Curso Direito Agrario - UCG - Milton Inacio Heinen

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    UCG Departamento de Cincias Jurdicas Disciplina: JUR 3401 - DIREITO AGRRIO. Prof.: Milton Incio Heinen

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    Capitulo 1- INTRODUO AO ESTUDO DO DIREITO AGRRIO:

    1. SINOPSE HISTRICA DO DIREITO AGRRIO. 1.1 - Viso geral: A No primeiro perodo do desenvolvimento histrico, o homem se encontrava integrado natureza, sentido-se parte dela, tendo na coleta de frutos a base da sua subsistncia. Num segundo momento, organizado em tribos, visando a sua proteo e sobrevivncia, o homem passou a sentir a necessidade de normas reguladoras da vida em grupos e, consequentemente, em relao ao uso dos bens, em especial a terra. Escritos histricos referentes a Moiss (Bblia), sobre a terra prometida, indicam a existncia de regras relacionadas com o adequado cultivo e aproveitamento da terra. O Declogo de Moiss, relacionado terra, com regras para as 12 tribos. B O Cdigo de Hamurabi, do povo babilnico, que data de 1.690 AC, pode ser considerado o 1 cdigo agrrio da humanidade. Dos 280 pargrafos (artigos), 65 eram dedicados a questes agrrias, como o cultivo, a distribuio e a conservao da terra, alm de regras de proteo a agricultores e pastores, e a proteo do produtor diante de situaes de intempries (no caso de perda da lavoura, o agricultor no pagava juros no ano respectivo e no pagava o credor naquele ano). Alm disso, o referido cdigo traz as primeiras normas de que se tem notcia na histria, correlatas a normas ainda hoje existentes, em relao posse, usucapio (em 2 anos), penhor e indenizao, locao, seguro. C Lei das XII Tbuas (450 AC) Esta norma histrica foi resultante da luta entre patrcios e plebeus. Tambm continha regras de contedo agrrio, entre as quais a proteo ao possuidor e a usucapio. Assim, diversos povos da antigidade (hebreus, judeus e romanos) tambm tinham regras de combate concentrao da terra. Reis romanos foram mortos por tentarem a reforma agrria. No imprio romano = lei licnia, dos irmos Gracco; Jlio Csar (imperador) garantiu terra para cidados pobres e veteranos de guerra. Com isso, visava fortalecer a plebe. Tibrio Gracco, eleito tribuno pela plebe, atravs da Lex Semprnia, em 133 a C, fixou regras sobre reforma agrria e tinha projeto de fixao de limite de terras para cada detentor. Historicamente, percebe-se a preocupao geral com a apropriao da terra apenas em reas necessrias ao uso e explorao ( para a efetiva produo). Agora, com a sociedade mais povoada, a preocupao e as regras deveriam ser mais rigorosas neste sentido. Fase histrica em que ocorre a separao do trabalho manual e intelectual e, ao mesmo tempo, caracteriza-se como um perodo de intensas lutas camponesas.

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    D Civilizao Inca ( Amrica espanhola). Trata-se de uma civilizao que foi praticamente dizimada com o processo de ocupao europeu, ignorando e destruindo tcnicas avanadas de cultivo da terra, entre as quais a irrigao, a conservao e o uso do solo apenas dentro do necessrio, num profundo respeito terra, mesmo porque esta era considerada sagrada e o trabalho era em comum. E Na histria mais recente, as experincias so bastante diversificadas no que diz respeito distribuio e uso da terra, e com diferentes concepes sobre a sua funo social. Na Argentina e no Uruguai foram aprovados cdigos agrrios ainda no final do sculo XIX. No sculo XX, multiplicaram-se as experincias de reforma agrria pelo mundo afora, mesmo que com concepes totalmente diferenciadas. Na Europa o modelo predominante de pequena empresa rural, com forte presena do cooperativismo. Modelo dos EUA e o modelo cubano, com perspectivas bem diferentes. 1.2. No Brasil: A A origem do Direito Agrrio Brasileiro est na primeira legislao sobre terras, a legislao das sesmarias. Trata-se de legislao de Portugal aplicada no Brasil Colnia. A origem da legislao de Sesmarias data de 1.375, quando, em Portugal, visava corrigir as distores no uso das terras, forando os proprietrios a trabalhar a terra, tendo em vista a falta de alimentos na poca. Assim, as terras no aproveitadas seriam confiscadas. A lei Rgia de Dom Fernando, portanto, tentava reverter o quadro de xodo rural existente na poca. O objetivo, como dito, era o aumento da produo, o aproveitamento das terras pelos proprietrios. No Brasil, a utilizao da mesma legislao teve um objetivo bem diferente. Visava a ocupao dos imensos espaos vazios, sendo suporte para a colonizao. Esta lei determinava a colonizao, a moradia habitual e cultura permanente, o estabelecimento de limites e a cobrana de impostos. B O Tratado de Tordesilhas ( 07/06/1494) outra referncia histrica importante para a formao territorial do Brasil. Este tratado, homologado pelo Papa, dividia entre Portugal e Espanha, o direito sobre as terras que fossem descobertas, garantindo a Portugal as terras direita de uma linha imaginria definida a 370 lguas das ilhas de Cabo Verde. C - O territrio brasileiro, no processo de colonizao, foi loteado (em capitalnias) e, por concesses feitas pela Coroa Portuguesa, entregue em grandes reas para os colonizadores, visando principalmente o povoamento e a defesa, sendo Martim Afonso de Souza o 1, em 1531, recebendo rea de 100 lguas de terras, ou seja 660 Km, medidas na costa martima, sem limites para o interior. D - A distribuio de terras, por sesmarias, vigorou no Brasil at 1822, amparado nas ordenaes Afonsinas (1.494), Manuelinas (1.512) e Filipinas (1.603) com a prtica de entrega de extensas reas, a pessoas privilegiadas e, muitas vezes sem condies ou interesse em explorar a terra, o que deu origem ao processo de latifundizao da terra no Brasil. Ainda assim, o

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    sistema garantiu a povoao do interior do Brasil. Alm disso, o sesmeiro tinha a obrigao de cultivar a terra, delimit-la e pagar impostos sobre a rea possuda. Na prtica, porm, isto no se confirmou. A Carta Rgia, garantindo a abertura dos portos brasileiros ao comrcio exterior, em 1.808, foi fato histrico importante. E Em 1.822, com a independncia, deu-se o fim da distribuio de terras por Sesmarias. Entre 1822 e 1850 (posses), tivemos um perodo de maior vazio legal referente propriedade, uso e posse da terra, onde se multiplicaram as posses de fato sobre reas no pertencentes a sesmeiros, de forma indiscriminada e desorganizada sem qualquer controle, seja de pequenas ou grandes reas de terras. Assim surgiram tambm as ocupaes de sobras de sesmarias, resultando em pequenas posses, principalmente nas proximidades dos povoados, vilas e cidades, o que, por sua vez, garantiu o abastecimento local. F - Em 1850 surge a Lei de Terras (Lei 601), tendo como principais objetivos: proibir o domnio sobre as terras devolutas, a no ser pela compra e venda; garantir ttulos aos detentores de sesmarias no confirmadas, garantir ttulos aos detentores de terras por concesso feita no regime anterior; transformar a posse mansa e pacfica anterior lei na aquisio do domnio. O registro das terras passou a ser efetuado no Vigrio ou Registro Paroquial, tendo valor at os dias atuais como prova da posse e no como ttulo de domnio. A partir da a aquisio da terra se fazia por compra e registro. Pela mesma lei foi instituda a ao discriminatria (processo de separao de terras pblicas e particulares, que existe at os dias atuais). Qual importncia da Lei de Terras naquele momento histrico brasileiro.?

    A partir da Lei de terras passamos a ter vrios tipos de terras, a saber:

    - Proprietrios legtimos, com seus direitos oriundos de ttulos de sesmarias cedidas e confirmadas;

    - Possuidores com ttulos de sesmarias, mas sem confirmao ( por inadimplncia); - Possuidores sem ttulo hbil ( posses anteriores lei de terras); - e terras devolutas (devolvidas). G - A Constituio de 1891 transferiu o domnio das terras devolutas aos estados, permitindo a estes legislar sobre impostos e transmisso da propriedade, porm, as terras em faixa de fronteira, na amaznia e no litoral continuaram sendo de domnio federal. H - De 1889 a 1930 a estrutura fundiria brasileira ficou inalterada, com uma massa camponesa pobre e uma minoria aristocrata detentora da maior parte das terras. Isto foi gerando inconformismos e, em conseqncia, o surgimento de projetos de Cdigo Rural. Porm, fato importante neste perodo foi o surgimento do Cdigo Civil, em 1.916, inclusive regulando as relaes jurdicas rurais (posse, contratos agrrios, etc.) I A CF de 1934, referncia histrica importante, tratou da usucapio, da colonizao e da proteo do trabalhador. A CF de 1946, alm da desapropriao por necessidade ou utilidade pblica contemplou, pela primeira vez, a desapropriao por interesse social. Leis especificas (Dec.Lei 3.365/41 e Lei 4.947/66) tratam de desapropriao e de direito agrrio. Porm, a lei regulando a desapropriao por interesse social surgiu apenas em 1.962( Lei n 4.132). Alm disso, outras leis especficas regularam a fauna, florestas, guas, etc.

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    J - Entre 1951 e 1964 surgiram inmeros projetos de Cdigo Rural, de reforma agrria, etc, com inspirao, sobretudo nos cdigos rurais da Argentina e do Uruguai. Em 1962 foi criada a SUPRA (Superintendncia Nac. de R. Agrria). Paralelamente a isso, tivemos experincias de organizao camponesa em diversas regies do pas, o que contribuiu para a acelerao na elaborao de um conjunto de normas reguladoras das relaes atinentes atividade agrria, inclusive atendendo a presses internacionais. No encontro de cpula dos pases da amrica, realizado em Punta Del Este (Uruguai), o Brasil, assim, como outros pases, asssumiram o compromisso de aprovar leis referentes reforma agrria, como estratgia para evitar a organizao da esquerda no campo. dali que surge a nossa legislao agrria. L - A Emenda Constitucional N 10, de 9/11/64, modificou a CF de 46 no seu art. 50, para inserir a competncia da Unio para legislar sobre Direito Agrrio. Desta forma institucionalizou o Direito Agrrio no Brasil, garantindo a sua autonomia legislativa. Em 30/11/64 foi promulgado o Estatuto da Terra (Lei 4.504 - referncia do Direito Agrrio Brasileiro, ficando estruturado como ramo autnomo). M - Dec. 554/69 Regulava o procedimento de desapropriao de terras para fins de reforma agrria. (j revogado). No perodo histrico que se segue, perodo da ditadura militar, apesar da legislao, somente se tratou de colonizao no tocante distribuio da terra N - 1 PNRA - 1984/5 - Governo Sarney. 1 Plano Nacional de Reforma Agrria, que no chegou a ser executado. Era um Decreto que visava dar execuo ao estabelecido no Estatuto da Terra. O - CF/98 - Captulo inteiro sobre a questo agrria. Art. 5, incisos XXII, XXIII, XXIV e XXVI, entre outros; art. 170 = o conceito de justia social foi inserido no contedo da ordem econmica; artigos 184 a 191 - da Poltica Agrria, fundiria e reforma agrria, alm de um captulo referente questo ambiental. P - Leis regulando o Texto Constitucional: Lei 8.171 e 8.174 (leis sobre Poltica Agrcola); Lei 8.257/91 (tratando do confisco de terras que tenham plantao de psicotrpicos, regulando o art. 243 da CF); Lei 8.629/93 e a LC n 76/93 com os seus regulamentos, acrscimos e modificaes posteriores (inclusive por medida provisria) disciplinam vasta matria do Direito Agrrio, ao mesmo tempo que o ET continua em vigor naqueles institutos no modificados pela CF/88 e legislao posterior. Alm disso, a parte especfica referente ao ITR ( Imposto Territorial Rural) foi modificado por lei nova (Lei n 9.393/96) que atualmente regulamenta a matria. Q O Novo Cdigo Civil ( Lei n 10.406/02) Mesmo que de aplicao subsidiria no Direito Agrrio, traz uma orientao nova, sobretudo superando a viso individualista e inserindo em seu contedo a funo social da propriedade e, igualmente, a funo social do contrato. Alm disso, o novo C. Civil repetiu a redao da CF referente usucapio constitucional (de 5 anos, em rea de terra at 50 hectares. Projetos = Novo ET; 2 PNRA; Reajuste dos ndices de produtividade. Perspectivas.

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    2. CONCEITOS DE DIREITO AGRRIO: (e denominao)

    A maioria dos autores (agraristas) apresentam conceitos de Direito Agrrio, de formulao prpria, alm de relacionar uma srie de conceitos de autores nacionais e estrangeiros. Isto demonstra a diversidade de enfoques sob os quais visto o Direito Agrrio. Contudo muitos conceitos so limitados e incompletos, no conseguindo alcanar a amplitude do contedo deste novo e importante ramo do Direito.

    Conceito de Paulo Torminn Borges: Direito Agrrio o conjunto sistemtico de

    normas jurdicas que visam disciplinar as relaes do homem com a terra, tendo em vista o progresso social e econmico do rurcola e o enriquecimento da comunidade. Borges - Institutos Bsicos do D. Agrrio, 11. ed. P. 17).

    Talvez a principal crtica cabvel a esta definio refere-se falta de incluso

    dos princpios de Direito Agrrio. Para o autor, trata-se de conjunto de normas, quando na verdade, tambm os princpios deveriam englobar a definio. Alm disso, as relaes jurdicas se do entre pessoas. H, contudo, entendimento diferenciado segundo o qual os princpios j esto inseridos nas normas. Caberia ento falar em princpios e regras jurdicas.

    Opitz resume o D. Agrrio ao conjunto de normas concernentes ao aproveitamento da terra. Seria somente isso ?

    Conceito de Fernando P. Sodero Direito Agrrio o conjunto de princpios e, de normas, de Direito Pblico e de Direito Privado, que visa a disciplinar as relaes emergentes da atividade rural, com base na funo social da terra. ( SODERO - Direito Agrrio e Reforma Agrria. SP. Leg. Brasileira Ltda, 1968, p 32).

    Quanto a este conceito, cabe ressaltar que a dicotomia entre Direito Pblico e

    Privado est superada pelas regras atuais onde se evidencia a interdependncia Alm disso, o Direito agrrio, em seu contedo, vai alm da regulao da atividade agrria.

    Conceito de Raimundo Laranjeira: Direito Agrrio o conjunto de princpios e

    normas que, visando imprimir funo social terra, regulam relaes afeitas sua pertena e uso, e disciplinam a prtica das exploraes agrrias e da conservao dos recursos naturais. ( Laranjeira - Propedutica do D. Agrrio).

    Nosso conceito: Direito Agrrio o conjunto de princpios e de normas que visam

    disciplinar as relaes jurdicas, econmicas e sociais emergentes das atividades agrrias, as empresas agrrias, a estrutura agrria e a poltica agrria, objetivando alcanar a justia social agrria e o cumprimento da funo social da terra.

    Como se pode observar, os conceitos, em termos gerais, acabam tendo

    seus limites fixados pelo prprio direito positivo agrrio. Contudo, h interesses, dentro da perspectiva do dever ser, que no esto inseridos no ordenamento jurdico oficial. De qualquer forma, cabe ter presente a dinamicidade do Direito, de forma que se trata de um processo de constante construo, onde as verdades de hoje se encontram superadas pela realidade prtica do dia de amanh.

    Quanto denominao da disciplina, questo de menor importncia.

    As denominaes conhecidas para a matria so Direito Agrrio, Direito Agrcola e

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    Dir. Rural. Segundo Laranjeira, as expresses agrrio, agrcola e rural tem origem romana, tendo significado de campo. Contudo, conforme ensina, o agrrio tem sentido mais dinmico, de campo cultivado, dentro dos propsitos do Direito Agrrio e da funo social, razo pela qual seria de mais correta aplicao.

    Apesar da utilizao da expresso Direito Agrrio pela Constituio

    Federal, a nossa legislao acaba utilizando tambm o termo rural. De qualquer forma, no entendimento predominante e em atendimento ao sentido dinmico, entende-se ser mais abrangente o uso da denominao de Direito Agrrio. 3. AUTONOMIA DO DIREITO AGRRIO:

    O que caracteriza a autonomia de um determinado ramo do Direito? A autonomia no pode significar a completa independncia. O Direito Agrrio

    no se rege apenas por normas completamente agrrias. O que caracteriza o ordenamento jurdico atual a sua interdependncia e relao, sob vrios aspectos, com os outros ramos do direito. Ainda assim, alguns elementos caracterizam a autonomia de um determinado ramo do Direito.

    A autonomia de um ramo jurdico se caracteriza sob os aspectos legislativo, cientfico, didtico e jurisdicional.

    3.1. Autonomia Legislativa

    A Emenda Constitucional n0 10, de 09/11/64, garantiu a autonomia legislativa ao autorizar a Unio legislar sobre normas de Direito Agrrio. A partir desta possibilidade, estabeleceu-se um conjunto de normas prprias (um corpo jurdico, mesmo que no exaustivo) de contedo agrrio que o identificam como ramo prprio. Assim, a Lei 4.504 e, posteriormente, a CF e as leis agrrias que regulam os dispositivos constitucionais, so atualmente as principais referncias legislativas do Direito Agrrio e que lhe conferem autonomia neste campo.

    3.2. Autonomia cientfica:

    At o advento da autonomia legislativa vigoravam tambm para a realidade

    agrria, as regras do Direito Civil, apesar das caractersticas prprias das atividades agrrias

    Contudo, a partir de um arcabouo legal prprio e aproveitando-se das

    experincias anteriores, inclusive das referncias legais e doutrinrias de outros pases, construiu-se a autonomia cientfica do Direito Agrrio Brasileiro. Esta autonomia baseia-se, ento, num conjunto de princpios especficos. Diferentes do direito civil e no conjunto de normas a disciplinar as atividades agrrias, a pertena da,terra e a poltica Agrria

    Os princpios do D. Agrrio encontram-se inseridos na legislao agrria

    existente, servindo de norte ao processo legislativo agrrio e efetiva e correta aplicao das leis. (orientam a interpretao das normas).

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    Atualmente, possumos um conjunto, alm da doutrina que tem feito estudo sistematizado do Direito Agrrio, o que lhe garante autonomia cientfica. 3.3. Autonomia didtica:

    Esta caracteriza-se pela existncia de disciplina especfica de Direito Agrrio

    nos estabelecimentos de ensino superior (graduao, ps-graduao), tanto como matria obrigatria ou como complementar e eletiva, de forma que o conjunto de normas e princpios agraristas recebem, desta forma, estudo e divulgao especial como verdadeiro ramo autnomo do Direito. Alm disso, organismos nacionais e internacionais (ONGs) se encarregam do estudo e divulgao da matria jus-agrarista em congressos, seminrios, encontros de professores, etc..

    As obras doutrinrias que vem crescendo em volume e qualidade, por sua vez

    reforam a autonomia didtica e cientfica permitindo o estudo sistematizado da matria.

    3.4. Autonomia jurisdicional = justia agrria. (bom ou ruim?)

    Neste campo, nosso ordenamento jurdico ainda carece de um passo a mais,

    no sentido de estruturar a justia agrria, com estrutura prpria, especializada para as questes agrrias.

    Apesar das propostas apresentadas neste sentido quando da elaborao discusso e aprovao do texto constitucional em vigor no vingou a idia da criao da Justia Agrria. Trata-se de reclamao histrica de muitos agraristas brasileiros e dos movimentos sociais que gravitam em torno da questo da terra.

    O legislador constituinte limitou-se a inserir, no capitulo referente ao poder

    judicirio, o artigo 126 (na parte referente aos Tribunais e Juizes dos Estados), dispondo que: Para dirimir conflitos fundirios, o Tribunal de Justia designar juizes de entrncia especial, com competncia exclusiva para questes agrrias. Parg. nico: Sempre que necessrio eficiente prestao jurisdicional, o juiz far-se- presente no local do litgio. .

    Ainda assim, esta recomendao tem sido muito pouco acatada para inseri-la nas estruturas do poder judicirio nos estados. Estamos, portanto, atrasados em relao a nossos vizinhos (Mxico, Peru, Colmbia e Venezuela). Agora, com a EC n 45, de 08/12/04, o Congresso deu nova redao ao referido artigo 126, assim dispondo: Para dirimir conflitos fundirios, o TJ propor a criao de varas especializadas, com competncia exclusiva para questes agrrias. Como se pode observar, h diferena no contedo. A criao de varas especializadas significa que seus titulares tero a seu dispor uma estrutura prpria para desempenhar sua funo de juiz agrrio. No entanto, a expresso propor, apesar de ser uma determinao, continua vaga e no garante a estruturao destas varas especializadas.

    A idia de uma justia agrria especializada j chegou a fazer parte, seguidas vezes, de anteprojetos de reforma do Poder Judicirio, porm sem sucesso. Sem falar nas tentativas anteriores (1967 e 1969), em 1989, buscou-se detalhar e garantir aplicabilidade ao disposto no art. 126 da CF, para o que foi designada comisso de

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    juristas integrada, entre outros, por Raimundo Laranjeira (relator). A equipe tentou ampliar a idia estabelecida no dispositivo constitucional, visando disciplinar a instalao de varas agrrias nos estados e na Justia Federal, com cmaras ou Turmas especiais nas instncias superiores, tendo atribuies tambm para as questes agroambientais e para os delitos de natureza agrria.

    Na mesma linha, foi apresentada proposta pelo Juiz e professor Dr. Vtor

    Lenza, de Gois, sugerindo a criao dos Juizados Agrrios nos moldes dos juizados especiais cveis e criminais (Lei 9.099/95), com competncia para as questes agrrias, com a simplificao de procedimentos, deslocamento do juiz para o local do conflito. Alm disso, a proposta sugeria a subdiviso do Estado de Gois em 52 micro-regies (circunscries judicirias) e a existncia de um Colegiado Recursal Agrrio, como segunda instncia especializada.

    Tambm, em 95, foi apresentada proposta de Emenda Constitucional n0 47 pelo

    Senador Romero Juc, como proposta mais completa de justia agrria, nos moldes do que j existe em muitos outros pases, criando uma estrutura integral, com Tribunal Superior, Tribunais Regionais, Juizes e Ministrio Pblico especializados. O referido projeto, ao que tudo indica, continua preso na Com. De Constituio e Justia do Senado.

    Apesar da resistncia oficial estruturao da Justia Agrria no Brasil, a

    matria cresce em importncia e o seu contedo se alarga com a incluso de questes agroambientais, tendo desta forma um largo campo de atuao. A legislao ambiental recente tem contribudo na divulgao da conscincia ecolgica. O Ministrio Pblico, tanto estadual como Federal) tem dado passos importantes na sua ao controladora e fiscalizadora das regras agroambientais.

    O Tribunal de Justia do Estado do Amazonas atravs de resoluo 05/97,

    criou a Vara Especializada do Meio Ambiente e Questes Agrrias. A Constituio do referido Estado estabeleceu, de forma mais detalhada, a designao de juizes de entrncia especial para as questes agrrias. J em 93, os poderes legislativo e judicirio do Estado do Amazonas implementaram a norma constitucional (art. 126 da CF), dividindo o Estado em 10 regies, com varas de entrncia especial.

    Em alguns Estados, a exemplo de Minas Gerais, sabe-se da existncia de vara

    especializada da Justia Federal para as questes agrrias. Em alguns estados tambm foram criadas varas agrrias na justia estadual.

    Mais do que criar varas e instncias especializadas na estrutura do poder

    judicirio, necessrio que os juizes cumpram requisitos especficos para a ocupao dos cargos, como a especializao na rea, de forma que conheam a realidade que os cerca, para julgarem com base nos parmetros e mentalidade agrarista, superando a velha prtica de muitos juizes nos dias atuais que, mesmo ante problemas de natureza agrria, com contedo cuja natureza claramente social, os julgam como se estivessem simplesmente lidando com conflitos individuais. H necessidade, portanto, de definir critrios prvios e claros para o acesso ao cargo de juiz agrrio.

    4. CONTEDO/OBJETO DO DIREITO AGRRIO:

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    O objeto do Dir. Agrrio mais do que as atividades agrrias. correto dizer que os fatos jurdicos agrrios (atividade agrria, estrutura agrria, empreendimento agrrio, poltica agrria) geram as relaes jurdicas agrrias, objeto do Dir. Agrrio.

    Para alguns o elemento terra, tambm denominado de ruralidade, seria central na definio do objeto do Direito Agrrio. No entanto, este elemento por si, se torna esttico e foge da dinamicidade que caracteriza o direito agrrio. Assim, o ncleo central do Direito Agrrio est nas atividades agrrias. Como bem lembra Orlando Gomes, o objeto o bem no qual incide o poder do sujeito ou a prestao exigvel. Assim, a terra com seus condicionamentos restries e obrigaes de uso e conservao, faz parte do objeto do Direito Agrrio.

    Quanto ao contedo, este engloba o direito de propriedade condicionado pelas

    obrigaes referentes ao cumprimento da funo social da terra, nas suas diversas dimenses, englobando a produtividade e a busca da justia social.

    O Direito agrrio tem como objeto o estudo da atividade agrria e as relaes

    jurdicas desenvolvidas pelos sujeitos agrrios. Ou, na louvvel indicao de Alcir Gursem de Miranda ( in Teoria de Direito Agrrio. Belm, 1989), o objeto do D. Agrrio seriam, assim, os fatos jurdicos que emergem do campo, conseqncia de atividade agrria, de estrutura agrria, de empresa agrria e da pol!tica agrria; o que caracteriza a relao jurdica agrria.

    Trata-se, portanto do estudo das normas e questes atinentes s atividades

    agrrias e aquelas que regulam os direitos e obrigaes sobre o prprio elemento terra. O Direito Agrrio regula as atividades agrrias de produo, extrao conservao, alm de atividades conexas. Contudo, os contornos ou limites de alcance do que se denomina de direito agrrio no so totalmente ntidos, mas o elemento ruralidade fundamental, englobando a idia de espao fundirio, onde se deve desenvolver a atividade de produo e de conservao dos recursos naturais. Nem tudo o que ocorre ou se desenvolve no espao rural de contedo agrrio. CLASSIFICAO DA ATIVIDADE AGRRIA:

    A atividade agrria pode ser assim classificada:

    - Atividade agrria de explorao tpica: lavoura, pecuria, hortigranjearia e extrativismo (animal e vegetal);

    - atividade agrria de explorao atpica (agroindstria): que modifica a aparncia exterior do produto agrrio ou o transforma, de maneira que esta especificao fique no mesmo imvel onde foram obtidas os resultados da atividade atpica. , portanto, requisito para que a atividade seja agroindustrial e no industrial, a origem no prprio fundus agrrio daqueles produtos ali transformados. Contudo, h certa flexibilidade diante desta exigncia, sobretudo diante da realidade das cooperativas, cuja atividade de agroindustrializao se utiliza de produtos vindos das diversas propriedades dos cooperados. A cooperativa vista como extenso da propriedade.

    - atividade complementar ou conexa da explorao rural: trata-se da atividade de transporte e venda dos produtos de origem do prdio rstico.

    - Atividade agrria de conservao.

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    Conforme Emilio Alberto Maya Gischkow, (apud B. F. Marques - in D. Agrrio

    Brasileiro AB Editora), a atividade agrria se subdivide em atividade imediata: tendo por objeto a terra considerada em sentido lato e a atuao humana em relao a todos os recursos da natureza; os objetivos e instrumentos dessa atividade: envolvendo a preservao dos recursos naturais a atividade extrativa, a captura de seres orgnicos e a ao produtiva (agricultura e pecuria); atividades conexas: transporte, industrializao e comrcio dos produtos.

    A atividade agrria tpica se divide em: lavoura temporria e permanente;

    pecuria de pequeno, mdio e grande porte. Destas formas derivam os prazos legais fixados para os contratos agrrios, como se ver mais adiante.

    A atividade agrria atpica sofre constantes questionamentos sendo que para

    muitos foge da esfera da atividade agrria, devendo submeter-se s regras gerais disciplinadoras da atividade industrial. No entanto a prpria legislao a enquadra como atividade agrria. O mesmo questionamento feito atividade de comercializao da produo, sob o argumento de que se situam no setor tercirio da economia (atividade mercantil). Contudo, para que a atividade de transporte e comercializao seja entendida como conexa atividade agrria deve ser feita pelo produtor. Assim, o profissional que se dedica apenas a adquirir os produtos, transporta-los e a revend-los para a indstria ou para o Consumidor, evidentemente se enquadra no mbito da atividade mercantil.

    5. FONTES, INTERPRETAO E APLICAO DO D. AGRRIO

    Quanto s fontes do Direito Agrrio, valem as regas gerais de qualquer ramo do Direito. Assim, a grande fonte material (a fonte primeira) e motivadora da elaborao e aplicao das normas a realidade social agrria, englobando a estrutura agrria, as concepes de direito de propriedade, as carncias sociais, a conscincia popular traduzida em reivindicaes, etc.

    As fontes formais tem como referncia principal as leis de contedo agrrio, e

    entre estas, como j mencionado, a indicao maior est no texto constitucional, em vrios de seus dispositivos. Em segundo lugar, vem o Estatuto da Terra, verdadeiro Cdigo Agrrio Brasileiro (lei 4.504/64). Ainda cabe mencionar a legislao mais recente, regulamentadora dos dispositivos constitucionais referentes questo agrria (Lei 8.171/91, Lei 8.629/93, LC. N0 76/93, LC n 93/98), MPs, Decretos, Atos do Poder Executivo, como Portarias, Instrues Normativas, Normas de Execuo, Ordens de Servio, etc).

    Da mesma forma, como ocorre em outros ramos do direito, o D. Agrrio

    tambm se serve de elementos secundrios para preencher as lacunas da lei, recorrendo analogia, aos costumes e aos princpios gerais. Os costumes acabam tendo grande importncia na fixao do contedo das relaes agrrias. Resta observar que, em qualquer circunstncia, a lei, de natureza cogente, se sobrepe aos costumes. Neste sentido, o D. Agrrio traz dispositivos expressos no sentido de estabelecer a irrenunciabilidade de direitos e obrigaes que visam proteger a parte mais fraca na relao jurdica agrria, alm de clusulas obrigatrias e irrenunciveis referentes conservao dos recursos naturais.

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    A doutrina e a jurisprudncia tambm so utilizadas na interpretao das leis,

    na sua atualizao diante da dinamicidade dos fatos da realidade social, devendo, porm estar direcionadas para o alcance da justia social e o cumprimento da funo social da terra, que so as referncias centrais dos objetivos do Direito Agrrio e do interesse da coletividade.

    Quanto interpretao da lei, para se chegar a seu alcance e melhor sentido

    dentro da realidade concreta, utilizam-se das formas comuns a outros ramos do Direito: a interpretao gramatical, lgico-sistemtica, histrica e a sociolgica.

    6. PRINCPIOS DO DIREITO AGRRIO

    A fixao do conceito, contedo e autonomia do Direito Agrrio j evidenciam os seus principais princpios. Contudo, assim como ocorre em outros pases, h autores que apresentam relao exaustiva de princpios retirados dos prprios textos legais, muitos dos quais no passam de decorrncia dos princpios fundamentais.

    6.1. Princpio fundamental: funo social da terra (produtividade e justia social, com preservao ambiental): possvel dizer que esta a referncia central do D. Agrrio. Em torno deste principio, completando-o, aparece uma srie de outros, conforme estudos doutrinrios apresentados por diversos autores. O princpio da funo social da terra, ou da propriedade imobiliria rural, ser estudado mais adiante.

    Paulo T. Borges ( in Princpios Bsicos do D. Agrrio, p. 24) relaciona 14

    princpios fundamentais do Direito Agrrio. Na seqncia enumera os princpios universais de Direito Agrrio apresentados pelo autor espanhol Juan J. Sanz Jarque.

    6.2. Princpios gerais no D. Agrrio Brasileiro:

    Benedito F. Marques ( op. Cit. P. 22), baseando seu estudo nos escritos de diversos autores agraristas, apresenta como princpios aplicveis ao Direito Agrrio Brasileiro os seguintes: 1. monoplio legislativo da Unio (art. 22, I, da CF), (?) 2. a utilizao da terra se sobrepe titulao dominial (funo social); 3. a propriedade da terra garantida, mas condicionada ao cumprimento da funo

    social (artigos 5, XXII e XXIII; art. 170; art. 184, da CF/88); 4. o D. Agrrio dicotmico: compreende a poltica de reforma (reforma agrria) e a

    poltica de desenvolvimento (pol. agrcola); (? caracterstica) 5. prevalncia do interesse pblico sobre o individual nas normas jurdicas agrrias; 6. constante necessidade de reformulao da estrutura fundiria; 7. fortalecimento do esprito comunitrio, via cooperativas e associaes; (?) 8. combate ao latifndio, minifndio, ao xodo rural, explorao predatria e aos

    mercenrios da terra; (f.social). 9. privatizao dos imveis rurais pblicos;

    11

  • 12

    10. proteo propriedade familiar, pequena e mdia propriedade (e fortalecimento);

    11. fortalecimento da empresa agrria; 12. proteo da propriedade consorcial indgena; 13. o dimensionamento eficaz das reas explorveis (mdulo); 14. proteo ao trabalhador rural; 15. a conservao e preservao dos recursos naturais e a proteo do meio-

    ambiente.

    Como se pode observar, os princpios aqui relacionados tm conotao prpria, diferente daqueles que fundamentam o Direito Civil (bero do D. Agrrio), cujas regras so marcadamente individualistas. Aqui, mais uma vez se evidencia a autonomia do D. Agrrio, de natureza social, com compromisso com a transformao e a construo da justia social.

    7. NATUREZA JURDICA DAS NORMAS DE D. AGRRIO:

    Alguns autores, ao definir o D. Agrrio, indicam tratar-se de conjunto de normas de direito pblico e de direito privado. No entanto, esta dicotomia cada vez menos evidente. O que se percebe a ocorrncia de uma crescente interdisciplinaridade, de forma que o direito privado possui inmeras normas de ordem pblica, e vice-versa. H um entrosamento perfeito entre os dois grandes ramos do direito. Outros autores, seguindo a moderna doutrina, preferem dizer que o D. Agrrio, assim como outros ramos, compe-se de normas imperativas (cogentes) e normas dispositivas (supletivas , permitindo nestas ltimas o exerccio da autonomia privada.

    possvel dizer que o D. Agrrio caracteriza-se pela predominncia de normas

    de ordem pblica, tese esta reforada pelos dispositivos constitucionais referentes poltica agrria e funo social da terra. Nos contratos agrrios h normas legais cogentes (irrenunciveis pelas partes - Decreto 59.566/66)

    Assim, as regras de D. Agrrio tm destinao universal, dirigida a toda a

    sociedade, mas, diante da existncia de normas dispositivas, aceitvel a posio de tratar-se de direito misto. Contudo, h ntida predominncia de normas de ordem pblica, apesar de sua origem no direito civil, de onde se destacou.

    8. IMPORTNCIA DO D. AGRRIO NA REALIDADE ATUAL:

    Levando em conta os princpios acima referidos, tendo como elemento a funo social da terra com os seus desdobramentos, pacfico que o D. Agrrio cresce em importncia. A prpria realidade jurdica agrria, os conflitos agrrios de natureza individual e coletiva alm das necessidades crescentes de produo e produtividade, no deixam dvidas quanto importncia deste ramo do Direito. Alm disso, deve ser realado que a terra bem de produo, com conotao especifica e diferente dos outros meios de produo. Com isso, deve receber enfoque e tratamento especial, com o entendimento de que a terra deve servir aos interesses de quem lhe detm o domnio e, ao mesmo tempo, responder aos interesses e necessidades sociais no que diz respeito produo, produtividade, com qualidade e, por outro lado, garantindo a preservao ambiental. Trata-se, portanto, de uma questo no apenas econmica,

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    mas com sentido social mais amplo, onde no podem prevalecer a viso privatstica e individualista dos direitos sobre os bens. Cabe, ento, acrescentar ao direito a idia de dever ou de obrigao resultante do direito. por isso que alguns autores chegam a afirmar que ao direito de propriedade sobre a terra corresponde uma obrigao social no sentido de faz-la produzir dentro dos padres que a prpria legislao agrria exige. A terra rural jamais pode ser concebida como aplicao ou como reserva de valor.

    Tendo importncia geral para a realidade brasileira e para as futuras geraes, mais importante se torna na regio Centro-Oeste, cuja base econmica se assenta na produo agropecuria. Aqui, como em qualquer lugar, a terra um bem de produo que tem natureza especial. Ao difundir esta viso, a doutrina insiste na divulgao da mentalidade agrria ou mentalidade agrarista, que reforma a importncia da terra com sua capacidade produtiva e, consequentemente, da atividade agrria, atravs da qual se produzem os bens essenciais sobrevivncia e satisfao das necessidades humanas. Ao mesmo tempo, a preocupao gira em torno da melhor distribuio de renda, a qual pode ser garantida pela melhor distribuio da terra, conjugada com polticas de apoio e assistncia produo e comercializao. Leva em conta, ainda, um terceiro aspecto importante que a preservao do meio ambiente, o que exige repensar o que se produz e como se produz, visando a qualidade de vida atual e a sobrevivncia e bem-estar das geraes atuais e futuras.

    A questo ambiental, independente de uma perspectiva de mdio e longo prazos, de eliminao dos males que originam a maioria dos conflitos agrrios atuais, ter importncia cada vez maior. A preservao dos recursos naturais renovveis , sem dvida, um dos elementos importantes do objeto do Direito Agrrio, como necessidade essencial para a sobrevivncia humana e animal, que o seu contedo bsico.

    A questo agro-ambiental o grande desafio a ser enfrentado pela humanidade

    como forma de garantir sobrevivncia e qualidade de vida para as futuras geraes.

  • UCG Disciplina: D. Agrrio Prof.: Milton Incio Heinen

    TEXTO 2 CAPTULO II - INSTITUTOS DO DIREITO AGRRIO BRASILEIRO. 1 - FUNO SOCIAL DA TERRA (da propriedade imobiliria rural ou do imvel rural).

    Como j se afirmou, a funo social da terra se transformou no princpio

    fundamental do Direito Agrrio. Atualmente, na exegese dos dispositivos constitucionais sobre a matria, sobretudo no tocante terra rural, ou em outras palavras, propriedade imobiliria rural, a garantia do direito de propriedade est condicionada ao cumprimento dos requisitos relativos funo social da terra.

    No resta dvida de que a propriedade (como conceito amplo) continua sendo

    garantida como direito individual fundamental (art. 5), mas no especfico relacionado aos imveis rurais, a garantia do direito est subordinado ao cumprimento da funo social. Tanto isto verdade, que o texto constitucional no mantm a garantia da propriedade imobiliria rural quele que no lhe cumpre a funo social (art. 184 e 186 da CF).

    H referncias importantes na histria no que diz respeito funo social da

    terra. Aristteles, filsofo grego j entendia que aos bens em geral deveria ser dada destinao social. Santo Toms de Aquino (na Summa Theolgica) defendia o direito natural do homem aquisio dos bens materiais, mas sem se esquecer do bem comum. No Cdigo de Napoleo a propriedade passou a ter carter de direito absoluto, influenciando os cdigos civis. Leon Duguit, jurista francs, defendeu a idia de que a propriedade , em si, uma funo social, no que se diferenciou da doutrina social da Igreja Catlica para quem a propriedade tem uma funo social. Posteriormente, este pensamento ficou evidenciado em muitas Encclicas Papais transmitindo a doutrina social da Igreja Catlica, apesar de ela ter sido aliada histrica do Estado por um logo perodo na histria.

    No Brasil, a preocupao com o cumprimento da funo social j aparecia

    nas regras estabelecidas para os sesmeiros, os quais recebiam a terra em quantidade que podiam explorar, sendo obrigados a cultivar a terra sob pena da terra reverter ao patrimnio do Estado (ordem de Cristo, administrada por Portugal). O Cdigo Civil de 1916 absorveu o pensamento individualista ( art. 524), inspirado no Cdigo de Napoleo. No entanto, a CF de 1934 j indicava claramente que a propriedade deve atender ao bem estar social, o que ficou mais evidenciado na CF de 1946.

    Contudo, foi o Estatuto da Terra (Art. 2, 1 da Lei 4.504/64) que, pela

    primeira vez, consagrou de forma mais clara a idia de funo social da terra, explicitando os seus requisitos. Atualmente, a CF/88 estabelece a funo social sobre qualquer bem art. 5, XXIII), sendo que a funo social do imvel rural , com seus requisitos, com pequenos acrscimos ao j estabelecido na Lei 4.504/64, esto nos artigos 184 e 186 da Lei Maior.

    A Lei 8.629/93 se encarregou de detalhar os requisitos relativos ao

    1

  • cumprimento da funo social da terra ou da propriedade imobiliria rural, os quais devem ser cumpridos em seu conjunto para que o imvel se encontre dentro dos parmetros legais.

    Agora, o novo Cdigo Civil ( Lei n 10.406/02) tambm se refere funo

    social dos bens em geral e sobretudo propriedade, alinhando-se orientao bsica estabelecida na Constituio Federal.

    Funo social da terra gnero cujas espcies so a funo social da posse, dos contratos, da propriedade e da empresa agrria.

    Requisitos legais de cumprimento da funo social: Os requisitos so agrupados sob trs aspectos = econmico, social e ecolgico. - aproveitamento racional e adequado: (requisito econmico) aquele que atinge os

    graus de utilizao (GUT) de, no mnimo 80%, e grau de eficincia na explorao (GEE) de, no mnimo 100%. o estabelecido no art. 6, com seus pargrafos, art. 9 caput e pargrafo 1, todos da Lei n 8.629/93, de forma que a exigncia a mesma para a conceituao do que propriedade produtiva. Porm, conforme o art. 185 da CF, a pequena propriedade e a mdia propriedade, desde que o seu proprietrio no tenha outra, no so passveis de desapropriao para fins de reforma agrria, mesmo que eventualmente no cumpram os requisitos da funo social. Para a propriedade produtiva as exigncias ficaram restritas aos requisitos econmicos, como a interpretao predominante extrai da definio inserida na Lei n 8.629/93.

    - observncia das disposies que regulam as relaes de trabalho: engloba os

    contratos de trabalho (emprego = trabalho subordinado), como tambm os contratos agrrios (nominados e inominados). o aspecto social a ser observado para o fiel cumprimento da funo social.

    - bem-estar dos proprietrios e dos trabalhadores: Tambm relacionado ao

    aspecto social, esse requisito deve ser considerado no sentido de que tambm o bem estar dos possuidores deve estar englobado, at porque, para o D. Agrrio a posse tem maior relevncia.

    - adequada utilizao dos recursos naturais e a preservao do meio ambiente:

    o aspecto ecolgico. Aqui h a preocupao com a vocao natural da terra, com o equilbrio ecolgico, cuja preocupao e controle por legislao prpria tem sido cada vez maiores. A competncia para legislar a respeito cabe s trs esferas de poder, enquanto que ao rgo do Ministrio Pblico coube o importante papel de fiscalizao, como de resto tarefa de toda a sociedade. O MP tem atuado especificamente na rea rural exigindo o cumprimento da legislao referente s reas de preservao permanente, a definio e registro da rea de reserva legal. Atualmente h possibilidade de estabelecer a reserva legal extra-propriedade.

    Os requisitos acima estabelecidos devem ser cumpridos em sua

    totalidade para que o imvel cumpra a sua funo social. No entanto, h dois problemas srios relacionados com o cumprimento destes requisitos. Em primeiro

    2

  • lugar, no est muito bem definido a quem cabe esta tarefa e as formas de aferir a observncia de tais requisitos em sua totalidade. Mais do que isso, no h posio clara na doutrina e na jurisprudncia quanto s consequncias para o caso de descumprimento de um ou outro requisito da funo social. O artigo 184 da CF diz que compete Unio desapropriar o imvel que no estiver cumprindo a funo social. O art. 186, por sua vez indica os requisitos que devem ser cumpridos em seu conjunto. No entanto, o art. 185, numa espcie de inconstitucionalidade intra-constitucional, ou conflito interno de normas, isenta a propriedade produtiva da obrigao de cumprir todos os requisitos da funo social, notadamente a partir da regulamentao do dispositivo constitucional feita pela lei 8.629/93, apenas exigindo da propriedade produtiva o requisito econmico para que seja assim conceituada. Trata-se de dispositivo que vem sofrendo muitos questionamentos. Por outro lado, nas desapropriaes de terras para fins de reforma agrria, o rgo competente tambm vem se restringindo a este item (requisito econmico). 2. IMVEL RURAL: 2.1 - Definio legal:

    O legislador ptrio se encarregou de definir o imvel rural. No nosso Cdigo Agrrio (Estatuto da Terra = Lei no 4.504/64), o art. 4 assim o define: Art. 4, I - Imvel rural, o prdio rstico, de rea contnua, qualquer que seja a sua localizao, que se destine a explorao extrativa, agrcola, pecuria ou agroindustrial, quer atravs de planos pblicos de valorizao, quer atravs da iniciativa privada.

    A Lei no 8.629/93 (reguladora do captulo da Poltica Agrria da CF/88) dispe,

    em seu artigo 4, I que: Imvel rural o prdio rstico de rea continua, qualquer que seja a sua localizao, que se destine ou possa se destinar explorao agrcola, pecuria, extrativa vegetal, florestal ou agroindustrial;.

    Como se pode verificar, h pouca diferena na definio legal de 1964 e

    aquela inserida no texto da lei 8.629/93.

    2.2 - Critrio de Conceituao:

    O critrio bsico estabelecido nas definies legais a destinao do imvel. Assim, a rea de terras, qualquer que seja a sua localizao, que se destina atividade agropecuria. Isto significa dizer que, pelos critrios inseridos nos textos legais, o elemento diferenciador a atividade exercida no imvel. Portanto, o imvel, mesmo localizando-se no permetro urbano, mas sendo destinado produo agropecuria, para os fins do Direito Agrrio, classificado como rural. Da mesma forma, fato de um imvel localizar-se fora do permetro urbano, mas no tendo finalidade agropecuria, no se enquadra nos conceitos de imvel rural. Ex. rea utilizada para uma igreja, escola, posto de gasolina, etc.

    Estes critrios fogem da viso civilista onde a diferenciao se d pela

    localizao. Porm, para fins tributrios, o legislador adotou outro critrio, o da localizao do imvel. Assim, o artigo 29 do Cdigo Tributrio Nacional (Lei Complementar no 5.172/66) refere-se a imvel rural por natureza, como definido na lei civil, localizado fora da zona urbana do municpio. Este entendimento sofreu modificaes posteriores, e a Lei 5.868/72, reafirmou o critrio da destinao independente da localizao do imvel, como critrio para a definio do tipo de

    3

  • imposto. Assim, o ITR seria cobrado de imveis (art. 6 e pargrafo nico) destinados explorao agropecuria, independentemente de sua localizao, que tivessem rea superior a 1 (um) hectare.

    Apesar destes dispositivos legais, a matria no se manteve pacfica. Em

    maio/82, o STF, em sua composio plena, em Recurso Extraordinrio vindo de Minas Gerais, entendeu que, pelo fato do Cdigo Tributrio Nacional ser Lei Complementar, tornava-se inconstitucional o disposto no art. 6 da Lei 5.868/72 (lei ordinria), de forma que estariam mantidos os dispositivos dos artigos 29 e 32 do CTN.

    Ainda assim, a Lei 8.629/93, em seu artigo 4, repetiu o mesmo critrio da

    destinao que j estava fixado no Estatuto da Terra. Por fim, lei 9.393/96 reafirmou o critrio da localizao para a classificao de imveis rurais para fins de tributao, como se pode verificar no art. 1 e pargrafos deste diploma legal.

    Desta forma fica claro que h dois critrios de classificao dos imveis na

    legislao brasileira: um especfico para fins tributrios, que determina o tipo de cobrana em funo da localizao do imvel, e outro para os fins do Direito Agrrio, utilizado para a fixao de direitos e obrigaes de natureza agrria, como tambm para as questes de natureza trabalhista da atividade agrria.

    2.3 - Caractersticas do imvel rural.

    Os elementos constitutivos, ou caractersticas, esto inseridos na prpria definio legal de imvel rural.

    Prdio rstico: Prdio aqui tem sentido de toda e qualquer propriedade

    territorial, de qualquer terreno, independente de onde estiver localizado. J, a expresso rstico tem sentido de cultivo ou seja, o imvel destinado a cultivo. Por isso, a finalidade ou a destinao do imvel o classifica em rstico, ou rural, quando utilizado para as atividades agrrias.

    rea continua: A rea continua tem sentido de utilidade, de uso para a

    mesma finalidade. Assim, a diviso, ao meio, de um imvel, por uma estrada, no lhe tira o sentido de rea contnua como elemento caracterizador do imvel rural. H unidade econmica na definio do que venha a ser prdio rstico. Mesmo que ocorra a interrupo fsica, havendo a explorao conveniente pelo proprietrio ocorre a unidade econmica = rea contnua. E possvel dizer, ento, que determinada rea de terras, constituda por diversas propriedades, ou diversas glebas, com documentos e registros prprios, se transforma em um nico imvel do proprietrio, sobretudo quando se caracteriza por uma unidade econmica. Assim, o conceito de imvel como rea contnua se aproxima da designao comum de fazenda, sempre observada a regra de correto aproveitamento nos termos da funo social.

    Qualquer que seja a localizao e que se destine (ou possa se destinar)

    produo agropecuria: Estes elementos j foram analisados quando da definio de imvel rural.

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  • 3 - DIMENSIONAMENTO EFICAZ DO IMVEL RURAL:

    Qual a medida de rea de terras ideal para que o agricultor, com sua famlia, tenha condies de explor-la com eficcia e possa garantir o seu progresso social e econmico? Qual a medida ideal de propriedade, visando o desenvolvimento socio-econmico do pas ? Esta foi a preocupao do legislador, ao fixar uma unidade de medida padro denominada de mdulo rural.

    3.1 - Mdulo Rural: No artigo 4 do Estatuto da Terra foram estabelecidas vrias definies, entre as quais a de Mdulo Rural. O inciso III do referido artigo diz: Mdulo Rural, a rea fixada nos termos do inciso anterior. O inciso anterior aqui referido define o que propriedade familiar, assim dispondo: Propriedade familiar, o imvel rural que, direta e pessoalmente explorado pelo agricultor e sua famlia, lhes absorva toda a fora de trabalho, garantindo-lhes a subsistncia e o progresso social e econmico, com rea mxima fixada para cada regio e tipo de explorao, eventualmente trabalhado com a ajuda de terceiros.

    Estas definies permitem dizer que o mdulo rural foi estabelecido como

    medida da propriedade familiar.

    Elementos para a sua fixao (art. 5 da Lei n 4.504): Como se pode verificar, o Mdulo Rural a medida de rea fixada como propriedade familiar, de tamanho suficiente e ideal para a correta explorao agropecuria. Exatamente por esta razo, o Mdulo Rural, assim como a dimenso da propriedade familiar, em funo da rea fixada como mdulo, variam de uma regio para outra, levando em conta a qualidade da terra, a sua localizao geogrfica e a forma e condies de aproveitamento econmico. (art. 11, do Decreto 55.891/65, que regulamenta parte do Estatuto da Terra.) Finalidade: art. 11 do Decreto 55.891/65 fixar unidade de medida eficaz para os imveis rurais, caracterizada pela interdependncia entre dimenso, qualidade da terra, localizao e condies de uso. Alm disso, o modulo rural utilizado para a fixao de rea limite para a aquisio por estrangeiros, para definir a rea a ser adquirida pelos beneficirios do Banco da Terra (Crdito Fundirio), e para identificar o enquadramento sindical, sendo que o proprietrio com at 2 mdulos rurais identificado como trabalhador rural.

    Tipos de mdulos: O Mdulo Rural ento uma espcie de fixao de rea ideal para cada regio. Mas, em funo do estabelecido no art. 11 do Decreto 55.891/65, a prpria lei se encarregou de estabelecer vrias categorias de mdulos, de acordo com o tipo de explorao existente e predominante no imvel (art. 14 do Decreto 55.891/65). Assim, existe o mdulo de explorao hortigranjeira (intensiva e extensiva); mdulo para a lavoura permanente e outro para a lavoura temporria; mdulo para a explorao pecuria (de pequeno, mdio e grande portes); e mdulo para a explorao florestal.

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  • Alm destas classificaes, existe, ainda, o mdulo da propriedade, como

    resultado da soma de mdulos de explorao indefinida, quando no imvel existem varias exploraes, sem indicao especfica. Tambm existe o mdulo do proprietrio, nos casos em que o proprietrio possui vrios imveis, correspondendo soma da quantidade de mdulos obtido em cada rea e dividido pelo total das reas que possui, o que resulta numa espcie de mdulo mdio.

    3.2 Importncia: ( art. 11, 12 e 13 do Decreto 55.891/65)

    A idia inserida nos textos legais evidencia a preocupao com o estabelecimento de reas de terras que fossem ideais para a perfeita e eficaz explorao agropecuria, o que resultaria numa estrutura agrria democratizada.

    Ao mesmo tempo, visava evitar o fracionamento dos imveis em reas

    inferiores necessria para o desenvolvimento produtivo, evitando-se assim a proliferao do minifndio. Historicamente, o mdulo rural tem sido utilizado para fins de classificao do imvel como empresa rural, latifndio ou propriedade familiar, para caracterizar o imvel desaproprivel (cfe. ET); como unidade tributria padro, o que permitia a instituio da tributao progressiva; enquadramento sindical; distribuio de terras devolutas ou em projetos de reforma agrria; e para fixar a indivisibilidade do imvel (art. 65 do ET), entre outras finalidades prticas.

    3.3 - Frao mnima de parcelamento:

    Esta nova figura foi introduzida no ordenamento jurdico brasileiro pela Lei n0

    5.868/72 (art. 8 ) e pelo Decreto 72.106/73. O art. 39 deste decreto estabeleceu que nenhum imvel rural poder ser desmembrado ou dividido em rea de tamanho inferior quele previsto no art. 8 da Lei 5 868/72. Como se pode verificar, por esta nova determinao, a figura do mdulo foi, ao menos em parte, superado pela idia de frao mnima de parcelamento. Nos termos do art. 8 e seus pargrafos, a frao mnima de parcelamento acabou por permitir a diviso de imveis em rea inferior do mdulo rural, contrariando o esprito do Estatuto da Terra (art. 65), possibilitando divid-lo at a medida do mdulo de explorao hortigrangeira, que de 2 ou 3 hectares na maioria dos municpios.

    Ver Instruo Normativa n. 50, de 1997, do INCRA.

    3.4 - Mdulo fiscal:

    A partir da Lei 6.746/79 foi introduzida nova figura jurdica, usada inclusive para a classificao dos imveis, modificando os artigos 49 e 50 do Estatuto da Terra. Alis a referida lei tem finalidade de fixar os parmetros para o Imposto Territorial Rural. Porm, o Decreto n0 84.685/80, em seu artigo 22, trouxe uma nova classificao de imvel rural.

    Assim, o mdulo fiscal, que inicialmente servia para a fixao do valor do ITR, tambm passou a ser a medida adotada para a classificao dos imveis rurais. A Lei n 8.629/93 veio selar este entendimento ao utilizar a expresso mdulo fiscal, ao definir, no art. 4, a pequena e a mdia propriedade.

    De qualquer forma, a idia de manuteno de uma rea ou frao mnima

    abaixo da qual no deveria ser dividido o imvel rural, tem sua importncia no

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  • sentido de evitar o fracionamento de imveis em reas econmica e socialmente inviveis, o que levaria, tambm, ao descumprimento da funo social da terra. O prprio art. 65 do ET j estabelecia a indivisibilidade do imvel em rea inferior dimenso do mdulo. Por outro lado, com os avanos tecnolgicos verificados nos ltimos anos e as tcnicas de produo intensiva, atravs de processos de irrigao e plantio direto, permitem garantir sucesso econmico em reas pequenas, dependendo, evidentemente, da localizao e do tipo de cultura explorada. Ainda assim, a observncia de padres de rea mnima, que poderiam ser revistos periodicamente, continua sendo importante na perspectiva da garantia da funo social da terra.

    Nestas condies, o que vigora atualmente, so as regras relativas frao

    mnima de parcelamento, conforme tabela verificvel nos cartrios de registros de imveis e, de resto, na classificao dos imveis, aplica-se o instituto do mdulo fiscal. Por outro lado, o mdulo fiscal deixou de ser utilizado para a fixao das alquotas do ITR, que atualmente fixado conforme a quantidade de hectares de terra que o titular possui.

    4. CLASSIFICAO DOS IMVEIS RURAIS:

    Conforme estabelecido pelo legislador, no Estatuto da Terra, existiam, ao

    menos at 1988, os seguintes tipos de imveis rurais: propriedade familiar, minifndio, latifndio e empresa rural.

    A CF/88 passou a utilizar novas terminologias, estabelecendo novos institutos

    ou novas categorias de imveis rurais, como a pequena propriedade, a mdia propriedade, a grande propriedade, a propriedade produtiva e, por via de conseqncia, a propriedade improdutiva. Contudo, o texto constitucional no definiu estas novas categorias, o que ficou para a legislao complementar, vindo depois inserido no texto da Lei n0 8.629/93. Esta nova lei no se valeu dos mesmos critrios utilizados pelo Estatuto da Terra, sobretudo no tocante ao fiel cumprimento da funo social da terra pelas novas categorias definidas, uma vez que a definio de propriedade produtiva ficou restrita ao aspecto econmico da funo social da terra. Assim, para alguns autores no cabe mais falar em minifndio e em latifndio. Contudo, os contornos dos novos institutos ainda no esto bem definidos doutrinariamente.

    Estes tipos de imveis rurais, definidos no ET e na Lei n0 8.629/93, sero objeto de estudo especfico.

    4.1. Latifndio:

    A denominao latifndio veio inserida nas definies do artigo 4 do Estatuto da Terra. Porm, no foi repetida no texto constitucional e na Lei no 8.629/93, que regulamenta os dispositivos constitucionais relativos poltica agrria, razo porque alguns autores entendem que se trata de classificao em desuso na atualidade.

    4.1 .1 Conceito: o imvel rural que, com rea igual ou superior ao mdulo rural, inexplorado ou explorado inadequada ou insuficientemente, ou ainda porque tem grande dimenso a ponto de ser incompatvel com a justa distribuio da terra.

    4.1.2 Classificao: Nas prprias definies do Estatuto da Terra, h dois tipos

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  • de latifndio: o latifndio por extenso e o latifndio por explorao.

    O latifndio por extenso ou por dimenso est definido na letra a do inciso V do artigo 4 do Estatuto da Terra, dizendo ser o imvel rural que exceda dimenso mxima fixada na forma do art. 46, 1, alnea b desta mesma lei, tendo-se em vista as condies ecolgicas, sistemas agrcolas regionais e o fim a que se destine. Tb. Art. 22,II do Decreto 84.685/80.

    Porm, o Decreto n0 84.685/80, em seu artigo 22, dando regulamentao ao

    disposto nos artigos 40 e 46 da lei 4.504/64, com redao nova e mais clara, passou a classificar o latifndio por dimenso como sendo o imvel rural que: art. 22, II, a) exceda a seiscentas vezes o mdulo fiscal, calculado na forma do art. 5.

    Estes dispositivos evidenciam o entendimento de que imveis rurais de

    grandes dimenses, alm de impedirem a explorao de sua totalidade ante as possibilidades variadas de investimento que a tecnologia oferece, caracterizando-se como antieconmico, tambm anti-social na medida que o monoplio de terras nas mos de poucos significa a excluso social de grandes contingentes de trabalhadores ou de agricultores por no terem acesso terra, alm de propiciar a maior concentrao de renda.

    Latifndio por explorao, o imvel de rea igual ou superior ao mdulo

    fiscal que est inexplorado ou deficientemente explorado pelo mau uso da terra (artigo 4,V, alnea b do ET, combinado com o disposto no artigo 22,II, alnea b do Decreto n 84.685/80). Aqui cabe tambm a explorao predatria do imvel, a falta de uso de tcnicas de conservao, a manuteno do imvel para fins especulativos, etc., o que impede a classificao do imvel como empresa rural.

    Pelos conceitos estabelecidos possvel dizer que, tanto os imveis de

    grandes dimenses, como aqueles de rea igual ou superior ao mdulo fiscal, inexplorados ou inadequadamente explorados, devem ser considerados propriedade improdutiva. Aqui a idia de produtividade tem dimenso mais ampla do que o simples aspecto econmico. Por outro lado, o imvel de dimenso igual ou superior ao mdulo fiscal, adequada e racionalmente explorado, equipara-se ao conceito de empresa rural.

    H instrumentos legais de combate ao latifndio. O principal deles o instituto

    da desapropriao, objeto de estudo posterior. Alm deste, a lei ( ET, art. 49.) prev a tributao progressiva de forma a ficar desvantajoso para o proprietrio a manuteno de reas considerveis de terras de forma inexplorada. Contudo, apesar da lei, o governo historicamente no foi capaz de tomar a deciso poltica de sobretaxar os latifndios.

    Cabe lembrar, por oportuno, que existem reas onde no se aplicam os

    conceitos de latifndio, mesmo sendo inexploradas, exemplo das reas de preservao florestal, parques nacionais, etc. 4 2 Minifndio: 4 2 1 - Conceito: imvel rural de rea e possibilidades inferiores s da propriedade

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  • familiar (art. 4 ,lV do ET). Em outras palavras, o imvel com dimenso inferior de um mdulo fiscal, traduzido na dimenso necessria e fixadora da propriedade familiar. (art. 22,I do Dec. 84.685/80).

    Portanto, o imvel com dimenso inferior ao necessrio para o progresso

    social e econmico do proprietrio e de sua famlia (agricultor familiar).

    De qualquer forma, sabendo-se que o mdulo fiscal fixado para o municpio, e tendo em vista as tecnologias disponveis, seria necessrio o peridico reclculo do mdulo fiscal, mesmo porque, a depender do tipo de explorao, do local e da qualidade da terra, possvel garantir progresso social e econmico em reas menores que as do mdulo fiscal.

    4.2.2 - Instrumentos de combate ao minifndio: restringem-se ao instrumento da desapropriao (sem grande alcance social, a no ser com o objetivo de efetuar remembramentos de imveis), e o estabelecimento de frao mnima de parcelamento e a proibio de diviso dos imveis em reas inferiores.

    4.3 - Propriedade familiar: 4 3 1 Conceito: a rea de terras compatvel com as necessidades do agricultor e de sua famlia, que lhe garanta o progresso social e econmico, mesmo que com a ajuda eventual de terceiros ( art. 4, II do ET). Da definio legal evidencia-se que, alm das dimenses estabelecidas, deve ser explorada direta e pessoalmente pelo agricultor e sua famlia, podendo contar apenas eventualmente com a ajuda de terceiros. Este conceito foi alterado pela Lei 11.326, de 24 de julho de 2006, que fixa diretrizes para a formulao das polticas pblicas para a agricultura familiar.

    4.3.2 - Elementos constitutivos:

    A prpria definio legal insere os elementos constitutivos. - titulao: em princpio a propriedade familiar supe a existncia do ttulo de

    domnio do imvel em nome de um dos membros da entidade familiar. No entanto, como a prpria lei permite a concesso de uso, inclusive na distribuio de terras no processo de reforma agrria, o ttulo de domnio deixa de ser elemento essencial.

    - explorao direta e pessoal pelo agricultor e sua famlia: a prpria idia de

    dimenso necessria compe a noo de propriedade familiar. Ou seja, parte-se da caracterizao de propriedade familiar como tambm de mdulo, como sendo a rea necessria ao progresso social e econmico do agricultor e de sua famlia. Supe ento a rea que ele pessoalmente explorar. a perfeita noo de posse agrria que no admite a idia de posse indireta.

    - rea ideal para cada tipo de explorao: j foi discutida na definio dos

    mdulos. - possibilidade eventual de ajuda de terceiros: como se v, o normal a

    dimenso da rea e o tipo de explorao absorver a fora dos membros da famlia. Mas, como ocorre em algumas atividades, sobretudo em colheitas de produtos que exigem maior quantidade de mo-de-obra em tempo exguo, a

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  • prpria lei permite a ajuda eventual de terceiros, sem desnaturar a propriedade familiar. Observe-se, contudo, que a propriedade familiar no comporta a ajuda do trabalho de empregados.

    Atualmente h certas polmicas, em funo dos novos conceitos de pequena

    e media propriedade, em comparao com a definio de propriedade familiar, principalmente para fins de obteno de recursos em condies especiais, para definio de enquadramento na organizao e estrutura sindical do meio rural, e para fins previdencirios enquanto categoria de segurados especiais.

    4.3.3 - Importncia no processo de R. Agrria e de colonizao: O instituto da propriedade familiar est diretamente relacionado com a

    democratizao da terra, em atendimento a um dos princpios fundamentais do Direito Agrrio brasileiro que visa garantir o acesso terra a um maior nmero possvel de pessoas. Trata-se, portanto, de frmula que garante a melhor distribuio da terra, ao mesmo tempo que viabiliza o progresso social e econmico de seus possuidores e do pas, atravs da gerao, descentralizao e distribuio de renda. Grandes extenses de terras, mesmo atendendo ao aspecto econmico da produo, so socialmente incorretas ou injustas.

    Este entendimento questionado por alguns autores, sobretudo os

    defensores dos Complexos Agroindustriais, para quem a propriedade familiar no se encaixaria no atual estgio de desenvolvimento tecnolgico experimentado pela agricultura. Cabe lembrar, contudo, que o Direito Agrrio preocupa-se tanto com o aspecto econmico da produo e da produtividade, como tambm das questes sociais. Neste sentido, a propriedade familiar, em alguns pases (Europa) chamada de empresa agrcola familiar, vivel do ponto de vista econmico e social. claro que o aspecto organizativo, em associaes ou cooperativas, fundamental, alm do efetivo investimento pblico que deve estar presente para garantir competitividade a qualquer empreendimento rural. Ademais, nas condies brasileiras, perfeitamente possvel a convivncia de complexos agroindustriais, para o desenvolvimento de algumas atividades, com a agricultura familiar. Ver Lei n 11.326, de 24/07/2006 Diretrizes para a agricultura familiar.

    4.4 - Empresa rural ou empresa agrria: 4.4.1 - Conceitos: Utilizando a denominao empresa rural, o prprio Estatuto da Terra se encarregou de conceitu-la no Inciso VI do Artigo 4. Porm, o artigo 22, III do Decreto 84.685/80, retomando o conceito, trouxe mais detalhes, inserindo os elementos caracterizadores da funo social do imvel rural. No aspecto econmico, a regulamentao do ET, exigia a utilizao de 50%, depois passou para 70%, e por ltimo, pelo decreto supra citado, exigiu 80% de utilizao e 100% de eficincia, alm dos outros elementos da funo social, inclusive o cumprimento das obrigaes trabalhistas.

    Como se pode verificar, sobretudo a partir da alterao conceitual introduzida

    pelo Decreto 84.685/80, a empresa rural deve cumprir os requisitos da funo social. Nestes se englobam os elementos econmicos (produo e produtividade) e os elementos sociais.

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  • 4.4.2 Natureza: A empresa agrria tem natureza civil, com registro no INCRA (se pessoa fsica), salvo a empresa SA que, por lei, tem natureza comercial. A empresa rural pessoa jurdica, no sendo SA, tem registro no Cart. de Reg. de Pessoas Jurdicas, Ttulos e Documentos. 4.4.3 - Elementos da empresa agrria: Trata-se de empreendimento que explora atividades agrrias, podendo o empresrio ser, ou no, dono do estabelecimento ou do imvel. Alm disso, o empreendimento, de natureza civil, tem finalidade de lucro. A empresa rural tem, portanto caractersticas prprias, que a diferenciam das demais empresas.

    A ao concreta da empresa rural na realizao da atividade agrria, deve,

    portanto, atender aos requisitos econmicos mnimos estabelecidos em lei, observar as justas relaes de trabalho e garantir o bem estar das pessoas que vivem no empreendimento. Alem disso, deve atuar dentro dos padres de rendimento tecnolgico e garantir a preservao ambiental atravs de prticas conservacionistas.

    Historicamente, muitas empresas do setor industrial, financeiro, etc, se

    beneficiaram com incentivos fiscais, adquirindo extensas reas de terras e, apesar de no terem apresentado rendimento econmico e satisfatrio, eram, perante o rgo competente, rotuladas como empresa rural.

    Ser que o conceito de empresa rural equivalente ao de propriedade

    produtiva? Pelos conceitos, a empresa rural mais do que a propriedade produtiva.

    4.4.4 - Comparao com a propriedade familiar:

    Entre a empresa rural e a propriedade familiar h diferenas e pontos de identificao. A empresa rural, como empreendimento econmico, explora atividade agrria mediante a fora de trabalho de terceiros, com o objetivo principal de lucro, atravs da venda da produo. Na empresa rural ocorre a associao da terra, capital, trabalho e as tcnicas empregadas na realizao da atividade agrria, dentro de um fim econmico. Quanto ao tamanho da rea que explora, pode ser igual ou superior ao da propriedade familiar. Contudo, alguns entendem que necessariamente a rea deve ser superior da propriedade familiar.

    A propriedade familiar, tem como elemento principal, a explorao direta e

    pessoal do imvel pelos membros da famlia. Contudo, tanto a empresa como a propriedade familiar precisam atuar dentro das condies de cumprimento da funo social, se bem que este critrio mais rgido para com a empresa rural, uma vez que a propriedade familiar, pela sua prpria constituio, j atende a vrios requisitos da funo social.

    4.4.5 - Importncia da empresa agrria no processo produtivo:

    A empresa rural situa-se dentro de um modelo produtivo com o fim de atender s necessidades de aumento da produo e da produtividade, com a adoo de padres e processos tcnicos. De qualquer forma, a produo e a produtividade devem ser alcanadas tambm com a adoo de prticas conservacionistas. A pesquisa agropecuria tem favorecido o modelo de monocultura e de grande empresa, a qual atua em grandes extenses, utilizando

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  • mquinas pesadas. Nestas condies, os avanos tecnolgicos deixaram a desejar no que se refere ao atendimento das necessidades dos agricultores familiares, que alguns preferem chamar de empreendimento ou empresa agrcola familiar.

    4.5 - Pequena propriedade rural: Como j se afirmou, o legislador constituinte inovou nos conceitos e termos

    utilizados, de forma que, no meio rural, passamos, a partir de 1988, a contar com novas figuras jurdicas, ou novos institutos. A Constituio Federal, em diversos artigos ( 5 , 185), refere-se pequena propriedade, mas no a define.

    A definio do que pequena propriedade ficou por conta da regulamentao

    do texto constitucional, e desta forma, estabelecida pelo artigo 4 ,II da Lei n 8.629/93, como sendo o imvel rural de rea compreendida entre um e quatro mdulos fiscais.

    Como se pode verificar, esta definio foge do conceito de propriedade

    familiar. Esta tida como compatvel com o mdulo rural ou fiscal. H o entendimento de que, em funo desta nova definio, a propriedade familiar pode alcanar at quatro mdulos fiscais. Agora, com a Lei 11.326/06, propriedade familiar tida como aquela com at 04 mdulos fiscais.

    4.6 - Mdia propriedade:

    Nos termos do artigo 4,III, da mesma lei, o imvel rural com rea superior a quatro e at quinze mdulos fiscais. Como j se disse, nos termos da legislao, a propriedade familiar tambm deve cumprir a funo social. E a pequena e mdia propriedade esto isentas desta obrigao? A mdia propriedade, pelas dimenses que lhe foram conferidas, se no cumprir os requisitos da funo social, deveria ser denominada de latifndio, nos termos do disposto no Estatuto da Terra e seus regulamentos. E qual a consequncia que isto traria para referida propriedade?

    No entanto, esta conceituao de pequena e mdia propriedade, est

    diretamente relacionada com a iseno de desapropriao, a menos que o proprietrio tenha outros imveis. Os menos preocupados com o resultado produtivo, com o bem estar dos envolvidos no processo produtivo e com a preservao ambiental, entendem que estas propriedades esto dispensadas do cumprimento da funo social. No sendo assim, qual a sano cabvel ante o descumprimento da lei, alm de cobrana de ITR com alquota maior?

    4.7 - Grande Propriedade:

    A lei no se encarregou de definir, mas, por deduo, o imvel que possui rea acima de quinze mdulos fiscais.

    4.8 - Propriedade produtiva:

    a pequena, a mdia e a grande propriedade que atingem os nveis de

    produo e produtividade exigidos por lei. Sendo propriedade que, ultrapassando as dimenses de 15 mdulos fiscais e tendo grau de utilizao (GUT) de, no mnimo, 80%, e o grau de eficincia na explorao (GEE) no mnimo de 100%, classificada como grande propriedade produtiva, nos termos do disposto no art. 6 e pargrafos

    12

  • 13

    da Lei n 8.629/93.

    possvel dizer que a empresa rural se confunde com a propriedade produtiva, tendo em vista os elementos que compem o conceito de propriedade produtiva. No entanto, estes se restringem aos aspectos econmicos, de forma que d a impresso de estar dispensada do cumprimento dos demais elementos da funo social. Est a uma das contradies inseridas no texto constitucional, evidenciada pela regulamentao posterior e objeto de controvrsias doutrinrias.

    Neste especifico h um vazio legal, uma vez que o legislador ordinrio ainda

    no regulamentou o disposto no pargrafo nico do artigo 185 da CF. Assim, ainda no h lei estabelecendo o indicado tratamento especial e a fixao de normas para o cumprimento dos requisitos relativos funo social para a propriedade produtiva. Nem por isso a propriedade assim definida est isenta do cumprimento da funo social, at porque se trata do princpio fundamental do Direito Agrrio e o seu contedo est perfeitamente explicitado na lei. 4.9 - Propriedade improdutiva:

    Por excluso, a propriedade que no alcana os ndices de produo e produtividade estabelecidos em lei, independente do tamanho (pequena, mdia ou grande propriedade) classificada como improdutiva. Tendo acima de 15 mdulos fiscais, classifica-se como grande propriedade improdutiva, passvel de desapropriao para fins de reforma agrria. Isto quer dizer que a propriedade, mesmo no cumprindo todos os requisitos da funo social, se produtiva, no pode ser desapropriada? Esta a interpretao majoritria atualmente na viso dos tribunais. No entanto, h teses defendendo a posio de que, se o imvel no cumpre os demais requisitos da funo social (aspecto social e ambiental), tambm pode ser objeto de desapropriao, mesmo que no aspecto econmico seja classificado como propriedade produtiva, em vista da exigncia constitucional de aproveitamento racional e adequado, que no existe no descumprimento dos aspectos social e ambiental. Sendo pequena ou mdia, para poder ser desapropriada necessrio que o proprietrio tenha outra propriedade, conforme o disposto no art. 185 da CF.

  • UCG - Jur. - Disciplina: D. Agrrio Prof.: Milton I. Heinen

    TEXTO 03 CAPITULO III A PROPRIEDADE DA TERRA NO BRASIL

    1. TERRAS PUBLICAS OU PARTICULARES?

    Logicamente, as terras brasileiras, a partir da descoberta, passaram

    integrar o domnio da Coroa Portuguesa. Nas primeiras dcadas, pelo que consta nos estudos histricos, no havia qualquer regra especfica disciplinando a ocupao deste solo recm descoberto. Isto leva a concluir que a primeira experincia na terra brasileira foi a de simples ocupao.

    Contudo, a partir de 1530, comeou a poltica oficial ( da Coroa) de

    ocupao do solo, ficando o colonizador, a partir da carta rgia, com o direito de ocupao do solo, numa espcie de doao que somente valia pela vida do donatrio. As concesses feitas pelo colonizador ficavam sujeitas a clusula resolutiva do aproveitamento no prazo de 6 anos, alm de dependerem da aprovao do rei.

    Da o questionamento, ao qual a doutrina no responde de maneira

    uniforme. A terra brasileira era ento terra pblica ou particular? Para alguns a terra passou efetivamente a integrar o patrimnio dos capites-donatrios, de forma que a coroa praticamente no tivesse terra no Brasil. Este argumento se baseia nas cartas de doao que falavam em irrevogvel doao entre vivos valedoira deste dia para todo o sempre. ( Costa Porto - Formao Territorial - Fundao Petrnio Portela).

    Para outros, a terra continuava pertencendo Ordem de Cristo ou em

    outras palavras, ao Reino de Portugal. Na viso da poca, para que ocorresse a perfeio no negcio, necessrio se fazia a convalidao pela religio. Segundo a histria, ao iniciar o perodo expansionista, Portugal obteve da Santa S uma srie de bulas, segundo as quais seriam do trono de Lisboa as terras descobertas e a descobrir no caminho das ndias.

    Por isso, pacfico que as terras descobertas por Portugal lhes

    pertenciam por direito. que a doao feita aos colonizadores no se traduzia na transferncia do domnio. No se transferia a propriedade pela doao. O Soberano dava o benefcio da terra, o usufruto desta. Seria ento uma espcie de enfiteuse, ou de direito real de uso da coisa alheia. como se recebesse um feudo do qual podia se beneficiar.

    Nestas condies, os colonizadores se tornaram os distribuidores de

    terras, conforme vinha indicado nas cartas rgias. Este processo deu origem ao histrico sistema latifundista com o qual ainda convivemos em grande parte nos dias atuais, mesmo porque, naquela poca se desobedeceu ordem estabelecida no Regimento dado a Tom de Souza (primeiro Governador Geral do Brasil) em 1548, determinando que no dareis a cada pessoa mais terra que aquela que boamente e segundo sua possibilidade nos parecer que poder aproveitar... ( Sodero - Esboo Histrico da Formao do Direito Agrrio no Brasil). No entanto, a preocupao com

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  • a ocupao do espao territorial era maior do que com a efetiva utilizao da terra. Ao mesmo tempo que o sistema garantiu a formao de grandes latifndios, permitiu o surgimento de pequenas posses em reas de terras entre as sesmarias (sobras de sesmarias), normalmente prximas aos povoados, o que acabou por garantir o abastecimento local.

    Sucessivas Cartas Rgias passaram novas determinaes para os

    colonizadores, de forma que o regime de sesmarias vigorou no Brasil at 1822. A partir da, o Brasil conviveu com um perodo conhecido como de posses, por ausncia de uma regulamentao especfica quanto ao uso e titulao das terras (perodo de vazio legal).

    A lei de terras ( Lei n 601, de 1850), como j estudado, teve como

    objetivo a definio dos direitos sobre as terras. Assim, o domnio, a partir desta data se adquiria pela compra e registro. No entanto, a mesma lei confirmou os direitos de donatrios de terras, os direitos sobre doaes feitas anteriormente, alm dos direitos sobre as terras anteriormente ocupadas com posses reconhecidas at ento. Isto possibilitou a confirmao das grandes extenses de terras.

    Nestas condies, a partir da Lei 601, de 1850, passamos a ter um

    conjunto de proprietrios de terras com seus direitos reconhecidos, e, por outro lado, mantinha-se a existncia de enormes reas que ainda pertenciam ao poder pblico. Eram do poder pblico as terras que ainda no tinham sido ocupadas a qualquer titulo mantendo-se em sua forma original, como tambm aquelas que, ocupadas ou recebidas por doao ou concesso, o beneficirio no tivesse cumprido as suas obrigaes de cultivo e demarcao, conforme as normas da poca.

    Dai nasce a expresso Terras Devolutas como sendo aquelas terras

    que volveram ou voltaram para a Coroa por descumprimento de obrigao. Mas tarde a mesma expresso Terras Devolutas passsou a significar tambm aquelas terras ainda pertencentes ao poder pblico, no perfeitamente identificadas e demarcadas, ou seja, aquelas terras ainda no incorporadas ao domnio particular. A Lei 601, no artigo 3o e seus pargrafos, evidencia quais as terras que so consideradas devolutas.

    2. DISCRIMINAO DE TERRAS: Pela convivncia das terras pblicas com as particulares, surge o

    interesse na sua separao, razo porque a mesma lei de terras ( artigo 1 ) trata da separao e medio, descrio, conservao e colonizao sobre as terras devolutas. Pela referida lei, a discriminao de terras era ato apenas administrativo.

    Portanto, o processo de discriminao de terras, regulado por lei, o

    processo de identificao de terras pblicas e particulares, com a conseqente arrecadao das terras pblicas (devolutas) para posterior alienao a particulares, visando que passem a cumprir a sua real destinao, a no ser que o poder pblico preveja finalidade especfica (pesquisa, conservao) para ditas terras.

    Atualmente, o Processo de discriminao de terras vem regulado pela

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  • Lei Federal n 6.383/76, contendo uma fase administrativa e, para o caso de divergncias, frustrao do procedimento administrativo ou inviabilidade deste, a fase judicial. Porm, com a Constituio Federal de 1891, as terras devolutas passam ao domnio dos Estados. Esta a razo pela qual os estados tambm se utilizam do instituto da discriminao de terras.

    No Estado de Gois, a Lei n 13.022 de 07/01/97, regulamentada pelo

    Decreto n 4.811, de 17/07/97, dispe sobre a discriminao e arrecadao de terras do Estado. Esta Lei faz referncia ao IDAGO Instituto de Desenvolvimento Agrrio de Gois (rgo de terras do Estado de Gois), como encarregado da funo discriminatria. O IDAGO atualmente se encontra extinto, tendo as suas funes sido transferidas para a AGENCIA RURAL. Ainda, a mesma Lei 13.022/97, prev o processo discriminatrio administrativo e o judicial, tendo este aplicabilidade quando o processo administrativo se torna ineficaz, como tambm nos casos de ausncia, incapacidade ou oposio da totalidade ou maior nmero das pessoas encontradas no permetro discriminado, ou ainda, em acaso de atentado em qualquer fase do processo administrativo (art. 23 do referido decreto).

    O processo discriminatrio administrativo feito a partir da nomeao

    de Comisso Especial, integrada por um bacharel em Direito, um tcnico de nvel superior (agrnomo ou agrimensor) e um servidor administrativo. Os procedimentos prticos foram definidos por decreto.

    A lei estadual no desce a detalhes sobre o processo discriminatrio

    judicial, mas define ( no art. 3 , pargrafo nico) que se reger pelo disposto na Lei Federal n 6.383/76, combinada com as disposies da Lei de Organizao Judiciria do Estado de Gois

    3. A PROPRIEDADE DA TERRA NAS CONSTITUIES: A primeira Constituio brasileira - de 1824, garantia o direito de

    propriedade sem qualquer restrio, o mesmo ocorrendo com a Constituio Federal de 1891.

    O Cdigo Civil, de 1916, cuidou da propriedade de forma genrica com

    regras que, a partir de ento, tambm se aplicaram propriedade rural. No entanto, no entender de Sodero a terra rural no foi considerada pois, no Cdigo Civil, como um bem de produo que deveria ter normas diferentes para atender a problemas que no eram da mesma natureza que o imvel urbano, da mesma natureza da terra que se vende por metro quadrado. (Sodero - Esboo. P. 101).

    Para Jos Braga, o Cdigo Civil de 1916 reflete o pensamento jurdico

    que coloca a propriedade como o centro de todo o direito privado, longe de condicionar o exerccio daquele direito ao bem comum, com reflexos extremamente danosos para o desenvolvimento rural... ( in Introduo ao D. Agrrio - Ed. CEJUP, 1991, p. 56).

    A Constituio Federal de 1934 insere pela primeira vez a idia de

    funo social, alm de tratar o Direito Agrrio como ramo autnomo. A Constituio

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  • de 1946, alm de se referir funo social, estabelece a possibilidade de desapropriao de terras por interesse social, visando a justa distribuio da propriedade. No entanto, este dispositivo somente foi regulamentado pela Lei n 4.132/62. Em seguida, em 1964, com a E. Constitucional n 10 (de 09/11), garantindo autonomia legislativa ao Direito Agrrio, propiciou-se o surgimento do Estatuto da Terra (Lei 4.504/64).

    4. LIMITAES (ATUAIS) AO DIREITO DE PROPRIEDADE: O direito de propriedade sofreu constantes modificaes na histria.

    Em alguns perodos, sobretudo na antigidade, tratava-se de direito absoluto. Ainda assim, entre os romanos j era possvel constatar limitaes quanto ao exerccio do direito de propriedade. O uso em condies que garantissem a preservao da terra, sempre esteve presente na histria.

    O Cdigo de Napoleo (Direito Francs), na viso do liberalismo, deu

    mais fora ao direito de propriedade como direito absoluto. Em poca mais recente, possvel constatar uma constante evoluo

    no conceito de propriedade. No direito brasileiro, a Constituio imperial garantia o direito em toda a sua plenitude. O Cdigo Civil de 1.916, mesmo no definindo o direito de propriedade, apresentava as garantias dadas ao proprietrio, numa viso de direito natural, porm, sem a conotao social que atualmente imprimida propriedade da terra. O C. Civil de 1.916 no diferenciava a propriedade urbana da rural no tocante sua funo social.

    O atual Cdigo Civil, como se pode verificar em diversos dispositivos

    relativos propriedade (ver artigos 1.228 a 1.247), insere o aspecto da funo social para toda e qualquer propriedade. Ainda assim, questiona-se a aplicao do Cdigo Civil naqueles aspectos especialmente regulamentados pela legislao agrria. Contudo, coube Constituio Federal de 1.988 a tarefa de estasbelecer limites mais precisos ao direito de propriedade, o que restou evidenciado para a propriedade em geral ( incisos XXII e XXIII do artigo 5), para a atividade econmica em geral (art. 170) e especificamente para a propriedade da terra rural (art. 184 e seguintes). Ali o direito de propriedade est condicionado ao cumprimento da funo social da terra.

    Tomando por base os dispositivos constitucionais em vigor, que

    garantem e, ao mesmo tempo, condicionam o direito de propriedade, possvel apresentar algumas caractersticas importantes: - direito garantido a todos = artigo 5o cput da CF. - princpio da ordem econmica, com contedo novo, devendo contribuir para a

    existncia digna de todos e na busca da justia social (art. 170 da CF.). - A garantia est condicionada ao cumprimento dos requisitos da funo social em

    sua totalidade ( art. 184 e 186 da CF.). A propriedade imvel rural, como fica evidente, tem uma concepo e

    finalidade social diferentes dos demais tipos de propriedade. A terra rural, como

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  • integrante do grupo de bens imveis, tem uma conotao especfica. Trata-se de um bem de produo especial. O proprietrio da terra tem direitos e obrigaes em relao a ela. Pelo fato de ser proprietrio, o que se caracteriza como um privilgio em relao aos demais membros da comunidade da qual participa, este mesmo proprietrio passa a ter obrigaes para com esta comunidade enquanto membro de uma comunidade maior.

    A obrigao aqui referida a de produzir com quantidade, qualidade, e

    com a preservao da qualidade da terra e do meio ambiente, conforme os direitos e interesses maiores da comunidade.

    Como se pode verificar nos dispositivos constitucionais (nos direitos e

    garantias fundamentais - art. 5 XXII e XXIII; art. 170, II e III; e art. 184 e seguintes), h condicionamento claro do direito de propriedade ao cumprimento da funo social da terra. H autores que chegam a dizer que somente existe direito de propriedade para o proprietrio se a terra, da qual detm o domnio, estiver cumprindo todos os requisitos da funo social.

    Esta anlise demonstra efetivamente que o nosso ordenamento

    jurdico, com os novos dispositivos constitucionais, d mais nfase e proteo correta utilizao da terra do que ao domnio dela. Em outras palavras, para o direito agrrio a posse mais importante, sob o ponto de vista da proteo jurdica, do que o domnio (a titularidade). claro que a conceituao de posse que se encaixa nesta viso vai alm da conotao civilista, a qual define a posse como sendo o exerccio de fato de algum dos poderes inerentes ao domnio. Pela viso civil, protege-se a posse em razo do domnio.

    Posse agrria tem outros fundamentos. Esta merece ser protegida em

    razo da posse mesma. Nesta viso, o fundamental a atividade agrria, sobretudo aquela que desenvolvida dentro dos padres que atendam aos requisitos da funo social da terra.

    Observe-se, contudo, que o Poder Judicirio, salvo excees, ainda

    no conseguiu avanar significativamente neste entendimento. Boa parte do poder judicirio inverte os valores, quando da interpretao e aplicao da legislao. No a Norma Constitucional que deve ser interpretada e aplicada luz das disposies do Cdigo Civil, e sim o inverso.

    Pela melhor interpretao, fica (ou deveria ficar) sem proteo

    possessria a propriedade imvel rural que no cu