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CURSO DE MESTRADO EM ENFERMAGEM DE SAÚDE INFANTIL E PEDIATRIA Adaptação Cultural e Avaliação das Propriedades Psicométricas da Versão Portuguesa da Escala de Dor COMFORT-B João Daniel Carvalho Borges Coimbra, Outubro de 2014

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CURSO DE MESTRADO EM ENFERMAGEM

DE SAÚDE INFANTIL E PEDIATRIA

Adaptação Cultural e Avaliação das Propriedades Psicométricas da

Versão Portuguesa da Escala de Dor COMFORT-B

João Daniel Carvalho Borges

Coimbra, Outubro de 2014

CURSO DE MESTRADO EM ENFERMAGEM

DE SAÚDE INFANTIL E PEDIATRIA

Adaptação Cultural e Avaliação das Propriedades Psicométricas da

Versão Portuguesa da Escala de Dor COMFORT-B

João Daniel Carvalho Borges

Orientador: Professor – Doutor Luís Batalha, Professor Coordenador na Escola

Superior de Enfermagem de Coimbra

Dissertação apresentada à Escola Superior de Enfermagem de Coimbra

para obtenção do grau de Mestre em

Enfermagem de Saúde Infantil e Pediatria

Coimbra, Outubro de 2014

-

“De todos os presentes da natureza

para a raça humana, o que é mais doce

para o Homem do que as crianças?”

Ernest Hemingway

Agradecimentos:

Ao meu orientador, o Professor-Doutor Luís Batalha, pelo enorme estímulo,

aconselhamento, ensinamento e paciência mas sobretudo por acreditar no sucesso

deste trabalho.

Ao Dr. Farela Neves e à Enfermeira Gina Reis pelo interesse demonstrado por todo o

trabalho.

À equipa de enfermagem da Unidade de Cuidados Intensivos do Hospital Carmona da

Mota pela colaboração prestada.

Aos colegas da equipa de enfermagem do Serviço de Pediatria do Hospital Distrital da

Figueira da Foz pela ajuda que me prestaram neste percurso.

Às colegas Cátia Rodrigues, Guida Dias, Joana Mariano, Marília Brunido, Mónica

Marques, Sandra Lopes, Sónia Figueira e Tânia Pinto, companheiras de viagem neste

desafio que se foi o Curso de Pós Licenciatura e Especialização/ Mestrado em Saúde

Infantil e Pediatria.

À crianças e famílias que estiveram envolvidas no estudo.

Aos amigos que estiveram sempre presentes, em particular ao Luís Canas e ao Carlos

Laranjeira.

À Enfermeira Graça Paula Trindade, mentora e amiga, pela sua inexcedível

colaboração, pela sua constante disponibilidade mas sobretudo por ter sido tão

marcante no meu percurso profissional.

Aos meus pais e à minha irmã, por tudo aquilo que as palavras não podem dizer.

A ti Ana, por me incentivares sempre a fazer mais e melhor.

SIGLAS:

CHUC – Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra

COMFORT – B – COMFORT Behavior

DGS – Direção Geral de Saúde

EDIN – Echelle de Douleur et d’Ínconfort du Nouveau-Né

EVA – Escala Visual Analógica

FLACC – Faces, Legs, Activity, Cry, Consolability

NISS – Nuses Interpretation of Sedation Score

OE – Ordem dos Enfermeiros

PNLCD – Plano Nacional de Luta Contra a Dor

UCI – Unidade de Cuidados Intensivos Pediátricos

UCIRN – Unidade de Cuidados Intensivos ao Recém-Nascido

UCISA:E – Unidade de Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem

RESUMO:

A ausência de escalas validadas culturalmente para a língua Portuguesa e com

avaliação das suas propriedades psicométricas que avaliem a intensidade da dor em

crianças de 0 aos 18 anos, com incapacidade de auto-relato e sob Cuidados

Intensivos, submetidas ou não ventilação mecânica levou-nos a realizar um estudo

com o objetivo de adaptar semântica e culturalmente para a língua portuguesa a

escala de dor COMFORT – B e avaliar as suas propriedades psicométricas (validade e

fiabilidade) em crianças internadas em UCI (ventiladas ou não ventiladas

mecanicamente).

Metodologia: Estudo de caracter metodológico que decorreu em duas fases:

validação semântica e cultural para português da escala COMFORT-B e avaliação das

suas propriedades psicométricas a crianças até aos 18 anos.

Resultados: Participaram na segunda fase do estudo 85 crianças (54 ventiladas e 31

não ventiladas) internadas numa unidade de Cuidados Intensivos Pediátricos. A

versão portuguesa da escala COMFORT-B revelou-se válida (variância explicada a um

factor de 69,5% e 72,7% para as crianças ventiladas e de 63,9% e 60,7% para as

crianças não ventiladas) e fiável com uma consistência interna excelente ( α de

Cronbach de 0,90 e 0,92 para as crianças ventilados é de 0,87 e 0,88 para as crianças

não ventiladas) e concordância entre observadores com um valor de Kappa 0,957 -

0,980; ICC = 0,971 para as crianças ventiladas e Kappa 0,960 - 0,981; ICC = 0,972

para as crianças não ventiladas).

Conclusão: A escala de dor COMFORT-B é um instrumento válido e fiável, podendo

colmatar uma lacuna na avaliação da dor nas crianças com incapacidade de

autoavaliação internadas em Unidades de Cuidados Intensivos.

Palavras-chave: dor, criança, escala, enfermagem

ABSTRACT

The lack of culturally validated scales to Portuguese language and evaluation of its

psychometric properties that assess pain intensity in children aged 0 to 18 years, with

inability to self-reporting and under Intensive Care, submitted or not to mechanical

ventilation led us to conduct a methodological study with the aim of cultural and

linguistically adaptation for the Portuguese (Portugal) pain scale COMFORT-B and

assess their degree of reproducibility and clinical utility.

Methodology: Study methodological character that was in two stages: 1) semantics

and Portuguese cultural validation for the COMFORT-B scale 2) evaluation of the

psychometric properties of the Portuguese version when applied simultaneously and

independently by two nurses for children up to 18 years

Results: The sample consisted of 85 children (54 ventilated and non-ventilated 31)

target observations. The Portuguese version of the COMFORT-B scale showed validity

(explained variance by a factor of 69.5% and 72.7% for ventilated children and 63.9%

and 60.7% for non-ventilated children) excellent internal consistency (Cronbach´s α of

0.90 and 0.92 for ventilated children and 0.87 and 0.88 for non-ventilated children) and

reproducibility (mean kappa 0.957 to 0.980, ICC = 0.971 for ventilated children and

mean kappa 0.960 to 0.981, ICC = 0.972 for children non-ventilated).

Conclusion: The pain scale COMFORT-B is a valid and reliable instrument, may fill a

gap in the assessment of pain in children hospitalized in Intensive Care Units

Keywords: pain, child, scale, nursing

INDICE DE TABELAS

Tabela 1: Dados demográficos e clínicos ................................................................... 42

Tabela 2: Validade Divergente .................................................................................... 43

Tabela 3: Análise fatorial por observador .................................................................... 44

Tabela 4: Correlação entre a escala COMFORT - B e as escalas EDIN, FLACC e EVA

(Spearman) ................................................................................................................. 45

Tabela 5: Consistência Interna por observador ........................................................... 46

Tabela 6: Concordância entre observações ................................................................ 47

ÍNDICE DE FIGURAS

Figura 1: Fluxograma da metodologia de validação cultural e semântica ................... 37

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 21

PARTE I – ENQUADRAMENTO TEÓRICO ............................................................... 25

1. ESCALA COMFORT-B ....................................................................................... 27

PARTE II – CONTRIBUIÇÃO PESSOAL ................................................................... 35

1. METODOLOGIA ................................................................................................. 37

1.1. TRADUÇÃO E VALIDAÇÃO CULTURAL E LINGUÍSTICA DA ESCALA DE

DOR COMFORT-B ................................................................................................. 37

1.2. PROPRIEDADES PSICOMÉTRICAS DA ESCALA DE DOR COMFORT-B . 38

2. RESULTADOS .................................................................................................... 41

2.1. DADOS DEMOGRÁFICOS E CLÍNICOS ...................................................... 41

2.2. VALIDADE DIVERGENTE ............................................................................ 43

2.3. VALIDADE DE CONSTRUTO ...................................................................... 44

2.4. CORRELAÇÃO ENTRE AS ESCALAS......................................................... 45

2.5. CONSISTÊNCIA INTERNA .......................................................................... 45

2.6. CONCORDÂNCIA ENTRE OBSERVAÇÕES ............................................... 47

3. DISCUSSÃO ....................................................................................................... 49

CONCLUSÃO ............................................................................................................ 53

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

APÊNDICES

APÊNDICE I – ESCALA DE DOR COMFORT-B

APÊNDICE II – FOLHA DE COLHEITA DE DADOS

ANEXOS

ANEXO I – Autorização do Estudo pela Administração e Comissão de Ética do CHUC

ANEXO II – Autorização do autor para a tradução e aplicação da Escala COMFORT-B

em Portugal

21

INTRODUÇÃO

De acordo com a subcomissão de Taxonomia da Associação Internacional para o

Estudo da Dor a dor pode ser definida como «uma experiência sensitiva e emocional

desagradável, associada a dano tecidual real ou potencial, ou descritiva em termos de

tal lesão» (Menezes e Silva, 2007, p. 144). É uma sensação subjectiva desagradável

localizada numa parte do corpo e constitui adicionalmente uma experiência emocional

(Viana et al, 2006).

O estudo e avaliação da dor tem tido um especial enfoque nos últimos anos. Foi

especialmente importante a padronização da dor como quinto sinal vital pela Direção

Geral de Saúde (DGS) (DGS,2003).

O desenvolvimento das Unidades de Cuidados Intensivos Pediátricos tem

proporcionado uma diminuição da mortalidade, mas com uma sofisticação dos

recursos terapêuticos, um maior número de exames e procedimentos invasivos são

necessários para garantir a sobrevivência (Guinsburg, 1999).

É consensual a necessidade de existência de validação de uma escala de avaliação

da dor, a fim de se produzir um método padronizado que possa ser reproduzido de

uma maneira consistente e que seja discriminativo dos resultados de tratamentos

instituídos (Viana et al, 2006).

A avaliação da dor constitui-se como um desafio aos profissionais de saúde, dada a

subjectividade, complexidade e multidimensionalidade da experiência dolorosa

(Pereira e Sousa, 1998). A avaliação da dor é extremamente importante na prática

clínica pois é impossível manipular uma doença, sem ter uma medida sobre a qual

basear o tratamento ou a conduta terapêutica (Menezes e Silva, 2007), Por outro lado,

a quantificação da dor visa um duplo propósito: assinalar um valor à dor vivenciada e

fornecer um quadro mais completo (da intensidade e interferência da dor na vida do

doente) (Menezes e Silva, 2007).

Em Portugal, tem sido feito um enorme investimento na sensibilização e formação dos

profissionais de saúde na área da dor. Nesta área, a inversão da precariedade dos

cuidados iniciou-se em 2001 com a publicação do Plano Nacional de Luta Contra a

22

Dor (PNLCD). Desde então, com apoios nacionais e comunitários inúmeras ações de

formação e sensibilização foram realizadas, resultando o investimento na publicação

da Circular Normativa da DGS, que salienta a dor como quinto sinal vital, o Guia

Orientador de Boas Práticas - Dor da Ordem dos Enfermeiros (OE) e mais

recentemente com as Orientações Técnicas emanadas pelo grupo de trabalho da Dor

na Criança da Comissão Nacional de Controlo da Dor, sob a direção da DGS (Batalha

et al, 2014).

A existência de muito poucas escalas que avaliem a dor em crianças maiores de um

mês submetidas a ventilação mecânica levou ao desenvolvimento do presente estudo.

No que concerne especificamente à avaliação da dor em crianças e adolescentes

ventilados, o estudo justifica-se pela ausência de escalas validadas culturalmente para

a língua Portuguesa para avaliarem a intensidade da dor em crianças com idade

compreendida entre os 0 meses e os 18 anos, com incapacidade de auto-relato,

internadas em UCI e submetidas a ventilação mecânica.

A ventilação mecânica é uma modalidade de tratamento que tem crescido

exponencialmente e tem assumido um protagonismo central nas UCI, havendo relatos

de que 20 a 64% das crianças internadas nestes serviços requerem esta tipologia de

ventilação (Dorfman et al, 2014).

A avaliação da dor em crianças que se encontram ventiladas constitui um enorme

desafio, já que a descrição da dor e das vivências dolorosas é dificultada por vários

motivos: 1) pelos efeitos das drogas analgésicas e sedativas; 2) incapacidade das

crianças entubadas descreverem os seus níveis de experiência dolorosa; 3) falta de

estruturas cognitivas que lhe permitam expressar a dor ou outros fenómenos

desconfortáveis (não dolorosos) (Dorfman et al, 2014). A dor não controlada e a

sedação inadequada podem causar stresse psicológico e fisiológico bastante severo,

embora o excesso de administração de analgésicos possa prolongar a duração da

ventilação mecânica e como consequência o aumento do tempo de permanência nas

UCI (Johansson e Kokinsky, 2009).

Importa referir que a avaliação e a medição da dor são dois aspectos distintos.

«Avaliar a dor implica descobrir a natureza e significado da experiência dolorosa, ou

seja, que tipo de estímulos a provocam, factores agravantes, os seus efeitos na vida

diária, respostas à dor (fisiológicas, comportamentais), padrões de coping, tipo de dor,

localização, duração e intensidade, sendo que medir refere-se apenas a um aspecto

particular da dor, à sua dimensão sensorial» (Batalha, 2010, p. 17).

23

Dada a inexistência de um instrumento para a avaliação específica da dor na criança

ventilada mecanicamente entre o mês e os 18 anos validada para o Português

(Portugal), surgiu a necessidade de desenvolver uma pesquisa com a finalidade de

encontrar um instrumento que permitisse a avaliação da dor nestas crianças. A escala

de dor COMFORT-B sendo uma das recomendadas pela DGS (2010), levou-nos a que

fosse a escolhida.

A disponibilização da escala de dor COMFORT-B para o Português (Portugal)

permitirá ganhos em saúde, podendo garantir um controlo clínico da dor. Apesar da

Escala COMFORT – B já se entrar traduzida para a língua portuguesa (português-

brasil) as propriedades psicométricas não foram estudadas para a realidade cultural

Portuguesa. Para além disso o estudo realizado por Amoretti et al (2008) não inclui

crianças não ventiladas.

O propósito do nosso estudo foi de adaptar cultural e linguisticamente, para o

português (Portugal) a escala de dor COMFORT-B (COMFORT – B/PT) e avaliar as

suas propriedades psicométricas (validade de constructo, validade de critério,

consistência interna, concordância entre observações e correlação entre escalas) em

crianças ventiladas e não ventiladas), internadas em UCI com idade até aos 18 anos.

Este trabalho apresenta-se constituído por duas partes: na primeira é dado enfoque à

problemática e contextualização do estudo e na segunda parte do trabalho às opções

metodológicas, resultados, discussão e conclusão.

24

25

PARTE I – ENQUADRAMENTO TEÓRICO

26

27

1. ESCALA COMFORT-B

A Escala COMFORT foi desenvolvida por Ambuel et al (1992) como forma de dar

resposta à necessidade de avaliar o impacto psicológico da doença crónica em

crianças com idade inferior a 18 anos, mais concretamente o conforto e o desconforto.

O desenvolvimento inicial da escala passou pela identificação de potenciais variáveis,

através da revisão de literatura sobre temáticas de dor e desconforto em crianças e

recorrendo igualmente à experiência de 20 enfermeiros que trabalhavam em UCI.

Foram identificadas variáveis discriminativas da dor e sofrimento na criança. Numa

versão piloto da escala, foram identificados 8 itens: alerta, calma-agitação, resposta

respiratória, movimentos, pressão arterial média, frequência cardíaca, tónus muscular

e expressão facial. Estes itens eram considerados mais práticos por serem utilizados

com maior frequência na prática diária dos cuidados, por serem capazes de dar

resposta às alterações do conforto da criança, por serem avaliados rapidamente e de

forma não invasiva e por serem flexíveis face a mudanças do estado da doença e

tratamento farmacológico. Cada um destes itens tinha uma pontuação compreendida

entre 1 a 5 valores, sendo que no final haveria um somatório das pontuações parciais

das oito variáveis.

Neste estudo os participantes foram crianças dos 0 aos 18 anos, internadas numa

UCI, estando sujeitas a ventilação invasiva intermitente ou a ventilação não invasiva

contínua (por pressão positiva), com monitorização de parâmetros vitais. Foram

excluídos doentes que tinham comprometimento neurológico (lesões cerebrais,

encefalopatia isquémica, e status epilético), atraso mental profundo, politraumatizados

com menos de 72 horas, tónus muscular alterado ou contraturas. Foram também

excluídas crianças que vivenciavam experiência dolorosa, referida pelas próprias ou

avaliada por médicos ou enfermeiros. A amostra que constituiu este estudo foi de 37

crianças que se encontravam com suporte ventilatório mecânico.

O desconforto vivenciado pelos doentes foi avaliado pela escala COMFORT e pela

Escala Visual Analógica (EVA), uma linha horizontal de 10 cm, delimitada pelas

descrições “absolutamente calma” e “extremamente desconfortável”. Os observadores

28

que faziam as medições estavam instruídos para fazerem uma marca no sítio que

indicava o quanto desconfortável se encontrava a criança.

De forma a garantir a avaliação das propriedades psicométricas e utilidade clínica da

escala, cada criança foi observada por 3 avaliadores distintos; um avaliador principal,

um investigador assistente treinado no uso da escala COMFORT e um enfermeiro com

experiência em cuidados intensivos que não tinha qualquer treino no uso da escala

COMFORT e não havia prestado até então qualquer cuidado à criança alvo da

observação. O avaliador principal preenchia os itens correspondentes à COMFORT e

à EVA, o investigador assistente preenchia a escala COMFORT e o enfermeiro

preenchia a EVA. Os elementos responsáveis pelo preenchimento da escala

COMFORT, chegaram ao consenso de que a observação e avaliação da criança deve

ser feita por um período de 2 minutos. O enfermeiro fez a avaliação dos níveis de

desconforto da criança, com recurso à EVA, tendo a observação decorrido por um

período de 2 minutos. O enfermeiro desconhecia as variáveis que estavam a ser

observadas pelos outros investigadores. Das observações e avaliações efectuadas

entre os 3 elementos resultou uma consistência interna excelente (α = 0,90) e a

correlação entre a escala COMFORT B e a EVA foi forte (r = 0,84). (Ambuel et al,

1992)

O estudo efectuado por van Dijk et al (2000) para avaliação das propriedades

psicométricas da escala COMFORT foi realizado em crianças submetidas a cirurgia,

tendo sido obtida uma amostra de 158 crianças, com idades até os 3 anos de idade,

que recebiam cuidados numa UCI, 3, 6 e 9 horas após terem sido submetidas a

grande cirurgia abdominal.

Das observações efectuadas resultou uma consistência interna excelente para os 3

observadores (α = 0,90, α = 0,92, α = 0,92). A concordância entre os observadores foi

boa para todos os itens excepção feita para a resposta respiratória em que foi

moderada (k = 0,54). Nos parâmetros fisiológicos a concordância foi excelente (k

=0,93).

Os resultados obtidos levaram à introdução do item “choro” (obteve uma concordância

entre observadores boa, K = 0,70) o que permitiu a avaliação de doentes que não se

encontrassem ventilados mecanicamente. O item “choro” só é classificado nas

crianças em respiração espontânea e o item “resposta respiratória” só é classificado

nas crianças submetidas em ventilação mecânica. Com estas alterações, esta escala

passou a ser utilizada em crianças que se encontram em ventilação mecânica, mas

29

também em crianças que não se encontram ventiladas mecanicamente. Os itens a

considerar são “alerta”, “calma-agitação”, “resposta respiratória”, “choro”, “movimentos

físicos”, “tónus muscular” e “tensão facial”. Cada categoria é pontuada de 1 a 5,

fazendo de 6 a pontuação mais baixa (sem dor) e 30 a pontuação máxima (pior dor).

A investigação permitiu concluir que as avaliações fisiológicas como a frequência

cardíaca e a pressão arterial podem ser omitidas da avaliação, sem prejuízo na

qualidade de avaliação da dor (as avaliações fisiológicas não fornecem informação,

porque estas reacções são de curta duração na dor aguda e os níveis tendem a

regressar ao valor de base durante a dor prolongada. Para além disso, estas

alterações podem resultar de outros fatores que não sejam a dor e as causas são

tratadas com esse acordo) (van Dijk et al, 2000)

Estas adaptações resultaram numa escala que apenas privilegia a observação

comportamental, passando-se então a denominar por Escala COMFORT- B. Os

autores propõem a utilização concomitante da Escala Visual Analógica (EVA), uma

vez que esta escala reflete a opinião estimada, por parte do enfermeiro perito sobre o

nível de dor do doente, integrado no conhecimento holístico que o enfermeiro possui

do doente (o qual pode advir da criança poder estar com fome, necessitar de uma

muda da fralda ou até idiossincrasias particulares como a hiperatividade ou alterações

no comportamento) (van Dijk et al, 2005)

Aquando da aplicação da Escala COMFORT-B, os enfermeiros devem estar numa

posição que permita a total visualização da face e do corpo da criança. A observação

deve durar 2 minutos, devendo ser confirmado o fim deste período por um relógio ou

por um alarme. Terminados os 2 minutos, deve-se realizar um toque suave sobre a

mão ou a perna da criança, de forma a avaliar a tensão muscular (van Dijk et al, 2005).

Carnevale e Razack (2002) realizaram um estudo observacional com o objetivo de

avaliar as propriedades psicométricas da escala COMFORT, numa amostra de 18

crianças dos 0 meses aos 7 anos de idade, entubadas, internadas em UCI, tendo

concluído que as variáveis frequência cardíaca e pressão arterial eram as medidas

mais objetivas mas também as que apresentavam maiores limitações em termos de

avaliação da dor. Os 6 itens subjectivos da escala COMFORT (Estado de alerta,

calma-agitação, resposta respiratória, choro, movimentos físicos, tónus muscular e

tensão facial) explicam 97% de variância das pontuações. Os indicadores em que a

correlação (Correlação de Pearson) foi forte foram os “movimentos físicos” (r =0,81),

“calma-agitação” (r=0,79) e “tensão facial” (r=0,76) e os itens em que a correlação foi

30

regular foram a frequência cardíaca (r=0,46) e a pressão arterial (r=0,35). Através da

análise fatorial concluíram que existe claramente uma solução a dois factores,

havendo duas dimensões da dor, uma comportamental e outra fisiológica.

No seguimento do estudo de van Dijk et al (2000), Ista et al (2005) procuraram

compreender se as variáveis fisiológicas são realmente importantes na avaliação da

sedação da criança, através da escala COMFORT e posteriormente procuraram

indagar sobre quais pontos poderiam ser retirados da escala COMFORT, de forma a

restringi-la apenas às questões comportamentais (passando a ser denominada por

escala COMFORT-B).

Este estudo teve uma amostra de 78 crianças, tendo sido feitas no total 843

observações, a média de idade foi de 17 meses. A pontuação da Escala COMFORT-B

variou entre 6 e 30, sendo que a pontuação ≥ 17 é indicativa para necessidade de

intervenção para a dor. A validação da escala foi feita para crianças submetidas a

cirurgia e em crianças que se encontrassem internadas em UCI, tendo sido

correlacionada a escala COMFORT com a escala NISS (Nurse Interpretation of

Sedation Score). Os resultados obtidos indicavam uma consistência interna aceitável

(α= 0,78) que subiu para boa (α= 0,84) quando foram excluídos os parâmetros

fisiológicos pressão arterial e frequência cardíaca). O indicador que melhor se

correlacionou com o total da escala foi o “movimentos físicos” (0,71) e o que menos

contribuiu para a consistência interna foi o “pressão arterial” (α se item eliminado =

0,80).

Amoretti et al (2008) realizaram um estudo com o intuito de validar a escala

COMFORT-B para a realidade cultural brasileira. Deste estudo resultou um coeficiente

de correlação interclasse de 0,90, uma consistência interna excelente (α= 0,81 e α=

0,92 para observador A e B respectivamente). Na análise da validade da escala, o

coeficiente de correlação de Spearman foi de 0,86 para o observador A e de 0,91 para

o observador B.

Johansson e Kokinsky (2009) elaboraram um estudo com a finalidade de realizar a

validação cultural das escalas COMFORT-B e FLACC para a realidade cultural sueca

e avaliar as propriedades psicométricas das escalas, correlacionando-as com as

escalas EVA e NISS. As autoras realizaram um estudo observacional prospectivo para

avaliar crianças entubadas e ventilados, com idade compreendida entre 0-10 anos,

internados em UCI para cuidados pós-operatórios diversos como cirurgia cardíaca e

cirurgia para outras malformações congénitas, essencialmente gastrointestinais. Neste

31

estudo foram excluídas crianças com deficiência física e mental grave, bem como as

crianças que receberam qualquer tipo de bloqueadores neuromusculares.

No total, foram obtidas 119 observações simultâneas de COMFORT- B e FLACC em

40 crianças, sendo que média de idades foi de 4 meses (0-108 meses) com apenas

cinco crianças com mais de 1 ano.

No que concerne à validade de critério, a correlação entre a escala COMFORT-B e a

EVA foi moderada (0,57) e elevada com a FLACC (0,76). A concordância entre

observadores avaliada pelo coeficiente de correlação kappa, para as pontuações totais

COMFORT- B foi de 0,71. Os valores de kappa variaram entre 0,43 (tónus muscular) e

0,78 (resposta respiratória) e 0,51 (Movimentos Físicos) para os itens da COMFORT-

B

Valkenburg et al (2011) procuraram indagar se as propriedades psicométricas da

escala COMFORT-B poderiam ser válidas para crianças com Sindrome de Down, com

idades compreendidas entre os 0 meses e os 3 anos. Foi selecionada uma amostra

constituída por 76 portadoras de Síndrome de Down e 466 sem Síndrome de Down.

No total, 46.8% das crianças no grupo de controlo estavam ventiladas mecanicamente

contra 73.3% no grupo das crianças portadoras de Sindrome de Down. No total, foram

feitas 1163 observações das crianças com Síndrome de Down e 6275 observações

das crianças que fazem parte do grupo de controlo, tendo sido observadas diferenças

significativas em quatro itens: “Choro”, “Movimentos físicos”, “Tensão Facial” e “Tónus

Muscular”, que foram significativamente diferentes entre os dois grupos.

Os autores referem que devem ser elaborados estudos mais precisos sobre as

características do choro da criança com Síndrome de Down. No que concerne à

questão do “tónus muscular”, é reportado que as crianças com Síndrome de Down

apresentam um tónus muscular mais flácido, sendo que desta forma a pontuação para

o grupo de crianças com Síndrome de Down era mais baixa. Esta diferença de valores

pode ser explicada pelo facto de que, a avaliação do tónus muscular é feito através da

elevação da perna ou do braço da criança, ao passo que nas crianças com Síndrome

de Down o avaliador faz apenas uma avaliação global da hipotonia. Apesar destas

limitações, os autores consideram esta escala válida para crianças com Síndrome de

Down com idades compreendidas entre os 0 meses e os 3 anos.

Bai et al (2012) validaram a escala COMFORT-B correlacionando-a com as escalas

EVA e FLACC. Para realizarem este procedimento, os autores consideram que a

avaliação padrão da dor, requer a avaliação rotineira dos parâmetros vitais a cada 3 a

32

6 horas. O investigador avalia o nível de dor da criança com recurso à EVA, à

COMFORT-B e à FLACC, em simultâneo e em intervalos de duas horas.

Para a análise estatística deste estudo, as variáveis independentes incluíam a

administração de analgésicos), de relaxantes musculares, duração da ventilação

mecânica, administração de sedativos, natureza do procedimento cirúrgico (eletivo ou

paliativo), lesões cardíacas congénitas. A amostra deste estudo era 170 crianças (98

do sexo masculino e 72 do sexo feminino), tendo sido realizadas 2815 observações.

Destas, 135 crianças foram observadas dezoito vezes (seis observações em 3 dias) e

35 crianças foram observadas onze vezes (no pós operatório imediato e no 1.º dia de

pós operatório). Face às observações realizadas a gestão analgésica incluiu a

administração de opióides em 55.9% (morfina em 20% e sufentanil 35.9%) e

diclofenac de sódio (12.5 mg em 14.7%), a administração de relaxantes musculares

que ocorreu em 237 das observações realizadas. 12 observações foram realizadas

com trinta minutos de relaxante muscular, 102 com 30 a 60 minutos de relaxante

muscular e 123 após 60 minutos.

A escala COMFORT-B obteve uma correlação moderada com a escala FLACC (r=

0,51) e baixa com a EVA (r= 0,31).

Os autores referem que várias limitações devem ser abordadas. O tamanho da

amostra, porém, foi grande o suficiente para permitir conclusões válidas. Uma

limitação adicional está relacionada com o facto de que os factores ambientais (por

exemplo, o ruído, a luz) não foram controlados e que procedimentos invasivos não

planeados (por exemplo, aspiração de secreções ou nebulização) foram realizados

durante a colheita de dados. Este estudo não foi capaz de avaliar a dor e estado

sedativo antes e depois da administração de doses de analgésicos ou sedativos, o que

era uma limitação para determinar a sensibilidade dos instrumentos para a mudança

do estado de dor.

Assim e em suma, a escala de dor COMFORT-B permite a avaliação da dor em

crianças ventiladas e não ventiladas, podendo ser aplicada a todas as crianças,

excepção feita às que apresentam um período de pós operatório inferior a 3 horas,

politraumatizados com menos de 72 horas de evolução, imobilidade por tetraplegia,

alterações do tónus muscular e disfunção neurológica severa, prematuros e crianças

sob efeito de curarizantes (tempo de administração de curarizante inferior a 1 hora).

Dos estudos anteriormente realizados, pareceu-nos que a escala COMFORT-B

permite de forma válida e fiável avaliar a dor em crianças dos 0 aos 18 anos, com

33

incapacidade de auto-relato e sob Cuidados Intensivos, submetidas ou não ventilação

mecânica.

A existência de uma versão culturalmente adaptada da escala COMFORT – B cuja

validade e confiabilidade sejam devidamente estudadas na população portuguesa

poderá ser útil para a realização de estudos epidemiológicos e clínicos sobre a dor em

crianças internadas em UCI.

34

35

PARTE II – CONTRIBUIÇÃO PESSOAL

36

37

1. METODOLOGIA

1.1. TRADUÇÃO E VALIDAÇÃO CULTURAL E LINGUÍSTICA DA ESCALA DE DOR

COMFORT-B

Após autorização dos autores, procedeu-se à tradução da escala COMFORT-B por

duas tradutoras (português nativo) de forma independente. Com base nas duas

traduções foi convocado um painel composto por 5 elementos (três peritos em

cuidados a crianças e dois professores de enfermagem peritos em avaliação de dor),

que validaram semântica e culturalmente a tradução, sendo as decisões tomadas por

consenso. A versão de consenso foi retrovertida para o Inglês, de forma independente

por duas tradutoras (Inglês Nativo) e um novo painel composto pelos mesmos

elementos, concebeu uma versão de consenso que foi comparada com a versão

original para se obter equivalência. Nenhum dos tradutores tinha formação médica ou

de enfermagem (Figura 1)

Figura 1: Fluxograma da metodologia de validação cultural e semântica

38

A análise incidiu sobre a equivalência cultural e semântica dos conceitos, sua

relevância para os profissionais de saúde e coerência gramatical. Houve necessidade

de gerar consenso em relação ao termo do item sono leve: “mostly”, traduzido por

“quase sempre”, ao termo do item calma “appears”, traduzido por “apresenta-se”. Com

base na relevância para os profissionais de saúde o sub-item “spontaneous and

ventilator respiration” do item “resposta respiratória” foi adaptado como “em respiração

espontânea e ventilatória”.

1.2. PROPRIEDADES PSICOMÉTRICAS DA ESCALA DE DOR COMFORT-B

Na segunda fase do estudo procurámos avaliar as propriedades psicométricas

(validade e fiabilidade) da escala de dor COMFORT – B em crianças internadas em

UCI (ventiladas ou não ventiladas mecanicamente).

Participaram na colheita de dados enfermeiros que exercem actividade profissional em

UCI com formação em dor. Foram feitas aplicações experimentais e convocada uma

reunião para análise das dificuldades e das dúvidas.

Surgiram dúvidas na definição de ansiedade na criança. Por consenso, a avaliação da

ansiedade da criança no item calma-agitação, foi considerada sempre que a criança

apresentasse algum dos seguintes sintomas: hipotonia, pele pálida, sudurese,

taquicardia, pupilas dilatadas, ausência de tranquilidade, agitação e tensão

generalizada.

No item resposta respiratória, houve a necessidade de maior clarificação no item “sem

respiração espontânea”, em que foi passado a avaliar como respiração controlada por

ventilador e o item “em respiração espontânea e ventilatória”, que foi avaliada como

respiração assistida pelo ventilador.

A colheita de dados ocorreu entre Janeiro e Maio de 2014 e envolveu 85 crianças de

uma forma aleatória acidental (Fortin, 2009), tendo em conta a disponibilidade dos

enfermeiros. Foram excluídas crianças cujo tempo de pós-operatório fosse inferior a 3

horas, politraumatizados com menos de 72 horas de evolução, crianças com

alterações do tónus muscular, com disfunções neurológicas severas, com imobilidade

por tetraplegia, curarizadas (tempo de administração de curarizante inferior a 1 hora) e

RN prematuros. O tamanho da amostra teve em conta as recomendações para

39

prossecução da análise factorial de componentes principais com um mínimo de 70

observações (Hair et al, 1998).

A escala foi aplicada de forma simultânea e independente por dois observadores.

Antes da aplicação da escala a criança foi observada por um período de 2 minutos,

finalizando a observação com um pequeno toque para indagar o grau de tonicidade

muscular. Um terceiro observador avaliou a mesma criança aplicando a escala: EDIN

se criança com idade inferior a 1 ano, FLACC se a idade das crianças fosse

compreendida entre o 1 e os 6 anos (se as crianças com idade> 6 anos não

conseguissem fazer autoavaliação independentemente da idade utilizou-se a FLACC)

e EVA para todas as crianças com idade ≥ 6 anos.

O estudo foi aprovado pelo Conselho de Administração e Comissão de Ética do Centro

Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC) e Comissão de Ética da Unidade de

Investigação em Ciência da Saúde – Enfermagem (UICISA-E). Uma vez que os dados

recolhidos resultaram da observação de comportamentos de crianças, sendo esta

intervenção inócua e fazendo parte dos cuidados diários, atendeu-se à doutrina do

consentimento informado no que se refere ao consentimento presumido e aos

princípios éticos e deontológicos que regem a actividade profissional dos enfermeiros.

Os resultados foram processados e analisados pelo Software Statistical Package for

the Social Sciences (SPSS) para Windows®, versão 17.0

Os dados foram introduzidos na base de dados, corrigidos e analisados quanto à

assunção da normalidade através do teste Kolmogorov-Smirnov e histograma, tendo-

se verificado que nenhuma variável assumiu a distribuição normal.

A análise descritiva das variáveis foi feita através de frequências absolutas e relativas

e as contínuas pelas medidas de localização mínimo, máximo e mediana. A avaliação

da validade de constructo foi feita pela análise dos componentes principais com a

rotação de Varimax. O teste de Keiser-Meyer-Olkin (KMO) foi usado para aferir a

prossecução da análise factorial, tendo-se apurado um valor de 0,886 para as crianças

ventiladas e de 0,782 para as crianças não ventiladas.

Para o coeficiente de correlação de Spearman, a correlação considera-se muito fraca

quando r=0 e r ≤ 0,19; fraca: r> 0,20 e r ≤0,39; moderada: r> 0,40 e r ≤0,59; forte: r>

0,60 e r ≤0,79; muito forte r> 0,80 e r=1. (Marouco, 2007).

Para a análise da fiabilidade, recorreu-se ao cálculo da consistência interna e

concordância inter-observadores. Considerou-se uma consistência interna aceitável

40

para um valor de α de Cronbach ≥ 0.7, boa ≥ 0.8 e excelente ≥ 0.9 (George e

Mallery, 2003). A concordância entre os dois observadores foi avaliada através do

coeficiente de Kappa de Cohen para as variáveis ordinais. Os valores entre 0.41 e

0.60 são considerados moderados, entre 0.61 e 0.80 substanciais e entre 0.81 e 1.0

excelentes (Lyndis e Koch, 1977). O Coeficiente de Correlação Interclasse (ICC) foi

usado para verificar a concordância entre observadores relativamente à pontuação

total da escala. Admitiu-se uma boa concordância para valores superiores a 0.75

(Kramer e Feinstein, 1981).

41

2. RESULTADOS

2.1. DADOS DEMOGRÁFICOS E CLÍNICOS

Relativamente aos dados demográficos e clínicos (Tabela 1), para as crianças

ventiladas a amostra foi de 31 (36,5%) crianças sendo 24 (77,4%) do sexo masculino.

Um dos principais motivos de internamento foram as afeções do sistema respiratório,

17 (54,8%). Foram submetidas a cirurgia 9 (29%) crianças com uma mediana de 2

dias de pós-operatório, variando entre 1 e 3 dias. No momento da avaliação 10

(32,3%) crianças estavam sob o efeito de analgésicos, 15 (48,4%) estavam sob o

efeito de sedativos e nenhuma criança estava sob efeito de anticonvulsivantes. Ainda

no momento da avaliação 18 (58,1%) crianças estavam em repouso.

A amostra de crianças não ventiladas, foi de 54 (63,5%) crianças, com idades

medianas de 5 meses e meio, sendo que 32 (59,3%) eram do sexo masculino. O

principal motivo de internamento prendia-se com os quadros patológicos do sistema

respiratório, 22 (40,7%) crianças. 8 (14,7%) das crianças foram submetidas a cirurgia,

com uma mediana de 2 dias pós operatório. No momento da avaliação 14 (25,9%)

crianças estavam sob efeito de medicação analgésica, 5 (9,3%) estavam sob efeito de

medicação sedativa e 1 (1,9%) estava sob efeito de medicação anti-convulsivante.

Ainda no momento de observação 31 (57,4%) das crianças estavam em repouso

absoluto.

42

Tabela 1: Dados demográficos e clínicos

Ventilados Não

Ventilados

Dados demográficos e clínicos n= 31 n=54

Idade (meses) [mediana (min-max)] 12 (2-100 5,5 (0,5-34,5)

Sexo masculino [número (%)] 24 (77,4) 32 (59,3)

Motivo de Internamento [número (%)]

Grande queimado 1 (3,2) 4 (7,4)

Patologia Cardíaca 2 (6,5) 5 (9,3)

Patologia Gastrointestinal 3 (9,7) 4 (7,4)

Patologia Sistema Nervoso 5 (16,1) 6 (11,1)

Patologia Sistema Respiratório 17 (54,8) 22 (40,7)

Sépsis e choque Séptico 2 (6,5) 1 (1,9)

Patologia Cardíaca 2 (6,5) 1 (1,9)

Patologia Hematológica - 1 (1,9)

Patologia Musculo-Esquelética - 4 (7,4)

Patologia Renal - 3 (5,6)

Outros - 4 (7,4)

Intervenção Cirúrgica [número (%)] 9 (29) 8 (14,7)

Dias de Pós-operatório [número (mediana: min-

max)]

2 (3,25-1) 2 (2-1)

Medicação [número (%)]

Analgésica 10 (32,3) 14 (25,9)

Sedativa 15 (48,4) 5 (9,3)

Anticonvulsivante - 1 (1,9)

Estado da criança: repouso {número (%)] 18 (58,1) 31 (57,4)

43

2.2. VALIDADE DIVERGENTE

Para as crianças ventiladas que se encontravam em repouso, os valor médio

encontrado para o observador 1 foi de 9,8 (desvio padrão de 2,7) e a mediana foi de

10 (valor mínimo de 6 e máximo de 17). Para o observador 2, a pontuação média foi

de 9,9 (com um desvio padrão de 3,2) e a mediana foi de 9 (com valores mínimos de 6

e máximos de 21). Quando as crianças ventiladas se encontravam em manipulação, o

valor médio para o observador 1 foi de 14,4 (desvio padrão de 4,8) e a mediana foi de

14 (com mínimo de 6 e máximo de 23). Para o observador 2 a pontuação média foi de

14,5 (desvio padrão de 5,1) e mediana foi de 14 (mínimo de 10 e máximo de 19).

Para as crianças não ventiladas que se encontravam em repouso, os valor médio

encontrado para o observador 1 foi de 12,3 (desvio padrão de 3,7) e a mediana foi de

13 (valor mínimo de 6 e máximo de 26). Para o observador 2, a pontuação média foi

de 16,6 (com um desvio padrão de 3,5) e a mediana foi de 13 (com valores mínimos

de 6 e máximos de 26). Quando as crianças não ventiladas se encontravam em

manipulação, o valor médio para o observador 1 foi de 16,1 (desvio padrão de 4,6) e a

mediana foi de 15 (com mínimo de 6 e máximo de 27). Para o observador 2 a

pontuação média foi de 16,1 (desvio padrão de 4,6) e mediana foi de 14 (mínimo de 6

e máximo de 26).

Tabela 2: Validade Divergente

COMFORT- B VENTILADOS

Repouso Manipulação p

Observador 1 9,8 (2,7);

10 (6-17)

14,4 (4,8);

14 (6-23) <0,001

Observador 2 9,9 (3,2);

9 (6-21)

14,5 (5,1);

14 (10-19) <0,001

COMFORT- B NÃO -VENTILADOS

Repouso Manipulação p

Observador 1 12,3 (3,7);

13 (6-26)

16,1 (4,5);

15 (6-27) <0,001

Observador 2 16,6 (3,5);

13 (6-26)

16,1 (4,6);

14 (6-26) <0,001

44

2.3. VALIDADE DE CONSTRUTO

Da análise dos componentes principais para as crianças ventiladas, emergiu a solução

a um factor, com valor próprio superior a 1 (valor próprio = 4,17), e que explica 69,5%

da variância para o observador 1 e 72,7% para o observador 2 (valor próprio = 4,36).

Os movimentos físicos foi o indicador com maior peso factorial para ambos

observadores (0,929 e 0,927). Para as crianças não ventilados emergiu igualmente a

solução a um factor com valor próprio superior a 1 (valor próprio = 3,83), e que explica

63,9% da variância para o observador 1 e 60,7% para o observador 2. A tensão facial

foi o indicador com maior peso fatorial para o observador 1 (0,881) e o choro foi o

indicador com maior peso fatorial para o observador 2 (0,865).

Tabela 3: Análise fatorial por observador

Itens Observador 1 Observador 2

COMFORT-B

(Ventilados)

Alerta 0,820 0,839

Calma – Agitação 8,823 0,873

Resposta

Respiratória

0,708 0,802

Movimentos Físicos 0,929 0,927

Tónus Muscular 0,865 0,838

Tensão Facial 0,841 0,830

Valor próprio 4,168 4,360

Variância explicada 69,5% 72,7%

COMFORT-B

(Não

Ventilados)

Alerta 0,616 0,604

Calma – Agitação 0,835 0,825

Choro 0,853 0,865

Movimentos Físicos 0,844 0,813

Tónus Muscular 0,736 0,711

Tensão Facial 0,881 0,824

Valor próprio 3,83 3,64

Variância explicada 63,9% 60,7%

45

2.4. CORRELAÇÃO ENTRE AS ESCALAS

Para as crianças ventiladas a correlação entre a escala COMFORT – B e a escala

EDIN foi de r=0,72 e r=0,80 e com a escala FLACC foi de 0,81 e 0,82 para o

observador 1 e para o observador 2, respectivamente.

Para as crianças não ventiladas, a correlação da escala COMFORT – B e a escala

EDIN foi de 0,68 e 0,66 para o observador 1 e o observador 2, com a escala FLACC

foi de 0,73 para ambos observadores e com a EVA teve uma correlação negativa de

0,61 para ambos observadores.

Tabela 4: Correlação entre a escala COMFORT - B e as escalas EDIN, FLACC e EVA (Spearman)

COMFORT – B VENTILADOS

COMFORT – B NÃO VENTILADOS

Observador 1

Observador 2

Observador 1

Observador 2

EDIN 0,72 (n=51)

0,80 (n=51)

0,68 (n=68)

0,66 (n=68)

FLACC 0,81 (n=51)

0,82 (n=51)

0,73 (n=32)

0,73 (n=32)

EVA - - -0,61 (n=10)

-0,61 (n=10)

2.5. CONSISTÊNCIA INTERNA

Para as crianças ventiladas, a escala apresentou uma consistência interna com um α

de Cronbach de 0,90 para o observador 1 e de 0,92 para o observador 2. Para ambos

observadores, o indicador “movimentos fisícos” foi o melhor que se correlacionou com

o total da escala (0,88 e 0,89) e o que mais contribuiu para a sua consistência interna

(0,86 e 0,89). Para as crianças não ventiladas, a escala apresentou uma consistência

interna com um α de Chronbach de 0,87 para o observador 1 e de 0,88 para o

observador 2. Para o observador 1, o indicador “movimentos físicos” foi o que melhor

se correlacionou com o total da escala (0,79) e o que mais contribuiu para a sua

consistência interna (0,82). Para o observador 2 o indicador “choro” foi o que melhor

se correlacionou com o total da escala (0,75) e o que mais contribuiu para a sua

consistência interna (0,81).

46

Tabela 5: Consistência Interna por observador

Observador Item α α se item eliminado

Correlação Item-Total

COMFORT- B

VENTILADOS

0,90

1

Alerta 0,89 0,75

Calma –

Agitação

0,89 0,72

Resposta

Respiratória

0,90 0,58

Movimentos

Físicos

0,86 0,88

Tónus Muscular 0,87 0,79

Tensão Facial 0,88 0,75

0,92

2

Alerta 0,91 0,77

Calma –

Agitação

0,90 0,81

Resposta

Respiratória

0,91 0,71

Movimentos

Físicos

0,89 0,89

Tónus Muscular 0,91 0,77

Tensão Facial 0,91 0,75

COMFORT B

NÃO

VENTILADOS

0,87

1

Alerta 0,88 0,51

Calma –

Agitação

0,84 0,71

Choro 0,83 0,73

Movimentos

Físicos

0,82 0,79

Tónus Muscular 0,87 0,62

Tensão Facial 0,84 0,78

0,88

2

Alerta 0,87 0,49

Calma –

Agitação

0,82 0,70

Choro 0,81 0,75

Movimentos

Físicos

0,82 0,73

Tónus Muscular 0,85 0,59

Tensão Facial 0,82 0,71

47

2.6. CONCORDÂNCIA ENTRE OBSERVAÇÕES

Para as crianças ventiladas, a percentagem de acordos item a item entre as duas

observações variou entre os 82,4% no tónus muscular e os 91,2% no alerta e na

resposta respiratória. O nível de concordância avaliado pelo coeficiente Kappa de

Cohen variou entre 0,73 no tónus muscular e os 0,88 no alerta. Relativamente à

concordância entre as pontuações totais nas duas observações, o ICC foi de 0,97 (Int.

Conf. 95%: 0,96-0,98).

Para as crianças não ventiladas, a percentagem de acordos item a item entre as duas

observações variou entre os 80,9% nos movimentos físicos e os 90% no alerta. O

nível de concordância avaliado pelo coeficiente Kappa de Cohen variou entre 0,70 no

tónus muscular e os 0,84 no alerta. Relativamente à concordância entre as

pontuações totais nas duas observações, o ICC foi de 0,97 (Int. Conf. 95%: 0,96-0,98).

Tabela 6: Concordância entre observações

Acordos (%) Kappa ICC (IC 95%)

COMFORT-B

Ventilados

Alerta 91,2 0,88 0,97 (0,96-0,80)

Calma –

Agitação 89,2 0,74

Resposta

Respiratória 91,2 0,79

Movimentos

Físicos 83,3 0,74

Tónus Muscular 82,4 0,73

Tensão Facial 90,2 0,78

COMFORT-B

Não Ventilados

Alerta 90,0 0,84 0,97 (0,96-0,80)

Calma –

Agitação 89,1 0,75

Choro 89,8 0,77

Movimentos

Físicos 80,9 0,72

Tónus Muscular 86,4 0,70

Tensão Facial 84,5 0,71

48

49

3. DISCUSSÃO

O objetivo deste estudo foi adaptar semântica e culturalmente para a língua

portuguesa (Portugal) a escala de dor COMFORT – B (van Dijk et al, 2005) e avaliar

as suas propriedades psicométricas (validade e fiabilidade) em crianças internadas em

UCI (ventiladas ou não ventiladas mecanicamente).

O processo de validação foi fácil de obter, tendo surgido apenas a necessidade de

obter consensos apenas em relação a quatro termos. A escala de dor COMFORT – B

revelou-se válida, ao apresentar um factor em ambos observadores que explicam uma

variância total entre 69,7% e 72,7% para as crianças ventiladas e de 60,7% e 63,9%

para as crianças não ventiladas.

A escala apresentou uma consistência interna excelente para as crianças ventiladas (α

= 0,90 para o observador 1 e α = 0,92 para o observador 2) (George e Mallery, 2003).

Estes resultados coincidem com estudos de outros autores (Ambuel et al, 1992; van

Dijk et al, 2000; Carnavale e Razack, 2007; Amoretti et al, 2008; Valkenburg et al,

2011). A existência deste valor designa a concordância excelente de todos os

enunciados individuais que constituem o instrumento de medida COMFORT – B,

havendo preservação da coerência e a integração de todos os itens que a compõem.

Para as crianças não ventiladas a escala apresentou uma consistência interna boa (α

= 0,87 para o observador 1 e α = 0,88 para o observador 2) (George e Mallery, 2003).

Não existem outros estudos realizados em crianças não ventiladas que permitam

estabelecer uma comparação.

No caso das crianças ventiladas, o item que mais contribuiu para a consistência

interna foi o item “movimentos físicos”, bem como o que melhor se correlacionou com

o total da escala, o que demonstra a importância deste item na avaliação da dor nas

crianças. Este resultado já havido sido evidenciado nos estudos de Carnevale e

Razack (2002) e Ista et al (2005), podendo este valor estar condicionado pela

medicação sedativa a que as crianças estavam submetidas no momento da

observação. Nas crianças não ventiladas e para o observador 1 o item “movimentos

50

físicos” foi o que melhor se correlacionou com o total da escala, embora para o

observador 2 tenha sido o item choro. Não existem estudos anteriores que permitam

comparar estes valores para crianças não ventiladas, uma vez que os estudos

anteriores privilegiaram a avaliação de crianças ventiladas.

No que concerne aos níveis de concordância entre observadores, para as crianças

ventiladas são considerados substanciais para todos os itens, excepção feita para o

item “alerta” em que o nível de concordância é considerado excelente (kappa= 0,88).

Os resultados são idênticos para as crianças não ventiladas (kappa = 0,84). No estudo

de van Dijk et al (2000) é também o item “alerta” em que o nível de concordância é

maior, apesar de no estudo desta autora os valores serem considerados moderados.

No que respeita ao item em que a concordância foi mais baixa, quer para as crianças

ventiladas e para as crianças não ventiladas foi o item ”tónus muscular em que se

verificou uma concordância entre observadores mais baixa (K = 0,73 para as crianças

ventiladas e k= 0,70 para as crianças não ventiladas). Estes resultados demonstram

que os enfermeiros têm maior concordância na identificação dos comportamento de

dor associados ao item “alerta” e menor concordância na identificação dos

comportamentos de dor associados aos item “tónus muscular”. No estudo de van Dijk

et al (2000), o item em que a concordância foi mais baixa foi a “resposta respiratória”,

sendo que a autora enfatiza a necessidade de um melhor treino por parte dos

observadores para a avaliação destes parâmetros.

Quando é avaliado o coeficiente de correlação de Spearman, para as crianças

ventiladas, usando a escala EDIN, a correlação é dita forte para o observador 1

(r=0,72) e muito forte para o observador 2 (r=0,80). A correlação entre a escala

COMFORT – B e a escala FLACC é dita muito forte para ambos observadores (r=0,81

e r=0,82, respectivamente). Para as crianças não ventiladas, a correlação entre a

escala COMFORT – B e as escalas EDIN, FLACC e EVA é dita forte para ambos

observadores. Todavia o valor do coeficiente de correlação é negativo para a escala

EVA. Acontece uma correlação negativa dado que usámos um teste não paramétrico

que avalia o ordenamento e não os valores da escala. Por outro o valor da amostra é

muito baixo, pelo que não permite qualquer inferência.

Quando comparadas as pontuações médias e medianas da escala COMFORT – B

encontramos diferenças significativas em relação ao estado de repouso e de

manipulação, quer para as crianças ventiladas, quer para as crianças não ventiladas,

existindo um aumento das pontuações médias quando as crianças foram submetidas a

algum tipo de manipulação (cuidados de higiene, posicionamento ou procedimento

51

potencialmente traumático). Este aumento nas pontuações traduz um aumento da do

e do desconforto na criança e como tal demonstra sensibilidade na utilização da

escala.

A escala de dor COMFORT – B apesar de válida e reprodutível requer a realização de

mais estudos. A escala COMFORT – B não é consensual na sua definição; pode ser

definida como escala de dor (van Dijk et al, 2000), escala de stress (Ambuel et al,

1992) e escala de sedação (Amoretti et al, 2008; Ista et al, 2005; Bai et al, 2012).

Existem algumas limitações no nosso estudo, desde logo o fato da amostra ser algo

homogénea, com predomínio de crianças com patologia do foro respiratório. Para

além disso, nas crianças ventiladas, havia um número significativo que estava

submetida a medicação analgésica ou sedativa, o que poderia comprometer de

alguma forma os resultados. No que concerne á amostra, foi mais reduzida quando

comparada com outros estudos (van Dijk et al, 2000;2001; Valkenburg et al, 2012; Bai

et al, 2012), mas existem estudos com amostras de dimensões mais reduzidas

(Ambuel et al, 1992; Brunow de Carvalho et al, 1999; Carnavale e Razack, 2002; Ista

et al, 2005; Kusahara et al, 2005; Grap et al, 2005; Johansson e Kokinsky, 2009). No

que diz respeito às observações, o número de observações efectuado no estudo

também foi significativamente mais baixo do que em outros estudos (Marx et al, 1994;

van Dijk, 2000; Carnavale e Razack, 2002; Ista et al, 2005; Boerlage et al, 2012, Bai et

al, 2012).

Relativamente às crianças com Sindrome de Down, não foi encontrada nenhuma

durante a colheita de dados. O simples facto de serem portadoras de Síndrome de

Down não constitui um critério de exclusão, conforme evidencia Valkenburg et al

(2011). A única condicionante encontra-se na avaliação do tónus muscular, em que os

autores propõem uma avaliação geral da tonicidade da criança.

Existem outras limitações no estudo, como a incapacidade de controlar varáveis como

a luz e o ruído e que poderiam ter influência no estado de conforto da criança no

momento da observação. Para além disso, o facto de a amostra ser aleatória

consecutiva por disponibilidade dos enfermeiros pode não ser representativa das

crianças internadas em UCI.

Existe a necessidade de indagar a utilidade clínica da escala COMFORT – B, sendo

que este trabalho poderá ser realizado num estudo posterior.

52

53

CONCLUSÃO

A escala de dor COMFORT – B apresenta boas propriedades psicométricas de

validade, consistência interna e reprodutibilidade apropriados para crianças ventiladas

e não ventiladas, dos 0 aos 18 anos.

Todavia requerem-se outros estudos para avaliar a validade e a fiabilidade da escala

numa população mais heterogénea e representativa das situações mais comuns em

UCI, em amostras de maiores dimensões, bem como outros estudos que envolvam um

número de observações maior.

A escala apresenta características muito distintas das características das escalas que

são habitualmente utilizadas nos serviços de pediatria, daí que tenham surgido

algumas dúvidas e inquietações iniciais. Todavia, com a prática e do contacto

progressivo surgiu maior empatia e a sua aplicabilidade tornou-se mais simples e fácil.

A versão Portuguesa da escala de dor COMFORT – B revelou-se válida, ao

apresentar uma variância explicada a um fator de 69,5% e 72,5% para crianças

ventiladas e de 63,9% e 60,7% para crianças não ventiladas. Apresentou uma

consistência interna excelente (α de cronbach de 0,90 e 0,92 para as crianças

ventiladas e de 0,87 e 0,88 para as crianças não ventiladas) e é fiável (apresenta um

kappa médio de 0,.957 – 0,980; ICC = 0,971 para as crianças ventiladas e um kappa

médio de 0,960 – 0,981; ICC = 0,972 para as crianças não ventiladas). Apresentou

valores de correlação fortes e muito fortes, quando aplicado o coeficiente de

correlação de Spearman para a correlação com as escalas EDIN, FLACC e EVA. Os

resultados obtidos foram ligeiramente superiores aos obtidos em estudos anteriores.

Este estudo não esteve isento de dificuldades; desde logo no início da aplicação da

escala surgiram dificuldades na definição de critérios de ansiedade na criança.

Posteriormente, já no decurso da aplicação da escala, foi um pouco complicado

conseguir uma amostra de crianças ventiladas que preenchessem

54

critérios de inclusão, uma vez que uma percentagem significativa das crianças

ventiladas eram prematuras ou estavam sob o efeito de curarizantes, limitando assim

as escolhas das crianças para avaliar. A amostra era um pouco homogénea,

apresentando um grande número de crianças com patologia do sistema respiratório e

um número limitado de crianças submetidas a cirurgia. O projecto inicial visava apenas

fazer a avaliação de crianças submetidas a ventilação mecânica, mas uma vez que a

escala tinha a valência de avaliar crianças não ventiladas foi aproveitado esse facto

para realizar um estudo mais abrangente. Outra das limitações encontradas prendeu-

se com o tempo de espera necessário para a aprovação por parte das comissões de

ética da UICISA:E e do CHUC, que de alguma forma retardaram a aplicação das

colheitas de dados. De forma a não aumentar a complexidade do estudo, apenas

foram estudadas as propriedades psicométricas e não foi estudada a utilidade clínica.

A escala COMFORT – B vem dar resposta á ausência de instrumentos de avaliação

de dor em crianças ventiladas para Português de Portugal e é mais uma opção para

avaliação da dor em crianças ventiladas. A sua aplicabilidade trará ganhos em saúde

sensíveis aos cuidados de enfermagem pois acreditamos que através deste

instrumento poder-se-á garantir uma avaliação da dor válida e fidedigna e

consequentemente uma melhor gestão da dor na criança. Está consignado no Código

Deontológico do Enfermeiro o dever moral de actuar com as melhores evidências

científicas que existem, bem como no Regulamento das Competências Específicas do

Enfermeiro Especialista em Saúde da Criança e do Jovem.

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251-261

APÊNDICE

APÊNDICE I

Escala de Dor COMFORT-B

Data/ Hora

Alerta: OBS 1

Profundamente adormecida (olhos fechados, sem resposta a alterações a nível ambiental) 1

Sono leve (olhos quase sempre fechados, respostas ocasionais) 2

Sonolenta (a criança fecha os olhos frequentemente, menos reactiva ao ambiente) 3

Acordada e alerta (criança reactiva ao ambiente) 4

Acordada e hiperalerta (resposta exagerada a estímulos ambientais) 5

Calma – Agitação

Calma (criança apresenta-se serena e tranquila) 1

Ligeiramente ansiosa (criança demonstra ansiedade ligeira) 2

Ansiosa (criança apresenta-se ansiosa mas controlada) 3

Muito ansiosa (criança apresenta-se muito agitada mas ainda é capaz de manter o controlo) 4

Pânico (criança apresenta-se muito aflita, com perda de controlo) 5

Resposta respiratória – Pontuar apenas em crianças que estejam submetidas a ventilação mecânica

Sem respiração espontânea (controlada) 1

Em respiração espontânea e ventilatória (assistida) 2

Inquieta ou resistente ao ventilador 3

Respiração activa contra o ventilador ou tosse regular 4

Luta contra o ventilador 5

Choro – Pontuar apenas em crianças que respiram espontaneamente

Respiração tranquila, sem sons de choro 1

Choro ocasional ou gemido 2

Choramingo (monótono) 3

Choro 4

Gritos 5

Movimentos físicos

Sem movimentos 1

Movimentos leves ocasionais (3 ou menos) 2

Movimentos leves frequentes (mais de 3) 3

Movimentos vigorosos limitados às extremidades 4

Movimentos vigorosos incluindo tronco e a cabeça 5

Tónus muscular

Músculos totalmente relaxados, sem tónus muscular 1

Tónus muscular reduzido, menor resistência que o normal 2

Tónus muscular normal 3

Tónus muscular aumentado e flexão dos dedos das mãos e dos pés 4

Rigidez muscular extrema e flexão dos dedos das mãos e dos pés 5

Tensão facial

Músculos faciais totalmente relaxados 1

Tónus facial normal 2

Tensão evidente em alguns músculos faciais (não mantido) 3

Tensão evidente em todos os músculos faciais (mantido) 4

Músculos faciais contraídos e caretas 5

PONTUAÇÃO TOTAL

APÊNDICE II

FOLHA DE COLHEITA DE DADOS

FOLHA DE COLHEITA DE DADOS DA ESCALA DE DOR COMFORT – B

Cada criança pode ser submetida até 10 avaliações (no máximo de 6 avaliações por dia)

Critérios de Inclusão:

Crianças dos 0 aos 18 anos ventiladas e não ventiladas mecanicamente

Critérios de Exclusão:

Tempo de pós-operatório inferior a 3 horas

Politraumatizados com menos de 72 horas de evolução

Alterações do tónus muscular e disfunções neurológicas severas

Imobilidade por tetraplegia

Efeito de curarizantes (< 1 hora)

Prematuros

NÚMERO DE PROCESSO: ___________________________

Idade: Anos: ______ (meses se idade < 1 ano)

Sexo: Masculino □ Feminino □

Motivo de Internamento/ Diagnóstico: ____________________________________________________

Ventilado: Não□ Sim □

Intervenção Cirúrgica: Não □ Sim □ Dias de Pós Operatório: ___________

Medicação em curso: Não□ Sim □

Analgésico: Não □ Sim□ Qual (is): __________________________________

___________________________________

Sedativo: Não□ Sim□ Qual (is): __________________________________

___________________________________

Anticonvulsivante: Não □ Sim □ Qual (is): __________________________________

___________________________________

Caracterização clínica da criança no momento da avaliação

Em repouso: □

Em mobilização: □

Durante os cuidados de higiene□

Durante ato potencialmente doloroso (punção, execução de penso, algaliação,…) □

ANEXOS

ANEXO I

Autorização do Estudo pela Administração e Comissão de Ética do CHUC, E.P.E.

ANEXO II

Autorização do autor para tradução e aplicação do estudo em Portugal