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Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura do Estado do Ceará - FETRAECE CURSO ESTADUAL DE FORMAÇÃO POLÍTICO SINDICAL Formar para Transformar

CURSO ESTADUAL DE FORMAÇÃO POLÍTICO SINDICALteiadigital.com.br/Central2.0/images/Site_6/Mod I(1).pdf · Antes mesmo de chegar a ter o primeiro contato com as pessoas que compõem

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Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura do Estado do Ceará - FETRAECE

CURSO ESTADUAL DE FORMAÇÃO POLÍTICO SINDICAL

Formar para Transformar

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ÍNDICE - APRESENTAÇÃO ............................................................... 2

- POLÍTICA NACIONAL DE FORMAÇÃO ............................. 2

- ESTRATÉGIA FORMATIVA ............................................... 3

1. Educador e Aprendiz ...................................................... 4

1.1. Iniciando a nossa conversa ........................................... 4

1.2. Conhecendo o grupo .................................................... 5

1.3. Valorizando sua história ................................................ 5

1.4. Comunicação, expressão e aprendizado ......................... 6

1.5. O Clima é fundamental ................................................. 7

1.6. Conhecendo coletivamente............................................ 7

1.7. Lado a Lado, Passo a Passo........................................... 8

1.8. Considerações Finais .................................................... 9

2. Ideologia ........................................................................ 10

3. Sociedade: Sistema ou Modo de Produção? ................. 13

4. Os Modos de Produção .................................................. 17

4.1. Escravismo .................................................................. 17

4.2. Feudalismo .................................................................. 17

4.2.1. A Servidão Feudal ................................................ 18

4.2.2. O Tempo e Mentalidade Medieval .......................... 19

4.2.3. A Feudalização Política .......................................... 19

4.2.4. Servos contra Nobres ........................................... 19

4.2.5. A Força da Igreja ................................................. 20

4.2.6. Obedientes a Espada e a Cruz ............................... 21

4.3. Socialismo ................................................................... 22

4.4. Capitalismo .................................................................. 23

4.4.1. História do Capitalismo ......................................... 23

4.4.2. As Cinco Fases do Capitalismo ............................... 25

5. Teoria do Modo de Produção ......................................... 25

6. A Dinâmica Conflitiva de uma Sociedade:

Infraestrutura e Superestrutura ...................................... 30

7. O que é Trabalho ........................................................... 37

7.1. O que a palavra Trabalho significa............................... 37

7.2. O que o Trabalho tem sido ......................................... 39

7.3. O que o Trabalho está sendo ...................................... 43

8. A Cama na Varanda ........................................................ 50

8.1. O Patriarcado ............................................................ 52

9. Raízes das Desigualdades.............................................. 55

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APRESENTAÇÃO

Depois de um longo processo de debate e maturação sobre o universo formativo, o Movimento Sindical de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais criou, em agosto de 2006, a Escola Nacional de Formação Sindical – ENFOC, alicerçada pela Política nacional de Formação e pelo Projeto Político Pedagógico, tendo como referencial político o Projeto alternativo de Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário – PADRSS. A escola cumpre um itinerário formativo com turma nacional, regional e estadual. A ENFOC tem ainda uma estratégia de formação na base denominada Grupo de Estudo Sindical - GES. A ação estadual da escola no estado tem a intencionalidade de formar multiplicadores e multiplicadoras criativ@s que tem o papel de criar, animar, divulgar nos municípios os Grupos de Estudos Sindicais – GES. O Grupo de Estudo Sindical - GES é um espaço permanente de formação, dialogo e debate nos municípios e nas comunidades rurais. Oportuniza as pessoas a conversar sobre seu lugar, seu universo, com todas as fragilidades e potenciais. Lugar de debate sobre o mundo sindical, suas lutas, conquistas. A Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura no Estado do Ceara – FETRAECE deseja a todos/as excelentes momentos de leitura, de aprofundamento e debate político ideológico.

Antonio Soares Guimarães Secretário de Formação, Organização Sindical e Comunicação

POLÍTICA NACIONAL DE FORMAÇÃO - PNF O MSTTR vem retomando a formação político-sindical classista, articulada a formação temática desde o ENAFOR. Por meio de itinerário formativo da ENFOC, vem pautando a reflexão de elementos histórico da classe trabalhadora, articulado a uma concepção de sindicalismo classista e libertário no campo, somando-se a formação temática. Essa estratégia reafirma a PNF enquanto inovação e retomada da formação sindical. Sobretudo, por ela problematizar a pratica sindical, promovendo a reflexão e reorientação necessária para seu fortalecimento e capacidade para desenvolver o PADRSS. É um referencial político e pedagógico que, por meio dos pressupostos – transformar realidades e emancipar sujeitos - conjuga seus dois fundamentos - PADRSS e PPP - e formula as diretrizes, os princípios pedagógicos, as abordagens e estratégias políticas para a efetivação da ação formativa. A Política Nacional de Formação - PNF sugere uma retomada das discussões sobre ideologia e luta de classe – luta contra hegemônica –, articula a ação sindical à ação formativa, fortalece as organizações sindicais. Queremos com a Política Nacional de Formação – PNF, dinamizar a ação sindical, revitalizar a prática dos dirigentes, fortalecer a ação sindical e contribuir com a transformação da realidade.

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ESTRATÉGIA FORMATIVA A formação é um processo educativo que articula o cotidiano dos sujeitos políticos e as lutas gerais da categoria com as dimensões políticas e pedagógicas. Considera as etapas, ritmos e tempos do processo ensino-aprendizagem e interage com diferentes temas e públicos que compõe a categoria trabalhadora rural. Considera o ser humano em sua integralidade, articulando às dimensões pedagógicas e políticas da ação sindical. Essa estratégia formativa se reafirma à medida que os processos desenvolvidos cumprem papel fundamental ao se referenciar na prática sindical, promovendo reflexões e reorientando a implementação do PADRSS. Assim as ações formativas encontram no PADRSS o seu fundamento e se constituem em instrumento estratégico para que trabalhadores e trabalhadoras rurais realizem conquistas que lhes assegurem qualidade de vida. Por isso a Escola compreende que a formação deve ser continua e que o PADRSS deve ser referencia nos debates, evidenciando contraposição ao projeto predominante na sociedade, o que requer leitura ampla do universo rural, suas dinâmicas, demandas necessidades e especificidades. A Escola Nacional de Formação Sindical – ENFOC cumpre um itinerário formativo realizando os cursos nacional, regional e estadual. A turma nacional é composta de 04 pessoas de cada estado. Os egressos da turma nacional juntam-se a mais 06 pessoas de cada estado, e assim é composta a turma regional. A Turma estadual é composta de 40 pessoas do estado. É importante salientar que os educadores e educadoras formados/as nas turmas nacional e regional, constituem a equipe estadual responsáveis pela animação do processo formativo no estado.

Os educandos/as da escola no estado depois de formados/as terão o papel animar os Grupos de Estudos Sindicais - GES, realizando a multiplicação criativa. O Grupo de Estudo Sindical é a estratégia formativa da ENFOC na base. A idéia é constituir nas comunidades rurais, quilombolas, ribeirinhas, assentamentos e outras, grupos de estudos com participação de 05 a 15 pessoas. O GES será um lugar de debate e reflexão sobre seu mundo, sua historia, sem perder de vista as transformações ocorridas na sociedade como um todo.

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1. EDUCADOR E APRENDIZ

"Aprendi muita coisa. Umas com muito prazer. Com cores, sabores e odores agradáveis, outras nem tanto. Foi nesta mistura, de ônibus em ônibus, de

cidade em cidade, de encontros e desencontros que fui e continuo aprendiz de ser educador.

Não é engraçado? Aprendiz de educador. Parece incoerente, sem sentido,

descabido, mas não é aprendendo que se ensina, é ensinando que se aprende. Nesta teia vou construindo minha rede para embalar os meus sonhos, tecendo

dia-a-dia muitas relações, que vão dando sentido à minha existência como gente.

Pessoas são seres imperfeitos, precisam sempre do movimento da troca para

continuar vivas. Somos eternos aprendizes"

Alexandre Botelho Merren 1.1. INICIANDO NOSSA CONVERSA

Sempre tive muita dificuldade de falar de mim mesmo. Escrever

então nem se fala. Todavia, hoje, senti que poderia partilhar algumas lições que o tempo e as pessoas me ensinaram. Algumas lições que vieram da infância e outras que hoje venho tentando aprender. É o movimento da vida. As relações com as pessoas. Enfim, é o desenrolar do cotidiano onde se aprende a ensinar a arte de viver.

Este é o núcleo do que vem a ser para mim educação. É o

movimento contínuo de se aprender a ensinar a arte de viver. Viver como gente. Ser gente e ajudar as outras pessoas a se descobrirem, sentirem-se e agirem como gente.

Este movimento educativo não tem lugar determinado para se

dar. Todo espaço pode vir a ser palco e cenário de muitas aprendizagens, através das relações que são construídas das pessoas entre si, das pessoas com a natureza, com o mundo e com o

transcendente. Portanto, são as relações, os encontros e, muitas vezes, os desencontros que permitem e criam condições para que se dê o aprendizado.

Aprender é desafio que não se

acaba. Por mais que se saiba, é um engano pensar que não se tem mais nada a aprender. Pessoas são seres imperfeitos, precisam sempre do movimento da troca para manterem-se vivas. Somos eternos aprendizes.

Foi sentindo-me aprendiz que me pus na estrada. Mochila nas

costas. Muitos sonhos na cabeça e uma vontade enorme de construir um mundo diferente deste que vivemos. Cruzei com muita gente de norte a sul deste país. A cada cidade que passava via o brilho nos olhos das pessoas. A esperança de uma vida melhor queimava o peito. Vi também muito sofrimento, muita dor e desespero. A vida é uma mistura. Nem tudo são flores. Porém elas existem e fazem com que a gente possa ir se encontrando nesta estrada.

Aprendi muita coisa. Umas com muito prazer. Com cores,

sabores e odores agradáveis, outras nem tanto. Foi nesta mistura, de ônibus em ônibus, de cidade em cidade, de encontros e desencontros que fui e continuo aprendiz de ser educador.

Não é engraçado? Aprendiz de educador. Parece incoerente, sem

sentido, descabido, mas não é. É aprendendo que se ensina, é ensinando que se aprende. Nesta teia, fui construindo minha rede para embalar os meus sonhos, tecendo dia-a-dia muitas relações, que vão dando sentido à minha existência como gente.

Nestas estradas, do litoral ao sertão nordestino, das montanhas

do Rio de Janeiro aos manguezais do Recife, muito aprendi. É isso que quero compartilhar com vocês. São dicas, toques, frutos do meu garimpo diário como educador, que de peneira em peneira vou

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encontrando diamantes que dão sentido à minha labuta que é de contribuir em alguns processos educativos junto a grupos populares no nordeste brasileiro.

Sei que esta contribuição é resultado da participação de muitas

mãos. “Esta ciranda não é minha só”. É contributo de muitos(as). É resultado de todo o esforço de várias organizações que já trabalhei, dos diversos grupos de artesãos que acompanhei por este nordeste a fora, dos índios e tantos outros que foram meus educadores e aprendizes numa relação de troca, amizade, carinho e sonhos de um mundo mais justo.

São toques, não quer ser receita, muito menos roteiro de como

trabalhar junto a grupos, mas uma simples contribuição do que venho aprendendo na minha atividade como educador.

1.2. CONHECENDO O GRUPO Antes mesmo de chegar a ter o primeiro contato com as pessoas

que compõem o grupo, busco ter o máximo de informação a respeito da região onde vivem e atuam estas pessoas.

O primeiro contato é sempre muito importante. É o abrir as

portas. É criar um clima para o acolhimento do outro. É o momento da ESCUTA. Ouvir o outro. Abrir-se para uma nova realidade. Acolher as pessoas e o seu mundo. Mas é também deixar-se ser acolhido pelo outro. Estabelecer desde já um movimento de troca.

Conhecer e dar-se a conhecer, este é o desafio deste momento.

Momento de encontros. Encontros das pessoas, de suas histórias. “Bonito é que gente é sempre tão diferente de gente” (Gonzaguinha).

Nos processos de formação que tenho acompanhado, o resgate

da história pessoal tem sido um momento inicial rico. Na realidade, é um momento de trabalhar a identidade pessoal, identificando a

trajetória e o processo vivenciado por cada um(a). seus momentos significativos, que contribuíram para que cada um seja a pessoa que é hoje, se situando na história e identificando o motivo pelo qual está ali e não em outro lugar.

É partir, portanto, das pessoas.

Do que elas são, sonham, querem e fazem. Este é o fio condutor de todo o processo. A pessoa é o centro. Para isto é fundamental que todos experimentem, vivenciem, rememorem concretamente p que foi construindo na sua vida. É ler-se na História, é ler a sua história. Colocar-se nela. Identificar a contribuição de cada um. “e aprendi que se aprende sempre de tanta muita diferente gente. Toda pessoa sempre é as marcas das lições diárias de outras tantas pessoas” (Gonzaguinha).

Este momento é fundamental. É poder contribuir para que os

participantes se dêem conta de suas perguntas, de suas qualidades, angústias e alegrias. É na verdade um convite a um envolvimento de toda a sua pessoa, com tudo o que ela significa. Este é um dos princípios da participação. “Cada um de nós compõe a sua história e cada ser em si, carrega o Dom de ser capaz, de ser feliz” (Almir Sater).

1.3. VALORIZANDO SUA HISTÓRIA

As pessoas são, por excelência, seres simbólicos. O mundo é lido

pelos seres humanos através de diversas linguagens. Esta riqueza de compreensão e expressão é o que chamamos de cultura. Os homens e as mulheres vivem interpretando continuamente sua realidade para nela continuar vivendo. A história de cada um é rica de significados. Vamos dando sentido ao nosso viver através desta relação contínua de troca com o universo. “O movimento da vida não deixa que a vida seja sempre igual. Não se repete nem o sol” (Gonzaguinha).

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Neste movimento da vida, é importante não só identificar o percurso percorrido por cada um, mas principalmente, contribuir para que as pessoas reflitam e analisem esta trajetória. Identificar as fontes em que bebeu. Como os acontecimentos, pessoas, livros, filmes etc. Foram contribuindo para o crescimento de cada um. Valorizar estas fontes. Apropriar-se dos aprendizados feitos. Identificar as mudanças ocorridas. Dar-se conta das influências. Tudo isso faz com que se situem como pessoas e como educadores(as). Enfim é dar valor à vida de cada um, partindo de um auto-conhecimento da própria história. “O auto-conhecimento como pedra angular de qualquer conhecimento”.

Este esforço contribui sobremaneira para que se trabalhe a

própria identidade. Sou assim, diferente do outro por essas questões e muitas outras. Dar-se conta deste princípio é o fundamento de importância da contribuição de cada um, do conhecimento e experiência que se tem. Todos têm com o que contribuir desde que se coloque na roda, para que possa ser compartido e enriquecido.

Valorizar esta participação tem um efeito fantástico. Gera uma

atitude ativa, instigante e co-responsável, porque não dizer revolucionária, pois toca no jeito de como cada um está no mundo, no conjunto de suas relações. É verdadeiramente favorecer o exercitar-se sujeito, como vontade e valor e por isso tem como o que criar, contribuir e inovar e não se considerar apenas um objeto, passível e vulnerável a toda e qualquer manipulação. Escutei muitas vezes, de pessoas que participaram de diferentes processos de formação, algo que confirma o que estou dizendo: “Não sabia que era capaz de fazer isso...”. É sem dúvida um despertar para a capacidade individual, é um exercício, uma prática de participação que vem sendo deslanchada na vida de muitas pessoas e isso vem tendo um resultado muito positivo na atuação social e política de cada participante. O principal valor desta descoberta é que as pessoas se assumem como protagonista de sua história, gerando assim uma mudança significativa na vida.

1.4. COMUNICAÇÃO, EXPRESSÃO E APRENDIZADO Estou convicto de que

estes espaços educativos são momentos por excelência de comunicação, expressão e aprendizado. Favorecer a expressão e, com isso, intensificar as diversas trocas de saberes constitui a base do aprendizado. Não se trata de uma relação tipo professor-aluno, onde um acha que tudo sabe e vai ensinar ao que nada sabe, mas fundamentalmente criar a possibilidade de diante de vidas e, portanto saberes diferentes, um possa contribuir e enriquecer o outro com a sua experiência.

Para que este movimento se dê da melhor maneira possível, é

necessário estarmos atentos aos diversos tipos de linguagens que ao longo da história da humanidade as pessoas foram desenvolvendo. Propiciar um espaço onde todos possam se comunicar do seu jeito e a partir dos talentos e qualidades que desenvolveram durante a sua vida. Uns através da poesia ou prosa, linguagem gráfica, outros da linguagem musical, outros da linguagem cênica, corporal e por aí vai...

Sei que não basta contribuir para que o grupo esteja envolvido

no processo e tenha espaço para comunicar-se. Faz-se necessário oferecer ao grupo um momento em que ele se dê conta, que experimente, vivencie a necessidade e a importância dos sentidos humanos na vida e consequentemente nos processos educativos. Dar um tempo para ver, cheirar, degustar, tocar, ouvir. Enfim, identificar existencialmente como se dá o conjunto das relações que estabelecemos. São momentos que chamamos de “aguçando os sentidos” ou mesmo o “império dos sentidos”. Afinal, todo o corpo se comunica, se expressa e aprende. Erro foi conceber que o aprendizado se dava somente ao nível da razão e que a palavra oral ou escrita era o

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único canal de comunicação. A vida nos ensina que não é bem assim. Há momentos em que o silêncio fala mais alto, ou que um gesto é capaz de derrubar o mais brilhante dos discursos. 1.5. O CLIMA É FUNDAMENTAL

De fato para que toda esta vivência se dê é imprescindível “ter

um clima”. Criar um clima. E isso não é só de responsabilidade de quem está acompanhando o processo, mas de todo o grupo. É verdade que quem propõe o caminho tem uma responsabilidade diferente. Mas como fazer para que este clima seja criado?

Receita não há. Que pena, não

é? Bom seria se tivéssemos uma fórmula que, quando aplicada, daria tal resultado desejado. Mas com gente não é assim. O que sei é que estabelecer uma relação aberta, chegada, próxima, com os participantes, favorece a comunicação e isso é imprescindível, pois sem uma sintonia com o grupo não se cria um clima...

Outro toque é o de favorecer para que seja um espaço do grupo,

e que os participantes sintam que tem a ver com eles. É, e deve ser, um espaço de todos.

E, por fim, a descontração, o sentir-se a vontade, desarmado e

acolhido, gera um movimento de encontros, de comunicação em que a pessoa é acolhida como ela é. Estes são alguns elementos que destaco dentre muitos outros, mas o mais importante deles todos é a qualidade da relação e comunicação que é estabelecida entre os participantes do processo.

1.6. CONHECENDO COLETIVAMENTE Passamos em nossa vida por diversos processos de

aprendizagem. Dos conhecimentos mais simples, como saber se vestir e como andar, até conhecimentos mais complexos como o estudo da matemática e outros.

Estes processos são bem diversos e se dão no dia-a-dia de cada

um. O que venho experimentando no meu trabalho como educador de grupos populares é que não é só o que é discutido e aprofundado (conteúdo) que tem um efeito pedagógico, mas também como os conhecimentos são construídos e trocados (forma). E aí, neste jeito de fazer, há muito a se construir e a aprender.

Nestes anos, venho experimentando com frequência, a alegria e

a surpresa diante da descoberta dos participantes das oficinas em reconhecer-se no conteúdo que foi sendo construído ao longo do processo. A riqueza desta proposta de construção coletiva está exatamente no fato dos participantes se reconhecerem naquilo que ele também ajudou a construir e se darem conte de que são capazes, e neste processo reconhecerem também as potencialidades e o valor da contribuição das outras pessoas.

Estou certo de que quando há possibilidade de expressar o que

se sabe a respeito de determinado assunto, isso faz com que o conhecimento produzido tenha uma maior completude, pois ele é construído a partir de muitas experiências, sendo assim uma visão mais completa da realidade.

Construir coletivamente um determinado conhecimento atesta

que o construir pode ser coletivo e que este movimento de mutirão, de ajuda mútua, pode e deve ser buscado não só na construção das idéias, mas nas realizações e atividades do dia-a-dia da comunidade. Ter vivência disto, nos leva a favorecer (contribuir) para que outras pessoas, com jeitos e pensamentos diferentes, possam participar destas

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realizações, sendo com isso um espaço profícuo do exercício da autonomia, participação e do pluralismo democrático.

Na verdade, para se construir coletivamente um determinado

conhecimento é necessário uma profunda experiência de respeito ao que o outro conhece, de compromisso com o que o grupo está fazendo e de criação que inevitavelmente leva-nos ao novo.

Fico sempre muito impressionado com as diversas sínteses feitas

pelos participantes. Esta possibilidade de se elaborar e expressar suas sínteses, forja um conhecimento aberto, em movimento, negando com isso os dogmatismos e a pretensão de se ter a última palavra sobre determinado assunto. Enquanto educador não me obrigo a amarrar, fechar, dar uma conclusão sobre o assunto que está sendo discutido. Foi-se o tempo em que todos falavam e o educador tinha por tarefa dar uma amarração nas idéias colocadas pelo grupo. Dou a minha contribuição, coloco a partir da minha experiência e entendimento, faço e socializo a minha síntese, mas isso não significa fazer a síntese, pois esta é uma tarefa de todos os participantes envolvidos no processo. 1.7. LADO A LADO, PASSO A PASSO

Vivemos tempos de mudanças, e quantas

mudanças! Como a realidade muda, deve-se mudar também o nosso jeito de agir nesta realidade. Tem sido um imperativo rever a prática educativa nos diversos espaços dos movimentos sociais. Repensar os objetivos, redefinir estratégias e rever a metodologia do trabalho desenvolvido são tarefas urgentes a serem feitas.

Tenho constatado um crescente

movimento nesta perspectiva. Trata-se de um

momento oportuno e muito rico, pois o que fora certeza, hoje constitui-se busca. Para tal tarefa é necessário uma atitude de abertura e desprendimento para se responder às perguntas do momento.

Recebemos muitas solicitações para contribuir neste esforço de

renovação das práticas educativas dos grupos. Em acompanhamentos sistemáticos que realizamos, temos aprendido que esta renovação não se dá num passe de mágica, é fruto de uma caminhada, com altos e baixos e que requer empenho e dedicação das pessoas para se capacitarem e, assim, redimensionarem suas práticas.

O primeiro passo para este empreendimento é fazer uma

avaliação profunda do conjunto do trabalho, identificando os avanços realizados, os impasses e os desafios colocados. Esta avaliação permite ao grupo recolher os aprendizados do processo e apontar pistas para o que deve ser feito e mudado.

Em seguida, é necessário atualizar os objetivos. O que queremos

hoje, de agora para frente neste momento em que vivemos. É hora de identificar as motivações de cada um, de deixar brotar os sonhos e desejos, de projetar para o futuro o que queremos alcançar. Este passo é fundamental. Este esforço tem de ser realizado por todos que irão realizar as atividades, não só pela coordenação ou a liderança, o que leva a um envolvimento e uma atitude co-responsável com o projeto a ser realizado.

Como vamos fazer para chegarmos lá? Sem a efetiva

participação dos envolvidos na proposta não se vai longe. Participação não somente no fazer, mas no decidir o que, como, quando, onde etc. Para isso precisamos de fato ter clareza de que este é um projeto de todos. É lógico que há tarefas e atribuições diferenciadas, contudo sem este envolvimento pessoal, fica difícil. Aqui precisamos crescer, treinar, pois somos herdeiros de uma cultura autoritária e centralizadora. Envolver-se e participar são condições imprescindíveis.

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Nesta definição do como fazer, identificar os princípios que norteiam a prática de cada um é muito importante. Do que “não abro mão” na minha ação. Na verdade este é o raio X do nosso fazer pedagógico, visto que no conjunto de nossas ações, a nossa metodologia vem norteada por estes princípios.

O próximo passo é

planejarmos as nossas ações. O que, com que objetivo, quem é o(a) responsável, quem são os participantes, em que prazo, local e quais os recursos necessários para se realizar a tal ação? É o momento de fazermos juntos a partitura da sinfonia que vamos executar.

Diante disto, nos

perguntamos como vamos nos organizar. Quais os momentos de avaliação e quais os apoios necessários para atingirmos os nossos objetivos. Não se avalia só no fim. Ao longo do caminho são necessárias algumas paradas para adequarmos nossas ações e até alterar algumas ações em função da realidade que muda sempre. Acompanhar passo a passo, sempre em diálogo com os objetivos e com o que foi planejado, garante um norte e um apoio. Claro que não se trata de rigidez e inflexibilidade, o diálogo e a abertura são ingredientes imprescindíveis para qualquer ação conjunta.

Por fim, é preciso identificar quais são as nossas condições para

realizar este empreendimento, o que já temos e o que precisamos conseguir para atingir o nosso objetivo, medir nossas forças, e dimensionar os recursos materiais e os recursos humanos. Este momento faz com que coloquemos os pés no chão para dimensionarmos adequadamente o que podemos fazer. Dar o passo de acordo com as pernas.

Dar estes passos já é, em si, uma capacitação para o trabalho. Todavia, este esforço de formação e capacitação deve ser colocado na pauta de todo e qualquer grupo, visando sempre uma melhoria na qualidade de nossa intervenção. Refletir sobre o que se faz e conhecer outras experiências, seja através de leituras ou “In loco”, gera uma sistemática de formação permanente num ritmo e movimento crescente. Este não deve ser somente um esforço pessoal, o grupo deve prever momentos coletivos de formação para se avançar na compreensão e entendimento do que se quer e faz.

1.8. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os processos educativos são espaços, por excelência, de

relações interativas. As trocas e mudanças se dão sempre em diversos níveis do saber e com as pessoas entre si, sejam elas educadoras ou educandas. O sentir-se aprendiz, não é somente atitude de alguns momentos em nossas vidas, mas deve ser uma conquista constante no desenrolar do nosso cotidiano.

Para que este empreendimento não seja em vão, há sim um

imperativo: o de colocar a pessoa, com toda a sua beleza e o seu limite, com todas as suas possibilidades e silêncios; no centro do processo, de onde vêm e para onde se destinam, todos os nossos esforços na busca de um mundo grávido de vida e liberto do fechamento.

Muito ainda se tem a dizer, se trocar e aprender. Espero que

estes toques possam ter contribuído na reflexão sobre o que você vem fazendo nas suas práticas educativas. É na costura desta grande colcha de retalhos que vamos dando sentido a nossa vida e embelezando-a. “Cantar e cantar e cantar a beleza de ser um eterno aprendiz”.

(Gonzaguinha). *Alexandre Botelho é Coordenador do Programa de Promoção da Criança e do Adolescente (PPCA), da Diaconia.

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2. IDEOLOGIA

O assunto ideologia é tão amplo e tão complexo que o melhor é começar tentando dizer o que é ideologia, dando uns exemplos. Cada um vai, aos poucos, tentando compreender, ver, na prática, como a ideologia acontece.

A ideologia não significa mais o que por sua etimologia deveria significar, isto é, estudo das idéias. Passou a significar coisa bem diferente e ater uma figura negativa e pejorativa. Acontece que alguns ainda usam a palavra "ideologia" para significar o conjunto de idéias, valores e maneira de pensar de pessoas e grupos, isto é, no seu sentido positivo.

Então é preciso distinguir bem, Ideologia pode significar:

1) O estudo das idéias (sentido etimológico). 2) Conjunto de idéias, valores, maneira de sentir e pensar de

pessoas e grupos (sentido positivo). 3) Idéias erradas, incompletas, distorcidas, falsas sobre fatos e a

realidade (sentido crítico, ou negativo). Daqui para frente nós só vamos usar a palavra ideologia no

último sentido, isto é, como uma maneira errada de ver as coisas. Vamos então discutir algumas coisas sobre como e por que as

pessoas podem ter idéias erradas sobre as coisas. Será que é culpa delas? Quem pode dizer que não tem ideologia?

Para entender isso, é preciso ver como nós ficamos sabendo das

coisas e quem é que nos diz as coisas. É preciso ver se aqueles que nos dizem as coisas não nos dizem apenas metade das coisas, ou só um jeito de ver as coisas.

Você já pensou por que você acha que é o que é? Por que se

define como, sendo estudante, brincalhão, rapaz, bom jogador de futebol? Quem ensinou para você as palavras, quem deu as definições das palavras "estudante", "brincalhão" etc.? Ai você começa a ver que nós somos, em grande parte, o que os outros nos dizem, ou acham que somos. E na medida em que nós vamos incorporando e aceitando o que os outros pensam e acham a nosso respeito, nós vamos formando nossa identidade.

É claro que não é só isso que forma nossa identidade. Nós

podemos também refletir, tomar consciência do processo de como a gente é o que é, e tentar mudar. Mas em grande parte nós ficamos condicionados a influência dos outros, inclusive pelo fato de termos de aceitar a própria linguagem e as definições das coisas que os outros nos deram.

Agora começa, contudo, a parte mais importante, que nos ajuda

a entender o que é ideologia. Você acha que todas as definições, todas

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as explicações das coisas são dadas sempre com sinceridade, procu-rando sempre dizer a verdade e toda a verdade? Será que por trás das definições das coisas (inclusive do próprio conceito que os outros fazem de nós), atrás das explicações que as pessoas dão para as coisas, não há algum interesse em esconder algo, em acentuar alguns aspectos e diminuir outros?

Pois é isso que precisamos

descobrir. E quando nos chegarmos a constatar que as coisas não são exatamente como nelas estão contando, então nós estamos diante de ideologias. Quem é inteligente e vivo ficará sempre de olho para descobrir como as pessoas, se não chegam a mentir de fato, ao menos dizem apenas parte da verdade. Vamos dar uns exemplos, que assim a gente vai entendendo melhor.

Conversando com uma empregada doméstica, ela me disse:

"Rico é aquela pessoa que soube poupar". Você acha que isso é verdade? Todas as pessoas que poupam são ricas? E todos os ricos são pessoas que pouparam?

Você pode facilmente descobrir que não. Rico é aquele que

ganha muito dinheiro. Se você recebe o salário mínimo, pode poupar quanto quiser, que não acaba rico nunca. Examinando melhor, a gente vai ver que os grandes ricos, mesmo, são aqueles que são donos de fábricas e terras, que se enriquecem em grande parte com o trabalho dos outros. Nós sabemos (O Papa Leão XIII diz isso claramente) que a única fonte das riquezas é o trabalho humano. Trabalhando, a pessoa pode, então, enriquecer. Mas nunca chegar a ser muito rico. Para alguém ser muito rico, precisa fazer com que outros trabalhem para ele, precisa pagar parte do trabalho dos outros.

Mas por que, então, se insiste tanto em que se deve poupar, a tal ponto que algumas pessoas acabam acreditando que é poupando que a gente fica rico? Isso é por dois motivos: primeiro, para dar uma explicação para as pessoas que tem pouco, que são pobres; para dizer a elas que são pobres porque não pouparam; os outros são ricos porque pouparam. Aí elas ficam bem quietas e ficam sabendo que a culpa é delas mesmas. Segundo, para que elas, apesar do pouco que tenham, ainda façam uma poupança, pois pela sua poupança muitos outros vão enriquecer, principalmente os donos dos bancos, cadernetas de poupança etc. Com essa poupança o governo vai poder construir grandes obras, emprestar dinheiro a grandes indústrias, enfim, a poupança do pequeno vai ajudar o grande a ganhar mais dinheiro.

Uma outra frase

parecida com essa é a que se ouve seguidamente entre os trabalhadores: "Quem trabalha mais e melhor ganha mais". Você pode ver claramente que essa é só meia verdade. Ele ganha realmente um pouco mais. Ao mesmo tempo se culpa por ganhar pouco. Acha que ganha pouco porque trabalha pouco ou trabalha mal. Ele não percebe que atrás disso há também a lei do salário mínimo, que não depende dele. Mesmo que trabalhasse 24 horas por dia, ainda sairia ganhando pouco.

Uma outra afirmação muito comum, que se encontra escrita em

colégios, é a seguinte: "Quem estuda, triunfa". Foi feita uma pesquisa entre os jovens e lhes foi perguntado: "É verdade que quem estuda,

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triunfa?". O resultado foi que 90% responderam sim. Agora, essa afirmação se encontra redondamente desmentida pelos fatos e pela realidade. Em pesquisas, se constatou que a possibilidade de um filho de operário entrar na universidade é de apenas 5%, ao passo que a de filhos de classes mais ricas e profissões liberais é de 80% a que está escondido na afirmação acima é de que quem pode estudar, entrar na universidade, pagar os estudos, já triunfou!

Se você abrir um jornal,

qualquer jornal vai ver imediatamente muitas meias-verdades, em cada página. Os jornais publicam só o que querem e onde querem.

A gente não pode dizer

que eles mentiram. Talvez tudo o que está no jornal tenha acontecido. O problema é que o jornal, conforme sua ideologia, seleciona o que quer, combina com o que quer e publica o que quer. E nós saímos acreditando que o jornal diz toda a verdade ... Antes de ler o jornal, a gente precisa saber que ideologia tem esse jornal...

Você está vendo como o problema da ideologia é complicado e

como ele é importante? Apenas uma coisinha para terminar: Você já se perguntou se você mesmo não é o que você pensa

que é, porque os outros lhe botaram isso na cabeça? Será que você já se deu conta de quem fez sua cabecinha, quem deu a definição de você para você? Há muita gente que nem sabe quem são seus pais “ideológicos”, que é ideologicamente bastardo. Só com muita reflexão e consciência crítica você será realmente você, você será livre, você saberá por que é assim, e essa verdade o libertará.

Gostaria de terminar com um ponto bastante importante. Você já conversou com alguma pessoa pobre, algum favelado?

Se você tentar descobrir o que ele pensa dele mesmo, vai ver

que a imagem que ele tem de si mesmo é bastante negativa. Ele acha que não presta, que é ignorante, que é mau, que vale menos que o pessoal "de bem", isto é, os que sabem ler e escrever, são ricos, vivem no centro da cidade. Eles, os favelados, são "da vila".

Agora, será que isso é verdade mesmo? Os "da vila", "da favela",

são piores, tem menos dignidade que os outros? Ou será que os "do centro", que tem os jornais, as rádios, as TVs, isto é, que tem "a voz e a vez" não estarão dando a definição negativa e pejorativa para os da periferia? Será que a própria escola, os meios de comunicação social, e até mesmo certas religiões e certos pregadores não estão a serviço dos que tem o poder e, para eles se garantirem no poder, não estão tentando dizer para os outros que os das vilas, das periferias não prestam, são menos? Veja você como isso é importante: se você consegue convencer alguém de que ele não presta, vale menos, é ignorante etc., você pode dominar totalmente essa pessoa, pois ela já está dominada "na alma", "na consciência". Ela mesma já não vai querer subir, exigir mais, ter os mesmos direitos que os outros, pois ela já está convencida de que vale menos! Essa pessoa assim definida e convencida nunca mais vai dar trabalho para as outras pessoas! Ela interiorizou a imagem negativa que fazem dela os que tem poder e acabou acreditando na história de que ela, afinal, vale menos mesmo!

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Através da linguagem e da comunicação, que também são produções históricas, são transmitidos significados, representações e valores existentes em determinados grupos: é a ideologia do grupo. A reprodução ideológica se manifesta através de representações que a pessoa elabora sobre si mesma, sobre os homens, a sociedade, a realidade, enfim, sobre tudo aquilo a que implícita ou explicitamente são atribuídos valores: certo-errado, bom-mau, verdadeiro-falso.

A ideologia está presente na superestrutura, que são as

instituições políticas, jurídicas, morais. Já no plano psicológico individual, as ideologias se reproduzem em função da história da vida e da inserção específica de cada pessoa.

Essas colocações podem espantar alguém e levá-lo a pensar que

não há remédio, que estamos condenados a sermos presas das ideolo-gias. Mas não é assim.

No plano pessoal,

o indivíduo pode se tornar consciente ao detectar as contradições entre as representações que existem na sociedade ou no plano superestrutural, e as atividades especifica que ele desempenha na produção de sua vida material.

Ha uma dominação ideológica que se dá em plano sociológico e

ela é detectada pela análise das relações existentes entre classes soci-ais. A dominação ideológica que se dá no plano individual e detectada na análise das instituições que prescrevem os papéis sociais, as funções de cada pessoa, e acabam determinando as relações sociais de cada indivíduo.

O processo de conscientização se desencadeia tanto em nível de consciência pessoal como em nível de consciência de classe. A consci-ência de classe é um processo grupal e se manifesta quando indivíduos conscientes de si se percebem sujeitos das mesmas determinações históricas que os tornaram membros de um mesmo grupo. Inseridos nas relações de produção que caracterizam a sociedade num dado momento. Isso pode levar a um processo de conscientização de si e conscientização social. De outro lado, o indivíduo consciente de si necessariamente tem também consciência de pertencer a uma classe. Mas enquanto indivíduo, esta consciência se processa, transformando tanto suas ações como a ele mesmo.

Os dois níveis deverão estar interligados. Poderá existir um indi-

víduo consciente num grupo alienado, mas essa posição é dolorosa e não é sustentável por muito tempo. Cedo ou tarde, ele precisará se decidir.

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ativas, trabalho em português, e no plural, quer dizer preocupações, desgostos e aflições. É o conteúdo que predomina em labor, mas ainda está presente em trabalho.

Isto se compreende melhor ao descobrir que em nossa língua a

palavra trabalho se origina do latim tripalium, embora outras hipóteses a associem a trabaculum. Tripalium era um instrumento feito de três paus aguçados, algumas vezes ainda munidos de pontas de ferro, no qual os agricultores bateriam o trigo, as espigas de milho, o linho, para rasgá-los e esfiapá-los. A maioria dos dicionários, contudo, registra tripalium apenas como instrumento de tortura, o que teria sido originalmente, ou se tornado depois. A tripalium se liga o verbo do latim vulgar tripaliare, que significa justamente torturar.

Ainda que originalmente

o tripalium fosse usado no trabalho do agricultor, no trato do cereal, é do uso deste instrumento como meio de tortura que a palavra trabalho significou por muito tempo - e ainda conota - algo como padecimento e cativeiro. Deste conteúdo semântico de sofrer passou-se ao de esforçar-se,

laborar e obrar. O primeiro sentido teria perdurado até inícios do século XV; esta evolução de sentido se teria dado ao mesmo tempo em outras línguas latinas, como trabajo em espanhol, traballo em catalão, travail em francês e travaglio em italiano.

No dicionário filosófico você poderá encontrar que o homem

trabalha quando põe em atividade suas forças espirituais ou corporais, tendo em mira um fim sério que deve ser realizado ou alcançado. Assim, mesmo que não se produza nada imediatamente visível com o esforço do estudo, o trabalho de ordem intelectual corresponde aquela definição

tanto quanto trabalho corporal, embora seja este que leve a um resultado exteriormente perceptível, um produto concreto ou uma mudança de estado ou situação.

Todo trabalho supõe tendência para um fim e esforço. Para

alguns trabalhos, este esforço será preponderantemente físico; para outros, preponderantemente intelectual. Contudo, parece míope e interesseira esta classificação que divide trabalho intelectual e trabalho corporal. A maioria dos esforços intelectuais se faz acompanhar de esforço corporal; use minhas mãos e os músculos do braço enquanto datilografo estas páginas, que vou pensando. E o pedreiro usa sua inteligência ao empilhar com equilíbrio os tijolos sobre o cimento ainda não solidificado.

O trabalho do homem aparece cada vez mais nítido quanto mais

clara for a intenção e a direção do seu esforço. Trabalho neste sentido possui o significado ativo de um esforço afirmado e desejado, para a realização de objetivos; onde até mesmo o objetivo realizado, a obra, passa a ser chamado trabalho. Trabalho é o esforço e também o seu resultado: a construção enquanto processo e ação, e o edifício pronto.

Para muitos, o que distingue o trabalho humano do dos outros

animais e que neste ha consciência e intencionalidade, enquanto os animais trabalham por instinto, programados, sem consciência. Ainda ha pouco se dizia que a utilização de instrumentos era característica exclusiva do trabalho do homem; hoje, sabemos que, embora de modo muito rudimentar, também outros antropóides se podem valer, por exemplo, de um galho de arvore para fazer cair um fruto. Temos aí intenção e instrumento. Sem dúvida, a utilização de instrumento e a divisão social do trabalho chegam no homem a graus de complexidade e sofisticação muito superiores aos encontrados entre outros animais.

Algo que definitivamente

distingue o trabalho humano do esforço dos animais, embora para todos a primeira motivação possa

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ser a sobrevivência, e que no trabalho do homem ha liberdade: posso parar de fazer o que estou fazendo, embora seja um servo, embora não me seja reconhecido o direito de greve, e embora ou venha a sofrer por causa deste meu gesto. Posso também fazer meu trabalho de muitas maneiras diferentes, se a maquina não o programar assim como o instinto faz com os outros animais.

Natureza e invenção se entrelaçam no trabalho humano, em

níveis diversos, da ação mais mecânica e natural a mais controlada e consciente. Natureza e cultura se encontram no labor do parto, no cultivo do campo, na modelagem da argila, na invenção da eletricidade; como na produção de vitaminas em comprimidos, na montagem de cérebros eletrônicos e no envio de astronaves a Lua.

Max Scheler, filósofo

alemão do início do século que se preocupou com este assunto, distinguia três sentidos da palavra trabalho: o de uma atividade humana, às vezes também animal ou mecânica ("esta maquina trabalha bem"; "este burro faz um bom trabalho"); o de produto coisificado de uma atividade ("este quadro é um belo trabalho"; "este livro é um trabalho bem acabado"); e o de uma tarefa ou fim apenas imaginado ("resta-nos muito trabalho para fazer uma democracia no Brasil").

Mas a nossa linguagem diária não faz muitas distinções. Nem

sempre diferenciamos o trabalho como atividade especificamente humana dos processos condicionados fisiologicamente e de fluxos mecânicos de movimento. Na linguagem científica, sim, aparecem as diferenças. Conforme as diferentes disciplinas das ciências naturais e sociais onde a palavra e utilizada, trabalho às vezes se distancia

daqueles significados fundamentais do termo, que nos parecem transparentes em nossa linguagem comum.

Em física, por exemplo, trabalho e o nome do produto entre

força e deslocamento que um corpo em movimento realiza no tempo. Já fisiologia diz que um músculo realiza trabalho, embora não se possa supor aí nenhum objetivo consciente do músculo mesmo. Em sociologia, quando se fala em trabalho, quase sempre se está no contexto da divisão do trabalho social, esquecendo-se o esforço feito no isolamento, com gratuidade, ou sem produto imediatamente aparente, como no caso do trabalho da mulher domestica, dentro de sua casa.

De todos os modos, os estudiosos supõem que a história da

palavra trabalho se refere à passagem pré-histórica da cultura da caça e da pesca para a cultura agrária baseada na criação de animais e no plantio. Em alemão, por exemplo, a palavra Arbeit deriva do latim arvum, que quer dizer terreno arável. Já a significação que hoje é dada ao trabalho se refere à passagem moderna da cultura agrária para a industrial. Entre um e outro desses momentos surgiram às distinções clássicas descritas com palavras diversas, como ocupar-se, produzir, fazer, agir, praticar. Talvez possamos formar uma idéia mais clara do que é trabalho se antes passarmos pela história da experiência que lhe corresponde.

7.2. O QUE O TRABALHO TEM SIDO Acompanhe-me em uma

viagem em alta velocidade ao longo das diversas épocas da história das civilizações; ou faça comigo um vôo em grande altura pelas diversas formas de produção ainda hoje existentes. Aterrisso no meio da selva amazônica, no centro de uma taba de índios ainda

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sem contato com a maneira de vida e cultura dos brancos ocidentais. Que encontrarei? Um grupo de pessoas ligadas por laços de sangue e sentimentos, motivadas por lendas, mitos, crenças e conhecimentos comuns, e que provêm à sua subsistência por um esforço coletivo que obedece a determinada ordem. De que modo sobrevivem? Colhem os frutos das árvores; pescam os peixes dos rios; caçam animais da floresta. Pescam e caçam o que der e vier, segundo sua tradição. Observam os rituais dos antepassados e fazem a festa onde consomem a caça e a pesca conseguidas. O que sobrar será jogado de volta no rio ou será consumido pelo fogo, que deixa de quando em quando uma clareira aberta no meio da mata.

O trabalho neste primeiro

estágio da economia isolada e extrativa e um esforço apenas complementar ao trabalho da natureza: O homem colhe o fruto produzido pela árvore da mata virgem; extrai do rio o peixe que sobreviveu ao assalto das piranhas; mata para comer o animal que se reproduziu e cresceu dentro do seu

grupo sem nenhum auxílio alem de seus instintos. Não só o trabalho em si mesmo apresenta esta forma primitiva de complementaridade quase secundária ante a ação da natureza. Também a economia que o cerca aparenta uma simplicidade da qual nos esquecemos em nossas redes de produção modernas. Pois na tribo não há excedente - nem, portanto, o problema da acumulação de riquezas nas mãos de alguns. .

Ao que tudo indica, no entanto, nas comunidades isoladas o

trabalho serve apenas indiretamente a subsistência. É regido por um sistema de deveres religiosos e familiares. Assim, é precária e relativa a afirmação da simplicidade do trabalho tribal. .

Como estágio consecutivo ao das economias isoladas, temos o

tempo em que os homens inventaram ou descobriram a agricultura. A

primeira forma de agricultura pode ter sido descoberta ao acaso. Quando um incêndio de floresta destrói a vegetação e expulsa a caca, as pessoas talvez tenham observado que as sementes cresciam nas cinzas. Assim tornou-se sistema regular limpar uma certa área de florestas através da queimada.

Ha também a suposição de que tenham sido as mulheres quem

tenha forçado o desenvolvimento inicial da agricultura, colaborando para a superação do nomadismo dos povos caçadores. Suponha que em determinado momento, esgotadas a caça e a pesca do lugar, desejando a tribo seguir adiante em busca de melhores recursos naturais para sobreviver, algumas mulheres, grávidas ou com bebe ao colo, tenham-se deixado ficar, negando-se a partir. Assim teriam sentido a necessidade de fazer uso do segredo da natureza que se mostrava nos brotos surgidos das cinzas na clareira depois da queima. Por isso seria comum encontrar-se em povos primitivos uma tal divisão do trabalho: as mulheres plantando, os homens caçando, embora pesquisas antropológicas mostrem que tal divisão não ocorre em todas as culturas.

Desenvolvendo a agricultura,

a engenhosidade humana já perturba ao equilíbrio da natureza. Descobrindo no plantio uma nova fonte de alimento para si e seus filhos, os homens se multiplicam. A expansão numérica leva a conquistar novas áreas de floresta para o cultivo. Como é necessário muito tempo para restaurar a plena capacidade de cultivo de uma faixa de floresta, a selva vai sendo destruída e transformada em mato rasteiro ou terra de pastagens.

Junto com o trabalho do plantio devem ter surgido ao mesmo

tempo a noção de propriedade e o produto excedente, ou seja, o produto não imediatamente consumido. Criam-se as condições para a existência de uma classe social ociosa. Se eu trabalho esta terra com as

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minhas mãos, minha aplicação e a força de meus músculos, tenho a sensação de que me pertence o grão dela colhido, resultado daquele meu empenho e dispêndio de força. Reivindicarei a posse ou o direito de domínio e determinação sobre o produto deste pedaço de terra que cultivei. Do que planto, com e alimento meus filhos. E se me sobra alguma coisa, levo-a para trocar com o vizinho: minha sobra de milho por sua sobra de trigo ou leite de cabra. Mas se o vizinho domina um território mais vasto, e as suas sobras superam as de toda a vizinhança, as nossas trocas se tornam desiguais e geram um novo excedente, de onde nossas relações se instalam na desigualdade.

A noção de propriedade se presta a polêmica e a distinções de

natureza ética. De qualquer modo pode-se compreendê-la se a pensamos ligada ao trabalho, surgindo da experiência do esforço no cultivo da terra. Porém, passou-se muito tempo depois do inicio da prática do plantio e já se perdeu na memória dos povos o momento da origem do sentimento de posse. A propriedade, tal como se encontra em estágios posteriores da evolução econômica, justamente se destaca, se separa do trabalho, a ponto de estabelecer-se a desapropriação total de quem trabalha pelo suposto direito de propriedade do ocioso.

Um fato relacionado com esta evolução da propriedade e de sua

separação do trabalho foi a prática da guerra. O povo conquistado na guerra frequentemente permaneceu para trabalhar e entregar seus excedentes aos novos senhores. Ou pela guerra foram capturados escravos que vieram constituir a base da força de trabalho, ficando submetidos sob a categoria mais baixa da hierarquia social do povo conquistador.

Estudando o desenvolvimento econômico da Antiguidade e Idade

Média européia, e possível fazer observações que parecem adequadas ainda a períodos bem mais recentes da história da America Latina.

Conforme tempo e lugar, o país e a época, as terras podem ser

trabalhadas por escravos, servos ou camponeses; e o excedente pode ser recebido por fidalgos independentes ou por funcionários de uma

monarquia ou de uma potência imperialista. Mas as linhas principais das relações econômicas eram semelhantes: o excedente era consumido em parte para manter um aparato militar e em parte para sustentar o padrão de vida da classe ociosa. Do trabalho sobre a terra se origina a riqueza que vai incentivar o desenvolvimento do trabalho artesanal; ao mesmo tempo, se intensifica o comércio, uma vez que há excedentes tanto na agricultura como na criação de animais. E da primitiva troca em espécies passa-se ao comércio mediado pela moeda. .

Na Antiguidade já se tem notícia de povos marcadamente

dedicados ao comercio, como os fenícios. Por toda a Idade Media, que do ponto de vista político pode-se dizer que apresenta retrocessos históricos, a economia avança. O comércio e as manufaturas proporcionam uma fonte de riqueza que não depende mais diretamente da propriedade da terra, embora dependa indiretamente do gasto do excedente agrícola.

E assim que em centros disseminados pelo mundo não só na

Europa, mas da China ao Peru - desenvolveu-se uma burguesia: uma comunidade ·de habitantes de cidades que auferia uma renda das atividades comerciais e desfrutava de um grau de independência maior ou menor dos poderes feudais ou dos senhores de terra e da corte dos reis.

Os mais bem-sucedidos entre

tais comerciantes empregavam trabalhadores - artesãos, carregadores, marinheiros, artistas, criados domésticos, e aos poucos se estabelece uma hierarquia baseada no dinheiro e um mercado onde os produtos agrícolas podem ser vendidos por dinheiro. Tais burgos, cujo surgimento na história medieval européia bem como na modernidade latino-americana é fácil de reconhecer e acompanhar, são o nascedouro desta classe - a burguesia,

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que ainda no mundo de hoje é a classe dominadora em nossas sociedades capitalistas, sendo quem determina em grande parte as formas pelas quais se realiza hoje o trabalho.

Nos mesmos centros urbanos em que crescera a burguesia - da

classe dos mercadores ou artesãos enriquecidos, ás vezes antigos servos da gleba do senhor feudal - e enquanto se acumulam riquezas e a circulação se intensifica, criam-se novas condições para o cultivo das artes como das ciências.

Entre as características da era moderna que a distinguem do

passado está a aplicação da ciência à produção. Embora mantendo certa autonomia em relação às condições materiais, artes e ciências acompanham de perto o desenvolvimento econômico. A performance histórica da classe burguesa em seu momento criativo teria sido, pois, a idéia de aplicar a produção os conhecimentos sobre a natureza e os fenômenos físicos. Aplicar a ciência ao aumento da produção material, assim como hoje cada vez mais, nas sociedades contemporâneas, se aplicam conhecimentos das ciências humanas e principalmente da psicologia ao controle social.

Os lucros desta iniciativa a

burguesia ainda vem recolhendo hoje, quando classe envelhecida, às custas de muito sacrifício da qualidade do trabalho e da qualidade de vida dos trabalhadores.

O desenvolvimento do saber e sua

aplicação tecnológica, e a busca de novas tecnologias levando a novo conhecimento, é um processo fecundo que só em parte e desinteressado e lúdico, pois também é movido por objetivos materiais evidentes. Os alquimistas buscaram a fórmula do ouro e o elixir da imortalidade, não só a pedra filosofal. Os pedreiros medievais desenvolviam alto saber de estática e dinâmica dos materiais com o fim de construírem as igrejas góticas, mas não só para louvor de Deus como também para a sua afirmação como grupo.

Depois de alguns séculos em que a colonização dos novos mundos descobertos carreara para a Europa riquezas consideráveis, e com a aplicação da ciência á produção, a expansão capitalista gerou o que se chamou de Revolução Industrial. Desde o inicio da era moderna podem-se reconhecer três estágios de desenvolvimento da tecnologia: O primeiro, da invenção da maquina a vapor, é a revolução tecnológica do século XVIII. O segundo estágio do desenvolvimento da tecnologia moderna, no século XIX, se caracteriza pelo uso da eletricidade, que ainda continua a determinar a fase atual do reino do artifício humano. A automação representa o estágio mais recente da evolução tecnológica: a invenção do computador, a revolução industrial do século XX, ou a terceira onda da Revolução Industrial.

Paradoxal é que no mesmo século em que construímos esse

instrumento fantástico que é o cérebro eletrônico, as imensas possibilidades de um magnífico progresso de conhecimento, fruto de muito trabalho humano, se vão frustrar em uma tecnologia destrutiva da natureza e distanciada da felicidade dos homens. É o que Ernst Bloch - filósofo marxista judeu-alemão falecido em 1977, conhecido por sua nova interpretação das utopias e da esperança dos homens - chama de moratória da técnica no capitalismo: quando a técnica, da qual a humanidade esperava a abundância e a felicidade, portanto, a paz, se aplica especialmente à indústria da guerra.

Os primeiros instrumentos da tecnologia nuclear têm a

possibilidade de destruir toda a vida orgânica da Terra. Mas há quem sonhe também que no futuro, se até o momento a tecnologia consistiu em canalizar forças naturais para o mundo do artifício humano, ela se torne capaz de canalizar forças universais do cosmo para a natureza da Terra. A pr6pria condição humana estaria assim se transformando pelos processos desencadeados pelo trabalho.

A tecnologia se expande; se nem sempre para melhor, acumula

experiência e possibilidades. Por outro lado, é velho o sonho dos homens com uma terra abençoada onde não seja mais precise trabalhar. O advento da automação coloca a possibilidade de uma

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humanidade liberta do fardo do trabalho, e talvez dentro de algumas décadas as fábricas pudessem estar vazias. A ociosidade, que tem sido tomada por privilégio de uma minoria, em futuro próximo poderia estender-se às grandes massas. Esta possibilidade não só coloca uma novidade muito estranha para a meditação e a ocupação de políticos e economistas, que teriam de providenciar o modo de sustento de multidões semi ou inativas, como também traz uma profunda questão de ordem existencial para os homens modernos em geral. Pois a realização do sonho da humanidade com o direito a preguiça chegaria quando a era moderna acabou de fazer a glorificação teórica do trabalho. O individuo moderno encontra dificuldade em dar sentido á sua vida se não for pelo trabalho. Segundo Hannah Arendt - pensadora alemã que trabalhou e escreveu nos EUA, e cujo pensamento criativo marca hoje fortemente a filosofia política - cada vez mais temos uma alma operária. A sociedade que esta por libertar-se dos grilhões do trabalho é uma sociedade de trabalhadores, que desconhece outras atividades em benefício das quais valeria a pena conquistar aquela liberdade. A possibilidade de uma sociedade de trabalhadores sem trabalho não aparece como uma libertação do mundo da necessidade, mas como uma ameaça inquietante. As massas contemporâneas seriam destituídas da única atividade que lhes resta. Talvez o Brasil possa aí dar lições ao mundo: carnaval, futebol, roda de samba; chimarrão, praia, rede e pescaria ...

7.3. O QUE O TRABALHO ESTÁ SENDO O trabalho hoje é um esforço planejado e

coletivo, no contexto do mundo industrial, na era da automação.

Se nos países do Terceiro Mundo sobram

regiões onde estes fatos parecem ainda realidades distantes, isto se deve antes à dificuldade que as pessoas tem para ver os fenômenos por seus sinais precursores, ou entender as possibilidades que se

escondem por vezes sob a máscara de aparências não transparentes. O capitalismo monopolista da segunda metade do século vinte

invadiu as regiões aparentemente marginais do Terceiro Mundo. O colonialismo cedeu lugar a um imperialismo econômico indisfarçável. Vivemos a época das organizações multinacionais. Cada vez mais grandes massas de contemporâneos passam a depender de organizações e grandes empresas para o seu trabalho. Cada vez mais deixamos o trabalho autônomo por um emprego na organização, ou mesmo pelo desemprego ante a organização.

Ao processo moderno de industrialização das economias

nacionais - realidade internacional - correspondem alguns fenômenos que lhe estão associados, seja como causa ou conseqüência, ou apenas como correspondente e fato simultâneo.

O crescimento

demográfico e a urbanização são dois acontecimentos registrados pelas estadísticas e confirmados pela observação e vivência mais imediata. Do século XIX para cá, as populações se multiplicaram de forma assombrosa, ao mesmo tempo em que se transferiam em massa do campo para as cidades.

Na Europa do ano 1800,

eram raras as cidades de mais de 20 mil habitantes. Capitais como Paris contavam então apenas com centenas de milhares de habitantes. As metrópoles milionárias com as quais nos acostumamos são um fenômeno inteiramente novo. E o Terceiro Mundo e campeão na multiplicação dos convivas á mesa citadina. Uma São Paulo de quinze

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milhões de habitantes em pouco tempo pode bater um recorde, tornando- se um dos formigueiros humanos mais densos, isto num país como o Brasil, onde grandes extensões de terra são completamente inabitadas.

A corrida para as cidades se explica em parte pela natureza do

trabalho industrial. Produzir em serie e com o auxílio de máquinas significa produzir em centros onde estas máquinas sejam concentradas. O artesanato não exige a aglutinação dos trabalhadores do mesmo modo que o sistema industrial de produção. O homem do campo se dirige a cidade em busca de emprego nesta produção moderna, que lhe acena com promessas de um serviço menos arriscado e dependente da natureza do que o labor no campo, e com possibilidades de usufruir do bem-estar que as cidades se vangloriam de possuir, embora não o ofereçam a todos.

O crescimento notável das cidades em nosso tempo não se deve apenas ao aumento numérico da população em geral. O crescimento demográfico acontece, sim, a partir das novas conquistas da área da saúde, que trazem o controle de certas epidemias e possibilitam a redução da mortalidade infantil, das gestantes, das mães, etc. Ainda assim, em regiões pobres como em alguns estados do Nordeste brasileiro, ainda se ostentam números tristes como o de 200 em cada mil crianças que morrem antes de atingir os cinco anos de idade.

Mas o crescimento

das cidades também se deve às migrações, a necessidade de emigrar do campo por falta de uma boa distribuição de terra, ou a migração movida pela esperança que representa a integração no mercado de trabalho moderno e no modo de vida urbano.

A automação da lavoura, sem chances de sobre vivência da pequena propriedade rural muito subdividida, continua alimentando o êxodo rural, irmão gêmeo contemporâneo da chamada explosão demográfica. Ambos vão de mãos dadas com o desenvolvimento da indústria capitalista o termo explosão demográfica precisa ser revisto, pelo menos usado com cuidado. O que realmente ocorre e o aumento demográfico, uma elevação do crescimento populacional, em determinado momento do desenvolvimento urbano e industrial moderno. Esta curva ascensional da proporção entre nascimentos e mortes, contudo, nos parses mais industrializados já apresenta a tendência oposta. Como o desenvolvimento pleno das condições urbanas de vida nas sociedades industriais, o número de nascimentos por família tende a diminuir, e supera-se o excesso demográfico sem necessidade de drástico controle da natalidade pelo poder publico. Em países como Alemanha e Franca, por exemplo, já desde os anos quarenta pensam-se políticas de estímulo a natalidade. Na Alemanha de hoje a cada ano nascem menos habitantes do que morrem.

Na America Latina, a concentração de grandes massas humanas

em redor das cidades veio a dar-se antes mesmo da criação de suficientes lugares de trabalho na indústria. Também por isso o problema do trabalho e da sobrevivência aqui se apresenta com características muito mais complexas e dramáticas do que nos países centrais do mundo ocidental.

Por muito tempo nossas terras foram reservadas para alimentar

com matérias-primas, fornecendo as riquezas do nosso solo, o desenvolvimento das manufaturas e indústrias nos países da Europa. Nossos países eram mantidos enquanto colônias no papel autodestrutivo de monoculturas, grandes produtores de um único produto, fosse açúcar ou café.

Nos países centrais do capitalismo, os pólos fortes do sistema

colonial e do imperialismo que lhe segue, a. industrialização pode ocorrer ao mesmo tempo, às vezes se antecipando a urbanização. Foi terrível a situação de exploração da classe operária na Inglaterra ou na

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França do século XIX; mas ela já teve tempo e condições para superar em grande parte aquela situação, e isto muito com o auxílio do esforço superexplorado da mão-de-obra dos países subdesenvolvidos, ricos de ouro - dourado, branco ou preto - e pobres de pão e escolas.

Nos países europeus menos industrializados no século XIX -

como a Alemanha e a Itália – as elites dominantes usaram o expediente de exportar seus camponeses e artesãos (que sobravam) para a America, contornando assim o crescimento gigantesco das cidades.

Nesta altura do século XX, quando se dá a industrialização ao da

América Latina, ela se faz tarde: as c1dades já explodiram em milhões de habitantes. Isto sem o recurso à emigração, e sem a acumulação de riquezas vindas de colônias, que as colônias eram aqui mesmo. Ao contrário, as riquezas de nossos países foram continuamente exportadas para manter o desenvolvimento econômico e social dos países ricos – de solo mais pobre, mas que dominam as regras dos mercados mundiais.

É nesse momento da

história do trabalho que nos encontramos. Se há pouco no chamado Terceiro Mundo não havia muitas indústrias, queimaram- se etapas, e hoje ele entra em plena era da computação e da informática. O que a modernização, a indústria e a cidade ainda não trouxeram para os nossos países da América Latina foi à extinção da miséria, a saúde do povo, a felicidade das crianças, a justiça social – coisas que materialmente ela possibilita.

Para manter este estado de coisas em que cada vez mais

pessoas precisam ser acomodadas, ou pelo menos controladas dentro de uma situação de desconforto, insatisfação, falta de espaço e de bem-estar, nada mais evidente que a carência não só de serviços urbanos

cada vez mais numerosos e amplos, como também da organização e sofisticação do controle e da comunicação.

Por tudo isto, além dos aspectos positivos que possam ter e de

fato apresentam os meios de comunicação de massas urbanos (de polêmico efeito cultural), vemos crescer como um polvo a burocracia, os órgãos controladores de cada vez mais aspectos da vida humana. Se nos habituamos com a produção em serie nosso vestuário, de utensílios e móveis domésticos, hoje também temos cada vez mais em série educação e a saúde. Não mais só o trabalho se coletiviza: o lazer se torna um setor de produção industrial.

Nesta cidade moderna onde se dá o nosso trabalho, salta aos

olhos um dado novo, cujas conseqüências antropológicas, psicológicas e sociais ainda não acabaram de ser avaliadas pelos pesquisadores. Trata-se da separação entre lugar de trabalho e lugar de moradia. Enquanto o artesão fazia o seu sapato, a sua cerâmica, no mesmo recinto em que convivia com a família, o operário dos grandes centros da atualidade pode precisar de algumas horas de locomoção para perfazer a distância entre o seu bairro operário da periferia urbana e a fábrica confinada no circuito industrial. Os metrôs ultra-rápidos podem diminuir o tempo gasto para vencer grandes distâncias, mas não tornam o lugar de trabalho mais próximo da casa, da família, do lugar onde ficam ou ficariam as crianças. Este fato toca de forma muito especial as mulheres, tradicionalmente encarregadas do cuidado e da alimentação dos filhos.

É uma ilusão imaginar que o trabalho das mulheres seja uma

novidade histórica. As mulheres sempre trabalharam, e não só em serviços leves. A presença da forca de trabalho feminina na agricultura, no artesanato, não havia levado ao mesmo questionamento e dúvida, porque estes trabalhos eram realizados pela família, em comunidade ou na solidão, mas dentro de casa, perto do lugar do convívio familiar, com os filhos ou junto deles.

A grande questão sabre a trabalho das mulheres se põe na era industrial. Não só porque o desenvolvimento da máquina torna

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irrelevante a diferença da força muscular entre o braço masculino e o feminino, e o sistema busca a mão-de-obra menos reivindicativa e mais tímida e submissa para manter mais altas as margens de lucro, mas também porque a engajamento na indústria afasta as mulheres de casa e da família.

A sociedade burguesa não parece facilmente disposta - embora aos poucos deva conformar-se - a arcar com as conseqüências daquela separação, providenciando equipamentos sociais coletivos para o cuidado e alimentação dos menores: creches e refeitórios nos lugares de trabalho, escolas populares de dois turnos, etc. Em grande parte, esses serviços continuam hoje sob a responsabilidade das mulheres, mesmo que estas carreguem oito horas de jornada de trabalho nas fabricas, escolas e escritórios. Que existam menores abandonados perambulando peras ruas, nessas circunstancias, era bem previsível, e há muito tempo poderia ter sido evitado.

A separação entre os lugares de trabalho e de moradia, contudo,

não só é a única separação que caracteriza o trabalho atual Na linha de montagem na fábrica, como nos corredores e seções especializadas dos labirintos burocráticos, separamos-se as partes do processo de produção de um objeto, de um projeto. Cada trabalhador ou funcionário entenderá apenas de um minúsculo ponto do processo: apertara um parafuso; preenchera um tipo de requerimento. A especialização no artesanato era ligada a pretensão de mais capacidade - a idéia era fazer apenas sapatos para fazer sapatos bons. Na indústria a especialização chega a um absurdo, em que ninguém percebe mais o alcance do seu trabalho porque não vê o conjunto da atividade em que o seu esforço se insere.

O trabalho é alienado do trabalhador porque o produtor não detém, não possui nem domina os meios da produção. A máquina á minha frente não fui eu que escolhi, e amanhã ou depois, se o diretor da firma fizer uma viagem ao Japão e resolver importar uma máquina nova inteiramente diferente desta, pode ocorrer que eu perca o meu emprego e o meu saber de produtor. Terei de passar por uma reciclagem violenta ou deixo de ter minha profissão, pois ela se liga ao meu conhecimento desta máquina a minha frente, que não é de minha

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propriedade e cujo destino não determino, embora domine parte do seu uso. Por outro lado, produtor e produto estão separados. Se eu pinto o pára-choque metálico do automóvel, ou coloco o trinco na porta do carro, pode ser que eu ignore a cor do fusca em que o trinco ou o pára-choque vão exercer suas funções. Certamente serei incapaz de reconhecer aquele trinco, aquele pára-choque, no salão de exposições em que dezenas de fuscas azuis ou vermelhos esperam comprador.

Quando eu era uma costureira que fazia roupas artesanais para

a comunidade da vizinhança, talvez tivesse já uma influencia na escolha do modelo do vestido; recomendaria a fazenda, o estampado; levaria em conta o tipo físico da pessoa que vestiria a minha pequena obra. Esta é uma terceira alienação a que está submetido o trabalho na maquina industrial: ha um corte entre produtor e consumidor. Não sei mais para quem se·dirige o fruto do meu esforço e habilidade. Produzo para um mercado anônimo. A costureira que coloca os zíperes nas calças de brim apenas sabe que este tipo de calças é usado tanto por homens como por mulheres, na cidade como no campo, nos centros ricos do planeta como nas regiões mais pobres, nas classes médias, na burguesia, no proletariado, ou por pessoas velhas e jovens. Talvez algum detalhe lhe permita prever aproximadamente o ambiente social que consumira aquela roupa. Mas está longe do conhecimento de sua colega artesã, que conhecia pelo nome a c1iente que servia, e podia depois observar como ela desfilava com o seu vestido novo na festa da paróquia.

A alienação objetiva do homem do produto e do processo de seu

trabalho e uma conseqüência da organização legal do capitalismo moderno e desta divisão social do trabalho. Em primeiro lugar, é uma auto-alienação: o trabalhador vende seu tempo, sua energia, sua capacidade a outrem. No caso dos colarinhos-brancos, os trabalhadores dos escritórios ou escolas, vende-se as personalidades: os sorrisos, a pontualidade, o senso de oportunidade, a aparência de confiabilidade. A empresa impessoal aliena o pessoal no indivíduo. Se em cada pedaço da produção um trabalhador faz o seu trabalho, o processo total sendo invisível, o produto e o mesmo trabalho são alienados do produtor.

Também as potencialidades intelectuais lhe são alienadas, pois a rotina, que visa o barateamento da produção, leva todos à idiotia da especialização. Num primeiro momento, exige-se o especialista; com o desenvolvimento da especialização, só e necessária uma massa de autômatos.

As coisas se passam assim, segundo Marx: Como o homem se

aliena, ou seja, vende sua força de trabalho a outrem, a quem ele outorga e a quem passa a pertencer o seu trabalho e o produto deste - ambos igualmente alienados -, assim, esta relação alienada do homem com seu trabalho e produto gera uma relação correspondente do capitalista com o trabalho, que é a propriedade privada. Esta deriva é resultado da alienação do trabalho.

Desta relação mútua do

trabalho alienado com a propriedade privada, Marx deduz que a emancipação da sociedade - da propriedade privada e da servidão - assume a forma política da emancipação dos trabalhadores. Isto não só no sentido de estar em jogo a emancipação destes, mas por essa emancipação abranger a de toda a humanidade. Pois toda servidão humana está enredada na relação do trabalhador com a produção.

O processo de especialização

tem um efeito final que contradiz seu propósito inicial. Depois de atingido um determinado ponto de fragmentação do processo de trabalho, em vez de acentuar-se a perfeição e beneficiar-se, pois, o aspecto técnico da produção, é este mesmo aspecto técnico que se perde.

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Em sua analise dos trabalhadores de colarinho branco, Wright Mills, sociólogo anglo-saxão (1915- 1962) famoso exatamente por ser estudo da nova classe média, acentua como no mundo do trabalho em escritório também perde sentido e importância o aspecto técnico da atividade. Não se pergunta a alguém exatamente o que ele faz, e sobretudo não se pergunta como ele faz o que faz. O que preocupa o amigo que se informa sobre o trabalho do outro em geral e qual a renda que este consegue, qual o status que o emprego lhe confere, qual o poder que o seu trabalho lhe dá. Renda, status e poder substituem a preocupação e o cuidado de fazer bem alguma coisa que se sabe fazer. O mundo da técnica teria chegado ao fim do caminho. Pelo máximo da tecnicização, cada fragmento do processo de trabalho se torna tão independente da pessoa, que é bem aleatório quem o faz, e se quem trabalha faz bem o que faz ou não. Basta que saiba submeter-se ao todo, mantenha os laços, as passagens, o fluxo do processo mesmo, com o mínimo de interferência criativa. Ou apenas com aquela criatividade que permite inovar para melhorar o fluxo do processo, e enfrentar momentos em que o processo esteja dificultado, resolvendo estas crises.

Comparando o trabalho na organização com o modelo artesanal de trabalho, é fácil perceber também a perda do aspecto lúdico.

No modelo artesanal, pelo menos no plano ideal, se o artesão

trabalha de modo autônomo pode interromper sua aplicação ao ofício no momenta em que sente carência de descanso. Terá algum prazer em fazer com arte um trabalho que domina em todo o processo e que sabe fazer bem. Fará alguns minutos de lazer para uma caminhada até o fundo do quintal ou para uma conversa com o vizinho por cima do muro, sempre que o corpo ou a mente o exigirem. No trabalho em equipe, na fábrica como na burocracia, mas principalmente na linha de montagem, que não pode parar, sob a pressão do controle da produtividade e qualidade, e afã do lucro, não pode ser intercalado nenhum lazer com a aplicação atenta e desgastante a um mesmo gesto, uma mesma operação especializada. Não há, assim, condições para introduzir-se nenhum prazer no tempo de trabalho, mesmo que a ideologia atual e os departamentos de psicologia encarregados do pessoal das fábricas muitas vezes se estorcem por dourar a pílula com música ambiental nos salões e escritórios.

No artesanato, o trabalho não obedece a nenhum motivo ulterior

além da fabricação do produto e dos processes de sua criação: a esperança de fazer um bom trabalho, realizar um produto, e a arte de fazê-lo. Os detalhes do trabalho cotidiano são significativos, não estão separados do produto do trabalho. O trabalhador é livre para organizar seu trabalho, quanto ao plano, começo, forma, técnica e tempo. Ao trabalhar, o artesão pode aprender e desenvolver seus conhecimentos e habilidades; o seu trabalho e um meio de desenvolver habilidades. Não ha separação entre trabalho e divertimento, trabalho e cultura. Mesmo que divertimento seja definido como atividade gratuita, feita pela satisfação, válida em si mesma, e o trabalho vise à criação de um valor econômico, urna utilidade e a remuneração.

O modo de subsistência do artesão determina e impregna todo o

seu modo de viver. Seus amigos são os seus colegas. Suas conversas são sobre a sua profissão. Não há necessidade de lazer como evasão. O

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trabalho hoje é uma espécie de negativo daquele artesanal, ou o seu oposto. No mundo industrial falta o vínculo entre o trabalho e o resto da vida. Para agir livremente deixa-se o tempo que sobra do trabalho. Assim se separa totalmente trabalho de lazer, de prazer, de cultura, de renovação das forças anímicas, que deverão ser buscadas no tempo que sobrar do trabalho.

A separação de trabalho e prazer parece coerente com o

desenvolvimento de um tipo de lazer passivo, do tipo da entrega do telespectador que não analisa, não critica, não discute sobre as novelas da TV. Como o outro lado da moeda, nos modos de vida mais americanizados, inventou-se o hobby, aquela atividade que se faz porque se gosta, nas horas vagas daquele trabalho sem satisfação e extenuante. Esta e uma espécie de compensação que o sistema permite, de modo que não se queira transformar o mundo do trabalho que eficientemente continua a dar lucros a seus donos.

Chegamos assim

a uma das características mais decisivas do mundo do trabalho em que vivemos, e que é a sua submissão ao capital, aos interesses dos capitalistas e dos proprietários. Este é um ponto chave das determinações do trabalho neste sistema. A força de trabalho é dada como uma mercadoria. Do esforço do operário e extraído um valor que deixa uma sabra aos interesses do capital, pois o salário do operário fica muito aquém do valor que ele cria para o mercado. Com base nesta sobra de valor alienada do produtor se criam novos setores de atividade não propriamente produtiva, e se reproduz o capital. Também a classe

média tem como fonte última de seu sustento este valor produzido pelo trabalhador industrial e que não lhe é devolvido: a mais-valia.

Em seus conflitos nas democracias burguesas, o equilíbrio entre

capital e trabalho tem-se feito por meio de um tripé de poder em que a pressão dos sindicatos obreiristas se opõe à força constrangedora do capital, tendo como terceiro termo um Estado não inteiramente autônomo, mas não inteiramente confundido com a classe dona da terra e das fábricas. Em países como o Brasil, esse Estado - a lei, o governo e sua burocracia - não se distingue suficientemente dos interesses capitalistas; o Estado se apresenta como instrumento quase perfeito dos interesses do capital, e os operários se encontram como única força ante o poder oposto coeso.

Em muitas

situações momentos da sociedade contemporânea o trabalho e sua ideologia se tornam instrumentos de submissão política. O mundo e domesticado pela submissão ao trabal ho. Reduz-se a esfera pública, o âmbito da discussão dos problemas comuns. As pessoas se percebem como alegres robôs que não tem efetivo poder de decisão sabre o mundo em que trabalham. Todas as atividades são feitas como labores pela sobrevivência. Tem-se como utopia, no sentido de impossível, que o trabalho seja expressão, ou que se possa ter um trabalho criativo e que dê prazer. Abandona- se a pretensão do artífice, do artista. O labor invade o mundo do trabalho, que os meios de comunicação de massas mantêm, enquanto manipulam o desejo e criam necessidades de consumo, dando aparência de necessidade a um trabalho que em si não seria mais necessário. Assim, apesar do aumento quantitativo do tempo livre na era da automação, muitas vezes desaparecem os lugares de participação política, que precisam ser reinventados.

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8. A CAMA NA VARANDA

Arejando nossas idéias a respeito de amor e sexo. A descoberta da paternidade

REGINA NAVARRO LINS

Quando abandonaram a caça, os homens começaram a participar das atividades das mulheres. Inicialmente, ajudavam na árdua tarefa de desbravar a terra com enxadas de madeira, O que exigia bastante força física. Tempos depois, domesticaram os animais e os incorporou a agricultura, usando um arado primitivo. A convivência cotidiana com os animais fez com que percebessem dois fatos surpreendentes: as ovelhas segregadas não geravam cordeiros nem produziam leite, porem, num intervalo de tempo constante, apos o carneiro cobrir a ovelha, nasciam filhotes. A contribuição do macho para a procriação foi, enfim, descoberta, mas não apenas isso. Os homens perceberam que um carneiro podia emprenhar mais de 50 ovelhas! Com um poder similar a esse, o que o homem não conseguiria fazer?

Não é difícil imaginar o impacto dessa revelação para a

humanidade. Apos milhares de anos acreditando que a fertilidade e a fecundação eram atributos exclusivamente femininos, os homens constatam, surpresos, que o que fertiliza uma mulher e uma substância nela colocada: o sêmen do macho! A partir daí, há uma ruptura na história da humanidade. Transformam-se as relações entre homem e mulher, assim como a arte e a religião. O homem, enfim, descobriu seu papel imprescindível num terreno em que sua potência havia sido negada.

A reação masculina eclodiu com a força e a ira de quem fora

durante muito tempo enganado. O homem foi desenvolvendo um comportamento autoritário e arrogante. Daquele parceiro igualitário de tanto tempo, a mulher assistiu ao surgimento do déspota opressor. A superioridade física encontra, então, espaço para se estender a superioridade ideológica.

Diminui a importância da mulher.

No período Neolítico, surgiram dois tipos de sociedade: a agrícola e a pastoril. A primeira era fixada a terra que cultivava e a alimentação era o produto da lavoura. Na pastoril, vagavam pelas planícies, buscando melhores pastagens. A sobrevivência dependia dos rebanhos.

Entre 4400 e 2900 a.C, os

agricultores da Mesopotâmia, do Egito e do Noroeste da Índia sofreram três invasões de ondas migratórias de pastores das estepes ou povo kurgo. As ondas kurgas varreram a Europa, suplantando as culturas pacíficas lá estabelecidas. Ao interromperem um longo período de desenvolvimento estável de parceria, impuseram um sistema totalmente diferente de organização social, em cuja essência "havia a importância do poder que toma vida, em vez de dá-la".

As tribos invasoras eram guerreiras, dominadas pelo homem,

com religiões também dominadas por deuses masculinos. Seus mitos e crenças penetraram nas estruturas sociais existentes. Foram ampliando seus domínios. À medida que as riquezas aumentavam, o homem ia se tornando mais importante que a mulher. Da mesma forma que a filiação passou a ser masculina, a herança, também. O homem apoderou-se da direção da casa. As colônias agrícolas foram se expandindo e era necessário mais gente para trabalhar. Quanto mais filhos, melhor. As mulheres, fornecedoras da futura mão-de-obra, passaram a ser encaradas como objetos e tornaram-se mercadorias preciosas. Eram trocadas entre as tribos ou se não fosse possível roubadas. O sexo feminino, representado pela mulher e pela Deusa, foi gradualmente sendo despojado do seu poder.

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Num estudo atual de 853 culturas, apenas 16% são monogâmicas.

Isso significa que 84% das sociedades humanas permitem ao homem ter mais de uma esposa de cada vez - sistema denominado poligamia. O Livro dos recordes aponta Moulay Ismaet imperador do Marrocos, como o homem que teve o maior harém de que se tem registro. Ele tem 888 filhos com suas varias esposas. Alguns imperadores chineses tiveram relações sexuais com mais de mil mulheres que, num rodízio cuidadoso, eram colocadas no quarto do imperador quando estavam no período fértil.

O pai: O único criador Participar da procriação junto com a mulher não parece ter sido

suficiente para o homem. Agora que seu sêmen adquire importância, deseja esse poder exclusivamente para si. Nos mitos da criação do mundo, específicos das sociedades patriarcais, a figura masculina do pai adquire importância exacerbada. Além de criar o filho, torna-se também o criador da mulher.

Para a civilização judaico-cristã, Adão é criado por um Deus

masculino. Javé tira uma de suas costelas, enquanto Adão dorme profundamente, e fecha cuidadosamente o lugar com carne. Eva, então, é moldada a partir dessa costela, que simboliza o ventre materno. Adão é pai e mãe de Eva. Inferior a ele, ela esta distante do divino. Adão e muito superior. É filho de Deus. Foi criado à sua semelhança. Desse momenta em diante, é muito claro o papel que a mulher deverá cumprir na sua relação com o homem: agradecida, por ele ter lhe dado a vida; dependente, por ter nascido dele; submissa, por ser inferior.

Na mitologia grega, encontramos também o pai como único

criador. Zeus travava uma dura batalha contra os gigantes, quando Métis, sua primeira esposa, ficou grávida. O conselho de Urano e Géia, o futuro deus do Olímpio engole Métis junto com a criança em seu ventre. Segundo a predição do casal primordial, se Métis tivesse uma filha e esta um filho, o neto arrebataria o poder supremo do avô. Completada a

gestação de Atena, Zeus passou a ter uma dor de cabeça insuportável. Chamou Hefesto, o deus das forjas, e ordenou-lhe que golpeasse seu crânio com o machado. Dali saiu vestida e armada com uma lança, dançando a pírrica (dança de guerra), a grande deusa Atena.

Hera, segunda mulher de Zeus, a protetora dos amores

legítimos, ao ter conhecimento das relações amorosas de Sêmele com seu esposo, resolveu eliminar a rival. Transformando-se na ama da princesa tibetana, aconselhou-a a pedir ao amante que se lhe apresentasse em todo o seu esplendor. Zeus tentou dissuadi-la, pois um mortal não suportaria a epifania de uma divindade imortal. Mas, como havia jurado jamais contrariar seus desejos, Zeus se apresentou a Sêmele em toda a sua grandeza. Os fogos de seus raios incendiaram o palácio de Cadmo, e a princesa morreu carbonizada. Ao morrer, deixou escapar o fruto inacabado de suas entranhas. Zeus, então, recolheu o embrião, fechou-o em sua coxa, conservando-o até que completasse a gestação. Desse ventre paterno nasceu Dionísio.

Os homens grávidos O poder de procriação

parece ter sido uma das causas da guerra entre os sexos. Impossibilitados de excluir totalmente a participação da mulher, os homens tentaram reduzir de forma drástica sua importância. O ventre materno foi desvalorizado ao Máximo. Contudo, mesmo considerado um simples receptáculo, uma caverna ou um barco que serviria apenas de passagem para o feto, não foi possível apaziguar de todo a ansiedade do homem em relação a sua capacidade criadora. A paternidade mobiliza a inveja do homem diante da condição da mulher de gestar, parir e amamentar, do seu poder de criatividade e seu mistério.

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Na tentativa de compensar a inferioridade paterna, algumas

sociedades desenvolveram rituais de nascimento. Esses ritos de couvade podem ser encontrados nos diversos continentes e são praticados pelos homens para reforçar o sentimento de poder paterno. Eles funcionam para diminuir a diferença entre pai e mãe e levar os homens a compartilhar com a mulher o poder de procriação. Em alguns lugares, acredita-se que o vinculo entre pai e filho é mais importante do que entre mãe e filho, ou, ainda, que, por meio dos ritos, o pai nutre espiritualmente o filho. Entre os corsos, no momento do nascimento dos filhos, ninguém se preocupa com a mulher. O homem, no entanto, fica deitado vários dias, como se sentisse dor pelo corpo todo. No país basco, logo após o parto, as mulheres ocupavam-se dos trabalhos domésticos, enquanto os homens deitavam-se com os recém-nascidos e recebiam os cumprimentos dos vizinhos.

Para os baruya, da Nova Guiné, um filho é o produto do esperma

do homem. Uma vez dentro da mulher, porem, o esperma encontra-se misturado aos seus próprios líquidos. Se o esperma do homem vencer a água da mulher, a criança será um menino, caso contrário, será uma menina. Após a fecundação, o homem alimenta o feto por meio de coitos repetidos e o faz crescer no ventre da mãe. O esperma é o alimento que da força á vida, e as mulheres enfraquecidas pela menstruação ou pelo parto bebem esperma. Um segredo dos homens baruya, que nenhuma mulher deve conhecer, é que o esperma dá a eles o poder de fazer renascer os jovens fora do ventre de suas mães, fora do mundo feminino, no mundo dos homens e apenas por eles. Assim que os jovens iniciados penetram na casa dos homens, são alimentados com esperma dos mais velhos. Essa ingestão é repetida durante vários anos, com a finalidade de fazê-los crescer mais e mais fortes do que as mulheres, superiores a elas, aptos a dominá-las e dirigi-las.

Essas práticas objetivam limitar os poderes fecundantes das

mulheres. Para os baruya, o feto só se desenvolve graças ao esperma masculino. O leite com que mais tarde as crianças são alimentadas é o

resultado desse esperma, já que o leite da mulher nasce do esperma do homem.

Nas últimas décadas, estudos revelam perturbações

psicossomáticas nos pais durante a gravidez de suas mulheres: insônia, problemas digestivos, aumento de peso etc. Uma pesquisa sobre paternidade feita com 50 homens cujas mulheres tinham acabado de ter filho revelou dados interessantes. Entre eles, 22 acompanharam a preparação e assistiram ao parto, enquanto 28 não participaram. Todos os sintomas somáticos (com uma única exceção) ocorreram no grupo dos que não tinham sido envolvidos nos preparativos do parto. Tudo indica que as angústias surgidas nesse período são apaziguadas se o pai participa estreitamente das várias etapas da maternidade.

8.1. O PATRIARCADO

O patriarcado é uma organização

social baseada no poder do pai, e a descendência e o parentesco seguem a linha masculina. As mulheres são consideradas inferio res aos homens e, por conseguinte, subordinadas a sua dominação.

Superior/inferior,dominador/ domi-

nado. A ideologia patriarcal dividiu a humanidade em duas metades, acarretando desastrosas consequências. É evidente que a maneira como as relações entre homens e mulheres se estruturam - dominação ou parceria - tem implicações decisivas para nossas vidas pessoais, para nossos papéis cotidianos e nossas opções de vida. Da mesma forma, influencia todas as nossas instituições, os valores e a direção de nossa evolução cultural, se ela será pacifica ou belicosa.

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Apoiando-se em dois pilares básicos - controle da fecundidade da mulher e divisão sexual de tarefas -, a sujeição física e mental da mulher foi o único meio de restringir sua sexualidade e mantê-la limitada a tarefas específicas.

A fidelidade feminina sempre

foi uma obsessão para o homem. É preciso proteger a herança e garantir a legitimidade dos filhos. Isso torna a esposa sempre suspeita uma adversária que requer vigilância absoluta. Temendo golpes baixos e traições, os homens lançaram mão de variadas estratégias: manter as mulheres confinadas em casa sem contato com outros homens, cinto de castidade e até a extirpação do clitóris para limitar as pulsões eróticas. As adúlteras eram apedrejadas, afogadas, fechadas num saco, trancadas num convento ou, como acontece hoje no Ocidente, espancadas ou mortas por maridos ciumentos, protegidos por leis penais lenientes com os crimes passionais. Ao homem, por não haver prejuízo para sua linhagem, concede-se a direito de infidelidade conjugal.

Esse antagonismo entre os sexos impede uma amizade e um

companheirismo verdadeiros, fazendo com que a relação entre homem e mulher se deteriore. As relações conjugais têm sido de condescendência de um lado e obrigações de outro, cheias de desconfianças, ressentimentos e temores. Às mulheres são negadas quase todas as experiências do mundo. Como sempre foram consideradas incompetentes e desinteressantes, é possível encontrar nos dias de hoje mulheres relegadas ao espaço privado ou impedidas de crescer profissionalmente. Ainda há empresas, par exemplo, em que a remuneração da mulher, mesmo exercendo as mesmas funções do homem, é inferior.

Também sobre os filhos os pais têm poderes absolutos que, em muitos casos, como na Roma antiga, incluem o de vida e morte. Na Roma antiga, quando a criança acabava de nascer, a parteira a colocava no chão. O pai não tinha um filho. Ele o tomava. Se o pai não o levantasse, era exposto a quem quisesse recolhê-lo. Da mesma forma, seria rejeitado se o pai estivesse ausente e ordenasse a mulher grávida que assim o fizesse. Casar, só com o consentimento paterno. Frequentemente, o pai escolhia quem os filhos deveriam desposar. A situação da filha mulher era mais grave. A autoridade do pai sobre ela era maior do que sobre o filho homem. Assim, ela se sujeitava primeiro, ao pai e, depois, ao marido. Para o Direito Romano, que imperava na Idade Média, a mulher era eternamente menor. A herança do pai lhe era recusada, ou então a mulher era a herança que era submetida à autoridade do marido.

Não passando de simples

objeto, ela servia ao homem apenas como instrumento de promoção social pelo casamento, como objeto de cobiça e distração ou como um ventre do qual o marido tornava posse e cuja função principal era a de fazer filhos legítimos. As mulheres não existiam por si próprias. Eram definidas pelo seu relacionamento com o homem. As designações tradicionais para uma mulher demonstram claramente essa verdade na cuidadosa descrição que fazem do seu status - senhorita (que não tem homem) ou senhora (que tem homem ou já teve, mas ele partiu ou morreu) - e no significado da expressão "casar-se bem".

Os filhos se identificam com o sobrenome que expressa

unicamente à relação de parentesco com o pai. A maioria das mulheres

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passa a usar, quando casal apenas o sobrenome do marido, em detrimento do seu próprio. Tais condicionamentos são tão fortes que, mesmo quando a lei não mais obriga, como no Brasil, as mulheres consideram isso natural, sem se dar conta de que esse fato tem como origem deixar claro que a mulher e propriedade do homem.

Os homens, que aparentemente só têm a lucrar num sistema

que os coloca numa posição superior, são seduzidos a lutar pela sua manutenção para continuar usufruindo dessas vantagens. Entretanto, pagam um preço elevado para corresponder a expectativa de ser homem patriarcal. Como resultado da divisão da humanidade, assistimos à divisão dos seres humanos. Para se adequar ao modelo patriarcal de homem e mulher, cada pessoa tem que negar parte do seu eu, na tentativa de ser masculina ou feminina. Homens e mulheres são simultaneamente ativos e passivos, agressivos e submissos, fortes e fracos, viris e femininos, mas perseguir o mito da masculinidade significa sacrificar uma parte de si mesmo, abrir mão de sua autonomia.

O patriarcado é um sistema autoritário tão bem-sucedido que se

sustenta porque as pessoas subordinadas ajudam a estimular a subordinação. Idéias novas são geralmente desqualificadas e tentativas de modificação dos costumes são rejeitadas explicitamente, inclusive pelas próprias mulheres, que, mesmo oprimidas, clamam pela manutenção de valores conservadores.

A abrangência da ideologia de dominação é ampla. Partindo da

opressão do homem sobre a mulher, a mentalidade patriarcal se estende a outras esferas de dominação: homens mais fracos, raças, nações e a própria natureza.

O estabelecimento do patriarcado na civilização ocidental foi um

processo gradual que levou quase 2.500 anos, desde cerca de 3100 ate 600 a.C. "A lógica patriarcal começa no Ocidente com a democracia ateniense, no século V a.C, e o fim dessa lógica se enraíza na Revolução Francesa, quando a democracia pretende aplicar-se a todos."

A evolução das sociedades de parceria foi mutilada, sofrendo mudança radical. A mente humana foi remodelada em um novo tipo, e a cultura dominada pelo homem, autoritária e violenta, acabou sendo vista como normal e adequada, como se fosse característica de todos os sistemas humanos. A lembrança de que por milhares de anos houve organizações sociais diferentes foi suprimida. O longo tempo - quase cinco mil anos -, auxiliado pelo hábito e pelo desconhecimento de outra alternativa, se encarregou da normalidade. Mas isso só não foi suficiente. Para ser aceito definitivamente como certo e não suscitar dúvidas, o patriarcado recebeu dois apoios fundamentais: a religião e a ciência. Na Grécia, Aristóteles transformou em ciência a visão bíblica da mulher como inferior ao homem. Para ele, a semente masculina e o agente ativo que se reproduzirá naturalmente em sua própria imagem: um menino saudável. A semente feminina só produzir o "desvio do modelo". As mulheres seriam imperfeitas e, por isso, inferiores.

Dessa forma, os novos valores penetraram nos mais profundos

recônditos da alma humana e durante muito tempo foram tidos como verdades imutáveis.

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9. RAÍZES DAS DESIGUALDADES Por que as mulheres

negras são as mais pobres? Por que há tão poucas mulheres em postos de poder no Mundo? Por que é tão difícil para a classe trabalhadora se levantar contra os patrões? Por que são tão poucos os homens que se envolvem com trabalho domestico e cuidado com crianças? ... São tantas as perguntas que podemos nos fazer quando olhamos para o mundo pensando na situação das mulheres, das pessoas negras e de quem Vive no mundo do trabalho! Ousar respondê-las e um desafio cotidiano para todos os movimentos sociais que' lutam por justiça e democracia, mas, em especial, para o movimento feminista e para as sindicalistas que lutam para mudar as relações de gênero no ambiente de trabalho. A existência deste curso sobre gênero e trabalho, reunindo pessoas do movimento feminista, do movimento sindical e de outras organizações, nos ajuda e, ao mesmo tempo, nos exige uma reflexão, ainda que simplificada, sobre como se organizam assas desigualdades.

Aqui, neste curso tratamos do trabalho feminino, presente em

todos os momentos da História como vimos nas figuras utilizadas no exercício -, mas tão pouco discutido e valorizado. Ao refletirmos sobre as situações de trabalho das mulheres, analisamos que ele ocorre tanto na, esfera produtiva - através do trabalho remunerado - quanto no espaço doméstico - no interior das residências e nos seus arredores - 'como tarefas que garantem a manutenção da casa e os cuidados com as pessoas e pelas quais as mulheres não recebem nenhum rendimento. Mas por que essa injustiça acontece com as mulheres? .Para buscar entender, é_ necessário pensarmos nas bases que solidificam o nosso modo de organização social. Precisamos entender em que moldes

econômicos, culturais e políticos se estruturam as relações sociais. Quando falamos em relações sociais, estamos nos referindo aos modos predominantes de contato e trocas entre as pessoas e os grupos sociais em uma dada formação social. Essas relações sociais são construídas a partir de varias dimensões, mas, do nosso ponto de vista, elas se estruturam a partir de três elementos fundantes: classe, gênero e raça. Por isso, passaremos a discutir esses elementos separadamente, muito embora saibamos que, na vida cotidiana, eles existem de forma integrada.

Na formação social brasileira, as relações econômicas

fundamentais se constroem a partir da exploração da força de trabalho, já que vivemos em um sistema capitalista, Isto é: as pessoas que não possuem meios para produzir nem para sobreviver com independência, mas podem dispor de sua própria resistência física e de suas habilidades, as trocam por meios financeiros de sobrevivência vendem a sua força de trabalho para um patrão, que, com isso, consegue ampliar sua produção e gerar lucro, do qual usufrui sozinho ou com sua família. Essa relação econômica, que possibilita a acumulação de capital, estrutura as relações sociais entre as classes, mas não as explica de todo.

Nos movimentos sociais existem distintas formas de

compreender o debate sobre as classes sociais. Isso se expressa nos diferentes termos utilizados para se referir as pessoas que vivem com poucos recursos: pobres, explorados, menos favorecidos, base, excluídos, em situação de 'Vulnerabilidade, entre outros. Algumas pessoas também utilizam o termo classe social para se referir a categorias profissionais como a ·classe dos professores. A questão que nos colocamos é: esses termos são usados aleatoriamente ou indicam um modo de pensar que os justifica? Em todo caso, denotam uma carência de debate conceitual na militância contemporânea sobre o que venha a ser classe social. Num certo pensamento Sociológico que muitas vezes conforma o debate sobre a realidade social através da mídia, é comum entender-se classes sociais a partir de níveis de rendimento e/ou de faixas de acesso a bens de consumo; esse tem sido

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o tom de muitas pesquisas nas áreas 'de Políticas Públicas e Pesquisas de opinião. Embora possa ser útil em alguns momentos, essa forma de ver não lida com a noção de exploração e, portanto, não nos parece totalmente adequada. Como instrumento para compreender a estruturação das classes.

Na tradição política de esquerda, que foi predominante no Brasil

até a década de 80, baseada no marxismo, as classes fundamentais no capitalismo se definem em relação à propriedade ou não dos meios de produção, ou seja: uma detém os meios de produção - a burguesia - e outra vende a sua força de trabalho - 0 proletariado. O conceito fundamental que explica essa relação é a exploração, isto é, a extração de mais valia feita pela classe proprietária sobre a classe assalariada. Entretanto, o desenvolvimento do pensamento crítico no Brasil gerou reflexões as diferentes interburguesas, as especificidades do trabalho rural, o numeroso contingente de pessoas sem acesso ao trabalho assalariado que hoje se avoluma cada vez mais e a produção da pobreza como uma conseqüência dessas desigualdades econômicas. A atualização da compreensão sobre a exploração capitalista exigiu ainda percebê-la como um processo que se complexifica também com a mundialização da economia, a dominação do capital financeiro e com novos processes produtivos baseados no conhecimento e na informação.

Essa forma de pensar as classes, embora seja correta do ponto de vista de compreender algumas relações econômicas, funcionou, entretanto, como uma simplificação da complexidade da realidade social. Ela explica o trabalho produtivo,· aquele que gera lucro, mas não explica, de forma direta, os serviços públicos nem o trabalho na esfera reprodutiva. O trabalho reprodutivo, como já vimos neste curso, é feito basicamente por mulheres, principalmente aquele realizado no interior das residências - trabalho doméstico, que se refere a tarefas que viabilizam a manutenção da casa, a alimentação, os cuidados com vestuário - como também o conjunto dos "- serviços para crianças, idosos e doentes - saúde, educação e assistência social etc. A cultura política predominante na sociedade impõe as mulheres, como trabalho domestico, a reprodução cotidiana da força de trabalho de homens e

mulheres que estão na esfera produtiva e, com isso, desincumbe o Estado e o empresariado dessa responsabilidade social. Esse "sobretrabalho" realizado pelas mulheres é funcional ao capitalismo e colabora para o crescimento de sua lucratividade

A compreensão do

trabalho feminino, a luz da noção de divisão sexual do trabalho, como já vimos, é bem discutida por Elizabeth Lobo, Helena Hirata, Daniele Kergoat e Heleieth Saffiotti e mostra a complexidade da exploração capitalista. Daí porque não podemos entendê-la a partir, apenas, do conceito de classe social da forma simples descrita acima, sem agregarmos a ele a reflexão sabre a percepção social das diferenças de gênero que geram desigualdades entre os sexos, em prejuízo das mulheres.

Os estudos históricos, como os do historiador Edward

Thompsom, tem agregado outros elementos na conceituação de classe, a partir da discussão sobre experiência. Segundo ele, é na dinâmica histórica de organizar-se, constituir-se como uma classe em relação à outra, e na luta por direitos que a classe trabalhadora vai sendo gestada enquanto tal. Esse modo de pensar contribui para explicar a experiência brasileira de organização sindica que congrega, em uma só organização - a CUT, trabalhadores/as assalariados/as das mais diversas áreas da economia, incluindo rurais e serviços. Também contribui para pensar o processo político de se fazer classe, tornando-se sujeito de seus direitos, em confronto com uma outra classe. Não como um sujeito prefixado e único, designado a partir de seu lugar no processo produtivo ou pelo fato apenas de ser ou não ser proprietário, mas como um conjunto vivo que se movimenta por seus interesses coletivos e, nesse processo de

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movimentação, constrói seus direitos e sua identidade coletiva, fazendo-se sujeito no âmbito da ação política.

Ademais, quando se pensa historicamente, não se pode

desprezar o peso estruturante das relações inter-raciais na constituição do que hoje, no Brasil, são as pessoas que compõem a classe trabalhadora. O conceito de exploração é insuficiente para a compreensão de classe trabalhadora também porque, na formação social brasileira, as relações raciais se articularam com as relações de exploração no processo de acumulação capitalista a partir do trabalho escravo dos negros e das negras por séculos. A compreensão histórica da associação dos elementos classe, referido aqui a desigualdade econômica, e raça permite entender o dado estatístico que mostra a maioria das pessoas negras no menor nível de renda do País.

No âmbito do debate sobre

as relações entre pessoas brancas e negras, ha polêmicas sobre qual seria o termo mais adequado para explicar a situação de opressão em que vive o povo negro em nosso país. Nas pesquisas censitárias e de avaliação de políticas públicas, tem-se adotado o designativo cor ou cor/raça como uma forma de captar a percepção dessas diferenças. Alguns setores tem buscado trabalhar com a noção de etnia para visibilizar não apenas alguns povos a que se atribuem uma estatura étnica específica, mas todos os descendentes de africanos de pele escura. Essa perspectiva tenta ampliar elasticamente a noção de etnia, já que ela, segundo Barth, é uma categoria de atribuição e auto-atribução de identidade de um dado grupo, que exige uma validação continua de pertencimento, isolamento de parte das culturas e regras para contato interétnico. Nas condições brasileiras, seria difícil designar a população negra como compondo uma ou varias etnias, mais apropriado seria vê-la como originaria de algumas etnias

africanas ou, no máximo, usar essa noção para iluminar a compreensão sobre comunidades quilombolas.

A dificuldade de trabalhar com o

conceito de raça deve-se à sua origem na biologia e ao seu uso para fins de opressão e discriminação. A relação entre atributos e caracteres físicos, designativo de uma raça, e a condição mental e social das pessoas e uma idéia que serviu historicamente para a opressão sobre vários povos. Na formação social brasileira essa idéia foi utilizada para justificar o trabalho forçado feito por pessoas vindas seqüestradas da África e seus descendentes. Posteriormente. Serviu também para, às avessas, solidificar o mito da democracia racial. Todavia, amplos setores do Movimento Negro, nas décadas de 80 e 90 do século passado, ressignificaram politicamente a idéia de relações raciais colocando publicamente a identidade de ser negro/a como constitutiva da luta por direitos para a população negra. Atualmente a questão racial ganhou uma maior envergadura a partir do debate de políticas públicas de combate ao racismo.

A despeito do termo que se usa, há que se constatar que as

pessoas negras continuam sendo as que vivem em situação de maior pobreza, em especial as mulheres negras. Apesar de raça ser uma idéia e não una consequência de caracteres biológicos, os caracteres biológicos específicos, como cor da pele, cabelo enrolado, lábios grossos, etc., existem na população negra, e as representações sociais sobre raça são usadas para classificar as pessoas e priva-ias do exercício de direitos, além' de favorecer poder e privilégios para pessoas brancas. Independentemente de sentirem-se negras ou não, as pessoas de ascendência africana são discriminadas social, política e economicamente no Brasil, e quanto mais escura for à pele, maior é o seu infortúnio

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O mito da democracia racial leva muita gente a acreditar que os

problemas que sofrem as pessoas negras e pobres devem-se apenas a situação econômica, mas basta fazer uma comparação com a vida das pessoas negras que conseguem chegar à classe media para ver que não é totalmente assim. A classificação de raça e as relações sociais baseadas nelas são constituintes do processo de formação da subjetividade, das normas e dos valores predominantes e conferem sanções cotidianas para as pessoas negras. Em certo sentido, as reflexões sobre relações raciais se assemelham à reflexão sobre gênero. Os aspectos biológicos e fisiológicos que constituem o sexo masculino e feminino são diferenças que estão nos nossos corpos, entretanto, a sociedade construiu idéias sobre essas diferenças, idéias nas quais se baseiam as relações sociais. Essas representações sociais sobre o que é masculino e feminino normatizam como devem ser as relações entre as pessoas e fazem isso a partir de uma distribuição desigual de valor e de poder entre homens e mulheres, que contribuem para sustentar o mito da superioridade masculina.

Como Joan Scott, consideramos que as relações sociais de

gênero são relações de poder baseada nas diferenças percebidas entre os sexos. Essa percepção de diferença é uma elaboração social hegemônica, e não um fato natural; ela seta prenhe de sentido historicamente construído que hierarquia as relações entre homens e mulheres na vida social, em detrimento das mulheres. A construção social do gênero impacta negativamente na vida das mulheres porque fornecem um substrato através do qual se consolidam – de forma diferente nos diversos tempos históricos e nas formações sociais – normas culturais que se estruturam o lugar das mulheres como restritos ao espaço privado; mesmo atualmente, quando ela já tem maior inserção no espaço público, continuam sendo vista como responsável pelo trabalho domestico e pelo cuidado com crianças. Essas normas culturais também impactam negativamente na produção da subjetividade, na noção que a pessoa tem de si mesma e do que considera satisfatório ou não nas suas relações pessoais e nas escolham que organizam seu cotidiano.

Essas normas culturais baseadas na percepção das diferenças

entre os sexos alimentam e são alimentadas, concomitantemente, pela normatização jurídica, pela linguagem, pela imagem midiática, pelo funcionamento regular das instituições como igrejas, famílias, escolas, etc. essa representação social designa papeis diferenciados para homens e mulheres na sociedade e impedem de ver quão injusto é a dupla jornada de trabalho das mulheres, ou mesmo como é violenta a educação sexista praticada desde a infância nas escolas, ou ainda como é estranho que os seres humanos, sendo homens e mulheres, tenham, na grande maioria, como chefes de estados-nação apenas homens

As relações sociais de gênero são

estruturadoras do nosso modo de vida social. As representações de gênero se consolidaram historicamente porque, entre outros aspectos, tem uma forte base material para o seu desenvolvimento, que é a divisão social de trabalho entre os sexos, constitutiva do desenvolvimento capitalista. Sendo assim, não podemos ver o trabalho das mulheres apenas como um fenômeno relativo a gênero ou a classe, ambos são elementos emaranhados na constituição da realidade do trabalho feminino e, no caso brasileiro, associam-se a dimensão das relações raciais. Isso não nos impede de vermos que as mulheres que não tem econômica e politicamente pertencimento a classe trabalhadora também são alijadas de poder e de valor, também são vistas' como seres que carregam em si a inferioridade mesmo quando são enaltecidas como princesas e também são vítimas da opressão sexista no cotidiano.

As estruturas da sociedade tem seu processo de consolidação no

âmbito da economia e da cultura. A economia é processo de produção e socialização de bens materiais a partir da relação entre pessoas, e a' cultura é o processo de produção e socialização de bens simbólicos que também se dá a partir da relação entre pessoas. Ambas envolvem ato

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criativo e relação de poder. No âmbito da economia, vivemos a apropriação da riqueza por alguns - que se expressa na acumulação capitalista, responsável pela produção da pobreza - e, no âmbito da cultura, vivemos a hegemonia de determinados modos de pensamento coletivo que só retroalimentam nas praticas cotidiana das instituições em detrimento da autonomia e do exercício de direitos das mulheres, das pessoas negras e dos pobres.

Na economia, o trabalho humano e o elemento central, pois é a

partir dele que se produz riqueza, e a exploração do trabalho é o elemento-chave para a compreensão das desigualdades econômicas e das condições de possibilidade para a constituição da classe trabalhadora, isto é, para sua organização e ação em tomo de interesses que a unifiquem e mobilizem. No âmbito da cultura, ocorre a produção e a disseminação de bens simbólicos, como produtos ou modos de pensar, que vão conformando, desde a subjetividade, as relações pessoais até a produção artística, a mídia e a normatização jurídica. Nesse espaço, a opressão de gênero e raça, por sua permanência no tempo e penetração em todos os aspectos da vida e em todas as relações humanas, constrói "estruturas” que sustentam o modo de vida social, isto é, que operam cotidianamente no sentido de sua manutenção. Rigorosamente, economia e cultura se separam apenas para efeito de reflexão, pois, no plano real de vida das pessoas elas só existem articuladamente. As desigualdades entre homens e mulheres, pessoas brancas e negras, pobres, e ricos (ou proprietários/as e trabalhadores/as) são definidoras da vida social e estão estruturadas a partir das dimensões econômicas e culturais da dominação, ou seja, de exploração e opressão, de forma integrada. O que nos acalenta diante da dureza dessa realidade é a ação coletiva que fazemos quando nos constituímos enquanto sujeitos políticos em luta por·direitos e alteramos as condições de vida, mas ainda temos muito que lutar Para ampliar as fissuras nessa estrutura de dominação, promovendo deslocamento nas relações de poder.

Gênero, Raça e Classe são noções fundamentais para pensarmos

a realidade social. A partir desses elementos, podemos educar o olhar

para a percepção da realidade de uma forma mais complexa. A perspectiva classista, vista deste modo, como situação social e identidade coletiva que se articulam na experiência, não se coaduna com a noção de sujeito único ou mesmo de principal sujeito da transformação. Relações de gênero e relações inter-raciais, pela sua permanência irremovível nos nossos corpos, por estarem presentes em todas as relações entre pessoas, por estarem na base cultural da formação social brasileira e pela articulação com as relações econômicas, coloca-se como fontes explicativas da situação de injustiça e de ausência de direitos predominante em nossa sociedade. Vendo com as lentes de gênero-raça-classe, não é possível estabelecer uma contradição' principal, secundarizando outras que são fundamentais na vida cotidiana das pessoas e na sua identidade e organização como sujeitos coletivos. Afinal, na vida real, as pessoas são, o tempo todo, pessoas inteiras, com sua cor, seu sexo, seu trabalho ou a ausência dele. Alem disso, todos e todas nós nos relacionamos a partir das idéias que temos nas nossas cabeças, isto é, as representações sociais sobre mulheres, pessoas negras e pobres.

As condições injustas as quais estão submetidas às mulheres, a

população negra e a classe trabalhadora como um todo não ocorrem por acaso. Elas estão inseridas em um processo histórico que as configura. As desigualdades estruturais que as desenvolvem a partir das relações de gênero, relações raciais e relações de trabalho são produzidas pelo processo econômico, político e cultural de organização do modo de vida social no qual estamos vivendo em detrimento de um lado e em favorecimento de outro em cada uma dessas contradições. Não basta, portanto, analisar a realidade a partir do enfoque econômico, ou apenas refletir sobre a cultura e as representações sociais, ou ainda pensar apenas no processo político. A realidade social é complexa e pensá-la de forma simplificadora de levar a estratégias políticas pouco eficazes. Por conta disso, a perspectiva política de construção de igualdade de gênero, de combate ao racismo e de fim da exploração devem ser eixos estruturadores do nosso projeto político tanto no espaço sindical como no espaço do movimento de mulheres.