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urso C ECA e Adolescente do Criança da Estatuto

Curso ECA - Certificado em 5 minutos · Forma de elaboração do Estatuto: Diversamente do que ocorre com a maioria das leis brasileiras, o ECA não foi elaborado apenas por um grupo

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urso C E CAe Adolescente

do Criança da Estatuto

A CONSTITUIÇÃO DE 1988 E A INFÂNCIA E A JUVENTUDE. A DOUTRINA DA PROTEÇÃO INTEGRAL. A CONVENÇÃO DA ONU SOBRE OS DIREITOS DA CRIANÇA. O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n° 8069/90) está em vigor desde julho

de 1990 e revolucionou o tratamento legal dispensado a pessoas com menos de 18 anos. Trouxe inúmeras inovações em relação à prevenção e proteção contra a violação dos direitos fundamentais das crianças e dos adolescentes1, que não mais são tratados como meros objetos da intervenção do Estado (tal qual ocorria no revogado Código de Menores), mas sim como SUJEITOS DE DIREITOS.

Tem como viga mestra a DOUTRINA DA PROTEÇÃO INTEGRAL, que está

enunciada na Constituição Federal de 1988, em seu art.227. O artigo 227 da nossa CF é reconhecido na comunidade internacional como a melhor SÍNTESE da convenção da ONU de 1989 que dispõe sobre os direitos fundamentais de crianças e adolescentes. Tem como teor que é DEVER da FAMÍLIA, da SOCIEDADE e do ESTADO (latu sensu) assegurar à criança e ao adolescente, COM ABSOLUTA PRIORIDADE, o direito à vida à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

A doutrina da proteção integral, absorvida pela Constituição Federal de 1988, que

se baseia na PROTEÇÃO TOTAL E PRIORITÁRIA dos direitos infanto-juvenis, tem alicerce jurídico e social na supramencionada Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 20 de novembro de 1989. O Brasil adotou o texto desta convenção pelo Decreto n° 99.710, de 21 de novembro de 1990, após a análise pelo Congresso Nacional, que a aprovou (Dec. Legislativo n° 28, de 14.09.90).

A citada Convenção, em seus 54 artigos, reconhece o fato de que as crianças, por

sua inerente vulnerabilidade, necessitaram de cuidados especiais, proteção responsável da família, respeitos aos seus valores culturais, da comunidade, tendo também firmado regras de não discriminação, determinando que os países signatários zelem pela implementação de direitos como nome, nacionalidade, preservação de identidade etc.

Com a adoção da doutrina da proteção integral, não se vê a atuação dos poderes

constituídos apenas quando há prática de infração ou quando se constata que crianças e adolescentes estão privados de condições de sobrevivência de forma digna.

ATUA-SE PREVENTIVAMENTE, DE MODO QUE NÃO SE INSTALE ESTA

SITUAÇÃO. Parte-se do pressuposto de que a maior parte da população infanto-juvenil sofre constante ameaça ou violação de seus direitos fundamentais, notadamente por omissão do Estado.

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1 tecnicamente, o termo "menor" não mais é empregado para designar pessoas com idade inferior a 18 (dezoito) anos, tendo sido abolido pelo ECA por conter uma carga negativa e pejorativa, que obviamente não se coaduna com as doutrinas da PROTEÇÃO INTEGRAL e da PRIORIDADE ABSOLUTA sobre as quais se assenta a novel legislação. Doutrinariamente, no entanto, persistem as figuras do "menor impúbere" e do "menor púbere" a que se refere o Código Civil (art.5°, inciso I e art.6º, inciso I), sendo certo que se enquadram no conceito de "menores púberes" mesmo pessoas que não mais podem ser consideradas adolescentes (por terem idade superior a 18 e inferior a 21 anos);

Forma de elaboração do Estatuto:

Diversamente do que ocorre com a maioria das leis brasileiras, o ECA não foi

elaborado apenas por um grupo selecionado de juristas. É o resultado da reflexão e participação de vários segmentos da sociedade, como movimentos populares, profissionais da área da saúde, da educação da assistência social, profissionais de entidades de atendimento. Levou-se em consideração a nossa realidade social. Prevê a contínua articulação de vários segmentos da sociedade civil e debates com setores governamentais, nascendo o Forum DCA - Forum permanente de Direitos da Criança e do Adolescente. Mudança de conceito do Direito da Criança e do Adolescente:

Com o ECA, que absorve a doutrina da proteção integral, o "Direito da Criança e do Adolescente" deixa de ser conceituado como o conjunto de regras jurídicas referentes à situação irregular dos menores de 18 anos, para ser conceituado como o conjunto de regras jurídicas relativas aos deveres impostos à família, à sociedade e ao Estado para a defesa dos direitos primordiais das pessoas em desenvolvimento. Somente com a exata noção do significado e alcance deste conceito é que vamos compreender, em relação à finalidade, o conteúdo das regras do Estatuto. Crianças e adolescentes devem ser considerados, antes e sobretudo, sujeitos de direitos, a eles sendo devida proteção especial e integral por parte de TODOS: família, sociedade e Estado. Doutrinas referentes à Justiça da Infância e da Juventude:

Para melhor entendimento da atuação da Justiça em relação às crianças e aos adolescentes, é interessante o estudo das doutrinas que a fundamentaram ou a fundamentam atualmente. 1 - Doutrina do Direito Penal do Menor:

Segundo ela, a Justiça apenas intervém quando a criança ou o adolescente praticam uma infração penal. Transfere-se à Justiça direcionada aos menores de dezoito anos a mesma sistemática do Direito Penal. Outorga-se à sociedade o direito de reprimir os atos que lhe são lesivos e praticados pelos menores de 18 anos, sem imposição de qualquer dever para garantia de direitos fundamentais. A Justiça, de acordo com esta doutrina, somente atua quando ocorre a prática de uma infração por criança ou adolescente.

No Brasil, esta doutrina vigorou de 1830 a 1979. A questão da infração praticada

por menores de dezoito anos era regulada no Código Penal de 1830 (do Império), dando tratamento diferenciado aos menores de 21 anos.

Adotava a teoria do discernimento, indicando que os menores de 14 anos, que

tivessem agido com discernimento seriam recolhidos à casa de correção pelo tempo que o juiz achasse necessário, mas não poderiam permanecer após os 17 anos. Entre 14 e 17 anos estavam sujeitos à pena de cumplicidade (2/3 da do adulto). Entre 17 e 21 tinham a atenuante da menoridade.

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Código Penal de 1890 (primeiro da República), na mesma linha anterior, declarou a irresponsabilidade absoluta aos menores de 9 anos. Os de 9 a 14 anos que agissem com discernimento iriam para estabelecimentos disciplinares industriais, pelo tempo que o juiz achasse necessário. Aos entre 14 e 17, a pena de cumplicidade. Aos entre 17 e 21, a atenuante da menoridade.

É claro que jamais existiram os estabelecimentos "disciplinares industriais" e as

"casas de correção", sendo os jovens infratores lançados nas prisões comuns de adultos em absoluta promiscuidade.

Esta doutrina não poderia nortear a atuação da Justiça da Infância e da Juventude

no Brasil. Somente em países desenvolvidos, onde todos os direitos fundamentais de crianças e adolescentes já são naturalmente respeitados. 2 - Doutrina da Situação Irregular ou do Direito Tutelar do Menor:

Adotada pelo Código de Menores revogado e se revela na intervenção da Justiça da Infância e da Juventude quando verificada a chamada "situação irregular".

As 06 (SEIS) situações irregulares que autorizavam a atuação do Juiz da Infância e

da Juventude eram as seguintes:

a) quando a criança ou o adolescente (então genericamente chamados de "menor") se encontrava privado de condições essenciais de sobrevivência, saúde, instrução obrigatórias, ainda que eventualmente em razão de falta, ação ou omissão dos pais ou responsável e manifesta impossibilidade de os mesmos provê-las (ou seja, quando a família vivesse em condição de miserabilidade2);

b) quando fosse vítima de maus tratos ou castigos imoderados impostos pelos pais ou responsáveis;

c) quando estivesse em perigo moral por estar habitualmente em ambiente contrário aos bons costumes ou em atividade contrária aos bons costumes;

d) quando estivesse privado de representação ou assistência legal, pela falta eventual dos pais ou responsável;

e) quando apresentasse desvio de conduta, em virtude de grave inadaptação familiar e comunitária;

f) quando fosse autor de infração penal.

O que se verificava, portanto, era uma total inversão de valores, conceitos e princípios, pois mesmo quando a conduta omissiva ou comissiva da qual resultava grave violação de direitos da criança ou do adolescente era praticada pelos seus próprios pais ou responsável, sociedade ou Estado, quem estava em "situação irregular" era o chamado "menor", e não o responsável pela violação de direitos.

Não se atuava de forma preventiva e, nesse aspecto em particular, o que se

verificava era uma inércia inadmissível dos poderes constituídos, cabendo ao antigo "Juiz de Menores" resolver os problemas resultantes dessa omissão, praticamente estabelecendo, a seu exclusivo critério e iniciativa, um "arremedo" pouco eficaz (dada absoluta ausência de recursos e meios) ao que hoje chamamos de "política de atendimento" à criança e ao adolescente a nível de comarca.

Não reconhecia o "menor" como sujeito de direitos, mas sim mero OBJETO DA

INTERVENÇÃO DO ESTADO, considerando que toda e qualquer intervenção estatal em relação

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2 esta disposição contida no Código de Menores, que de maneira evidentemente inadequada permitia a retirada da criança ou adolescente da companhia de seus pais e encaminhamento a abrigos apenas em razão da pobreza, inspirou a regra contida no art.23 e par. único do ECA, segundo os quais "a falta ou carência de recursos materiais não constitui motivo suficiente para perda ou suspensão do pátrio poder" e que "não existindo outro motivo que por si só autorize a decretação da medida, a criança ou o adolescente será mantido em sua família de origem, a qual deverá obrigatoriamente ser incluída em programas oficiais de auxílio" (verbis).

aos "menores" era do interesse destes, pelo que o "Juiz de Menores" tinha poderes amplos e quase que ditatoriais nesta área, o que pode ser exemplificado através da possibilidade da expedição, por parte desta autoridade, de portarias regulamentadoras e disciplinadoras genéricas e despidas de qualquer fundamentação3, que funcionavam como verdadeiras "leis" destinadas em muitos casos a restringir direitos de crianças e adolescentes.

Ainda em razão dessa suposta intervenção sempre "positiva", podia haver a

internação do "menor em situação irregular" em estabelecimento "correicional" ainda que não tivesse sido por ele praticado qualquer ato infracional, permanecendo o mesmo em instituições para onde também eram encaminhados os infratores, em total promiscuidade e falta de critérios.

E mais, não se reconhecia a existência de lide nos procedimentos em que se

apurava a prática do ato infracional, pelo que a intervenção do defensor era apenas facultativa, sendo os eventuais recursos interpostos apreciados por órgãos de competência meramente administrativa dos Tribunais, como é o caso do Conselho da Magistratura, que apenas recentemente, no estado do Paraná, deixou de ser responsável pelo julgamento de causas referentes à área da infância e juventude4. 3 - Doutrina da proteção integral:

É a adotada pelo ECA, com base na CF e normativa internacional. Conforme enuncia, coloca a efetivação dos direitos fundamentais como PRIORIDADE ABSOLUTA, significando esta, por regras do ECA, preferência na formulação e execução de políticas sociais pública e destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude (art.227, caput da CF e art.4º, caput e par. único, alíneas "c" e "d" do ECA).

Como o ECA substituiu o "Código de Menores", que como vimos era um lei

extremamente autoritária que não afirmava direitos e, embora em muitos aspectos não recepcionados pela CF/88, ainda perdurou por 02 (dois) anos após sua promulgação, o legislador se viu na obrigação de dizer o óbvio, reproduzindo muitas vezes o texto constitucional e em outras melhor explicitando os direitos e garantias nele contidas, de modo a deixar claro que elas TAMBÉM se aplicam a crianças e adolescentes, que se têm um tratamento difenciado, este se dá de forma compensatória, única forma de assegurar a plena efetivação do princípio constitucional que estabelece a IGUALDADE entre todos os cidadãos.

Conceitos de CRIANÇA e ADOLESCENTE (art.2º, caput do ECA): a) CRIANÇA é a PESSOA DE ATÉ 12 (DOZE) ANOS INCOMPLETOS e b) ADOLESCENTE é a PESSOA COM IDADE ENTRE 12 (DOZE) E 18 (DEZOITO) ANOS

INCOMPLETOS. 3 o que como veremos nas aulas seguintes não mais se faz possível pela sistemática adotada pelo ECA;

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4 através da Resolução nº 05/99, publicada no Diário da Justiça de 18 de outubro de 1999 (págs.01 e 02), o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por intermédio de seu Órgão Especial, houve por bem ALTERAR a redação de alguns dispositivos de seu Regimento Interno, dentre os quais seus arts.85 e 88, bem como REVOGAR seu art.94, inciso XXII, fazendo com que a COMPETÊNCIA PARA PROCESSAR E JULGAR, EM GRAU DE RECURSO, A MATÉRIA CONCERNENTE AO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE, que antes era do Conselho da Magistratura, passasse a ser DAS CÂMARAS CRIMINAIS ISOLADAS e, nas demais hipóteses previstas no Regimento Interno, do GRUPO DE CÂMARAS CRIMINAIS.

ABRANGÊNCIA do ECA (art.2º e par. único do ECA):

O ECA aplica-se indistintamente a TODAS as CRIANÇAS e ADOLESCENTES, ou seja, a todas as pessoas com idade inferior a 18 (dezoito) anos, sendo que em SITUAÇÕES EXCEPCIONAIS, expressamente definidas em lei, aplica-se TAMBÉM A PESSOAS ENTRE 18 (DEZOITO) E 21 (VINTE E UM) ANOS DE IDADE5.

São hipóteses de aplicação excepcional do ECA a pessoas de idade superior a 18

anos: a) a adoção, segundo as regras do Estatuto, de pessoa com mais de 18 (dezoito) e menos de 21

(vinte e um) anos que, antes dessa idade, já se encontrava sob a guarda de direito ou de fato da pessoa ou casal adotante6 (art.40 do ECA);

b) a colocação de pessoa com idade entre 18 (dezoito) e 21 (vinte um) anos sob tutela (art.36, caput do ECA);

c) a aplicação de medidas sócio-educativas a adolescentes acusados da prática de atos infracionais - entendimento decorrente do contido no art.121, §5º do ECA, que prevê a liberação compulsória do jovem que se encontra cumprindo medida privativa de liberdade de internação quando do atingimento dos 21 (vinte e um) anos7.

Ressalvado o caso da tutela, a EMANCIPAÇÃO do jovem com idade entre 18

(dezoito) e 21 (vinte e um) anos não impede a incidência do ECA nas demais situações acima relacionadas. O ECA somente confere direitos, deixando de lado os deveres?

Evidente que não. A rigor o ECA não confere a crianças e adolescentes direitos

outros além daqueles assegurados a todos os cidadãos pela CF e legislação ordinária já existente, embora existam disposições específicas destinadas a protegê-los contra a ameaça ou violação de direitos fundamentais e naturais.

O que é importante deixar claro é que o ECA não confere qualquer espécie de

"imunidade" a crianças e adolescentes, de modo a permitir que estes descumpram normas e violem direitos de outras pessoas, sem que recebam a devida resposta estatal. A regra elementar de direito natural que reza "o direito de cada um vai até onde começa o direito do outro" vale também para crianças e adolescentes, que dependendo o caso e grau de violação estão sujeitos à intervenção do Conselho Tutelar, polícia e autoridade judiciária, que aos adolescentes autores de atos infracionais8 pode impor medidas sócio-educativas privativas de liberdade.

5 não se limita, portanto, a crianças e adolescentes que se encontram em situação de risco pessoal ou social na forma do disposto em seu art.98, aos quais apenas prevê a especial intervenção do Conselho Tutelar e/ou Juizado da Infância e Juverntude e a aplicação de medidas de proteção (art.101, também do ECA) para tentar reverter o quadro; 6 embora a matéria venha a ser melhor analisada oportunamente, vale aqui registrar que, salvo na mencionada hipótese, a adoção de pessoa maior de 18 (dezoito) anos ainda é possível, porém será regulada pelo Código Civil (arts.368 a 378), e não pelo ECA; 7 apesar de o dispositivo citado falar apenas na medida de internação, dada possibilidade de qualquer medida sócio-educativa anteriormente aplicada nela ser convertida, caso descumprida de forma reiterada e injustificada (com a incidência do disposto nos arts.122, inciso III e 122, §1º do mesmo Diploma Legal), firmou-se posicionamento - hoje pacífico no Estado do Paraná, que mesmo em se tratando de infrações que não podem ser consideradas de natureza grave (e assim não comportam desde logo a aplicação da medida privativa de liberdade extrema, dada redação do art.122, incisos I e II, também do ECA), o atingimento da imputabilidade penal no curso do procedimento (ainda que antes da fase judicial) não é causa de sua extinção;

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8 definidos pelo art.103 do ECA como condutas descritas como crime ou contravenção pela Lei Penal;

Como dito acima, o que o ECA faz é REAFIRMAR direitos, de modo a deixar

explícito que crianças e adolescentes deles TAMBÉM SÃO TITULARES, pois, consoante ventilado, a lei anterior assim não o reconhecia. Mas não fica só aí, pois ao encampar as citadas doutrinas da PROTEÇÃO INTEGRAL e da PRIORIDADE ABSOLUTA, o ECA estabelece ser DEVER DE TODOS (família, sociedade e Estado) e portanto DE CADA UM DE NÓS, "prevenir a ocorrência de ameaça ou violação de direitos da criança e do adolescente" (verbis), consoante expressamente determina seu art.70.

Em seu art.4º, par. único, o ECA procura explicitar o que compreende a "garantia

de prioridade" preconizada pelo caput do mesmo dispositivo (que por sua vez, como vimos, praticamente reproduz o art.227, caput da CF), a saber:

a) a primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias - evidente que

todas as pessoas que se encontram em situação de perigo têm o direito de ser protegidas e socorridas, mas em havendo crianças, adolescentes e adultos nas mesmas circunstâncias, são aqueles que devem receber a proteção e socorro em primeiro lugar;

b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública - valem aqui, mutatis mutandis, as mesmas observações supra, pois todas as pessoas, independentemente de sua idade, têm direito ao atendimento em tais serviços. Mais uma vez, no entanto, em se encontrando em situações semelhantes, deverão ser atendidas em primeiro lugar crianças e adolescentes;

c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas - embora todos devam ser beneficiados pelas políticas sociais públicas, quando de sua elaboração deverá ser dado especial destaque ao atendimento de crianças e adolescentes, garantindo, por exemplo, a implantação de programas que permitam a efetivação das regras contidas nos arts.90. 101 e 129 do ECA;

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d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e juventude - norma de clareza cristalina, deveria garantir a previsão, no orçamento da União, estados e municípios, de recursos em patamar PRIVILEGIADO e SUFICIENTE para criação e manutenção de programas de prevenção, proteção, sócio-educativos e destinados a famílias de modo a atender a demanda existente, permitindo assim que cada município (a MUNICIPALIZAÇÃO do atendimento a crianças e adolescentes é DIRETRIZ traçada pelo art.88, inciso I do ECA) tenha uma estrutura de atendimento adequada ao preconizado pelo ECA.

Infelizmente, apesar de a GARANTIA DE PRIORIDADE encontrar respaldo

constitucional, as disposições contidas no art.4º, par. único do ECA ainda não vêm sendo cumpridas a contento, notadamente no que diz respeito à obrigação de os governantes destinar à área um tratamento privilegiado, em especial a nível orçamentário.

O Ministério Público tem procurado de todas as formas reverter essa situação, e

embora venha conseguindo obter vários resultados positivos, ainda persiste o entendimento retrógrado e obviamente INCONSTITUCIONAL e contra legem segundo o qual o administrador público teria discricionariedade para dar preferência ao atendimento de outras áreas que não a infanto-juvenil.

Tal pensamento deve ser objeto de veemente repúdio, pois contra a PRIORIDADE - e PRIORIDADE ABSOLUTA que o art.227 caput da CF diz deve o Estado destinar à área da infância e juventude, obviamente desaparece a discricionariedade.

Vale também observar que a PRIORIDADE ABSOLUTA preconizada pela norma

constitucional também atinge outros setores, inclusive no que diz respeito à atuação do Ministério Público e do Poder Judiciário, devendo este destinar à área da infância e juventude um tratamento privilegiado, com preferência na inclusão dos casos a ela afetos nas pautas de

audiências e nos julgamentos, de modo que entre a deflagração das ações e procedimentos e a sentença decorra o menor espaço de tempo possível, evitando-se os malefícios da morosidade da Justiça que atingem de forma particularmente cruel crianças e adolescentes.

Para tanto, notadamente nas comarcas que não contam com varas

especializadas, devem os cartórios judiciais ser, nesse sentido, orientados e continuamente fiscalizados, pois como todas as ações que tramitam na Justiça da Infância e Juventude SÃO ISENTAS DE CUSTAS E EMOLUMENTOS (art.141, §2º do ECA), há uma nítida tendência de colocá-las em segundo plano na juntada de peças, cumprimento de diligências por oficiais de justiça, abertura de vista etc., negando-lhes assim o tratamento PRIORITÁRIO que merecem.

Registre-se que a prioridade no julgamento dos casos em grau de recurso pelos

Tribunais foi expressamente contemplada pelo art.198, inciso III do ECA, que para garantir maior celeridade também previu a dispensa de revisor9.

Interessante transcrever o contido no art.6º do ECA, que tem nítida inspiração no

art.5º da LICC: "na interpretação desta lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento" (verbis).

A interpretação do ECA, portanto, deve ser sempre a mais favorável possível à

criança e ao adolescente, levando-se em conta sua peculiar condição de pessoas (ou cidadãos) em desenvolvimento.

Também aqui se verificam algumas distorções, em especial quando da prática de

ato infracional por adolescentes, onde jovens de 12 ou 13 anos são tratados como se tivessem o mesmo discernimento e "culpabilidade" de um imputável com larga experiência de vida.

9 "os recursos terão preferência de julgamento e dispensarão revisor" (art.198, inciso III - verbis).

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LIVRO I – PARTE GERAL I. DIREITOS FUNDAMENTAIS 1 - DIREITO À VIDA E SAÚDE:

PRINCÍPIO - A criança e o adolescente, como não poderia deixar de ser, têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas (que como vimos devem ser formuladas em caráter PREFERENCIAL por parte do Poder Público - art.4º, par. único, alínea "c" do ECA) que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, condições dignas de existência - art.7º do ECA;

É assegurado à GESTANTE, através do SUS, o ATENDIMENTO PRÉ E PERINATAL

(período imediatamente anterior e posterior ao parto, ou seja, do momento em que é atendida na maternidade ou hospital para dar a luz até o momento de sua alta) - art.8º, caput, do ECA;

Cabe ainda ao Poder Público o APOIO ALIMENTAR À GESTANTE E À NUTRIZ

(mulher que amamenta) que dele necessitem - art.8º do ECA; Tanto o Poder Público quanto as instituições e os empregadores em geral têm o

DEVER LEGAL de proporcionar aos recém nascidos CONDIÇÕES ADEQUADAS AO ALEITAMENTO MATERNO, que vale inclusive a filhos de mulheres submetidas a medidas privativas de liberdade.

A propósito, importante observar que a CLT prevê, em seu art.389, inciso IV, §1º, que

os estabelecimentos em que trabalharem pelo menos 30 (trinta) mulheres com mais de 16 (dezesseis) anos de idade, deverão ter local apropriado onde seja permitido às empregadas guardar sob vigilância os seus filhos no período de amamentação, ou seja, DEVEM MANTER CRECHES na própria sede da empresa ou mesmo em outro local, sendo facultada a realização de convênios com creches já existentes.

A CLT ainda estabelece o direito da mãe, até que seu filho complete 06 (seis) meses

de idade, a 02 (dois) descansos especiais durante a jornada de trabalho, de meia hora cada um - art.396, caput, para fins de amamentação do bebê. O período de 06 (seis) meses acima referido poderá ser DILATADO, quando restar demonstrada a necessidade da medida, a bem da saúde da criança - art.396, par. único da CLT.

Os hospitais e demais estabelecimentos de atenção à saúde, dentre outros, têm o

DEVER de:

• MANTER REGISTRO das atividades desenvolvidas, através de prontuários individuais dos neonatos e parturientes, PELO PRAZO DE 18 (DEZOITO) ANOS - art.10, inciso I do ECA, inclusive sob pena da prática de CRIME previsto no art.229 do ECA;

• IDENTIFICAR O RECÉM NASCIDO mediante o registro de sua impressão plantar (planta do pé) e digital, bem como a impressão digital da mãe, sem prejuízo de outras formas a serem exigidas pela autoridade administrativa competente (Secretaria de Saúde) - art.10, inciso II do ECA. Caso não se proceda a identificação do neonato e a parturiente, em tese restará caracterizado o CRIME previsto no art.229 do ECA;

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• PROCEDER A EXAMES visando o DIAGNÓSTICO E TERAPÊUTICA DE ANORMALIDADES NO METABOLISMO do recém-nascido (por exemplo, o "teste do pezinho", exame que deve ser realizado MAIS DE 48 horas após o parto - e também após algumas amamentações, que visa identificar os portadores da FENILCETONÚRIA e

HIPOTIREODISMO CONGÊNITO - doenças de regra hereditárias causadas por problemas de metabolismo que podem resultar em deficiência mental), bem como PRESTAR ORIENTAÇÃO AOS PAIS acerca dos cuidados que deverão ter com o filho cujos exames tiveram resultado positivo - art.10, inciso III do ECA, sendo que a NÃO REALIZAÇÃO dos exames importa na prática de CRIME também previsto no art.229 do ECA;

• FORNECER DECLARAÇÃO DE NASCIMENTO, onde constarão as intercorrências do parto e do desenvolvimento do neonato e será utilizada inclusive para fins de registro civil, independentemente do pagamento de taxas ou do débito hospitalar - art.10, inciso IV do ECA, sendo que a RECUSA no seu fornecimento importa na prática de CRIME previsto no art.228 do ECA;

• MANTER ALOJAMENTO CONJUNTO, de modo que o neonato possa permanecer em companhia da mãe enquanto não receber alta - art.10, inciso V do ECA.

Nos termos do disposto no art.11, §1º do ECA, a criança e o adolescente

PORTADORES DE DEFICIÊNCIA deverão receber TRATAMENTO ESPECIALIZADO, norma que encontra respaldo no art.227, §1º, inciso II da Constituição Federal.

O Estatuto estabelece, de maneira EXPRESSA, que o Poder Público está OBRIGADO

a FORNECER GRATUITAMENTE a crianças e adolescente que necessitem, os MEDICAMENTOS, PRÓTESES e OUTROS RECURSOS necessários ao TRATAMENTO, HABILITAÇÃO ou REABILITAÇÃO, sendo que o não fornecimento ou a oferta irregular de tais produtos e serviços autoriza o ajuizamento de AÇÃO CIVIL PÚBLICA por parte do MP - art.11, §2º, c/c art.201, incisos V, VII e VIII e art.208, inciso VII do ECA.

Os estabelecimentos de atenção à saúde tem o DEVER de proporcionar condições

para a PERMANÊNCIA EM TEMPO INTEGRAL de UM DOS PAIS OU RESPONSÁVEL em companhia da criança ou adolescente que estiver internado - art.12 do ECA.

Sem prejuízo de outras providências, os casos de mera SUSPEITA ou

CONFIRMAÇÃO de MAUS-TRATOS contra criança ou adolescente OBRIGATORIAMENTE TERÃO DE SER COMUNICADOS ao CONSELHO TUTELAR pelo MÉDICO ou RESPONSÁVEL POR ESTABELECIMENTO DE PROTEÇÃO À SAÚDE, sob pena da prática de INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA às normas de proteção à criança e ao adolescente, que sujeita o infrator a uma pena de MULTA de 03 a 20 salários-de-referência, aplicando-se o DOBRO no caso de reincidência - art.13 c/c art.245 do ECA.

O SUS deverá promover PROGRAMAS DE ASSISTÊNCIA MÉDICA e

ODONTOLÓGICA objetivando a PREVENÇÃO de doenças que ordinariamente afetam a população infantil, bem como CAMPANHAS DE EDUCAÇÃO SANITÁRIA PARA PAIS, EDUCADORES E ALUNOS, sendo também OBRIGATÓRIA a VACINAÇÃO de crianças nos casos recomendados - art.14 e par. único do ECA.

Tais disposições evidenciam a preocupação do ECA com o aspecto PREVENTIVO.

2 - DIREITO À LIBERDADE, AO RESPEITO E À DIGNIDADE:

São DIREITOS CONSTITUCIONAIS de TODA PESSOA HUMANA, independentemente de sua idade, tendo sido REPRODUZIDOS pelo ECA apenas para reforçar a idéia de que TODOS têm o DEVER de RESPEITAR e FAZER RESPEITAR tais direitos (art.227, caput da CF e arts.3º, 4º, caput, 5º, 18 e 70 do ECA).

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O DIREITO À LIBERDADE compreende, dentre outros, o direito de ir e vir e estar nos logradouros públicos e espaços comunitários, RESSALVADAS AS RESTRIÇÕES LEGAIS - art.16, inciso I do ECA.

Tal disposição, além de reforçar a idéia de que as crianças e adolescentes estão

sujeitas ÀS MESMAS restrições e vedações estabelecidas a adultos, não tendo assim, como acreditam alguns, uma espécie de "salvo conduto" que os colocaria "acima" ou "fora do alcance" da lei, em contrapartida estabelece a impossibilidade de serem criadas restrições específicas ao direito à liberdade de locomoção de crianças e adolescentes fora das situações expressamente relacionadas ou autorizadas por lei.

É, portanto, VEDADO, até mesmo por afronta ao direito fundamental e constitucional

de ir e vir, o estabelecimento de "toques de recolher" para crianças e adolescentes, como recentemente ocorreu em uma comarca paranaense (via portaria judicial).

Caso se deseje evitar que crianças e adolescentes permaneçam perambulando pelas

ruas no período noturno, por exemplo, a ação deve ser voltada no sentido da ORIENTAÇÃO do jovem e sua família, que eventualmente poderá ser RESPONSABILIZADA por permitir tal periclitante situação, podendo ser processada pelo MP ou Conselho Tutelar pela prática da INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA prevista no art.249 do ECA (sendo o procedimento respectivo previsto nos arts.194 a 197. do ECA), sem embargo de outras medidas previstas no art.129 do mesmo Diploma Legal.

O DIREITO AO RESPEITO (art.17 do ECA) consiste na INVIOLABILIDADE da

integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a PRESERVAÇÃO DA IMAGEM, DA IDENTIDADE etc.

Tal disposição tem especial relevância quando se trata de criança ou adolescente

acusados da PRÁTICA DE ATO INFRACIONAL, onde o art.143 do ECA estabelece a VEDAÇÃO DA DIVULGAÇÃO de atos judiciais, policiais e administrativos que a eles digam respeito, sendo que qualquer notícia do fato NÃO PODERÁ IDENTIFICAR, DIRETA OU INDIRETAMENTE a criança ou o adolescente, sendo VEDADAS fotografias e referências a nome, apelido, filiação e parentesco.

Caso descumprida esta regra, restará CARACTERIZADA A INFRAÇÃO

ADMINISTRATIVA prevista no art.247 do ECA. Como decorrência da doutrina da proteção integral e fazendo coro com as disposições

legais e constitucionais já citadas, o art.18 do ECA estabelece ser DEVER DE TODOS velar pela DIGNIDADE da criança e do adolescente, PONDO-OS A SALVO de qualquer tratamento desumano, violento, vexatório ou constrangedor.

A violação dessa regra pode importar na caracterização do CRIME previsto no art.232

do ECA ("submeter criança ou adolescentes sob sua autoridade, guarda ou vigilância a vexame ou constrangimento"), sem embargo na eventual caracterização de outros crimes específicos previstos na legislação penal.

3 - DIREITO À CONVIVÊNCIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA:

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PRINCÍPIO: Atendendo ao comando emanado do art.227, caput da Constituição Federal, que faz expressa referência ao DIREITO À CONVIVÊNCIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA, o art.19 do ECA estabelece que toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado NO SEIO DE SUA FAMÍLIA NATURAL e, EXCEPCIONALMENTE, em FAMÍLIA SUBSTITUTA,

sendo ASSEGURADA A CONVIVÊNCIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA, em ambiente LIVRE DA PRESENÇA DE PESSOAS DEPENDENTES DE SUBSTÂNCIAS ENTORPECENTES.

Esta REGRA se encontra em perfeita consonância com o disposto no art.100 do ECA,

onde temos que, quando da aplicação de medidas a crianças, adolescentes (inclusive as sócio-educativas, dada redação do art.113 do mesmo Diploma Legal), deve ser dado PREFERÊNCIA àquelas que visam FORTALECER OS VÍNCULOS FAMILIARES E COMUNITÁRIOS.

A permanência da criança e do adolescente junto à sua FAMÍLIA NATURAL, que por

definição do art.25 do ECA é "a comunidade formada pelos pais ou qualquer deles e seus descendentes", é DIREITO FUNDAMENTAL, sendo que NÃO POR ACASO, quando relacionou as medidas aplicáveis aos pais ou responsáveis, o ECA estabeleceu como PROVIDÊNCIA PRIMEIRA o "encaminhamento a programa oficial ou comunitário de promoção à família" (art.129, inciso I do ECA), deixando para ÚLTIMO CASO a "suspensão ou destituição do pátrio poder" (art.129, inciso X do ECA).

Tal sistemática foi adotada, principalmente, em razão de dois aspectos: a presunção

de melhor atendimento das necessidades básicas pela família natural e flagrante inconveniência da ruptura de vínculos afetivos tão importantes para estruturação da personalidade do jovem.

Para que haja plena executoriedade de tal direito fundamental, o ECA, atendendo à

realidade de pobreza no País, estabelece em seu art.23 que "a falta ou carência de recursos materiais não constitui motivo suficiente para perda ou a suspensão do pátrio poder", sendo certo que, em não havendo outro motivo, "a criança ou adolescente será mantido em sua família de origem, a qual deverá obrigatoriamente ser incluída em programas oficiais de auxílio" (art.23, par. único do ECA). A regra aqui transcrita, diga-se de passagem, também é o corolário do art.226, §8º da Constituição Federal.

O art.20 do ECA reproduz integralmente o art.227, §6º da CF, estabelecendo a

absoluta IGUALDADE para todos os FILHOS, sejam eles havidos ou não da relação de casamento, naturais ou adotivos, que deverão ter os MESMOS DIREITOS E QUALIFICAÇÕES, sendo VEDADAS quaisquer DESIGNAÇÕES DISCRIMINATÓRIAS relativas à filiação.

Logo, não mais há que se fazer distinção entre "filho natural" e "filho adotivo", "filho

legítimo", "ilegítimo", "adulterino" etc. TODOS SÃO FILHOS, E APENAS COMO TAL DEVERÃO SER TRATADOS, não tendo sido recepcionadas pela Constituição Federal de 1988 as designações discriminatórias contidas na Lei Civil.

Como a criança e o adolescente têm o DIREITO FUNDAMENTAL ao

RECONHECIMENTO DO ESTADO DE FILIAÇÃO - ou seja, de saber quem são seus pais, o art.26 do ECA ELIMINOU QUALQUER RESTRIÇÃO ao reconhecimento de filho, podendo este ser efetuado por qualquer dos pais, conjunta ou separadamente, quando do próprio nascimento, por testamento, qualquer escritura ou documento público, independentemente da origem da filiação e do estado civil do reconhecedor.

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A Lei nº 8.560/92, que trata do procedimento de averiguação oficiosa da paternidade, inovou ainda mais, permitindo o reconhecimento de filho mesmo por escrito particular (que deve ser arquivado em cartório para posterior aferição de sua validade) ou declaração perante a autoridade judiciária, ainda que o ato não tivesse por escopo tal medida (art.1º, incisos I a IV). Ainda segundo este Diploma Legal, no registro de nascimento não poderá conter qualquer referência à natureza da filiação, ordem do nascimento em relação a outros irmãos (exceto no caso de gêmeos), lugar e cartório do nascimento dos pais, estado civil deste ou quaisquer indícios de que a concepção tenha sido decorrente de relação extraconjugal (sendo inclusive proibida referência à Lei que assim o determina).

O reconhecimento pode preceder o nascimento ou suceder o falecimento do filho, SE

DEIXAR DESCENDENTES, tendo sido esta última regra estabelecida para impedir que o pai omisso em assumir tal condição quando seu filho era vivo, efetue o reconhecimento após seu óbito com o único propósito de auferir vantagem econômica em decorrência de herança por ele deixada, o que atentaria contra a moralidade do ato.

Considera-se ainda o reconhecimento do estado de filiação DIREITO

PERSONALÍSSIMO, INDISPONÍVEL e IMPRESCRITÍVEL, podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros sem qualquer restrição, observado apenas o segredo de justiça.

De tão relevante o direito, que a jurisprudência têm reconhecido, em processos de

investigação de paternidade, que a autoridade judiciária tem AMPLOS PODERES PARA ATUAR NA COLETA DE PROVAS, INDEPENDENTEMENTE DO REQUERIMENTO DAS PARTES, pois o que interessa é a VERDADE MATERIAL, e não apenas a formal. Tem se admitido, inclusive, que na inexistência de outras provas seguras da paternidade e ante a incapacidade financeira das partes, o ESTADO seja compelido a CUSTEAR EXAME DE D.N.A., tudo na busca da CERTEZA quanto à paternidade.

No mesmo diapasão, existe o entendimento segundo o qual, caso não tenha sido

realizado o exame de D.N.A., por exemplo, que estabelece a certeza científica da paternidade em até 99,99%, a sentença que reconhece ou deixa de reconhecer a paternidade NÃO TRANSITARIA EM JULGADO em sentido MATERIAL, mas apenas em sentido formal, sendo então possível a RENOVAÇÃO DO PEDIDO, para fins de realização da prova técnica, sem ofensa à coisa julgada. Em contrapartida, tem-se sustentado que não mais vigoram os prazos decadenciais estabelecidos pela lei civil para o ingresso com a ação negatória de paternidade, pelo que em havendo justificativa idônea, poderia ser essa ação proposta a qualquer tempo para fins de realização do exame DNA.

Os arts.21 e 22 do ECA decorrem do disposto no art.226, §5º da CF, segundo o qual

"os DIREITOS e DEVERES referentes à sociedade conjugal SÃO EXERCIDOS IGUALMENTE PELO HOMEM E PELA MULHER".

Pela norma estatutária, o pátrio poder (designação que a reforma do Código Civil

pretende abolir) é exercido EM IGUALDADE DE CONDIÇÕES por ambos os genitores, sendo assegurado a qualquer deles o direito de, em caso de discordância, recorrer à autoridade judiciária competente para a solução da divergência.

Por "autoridade judiciária competente" deve-se entender OU o Juiz da Vara da

Família OU o Juiz da Infância e Juventude, a depender da demonstração da SITUAÇÃO DE RISCO pessoal ou social da criança ou adolescente objeto da divergência parental, a teor do disposto no art.149, par. único, alínea "d" c/c art.98 caput e incisos I, II e III, ambos do ECA.

DEVERES INERENTES AO PÁTRIO PODER: São previstos pelo art.22 do ECA, bem

como pelo art.384 do Código Civil, tendo por base o disposto no art.229 da CF. Por definição, o pátrio poder é o "conjunto de direitos e deveres que os pais

possuem em relação a seus filhos", sendo que o ECA reproduz alguns dos deveres relacionados na Lei Civil sem no entanto tornar sem efeito os demais, que subsistem apesar de não terem sido expressamente relacionados na legislação tutelar.

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São eles:

a) Deveres de GUARDA, SUSTENTO e EDUCAÇÃO (devendo esta ser entendida não apenas a educação escolar, mas sim em toda amplitude do preconizado pelo art.205 da CF - "...visando ao pleno desenvolvimento da PESSOA, seu preparo para o exercício da CIDADANIA..."), compreendendo os deveres de "assistência" e "criação" previstos pelo art.229 da CF;

b) Conceder-lhes ou negar-lhes o consentimento para casarem;

c) Nomear-lhes tutor, por testamento, na forma da Lei Civil;

d) Representá-los até os 16 anos e assistí-los após essa idade, suprindo-lhes o consentimento (o

art.146 do ECA, que trata do acesso à justiça, estabelece que os menores púberes e impúberes serão assistidos ou representados na forma prevista na legislação civil ou processual);

e) Reclamá-los de quem ilegalmente os detenha (norma que serve de fundamento a pedidos de

busca e apreensão de crianças e adolescentes);

f) Exigir que lhe prestem obediência e respeito;

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g) Cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais. Em relação a estes 02 (dois) últimos dispositivos, deve-se observar as restrições

contidas no art.395 do CC (que trata das hipóteses de destituição do pátrio poder, dentre as quais se encontra a de castigar imoderadamente o filho) e art.136 do Código Penal (que tipifica o crime de maus-tratos), pois embora possam e devam os pais exercer sua autoridade em relação a seus filhos, impondo-lhes os necessário LIMITES (o que faz parte do conceito mais amplo de EDUCAÇÃO), não lhes é dado cometer ABUSOS, devendo quando encontrarem dificuldades no desempenho de seu mister buscar auxílio junto aos órgãos e autoridades encarregadas da defesa dos direitos da criança e do adolescente, em especial o Conselho Tutelar.

O DESCUMPRIMENTO, doloso ou culposo dos deveres inerentes ao pátrio poder

acima relacionados, torna os pais faltosos sujeitos ao recebimento de SANÇÕES ADMINISTRATIVAS e CRIMINAIS (algumas das quais acima mencionadas), podendo mesmo haver a aplicação simultânea (embora em procedimentos distintos) de sanções penais e sanções administrativas sem que isto importe em bis in idem, dada natureza jurídica diversa entre ambas.

Isto ocorre porque, segundo o art.249 da Lei nº 8.069/90, o descumprimento,

DOLOSO ou CULPOSO dos deveres inerentes ao pátrio poder, daqueles decorrentes de tutela ou guarda, bem como de determinação da autoridade judiciária ou do Conselho Tutelar (que segundo o art.136, inciso II do ECA pode aplicar aos pais as medidas previstas no seu art.129, incisos I a VII), importa na prática de INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA, apenada com multa entre 03 (três) e 20 (vinte) salários de referência.

Caso comprovada a GRAVE VIOLAÇÃO, por parte dos pais, dos deveres inerentes ao

pátrio poder, e demonstrado de forma cabal e inequívoca a ABSOLUTA INVIABILIDADE do retorno da criança ou adolescente a sua família natural, deverá ser deflagrado PROCEDIMENTO CONTRADITÓRIO com vista à SUSPENSÃO ou DESTITUIÇÃO DO PÁTRIO PODER - art.24 do ECA, procedimento este previsto expressamente pelos arts.155 a 163 do ECA, com o subsequente encaminhamento do jovem para FAMÍLIA SUBSTITUTA ou ABRIGO (via aplicação das medidas de proteção previstas no art.101, incisos VII e VIII do ECA).

Importante observar que pátrio poder NÃO COMPORTA RENÚNCIA por parte dos pais, sendo que o procedimento deflagrado para sua suspensão ou destituição, por ser uma "AÇÃO DE ESTADO" que versa sobre um DIREITO INDISPONÍVEL, reclama a aplicação do disposto no art.320, inciso II do CPC, razão pela qual, ainda que não contestado o feito, OBRIGATORIAMENTE DEVE SER ELE INSTRUÍDO, bem como devidamente COMPROVADA a presença da alegada causa de suspensão ou destituição, sendo INAPLICÁVEIS os EFEITOS DA REVELIA, previstos no art.319 do CPC. 4 - DA FAMÍLIA SUBSTITUTA:

Demonstrada a ABSOLUTA IMPOSSIBILIDADE da permanência da criança ou do

adolescente no seio de sua FAMÍLIA NATURAL, o ECA prevê 03 (três) MODALIDADES de colocação em FAMÍLIA SUBSTITUTA: a GUARDA, a TUTELA e a ADOÇÃO, pouco importando se o infante ou jovem se encontra ou não em situação de risco pessoal ou social na forma do disposto no art.98 da Lei nº 8.069/90 (enunciado do art.28 do ECA)10.

De qualquer sorte, não podemos perder de vista que a colocação de criança ou

adolescente em família substituta constitui-se numa MEDIDA DE PROTEÇÃO, expressamente prevista no art.101, inciso VIII do ECA, que visa garantir o exercício do direito fundamental à convivência familiar (embora em família diversa da origem) preconizado pelo art.227, caput da Constituição Federal, e arts.4º e 19 do ECA.

Para tanto, o ECA estabelece alguns PRINCÍPIOS GERAIS, que se aplicam às três

modalidades acima referidas:

a) a OBRIGATORIEDADE DA OITIVA da criança ou do adolescente sempre que estes puderem exprimir sua vontade, sendo sua opinião devidamente considerada (devendo assim, obrigatoriamente, a sentença fazer referência ao ato) - art.28, §1º do ECA;

b) a consideração do GRAU DE PARENTESCO (nesse sentido, vide também art.100 do ECA), RELAÇÃO DE AFINIDADE E AFETIVIDADE, tendo por objetivo evitar ou minorar os efeitos da colocação em lar substituto (traumas, dificuldade de adaptação, rompimento de vínculos afetivos) - art.28, §2º do ECA;

c) a pessoa ou casal que receberá a criança ou o adolescente deverá possuir COMPROVADA IDONEIDADE e apresentar um ambiente familiar adequado, não podendo ser a medida deferida a pessoa que, de qualquer modo, revele incompatibilidade com a medida - art.29 do ECA;

d) apenas a autoridade judiciária pode autorizar a transferência de criança ou adolescente a pessoa ou casal interessado ou mesmo a abrigos (como medida preparatória à colocação em família substituta11), sendo vedada a intermediação de terceiros e entidades governamentais ou não governamentais no processo (o mesmo se podendo dizer do Conselho Tutelar, que somente irá intervir A PEDIDO da autoridade judiciária) - art.30 do ECA;

Por força do disposto no art.31 do ECA, temos que a colocação de criança ou

adolescente em FAMÍLIA SUBSTITUTA ESTRANGEIRA constitui-se na "EXCEÇÃO DA EXCEÇÃO" (pois como vimos a própria colocação em família substituta já é medida

10 embora a presença ou não da situação de risco envolvendo a criança ou o adolescente seja de suma importância para fins de definição da COMPETÊNCIA RATIONE MATERIAE, nos casos de tutela e guarda, como melhor veremos adiante.

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11 pois o como melhor veremos adiante, o abrigamento é também MEDIDA DE PROTEÇÃO (art.101, inciso VII do ECA) e o Conselho Tutelar pode aplicá-la, embora APENAS quando verificada a falta, desconhecimento ou inacessibilidade, ainda que momentânea, dos pais ou responsável pela criança ou adolescente (art.136, incisos I e II do ECA).

EXCEPCIONAL), somente podendo ocorrer quando não existirem casais nacionais interessados. O dispositivo em questão também estabelece que a colocação de criança ou adolescente em família substituta estrangeira SOMENTE PODERÁ OCORRER NA MODALIDADE ADOÇÃO, que por sua vez, deverá seguir, além do procedimento previsto no ECA, os princípios e regras estabelecidas pela chamada CONVENÇÃO DE HAIA (Convenção Relativa à Proteção das Crianças e Cooperação em Matéria de Adoção Internacional), datada de 1993, assinada e ratificada no Brasil, tendo sido promulgada pelo Decreto Legislativo nº 3.087, de 21 de junho de 1999.

Ao assumir a GUARDA ou a TUTELA, o responsável deverá PRESTAR

COMPROMISSO de bem e fielmente desempenhar seu encargo, MEDIANTE TERMO nos autos (art.32 do ECA), não tendo exigência semelhante sido feita em relação à adoção em razão de que esta, uma vez deferida, confere aos adotantes a condição de PAIS do adotado (sem qualquer designação ou restrição), tendo eles assim, naturalmente, TODOS OS DEVERES INERENTES A ESSA SITUAÇÃO.

O procedimento para colocação de criança ou adolescente em família substituta se

encontra previsto nos arts.165 a 170 do ECA, sendo que a COMPETÊNCIA para apreciar o pedido respectivo deverá ser aferida segundo o disposto nos arts.148, inciso III e 148, par. único, alínea "a", ambos do ECA:

a) em se tratando de ADOÇÃO, a competência para apreciar o pedido e seus incidentes será

SEMPRE da JUSTIÇA DA INFÂNCIA E JUVENTUDE - art.148, inciso III do ECA;

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b) em se tratando de GUARDA ou TUTELA, a competência será da Justiça da Infância e Juventude APENAS SE RESTAR DEMONSTRADA A PRESENÇA DE SITUAÇÃO DE RISCO PESSOAL OU SOCIAL (nos moldes do previsto no art.98 do ECA) envolvendo a criança ou o adolescente. Do contrário, a competência será da Vara da Família (no caso de guarda) ou Cível (no caso de tutela).

O procedimento acima referido pode ser CONTENCIOSO (sendo obrigatório o

contraditório, quando necessária a prévia destituição da tutela, perda ou suspensão do pátrio poder, caso em que haverá CUMULAÇÃO DE PEDIDOS) - art.169 do ECA, ou de natureza VOLUNTÁRIA, quando os pais forem FALECIDOS, JÁ TIVEREM SIDO PREVIAMENTE DESTITUÍDOS OU SUSPENSOS DO PÁTRIO PODER OU HOUVEREM ADERIDO EXPRESSAMENTE AO PEDIDO - art.166, caput do ECA, sendo que nesta última hipótese, em que não há lide, O PEDIDO PODERÁ SER FORMULADO DIRETAMENTE EM CARTÓRIO, EM PETIÇÃO ASSINADA PELOS PRÓPRIOS REQUERENTES (sem, portanto, a necessidade de assistência de advogado).

Na hipótese de CONCORDÂNCIA DOS PAIS, deverão ser eles OUVIDOS PELA

AUTORIDADE JUDICIÁRIA E PELO M.P., tomando-se por termo suas declarações - art.166, par. único do ECA, sendo IMPRESCINDÍVEL, portanto, a realização de AUDIÊNCIA ESPECÍFICA PARA A COLETA DO CONSENTIMENTO, que de outro modo NÃO PODERÁ SER ACEITO (razão pela qual NÃO SUPRE tal exigência uma declaração constante de documento, ainda que com firma reconhecida e assinada por testemunhas, por exemplo).

Importante observar que, dada IRRENUNCIABILIDADE DO PÁTRIO PODER, acima

referida, o eventual CONSENTIMENTO dos pais com a colocação do filho em família substituta, mesmo na modalidade adoção, NÃO É CAUSA DE DESTITUIÇÃO E NEM, POR SI SÓ, JUSTIFICA O DECRETO DA PERDA OU SUSPENSÃO DO PÁTRIO PODER, que somente ocorrerá em procedimento contencioso próprio OU, na hipótese de concordância dos pais, se EXTINGUIRÁ natural e necessariamente com o deferimento da adoção à pessoa ou casal,

mantendo-se íntegro até então (ressalvada, é claro, a eventual perda de alguns de seus atributos, caso deferida a guarda provisória a terceiros).

Após, a autoridade judiciária, DE OFÍCIO ou a requerimento da parte, DETERMINARÁ

A REALIZAÇÃO DE ESTUDO SOCIAL DO CASO OU PERÍCIA POR EQUIPE INTERPROFISSIONAL (não basta relatório do Conselho Tutelar, que além de não ser subordinado ao Juízo, via de regra não tem capacidade técnica para realizar a diligência na forma desejada pela lei), decidindo então pela concessão da guarda provisória ou estágio de convivência12 - art.167 do ECA.

Passa-se então à oitiva da criança ou adolescente (sempre que possível), ouvindo-se

a seguir o M.P. em 05 (cinco) dias, com a posterior prolação de sentença também no prazo de 05 (cinco) dias - art.168 do ECA. 4.1 - DA GUARDA (arts.33 a 35 do ECA):

Obriga a prestação de assistência MATERIAL, MORAL e EDUCACIONAL à criança e ao adolescente, sendo que o guardião tem o direito de opo-la a terceiros, inclusive aos pais - art.33, caput do ECA.

É a única das modalidades de colocação em família substituta que INDEPENDE DE

SUSPENSÃO OU DESTITUIÇÃO DO PÁTRIO PODER, podendo com ele coexistir (sem embargo da necessidade de, previamente, no caso de discordância paterna e/ou materna com a medida, ter de ser deflagrado procedimento específico objetivando sua aplicação, sendo a "destituição de guarda" medida aplicável aos pais expressamente prevista no art.129, inciso VIII do ECA). A guarda é um dos atributos do pátrio poder, sendo que destituída aquela, fica este apenas desfalcado.

Por importar no DEVER DE ASSISTÊNCIA MATERIAL, a guarda confere à criança e

ao adolescente a CONDIÇÃO DE DEPENDENTE do guardião para todos os fins e efeitos, inclusive previdenciários - art.33, §3º do ECA.

Tem como característica sua REVOGABILIDADE A QUALQUER TEMPO, mediante

ato judicial fundamentado, ouvido o Ministério Público - art.35 do ECA. Segundo o art.169, par. único do ECA, a "perda ou modificação de guarda poderá ser decretada nos mesmos autos do procedimento...", o que no entanto não afasta a necessidade de que aos guardiães sejam assegurados os direitos ao contraditório e à ampla defesa, que são garantias constitucionais (art.5º, inciso LV da CF).

Espécies de guarda:

a) Provisória: destina-se a regularizar a POSSE DE FATO, sendo de regra deferida incidentalmente em processos em tutela e adoção (exceto na adoção por estrangeiros, dada redação do citado art.31 do ECA) - art.33, §1º do ECA;

b) Definitiva (ou permanente): é medida EXCEPCIONAL, pois dada sua revogabilidade, não confere maiores garantias ao guardado, sendo comum deferí-la, nessa modalidade, a PARENTES da criança ou do adolescente, seja para atender SITUAÇÕES PECULIARES, seja para suprir a FALTA EVENTUAL dos pais ou responsável - art.33, §2º do ECA;

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12 no caso de adoção, conforme previsto no art.46 do ECA, a ser adiante analisado (item 4.3).

c) Representativa: defere-se ao guardião o DIREITO DE REPRESENTAÇÃO para a prática de determinados atos em nome do guardado na hipótese de falta dos pais. Tal disposição é importante porque o direito de representação do guardado, a rigor, PERMANECE NA PESSOA DE SEUS PAIS, pois como vimos, a guarda coexiste com o pátrio poder. - art.33, §2º, in fine do ECA.

Fora das hipóteses acima, não pode haver o deferimento da guarda, razão pela qual

NÃO SE ADMITE A CONCESSÃO da chamada GUARDA "PARA FINS PREVIDENCIÁRIOS", ou seja, apenas para que o guardado possa figurar, junto à previdência social e/ou planos de saúde/seguridade privados, como dependente do guardião, pedido bastante comum efetuado por avós em relação a seus netos, quando os pais estão desempregados ou não possuem planos de saúde privados.

4.2 - DA TUTELA (arts.36 a 38 do ECA e 407 a 445 do Código Civil): É deferida nos termos do Código Civil a pessoas de até 21 anos (sendo assim, como

vimos, uma das hipóteses excepcionais de aplicação do ECA a pessoas maiores de 18 anos, como previsto no art.2º, par. único do citado Diploma Legal) - art.36 do ECA.

Seu deferimento pressupõe o desconhecimento da identidade, óbito dos pais ou a

prévia decretação da perda ou suspensão do pátrio poder, implicando necessariamente no dever de guarda - art.36, par. único do ECA.

Espécies de tutela: a) Testamentária: nomeação efetuada pelos pais ou avós por testamento ou outro documento

autêntico - art.407 do CC; b) Legal ou legítima: quando não houver a nomeação testamentária, segundo a ordem

estabelecida pelo art.409 do CC (avós, irmãos e tios), ordem esta que deve ser MITIGADA face o contido no art.28, §2º do ECA ("na apreciação do pedido levar-se á em conta a RELAÇÃO DE AFINIDADE ou AFETIVIDADE...");

c) Dativa: quando recai sobre pessoas outras não nomeadas nem arroladas no art.409 do CC.

O ECA também mitigou a exigência quanto à necessidade da especialização de

hipoteca legal (arts.418 a 421 do CC) dos bens do tutor, dispensando-a quando o tutelado não tiver bens ou rendimentos ou por qualquer outro motivo relevante (art.37 do ECA), bem como quando tais bens, se estiverem em nome do tutelado, constarem de instrumento público devidamente registrado no RI ou se os rendimentos forem suficientes apenas para a mantença do tutelado, não havendo sobra significativa (art.37, par. único do ECA).

Caso se pretenda a destituição da tutela, deverá ser observado procedimento

contraditório, nas hipóteses de ocorrência de violação das obrigações a que alude o art.22 do ECA ou previstas na Lei Civil - art.38 c/c art.24, ambos do ECA.

4.3 - DA ADOÇÃO (arts.39 a 52 do ECA):

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Instituto através do qual se estabelece o vínculo de filiação por decisão judicial (por sentença). A adoção prevista no ECA somente se aplica a crianças e adolescentes, podendo no entanto ser aplicada a pessoas maiores de 18 anos desde que já estejam sob guarda (ainda que de fato) ou tutela do(s) adotante(s) - art.40 do ECA (sendo assim mais uma das hipóteses de expressa aplicabilidade do ECA para pessoas maiores de 18 anos).

Para os maiores de 18 anos que não estejam sob guarda ou tutela, permanece a

adoção prevista no Código Civil (arts.368 a 378). O adotado passa a ter os mesmos direitos e deveres (inclusive para fins de sucessão)

dos filhos biológicos do adotante, sendo mesmo vedada qualquer designação discriminatória quanto à filiação. Uma vez deferida a adoção (que nos termos do disposto no art.47, §6º do ECA somente produzirá efeitos APÓS O TRÂNSITO EM JULGADO da sentença respectiva, salvo no caso de adoção póstuma, adiante analisada), há o rompimento de todo e qualquer vínculo com os pais e parentes biológicos do adotado, permanecendo apenas os impedimentos matrimoniais - art.41, caput do ECA.

Possui um caráter IRREVOGÁVEL (art.48 do ECA), sendo que a morte dos adotantes

não restabelece o pátrio poder dos pais biológicos (art.49 do ECA). Nada impede porém que os pais adotivos tenham decretada a perda do pátrio poder que exercem sobre seus filhos, tal qual ocorre com os pais biológicos, aos quais como vimos se equiparam em direitos e deveres.

Dados seus efeitos, o art.45, §2º exige que para o deferimento da adoção de

adolescente é necessário seu CONSENTIMENTO EXPRESSO (não bastando assim sua mera oitiva, prevista no art.28, §2º do ECA, que em muitos casos é efetuada pelo Conselho Tutelar, Comissariado de Vigilância, também chamados de Agentes de Proteção da Infância e Juventude, equipe interprofissional a serviço do Juízo ou mesmo outras pessoas, sem maiores formalidades).

O ECA prevê a possibilidade da chamada "ADOÇÃO UNILATERAL", na qual um dos

cônjuges ou concubinos pode adotar o filho do outro sem que haja o rompimento dos vínculos de filiação entre o adotado e o cônjuge/concubino do adotante e os respectivos parentes - art.41, §1º do ECA.

Para adoção é necessária a IDADE MÍNIMA de 21 (vinte e um) anos,

independentemente de seu estado civil, sendo que cônjuges ou concubinos poderão adotar conjuntamente DESDE QUE UM DELES tenha completado 21 anos e seja comprovada a estabilidade da família - art.42 caput e §2º do ECA.

O adotante deve ser, pelo menos, 16 (DEZESSEIS) ANOS MAIS VELHO que o

adotado - art.42, §3º do ECA, sendo que algumas decisões tem mitigado a aplicação de tal norma (em especial em se tratando de adoção conjunta por cônjuges ou concubinos), desde que devidamente comprovado que o deferimento da medida apresenta "reais vantagens para o adotando", tal qual previsto no art.43 do ECA.

NÃO PODEM ADOTAR os ASCENDENTES e IRMÃOS do adotando - art.42, §1º do

ECA, que somente podem obter sua guarda ou tutela, como visto acima. Existe a possibilidade de ser deferida a ADOÇÃO CONJUNTA a DIVORCIADOS E

JUDICIALMENTE SEPARADOS, desde que haja acordo sobre a guarda e o regime de vistas, e desde que o estágio de convivência tenha sido iniciado na constância da sociedade conjugal - art.42, §4º do ECA.

ADOÇÃO PÓSTUMA: caso NO CURSO DO PROCEDIMENTO DE ADOÇÃO o

adotante vem a falecer, após INEQUÍVOCA manifestação de vontade que pretendia concretizar a medida, poderá ser a adoção deferida, caso em que terá força retroativa à data do óbito (para que o adotado não seja prejudicado em seus direitos sucessórios) - art.42, §5º c/c art.47, §6º, ambos do ECA.

20

O art.46 do ECA prevê que a adoção será precedida de ESTÁGIO DE CONVIVÊNCIA, que no caso de ADOÇÃO NACIONAL é fixado pelo Juiz, dadas as peculiaridades do caso (art.46, caput do ECA), podendo mesmo ser DISPENSADO em sendo a IDADE do adotando INFERIOR A 01 (UM) ANO ou, independentemente da idade, já estiver sob a GUARDA DE FATO do adotante - art.46, §1º do ECA.

Em se tratando de ADOÇÃO POR ESTRANGEIRO residente ou domiciliado fora do

País, O ESTÁGIO DE CONVIVÊNCIA É OBRIGATÓRIO, devendo ser cumprido NO TERRITÓRIO NACIONAL (vide art.51, §4º do ECA, que PROÍBE a saída do adotando do País antes de consumada a adoção), pelo PERÍODO MÍNIMO DE 15 (QUINZE) DIAS PARA CRIANÇAS DE ATÉ 02 (DOIS) ANOS e 30 (TRINTA) DIAS CASO O ADOTANDO SEJA MAIOR DE 02 (DOIS) ANOS DE IDADE.

Como os prazos mínimos acima referidos são LEGAIS, não pode o Juiz reduzí-los

ainda mais, assim como não é admissível a chamada "dispensa do prazo de recurso" para abreviar o tempo de permanência do adotante estrangeiro no Brasil.

Vale observar que, TAMANHA foi a preocupação do legislador em não permitir que

crianças fossem levadas para fora do País em havendo quaisquer dúvidas quanto à regularidade da adoção, que no art.198, inciso VI do ECA estabeleceu a OBRIGATORIEDADE de que apelações interpostas contra sentenças concessivas de adoção por estrangeiros fossem recebidas EM SEUS EFEITOS DEVOLUTIVO E SUSPENSIVO (quando por REGRA, para os demais casos, o dispositivo prevê o recebimento da apelação APENAS em seu efeito DEVOLUTIVO).

O art.52 do ECA estabelece que a adoção internacional "poderá" ser condicionada à

PRÉVIA ANÁLISE de uma COMISSÃO ESTADUAL JUDICIÁRIA DE ADOÇÃO, que fornecerá o LAUDO DE HABILITAÇÃO da pessoa ou casal (face a análise da legislação do País de origem, diante da possibilidade de existência de vedações ou restrições para que, lá, seja a adoção reconhecida e concretizada), para instruir o processo competente.

Hoje, face a citada CONVENÇÃO DE HAIA sobre adoção internacional, a prévia

habilitação da pessoal ou casal estrangeiro pretendente à adoção é OBRIGATÓRIA, sendo que no Paraná, já era adotada tal sistemática mesmo antes de ter a Convenção oficialmente passado a vigorar no País.

A Comissão Estadual Judiciária de Adoção também é conhecida por CEJA (ou

CEJAI), e tem como presidente o Corregedor Geral da Justiça e mais 11 (onze) membros (dois desembargadores, um Juiz do TA, um Procurador de Justiça, um Juiz da Infância, um Promotor da Infância, um representante da OAB, um assistente social, um médico pediatra, um psicólogo, um agente de proteção da infância e juventude), cada qual com seus respectivos suplentes, tendo como colaboradores os membros da equipe interprofissional do Juízo da Infância e Juventude da Capital.

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A CEJAI mantém um CADASTRO CENTRALIZADO de pessoas e casais estrangeiros pretendentes à adoção, atendendo assim ao disposto no art.52, par. único do ECA.

5 - DIREITO À EDUCAÇÃO, À PROFISSIONALIZAÇÃO E À PROTEÇÃO NO TRABALHO: 5.1 - DIREITO À EDUCAÇÃO:

Regula-se pela CF (arts.205 a 214), ECA (arts.53 a 59) e Lei nº 9.394/96 - Lei de

Diretrizes e Bases da Educação (LDB). O art.53 do ECA reproduziu em parte o art.205 da CF, que estabelece alguns

PRINCÍPIOS para a EDUCAÇÃO:

a) Universalidade de acesso ("...é direito de todos..."); b) Obrigatoriedade de ser proporcionada pelo Estado (latu sensu), juntamente com a família ("...e

dever do Estado e da Família..."); c) Obrigatoriedade do envolvimento da sociedade no processo ("...será promovida e

incentivada com a colaboração da sociedade..."); d) Objetivos que vão além do simples ensino dos conteúdos das disciplinas tradicionais, pois visa

preparar o cidadão para a vida em comunidade, onde todos trabalham e colaboram para o bem comum ("...visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho...").

O art.53 do ECA estabelece ainda alguns direitos básicos de estudantes com menos

de 18 anos de idade, que de forma implícita ou expressa já se encontram devidamente contemplados na CF a TODA PESSOA.

I. Igualdade de condições para o acesso e permanência na escola (sendo certo que tais

direitos já se encontram previstos no art.206, inciso I da CF, norma que serve de fundamento à proibição da aplicação da expulsão ou transferência compulsória como sanção disciplinar, bem como à proibição de que criança ou adolescente cujos pais são inadimplentes quanto ao pagamento das mensalidades escolares sejam impedidos de freqüentar as aulas - hoje também contemplado pela MP nº 1733-61);

II. Direito de ser respeitado por seus educadores; III. Direito de contestar critérios avaliativos, podendo recorrer às instâncias escolares

superiores; IV. Direito de organização e participação em entidades estudantis (sendo certo que a

liberdade de reunião e associação para fins pacíficos é garantia constitucional - art.5º, incisos XVI e XVII da CF);

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V. Acesso à escola pública e gratuita próxima de sua residência. Como podemos observar, disposições elementares e salutares como as previstas nos

incisos III e IV supra, constituem-se em verdadeiro EXERCÍCIO DE CIDADANIA do aluno, que como vimos é um dos objetivos da EDUCAÇÃO.

Os pais ou responsável da criança ou do adolescente não apenas têm o direito de ter

ciência do processo pedagógico da instituição de ensino, como também DELE PARTICIPAR, colaborando com a DEFINIÇÃO DAS PROPOSTAS EDUCACIONAIS, inclusive na elaboração e/ou alteração do REGIMENTO ESCOLAR.

Os pais ou responsável têm ainda o DEVER DE MATRICULAR SEUS FILHOS OU

PUPILOS NA REDE REGULAR DE ENSINO (art.55 do ECA e 6º da LDB), podendo nesse sentido receber MEDIDA ESPECÍFICA aplicada pela autoridade judiciária OU Conselho Tutelar (art.129, inciso V do ECA).

Caso se omitam, pais ou responsável estarão sujeitos a SANÇÕES ADMINISTRATIVAS (art.249 do ECA, sem embargo da possibilidade de aplicação de outras medidas previstas no art.129 do mesmo Diploma Legal) E PENAIS, pois pode restar caracterizado o CRIME DE ABANDONO INTELECTUAL previsto no art.246 do Código Penal).

Os dirigentes de estabelecimento de ensino, por sua vez, têm o DEVER de comunicar,

ao Conselho Tutelar, os casos de (art.56 do ECA):

a) SUSPEITA OU CONFIRMAÇÃO DE MAUS-TRATOS envolvendo seus alunos, inclusive sob pena da prática da INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA prevista no art.245 do ECA;

b) REITERAÇÃO DE FALTAS INJUSTIFICADAS OU EVASÃO ESCOLAR, após esgotados os

recursos escolares (é, pois, necessária a prévia intervenção de orientadores educacionais, direção da escola e conselho escolar junto aos pais ou responsável para reverter o quadro);

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c) ELEVADOS NÍVEIS DE REPETÊNCIA. A EDUCAÇÃO INFANTIL, sinônimo de CRECHE e PRÉ-ESCOLA, é OBRIGAÇÃO DO

PODER PÚBLICO MUNICIPAL (art.11, inciso V da LDB), e embora não haja obrigatoriedade de matrícula, toda vez que os pais ou responsável queiram ou necessitem do atendimento, nasce a conseqüente obrigação de oferta. Interessante observar que creche e pré-escola, dada sistemática prevista na LDB, não mais podem ser consideradas, como foram no passado, uma espécie de programa de apoio sócio-familiar, nos moldes do previsto no art.90, inciso I do ECA, mas constituem-se em verdadeira POLÍTICA SOCIAL BÁSICA de educação.

O ENSINO FUNDAMENTAL, que vem a ser aquele de 1ª a 8ª série, é OBRIGATÓRIO

e GRATUITO, inclusive para aqueles que não tiveram acesso na idade própria (com a criação de programas de "correção de fluxo" ou de "adequação idade-série"), constituindo-se em DIREITO PÚBLICO SUBJETIVO, cujo não oferecimento ou oferta irregular importa em RESPONSABILIDADE da autoridade competente (vide art.5º, §4º da LDB, sem embargo da possibilidade de, na hipótese de desvio de recursos públicos para outra finalidade, haver o enquadramento na lei de improbidade administrativa) pode ser objeto de AÇÃO CIVIL PÚBLICA visando a regularização da situação (art.54, inciso I c/c arts.54, §§ 1º e 2º do ECA e art.208, inciso I e §1º da CF).

As instituições particulares de ensino sujeitam-se às mesmas normas que as

instituições públicas, apenas com a ressalva que lhes é permitido cobrar pelo serviço prestado. No caso de inadimplência, a instituição particular não pode tomar qualquer atitude que viole o direito fundamental de permanência do aluno na escola, ou que venha a ele causar qualquer espécie de discriminação, vexame ou constrangimento, o que pode mesmo vir a caracterizar CRIME, previsto no art.232 do ECA.

A propósito, vale transcrever o art.6º, caput e §1º da Lei nº 9.870, de 23/11/99 (que

substituiu a Medida Provisória Nº 1733, que foi reeditada mais de sessenta vezes), cuja redação é a seguinte:

"Art.6º. São PROIBIDAS a suspensão de provas escolares, a retenção de documentos

escolares, ou a aplicação de quaisquer outras penalidades pedagógicas, POR MOTIVO DE INADIMPLEMENTO, sujeitando-se o contratante, no que couber, às sanções legais e administrativas compatíveis com o Código de Defesa do Consumidor, e com os arts.177 e 1092 do Código Civil Brasileiro, caso a inadimplência perdure por mais de noventa dias.

§ 1º. Os estabelecimentos de ensino fundamental, médio e superior DEVERÃO

EXPEDIR, A QUALQUER TEMPO, OS DOCUMENTOS DE TRANSFERÊNCIA DE SEUS ALUNOS, INDEPENDENTMENTE DE SUA ADIMPLÊNCIA ou da adoção de procedimentos legais de cobranças judiciais" (verbis - grifamos).

Dada necessidade de compatibilização entre o trabalho do adolescente e sua

freqüência à escola, a conjugação das disposições contidas no art.54, inciso VI do ECA e art.4º, incisos VI e VII da LDB deixa claro que é obrigatória a oferta de ENSINO FUNDAMENTAL NOTURNO para o adolescente inserido no mercado de trabalho.

5.2 - TRABALHO INFANTIL / TRABALHO DO ADOLESCENTE: O trabalho infantil é PROIBIDO. Nenhuma pessoa com idade inferior a doze anos

pode trabalhar. Com a Emenda Constitucional nº 20, de dezembro de 1998, somente é possível o trabalho de adolescentes a partir dos 14 (quatorze) anos, NA CONDIÇÃO DE APRENDIZ, sendo que o trabalho regular (fora dos casos de aprendizagem), somente é possível A PARTIR DOS 16 (DEZESSEIS) ANOS13. Houve, assim, ALTERAÇÃO ao disposto no art.60 do ECA.

Tanto a CF, em seu art.228, caput, quanto o ECA, em seu art.4º, caput e 69, deixam

claro que o adolescente tem DIREITO À PROFISSIONALIZAÇÃO, e não ao trabalho. Caso haja o trabalho, regular ou na condição de aprendiz, são assegurados ao adolescente TODOS OS DIREITOS PREVIDENCIÁRIOS E TRABALHISTAS previstos na legislação especial (arts.61 e 65 do ECA e art.227, §3º, inciso II da CF), sendo certo que a CF também proíbe discriminação para o salário por motivo de idade (art.7º, inciso XXX).

Para o adolescente trabalhador maior de 16 anos, além de serem assegurados

todos os direitos trabalhistas e previdenciários, a CLT prevê alguns outros direitos específicos, a saber:

a) JORNADA DE TRABALHO IMPRORROGÁVEL de quarenta e quatro horas semanais,

vedando-se a realização de horas extras; b) NÃO FRACIONAMENTO na concessão DE FÉRIAS, bem como a coincidência destas com

as férias escolares. Existem algumas VEDAÇÕES quanto ao tipo de trabalho do adolescente, decorrentes

de normas contidas na CLT (arts.404 e 405), ECA (art.67, incisos I a IV) e CF (art.7º, inciso XXXIII):

a) NOTURNO, que pela legislação trabalhista é definido como aquele que vai das 22:00 horas de

um dia até as 05:00 horas do dia seguinte para o trabalhador urbano, das 20:00 horas de um dia às 04:00 horas do dia seguinte para o trabalhador rural que exerce atividade com pecuária e das 21:00 horas de um dia às 05:00 horas do dia seguinte para o trabalhador rural que labuta na agricultura;

b) INSALUBRE, que vem a ser aquele prestado em condições que expõe o trabalhador a agentes nocivos à saúde, acima dos limites de tolerância do organismo fixados em razão da natureza e intensidade do agente e do tempo de exposição a seus efeitos (art.189 da CLT e NR 15);

c) PERIGOSO, que implica em contato com energia elétrica de alta tensão, inflamáveis ou explosivos em condições de risco acentuado (arts.193 e 405, inciso I da CLT, NR 16, Lei nº 7.369/85 e Dec. nº 93.412/86);

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13 a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria (CNTI), em data de 05/11/99 ingressou junto ao STF com ação direta de inconstitucionalidade contra o art.1º da Emenda Constitucional nº 20, na parte em que ampliou a idade mínima do trabalho do adolescente, tendo como fundamentos invocado que, face a realidade do País, não é correto privar adolescentes do direito de trabalhar e assim prover sua própria alimentação, bem como a Convenção de nº 138 da OIT, que permite o trabalho a partir dos 14 (quatorze) anos. A entidade ainda pondera que o Estado não pode erradicar a pobreza com normas que conduzam à condição de miséria adolescentes que necessitam trabalhar. A referida ação foi recebida pelo STF.

d) PENOSO, que é aquele que exige maior esforço físico ou que se realiza em condições excessivamente desagradáveis. A CLT proíbe que pessoas com menos de 18 anos de idade executem serviços que demandem EMPREGO DE FORÇA MUSCULAR SUPERIOR A 20 QUILOS PARA O TRABALHO CONTÍNUO E A 25 QUILOS PARA O TRABALHO OCASIONAL (arts.405, §5º c/c 390 da CLT);

e) Realizado em locais prejudiciais à formação e desenvolvimento físico, psíquico, moral e/ou social (art.67, inciso III do ECA);

f) Realizado em tempo e lugar que não permita sua freqüência à escola (art.67, inciso III do ECA).

Interessante observar que as vedações ao trabalho do adolescente previstas no art.67

do ECA, por expressa determinação contida no dispositivo, se aplicam mesmo ao adolescente que exerce sua atividade EM REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR, bem como àquele aluno de escola técnica, assistido por entidade governamental ou não governamental.

Vale também lembrar que "Expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua

autoridade, guarda ou vigilância (...) sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado...", pode em tese caracterizar o CRIME de MAUS-TRATOS, previsto no art.136 do CP.

5.2.1 - APRENDIZAGEM: Segundo o ECA, aprendizagem é a FORMAÇÃO TÉCNICO-PROFISSIONAL, assim

entendida aquela realizada em cursos oferecidos pelo SENAC, SENAI ou SENAR (ou ainda em entidades ou empresas conveniadas), de acordo com o Decreto nº 31.546/52, onde poderá o adolescente ser matriculado a partir dos 14 (quatorze) anos.

A aprendizagem é ministrada segundo as diretrizes e bases da legislação em vigor

e que deve obedecer aos seguintes PRINCÍPIOS: - garantia de acesso e freqüência obrigatória ao ensino regular; - atividade compatível com o desenvolvimento do adolescente; - horário especial para o exercício das atividades. Ao aprendiz, entre 14 e 16 anos, é garantida BOLSA APRENDIZAGEM, sendo que é

possível a chamada Aprendizagem Metódica no Próprio Emprego - AMPE, prevista nas Portarias nºs 127/56 e 102/74/SA/DRT-PR), através da qual a empresa celebra convênio com o SENAI ou SENAC para que o curso de aprendizagem seja ministrado na própria empresa, de acordo com o programa elaborado pelo SENAI ou SENAC, que também irão formar o professor, fornecer supervisão didática e pedagógica, realizar provas e expedir os certificados.

A aprendizagem constitui-se no exercício prático de ofício que exige, para o seu

desempenho, conhecimentos teóricos e QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL. Assim sendo, atividades que não exigem qualquer conhecimento teórico, que NÃO COMPORTAM PROFISSIONALIZAÇÃO, não podem ser indicadas como "aprendizagem": contínuo, empacotador, empurrador de carrinho, office boy etc.

Para ter validade, o CONTRATO DE APRENDIZAGEM deve ser anotado na CTPS

e o empregador deve registrá-lo no Ministério do Trabalho, no PRAZO IMPRORROGÁVEL DE 30 (TRINTA) DIAS.

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Quanto à REMUNERAÇÃO do aprendiz, ser-lhe-á paga, durante a PRIMEIRA METADE da duração máxima prevista para a aprendizagem, quantia não inferior à METADE do salário mínimo e na SEGUNDA METADE, pelo menos, 2/3 (DOIS TERÇOS) do salário mínimo (art.80 da CLT).

5.2.2 - TRABALHO EDUCATIVO:

É previsto no art.68 do ECA, sendo definido como "a atividade laboral em que as

exigências pedagógicas relativas ao desenvolvimento pessoal e social do educando prevalecem sobre o aspecto produtivo" (art.68, §1º do ECA).

O trabalho educativo AINDA NÃO EXISTE na prática, por não ter sido devidamente

regulamentado. Encontra-se em tramitação junto ao Senado Federal o Projeto de Lei da Câmara nº

77/97 (nº 469/95, na Casa de Origem), que dispõe sobre o Programa Especial de Trabalho Educativo, regulamentando assim o disposto no art.68 do Estatuto da Criança e do Adolescente, tendo por objetivo "propiciar ao adolescente, entre catorze e dezoito anos incompletos, orientação profissional e formação pré-profissional ou de pré-aprendizagem para a escolha de um ofício ou de um ramo de formação, sendo obrigatória a freqüência escolar e incentivado o acesso a níveis mais elevados de ensino" (art.3º do referido Projeto - verbis).

Enquanto não houver a regulamentação, não é possível celebrar com o adolescente

"contrato de trabalho educativo" ou similar, pelo que fora o contrato de aprendizagem, o adolescente somente pode celebrar o contrato normal de trabalho, com todos os direitos e garantias do trabalhador adulto.

Posto isto, interessante observar que com alguma freqüência são protocolados, junto

ao Juízo da Infância e Juventude, PEDIDOS DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL PARA O TRABALHO DE ADOLESCENTES, havendo casos em que empresas que tinham em seus quadros, regularmente contratados com registro em CTPS, adolescentes com idades entre 14 (quatorze) e 16 (dezesseis) anos, passado a exigir tal autorização para não rescindir os contratos à luz do disposto na Emenda Constitucional nº 20/98.

Bem, em primeiro lugar, a matéria é expressamente disciplinada pelo item 10.2.22 do

Código de Normas da Corregedoria Geral de Justiça, que é categórico ao determinar que "o Juiz da Infância e Juventude abster-se-á de fornecer autorização de trabalho a criança ou adolescente" (verbis), provimento este que tem suas raízes na REVOGAÇÃO tácita dos arts.405, §2º e 406 da Consolidação das Leis do Trabalho pelo advento do Estatuto da Criança e do Adolescente, haja vista que o conhecimento de pedidos de autorização para o trabalho de adolescente NÃO É DA COMPETÊNCIA do Juiz da Infância e Juventude (ou de qualquer autoridade judiciária), não tendo constado do rol estabelecido pelos art.148 e 149 do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Ademais, se não bastasse a falta de competência para conhecer de tais pedidos,

restaria a elementar constatação de que estes ou careceriam de INTERESSE de agir, no caso de haver autorização legal expressa ou falta de vedação para o trabalho, ou seriam JURIDICAMENTE IMPOSSÍVEIS, dado confronto com norma legal ou constitucional contra as quais não poderá decidir o magistrado (salvo na hipótese de inconstitucionalidade manifesta, o que não é o caso).

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No caso acima exemplificado, à luz do princípio basilar insculpido no art.5º, inciso XXXVI da Constituição Federal, conclui-se que os adolescentes trabalhadores com idade entre 14 (quatorze) e 16 (dezesseis) anos cujos contratos de trabalho haviam sido firmados antes da promulgação da emenda em questão, assim como os adolescentes aprendizes com idade inferior a 14 (quatorze) anos já regularmente matriculados nos cursos acima referidos, tiveram sua situação inalterada após o advento da Emenda Constitucional referida, com DIREITO ADQUIRIDO a continuar no emprego ou a freqüentar o curso respectivo.

5.2.3 - MITOS EM RELAÇÃO AO TRABALHO. FALSAS JUSTIFICATIVAS PARA O TRABALHO INFANTIL (Valéria T. Meiroz Grilo): 1. o Brasil e um país pobre e todos devem trabalhar para enriquecê-lo e melhorar as próprias condições de vida. (O Brasil é um pais rico, com a população extremamente pobre e o trabalho realizado por todos não melhora as condições de vida de todos). 2. 0 trabalho e a solução para a retirada de crianças e adolescentes que se encontram nas ruas e que estão excluídos do sistema educacional (O trabalho não é solução para proteger e resguardar os direitos de crianças e adolescentes que estão nas ruas e excluídos do sistema educacional). 3. É interessante que se inicie precocemente a formação profissional para inserção no mercado de trabalho com mais facilidade. (Não e verdade que "formação profissional' prematura capacita para a inserção no mercado de trabalho com mais facilidade e para exercício de atividades qualificadas). 4. 0 trabalho iniciado precocemente propicia a obtenção prematura de benefícios previdenciários (O trabalho iniciado precocemente, para a maioria esmagadora, não propicia a obtenção prematura dos benefícios previdenciários) 5. 0 trabalho infantil é necessário para que haja a complementação da renda familiar (O trabalho infantil não pode ser defendido para complementação de renda familiar, pois os adultos é que tem a obrigação alimentar). 6. A criança que trabalha é mais esperta, aprende a lutar pela sobrevivência e tem mais condições de vencer profissionalmente (A criança que trabalha cedo prejudica o seu desenvolvimento. Fulmina etapa da vida necessária para o desenvolvimento de potencialidades, através de tarefas simples, como brincar, jogar, criar. Somente através da escola e que há preparação adequada para vencer profissionalmente). 5.3 - DA INFORMAÇÃO, CULTURA, LAZER, ESPORTES, DIVERSÕES E ESPETÁCULOS:

Diz o art.75 do ECA que "toda criança ou adolescente terá acesso às

diversões e espetáculos públicos classificados como adequados à sua faixa etária", devendo os responsáveis pelas diversões e espetáculos públicos afixar, em lugar visível à entrada do local de exibição, INFORMAÇÃO SOBRE A FAIXA ETÁRIA a que não se recomendam (art.74, par. único do ECA).

Desde que dentro da faixa etária recomendada, crianças acima de 10 (dez) anos

de idade (inclusive) e adolescentes terão, a princípio, LIVRE ACESSO às diversões e espetáculos públicos, independentemente de estarem ou não acompanhados de seus pais ou responsável.

Já crianças com idade inferior a 10 (dez) anos, somente poderão ingressar ou

permanecer nos locais de apresentação ou exibição quando acompanhadas de seus pais ou responsável (art.75, par. único do ECA).

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Todo espetáculo público, para ser apresentado ou mesmo anunciado, deverá conter o aviso de sua classificação (art.76, par. único do ECA).

Os proprietários, diretores, gerentes e funcionários de empresas que explorem a venda ou aluguel de FITAS de programação EM VÍDEO, deverão cuidar para que as mesmas contenham indicação quanto a sua faixa etária, NÃO PODENDO VENDÊ-LAS OU LOCÁ-LAS a crianças e adolescentes em desacordo com tal classificação (arts.77 e par. único do ECA), sob pena da prática da infração administrativa prevista no art.256 do ECA, com previsão de multa entre 03 e 20 salários-de-referência e, no caso de reincidência, a critério da autoridade judiciária, o fechamento do estabelecimento por até 15 dias.

As REVISTAS E PUBLICAÇÕES contendo MATERIAL IMPRÓPRIO OU

INADEQUADO a crianças e adolescentes deverão ser comercializadas em EMBALAGEM LACRADA, com advertência de seu conteúdo (art.78 do ECA), sob pena da prática da infração administrativa prevista no art.257 do ECA, com previsão de multa de 03 a 20 salários-de-referência, duplicando-se em caso de reincidência, sem prejuízo da apreensão da revista ou publicação.

As REVISTAS e publicações DESTINADAS AO PÚBLICO INFANTO-JUVENIL não

poderão conter ilustrações, fotografias, legendas, crônicas ou anúncios de BEBIDAS ALCOÓLICAS, TABACO, ARMAS E MUNIÇÕES, bem como deverão respeitar os valores éticos e sociais da pessoa e da família (art.79 do ECA), sob pena da prática da infração administrativa do art.257 do ECA.

Estabelecimentos que explorem comercialmente BILHAR, SINUCA ou congênere,

bem como CASAS DE JOGOS, assim entendidas AS QUE REALIZEM APOSTAS, ainda que eventualmente14, não deverão permitir a ENTRADA E PERMANÊNCIA de crianças e adolescentes, devendo nesse sentido afixar avisos para orientação do público (art.80 do ECA).

Caso se permita a entrada e/ou permanência de crianças e adolescentes no local, independentemente de estarem eles jogando ou fazendo apostas, restará caracterizada a infração administrativa prevista no art.258 do ECA.

É também possível que a AUTORIDADE JUDICIÁRIA, mediante PORTARIA ou

ALVARÁ, discipline a ENTRADA e PERMANÊNCIA de crianças e adolescentes, quando estiverem DESACOMPANHADAS de seus pais ou responsável, em (art.149, inciso I do ECA):

a) estádio, ginásio e campo desportivo; b) bailes ou promoções dançantes; c) boate ou congênere; d) casa que explore comercialmente diversões eletrônicas; e) estúdios cinematográficos, de teatro, rádio e televisão.

O mesmo se podendo dizer em relação à participação de criança ou adolescente,

esteja ela ou não autorizada ou acompanhada dos pais ou responsável, em (art.149, inciso II do ECA):

a) espetáculos públicos e seus ensaios; b) certames de beleza.

Importante observar que, caso não haja a expedição de portaria, a entrada nos locais relacionados no art.149, inciso I será LIVRE, pois como vimos, a criança e o adolescente têm o direito de "ir, vir e estar nos logradouros públicos e espaços comunitários, ressalvadas as restrições legais" (art.16, inciso I do ECA).

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14 inserem-se aqui lotéricas e estabelecimentos que contenham máquinas de "vídeo-bingo" ou similares;

As portarias e alvarás deverão ainda ser expedidos obedecendo as regras

estabelecidas pelo art.149, §§1º e 2º do ECA, pelo que OBRIGATORIAMENTE terão de ser FUNDAMENTADAS, CASO A CASO (em respeito até mesmo ao disposto no art.93, inciso IX da CF) e deverão de levar em conta:

a) os princípios do ECA; b) as peculiaridades locais; c) a existência de instalações adequadas; d) o tipo de freqüência habitual no local; e) a adequação do ambiente a eventual participação ou freqüência de crianças e

adolescentes e f) a natureza do espetáculo.

São EXPRESSAMENTE VEDADAS determinações de caráter geral, tal qual

ocorria no revogado Código de Menores, pois não é dado ao Juiz "legislar", mas sim decidir casos concretos, em que o estabelecimento de restrições COMPROVADAMENTE se faz necessário.

Para tanto, é IMPRESCINDÍVEL que o Juiz, através do corpo de agentes de

proteção da infância e juventude (antigos "comissários de menores"), com a colaboração de outros órgãos, autoridades e entidades (corpo de bombeiros, vigilância sanitária, fiscais da prefeitura etc.), realize VISTORIAS e SINDICÂNCIAS nos locais e estabelecimentos que serão alvo das restrições judiciais, formando assim a convicção do julgador para que possa decidir de forma correta e justa (após, é claro, ouvido o Ministério Público, que obrigatoriamente intervém em TODAS as causas afetas à Justiça da Infância e Juventude - art.202 do ECA).

Caso alguém se sinta prejudicado com a portaria ou alvará expedido, poderá

interpor APELAÇÃO contra o ato judicial respectivo (art.199 do ECA).

5.4 - PRODUTOS E SERVIÇOS:

É PROIBIDA A VENDA para crianças e adolescentes de:

a) ARMAS, MUNIÇÕES E EXPLOSIVOS (art.81, inciso I do ECA), inclusive sob pena de caracterização do CRIME previsto no art.242 do ECA;

b) BEBIDAS ALCOÓLICAS E PRODUTOS cujos componentes POSSAM CAUSAR

DEPENDÊNCIA FÍSICA OU PSÍQUICA, ainda que por utilização indevida (art.81, incisos II e III do ECA), sob pena da prática do CRIME previsto no art.243 do ECA.

OBS: Tendo em vista que o art.81 do ECA faz distinção entre "bebidas alcoólicas" e "produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica", entende-se (embora não de forma pacífica) que apenas que a venda, fornecimento etc. destes últimos é que caracterizaria o crime previsto no art.243 do ECA, caracterizando a venda de bebidas alcoólicas a pessoas com menos de 18 anos apenas a contravenção penal prevista no art.63, inciso I do Dec. Lei nº 3688/41 (LCP).

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c) FOGOS DE ESTAMPIDO E ARTIFÍCIO, exceto os que por seu reduzido potencial não possam causar dano físico no caso de utilização indevida (art.81, inciso IV do ECA), sob pena da caracterização do CRIME previsto no art.244 do ECA;

d) REVISTAS E PUBLICAÇÕES a que alude o art.78 do ECA (art.81, inciso V do ECA);

e) BILHETES LOTÉRICOS E EQUIVALENTES (art.81, inciso VI do ECA), valendo lembrar que a entrada de criança e adolescente em casas que realizam apostas é VEDADA (art.80 do ECA), sob pena da prática da infração administrativa prevista no art.258 do ECA.

Art.82 do ECA - É proibida a HOSPEDAGEM de criança ou adolescente em hotel,

motel, pensão ou estabelecimento congênere, SALVO SE EXPRESSAMENTE AUTORIZADO ou devidamente ACOMPANHADO pelos pais ou responsável, importando o descumprimento desta regra na infração administrativa prevista no art.250 do ECA. Esta regra visa coibir a prostituição infanto-juvenil, embora seja IRRELEVANTE, para fins de caracterização da infração, que a "hospedagem" tenha esta finalidade.

5.5 - AUTORIZAÇÃO PARA VIAJAR: a) VIAGEM DENTRO DO TERRITÓRIO NACIONAL: nenhuma CRIANÇA (não há, portanto,

qualquer restrição para viagem de ADOLESCENTE) poderá viajar para fora da comarca onde reside DESACOMPANHADA dos pais ou responsável, sem EXPRESSA AUTORIZAÇÃO JUDICIAL (art.83 do ECA), sendo DISPENSADA tal autorização apenas em se tratando de COMARCA CONTÍGUA à da residência da criança, se na mesma unidade da Federação (no mesmo estado), ou incluída na mesma região metropolitana OU, se estiver acompanhada de ascendente ou colateral maior, até o 3º grau, comprovado documentalmente o parentesco ou de pessoa maior, expressamente autorizada pelo pai, mãe ou responsável (art.83, §1º do ECA). A pedido dos pais ou responsável poderá ser fornecida autorização de viagem válida por até dois anos.

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b) VIAGEM AO EXTERIOR: a REGRA é a NECESSIDADE DA AUTORIZAÇÃO JUDICIAL tanto para a viagem da CRIANÇA quanto para a viagem do ADOLESCENTE, que somente será dispensada caso estejam eles acompanhados de AMBOS os pais ou responsável ou, quando na companhia de apenas um dos pais, houver AUTORIZAÇÃO EXPRESSA DO OUTRO, através de documento com firma reconhecida. Esta regra visa impedir que, quando da separação de um casal, um dos pais "fuja" com seus filhos para o exterior.

Art.85 - Também é VEDADO que casal estrangeiro residente ou domiciliado no

exterior retire do País CRIANÇA ou ADOLESCENTE nascido em território nacional SEM PRÉVIA E EXPRESSA AUTORIZAÇÃO JUDICIAL, evitando assim que criança ou adolescente saia do Brasil em companhia de estrangeiros fora dos casos de adoção.

OBS: O TRANSPORTE de criança ou adolescente com inobservância do disposto

nos arts.83 a 85 do ECA importa na prática de INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA prevista no art.251 do mesmo Diploma Legal.

LIVRO II - PARTE ESPECIAL II. DA POLÍTICA DE ATENDIMENTO (arts. 86 a 97 do ECA)

Definição: Conjunto de regras, planos e programas criados pelo Poder Público e executados por entidades governamentais e não governamentais, voltados para a distribuição de bens e serviços destinados à promoção, proteção e defesa dos direitos fundamentais de crianças e adolescente.

Antes do ECA, a política na área era proposta de forma autoritária, "de cima para

baixo", através de programas e diretrizes formulados a nível nacional (via Fundação Nacional do Bem Estar do Menor - FUNABEM).

Atualmente ocorre mediante o CONJUNTO ARTICULADO DE AÇÕES

GOVERNAMENTAIS E NÃO GOVERNAMENTAIS da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios (art.86 do ECA).

A política de atendimento segue as seguintes LINHAS DE AÇÃO (art.87 do ECA):

I. Políticas sociais básicas (saúde, educação, saneamento básico etc.) - devem ser proporcionadas pelo Poder Público, com PREFERÊNCIA na FORMULAÇÃO e EXECUÇÃO para a área da infância e juventude (art.4º, par. único, alínea "c" do ECA);

II. Políticas e programas de ASSISTÊNCIA SOCIAL, em caráter SUPLETIVO, para

aqueles que deles necessitem - devem ser elaboradas e executadas de acordo com a Lei nº 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência Social), onde também há a participação da sociedade civil organizada nos Conselhos de Assistência Social, que funcionam nos moldes dos Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente. Visam atender crianças, adolescentes e suas famílias para as quais, por sua precária condição psicossocial, não bastam as políticas sociais básicas;

III. SERVIÇOS ESPECIAIS de PREVENÇÃO e ATENDIMENTO médico e psicossocial

a VÍTIMAS de negligência, maus-tratos, exploração, abuso, crueldade e opressão (o que obviamente não impossibilita a criação de "serviços especiais" diversos, haja vista que o objetivo do ECA, com respaldo na Constituição Federal, é a PROTEÇÃO INTEGRAL à criança e ao adolescente).

IV. SERVIÇO DE IDENTIFICAÇÃO e LOCALIZAÇÃO de pais, responsável e

adolescentes desaparecidos. Em Curitiba, existe o SICRIDE (Serviço de Investigação de Crianças Desaparecidas), órgão vinculado à Secretaria de Segurança Pública, comandado por um Delegado de Polícia, com endereço à Rua Fioravante Dalla Stella nº 66, Centro Empresarial Cajurú, nesta Capital - fone: 224-6822.

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V. PROTEÇÃO JURÍDICO-SOCIAL por ENTIDADES de defesa dos direitos da criança e do adolescente. O envolvimento das ENTIDADES DE ATENDIMENTO nas questões referentes à criança e ao adolescente é fundamental, tendo o ECA a elas destinado um CAPÍTULO específico (de nº II), bem como previsto sua participação nos Conselhos de Direitos, sendo as não governamentais consideradas legítimas representantes da sociedade civil organizada (art.88, inciso II).

O ECA ainda estabelece DIRETRIZES a serem observadas por essa mesma política de atendimento (art.88):

I. MUNICIPALIZAÇÃO do atendimento - na perspectiva de que é no município onde

vive a criança e o adolescente onde os problemas devem ser discutidos e encontradas as soluções, de modo que as peculiaridades locais sejam respeitadas e as prioridades sejam estabelecidas de acordo com a realidade local. Ao Estado (strictu sensu) e à União cabe apenas traçar linhas gerais de atuação, dando aos municípios mais pobres o respaldo técnico e o auxílio financeiro necessários para a criação de uma ESTRUTURA MÍNIMA de atendimento;

II. A CRIAÇÃO DE CONSELHOS DE DIREITOS DA CRIANÇA E DO

ADOLESCENTE, a nível nacional, estadual e municipal, é outra das DIRETRIZES da política de atendimento traçada pelo ECA, sendo tais CONSELHOS DE DIREITOS (não confundir com os tutelares) ÓRGÃOS DELIBERATIVOS e CONTROLADORES DAS AÇÕES em todos os níveis, assegurada a PARTICIPAÇÃO POPULAR, por meio de organizações representativas (via de regra entidades não governamentais de atendimento), EM CARÁTER PARITÁRIO com os representantes do Poder Público (ou seja, o número de membros da ALA NÃO GOVERNAMENTAL do Conselho de Direitos será sempre O MESMO do número de membros da ALA GOVERNAMENTAL, VARIANDO esse número de um Conselho para o outro, a nível de municípios e Estados da Federação - No PR, por exemplo, o CEDCA é composto por 12 GOV. e 12 NÃO GOV., e em Curitiba, o COMTIBA é composto por 6 GOV. e 6 NÃO GOV.).

Os Conselhos de Direitos têm como fundamento constitucional - o PRINCÍPIO da

DEMOCRACIA PARTICIPATIVA, ex vi do disposto nos arts. 1°, parágrafo único, 204, inciso II e 277, §7°, todos da CF:

"TODO PODER EMANA DO POVO, que o exerce por meio de representantes eleitos

OU DIRETAMENTE, nos termos desta Constituição" (art.1º, par. único da CF); "As AÇÕES GOVERNAMENTAIS na área da infância e juventude serão realizadas

tendo como DIRETRIZ a PARTICIPAÇÃO DA POPULAÇÃO, por meio de ORGANIZAÇÕES REPRESENTATIVAS, na FORMULAÇÃO DAS POLÍTICAS E NO CONTROLE DAS AÇÕES em todos os níveis" (inteligência do art.227, §7º c/c art.204, inciso II, ambos da CF). São criados por lei, sendo que suas origens remontam aos conselhos populares e

comunitários, que eram órgãos consultivos e informativos da situação de cada localidade em determinadas áreas criados na década de 1980 com o processo de redemocratização do País.

Os Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente, no entanto, representam um

enorme AVANÇO em relação aos conselhos populares e comunitários, pois enquanto o acatamento das opiniões e manifestações destes dependia do puro arbítrio do Poder Público, os Conselhos de Direitos são os órgãos que detém da legitimação CONSTITUCIONAL para a ELABORAÇÃO DE POLÍTICAS que garantam o atendimento aos direitos fundamentais da população infanto-juvenil, atuando ainda no CONTROLE DA EXECUÇÃO destas mesmas políticas.

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Destarte, não são órgãos meramente "consultivos", mas sim DELIBERATIVOS e AUTÔNOMOS face os demais poderes (inclusive o Poder Executivo, ao qual estão apenas ADMINISTRATIVAMENTE vinculados, embora contenham membros integrantes do Poder Público), detentores de significativa parcela da SOBERANIA ESTATAL. Quando o Conselho de Direitos DELIBERA, é o Estado (latu sensu) que delibera, cabendo ao Chefe do Executivo local

apenas o ACOLHIMENTO de tal deliberação, e com a PRIORIDADE ABSOLUTA preconizada pelo ECA e CF.

CONCEITO RESUMIDO: Conselho de Direitos é um órgão criado por lei, com as

características da autonomia e paridade, apresentando função de governo e administrativa, situado na esfera do Poder Executivo.

ATRIBUIÇÕES (ou "competências", na classificação feita por Felício Pontes Jr.) dos

CONSELHOS DE DIREITOS:

II.1. Competências CONSCIENTIZADORAS:

a. Promover a DIVULGAÇÃO DOS DIREITOS da criança e do adolescente;

b. Promover o INTERCÂMBIO ENTRE ÓRGÃOS GOVERNAMENTAIS E NÃO GOVERNAMENTAIS afetos à questão (valendo lembrar que o art.86 do ECA estabelece que a POLÍTICA DE ATENDIMENTO para a área da infância e juventude "far-se-á através de um CONJUNTO ARTICULADO DE AÇÕES governamentais e não governamentais..." (verbis - grifei);

c. ACOMPANHAR os casos de violação de direitos de criança e do adolescente (E NÃO

ATENDER casos individuais, tarefa que fica a cargo do Conselho Tutelar e autoridade judiciária). Esta atribuição decorre da necessidade de que o Conselho de Direitos CONHEÇA A REALIDADE local para que, com base nela, possa encontrar falhas na sistemática existente para o atendimento e promover mudanças, inclusive através da CRIAÇÃO DE PROGRAMAS ESPECÍFICOS;

d. VISITAR delegacias de polícia, hospitais, entidades de internação, de abrigo etc. Esta

atribuição também visa o maior envolvimento do Conselho de Direitos com a realidade local, imprescindível para elaboração da POLÍTICA DE ATENDIMENTO para a área.

II.2. Competências MODIFICADORAS:

a. Estabelecer NORMAS PARA REGISTRO de entidades NÃO GOVERNAMENTAIS de

atendimento a crianças e adolescentes, bem como destinadas à INSCRIÇÃO DE PROGRAMAS desenvolvidos por entidades GOVERNAMENTAIS e NÃO GOVERNAMENTAIS, atendendo assim ao disposto nos arts.90, par. único e 91 do ECA, que serão melhor analisados adiante.

b. Promover o REORDENAMENTO INSTITUCIONAL dos órgãos governamentais de

atendimento aos direitos infanto-juvenis - Uma vez que, tomando conhecimento da realidade local, o Conselho de Direitos verifica a falta de articulação entre entidades governamentais existentes e/ou a existência de paralelismos ou antagonismos, deve atuar de forma a superar tais problemas, garantindo o melhor e mais eficiente atendimento à criança e ao adolescente, podendo inclusive deliberar pela transformação do modo de atuação e/ou público-alvo de determinada entidade ou programa por ela mantido;

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c. Opinar sobre a PROPOSTA QUE DEFINE O PERCENTUAL DE DOTAÇÃO ORÇAMENTÁRIA às políticas públicas para a infância e juventude - Ao deliberar sobre a política de atendimento à criança e ao adolescente o Conselho de Direitos irá elaborar, a cada ano, biênio etc. (o período pode variar de acordo com a lei que o cria), o PLANO DE AÇÃO para a área da infância e juventude, que conterá a indicação dos programas a serem

implantados e/ou mantidos no período, devendo cada qual conter a previsão de seu CUSTO (com a indicação do quanto deverá o município arcar - haja vista a possibilidade de seu co-financiamento pela própria entidade e/ou pela União/Estado, mediante convênio).

O plano de ação será então complementado com o PLANO DE APLICAÇÃO DE

RECURSOS, onde será previsto o montante de recursos necessários à implantação/manutenção dos programas, que deverá ser encaminhado para o chefe do Poder Executivo para que este, por sua vez, remeta ao Poder Legislativo com a proposta orçamentária anual (ou plurianual), sempre lembrando que o chefe do Executivo fica OBRIGADO a efetuar tal encaminhamento ao Legislativo SEM QUALQUER ALTERAÇÃO, pois a competência constitucional de ELABORAR A POLÍTICA de atendimento para a área da infância e juventude, bem como de CONTROLAR A EXECUÇÃO dessa mesma política, que começa por ver assegurada a INCLUSÃO NO ORÇAMENTO de previsão de recursos em patamar suficiente para a área (e com a PRIORIDADE prevista pela conjugação dos já mencionados arts.227, caput da CF e 4º, caput e par. único, alínea "d" do ECA), é do Conselho de Direitos.

Ressalte-se que o chefe do Poder Executivo poderá influir na elaboração da política

de atendimento para a área da infância e juventude, mas o fará por intermédio da ALA GOVERNAMENTAL do Conselho de Direitos, através do debate franco e em condições de absoluta IGUALDADE com a sociedade civil organizada, sendo importante que todos os envolvidos no processo tenham noções de finanças públicas e questões orçamentárias, para que não deliberem pela criação de programas de custo incompatível com o orçamento do município e/ou deixem de observar para a área a DESTINAÇÃO PRIVILEGIADA DE RECURSOS PÚBLICOS prevista pela legislação específica acima citada.

d. GERIR O FUNDO para a infância e adolescência (art.88, inciso IV do ECA e art.71 da Lei nº

4.320/64) - O Fundo Especial para a Infância e Adolescência, também conhecido por "FIA", existe nos três níveis (Nacional, Estadual e Municipal), sendo criado por lei (normalmente na mesma lei que cria os Conselhos de Direitos e Tutelar, em capítulo ou seção própria), em obediência à Lei Federal nº 4.320/64, que estabelece normas de gestão financeira de recursos públicos, das quais não pode se dissociar.

O FIA é definido como um "facilitador da captação e da aplicação de recursos

para a área da infância e juventude", sendo ADMINISTRADO (ou "GERIDO") pelo Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente.

O FIA pode ter várias FONTES DE RECEITA, que devem ser também definidas em

lei, sendo comuns as doações (vide art.260 do ECA, que no entanto já sofreu várias alterações ao longo dos anos, sendo hoje possível deduções subsidiadas para doações de até 1% do IR devido para pessoas jurídicas e 6% para pessoas físicas), transferências intra e intergovernamentais (também chamadas de "dotações orçamentárias"), recursos provenientes de multas administrativas aplicadas com base nos arts.194 a 197 e 245 a 258 do ECA (valendo observar o disposto no art.214, caput e §2º do ECA).

Quanto às DESPESAS, somente poderão ser efetuadas na área da infância e

juventude, sendo no entanto VEDADA sua utilização para o custeio da implantação/manutenção da estrutura física dos Conselhos de Direitos e Tutelares, pagamento dos conselheiros tutelares etc. (que devem ficar a cargo do Poder Público, através de outras rubricas orçamentárias).

O controle da aplicação dos recursos do FIA, além de ser efetuado pelo Poder

Legislativo quando da análise da Lei Orçamentária, também fica a cargo do Tribunal de Contas respectivo.

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e. Elaborar proposta de ALTERAÇÃO DA LEGISLAÇÃO EM VIGOR para atendimento dos direitos da infância e juventude - Uma vez detectadas falhas na sistemática de atendimento à criança e ao adolescente que demandam alteração legislativa para serem superadas, pode o Conselho de Direitos PROPOR tal alteração, que no entanto ficará sujeita aos trâmites e ao seu acatamento pelo Poder Legislativo, que é SOBERANO para deliberar em sentido contrário (face o princípio constitucional da autonomia e independência entre os Poderes).

II.3 - Competências ADMINISTRATIVAS:

a. Presidir o PROCESSO DE ESCOLHA DOS CONSELHEIROS TUTELARES (art.139 do ECA)

- Os conselheiros tutelares são ESCOLHIDOS PELA COMUNIDADE em processo assemelhado ao eleitoral, com regras próprias definidas em LEI MUNICIPAL (o Conselho Tutelar somente existe a nível municipal), com regulamentação e condução pelo Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA), bem como obrigatória FISCALIZAÇÃO PELO MP. Anteriormente, a presidência do processo de escolha (que se chamava eleitoral), ficava a cargo do Juiz Eleitoral, porém discussões acerca da constitucionalidade do dispositivo fizeram-no ser alterado para a atual redação, de modo a deixar claro que a ele não se aplicam as regras do processo eleitoral regular (apenas a título de exemplo, o voto da população é FACULTATIVO, havendo em alguns casos o estabelecimento de um COLÉGIO ELEITORAL representativo da comunidade e incumbido da escolha).

b. Elaborar seu REGIMENTO INTERNO.

(Continuação do rol das DIRETRIZES da POLÍTICA DE ATENDIMENTO):

III - CRIAÇÃO E MANUTENÇÃO DE PROGRAMAS específicos, observada a DESCENTRALIZAÇÃO político-administrativa (art.88, inciso III do ECA) - a EXECUÇÃO da política de atendimento à criança e ao adolescente se faz através de PROGRAMAS de PREVENÇÃO, PROTEÇÃO e SÓCIO-EDUCATIVOS, nos moldes do previsto nos arts.90, 101, 112 e 129 do ECA.

São estes programas, desenvolvidos pelas entidades governamentais e não

governamentais de atendimento, por iniciativa própria ou mediante deliberação do Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente, que fornecerão às autoridades encarregadas de aplicar medidas de proteção e sócio-educativas (CT, Juiz e MP - este último apenas em sede de REMISSÃO, que será melhor analisada adiante), a ESTRUTURA DE ATENDIMENTO (ou RETAGUARDA) INDISPENSÁVEL para o encaminhamento dos casos atendidos, sem o que muito pouco poderão fazer.

Cabe ao CMDCA apurar, no município, quais as áreas são deficitárias a nível de

programas de atendimento, para então DELIBERAR por sua criação e manutenção, podendo também providenciar a ampliação do número de vagas ofertadas por programas já existentes, tudo com a devida previsão de recursos e sua inclusão no orçamento, nos moldes do acima exposto.

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IV - INTEGRAÇÃO OPERACIONAL de órgãos do Judiciário, MP, Defensoria, Segurança Pública e Assistência Social, preferencialmente num mesmo local, para efeito de AGILIZAÇÃO do atendimento inicial ao adolescente acusado da prática do ato infracional (art.88, inciso V do ECA) - é a norma que dá suporte jurídico aos chamados Centros Integrados de Atendimento ao Adolescente Infrator (CIAADIs), que em Curitiba se localiza no bairro Tarumã (próximo ao

DETRAN), onde funcionam todos os órgãos encarregados de atender o adolescente em conflito com a lei, lá existindo inclusive um setor destinado à INTERNAÇÃO PROVISÓRIA do adolescente, enquanto aguarda julgamento, internação esta que se estenderá pelo prazo MÁXIMO E IMPRORROGÁVEL de 45 (quarenta e cinco) dias (vide arts.108 e 183 do ECA). Facilita assim, um maior contato entre todos os envolvidos no processo de apuração do fato, de suas circunstâncias e da descoberta da medida sócio-educativa mais adequada ao caso (que deve ser aplicada não apenas com base na gravidade do ato praticado). Além de Curitiba, existe no Paraná outro Centro Integrado apenas em Foz do Iguaçu, embora vários outros municípios contem com entidades destinadas à internação provisória de adolescente (são os chamados Serviços de Atendimento Social - SAS). V - MOBILIZAÇÃO DA OPINIÃO PÚBLICA no sentido da participação dos diversos segmentos da sociedade (art.88, inciso VI do ECA) - Como o ECA e a CF estabelecem ser DEVER DE TODOS - família, sociedade e Estado - respeitar e fazer respeitar os direitos de crianças e adolescentes, prevenindo a ocorrência de ameaça ou violação de tais direitos, necessário que nesse sentido seja a sociedade MOBILIZADA, através de campanhas de esclarecimento e conscientização, dentre outros meios, que deverão ser promovidas preferencialmente pelos Conselhos de Direitos (que como vimos detém a "competência conscientizadora" da sociedade).

Art.89 do ECA - A função de MEMBRO DOS CONSELHOS DE DIREITOS, em todos

dos níveis, é considerada de INTERESSE PÚBLICO RELEVANTE, NÃO SENDO, no entanto, REMUNERADA. Os integrantes do órgão, portanto, são considerados "agentes honoríficos", tal qual o jurado no Tribunal do Júri e o mesário nas eleições. Apenas para fins de comparação (será objeto de melhor análise a posteriori, o ECA estabelece a POSSIBILIDADE de haver o pagamento de subsídios aos membros do CONSELHO TUTELAR).

Também é importante registrar que os conselheiros de direitos exercem MANDATOS

cuja duração é definida em LEI MUNICIPAL. Os conselheiros GOVERNAMENTAIS, que deverão ser agentes de 1º escalão do governo, com poder de decisão em suas pastas, são de livre nomeação e exoneração pelo Chefe do Executivo, devendo permanecer no Conselho enquanto estiverem à frente de seus cargos. Já os conselheiros NÃO GOVERNAMENTAIS são eleitos em ASSEMBLÉIA das próprias entidades, não podendo ser exonerados pelo Chefe do Executivo, perdendo o mandato apenas nas hipóteses definidas em lei. ENTIDADES DE ATENDIMENTO. FISCALIZAÇÃO. PROCEDIMENTO PARA APURAÇÃO DE IRREGULARIDADES (arts.90 a 97 do ECA). 1 - ENTIDADES DE ATENDIMENTO:

Conceito: são as entidades que dão retaguarda às medidas aplicadas a crianças e adolescentes pela autoridade competente (Juiz, MP, CT), sejam medidas sócio-educativas ou de proteção (arts.101 e 112 do ECA). Também operacionalizam (planejam e executam) programas para execução de medidas aplicáveis aos pais ou responsáveis (art.129 do ECA).

O ECA, no art.90, refere-se a entidades voltadas a programas especiais, destinados a crianças e adolescentes em situação de risco (na forma do disposto em seu já mencionado art. 98).

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As entidades são encarregadas de manter suas próprias unidades, bem como de planejar e executar seus próprios programas de proteção e sócio-educativos, dentre os relacionados no art.90 do ECA, A SABER:

a) programas de orientação e apoio familiar, que são os mencionados nos arts.101, incisos II e IV (acompanhamento, orientação e apoio temporários e programa de auxílio à família, à criança e ao adolescente), 129, incisos I e II (programa oficial de auxilio à família e programa de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos);

b) apoio sócio-educativo em meio aberto; c) colocação familiar (colocação em família substituta nas três modalidades - guarda, tutela e

adoção - sempre em regime de COLABORAÇÃO com a autoridade judiciária - vide art.30 do ECA);

d) abrigo (caso impossível o retorno à família de origem, ainda que momentaneamente, nem a colocação em família substituta);

e) liberdade assistida; f) semiliberdade; g) internação.

Os programas podem ser desenvolvidos por entidades governamentais e não

governamentais (embora quanto aos programas correspondentes às medidas sócio-educativas de inserção em regime de semiliberdade e internação, por importarem em restrição/privação de liberdade de adolescentes, considerada verdadeira questão de segurança pública, alguns sustentam que somente podem ser desenvolvidos por entidades GOVERNAMENTAIS).

Art.90, par. único do ECA - Os PROGRAMAS (e suas alterações) a serem

implantados/mantidos pelas entidades GOVERNAMENTAIS e NÃO GOVERNAMENTAIS deverão ser devidamente INSCRITOS no CMDCA, que a respeito deles fará comunicação ao Juiz e ao CT (pois serão estas autoridades que irão efetuar os encaminhamentos aos programas respectivos).

Art.91 do ECA - As entidades NÃO GOVERNAMENTAIS SOMENTE PODERÃO

FUNCIONAR APÓS REGISTRADAS no CMDCA, que também irá comunicar o registro ao Juiz e CT locais.

O ECA enumera hipóteses em que será negado o registro: instalações físicas

inadequadas quanto higiene, salubridade e segurança; plano de trabalho incompatível com os princípios do ECA; irregularidade quanto à constituição; pessoas inidôneas nos seus quadros (art.91, par. único).

Para as entidades de ABRIGO, o ECA relaciona alguns PRINCÍPIOS que devem ser

observados (art.92), que constituem-se numa reprodução mais detalhada daqueles já mencionados quando tratávamos do DIREITO À CONVIVÊNCIA FAMILIAR (vide também art.100 do ECA).

Fica EXPRESSAMENTE estabelecido que as entidades de abrigo deverão procurar

preservar os vínculos familiares, com a integração da criança ou adolescente em família substituta quando (e APENAS quando) esgotados os recursos visando a manutenção na família de origem; integração dos jovens abrigados na vida da comunidade local, que deverá participar de seu processo educativo; atendimento personalizado e em pequenos grupos, com o não-desmembramento de grupos de irmãos.

1.1 - FISCALIZAÇÃO das entidades de atendimento:

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O CMDCA efetua uma verdadeira fiscalização prévia por ocasião do registro das entidades não governamentais. Além da fiscalização prévia, todas entidades (não governamentais e governamentais) são fiscalizadas pelo Promotor de Justiça, Autoridade Judiciária (embora alguns sustentem que, dada redação do art.2º do CPC, aplicado por força do art.152 do ECA, não possa o Juiz fazer inspeção e baixar portaria instauradora de procedimento para apuração de

irregularidades na entidade, tal qual previsto no art.191, caput do ECA) e Conselho Tutelar, conforme o art.95 do ECA.

Sempre que uma entidade não obedecer as regras dos arts.92 e 94 do ECA

(princípios das entidades de abrigo e de internação), abre-se a possibilidade do desencadeamento de procedimento para apuração de irregularidades em entidades de atendimento (previsto nos arts.191 a 193 do ECA), podendo ser aplicadas as medidas estatuídas no art.97 do ECA, sem prejuízo da responsabilidade civil ou criminal de seus dirigentes ou prepostos.

SANÇÕES previstas para entidades GOVERNAMENTAIS: advertência, afastamento provisório dos dirigentes, afastamento definitivo do dirigente, fechamento da unidade ou interdição do programa.

SANÇÕES previstas para entidades NÃO GOVERNAMENTAIS: advertência,

suspensão total ou parcial do repasse de verbas públicas; interdição de unidades ou suspensão de programa, cassação do registro.

Além destas medidas, que são aplicadas ao final do procedimento, é possível o

afastamento provisório do dirigente, liminarmente, havendo motivo grave. Pode ser AFASTADO o dirigente GOVERNAMENTAL e NÃO GOVERNAMENTAL, este último SOMENTE LIMINARMENTE e NÃO AO FINAL do procedimento (AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL para esta penalidade). O motivo grave é verificado em razão do elevado grau de inescusabilidade do descumprimento de princípios e obrigações por parte do dirigente da entidade, sendo que seu afastamento objetiva que as irregularidades apontadas sejam apuradas, sem sua interferência, garantindo-se o seu êxito.

Observação importante: a MULTA prevista no art.193, §4° do ECA, NÃO PODE SER

APLICADA. Foi um ERRO do legislador que não a suprimiu neste artigo, quando esta modalidade de sanção foi suprimida pelo rol constante do art.97 do ECA. HÁ DIVERGÊNCIA de opinião, sustentando alguns que a multa é aplicada PARA A PESSOA DO DIRIGENTE e não para a entidade.

1.2 - Do PROCEDIMENTO (arts.191 a 193 do ECA):

a. PORTARIA do Juiz, REPRESENTAÇÃO do Ministério Público ou do Conselho Tutelar - decorrência do dever de fiscalizar, estabelecido no art.95 do ECA. A atribuição que o MP possui de fiscalizar estabelecimentos que abriguem menores, idosos, portadores de deficiência é ainda prevista na Constituição do Estado do Paraná, em seu art.120, inciso VIII. A inicial (portaria ou representação) sob pena de inépcia, deve expor os fatos reveladores das irregularidades, a indicação dos autores e sua qualificação, os meios de prova com os quais se pretende demonstrar os fatos alegados, incluindo o rol de testemunhas (deve, em suma, seguir também o disposto no art.282 do CPC).

b. Se é pedido liminarmente o afastamento provisório do dirigente, a autoridade judiciária (que

será SEMPRE o Juiz da Infância e Juventude, ex vi do disposto no art.148, inciso V do ECA) sobre ele decidirá. A liminar pode ser deferida inaudita altera pars e deve ser fundamentada.

c. Procede-se então à citação do dirigente da entidade, que deverá oferecer resposta em 10

(DEZ) DIAS, com indicação das provas que pretende produzir. O ato citatório recai sobre quem o Estatuto da entidade indicar.

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d. Com ou sem resposta e entendendo necessário, o Juiz designa audiência de instrução e julgamento (pode, portanto, haver o julgamento antecipado da lide). Nesta há apresentação de

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alegações finais, que também pode ocorrer por memoriais, no prazo de 05 (CINCO) DIAS, decidindo o juiz no mesmo prazo.

Quando os autos são conclusos ao Juiz, abre-se duas opções: ou o Juiz prolata a

sentença ou determina prazo para a remoção das irregularidades verificadas. Findo o prazo, se as irregularidades tiverem sido removidas, há EXTINÇÃO do processo e, se não, prolata-se sentença aplicando medida prevista no art.97 do ECA.

Quando a medida (para entidade GOVERNAMENTAL) é o afastamento provisório ou

definitivo do dirigente, o Juiz comunica o fato à autoridade administrativa hierarquicamente superior para a indicação do substituto (art.193, §2º do ECA).

Quando a decisão é de julgamento sem análise do mérito contra entidade

GOVERNAMENTAL, observa-se o art.475, inciso II do CPC (recurso ex officio - duplo grau de jurisdição obrigatório).

Quando as irregularidades não forem passíveis de remoção ou a aplicação das

medidas previstas no art.97 for insuficiente para a regularização da entidade, cabe ao MP, nos casos previstos no DL 41/66 (que dispõe sobre a dissolução de sociedades civis de fins assistenciais) promover sua dissolução (art.2º do citado DL). Para os casos de entidades NÃO GOVERNAMENTAIS juridicamente constituídas sob a forma de sociedade civil de fins assistenciais, portanto, conferir o DL - art.2°.

III - DAS MEDIDAS DE PROTEÇÃO (arts.98 a 102 do ECA):

Conceito: são medidas aplicadas pela autoridade competente (Juiz, Promotor, Conselheiro tutelar) a crianças e adolescentes que tiverem seus direitos fundamentais violados ou ameaçados, ou seja, quando se encontrarem em SITUAÇÃO DE RISCO pessoal ou social na forma do disposto no art.98 do ECA:

I - por ação ou omissão da sociedade ou do Estado (latu sensu); II - por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável; III - em razão de sua conduta. São ainda aplicáveis a CRIANÇAS acusadas da prática de ato infracional (art.105 do

ECA, a ser melhor analisado adiante). O art.101 do ECA relaciona um total de 08 (oito) medidas de proteção, sendo que a

enumeração contida no referido dispositivo é meramente EXEMPLIFICATIVA (vide a expressão "dentre outras" contida em seu enunciado), podendo ser aplicadas medidas diversas, sempre com vista à PROTEÇÃO INTEGRAL da criança e/ou do adolescente.

Estas medidas de proteção podem ser aplicadas CUMULATIVAMENTE às sócio-

educativas, no caso de prática de ato infracional por adolescente, sendo que o art.112, inciso VII do ECA prevê a possibilidade da aplicação das medidas de proteção relacionadas no art.101, incisos I a VI do ECA a título de MEDIDAS SÓCIO-EDUCATIVAS,

A aplicação das medidas protetivas deve obedecer a certos PRINCÍPIOS, alguns dos

quais se encontram insculpidos nos arts.99 e 100 do ECA:

a. possibilidade de serem aplicadas ISOLADA ou CUMULATIVAMENTE (art.99, primeira parte, do ECA)

b. possibilidade de sua SUBSTITUIÇÃO A QUALQUER TEMPO, uma vez demonstrada a

necessidade (art.99, in fine, do ECA);

c. observância das NECESSIDADES PEDAGÓGICAS do destinatário da medida, devendo ser nesse sentido providenciada, sempre que possível, a juntada de laudo técnico (estudo psicossocial ou similar) elaborado por equipe interprofissional a serviço do Conselho Tutelar ou Juizado da Infância e Juventude (art.100, primeira parte, do ECA);

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d. PREFERÊNCIA às medidas que visem FORTALECER OS VÍNCULOS FAMILIARES E COMUNITÁRIOS (art.100, segunda parte, do ECA, sendo esta mais uma expressão do direito fundamental à convivência familiar, previsto no art.227, caput da CF e arts.4º, caput e 19 do ECA).

Para que possam ser aplicadas e executadas a contento, as medidas de proteção

(assim como as sócio-educativas previstas no art.112 do ECA e as destinadas aos pais ou responsável, previstas no art.129 do ECA), devem corresponder a programas específicos, desenvolvidos por entidades governamentais e não governamentais, dentro da POLÍTICA DE ATENDIMENTO traçada pela área pelos Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente.

QUAIS SÃO AS MEDIDAS PROTETIVAS? 1. ENCAMlNHAMENTO AOS PAIS OU RESPONSÁVEIS, MEDIANTE TERMO DE RESPONSABILIDADE: Providência para os casos de menos gravidade e não preocupantes (como o de criança que se perdeu, por exemplo). Intima-se os pais e se entrega a criança e/ou o adolescente mediante termo de responsabilidade; 2. ORIENTAÇÃO, APOIO E ACOMPANHAMENTO TEMPORÁRIOS - Difere da primeira porque está condicionada a um lapso temporal e será executada pela equipe multidisciplinar. Casos bastante comuns em que a criança e a família, normalmente desestruturadas, são trabalhadas (aplicando-se esta, em tal caso, cumulativamente com uma ou mais das medidas previstas no art.129 do ECA); 3. MATRÍCULA E FREQÜÊNCIA OBRIGATÓRIA EM ESTABELECIMENTO OFICIAL DE ENSINO - Para os casos de evasão escolar, falta de matrícula ou negativa de sua aceitação por parte do estabelecimento de ensino público (devendo ser aplicada em conjunto com a prevista no art.129, inciso V do ECA, através da qual os pais ou responsáveis são obrigados não apenas a providenciar a matrícula, mas também a acompanhar a freqüência E o aproveitamento escolar de seus filhos, procurando fazer com que estes se interessem pelos estudos. Vide também art.55 do ECA e art.246 do CP); 4. INCLUSÃO EM PROGRAMA COMUNITÁRIO OU OFICIAL DE AUXÍLIO À CRIANÇA, À FAMÍLIA E AO ADOLESCENTE - São os programas que vão atingir as causas da carência e do abandono, conforme previsto no art.90, incisos I e II do ECA (guardam ainda correlação e devem ser objeto de aplicação conjunta com a medida prevista no art.129, inciso I do ECA); 5. REQUISIÇÃO DE TRATAMENTO MÉDICO, PSICOLÓGICO, PSIQUIÁTRICO, EM REGIME HOSPITALAR OU AMBULATORIAL - regra que decorre do direito fundamental à vida e à saúde, previsto no art.227, caput da CF e arts.4º, caput e 7º a 14 do ECA, valendo observar o disposto no art.208, inciso VII do ECA. A aplicação dessa medida deve ser precedida de laudo técnico idôneo que assevere sua necessidade, devendo ser aplicada em conjunto com a medida destinada aos pais ou responsável prevista no art.129, inciso VI do ECA, de modo a obrigar estes a providenciar que a criança ou adolescente se submeta ao tratamento que se revele necessário. 6. INCLUSÃO EM PROGRAMA OFICIAL OU COMUNITÁRIO DE AUXÍLIO, ORIENTAÇÃO E TRATAMENTO DE ALCOÓLATRAS E TOXICÔMANOS - a existência de programas dessa natureza é expressamente prevista pelo art.227, §3º, inciso VII da CF, sendo que o tratamento pode ser realizado tanto em regime hospitalar quanto ambulatorial. Em qualquer caso, tendo em vista que as medidas de proteção não são coercitivas, nem importam na privação da liberdade de seu destinatário, é imprescindível que seja este convencido da necessidade de se submeter ao tratamento, ainda que antes tenham de ser aplicadas as medidas previstas no art.101, incisos II e V do ECA, sem perder de vista a necessidade de, também aqui, aplicar a medida prevista no art.129, inciso VI do ECA; 7. ABRIGO EM ENTIDADE - O abrigo é medida de caráter excepcional, transitório. Deve a permanência ser pelo tempo necessário para que seja entregue à família de origem (providência primeira a ser tentada, inclusive através da aplicação, aos pais ou responsável, das medidas previstas no art.129 do ECA que se fizerem necessárias) ou para a colocação em família substituta. Não importa em privação de liberdade, sendo portanto vedada a utilização do abrigo como forma de "internação" de crianças e adolescente (vide também art.101, par. único do ECA);

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8. COLOCAÇÃO EM FAMÍLIA SUBSTITUTA, nas três modalidades, sendo sua aplicação, como dito anteriormente, medida de competência EXCLUSIVA da AUTORIDADE JUDICIÁRIA (em razão do contido no art.136, inciso I do ECA, o CT somente pode aplicar a crianças e

adolescentes as medidas de proteção que vão do art.101, incisos I ao VII, valendo a respeito do tema ainda observar o contido no art.30 do ECA);

Autoridades competentes para aplicação das medidas de proteção: a. CONSELHO TUTELAR - medidas de proteção a adolescentes e crianças em situação de

risco pessoal e/ou social (arts.98 c/c 136, inciso I do ECA) e criança infratora (com exceção, é claro, da colocação em família substituta, que é medida exclusivamente judicial).

b. JUIZ DA INFÂNCIA E JUVENTUDE - para o adolescente infrator, a título de medida

sócio-educativa (art.112, inciso VII do ECA), ou ainda, exercendo as funções dos conselheiros tutelares, por força do art.262 do ECA, enquanto ainda não instalado o CT (embora a instalação do CT não impeça a intervenção da autoridade judiciária em determinados casos, de maior gravidade e/ou complexidade, estabelecendo-se uma espécie de "competência concorrente" entre o Juízo da Infância e Juventude e o CT - que devem agir de forma articulada de modo a evitar decisões conflitantes).

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c. PROMOTOR DE JUSTIÇA - em sede de REMISSÃO (arts.126 a 128 do ECA), ao adolescente a quem se atribui a prática de ato infracional, como forma de EXCLUSÃO DO PROCESSO. Como todas as medidas aplicadas em sede de remissão (à exceção da de advertência, segundo sustentam alguns), sua aplicação pressupõe a expressa concordância do adolescente e seu responsável.

Consoante dito acima, as medidas de proteção (salvo quando forem aplicadas a título

de medida sócio-educativa, tal qual o previsto no art.112, inciso VII do ECA), NÃO SÃO COERCITIVAS à criança ou adolescente (embora possam sê-lo as medidas correlatas destinadas a seus pais ou responsável, a exemplo das previstas no art.129, incisos V e VI do ECA), não sendo assim necessária a deflagração de procedimento contraditório destinado à sua aplicação (que como vimos pode mesmo se dar na simples via administrativa através do CT).

Em sendo necessária a instauração de procedimento judicial com vista à aplicação de

medidas de proteção (salvo a colocação em família substituta e/ou o abrigamento, quando importar em destituição de guarda, suspensão ou destituição do pátrio poder), sua tramitação obedecerá o disposto no art.153 do ECA, em que tal qual ocorre nos procedimentos de jurisdição voluntária, são concedidos amplos poderes à autoridade judiciária para instrução do feito e tomada das providências que se fizerem necessárias, sempre tendo em vista a PROTEÇÃO INTEGRAL da criança ou do adolescente destinatário da medida. Antes de qualquer decisão judicial, no entanto, como de resto ocorre em todos os procedimentos que tramitam na Justiça da Infância e Juventude, é imprescindível a intervenção e oitiva do MP (arts.153, in fine, 202 e 204 do ECA).

O art.102 do ECA estabelece que o atendimento de criança ou adolescente que se

encontra em situação de risco pessoal ou social deve ser acompanhado da REGULARIZAÇÃO DO REGISTRO CIVIL, seja quando inexistir registro anterior (caso em que o assento será REQUISITADO pela AUTORIDADE JUDICIÁRIA, à vista dos elementos disponíveis - art.102, §1º do ECA), seja quando for necessária alguma retificação dos dados nele contidos.

A exemplo do que ocorre em outras disposições estatutárias, também existe a

previsão de gratuidade dos registros e certidões necessárias para a regularização do registro civil (art.102, §2º do ECA).

IV - DAS MEDIDAS APLICÁVEIS AOS PAIS OU RESPONSÁVEL (art.129 do ECA) Consoante acima ventilado, uma vez detectada a presença de situação de risco na

forma do disposto no art.98 do ECA, a aplicação de medidas de proteção à criança e ao adolescente muitas vezes por si só não basta, sendo necessário que também seja realizada uma intervenção junto à sua FAMÍLIA, quer para que esta seja promovida socialmente, quer para que seus integrantes recebam alguma espécie de tratamento do qual necessitem, quer para que sejam compelidos a participar ativamente do processo de recuperação de seus filhos e a cumprir os deveres inerentes ao pátrio poder que por alguma razão se omitiram em fazer, e mesmo para receber sanções específicas previstas em lei.

Enquanto as medidas de proteção destinadas às crianças e adolescentes não são

coercitivas, as medidas destinadas aos pais ou responsável o são, sendo que uma vez aplicadas pela autoridade competente (unicamente Conselho Tutelar ou Juiz de Direito), seu não cumprimento pode importar na prática da infração administrativa prevista no art.249 do ECA, sem embargo de outras sanções administrativas (consistentes mesmo em outras medidas previstas no art.129 do ECA, de consequências mais graves), ou mesmo criminais (como no caso de abandono intelectual de criança ou adolescente em idade escolar).

Também ao contrário do que acontece em relação às medidas previstas no art.101 do

ECA, as medidas destinadas aos pais ou responsável têm uma enumeração TAXATIVA (ou exaustiva, numerus clausus), não podendo a autoridade competente aplicar outras além das expressamente relacionadas no art.129 do ECA.

Embora não haja previsão expressa nesse sentido, é admissível a aplicação, também

às medidas destinadas aos pais ou responsável, dos princípios genéricos das medidas de proteção, relacionados nos arts.99 e 100 do ECA.

São elas: 1 - ENCAMINHAMENTO A PROGRAMA OFICIAL OU COMUNITÁRIO DE PROMOÇÃO À FAMÍLIA - já mencionado quando tratávamos do direito à convivência familiar, é a providência primeira a ser tomada quando se detecta que direitos fundamentais de crianças e adolescentes estão sendo ameaçados ou violados principalmente em razão da condição financeira e/ou social precária de seus pais ou responsável. Através desses programas, que se enquadram no já mencionado art.90, inciso I do ECA, se tentará PROMOVER SOCIALMENTE A FAMÍLIA da criança e do adolescente, de modo que todos passem a ter melhores condições de vida. Constitui-se, dentre outras, na inclusão dos pais ou responsável em atividades que visam complementar a renda familiar e/ou em cursos profissionalizantes, que permitam àqueles uma melhor colocação profissional. Não se confunde com o singelo fornecimento de "cestas básicas", que são programas meramente assistenciais, na forma da LOAS e art.87, inciso II do ECA; 2 - INCLUSÃO EM PROGRAMA OFICIAL OU COMUNITÁRIO DE AUXÍLIO, ORIENTAÇÃO E TRATAMENTO DE ALCOÓLATRAS E TOXICÔMANOS - aplicável uma vez detectado problema de alcoolismo na família, de preferência através de laudo técnico que recomende o grau de dependência e a forma de tratamento (hospitalar ou ambulatorial), não bastando, na maioria dos casos, mero encaminhamento para os "alcoólatras anônimos" ou similar. A freqüência ao tratamento deve ser acompanhada, com seus resultados periodicamente avaliados, de modo a incrementar ou complementar o trabalho realizado; 3 - ENCAMINHAMENTO A TRATAMENTO PSICOLÓGICO OU PSIQUIÁTRICO - sempre que detectado, através de laudo técnico idôneo, sua necessidade. Valem aqui as mesmas observações feitas ao item "2" supra;

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4 - ENCAMINHAMENTO A CURSOS OU PROGRAMAS DE ORIENTAÇÃO - aplicada geralmente em conjunto com as relacionadas nos itens "2" e "3" supra, pode abranger desde o convencimento acerca da necessidade de que o destinatário da medida se submeta ao tratamento necessário até o "ensino" da forma como devem ser tratados os filhos/pupilos, de modo que não haja omissões nem abusos no exercício do pátrio poder ou dos deveres inerentes à tutela/guarda; 5 - OBRIGAÇÃO DE MATRICULAR O FILHO OU PUPILO E ACOMPANHAR SUA FREQÜÊNCIA E APROVEITAMENTO ESCOLAR - já mencionada anteriormente, é aplicável sempre que detectada falta de matrícula, evasão, baixa freqüência e/ou aproveitamento escolar; 6 - OBRIGAÇÃO DE ENCAMINHAR A CRIANÇA OU ADOLESCENTE A TRATAMENTO ESPECIALIZADO - também já mencionado anteriormente, é geralmente aplicada em conjunto com as medidas previstas no art.101, incisos V e VI do ECA, visando o envolvimento da família no processo deflagrado com vista à proteção da criança e/ou do adolescente; 7 - ADVERTÊNCIA - aplicável sempre que se verificar que os pais/responsável estiverem se omitindo em cumprir deveres inerentes ao pátrio poder, de modo a alertá-los das consequências que poderão advir caso não modifiquem sua conduta (aplicação das medidas adiante relacionadas - perda de guarda, destituição de tutela, suspensão ou destituição do pátrio poder, prática da infração administrativa prevista no art.249 do ECA, prática de crimes de abandono intelectual e material etc.); 8 - PERDA DE GUARDA, DESTITUIÇÃO DE TUTELA, SUSPENSÃO OU DESTITUIÇÃO DO PÁTRIO PODER - constituem-se em sanções de considerável gravidade, devendo ser reservadas para último caso. Mesmo que decretada a perda de guarda, não deve ser, salvo recomendação técnica em contrário, suprimido o direito de visitas daquele que teve a guarda destituída, sendo que no caso da suspensão do pátrio poder, deve-se tentar incluir aquele que teve o pátrio poder suspenso em alguma das medidas acima relacionadas que o permitam, um dia, ver seu direito restabelecido. Quando da aplicação das medidas de destituição de tutela, suspensão ou destituição do pátrio poder, deve ser observado o disposto nos arts.23 e 24 do ECA (a falta de recursos materiais, por si só, não justifica a destituição de tutela, perda ou suspensão do pátrio poder, e estas medidas somente poderão ser tomadas em procedimento contraditório nos casos previstos na Lei Civil e em razão de grave e injustificado descumprimento dos deveres e obrigações a que alude o art.22 do ECA), o que é óbvio (art.129, par. único do ECA).

AUTORIDADES competentes para aplicação de medidas aos pais:

a. CONSELHO TUTELAR - em razão do disposto no art.136, inciso II do ECA, o CT somente pode aplicar as medidas previstas no art.129, incisos I a VII do ECA, ou seja, apenas até a medida de ADVERTÊNCIA, sendo portanto vedado ao órgão a aplicação de medidas que importem em destituição (ou modificação) de guarda, destituição de tutela, suspensão ou destituição do pátrio poder. Caso entenda necessária a aplicação de qualquer dessas medidas (sem jamais perder de vista que um dos direitos fundamentais de crianças e adolescentes que cabe ao CT resguardar é o direito à convivência familiar - art.227, caput da CF e arts.4º, caput e 19 do ECA), deve o CT providenciar o encaminhamento dos elementos nesse sentido colacionados ao MP ou autoridade judiciária.

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b. JUIZ DA INFÂNCIA E JUVENTUDE - único que pode aplicar as medidas previstas no art.129, incisos VIII, IX e X do ECA.

O Ministério Público não tem atribuição de aplicar medidas destinadas a pais ou

responsável, embora tenha legitimidade para deflagrar procedimentos específicos com essa

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finalidade e, caso não o faça, neles obrigatoriamente oficiará, sob pena de nulidade (arts.202 e 204 do ECA).

Art.130 do ECA - Caso seja verificada a ocorrência de maus-tratos, opressão ou

abuso sexual de criança ou adolescente por parte de seus pais ou responsável, a autoridade judiciária (jamais, portanto, o CT) poderá determinar, como medida cautelar a procedimento com vista à modificação de guarda, destituição de tutela, suspensão ou destituição do pátrio poder, o afastamento DO AGRESSOR da moradia comum. A medida, que visa manter a vítima em companhia de seus irmãos e cônjuge/concubino do agressor na moradia familiar, evitando assim os malefícios da separação e abrigamento, bem como a proteção dos demais membros da família, deve ser tomada com prudência, pois sempre haverá a possibilidade de represálias por parte daquele que foi afastado pela ordem judicial.

V - ATO INFRACIONAL e MEDIDAS SÓCIO-EDUCATIVAS (arts.103 a 105 e 112 a

125 do ECA): III.1 - ATO INFRACIONAL:

O art.103 do ECA define ATO INFRACIONAL como sendo a CONDUTA DESCRITA COMO CRIME OU CONTRAVENÇÃO PENAL.

Ato infracional, portanto, tecnicamente falando NÃO É CRIME NEM

CONTRAVENÇÃO, embora possa ser enquadrado genericamente no conceito de "ato ilícito" a que se refere a Lei Civil.

O ECA limitou-se a "tomar emprestado" da Lei Penal as condutas TÍPICAS e

ANTIJURÍDICAS por esta definidas (não se fala em culpabilidade dada natural inimputabilidade do adolescente, devendo seus demais elementos ser aferidos apenas para fins de aplicação da medida sócio-educativa - quando da análise das CIRCUNSTÂNCIAS da infração a que se refere o art.112, §1º do ECA).

O art.104 do ECA praticamente reproduz o disposto no art.228 da CF, considerando

INIMPUTÁVEIS todas as pessoas com idade inferior a 18 (dezoito) anos. Mais do que mera questão de política criminal, esta idade é considerada internacionalmente, com base em estudos e pesquisas realizados, como a do provável atingimento da maturidade biopsicológica, pois até então está o adolescente a sofrer da chamada "crise da adolescência normal", onde a agressividade, influenciabilidade pelo grupo e rebeldia face os valores e dogmas socialmente impostos são característicos dessa fase de transição e profunda transformação na vida do jovem.

O art.228 da CF é considerado por muitos doutrinadores como CLÁUSULA PÉTREA,

por expressar um DIREITO INDIVIDUAL DE NATUREZA ANÁLOGA aos relacionados no art.5º da CF. Assim sendo, a teor do disposto no art.6º, §4º da CF, NÃO SERIA POSSÍVEL sequer deliberar sobre a proposta de emenda à Constituição.

No recente Congresso Nacional do Ministério Público realizado em Curitiba/PR, foi

aprovada tese, apresentada pelo Procurador de Justiça do Estado do Paraná Olympio de Sá Sotto Maior Neto, que defendia justamente o reconhecimento de que o art.228 da CF seria cláusula pétrea, tornando assim impossível a redução da imputabilidade penal, consoante vem sendo proposto.

III.2 - MEDIDAS SÓCIO-EDUCATIVAS:

São destinadas apenas a ADOLESCENTES acusados da prática de atos infracionais (a CRIANÇA está sujeita APENAS A MEDIDAS DE PROTEÇÃO - art.105 c/c art.101 do ECA) e, embora pertençam ao gênero "sanção estatal", não podem ser confundidas ou encaradas como PENAS, pois têm NATUREZA JURÍDICA e FINALIDADE diversas.

Enquanto as penas possuem um caráter eminentemente RETRIBUTIVO, as MSE têm

um caráter preponderantemente PEDAGÓGICO, com preocupação única de RECUPERAR o adolescente acusado da prática de ato infracional.

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Como o ato infracional não é crime e a MSE não é pena, incabível fazer qualquer correlação entre a quantidade ou qualidade (se reclusão ou detenção) de pena in abstracto

prevista para o imputável que pratica o crime e a medida sócio-educativa destinada ao adolescente que pratica a mesma conduta.

A aplicação das MSE não está sujeita aos parâmetros traçados pelo CP e doutrina

penalista para a "dosimetria da pena", sendo assim inadmissível falar em um "sistema trifásico de dosimetria de MSE" ou mesmo a utilização, bastante comum, da análise das circunstâncias judiciais do art.59 do CP.

A aplicação das MSE está sujeita a PRINCÍPIOS PRÓPRIOS, traçados pelo arts.112,

§1º e 113 c/c arts.99 e 100, todos do ECA.

a) capacidade de cumprimento da medida pelo adolescente; b) circunstâncias e gravidade da infração; c) necessidades pedagógicas do adolescente; d) preferência àquelas que visam o fortalecimento dos vínculos familiares e

comunitários; e) possibilidade de aplicação isolada ou cumulativa; f) possibilidade de sua substituição a qualquer tempo.

Em razão das garantias constitucionais do contraditório, devido processo legal e

impossibilidade de aplicação de sanção estatal sem a comprovação da responsabilidade do agente, o adolescente somente pode ser submetido a medida privativa de liberdade após procedimento contraditório em que lhe seja assegurado amplo direito de defesa (arts.110 e 111 do ECA), sendo que para a IMPOSIÇÃO de todas as MSE, exceto a de advertência, é IMPRESCINDÍVEL a COMPROVAÇÃO da AUTORIA E MATERIALIDADE da infração (art.114, caput do ECA).

Para a aplicação da MSE de ADVERTÊNCIA, bastam INDÍCIOS DE AUTORIA,

embora seja necessária a COMPROVAÇÃO DA MATERIALIDADE do ato praticado (art.114, par. único do ECA).

Ao adolescente acusado da prática de ato infracional são asseguradas ainda alguns

DIREITOS INDIVIDUAIS e GARANTIAS PROCESSUAIS.

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VI - DOS DIREITOS INDIVIDUAIS (arts.106 a 109 do ECA)

São basicamente os mesmos direitos que a CF assegura a todo cidadão: Art.106 - Nenhum ADOLESCENTE será privado de sua liberdade senão EM

FLAGRANTE de ato infracional OU POR ORDEM ESCRITA E FUNDAMENTADA DE AUTORIDADE JUDICIÁRIA competente (nem se cogita da privação de liberdade de CRIANÇA, que como vimos, mesmo quando acusada da prática de ato infracional está sujeita apenas a medidas de proteção);

Art.106, par. único - Direito à identificação dos responsáveis por sua apreensão (que

se ilegal poderá resultar na prática de CRIME previsto no art.230 do ECA), bem como de ser cientificado de seus direitos;

Art.107 - Direito à comunicação INCONTINENTI de sua apreensão e do local onde se

encontra à FAMÍLIA e AUTORIDADE JUDICIÁRIA (vale notar que o termo "incontinenti" foi utilizado em substituição ao "imediatamente" previsto no art.5º LXII da CF para não dar margem à interpretação usual que tal comunicação poderia ser feita dentro do prazo de 24 horas após a apreensão. O termo "incontinenti", portanto, traduz uma imediatidade AINDA MAIOR, devendo ser a comunicação efetuada sem qualquer demora, já quando da apresentação do adolescente à autoridade policial ou plantonista da DP).

Art.107, par. único - A REGRA será a LIBERAÇÃO IMEDIATA do adolescente, que

deverá ser entregue a seus pais ou responsável, mediante termo, logo após a lavratura do "boletim de ocorrência circunstanciado" ou similar (vide art.173 do ECA). Caso a gravidade do ato ou outros fatores não recomendem a liberação, deverá ser o adolescente encaminhado, juntamente com seus pais ou responsável, ao representante do MP imediatamente ou dentro do prazo máximo de 24 horas (arts.174 e 175 e par. único do ECA). Para que seja mantida a internação provisória do adolescente (que pode se estender por até 45 dias, ex vi do disposto nos arts.108, caput e 183 do ECA), o MP deverá requerer sua decretação pela autoridade judiciária, que terá de proferir DECISÃO FUNDAMENTADA baseada em INDÍCIOS de AUTORIA e MATERIALIDADE, com a DEMONSTRAÇÃO DA NECESSIDADE IMPERIOSA DA MEDIDA (art.108, par. único do ECA), assim aferida com base nos parâmetros traçados pelo art.174 do ECA (gravidade do ato, repercussão social, necessidade da internação para garantia de sua segurança pessoal ou manutenção da ordem pública), não se aplicando assim os requisitos da prisão preventiva constantes do art.312 do CPP.

Art.109 - Somente haverá a possibilidade da identificação datiloscópica (o popular

"tocar piano"), quando houver DÚVIDA FUNDADA acerca da identidade fornecida pelo adolescente.

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VII - DAS GARANTIAS PROCESSUAIS (arts.110 e 111 do ECA)

Art.110 - fala do DEVIDO PROCESSO LEGAL, já assegurado a todo cidadão pelo art.5º, inciso LIV da CF;

Art.111 - assegura ao adolescente o pleno e formal conhecimento do ato infracional a

ele atribuído; a igualdade na relação processual, com direito ao contraditório e à ampla defesa, que deverá ser exercida por advogado (vide art.207 do ECA); assistência judiciária gratuita; direito de ser ouvido pessoalmente por todas as autoridades que interferem no procedimento e direito de solicitar a presença de seus pais ou responsável em qualquer fase do procedimento (esta última regra sendo aplicável basicamente no caso de adolescente privado de sua liberdade).

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VIII - ESPÉCIES DE MEDIDAS SÓCIO-EDUCATIVAS (art.112, incisos I a VII do

ECA): VIII.1 - ADVERTÊNCIA (arts.112, inciso I e 115 do ECA):

Consiste em uma "chamada de atenção" pelo Juiz da Infância e da Juventude (a

medida deve ser EXECUTADA pela autoridade judiciária, e não pelo escrivão ou outro servidor), com lavratura de termo. O Promotor de Justiça deve estar presente ao ato. É a repreensão para os casos de menor gravidade. Para aplicação, ao final (na sentença), excepcionalmente, não se exige prova da autoria, bastando "indícios suficientes" desta e prova da materialidade da infração (art.114, par. único do ECA). VIII.2 - OBRIGAÇÃO DE REPARAR O DANO (arts.112, inciso II e 116 do ECA):

Não se confunde com a indenização cível, sendo aplicável aos casos de atos infracionais com reflexos patrimoniais (furto, roubo, apropriação indébita, dano), podendo ocorrer em uma das três modalidades indicadas no ECA:

1. restituição da coisa; 2. ressarcimento do dano em dinheiro; 3. outra alternativa compensatória, como, por exemplo, a prestação de serviços, desde que haja

consentimento (dada proibição de trabalho forçado - art.112, §2° do ECA e art.5º, inciso XLVII, alínea "c" da CF).

O adolescente é que deve cumpri-la e não os responsáveis. Daí o ECA expressamente dizer que, na impossibilidade de o adolescente cumpri-

la, poderá ser substituída por outra (art.116, par. único do ECA, que apenas reforça o contido no disposto no art.112, §1º, primeira parte, também do ECA). VIII.3 - LIBERDADE ASSISTIDA (arts.112, inciso III e 118/119 do ECA):

Não se trata de uma espécie de "liberdade vigiada" (tal qual previa o antigo Código de Menores), período de prova ou espécie de sursis, que revelam meramente o controle de conduta, mas sim importa em INTERVENÇÃO EFETIVA de uma "pessoa capacitada para acompanhar o caso" (verbis), também chamado de ORIENTADOR que dê condições para o adolescente de PROMOÇÃO SOCIAL e FORTALECIMENTO DE VÍNCULOS COM A FAMÍLIA E A COMUNIDADE (tal qual previsto no art.100 do ECA).

Há o acompanhamento, o auxílio e a orientação ao adolescente, através da pessoa

do ORIENTADOR: que é pessoa designada pelo Juiz para acompanhar o caso e desempenhar tais misteres.

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Prazo MÍNIMO de duração: SEIS MESES. Pode ser prorrogada, substituída, revogada, ouvindo-se o Ministério Público, o orientador e o defensor (art.118, §2º do ECA). Via de regra não é fixado um prazo máximo para sua duração, que será periodicamente reavaliada e se estenderá até quando for necessária (respeitado o limite máximo de 21 anos de idade) ou quando, por não mais surtir efeito, tiver de ser substituída por outra (ex vi do disposto no art.99 do ECA)

OBRIGAÇÕES DO ORIENTADOR - que deverá delas desincumbir-se com APOIO e SUPERVISÃO da autoridade competente (Conselho Tutelar ou Juiz da Infância e Juventude, que se necessário aplicarão as medidas previstas nos arts.101 e 129 do ECA):

1. promoção social do adolescente e família, com orientação e inclusão em programa oficial ou

comunitário de auxilio ou assistência social; 2. supervisão de freqüência, aproveitamento escolar. Promoção de matrícula, se necessário; 3. busca da profissionalização e inserção em mercado de trabalho; 4. apresentação de relatório. Este rol de atividades (contido no art.119 do ECA) é meramente exemplificativo. VIII.4 - PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE (arts.112, inciso IV e 117 do ECA):

Medida introduzida pelo ECA. Consiste na realização de tarefas gratuitas em

entidades assistenciais, escolas, hospitais, entidades de atendimento governamentais ou não. Período MÁXIMO de duração: SEIS MESES (devendo ser este fixado quando da

sentença ou do acordo de remissão, sendo assim uma exceção à regra da duração indeterminada das medidas sócio-educativas em geral).

Duração semanal - 8 horas, em sábados, domingos ou em dias que não

prejudiquem a freqüência à escola ou jornada normal de trabalho. Aplicada de acordo com as aptidões do adolescente, devendo fazer parte de um

PROGRAMA SÓCIO-EDUCATIVO que contemple outros aspectos da vida do jovem (freqüência à escola, profissionalização, orientação psicológica etc.) e que tenha finalidade unicamente PEDAGÓGICA.

Pressupõe a celebração de CONVÊNIO entre a entidade onde o adolescente irá

cumprir a medida e o Juízo da Infância e Juventude (ou outra entidade que centralize a execução de medidas sócio-educativas eventualmente existente na comarca), de modo a deixar claro os deveres (e direitos) tanto do adolescente quanto da entidade, que deverá, dentre outras, possuir uma proposta pedagógica na qual se insira a atividade a ser desempenhada e se obrigar a controlar a freqüência e o aproveitamento do jovem, comunicando ao Juízo faltas injustificadas e problemas detectados ao longo da execução da medida.

VIII.5 - REGIME DE SEMILIBERDADE (arts.112, inciso V e 120 do ECA): Consiste na permanência em entidade própria destinada a adolescentes, que mantenha programa adequado que contemple a REALIZAÇÃO DE ATIVIDADES EXTERNAS, sendo OBRIGATÓRIAS a ESCOLARIZAÇÃO e a PROFISSIONALIZAÇÃO. Dependendo da situação e da PROPOSTA PEDAGÓGICA da unidade, o período de permanência do adolescente na entidade poderá ser à noite ou parte do dia, e/ou ainda fins de semana. Dois tipos: 1. é aquele determinado desde o início pela autoridade judiciária, através do devido processo legal (não existe a possibilidade da aplicação de medidas privativas de liberdade em sede de remissão - art.127 do ECA).

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2. caracteriza-se pela "progressão do regime": o adolescente inicialmente internado é beneficiado com a mudança de regime, do internato para a semiliberdade.

A medida não comporta prazo determinado, com aplicação subsidiária de

disposições relativas à internação (notadamente quanto à reavaliação periódica, prazo máximo de duração, desligamento apenas mediante autorização judicial, liberação compulsória aos 21 anos e direitos relacionados no art.124 do ECA) - art.120 § 2° do ECA.

Importante por caracterizar-se como a inserção do jovem em programa de cunho

educativo, cujas regras, horários e tarefas devem ser claras, estabelecidas em conjunto e cumpridas por todos.

O objetivo da medida é o de oferecer controle externo e um ambiente educacional

que permita reeducação e a reinserção social. Durante período de permanência na entidade deverão ser realizadas atividades sócio-pedagógicas e profissionalizantes de modo a ocupar todo o tempo do jovem, pois a restrição da liberdade pura e simples de nada adiantará.

Em Curitiba, a medida é aplicada em entidade destinada ao tratamento e

recuperação de jovens usuários de substâncias entorpecentes (CRENVI). VIII.6 - INTERNAÇÃO (arts.112, inciso VI e 121 a 125 do ECA):

O ECA, em parte reproduzindo o contido no art.227, §3º, inciso V da CF) define

internação, como medida privativa de liberdade, sujeita aos PRINCÍPIOS da BREVIDADE, EXCEPCIONALIDADE e RESPEITO À CONDIÇÃO PECULIAR DE PESSOA EM DESENVOLVIMENTO (art.121 do ECA).

A imposição da medida sócio-educativa de internação é ato EXCEPCIONAL e EM

HIPÓTESE ALGUMA será aplicada havendo outra medida adequada que a substitua (art.122 § 2° do ECA).

A medida deve ser cumprida em estabelecimento exclusivo para adolescentes

(art.123, caput do ECA) que adote o REGIME FECHADO, sendo que via de regra (salvo expressa - e fundamentada - decisão judicial em sentido contrário), o adolescente poderá realizar atividades externas, a critério da equipe técnica (art.121,§1° do ECA).

PRINCÍPIOS E FINALIDADE DA INTERNAÇÃO: Três princípios orientam a aplicação da medida de internação, princípios estes que têm PREVISÃO CONSTITUCIONAL (art.227, §3º, inciso V da CF): a) DA BREVIDADE - a internação deverá ter um tempo indeterminado para sua duração, que fica condicionada ao êxito do trabalho psicossocial desenvolvido com o adolescente na unidade onde cumpre a medida. A manutenção da internação deve ser reavaliada periodicamente, NO MÁXIMO a cada seis meses (art.121, §2º do ECA), respeitado o período máximo de 3 (três) anos previsto para sua duração (art.121, § 3° do ECA).

Após cumprido o prazo máximo de 3 (três) anos, deverá ser o adolescente liberado,

colocado em semiliberdade ou liberdade assistida (art.121, §§ 3° e 4° do ECA), podendo permanecer em regime de semiliberdade por mais 03 (três) anos e, em liberdade assistida, pelo tempo que se fizer necessário (sempre respeitado o limite dos 21 anos, previsto no art.2º, par. único do ECA).

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O art.122, § 1° do ECA, estabelece em 3 (três) meses o PRAZO MÁXIMO de duração para a INTERNAÇÃO APLICADA EM RAZÃO DO DESCUMPRIMENTO REITERADO E INJUSTIFICADO DE MEDIDA ANTERIORMENTE IMPOSTA, prevista no art.122, inciso III do

ECA (internação esta que é prevista para dar maior COERCIBILIDADE às medidas aplicadas em meio aberto).

A lei não determina prazo mínimo de duração da medida, sendo que já foram

cassadas decisões que estabeleciam que a reavaliação da manutenção da internação ocorresse "a cada seis meses", pois esta deve ficar a critério da equipe técnica que acompanha a execução da medida (a menos, é claro, que o Juiz estabeleça um prazo reduzido para tanto, de um ou dois meses, o que viria a beneficiar o adolescente). Dado PRINCÍPIO DA BREVIDADE da duração da medida de internação, a cada reavaliação deverá ser proferida NOVA DECISÃO quanto à manutenção da internação do adolescente. Contra decisões que optam pela manutenção da internação quando os relatórios da equipe técnica são favoráveis à desinternação, tem se admitido o agravo de instrumento (embora também cabível o habeas corpus, como por exemplo no caso de a autoridade judiciária não fundamentar sua decisão ou fazê-lo apenas com base em argumentos flagrantemente inadmissíveis, como o supostamente pequeno tempo de duração da medida face a gravidade do ato praticado, a comparação do tempo de duração da medida com o quantum de pena previsto in abstracto pela legislação penal ou a ser possivelmente aplicado em concreto etc). b) DA EXCEPCIONALIDADE - a medida privativa de liberdade somente poderá ser aplicada caso COMPROVADAMENTE inviável ou não surtir efeito a aplicação das demais. Existindo outras medidas, que possam substituir a de internação, o juiz deverá aplicá-las - art. 122 § 2° do ECA.

Na sentença, após concluir comprovadas autoria e materialidade da infração, deve o

juiz expor de forma clara e em minúcias as razões que o levaram a concluir pela impossibilidade da aplicação das demais medidas em meio aberto, devendo decidir com base em dispositivos e princípios próprios do ECA (dentre os quais os previstos nos arts.99, 100, 112, §1º, 114 e par. único, 121, caput, 122 e 122, §2º), e não em regras de Direito Penal (sendo inaplicável a "dosimetria" da MSE com base no art.59 e outros dispositivos do Código Penal).

Reiteradas decisões do TJPR têm considerados NULAS sentenças que deixam de

fundamentar de forma adequada a aplicação da medida extrema e excepcional da internação, notadamente quando baseadas APENAS na GRAVIDADE do ato infracional praticado, sendo certo que a presença desta é UM dos fatores que EM TESE AUTORIZA, mas que JAMAIS DETERMINA a aplicação da medida privativa de liberdade.

c) DO RESPEITO À CONDIÇÃO PECULIAR DE PESSOA EM DESENVOLVIMENTO - Ao efetuar a contenção e a segurança dos infratores internos, as autoridades encarregadas não poderão, de forma alguma, praticar abusos ou submeter a vexame ou a constrangimento não autorizado por lei.

Vale dizer, devem observar os direitos do adolescente privado de liberdade, alinhados

no art.124 do ECA. FINALIDADE DA INTERNAÇÃO: Educativa e Curativa É EDUCATIVA quando o estabelecimento reúne condições de conferir ao infrator escolaridade, profissionalização e cultura, visando dotá-lo de instrumentos adequados para enfrentar os desafios do convívio social; É CURATIVA quando se dá em estabelecimento ocupacional, psicopedagógico, cujo tratamento a nível terapêutico possa reverter o potencial criminógeno de que o adolescente é portador.

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A medida de internação SOMENTE PODE SER APLICADA em estando presente alguma das situações do art.122 do ECA, cujo e elenco é TAXATIVO e EXAUSTIVO, não havendo possibilidade de aplicação da medida fora das hipóteses apresentadas.

São elas:

a. Ato infracional cometido MEDIANTE VIOLÊNCIA OU GRAVE AMEAÇA À PESSOA (art.122,

inciso I do ECA); b. REITERAÇÃO no cometimento de OUTRAS INFRAÇÕES CONSIDERADAS GRAVES

(art.122, inciso II do ECA) - sendo certo que não existe uma prévia relação de quais são elas. Existe um entendimento segundo o qual "grave" seria toda infração para qual, na lei penal, é cominada in abstracto pena de RECLUSÃO.

Tal entendimento é a meu ver equivocado devido à impropriedade técnica da

comparação entre pena e MSE, dada natureza jurídica e finalidade diversa de ambas. A aplicação das MSE, como visto anteriormente, utiliza parâmetros próprios,

totalmente incompatíveis quer com a qualidade/quantidade de pena in abstracto prevista para os imputáveis, quer com os dispositivos e sistemática utilizados na imposição da sanção em concreto.

Têm sido consideradas GRAVES as infrações de TRÁFICO DE DROGAS e

FORMAÇÃO DE QUADRILHA, sendo que ganha corpo o entendimento segundo o qual o FURTO, ainda que qualificado, NÃO PODE SER CONSIDERADO INFRAÇÃO GRAVE, dados os reflexos unicamente patrimoniais do ato. c) DESCUMPRIMENTO REITERADO E INJUSTIFICADO DE MEDIDA ANTERIORMENTE

IMPOSTA (art.122, inciso III do ECA) - tendo sido inicialmente aplicada medida em meio aberto (liberdade assistida, prestação de serviços à comunidade e obrigação de reparar o dano), ou ainda no caso da inserção em regime de semiliberdade, caso o adolescente não a cumpra, e este descumprimento se mostre reiterado E injustificado (devendo essa falta de justificativa ser apurada em procedimento próprio, em que se garanta ao adolescente a possibilidade de ampla defesa, em respeito ao contido no art.5º, incisos LIV e LV da CF), pode haver o decreto de sua internação por até 03 (três) meses (art.122, §1º do ECA).

Consoante acima ventilado, essa modalidade de internação é utilizada como forma de

COERÇÃO para o cumprimento das demais medidas aplicadas. Em razão desta peculiar característica, tem sido admitida a possibilidade da fixação de prazo para duração dessa modalidade de internação, desde que REDUZIDO, pois se argumenta que assim se estará beneficiando o adolescente. Alguns chegam mesmo a estabelecer uma espécie de "tabela progressiva" para a duração da medida (respeitado, é claro, o limite de três meses), tudo de modo a compelir o adolescente a cumprir a medida aplicada em meio aberto.

Cabe mais uma vez ressaltar que a GRAVIDADE da infração é CONDIÇÃO

NECESSÁRIA, MAS NÃO SUFICIENTE para a aplicação da medida, pois um adolescente pode ter praticado uma infração de natureza grave, mas, pelas condições pessoais e sócio-familiares, poderá ser submetido a outra medida, desde que esta seja eficiente para sua adequação social (valendo lembrar o disposto no citado art.122, §2º do ECA).

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A internação deverá ser cumprida em ENTIDADE EXCLUSIVA PARA ADOLESCENTES, em local distinto daquele destinado ao abrigo (embora pareça óbvio, pois o abrigo, como vimos, é medida de proteção, esta disposição é decorrente da prática anterior ao ECA, em que todos os "menores" que se encontravam em "situação irregular", fossem ou não

infratores, eram colocados na mesma instituição), obedecendo rigorosamente à SEPARAÇÃO por critérios de IDADE, COMPLEIÇÃO FÍSICA e GRAVIDADE DA INFRAÇÃO, sendo obrigatória a execução de atividades pedagógicas - na perspectiva de que a contenção, por si só, não basta, haja vista que as medidas sócio-educativas privativas de liberdade, por não serem penas, não possuem um fim em si mesmas, sendo apenas o MEIO para que o adolescente seja tratado e recuperado (art.123 do ECA).

As unidades de internação deverão ser, de preferência, de pequeno porte (o

CONANDA, em Resolução de nº 46/96, estabelece ser de 40 (quarenta) o número máximo de adolescentes por unidade de internação), e contar com pessoal altamente especializado, tudo de modo a dar o quanto possível um ATENDIMENTO INDIVIDUAL ao adolescente.

Aos 21 anos o adolescente internado pela prática de ato infracional enquanto

inimputável, será IMEDIATAMENTE LIBERADO (art.121, §5° do ECA). Após essa idade, não será possível a aplicação de qualquer medida sócio-educativa pela autoridade judiciária - CESSA a possibilidade de aplicação do ECA - art.2º, par. único do ECA. INTERNAÇÃO PROVISÓRIA (art.108 e par. único c/c arts.174 e 183, todos do ECA): O Juiz ao receber a ação sócio-educativa pública, proposta pelo Ministério Público, se entender necessário, proferirá DECISÃO FUNDAMENTADA baseada em INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA E MATERIALIDADE, demonstrando ser IMPERIOSA A IMPOSIÇÃO DA INTERNAÇÃO PROVISÓRIA (art.108 do ECA). A internação provisória será determinada pela autoridade judiciária quando (arts.108 e 174 do ECA): a) tratar-se da prática de ato infracional com as características mencionadas nos incisos I e II

do art.122 do ECA (praticado mediante violência ou grave ameaça à pessoa ou se tratar de infração considerada de natureza grave);

b) não for possível a imediata liberação do adolescente a seus pais ou responsável; c) em virtude das conseqüências, repercussão social e gravidade do ato praticado, a segurança

e proteção do adolescente, bem como a manutenção da ordem pública estiverem ameaçadas. Não se confunde com a "prisão preventiva" prevista no CPP para os imputáveis nem permite a utilização dos requisitos desta para justificar seu decreto, que deve ocorrer apenas com base nos requisitos relacionados nos itens "a", "b" e "c" supra. Também será possível a internação provisória, quando o adolescente foi apreendido em flagrante de ato infracional. Para sua MANUTENÇÃO, no entanto, TAMBÉM DEVE SER A MEDIDA JUDICIALMENTE DECRETADA, com a comprovação da presença das condições acima referidas, pois a REGRA será a LIBERAÇÃO IMEDIATA (art.107, par. único do ECA). Em outras palavras, a apreensão em flagrante do adolescente, por si só, não subsiste, sendo necessária decisão judicial que mantenha sua contenção por NECESSIDADE IMPERIOSA. De qualquer modo, essa medida, aplicada provisoriamente, não poderá ser cumprida em repartição policial, à exceção da hipótese do art.185, §2º do ECA, segundo o qual a PERMANÊNCIA MÁXIMA do adolescente em "seção isolada dos adultos" (a chamada "sala" ou "cela especial") será de 05 (CINCO) dias, enquanto aguarda transferência para INSTITUIÇÃO PRÓPRIA para o cumprimento da medida, devendo o procedimento ser concluído em IMPRORROGÁVEIS 45 (QUARENTA E CINCO) dias (art.183 do ECA).

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Em Curitiba, uma instituição própria para internação provisória de adolescentes acusados da prática de atos infracionais funciona junto ao Centro Integrado de Atendimento ao Adolescente Infrator (o chamado CIAADI), que existe em cumprimento ao disposto no art.88, inciso V do ECA e visa a INTEGRAÇÃO OPERACIONAL dos diversos órgãos que atuam na área, com vista à agilização do atendimento prestado. DIREITOS DO ADOLESCENTE PRIVADO DA LIBERDADE (art.124 do ECA):

A enumeração é exemplificativa e não taxativa. Ao contrário do Código de Menores, que não reconhecia o direito do adolescente de

ter direitos, a nova lei coloca-o como sujeito desses direitos e centro das prioridades sociais. Dentre os direitos relacionados podemos destacar:

- ENTREVISTAR-SE PESSOALMENTE com o representante do MP; - PETICIONAR DIRETAMENTE A QUALQUER AUTORIDADE; - PERMANECER INTERNADO NA MESMA LOCALIDADE ou naquela mais próxima ao domicílio de seus pais (pois tem o direito deles receber visitas ao menos semanalmente, visando assim a integração da família no processo pedagógico); - RECEBER ESCOLARIZAÇÃO E PROFISSIONALIZAÇÃO, bem como realizar atividades culturais, esportivas e de lazer (de acordo com a PROPOSTA PEDAGÓGICA da unidade, que deve englobar todos esses aspectos).

A incomunicabilidade é VEDADA, sob qualquer pretexto (art.124, §1º do ECA), sendo

que a autoridade judiciária somente poderá suspender temporariamente as visitas ao adolescente (mesmo de seus familiares), se existirem motivos sérios e fundados (deve a decisão ser assim motivada) de sua prejudicialidade aos interesses do adolescente (art.124, §2º do ECA). REMISSÃO (arts.126 a 128 do ECA):

Define-se REMISSÃO como o PERDÃO do ato infracional praticado por adolescente. A origem etimológica do instituto, no entanto, vai além desse conceito, pois o termo vem da expressão "remissio", "remittere", que significa REMETER o caso PARA FORA do sistema judiciário, havendo países que permitem sua utilização de forma muito mais ampla.

Ao introduzir o instituto da remissão, o ECA, pretendeu sanar os efeitos negativos e

prejudiciais acarretados pelo procedimento judicial.

Para isso previu que a remissão pudesse ser conferida por duas autoridades distintas em ocasiões diversas. a) art.126 caput do ECA: pode ser concedida pelo Promotor de Justiça, como forma de

EXCLUSÃO do processo;

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b) art.126, par. único do ECA - pode ser concedida pela autoridade judiciária (que sempre será o Juiz da Infância e Juventude, ex vi do disposto no art.148, inciso II do ECA), ouvido o MP, após iniciado o procedimento (via representação), que importará em SUSPENSÃO ou EXTINÇÃO do processo.

Em ambos os casos, a remissão será concedida atendendo às CIRCUNSTÂNCIAS DO FATO, ao CONTEXTO SOCIAL, à PERSONALIDADE DO ADOLESCENTE e sua MAIOR OU MENOR PARTICIPAÇÃO no ato infracional.

A remissão concedida pelo MP deverá ser homologada pelo juiz (art.181, §1° do

ECA). Em qualquer caso (concedida pelo MP ou autoridade judiciária), poderá apresentar-

se de DUAS FORMAS: a. Como forma de PERDÃO PURO E SIMPLES, em que medida alguma é aplicada,

independendo do consentimento do adolescente e seu responsável;

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b. ACOMPANHADA de MSE NÃO PRIVATIVA DE LIBERDADE, caso em que se constituirá numa verdadeira TRANSAÇÃO (OU AJUSTE) entre a autoridade competente e o adolescente (representado ou assistido pelo seu pai, mãe ou responsável), ficando a exclusão, suspensão ou extinção do processo condicionadas ao cumprimento, por parte do jovem, da medida ajustada.

Em sede de remissão NÃO PODE HAVER A IMPOSIÇÃO DE MSE (mesmo que

pela autoridade judiciária), sob pena de violação dos direitos constitucionais do contraditório, ampla defesa e devido processo legal do adolescente (art.5º, incisos LIV e LV da CF).

Alguns autores sustentam a possibilidade de a MSE de ADVERTÊNCIA ser

também aplicada independentemente do consentimento do adolescente, em especial quando aplicada pela autoridade judiciária como forma de extinção do processo, vez que a mesma se exaure num único ato (podendo ser imediatamente executada) e a rigor não traz qualquer gravame ao adolescente (por força do disposto no art.127 do ECA, a remissão não prevalece para efeitos de antecedentes).

Ainda segundo o mesmo dispositivo legal (art.127 do ECA), para a concessão da

remissão não é necessário o reconhecimento ou a comprovação da responsabilidade do infrator, ou seja, que existam provas suficientes da autoria e da materialidade do ato infracional. Assim, mesmo se existirem apenas indícios do ilícito, a remissão poderá ser concedida.

Importante anotar que sobre a matéria o STJ editou uma SÚMULA, de nº 108,

segundo a qual "a aplicação de medidas sócio-educativas ao adolescente, pela prática de ato infracional, é de competência exclusiva do Juiz" (verbis).

Durante algum tempo a interpretação (equivocada) dessa Súmula provocou (e

ainda provoca em alguns estados da Federação), a falsa noção de que o MP não poderia usar da prerrogativa que lhe FACULTA, de maneira expressa, o art.126, caput c/c art.127, ambos do ECA (sendo certo que se legislador quisesse em tais dispositivos fazer referência apenas ao Juiz, teria feito constar "autoridade judiciária" e não "autoridade competente" tal qual contido no texto legal, nem teria inserido disposição similar à contida no art.181, §1º, in fine do ECA), prejudicando sobremaneira a atividade do Parquet, que ficaria no dilema de ter de conceder remissão como perdão puro e simples para TODOS os casos de menor gravidade atendidos ou, mesmo em tais hipóteses se veria obrigado a oferecer representação.

Essa interpretação equivocada obviamente deixou de considerar a finalidade

principal da remissão, que vem a ser a de dar uma RESPOSTA RÁPIDA e eficaz aos casos atendidos, com a aplicação da MSE sem a necessidade de passar pelo moroso trâmite judicial, sendo certo que em alguns países, a remissão cumulada com MSE pode ser concedida já pela autoridade policial ou outros atores designados na legislação específica.

Felizmente, no PR, a exemplo do que ocorre em boa parte dos estados brasileiros,

a "aplicação" a que se refere a citada Súmula é interpretada como sendo sinônimo de "IMPOSIÇÃO", e esta, de fato, somente cabe à autoridade judiciária AO FINAL DO PROCEDIMENTO, após comprovadas autoria e materialidade do ato infracionais.

Como na remissão NÃO HÁ IMPOSIÇÃO, mas sim AJUSTE, que ainda está sujeito

ao crivo de sua legalidade pela autoridade judiciária, não existe óbice algum concessão pelo MP de remissão CUMULADA com MSE, em que o titular da ação sócio-educativa, usando do princípio da oportunidade que norteia o oferecimento da representação, CONDICIONA a não deflagração do procedimento judicial ao imediato cumprimento, por parte do adolescente (devidamente representado ou assistido por pai, mãe, responsável ou curador nomeado), de MSE não privativa de liberdade, podendo o adolescente aceitar ou não os termos do acordo. Caso aceite, deverá ser a remissão reduzida a termo e assinada por todos, e em caso negativo, restará ao MP conceder a remissão como forma de perdão puro e simples ou oferecer a representação.

Registre-se que, em sede de remissão, nem mesmo o Juiz pode IMPOR o

cumprimento de medida sócio-educativa ao adolescente, que terá de com ela concordar. A autoridade judiciária, discordando da remissão concedida, NÃO PODERÁ

MODIFICAR SEUS TERMOS, seja deixando de aplicar medida ajustada, seja aplicando outra diversa, devendo remeter os autos do Procurador Geral de Justiça, a exemplo da regra do art.28 CPP (art.181, §2º do ECA).

O Procurador Geral também não poderá alterar o conteúdo da remissão já

concedida. Oferece representação, nomeia outro membro para oferecê-la ou a ratifica. Dispõe o art.128 do ECA que a medida aplicada por força de remissão poderá ser

REVISTA JUDICIALMENTE a qualquer tempo, mediante PEDIDO EXPRESSO do adolescente, de seu representante legal, ou MP. o que apenas enfatiza o CONTROLE JUDICIAL que permeia a matéria, bem como serve como corolário ao disposto no art.99 c/c art.113 do ECA. QUESTÕES CONTROVERTIDAS: ASSISTENTE DE ACUSAÇÃO:

Segundo Tourinho Filho, a função do assistente não é de auxiliar a acusação, mas de procurar defender seu interesse na indenização do dano ex delicto, isto porque a sentença penal exerce influência na sede civil.

Como não possui natureza penal, nem é tecnicamente "condenatória", a decisão prolatada no Juízo da Infância e da Juventude não constitui título executivo judicial, passível de ser executado no cível. Este fator, somado às cautelas quanto ao sigilo que deve ser observado em relação aos procedimentos para apuração de ato infracional praticado por adolescente (vide arts.143 e 144 do ECA), faz imperar o entendimento segundo o qual NÃO É CABÍVEL a intervenção de assistente de acusação nestes procedimentos. PRESCRIÇÃO:

No PR e na imensa maioria dos demais estados da Federação, é consenso de que NÃO SE APLICA, em sede de procedimentos para apuração de ato infracional, o instituto da PRESCRIÇÃO.

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Os principais argumentos para esse posicionamento são:

1 - Natureza das medidas sócio educativas. Medidas que educam, para a convivência social, propiciando-lhes realização pessoal - caráter pedagógico; 2 - A pena tem caráter retributivo e preventivo; 3 - Ausência no ECA de indicação de que se aplicam as normas da Parte Geral do Código Penal - se fosse a intenção do legislador, haveria indicação expressa; 4 - Os prazos para a prescrição penal se baseiam nos prazos fixados legalmente para cada delito ou contravenção ou o estabelecido na sentença para cumprimento. - O ECA não vincula o ato à medida e nem prevê prazo determinado para sua duração, podendo ainda uma medida ser substituída por outra (art.99 do ECA) e mesmo as inicialmente aplicadas em meio aberto "regredirem" para internação (art.122, inciso III do ECA).

A única hipótese de "perda da pretensão sócio-educativa" prevista no ECA é aquela decorrente do atingimento dos 21 anos, quando então cessa toda e qualquer possibilidade de aplicação da legislação tutelar, ex vi dos já mencionados arts.2º, par. único e 121, §5º.

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IX. O CONSELHO TUTELAR

Conselho previsto pelo ECA também com base no princípio constitucional da DEMOCRACIA PARTICIPATIVA contido no art.1º, par. único da CF, sendo de CRIAÇÃO OBRIGATÓRIA NOS MUNICÍPIOS, com funções diversas do CMDCA, já estudado. Ao contrário do que ocorre com o CMDCA, o ECA trata do CT em várias disposições e todas as suas atribuições estão indicadas nesta Lei Federal. DEFINIÇÃO: órgão municipal (não existe a nível estadual e/ou Federal), vinculado ADMINISTRATIVAMENTE ao Poder Executivo Municipal, PERMANENTE, AUTÔNOMO e NÃO JURISDICIONAL, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente (art.131 do ECA).

O CT atua caso a caso, é ÓRGÃO DE EXECUÇÃO (de linha de frente) e não consultivo ou deliberativo. Na verdade tem como atribuições grande parte de questões anteriormente afetas ao Poder Judiciário, com natureza eminentemente social. A proposta é de afastamento do Juiz e da polícia (no caso da criança acusada da prática de ato infracional) para que a comunidade, através de seus representantes, dê o atendimento e encaminhamento pertinente às situações específicas. Por isso a afirmação de que, com a instalação e funcionamento dos CTs, há a "despolicialização" e a "desjurisdicionalização" da sistemática de atendimento à criança e ao adolescente. CARACTERÍSTICAS que dão suporte e legitimidade para atuação (que são indicadas no próprio conceito): a) PERMANÊNCIA: o CT desenvolve ação contínua e ininterrupta. Criado, via lei municipal, e

instalado, não pode haver solução de continuidade. Nunca desaparece, mas apenas renovam-se seus membros.

b) AUTONOMIA: tem independência em relação ao exercício de suas funções. Toma decisões e age sem interferência de qualquer órgão, só devendo, evidentemente, respeito à lei. Administrativamente está vinculado a outro órgão e financeiramente depende de verbas externas, mas tal situação não abala sua autonomia. Não necessita de ordem judicial ou de qualquer autoridade para decidir ou aplicar medidas de proteção a crianças e adolescentes em situação de risco, à criança infratora ou aos pais ou responsáveis. Tem autonomia e desvinculação, quanto às decisões, em relação a qualquer outro poder, que estão patentes na disposição do art.137 do ECA (suas decisões apenas poderão ser revistas pelo juiz a pedido do MP ou de quem tenha legítimo interesse). Veda-se, claramente, revisão judicial ex-officio das decisões do Conselho Tutelar.

c) órgão NÃO JURISDICIONAL: tem natureza administrativa e executiva, vinculado ao Poder Executivo Municipal. Não pertence, portanto, ao Judiciário, nem exerce funções típicas deste poder.

QUANTIDADE DE CTs NOS MUNICÍPIOS: a lei municipal obrigatoriamente cria um, mas poderão ser criados mais (em Curitiba e Porto Alegre, p.e., são oito). COMPOSIÇÃO: 05 (CINCO) MEMBROS (invariavelmente), ESCOLHIDOS15 pela comunidade local, para um MANDATO DE TRÊS ANOS, com possibilidade de UMA recondução (art.132 do ECA).

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15 não se fala em eleição para evitar a incidência do art.22, inciso I da CF, que estabelece a competência privativa da União para legislar sobre legislação eleitoral (e ainda via lei complementar), haja vista que o processo de ESCOLHA será regulado pela legislação municipal;

PROCESSO DE FORMAÇÃO: Deve ser CRIADO POR LEI MUNICIPAL (isolada ou a mesma que trata da política de atendimento da população infanto-juvenil), de iniciativa da chefia do Poder Executivo, porque importa na criação de despesas para o município. A elaboração da lei municipal deve ser acompanhada pela sociedade civil organizada para garantia de determinados itens de modo que não se "elitize" o Conselho. Preferencialmente devem os conselheiros tutelares ser eleitos pela própria comunidade de forma direta (com o voto direto, secreto e facultativo dos eleitores do município), embora seja admissível que a eleição se dê por intermédio de um "colégio eleitoral", desde que representativo de todos os segmentos da sociedade. REMUNERAÇÃO DOS MEMBROS DO CT: Em que pese a relevância de suas atribuições, e a necessidade de o Conselho funcionar, compreendendo horário normal e expediente e "plantões", 24 (vinte e quatro) horas por dia, incluindo sábados, domingos e feriados, segundo o art.134, caput do ECA a "remuneração" (tecnicamente fala-se em SUBSÍDIO, dadas suas particularidades a seguir expostas) de seus membros é apenas FACULTATIVA, devendo a lei municipal dizer se haverá e em que patamar será esta fixada. O membro do CT exerce uma FUNÇÃO PÚBLICA sui generis, sendo que o mesmo não pertence aos quadros de servidores do município, nem a "remuneração" eventualmente prevista e a atividade desempenhada gera "relação de emprego" com a municipalidade. Sustenta-se que o membro do CT não faz jus aos direitos e benefícios dos servidores públicos municipais em geral (salvo se a lei que cria o CT ou suas alterações posteriores assim o dispuser), pelo que, no silêncio da legislação municipal específica, não terá direito a férias, 13º salário, licenças remuneradas (inclusive maternidade/paternidade). Questiona-se a possibilidade de os membros do CT fazerem jus ao menos aos "direitos sociais" garantidos pela CF, em seu art.7º, aos trabalhadores em geral, mas dada relação estatutária especialíssima acima referida, e as particularidades da função (que como dito sequer precisa ser "remunerada"), a matéria ainda é controvertida, não se tendo notícia de decisões dos Tribunais a esse respeito. Na prática, o que vem acontecendo no PR é o deferimento aos membros do CT APENAS dos direitos eventualmente relacionados na legislação que criou o Conselho e suas alterações, o que vem gerando distorções de município a município. De qualquer sorte, os membros do CT devem contribuir para a Previdência Social como AUTÔNOMOS.

A lei municipal, além de repetir disposições da Lei 8.069/90, em relação a qual não

poderá divergir16, disporá sobre a quantidade de conselhos (dependendo da demanda e peculiaridades locais), com a base territorial de abrangência de cada conselho (em caso de mais de um), o horário, os dias e locais de funcionamento (art.134, ECA), eventual remuneração de seus membros, processo de escolha, ampliação dos requisitos para inscrição da candidatura, forma de registro (chapa ou individual), hipóteses de perda de mandato e procedimento, licenças dos conselheiros, etc.

As despesas para o funcionamento do Conselho Tutelar (material de expediente, aquisição de veículo, computador e outros meios, construção/ manutenção de sede própria ou pagamento de seu aluguel, subsídios dos conselheiros tutelares etc.) devem estar previstas na lei orçamentária municipal (art.134, par. único do ECA).

Todas as etapas de implantação dos conselhos tutelares são importantes, mas o processo de escolha merece atenção privilegiada, pois é através dele que a comunidade vai indicar as pessoas encarregadas de realizar o atendimento das crianças e dos adolescentes de seus municípios.

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16 composição de cinco membros, escolha pela comunidade, mandato de três anos, permissão de uma recondução, requisitos para candidatura, impedimentos para servir no mesmo conselho, exercício de função relevante com asseguramento de presunção de idoneidade moral e prisão especial em caso de prática de crime, até julgamento definitivo;)

Para que o processo de escolha tenha validade deve ser fundamentado em quatro itens básicos: (v. art.139 do ECA).

a) previsão em lei municipal; b) as escolhas devem ser realizadas pela comunidade local; c) realizado sob a responsabilidade do CMDCA; d) existência de fiscalização pelo Ministério Público.

O processo de escolha é detalhado via resolução/deliberação do CMDCA, que

formará câmara setorial paritária transitória para trabalhar especificamente no tema. A escolha será pela comunidade e não com indicação pelo Prefeito ou pelo

CMDCA. Como dito, pode ser através de "colégio eleitoral" representativo ou por eleição direta. Esta última forma é a mais democrática, e deve ocorrer de forma direta, universal, com voto facultativo e secreto.

REQUISITOS PARA CANDIDATURA (art.133 do ECA): a) idoneidade moral; b) idade superior a vinte e um anos; c) residência no município.

Estes são os requisitos mínimos, podendo haver ampliação pela lei municipal (existe

uma corrente que sustenta a impossibilidade de ampliação dos requisitos previstos no ECA. Esta é a posição que vem sendo adotada pelo TJRS. No Paraná, a questão ainda não foi levada ao TJ). Não devem ser inseridos requisitos que restrinjam em demasia a participação da comunidade ou incompatíveis com a finalidade do órgão (tais como a exigência de curso de computação, habilitação para condução de veículo etc.). PRERROGATIVAS DOS CONSELHEIROS TUTELARES (art.135 do ECA):

O efetivo exercício da função constitui serviço público relevante, estabelece presunção de idoneidade moral e assegura prisão especial, em caso comum, até o julgamento definitivo. Estas prerrogativas foram estabelecidas tendo como parâmetro as atribuídas aqueles que exercem as funções de jurado no Tribunal do Júri (art.437 do CPP). IMPEDIMENTOS (art.140 do ECA):

Não podem exercer as funções no mesmo conselho marido e mulher, ascendentes

e descendentes, sogro e genro ou nora, cunhados, durante o cunhadio, tio e sobrinho, padrasto ou madrasta e enteado. Estendem-se os impedimentos em relação ao juiz ou promotor de justiça com atuação na área. (art.140, par. único do ECA).

Para excluir um dos impedidos, a orientação é que isto ocorra após o sufrágio,

ocupando o cargo aquele que obtiver maior número de votos, restando o outro na suplência, com assunção à função condicionada à ausência do impedido. Existem leis municipais que indicam como critério de exclusão (antes mesmo do sufrágio) a anterioridade na inscrição, o que obviamente não é um critério justo nem adequado, pois pode inviabilizar a candidatura de pessoa idônea que reuna plenas condições de bem desempenhar a função.

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ATRIBUIÇÕES DO CONSELHO TUTELAR (arts.95, 136, 191 e 194 do ECA):

art.95 - FISCALIZAÇÃO de entidades de atendimento à criança e ao adolescente previstas no art.90 do ECA - função exercida em conjunto com o MP e Juiz. Caso detectada alguma irregularidade, o CT pode, via representação, deflagrar procedimento judicial com vista a sua apuração (art.191 do ECA);

art.194 - O CT tem LEGITIMIDADE para deflagração de procedimento para imposição

de penalidade administrativa por infração às normas de proteção à criança e ao adolescente, também via representação (e não "auto de infração", que somente pode ser lavrado pelos "agentes de proteção da infância e juventude", outrora chamados de "comissários de menores", mencionados no dispositivo como sendo "servidor efetivo ou voluntário credenciado");

art.136 - traz uma ampla gama de atribuições, sendo as mais importantes as que

dizem respeito:

a. ao ATENDIMENTO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES nas hipóteses dos arts.98 (situação de risco) e 105 (criança infratora) do ECA, com a possibilidade de aplicação das medidas previstas no art.101, incisos I a VII do ECA;

b. ao ATENDIMENTO e ACONSELHAMENTO DE PAIS OU RESPONSÁVEL, com a aplicação

das medidas previstas no art.129, incisos I a VII do ECA;

c. providenciar a medida estabelecida pela autoridade judiciária, dentre as previstas no art.101, incisos I a VI do ECA, para o adolescente autor de ato infracional - não significando "subordinação" entre o CT e a autoridade judiciária, mas sim COOPERAÇÃO, pois o CT fará apenas o encaminhamento ao programa que corresponder à medida;

d. REQUISITAR CERTIDÕES DE NASCIMENTO E ÓBITO de criança ou adolescente, quando

necessário - diz respeito à "segunda-via" do documento, e não a lavratura do assento respectivo, que deverá ocorrer de acordo com o procedimento administrativo ou mesmo judicial próprio. Caso necessário lavrar ou regularizar o assento de nascimento ou óbito, providência que por sinal deve sempre ocorrer, vale a regra do art.102 e §§1º e 2º do ECA;

e. ASSESSORAR O PODER EXECUTIVO local na elaboração da proposta orçamentária para

planos e programas de atendimento dos direitos se crianças e adolescentes - na perspectiva de que, sem uma "retaguarda" de programas, pouco poderá o CT fazer, pois não terá para onde ENCAMINHAR os casos atendidos;

f. REPRESENTAR AO MP para efeito das ações de perda ou suspensão do pátrio poder - como

o CT somente pode aplicar aos pais ou responsável as medidas previstas nos incisos I a VII do art.129 do ECA, caso vislumbre a necessidade do decreto da suspensão ou perda do pátrio poder deve nesse sentido provocar o MP (sendo que o CT deve procurar sempre e antes de mais nada manter, o quanto possível, a criança/adolescente junto a sua família natural, aplicando para tanto as medidas cabíveis);

OBS: O CT pode PROMOVER A EXECUÇÃO de suas decisões, podendo para tanto:

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- REQUISITAR (e não apenas solicitar) SERVIÇOS PÚBLICOS nas áreas da saúde, educação, serviço social, previdência, trabalho e segurança (art.136, inciso III, alínea "a" do ECA) - sendo certo que, por ser revestido da qualidade de AUTORIDADE PÚBLICA, com poderes EQUIPARADOS ao do Juiz da Infância e Juventude, o descumprimento de suas determinações caracteriza, em tese, CRIME DE DESOBEDIÊNCIA (art.330 do CP), sem embargo da prática de INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA prevista no art.249 do próprio ECA (sendo certo que a aplicação

das sanções previstas em ambos dispositivos não importa em bis in idem, pois ambas têm natureza jurídica diversa).

- REPRESENTAR JUNTO À AUTORIDADE JUDICIÁRIA nos casos de descumprimento injustificado de suas deliberações (art.136, inciso III, alínea "b" do ECA) - servindo esta regra de fundamento para a deflagração do procedimento administrativo por infração à regra do art.249 do ECA. COMPETÊNCIA DO CONSELHO TUTELAR:

Aplicam-se as regras do art.147 do ECA (que fala da competência territorial para os procedimentos judiciais):

É determinada pelo território de atuação do conselho, conforme fixação da área pela

lei municipal.

a. Determina-se, de plano, pelo DOMICÍLIO DOS PAIS OU RESPONSÁVEL (art.147, inciso I do ECA), independentemente do local onde ocorreu a omissão ou ação de ameaça ou violação a direito fundamental. Se pai e mãe residem em locais diferentes, qualquer um deles, prevalecendo, se for o caso, para quem detém a guarda.

b. Na FALTA DOS PAIS, será do local ONDE ESTÁ A CRIANÇA OU O ADOLESCENTE

(art.147, inciso II do ECA). A regra é subsidiária da prevista no inciso I, uma vez que só será usada se faltarem os pais ou responsáveis, ou seja, quando forem falecidos ou desconhecidos. Se ausentes, mas com domicílio certo, aplica-se a regra do art.147, inciso I.

c. Nos casos de ATO INFRACIONAL praticado por crianças, a competência é do local onde a

infração se consumou (art.147, §1º do ECA). O CT deste local é que analisa o caso e aplica as medidas protetivas.

Quanto à EXECUÇÃO das medidas (ou melhor, o acompanhamento desta), poderá

ser DELEGADA ao CT da residência dos pais ou responsável (art.147, §2º do ECA).

Competência subsidiária da Justiça da Infância e da Juventude: A competência originária para as atribuições do art.136 do ECA é do CT, mas se não

instala, há competência subsidiária da Justiça da Infância e da Juventude, conforme o art.262 do ECA. Tem se admitido, no entanto, que mesmo em estando o CT instalado, o Juiz da Infância e Juventude atenda casos de maior complexidade (alguns a ele encaminhados pelo próprio CT). Competência concorrente entre CT e MP:

Fiscalização de entidades, representação para aparar infração administrativa e representação para apuração de irregularidades em entidades de atendimento. Funcionamento do CT como ÓRGÃO COLEGIADO:

Como vimos acima, reza o art.134 do ECA que a lei municipal deverá dispor sobre o

horário de funcionamento do CT.

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Importante, no entanto, que não se faça confusão entre "HORÁRIO DE FUNCIONAMENTO" e "SESSÃO PLENÁRIA DE DELIBERAÇÃO" quanto às medidas a serem aplicadas e outros assuntos constantes da pauta, que na prática são coisas totalmente distintas.

O HORÁRIO DE FUNCIONAMENTO do Conselho Tutelar deve ser entendido como

aquele em que o órgão ficará ABERTO À POPULAÇÃO, tal qual uma repartição pública normal. Isto obviamente não significa que TODOS os conselheiros tutelares obrigatoriamente

deverão estar presentes NA SEDE do Conselho Tutelar (cujo local também deve ser previsto em lei, nos temos do mesmo dispositivo estatutário acima referido), pois o que se espera é que o órgão SAIA "EM CAMPO", na busca dos problemas e carências relacionados à área infanto-juvenil, que seguramente são inúmeros.

Assim sendo, embora deva o regimento interno do Conselho Tutelar prever a

permanência de ao menos 02 (dois) conselheiros permanentemente na sede do órgão, deve ficar bem claro que os conselheiros também terão por missão a regular visita às comunidades carentes dos mais longínquos rincões do município e o atendimento de casos in loco, para o que deverão contar com veículo e suporte administrativo necessário para os deslocamentos.

NÃO SE ADMITE que o Conselho Tutelar funcione como um órgão estático e

burocrático, que apenas aguarda o encaminhamento de denúncias. Deve ser ATUANTE e ITINERANTE, com uma preocupação eminentemente PREVENTIVA, aplicando medidas e efetuando encaminhamentos diante da simples AMEAÇA de violação de direitos de crianças e adolescentes.

Já as SESSÕES DELIBERATIVAS são aquelas realizadas FORA DO HORÁRIO

NORMAL DE ATENDIMENTO, em horário e quantidade determinadas via de regra pelo próprio REGIMENTO INTERNO do CT, onde os casos atendidos individualmente pelos conselheiros tutelares serão levados à PLENÁRIA do Conselho que irá DELIBERAR acerca de qual ou quais as medidas de prevenção e/ou proteção deverão ser aplicadas, ex vi do disposto no art.136, incisos I e II da Lei nº 8.069/90.

NUNCA DEVEMOS PERDER DE VISTA que o Conselho Tutelar é um ÓRGÃO

COLEGIADO, e que suas deliberações SOMENTE TERÃO VALIDADE se resultarem de uma DELIBERAÇÃO deste COLEGIADO, ainda que por maioria de votos.

Assim é que TODOS OS CASOS ATENDIDOS, aos quais seja necessária a aplicação

de uma ou mais das medidas previstas no art.101 e 129 do Estatuto da Criança e do Adolescente, e mesmo as REPRESENTAÇÕES oferecidas por infração às normas de proteção à criança e ao adolescente, REQUISIÇÕES na forma do previsto no art.136, inciso III, alínea "a" e outras providências tomadas pelo órgão, DEVERÃO PASSAR PELA DELIBERAÇÃO E APROVAÇÃO (ou ao menos o REFERENDO) DO COLEGIADO, sob pena de INVALIDADE dos atos praticados isoladamente por apenas um ou mais conselheiros, sem respeito ao quorum mínimo de instalação da sessão deliberativa.

PRINCIPAIS DIFERENÇAS entre o Conselho Tutelar e os Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente: a. O CT existe apenas a nível MUNICIPAL, enquanto o CDCA existe nos três níveis:

MUNICIPAL, ESTADUAL e FEDERAL;

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b. O CT é ÓRGÃO DE EXECUÇÃO, atuando caso a caso, enquanto o CDCA é ÓRGÃO DELIBERATIVO e CONTROLADOR DA EXECUÇÃO DE TODA A POLÍTICA DE

ATENDIMENTO, podendo apenas acompanhar casos atendidos pelo CT e outros órgãos/autoridades para tomar conhecimento da demanda e, com base nela, elaborar a política de atendimento;

c. O CT é composto invariavelmente por CINCO MEMBROS, escolhidos pela população local,

enquanto o CDCA tem um número de membros variável de município a município e de estado a estado, devendo apenas ser observada a COMPOSIÇÃO PARITÁRIA entre representantes do Poder Público e da sociedade civil organizada (entidades de atendimento à criança e ao adolescente), sendo aqueles nomeados pelo chefe do Executivo e estes eleitos em assembléia realizada entre as próprias entidades;

d. O CT pode ou não ser "remunerado" (ou subsidiado), de acordo com o que dispuser a

legislação local, ao passo que os membros do CDCA NÃO PODEM SER REMUNERADOS;

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e. O MANDATO dos membros do CT é de 03 (três) anos, permitida uma recondução, ao passo que o mandato dos membros do CDCA deve ser definido em lei municipal/estadual/federal (conforme o nível do Conselho), podendo ou não haver previsão de recondução.

X. O ACESSO À JUSTIÇA. A JUSTIÇA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE.

A JUSTIÇA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE. O JUIZ, O MINISTÉRIO PÚBLICO, O ADVOGADO E OS SERVIÇOS

AUXILIARES. O ACESSO À JUSTIÇA: A criança e o adolescente têm livre acesso à Defensoria Pública, ao MP e ao Poder Judiciário, não havendo necessidade de acompanhamento dos pais ou responsável (embora para ingressar com a medida judicial a presença destes seja necessária, devendo a autoridade judiciária nomear curador especial no caso de falta/colidência de interesses - art.142 e par. único do ECA). Têm livre acesso, com reconhecimento de que são sujeitos de direitos, a todos os órgãos que possam promover a defesa de seus interesses judicial ou extrajudicialmente. Todo obstáculo ao acesso é considerado ilegal e abusivo. As crianças e adolescentes, bem como seus pais, responsável ou quem tenha legítimo interesse em defender direitos fundamentais daqueles primeiros que estejam sendo ameaçados ou violados, têm direito à assistência judiciária gratuita através da defensoria pública ou de advogado nomeado. Este nomeado pela autoridade competente (Juiz da Infância e da Juventude - art.159 do ECA, por exemplo). Esta assistência tem como fonte o dispositivo constitucional que estabelece o seguinte: "O Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos" (art.5º, inciso LXXIV da CF - verbis). As ações de competência da Justiça da Infância e da Juventude são ISENTAS DE CUSTAS E EMOLUMENTOS (art.141, §2º do ECA), salvo na hipótese de litigância de má fé, definida no art.17 do CPC. O CM também isentava de custas os procedimentos da competência do Juiz de Menores. Tais regras, por óbvio, visam facilitar e universalizar o acesso à Justiça da Infância e Juventude, dada extrema relevância dos direitos por ela tratados, de modo a ver assegurada a PROTEÇÃO INTEGRAL de crianças e adolescentes. É regra assim decorrente da doutrina da proteção integral preconizada pelo art.227, caput da CF. Quanto à REPRESENTAÇÃO e ASSISTÊNCIA, a sistemática estabelecida pelo art.142, caput do ECA é a mesma do CC. As pessoas de idade inferior a 16 anos (menores impúberes) são representadas e as de idade entre 16 e 21 anos (menores púberes) são assistidas pelos representantes legais: pais, tutores ou curadores (art.84 do CC e art.8º do CPC). Consoante acima ventilado, quando não há representante legal ou há colidência de interesses, o Juiz deve nomear um curador especial (art.142, par. único do ECA). A proteção judicial integral inclui a proibição de divulgação de atos judiciais, policiais ou administrativos que digam respeito a crianças ou adolescentes a quem se atribui a prática de ato infracional. Assim, as notícias acerca de atos infracionais não podem vir com possibilidade de identificação do apontado como infrator (fotografia, nome, apelido, filiação, endereço etc). Deve haver o resguardo quanto à publicidade nociva e estigmatizante). Conferir nos arts.143 e 247 do ECA.

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Previsão da infração administrativa do art.247 do ECA: Divulgação, sem autorização, de dados ou fotos através dos meios de comunicação (rádio, TV, jornal, revista). A

regra contida no §2º do dispositivo, que permitia, além da multa, se fosse a infração praticada por órgão de imprensa ou emissora de rádio ou televisão, a apreensão do periódico, suspensão do programa da emissora por dois dias ou a publicação do periódico por dois números foi considerada INCONSTITUCIONAL pelo STF, não mais valendo, portanto. Não pode também ser expedida certidão acerca de atos referentes a práticas infracionais com os apontados autores, salvo mediante requerimento formulado à autoridade judiciária competente (Juiz Infância e Juventude, da área de infratores), demonstrando o interesse e justificada a finalidade (art.144 do ECA). A JUSTIÇA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE: O ECA prevê a possibilidade de criação pelos estados e Distrito Federal de varas exclusivas e especializadas da infância e da juventude (art.145), dando cumprimento à doutrina da proteção integral, com prioridade absoluta. No Paraná, a Constituição do Estado, em seu art.221, expressa que serão criadas, quando da elaboração de Código de Organização Judiciária, Varas especializadas e exclusivas para atendimento de crianças e adolescentes nas comarcas de ENTRÂNCIA FINAL. A Lei Estadual nº 11.374, de 16 de maio de 1996, criou a 2ª Vara de Curitiba (especializada em colocação em família substituta - guarda e tutela, presente a situação do art.98 do ECA e adoção) e as varas exclusivas e especializadas em Cascavel, Ponta Grossa, Foz do Iguaçu, Maringá e Londrina. O Juiz da Infância e da Juventude, com a competência definida no ECA, é indicado na Lei de Organização Judiciária de cada estado. O Juiz da Infância e da Juventude, como os demais, só atua processualmente. Mesmo na área preventiva (como no caso da expedição de alvarás e portarias, ex vi do disposto no art.149 do ECA), só atua de maneira formal ou formalizada (via "pedido de providências" ou procedimento instaurado na forma do art.153 do ECA). Jurisdição extraprocessual não cabe no sistema. Por força do disposto no art.93 da CF, todas as decisões proferidas no âmbito da Justiça da Infância e Juventude devem ser FUNDAMENTADAS. Critérios de determinação de COMPETÊNCIA: Com já dito, a lei estadual indicará, dentre os juizes, qual é o competente para aplicação das normas do ECA. Quanto à competência territorial, há disciplina no art.147 do ECA (já estudado quando falávamos dos CTs): A competência do art.147, incisos I e II do ECA diz respeito à aplicação das medidas de proteção face a presença de SITUAÇÃO DE RISCO na forma do art.98 do ECA: 1º - Lugar do DOMICÍLIO DOS PAIS OU RESPONSÁVEL (tutor, guardião).

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2º - Na FALTA dos pais ou responsável (morte, desaparecimento, endereço desconhecido), a competência é do lugar ONDE SE ENCONTRA A CRIANÇA. Regra subsidiária, só aplicável para o caso de falta dos pais. Coerência com o art. 7º, §7º da LICC - "salvo o caso de abandono, o domicílio do chefe de família (que não mais existe, dada equiparação em direitos e deveres entre os cônjuges assegurada pelo art.226, §5º da CF) estende-se ao outro cônjuge e aos

filhos não emancipados, e do tutor ou curador aos incapazes sob sua guarda" (verbis) e art.36 do CC - "os incapazes têm por domicílio o de seus representantes" (verbis). Quanto aos procedimentos destinados à APURAÇÃO DE ATO INFRACIONAL, a competência é fixada pelo LUGAR DA AÇÃO OU OMISSÃO, considerando-se a consumação, observando-se as regras de conexão, continência e prevenção do CPP (arts.72/76). A EXECUÇÃO das medidas, sejam elas de cunho unicamente protetivo ou sócio-educativo, PODE SER DELEGADA, através de carta precatória. Há deprecação dos atos para a autoridade competente (Juiz ou CT) do local onde residem os pais ou responsável ou para o local onde está sediada a entidade que abriga a criança/adolescente (ou onde este irá cumprir a MSE de semiliberdade/internação). O juiz delegado é que resolve os incidentes (art.147, §2º do ECA). Competência para a apuração de infrações administrativas praticadas pela televisão ou pelo rádio (art.247, §2º - identificação de criança ou adolescente apontado como autor de ato infracional e art.254 - transmitir programa fora do horário indicado como adequado, diga-se autorizado, ou sem a classificação indicativa), quando a transmissão atinge mais de uma comarca, local da sede estadual da emissora ou da rede, tendo a sentença eficácia para todas as transmissoras e retransmissoras do Estado (art.147, §3º do ECA). COMPETÊNCIA da Justiça da Infância e da Juventude EM RAZÃO DA MATÉRIA:

Os incisos do art.148, caput do ECA referem-se à COMPETÊNCIA EXCLUSIVA. É competente o juiz da infância e da juventude para :

1. conhecer de representação formulada para APURAÇÃO DE ATO INFRACIONAL e aplicar as

medidas cabíveis; 2. conceder REMISSÃO, como forma de suspensão ou extinção do processo; 3. conhecer pedidos de ADOÇÃO e incidentes; 4. conhecer as AÇÕES CIVIS PÚBLICAS, observado o art.209, que expressa quanto à

competência territorial (local da ação ou omissão) e ressalva a competência da Justiça Federal e originária dos Tribunais Superiores;

5. conhecer representações para apurar IRREGULARIDADES EM ENTIDADES DE ATENDIMENTO, aplicando as medidas cabíveis;

6. conhecer as representações para apuração das INFRAÇÕES ADMINISTRATIVAS; 7. conhecer os casos encaminhados pelos Conselhos Tutelares.

No art.148, par. único, alude-se à COMPETÊNCIA CONCORRENTE. Só é competente quando, no caso em concreto, a criança ou o adolescente estão em SITUAÇÃO DE RISCO (art.98 do ECA).

1. pedidos de TUTELA E GUARDA; 2. ações de DESTITUIÇÃO DO PÁTRIO PODER, MODIFICAÇÃO OU PERDA DE TUTELA E

GUARDA; 3. suprimento da capacidade ou consentimento para o CASAMENTO; 4. conhecer de pedidos baseados em DISCORDÂNCIA paterna ou materna, em relação ao

EXERCÍCIO DO PÁTRIO PODER; 5. conceder EMANCIPAÇÃO, quando faltarem os pais (requerida por tutor); 6. designar CURADOR ESPECIAL quando necessário; 7. conhecer de AÇÕES DE ALIMENTOS;

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8. determinar o CANCELAMENTO, a RETIFICAÇÃO e o SUPRIMENTO DOS REGISTROS DE NASCIMENTO E ÓBITO.

Competência do Juiz da Infância e Juventude para disciplinar algumas matérias através de PORTARIA ou ALVARÁ: art.149 do ECA: SERVIÇOS AUXILIARES (arts.150 e 151 do ECA): Além do escrivão, do oficial de justiça, deve funcionar junto à Justiça da Infância e da Juventude, equipe interprofissional, composta, via de regra por educador, psicólogo, assistente social. Esta equipe interprofissional tem as atribuições fixadas na Lei de Organização Judiciária, realizando perícias, sindicâncias e/ou estudos sociais das famílias que pretendem se inscrever no cadastro de pretendentes à adoção (vide art.50, §1º do ECA); de famílias contra as quais foi deflagrado procedimento de suspensão ou destituição do pátrio poder (vide art.162, §2º do ECA); que pretendem adotar ou ter sob sua guarda/tutela criança ou adolescente (vide art.167 do ECA); opinar sobre a medida a ser imposta em sede de procedimento para apuração de ato infracional (vide art.186, §4º do ECA) etc. Também desenvolvem trabalhos de prevenção, acompanhamento de medidas e encaminhamentos. São órgãos auxiliares da justiça da infância e da juventude e não funcionários de entidades de atendimento. Tem por objetivo facilitar a prestação jurisdicional, para que seja prolatada decisão justa, com subsídios de estudos sociais e laudos. Estes laudos podem ser impugnados, e obviamente a eles não está o Juiz adstrito, embora caso não acolha suas conclusões (para as quais a equipe interprofissional tem liberdade de manifestação - vide art.151, in fine, do ECA), tenha de se basear em novo laudo ou em elementos outros constantes dos autos que justifiquem sua posição. Registre-se que por ser a matéria discutida na Justiça da Infância e Juventude muito mais afeta à área social que técnico-jurídica, a intervenção de uma equipe interprofissional nos procedimentos é de extrema relevância, sendo em muitos casos imprescindível, a ponto de sua ausência comprometer a própria validade do julgado. Apenas a título de exemplo, dado PRINCÍPIO DA EXCEPCIONALIDADE que norteia a aplicação da medida sócio-educativa de internação, fica extremamente difícil sustentar (juridicamente falando) a imposição desta sem a presença de estudo social idôneo a apontar para sua NECESSIDADE no caso específico, atestando a absoluta ineficácia das medidas que poderiam ser cumpridas em meio aberto para os fins sócio-pedagógicos almejados (sem jamais perder de vista que a internação não é pena e não tem um fim em si mesma, devendo ser encarada como o MEIO de que se dispõe para a recuperação do adolescente). DO MINISTÉRIO PÚBLICO (art.200 a 205 do ECA): Definido na CF como instituição permanente e essencial à função jurisdicional do Estado, com incumbência da defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, e com as garantias asseguradas de autonomia funcional e administrativa, além da vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos, pode desenvolver com independência as suas funções sociais na defesa do interesse público. Deixa de ser conhecido como órgão de acusação, com atuação principal na área criminal, para atuar na área cível.

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Funciona tanto como parte agente, atuando em nome próprio na defesa de interesse alheio e quanto como órgão interveniente, agindo como fiscal da lei, no interesse público. Na área da infância e da juventude se destaca como órgão de defesa dos interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis da criança e do adolescente. As funções do Ministério Público previstas no ECA são exercidas pelo Promotor determinado pela Lei Orgânica. Assim, não são todas as funções arroladas no art.201 do ECA que cabem ao Promotor da Infância e da Juventude. Estas serão exercidas de acordo com as disposições da Lei Orgânica. Normalmente, e este é o caso do Paraná, na área, há vinculação das atribuições do Promotor de Justiça à competência ao órgão judiciário perante o qual atua. Entretanto, seria perfeitamente possível a existência de Promotoria sem vinculação a órgão judiciário. As ATRIBUIÇÕES do MP relacionadas no art.201 do ECA: 1. Conceder a remissão como exclusão do processo (arts.126 a 128 e 180, inciso II do ECA); 2. oferecer a representação para apuração de ato infracional e acompanhamento do

procedimento - o MP é o titular da pretensão sócio-educativa de forma exclusiva. A ação sócio-educativa é sempre PÚBLICA INCONDICIONADA;

3. Promover e acompanhar ações de alimentos, suspensão ou destituição do pátrio poder (art.201, inciso III do ECA);

4. Oficiar em todos os procedimentos da competência da Justiça da Infância e da Juventude, sob pena de nulidade absoluta (vide arts.202 e 204 do ECA);

5. Instaurar procedimentos administrativos, podendo requisitar informações, perícias e documentos de entidades públicas e privadas, expede notificações.

6. impetrar habeas-corpus, mandado de segurança para defesa de interesses sociais e individuais indisponíveis afetos à criança e ao adolescente.

7. Oferecer representação para apuração de irregularidades em entidades de atendimento. 8. Oferecer representação para apuração de infração administrativa. DO ADVOGADO (arts.206 e 207 do ECA): Qualquer interessado (com legítimo interesse na solução da lide) poderá intervir no procedimento através de advogado. Se a pessoa não tiver advogado, será nomeado um ou atuará um defensor público, garantindo-se a prestação de assistência judiciária integral e gratuita àqueles que necessitem. Na apuração de ato infracional, é obrigatória, desde a audiência de apresentação, o advogado (art.207, caput do ECA). Se não tem é nomeado um, podendo constituir outro a qualquer momento. A ausência do defensor não resultará em adiamento do ato, seja constituído ou dativo, havendo a nomeação de um para aquele ato (art.207, §§1º e 2º do ECA). Não há necessidade de procuração quando o advogado é nomeado ou constituído e indicado em ato formal perante o Juiz (art.207, §3º do ECA).

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DA PROTEÇÃO JUDICIAL DOS INTERESSES INDIVIDUAIS, DIFUSOS E COLETIVOS (arts.208 a 224 do ECA): Há possibilidade de aforamento da ação civil pública para a defesa dos interesses individuais indisponíveis, difusos e coletivos da infância e da juventude próprios da infância e da juventude, indicando, exemplificativamente o ECA os referentes ao não oferecimento ou oferta irregular de ensino obrigatório, atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência etc. (art.208, incisos I a VIII do ECA). É assim possível a ACP, na área da infância e da juventude inclusive para defesa de DIREITO INDIVIDUAL INDISPONÍVEL, com legitimação exclusiva do Ministério Público. Legitimação: Com a CF possibilitou-se a defesa dos interesses coletivos em mandados de segurança coletivos, por partido político ou por organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa de seus membros ou associados (art.5º, inciso LXX da CF). A Lei da ACP (de nº 7.347/85) destinou a legitimidade ao MP, União, Estados, Municípios, suas autarquias, empresas públicas, fundações e sociedades de economia mista, além das associações que estejam constituídas há pelo menos um ano e incluam nas suas finalidades a proteção de qualquer interesse difuso ou coletivo. O ECA RESTRINGIU OS LEGITIMADOS (para os casos de interesses difusos e coletivos), excluindo os órgãos da administração indireta, e incluiu DF e territórios. Quanto às associações, devem estar constituídas há mais de um ano e dispensa-se autorização da assembléia para ingresso da ação civil pública, se houver disposição estatutária, bastante comum, de que a entidade de acha legitimidade à representação de seus associados em juízo ou fora dele. Legitimação passiva para os casos elencados no art.208 do ECA: As atividades são de competência do município, com cooperação técnica dos Estados e da União. De regra, então, o pólo passivo da relação processual é ocupado pelo Município. Competência: serão propostas no local da ação ou omissão, sendo o juízo da Infância e da Juventude o competente para o julgamento da ação, ressalvadas as hipóteses de competência da Justiça Federal (quando a responsabilidade é imputada à União, autarquia ou empresa pública federal) e originária dos Tribunais Superiores (art.209 do ECA). Desistência ou abandono da ação: declaração de vontade neste sentido. O abandono independe da declaração de vontade, configurando-se caso o autor deixe o feito parado por mais de um ano ou quando não promove atos ou diligências que lhe compete por mais de trinta dias. Nestes casos o MP ou outro legitimado pode assumir a titularidade ativa (art.210, §2º do ECA). Desistência pelo MP. Possibilidade defendida por Hugo Nigro Mazzili e Édis Milaré. A sentença que homologa a desistência não faz coisa julgada e os outros co-legitimados poderão ingressar com a ação.

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Termo de compromisso de ajustamento de conduta às exigências legais: previsto no art.211 do ECA. Todos os órgãos públicos legitimados poderão firmar e este termo é título executivo extrajudicial. Pode ser cominada multa (inclusive diária) para o caso de seu

descumprimento (normalmente após escoado o prazo razoável estabelecido para o cumprimento do ajuste). Basta a assinatura dos participantes e independe de homologação judicial. Efetividade do processo: O ECA dispõe que para defesa dos direitos e interesses por ele protegidos são admissível todas as espécies de ações pertinentes. Significa que, em última análise, o sistema processual autorização sempre uma ação capaz de proteger de modo efetivo e concreto todos os direitos materiais (art.212, caput). Aplicação subsidiária do CPC: Para as ações previstas no Título VI, Capítulo VII do ECA aplica-se as mesmas normas contidas no CPC (art.212, §1º do ECA). Esta regra se amolda ao contido no art.152 do ECA, já mencionado anteriormente. Ação mandamental: O ECA expressa que é possível ingressar com ação mandamental contra atos ilegais e abusivos de autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público, que lesem direitos líquido e certo previsto na lei, regendo-se pela Lei do Mandado de Segurança (Lei nº 1.533/51 e suas alterações) Tutela antecipada: Quando o objeto da ação é obrigação de fazer ou não fazer, o Juiz poderá determinar todas as providências legítimas e compatíveis à tutela específica da obrigação de fazer (art.213, caput do ECA). Presentes dos requisitos para concessão de liminar, o Juiz concede a tutela e, independentemente de pedido do autor, pode fixar multa diária pelo descumprimento, mesmo que o autor não peça, fixando prazo para cumprimento do preceito (art.213, §§1º e 2º do ECA). Esta multa é devida desde o dia do descumprimento, mas só é exigível após o trânsito em julgado da decisão (art.213, §3º do ECA). Estas multas revertem para o FUNDO MUNICIPAL DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (que como vimos é gerido pelo Conselho Municipal de Direitos) e, se não recolhidas no prazo de trinta dias, o MP ou outro legitimado executa (art.214 e §1º do ECA). Enquanto o fundo não for regulamentado, o dinheiro deverá ser depositado em estabelecimento oficial de crédito, em conta com correção monetária (art.214, §2º do ECA). Uma vez transitada em julgado a sentença que impuser condenação ao Poder Público, o Juiz deverá determinar a remessa de peças à autoridade competente, para apuração de RESPONSABILIDADE CIVIL E ADMINISTRATIVA do agente a que se atribua a ação ou omissão (art.216 do ECA). Inquérito civil (art.223 e §§1º a 5º do ECA): Procedimento administrativo que se destina à apuração de fatos para ingresso com ação civil pública. Não há contraditório, não há nulidades. Interessante observar que, segundo o art.222 do ECA, para instruir a petição inicial, qualquer interessado/legitimado poderá requerer às autoridades competentes as certidões e informações que julgar necessárias, que deverão ser fornecidas no prazo de 15 (quinze) dias, sendo que esta regra tem respaldo no art.5º, inciso XXXIV, alínea "b" da CF. Se o MP se convence de que não tem fundamento para propor a ação, promove o arquivamento do inquérito civil e submete seu ato à apreciação do Conselho Superior do Ministério Público (o mesmo vale para os chamados "procedimentos administrativos" instaurados pelo MP, que muitas vezes são sucedâneos ou preliminares do IC). Se o CSMP não homologa, designa desde logo outro Promotor.

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XI - DOS PROCEDIMENTOS (arts.152 a 197 do ECA):

O ECA relaciona um total de 06 (seis) procedimentos específicos, aos quais prevê regras próprias, sem prejuízo da APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA de normas gerais previstas na legislação processual civil ou penal, quando necessário (disposição contida no art.152 do ECA, já mencionado).

Em alguns casos, como por exemplo no que se convencionou chamar de "pedido de

providências" ou "procedimento para apuração de situação de risco", visando a aplicação de medida de proteção a criança ou adolescente, o ECA não estabelece qualquer procedimento específico, nem existe similar a "copiar" em outra lei processual. Para tais situações, o art.153 do ECA concedeu maior liberdade à autoridade judiciária, que "poderá investigar os fatos e ordenar de ofício as providências necessárias, ouvido o Ministério Público" (verbis).

São procedimentos previstos no ECA:

XI.1 - Procedimento com vista a PERDA OU SUSPENSÃO DO PÁTRIO PODER (arts.155 a 163 do ECA):

Tem início por provocação do MP ou quem tenha legítimo interesse (normalmente os

parentes da criança/adolescente ou a pessoa que já detém a guarda de fato ou de direito de uma criança/adolescente e pretende adotá-la). Vale lembrar o contido art.76 do CC, onde temos que "para propor ou contestar uma ação, é necessário ter legítimo interesse econômico ou moral" (verbis).

O legitimado deverá constituir advogado para propor a ação (arts.206 do ECA, 36 do

CPC e 133 da CF), cujo procedimento será obrigatoriamente contraditório (art.169, caput do ECA).

A petição inicial deverá observar o disposto no art.156 do ECA, sem descuidar dos

demais requisitos previstos no art.282 do CPC. Deve, por óbvio, demonstrar a ocorrência de fato que se constitua em causa de

suspensão e destituição do pátrio poder, tal qual o previsto no art.22 do ECA e arts.394 e 395 do CC (vide AULA Nº 02).

Havendo MOTIVO GRAVE, a autoridade judiciária poderá, OUVIDO O MINISTÉRIO

PÚBLICO, decretar LIMINAR ou INCIDENTALMENTE a SUSPENSÃO do pátrio poder, devendo a criança ou o adolescente ser confiado a PESSOA IDÔNEA (se evitou de falar em ABRIGO, dada inconveniência da institucionalização e necessidade de garantia do direito fundamental à convivência familiar, ainda que em família substituta - vide art.19 do ECA), mediante termo de responsabilidade (art.157 do ECA).

O requerido é citado para oferecer resposta em 10 (dez) dias, devendo DESDE LOGO

indicar as provas produzidas e oferecer rol de testemunhas e documentos (art.158, caput do ECA), havendo determinação expressa para que SEJAM ESGOTADOS TODOS OS MEIOS com vista à CITAÇÃO PESSOAL do requerido (art.158, par. único do ECA).

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Caso não seja contestado o pedido, o art.161 do ECA estabelece a possibilidade do julgamento antecipado da lide, na forma do art.330, inciso I do CPC (questão de mérito unicamente de direito ou, sendo de direito e de fato, não houver necessidade de produção de

prova em audiência), com a abertura de vista ao MP para manifestação em 05 (cinco) dias (salvo se o Parquet for o autor da ação) e sentença em igual prazo.

Como o pedido de destituição do pátrio poder versa sobre DIREITO INDISPONÍVEL, a

revelia não induz a presunção de veracidade dos fatos articulados na inicial (art.319 do CPC), sendo caso de aplicação da regra do art.320, inciso II do CPC, o que torna imprescindível a comprovação, através de elementos idôneos e suficientes trazidos aos autos, da presença de qualquer das causas que autorizam o decreto da medida, que como vimos se encontram relacionadas no art.22 do ECA e arts.394 e 395 do CC. Assim sendo, mesmo que não contestado o pedido, dificilmente haverá casos em que ocorrerá o julgamento antecipado da lide, ocorrendo de regra a instrução do feito.

Também existe a previsão da possibilidade de a autoridade judiciária determinar, de

ofício, a realização de estudo social no caso e a oitiva de testemunhas, sendo a avaliação técnica de regra determinada, notadamente quando o pedido vem cumulado com o de colocação em família substituta (art.161, §1º do ECA).

Caso o pedido importe em modificação de guarda (o que quase sempre ocorrerá),

será também OBRIGATÓRIA, desde que possível e razoável, a oitiva da criança/adolescente (art.161, §2º do ECA), regra esta que se encontra em consonância com o disposto nos arts.28, §1º e 45, §2º do ECA (que tratam da colocação em família substituta e da adoção).

Uma vez apresentada resposta, o Juiz abre vista ao MP para manifestação em 05

(cinco) dias (salvo quando este for o autor), designando a seguir audiência de instrução e julgamento (art.162, caput do ECA).

A pedido das partes, MP ou de ofício, o Juiz determina a realização de estudo social

e/ou perícia por equipe interprofissional, que poderá apresentar parecer na própria a.i.j., onde também serão ouvidas testemunhas e se passará à fase dos debates orais, com decisão de regra na própria audiência. Excepcionalmente, a autoridade judiciária poderá designar audiência de leitura de sentença no prazo de 05 (cinco) dias (art.162, §§1º e 2º do ECA).

A sentença que decretar a perda ou suspensão do pátrio poder será averbada à

margem do registro de nascimento da criança/adolescente (art.163 do ECA), devendo a criança/adolescente ser registrado no cadastro próprio de pessoas em condições de serem adotadas que deve existir na comarca (art.50 do ECA).

XI.2 - Procedimento com vista à DESTITUIÇÃO DE TUTELA (art.164 do ECA): Deverá ser observado o procedimento para remoção de tutor previsto nos arts.1.194 a

1.198 do CPC com a aplicação subsidiária ("no que couber") do contido no procedimento para perda ou suspensão do pátrio poder.

XI.3 - Procedimento para COLOCAÇÃO EM FAMÍLIA SUBSTITUTA (art.165 a 170 do ECA):

Já foi devidamente analisado quando falamos da família substituta (AULA Nº 02).

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XI.4 - Procedimento para APURAÇÃO DE ATO INFRACIONAL atribuído a adolescente (arts.171 a 190 do ECA):

O adolescente17 apreendido em flagrante deverá ser encaminhado à autoridade policial competente (art.172 do ECA), com comunicação INCONTINENTI ao Juiz da Infância e da Juventude e sua família ou pessoa por ele indicada (art.107 do ECA). Caso haja DP especializada para adolescentes (em Curitiba, existe uma funcionando junto ao CIAADI), deverá o adolescente ser a esta encaminhado, mesmo quando o ato for praticado em companhia de imputável, sendo que apenas após o atendimento nessa DP e realização das formalidades necessárias é que deverá ser o adulto encaminhado à repartição própria.

Caso o ato infracional seja praticado mediante violência ou grave ameaça à pessoa,

deverá ser lavrado AUTO DE APREENSÃO, com a oitiva de testemunhas, do adolescente, apreensão do produto e instrumentos da infração e requisição de exames ou perícias necessárias à comprovação da materialidade do ato (art.173 do ECA). Se não for, basta a lavratura de boletim de ocorrência circunstanciado (art.173, par. único do ECA).

Com comparecimento de pai ou responsável (pode ser o dirigente da entidade de

abrigo se o adolescente está em atendimento - vide art.92, par. único do ECA) e o caso não seja de internação provisória, deverá ocorrer a liberação do adolescente (independentemente de ordem judicial) com termo de compromisso de apresentação ao Promotor (art.174, primeira parte do ECA).

Se o caso é de internação provisória (determinado pela gravidade do ato, repercussão

social, necessidade de garantia da segurança pessoal do adolescente ou manutenção da ordem pública - art.174, in fine, do ECA) ou não comparecem os pais, imediatamente se encaminha ao Promotor, com cópia de auto de apreensão. Se não é possível a apresentação imediata, encaminha-se à entidade apropriada (de internação provisória) e, em 24 horas, apresenta-se o adolescente ao MP (art.175 e §1º do ECA).

Onde não houver entidade apropriada, o adolescente deverá aguardar a apresentação

ao MP em dependência da DP separada da destinada a imputáveis (art.175, §2º do ECA). O adolescente não poderá ser transportado em compartimento fechado de viatura

policial (camburão), em condições atentatórias à sua dignidade ou que impliquem em risco à sua integridade física ou mental (notadamente quando no mesmo compartimento são transportados imputáveis ou membros de "gangues" rivais - art.178 do ECA)

Se não há flagrante, encaminha-se ao Promotor o relatório das investigações e outras

peças informativas (art.177 do ECA). A audiência perante o MP será realizada com as peças autuadas no cartório e com

certidão de antecedentes. O MP procede a OITIVA INFORMAL do adolescente e, se possível, dos pais, testemunhas e vítimas (art.179 do ECA). Por ser ato eminentemente INFORMAL (como o próprio nome indica), a princípio não será necessário reduzir a termo as declarações do adolescente, a menos, é claro, que estas divirjam daquelas prestadas perante a autoridade policial. Interessante, por outro lado, nesse momento colher informes junto aos pais do adolescente acerca de sua conduta pessoal, familiar e social (se estuda, trabalha, é obediente, respeitador etc.), elementos que irão influenciar tanto na tomada de decisão acerca de que providência deverá o MP adotar no caso quanto, ao final do procedimento (se oferecida a representação), qual medida a ser aplicada.

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17 não se aplica, portanto, a crianças acusadas da prática de ato infracional, que após recolhidas, como vimos devem ser encaminhadas ao Conselho Tutelar;

A princípio, não é necessária a presença de advogado no ato18, mas se o adolescente

tiver, a assistência será garantida. Vale o registro que se encontra em tramitação, no Congresso Nacional, Projeto de Lei visando tornar obrigatória a presença de advogado já quando da oitiva informal do adolescente, inclusive para acompanhar o ajuste da remissão cumulada com medida sócio-educativa, a ser adiante analisada.

Após a oitiva informal, o MP poderá tomar uma das seguintes providências (art.180 do

ECA):

1. ARQUIVAMENTO: fato inexistente, atipicidade do fato, autoria não é do adolescente, pessoa tem mais de 21 anos no momento da oitiva informal;

2. REPRESENTAÇÃO: dedução da pretensão sócio-educativa pelo MP (titularidade exclusiva da

ação sócio-educativa) - art.182 do ECA;

3. REMISSÃO: forma de exclusão do processo. Pode ser como forma de perdão puro e simples ou com aplicação de MSE/MP.

Promovido o arquivamento ou concedida a remissão, mediante termo fundamentado

(vide também art.205 do ECA), os autos deverão ser encaminhados à autoridade judiciária, para homologação (art.181, caput, do ECA).

Homologado o arquivamento ou a remissão, a autoridade judiciária deverá determinar,

conforme o caso, o cumprimento da medida eventualmente ajustada (vide arts.126, caput c/c 127, ambos do ECA).

Caso discorde do arquivamento/remissão e/ou da medida ajustada, a autoridade

judiciária não terá alternativa outra além de encaminhar os autos, mediante despacho fundamentado, ao Procurador Geral de Justiça, que oferecerá representação, designará outro membro do MP para fazê-lo ou ratificará o arquivamento/ remissão, que então ficará a autoridade judiciária obrigada a homologar (art.181, §2º do ECA - procedimento similar ao contido no art.28 do CPP)19.

Uma vez oferecida a representação20, a autoridade judiciária designará AUDIÊNCIA DE APRESENTAÇÃO, com comparecimento dos pais ou responsáveis, acompanhados de advogado. Sem pais, designação de curador especial. Se não é localizado o adolescente, expede-se mandado de busca e apreensão e susta-se o processo até localização. Se o adolescente, apesar de citação, não comparece, é conduzido coercitivamente - arts.184 e 187 do ECA.

Estando apreendido o adolescente, deve a autoridade judiciária decidir acerca da

necessidade ou não da manutenção de sua internação provisória, observado o disposto no art.108 e parágrafo único do ECA.

18 a obrigatoriedade se dá apenas APÓS A AUDIÊNCIA DE APRESENTAÇÃO - art.186, §§2º e 3º c/c art.207 e §1º do ECA. 19 a autoridade judiciária, portanto, nesse momento não pode homologar a remissão sem a inclusão da medida eventualmente ajustada entre MP e adolescente/responsável, sendo-lhe vedado modificá-la de ofício (vide art.128 do ECA).

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20 que embora independa de prova pré-constituída da autoria e materialidade do ato deverá ter a forma da denúncia criminal, sem no entanto pedir a "condenação" do adolescente, mas sim a procedência da peça, com a aplicação de UMA OU MAIS das medidas sócio-educativas relacionadas no art.112 do ECA;

Comparecendo adolescente e pais, serão colhidas suas declarações, podendo ser solicitada a ouvida de técnico (profissional qualificado). Neste momento, o Juiz, ouvido o MP, pode conceder a remissão, como forma de extinção ou suspensão do processo (arts.186, §1° e 126, par. único, ambos do ECA).

Se não concedida remissão judicial, o Juiz designa audiência em continuação e pode

determinar a realização de diligências e de estudo social (imprescindível caso se vislumbre a possibilidade da aplicação de medida privativa de liberdade, dado PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA EXCEPCIONALIDADE da internação).

O advogado constituído ou nomeado (vide art.207 do ECA) deverá apresentar defesa

prévia no prazo de 03 (três) dias (art.186, §3º do ECA). Na AUDIÊNCIA EM CONTINUAÇÃO (verdadeira audiência de instrução e

julgamento), são ouvidas as testemunhas da representação, da defesa prévia, juntado relatório (estudo social) de equipe interprofissional, dando-se a seguir a palavra ao MP e ao advogado para razões finais, por 20 minutos, prorrogáveis por mais 10, decidindo em seguida o Magistrado (art.186, §4º do ECA).

A sentença pode acolher ou não a pretensão sócio-educativa. No primeiro caso, julga-se PROCEDENTE A REPRESENTAÇÃO (tecnicamente não

há que se falar em "condenação" do adolescente) e aplica-se MSE, com fundamentação quanto prova de autoria e materialidade (e especial enfoque acerca da eventual pertinência das medidas privativas de liberdade), com exceção à aplicação da MSE de advertência, que pode ocorrer apenas com prova de materialidade e indícios suficientes de autoria (arts.114 e 189 ECA).

No segundo caso, julga-se IMPROCEDENTE A REPRESENTAÇÃO (também não há que se falar em "absolvição"), não sendo possível a aplicação de qualquer medida (não configuração do ato infracional - conduta atípica ou acobertada pelas excludentes de antijuridicidade; inexistência do fato ou de provas quanto ao fato; ausência de provas quanto à materialidade; inexistência de provas quanto à autoria). Mesmo improcedente a representação, em havendo necessidade, a autoridade judiciária pode aplicar ao adolescente medidas unicamente protetivas, ou encaminhar o caso para atendimento pelo Conselho Tutelar.

INTIMAÇÃO DA SENTENÇA que reconhece a prática infracional e aplica MSE: Se a MSE é semiliberdade ou internação, a intimação é feita ao adolescente e ao

defensor; na falta do primeiro, aos pais e ao defensor. Recaindo intimação na pessoa do adolescente, deverá se manifestar se quer ou não recorrer. Se expressar que não, o defensor não está impedido de recorrer; se disser que sim, o defensor obrigatoriamente oferece razões.

Se a MSE for advertência/ obrigação de reparar o dano/prestação de serviços à

comunidade/ liberdade assistida/ medida de proteção, a intimação é feita apenas ao defensor (art.190 do ECA).

XI.5 - Procedimento para apuração de IRREGULARIDADES EM ENTIDADES DE ATENDIMENTO (arts.191 a 193 do ECA):

Já foi devidamente analisado quando falamos das entidades de atendimento

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XI.6 - Procedimento para apuração de INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA às normas de proteção à criança e ao adolescente (arts.194 a 197 do ECA):

Considera-se infração administrativa a conduta que viola normas de proteção à

criança e ao adolescente estabelecidas pelo ECA, que o legislador entendeu ser merecedora de sanção (multa administrativa e outras) sem no entanto caracterizar crime ou contravenção (ilícito penal).

Possuem, portanto, natureza jurídica diversa dos crimes e contravenções, embora

pertençam ao gênero "sanção estatal". Assim é que se admite que um fato que ao mesmo tempo caracterize infração administrativa e crime (por exemplo, os pais que deixam de matricular seus filhos no ensino fundamental), dê ensejo a procedimentos diversos (perante o Juiz da Infância e Juventude e o Juiz Criminal), e receba sanções diversas (multa administrativa e pena criminal), sem que isto caracterize um bis in idem.

A multa administrativa, cominada para a totalidade das infrações tipificadas, não se

confunde com a multa criminal, sendo imposta de forma OBJETIVA (independe de dolo ou culpa, não havendo que se falar em "infração administrativa dolosa" ou "culposa") e NÃO É PASSÍVEL DE CONVERSÃO em pena privativa de liberdade.

As infrações administrativas estão relacionadas nos arts.245 a 258 do ECA e a elas

não se aplicam as regras quer do CPP quer do CP (inteligência dos arts.225 e 226 do ECA, a contrariu sensu, pois quisesse o legislador tal aplicação subsidiária, o teria feito expressamente, tal qual fez com os crimes em tais dispositivos).

Uma das principais consequências desse entendimento, diz respeito à

INAPLICABILIDADE DA PRESCRIÇÃO PENAL, pelo que não devemos nos socorrer do prazo de 02 (dois) anos relacionado no art.114 do CP para a prescrição da pena de multa.

O que se aplica, e já existem decisões do TJPR nesse sentido, é a PRESCRIÇÃO

QÜINQÜENAL consoante prevê o art.174 do Código Tributário Nacional (a multa administrativa é considerada "receita não tributária", que embora esteja sujeita à Lei de Execução Fiscal - Lei nº 6.830/80, tem na aplicação desta algumas restrições, notadamente em razão do disposto nos arts.214 c/c 154 do ECA).

Tendo em vista o contido na Súmula 150 do STF ("Prescreve a execução no mesmo

prazo de prescrição da ação"), temos que o prazo qüinqüenal acima referido vale tanto para a pretensão postulatória de conhecimento quanto para a ação executiva, considerando a interrupção da fluência do prazo a data da propositura da execução (art.617 do CPC).

São LEGITIMADOS para a deflagração do procedimento:

a) O Ministério Público; b) O Conselho Tutelar; c) O "Agente de Proteção da Infância e Juventude" (antigo "Comissário de Menores"), ao qual o

art.194, caput do ECA se refere como sendo "servidor efetivo ou voluntário credenciado" (verbis).

O INSTRUMENTO utilizado para a deflagração do procedimento será:

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1 - A REPRESENTAÇÃO - que tem a forma de uma "denúncia" e deverá conter seus elementos básicos: endereçamento, qualificação das partes, descrição dos fatos que em tese caracterizam a infração, pedido de procedência da demanda e indicação/requerimento de provas. Será oferecida pelo MP ou pelo CT (este diretamente, independentemente de advogado, devendo apenas haver

a cautela de indicar que a decisão do oferecimento da representação foi resultante de deliberação do colegiado, em sessão deliberativa própria).

2 - O AUTO DE INFRAÇÃO - normalmente consiste em um impresso (art.194, §1º do ECA), onde a bem do princípio constitucional da ampla defesa deverá constar a qualificação do infrator, a natureza e as circunstâncias da infração e a intimação/citação para apresentação de defesa, devendo ser assinado por 02 (duas) testemunhas, sempre que possível. O autuante será sempre (e invariavelmente) o "agente de proteção da infância e juventude" (antigo "comissário de menores") acima referido, sendo VEDADO ao CT lavrar auto de infração (o CT, como vimos, deverá oferecer representação ao Juiz), tendo o TJPR já anulado decisões cujos procedimentos foram deflagrados via auto de infração lavrado pelo CT.

O prazo para apresentação de defesa pelo requerido será de 10 (dez) dias (art.195,

caput do ECA), que serão contados da data da intimação (aqui também usada como sinônimo de citação), a ser efetuada:

a. pelo autuante (agente de proteção da infância e juventude), no próprio auto, quando este for

lavrado na presença do requerido (ainda que o autuado se recuse a assinar o documento, desde que tal recusa seja presenciada e devidamente atestada por duas testemunhas);

b. por oficial de justiça ou funcionário legalmente habilitado, que deverá entregar cópia do auto

(quando tiver sido este lavrado sem a presença do autuado) ou da representação ao requerido, ou a seu representante legal, lavrando certidão;

c. por via postal, com a.r., quando o requerido ou seu representante legal não forem encontrados

na hipótese supra; ou

d. por edital, com prazo de 30 dias, se o requerido e seu representante estiverem em local incerto e não sabido.

Não apresentada defesa no prazo legal, haverá o julgamento antecipado da lide, com

a abertura de vista ao MP para parecer em 05 (cinco) dias, com decisão em igual prazo (art.196 do ECA);

Caso apresentada defesa, a autoridade judiciária poderá designar audiência de

instrução e julgamento, com a coleta de prova oral e debates entre MP e procurador do requerido, pelo tempo de 20 (vinte) minutos, prorrogáveis por mais 10 (dez) minutos, decidindo a seguir o Juiz (art.197, par. único do ECA).

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Como podemos observar, apesar de o CT/agentes de proteção terem legitimidade para a deflagração do procedimento, não irão se manifestar no curso da demanda, ressalvada a hipótese de algum conselheiro tutelar/agentes serem ouvidos como testemunhas.

XII - DOS RECURSOS (arts.198 e 199 do ECA)

Em TODOS os procedimentos afetos à Justiça da Infância e Juventude (ou seja,

naqueles relacionados nos arts.148 e 149 do ECA), será adotado o SISTEMA RECURSAL DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL e suas alterações posteriores, com algumas adaptações relacionadas nos incisos I a VIII do art.198 do ECA.

Assim, mesmo nos procedimentos para apuração de ato infracional praticado por

adolescente, que se assemelham ao procedimento criminal (e em alguns casos utilizam regras do CPP, até mesmo em razão da redação do art.152 do ECA), a sistemática recursal utilizada é a do Código de Processo Civil.

São PARTICULARIDADES dos recursos da área da infância e juventude:

a. Desnecessidade de PREPARO (art.198, inciso I do ECA), sendo essa regra decorrente da prevista no art.141, §2º do ECA (isenção de custas judiciais nas ações da competência da Justiça da Infância e Juventude), ambas estabelecidas para facilitar o acesso à Justiça da Infância e Juventude;

b. Em todos os recursos, salvo os EMBARGOS DE DECLARAÇÃO, o PRAZO PARA INTERPOR

E RESPONDER será sempre de 10 (DEZ) DIAS (o prazo para os embargos de declaração será de cinco dias). Havia antes a ressalva também em relação ao agravo de instrumento, porém com a nova redação dada ao art.522 do CPC pela Lei nº 9.139/95, o prazo deste passou para os mesmos 10 (dez) dias, que deve ser observado inclusive nos procedimentos afetos à Justiça da Infância e Juventude (art.198, inciso II do ECA);

c. os recursos terão PREFERÊNCIA DE JULGAMENTO e DISPENSARÃO REVISOR,

disposições estas que decorrem da DOUTRINA DA PROTEÇÃO INTEGRAL preconizada pelo art.227, caput da CF e 4º, caput do ECA, tendo ainda por objetivo dar uma maior CELERIDADE ao julgamento dos recursos (art.198, inciso III do ECA);

d. a REGRA será o recebimento da apelação APENAS EM SEU EFEITO DEVOLUTIVO, sendo

OBRIGATÓRIO o EFEITO SUSPENSIVO APENAS à apelação interposta contra sentença que defere ADOÇÃO POR ESTRANGEIRO. A critério da autoridade judiciária (que deverá assim FUNDAMENTAR sua decisão nesse sentido), será também conferido efeito suspensivo sempre que houver PERIGO DE DANO IRREPARÁVEL OU DE DIFÍCIL REPARAÇÃO (art.198, inciso VI do ECA);

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e. ANTES de determinar a remessa dos autos à superior instância, no caso da apelação, ou do instrumento, no caso do agravo, a autoridade judiciária deverá efetuar o JUÍZO DE RETRATAÇÃO, proferindo DESPACHO FUNDAMENTADO no sentido da manutenção ou reforma da decisão, no prazo de 05 (cinco) dias (art.198, inciso VII do ECA). Caso MANTIDA a decisão recorrida, o escrivão deverá remeter os autos ou o instrumento à superior instância dentro de 24 horas, independentemente de novo pedido do recorrente. Caso REFORMADA a decisão, a remessa dos autos/instrumento DEPENDERÁ DE PEDIDO EXPRESSO DO MP OU PARTE INTERESSADA, no prazo de 05 (cinco) dias, contados da intimação.

Consoante já noticiado anteriormente, em razão da Resolução nº 05/99, publicada no

Diário da Justiça de 18 de outubro de 1999 (págs.01 e 02), o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por intermédio de seu Órgão Especial, houve por bem ALTERAR a redação de alguns dispositivos de seu Regimento Interno, dentre os quais seus arts.85 e 88, bem como REVOGAR seu art.94, inciso XXII.

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De acordo com a nova sistemática estabelecida, a COMPETÊNCIA PARA

PROCESSAR E JULGAR, EM GRAU DE RECURSO, A MATÉRIA CONCERNENTE AO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE, que antes era do Conselho da Magistratura, passou a ser DAS CÂMARAS CRIMINAIS ISOLADAS e, nas demais hipóteses previstas no Regimento Interno, do GRUPO DE CÂMARAS CRIMINAIS.

Assim sendo, os recursos interpostos em matéria referente ao Estatuto da Criança e

do Adolescente, doravante deverão ser endereçados a uma das Câmaras Criminais do Tribunal de Justiça do Estado, sendo que nas hipóteses regimentais pertinentes (notadamente as previstas no art.85, incisos II, III e V do mesmo Regimento Interno), as petições deverão ser endereçadas ao Grupo de Câmaras Criminais do mesmo Tribunal.

XIII - DOS CRIMES PREVISTOS NO ECA (arts.225 a 244 do ECA):

O ECA previu um total de 16 (dezesseis) tipos penais específicos21, criminalizando

condutas que violam direitos de crianças e adolescentes com especial gravidade. Aos CRIMES definidos no ECA se aplicam toas das normas da Parte Geral do Código

Penal e, quanto ao processo, as pertinentes ao Código de Processo Penal (art.226 do ECA). Tendo em vista que no rol constante do art.148 do ECA não consta ser o Juiz da

Infância e Juventude competente para processar e julgar os CRIMES previstos no ECA, a COMPETÊNCIA para tanto fica a cargo do JUIZ CRIMINAL, de acordo com a Lei de Organização Judiciária própria.

Também é importante observar que TODOS OS CRIMES previstos no ECA são de

AÇÃO PENAL PÚBLICA INCONDICIONADA (art.227 do ECA). Dentre os crimes relacionados, merecem especial destaque:

a. o previsto no art.233 ("submeter criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância a tortura"), haja vista que o dispositivo em questão foi REVOGADO pela Lei nº 9.455, de 07/04/97, que definiu os CRIMES DE TORTURA, prevendo penas mais rigorosas que as aqui relacionadas, estabelecendo inclusive que se a vítima for criança ou adolescente a pena será aumentada de 1/6 a 1/3;

b. o previsto no art.236 do ECA ("impedir ou embargar a ação de autoridade judiciária,

membro do Conselho Tutelar ou representante do Ministério Público no exercício de função prevista nesta lei"), que não deve ser confundido com a INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA prevista no art.249 do ECA ("descumprir, dolosa ou culposamente ... determinação da autoridade judiciária ou Conselho Tutelar"), pois enquanto esta (a infração) se resume ao DESCUMPRIMENTO da determinação, aquele (o crime) importa na CRIAÇÃO DE OBSTÁCULO, por diversos meios, ao próprio EXERCÍCIO DA FUNÇÃO por alguma das autoridades relacionadas;

c. o previsto no art.238 do ECA ("prometer ou efetivar a entrega de filho ou pupilo a terceiro,

mediante paga ou recompensa"), que apesar de ser nitidamente destinado a penalizar a entrega de criança ou adolescente para a realização da chamada "adoção à brasileira", não exige a comprovação desse fim específico, bastando a demonstração que houve a oferta/recebimento de vantagem econômica;

d. o previsto no art.243 do ECA ("vender, fornecer ainda que gratuitamente, ministrar ou

entregar, de qualquer forma, a criança ou adolescente, sem justa causa, produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica, ainda que por utilização indevida"), que é norma subsidiária à do art.12 da Lei nº 6.368/76, somente aplicável a substâncias não consideradas entorpecentes consoante Portaria do Ministério da Saúde. Foi criada justamente para permitir a punição daqueles que fornecem a crianças e adolescentes produtos tais como "thinner" e outros solventes, "cola de sapateiro" e outros inalantes, que POR UTILIZAÇÃO INDEVIDA podem causar dependência física ou psíquica. A rigor aqui também poderiam ser enquadrados o CIGARRO COMUM (pois a nicotina nele contida comprovadamente pode causar dependência) e a BEBIDA ALCOÓLICA, havendo decisões de tribunais que assim o consideram. Quanto ao fornecimento de bebida alcoólica caracterizar o

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21 muitos deles já mencionados nas aulas anteriores, quando tratamos de matérias a eles relacionadas (vide).

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CRIME aqui previsto, importante registrar que existe DIVERGÊNCIA DOUTRINÁRIA em especial dada redação do art.81, incisos II e III do ECA, que estabelece uma DIFERENCIAÇÃO entre "bebidas alcoólicas" e "produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica". Assim sendo, alguns sustentam que, como o próprio ECA diferencia ambos, não é possível equipará-los para fins de incidência do crime do art.243 quando do fornecimento de bebida alcoólica a criança ou adolescente. De qualquer modo, a conduta caracteriza INFRAÇÃO PENAL, sendo na pior das hipóteses considerada CONTRAVENÇÃO PENAL consoante previsão do art.63, inciso I do Dec. Lei nº 3.688/41.