.1. Teorema de Chow (de Wei-Liang Chow, matemático chinês, 1911-1995).

Uma superfície de Riemann embebida nS é algébrica, ou seja, seus pontos constituem um subconjunto algébrico.

De forma mais geral, pode ser provado que a imagem de um mapa holomorfo de uma superfície de Riemann compacta para

um plano projetivo é algébrica.

Logo, superfícies de Riemann embebidas nS podem ser descritas algebricamente. Resulta que funções meromorfas

em S também podem ser descritas puramente em termos algébricos. Mesmo que um polinômio homogêneo não-nulo não

defina corretamente uma função no espaço projetivo, a razão entre dois desses polinômios, desde que ambos do mesmo

grau, é uma função racional, definida a menos dos zeros do denominador. Se S não está contida inteiramente no conjunto de

indeterminação de uma função racional em n , se vê facilmente que a única restrição desta função racional em S é ser

meromorfa. Pode-se dizer que é uma função racional em S . Do ponto de vista local, uma função meromorfa é uma razão

entre funções holomorfas. Neste sentido, toda função racional em n é meromorfa.

Teorema 8.4.2. Uma função meromorfa sobre uma superfície de Riemann embebida nS é racional.

Obs. 8.4.3. Na verdade, a topologia de uma superfície de Riemann é transcendental por natureza. Isto impede a noção de

que uma superfície de Riemann possa ser sempre tratada como sendo completamente algébrica, nem sempre permitindo,

portanto, a transposição para um contexto algébrico de vários métodos de estudo e análise das superfícies de Riemann.

De um ponto de vista aritmético, os objetos mais interessantes são as superfícies de Riemann embebidas nS ,

consideradas como conjuntos dos zeros de polinômios com coeficientes racionais, ou, dito de forma mais geral, com

coeficientes pertencentes a um campo numérico algébrico. Estas superfícies de Riemann são aritméticas. Elas formam um

conjunto enumerável, a menos de isomorfismos. E, além da propriedade de uma superfície de Riemann ser aritmética se

manifestar como um raro fenômeno, as várias condições para verificar se uma superfície de Riemann é aritmética implicam

Page 136: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

136

um trabalho árduo e tedioso. Assim, é certamente surpreendente o fato de que as superfícies de Riemann aritméticas possam

ser topologicamente caracterizadas.

Teorema 8.4.4. (G. Belyl [1979]). Uma superfície de Riemann é aritmética se e somente se existir um mapa 1S

ramificado em três pontos.

8.5. Modelos de superfícies de Riemann de genus=1.

Foram mostradas as seguintes superfícies de Riemann especiais de genus=1:

(a) curvas elípticas (ver exemplo 1.6.3., seção 7.6., obs. 7.7.7.);

(b) superfícies de Riemann hiperelípticas com quatro pontos de ramificação (ver exemplos 3.11.3., 5.6.4.);

(c) curvas cúbicas planas (ver exemplo 6.8.5.).

Uma superfície de Riemann S de genus=1 possui um modelo para cada um desses tipos. Uma vez que, como já foi visto

(Corolário em 7.7.), S E , a projeção hiperelíptica 12 :p S não depende da escolha de p S . Por outro lado, essa

projeção pode ser reconstituída de forma única a partir das imagens 11 2 3 4, , ,z z z z dos pontos de ramificação (ver

Exemplo em 6.14.). Logo, as classes de isomorfismo de superfícies de Riemann de genus 1 estão em correspondência um-

para-um com quadrupletos de pontos iz , modulo transformações lineares fracionais. Vê-se então que os quadrupletos

ordenados 1 2 3 4, , ,z z z z de pontos em 1 estão classificados pela razão cruzada

3 1 4 1

3 2 4 2

:z z z z

z z z z

.

Se z é uma coordenada de 1 , se 1 2 3 4, 0, 1z z z z . Logo, S é isomorfa à superfície de Riemann da função

algébrica 1z z z , ou, equivalentemente, à curva cúbica 2 1y z z z (em coordenadas afins). Além disso,

Page 137: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

137

qualquer permutação dos iz corresponde a uma das transformações ,1 ,1 ,1 1 , 1 , 1 . Não é

difícil verificar que

32

22

14

27 1j S

.

Exemplo 8.5.1. A curva elíptica 1

E

corresponde a 1, 1j , e é isomorfa à curva cúbica plana 2 2 1y z z , que é

um automorfismo de ordem 4, dado por: , , 1x y z y (ver Teorema 7.6.2.).

O embedding 23 :p S (ver Teorema 8.3.1.) possui como imagem uma curva cúbica. Para , 0S E p , usa-se a

descrição explícita por meio da função de Weierstrass ,z . As funções ,1z , formam uma base para 3L p .

Além disso, as funções 2 3 2 1 6z z z L p , , , , , , são linearmente dependentes, uma vez que 6 6l p . Este é o

processo através do qual se manifesta uma relação de terceiro grau. Finalmente, a expansão de Laurent 21z z +

[termos de ordem par 2 ] mostra que

2 3

2 3 2 34 , ,z g g g g = - - ,

que nada mais é do que uma cúbica na forma normal de Weierstrass. O invariante absoluto desta fórmula é dado pela

fórmula 2332 27

1gg

j

,

onde é o discriminante de 32 34z g z g : 3 2

2 327 1 4g g .

Page 138: CURSO DE FORMAÇÃO CBPF JANEIRO/ FEVEREIRO DE 2011 ... · Por outro lado, não devemos esquecer que o conceito mais abstrato de espaço com que a geometria lida é o de espaço topológico,

138

Exemplo 8.5.2. A curva elíptica pE , com 0j , é isomorfa a uma cúbica da forma 2 33 34 , 0y z g g . O automorfismo

2, ,x y z y corresponde a um gerador do grupo de automorfismos 0Aut E (ver Teorema 7.6.2.)

Obs. 8.5.3. Os modelos dos tipos (b) e (c) são de natureza algébrica. Este fato se reflete na dependência algébrica do

invariante absoluto em relação aos parâmetros naturais desses modelos: 2 3, ,g g .

Obs. 8.5.4. Uma superfície de Riemann de genus 1 será aritmética se e somente se seu invariante absoluto é um número

algébrico.

Obs. 8.5.5. Cada um desses modelos possui algumas generalizações naturais: (a) – toros complexos e variedades abelianas

(ver 5.1.); (b) - superfícies de Riemann hiperelípticas em geral, e, de forma mais geral ainda, variedades hiperelípticas; (c) –

os zeros de formas cúbicas em um espaço projetivo de dimensão superior.