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MARLIA XAVIER CURY
COMUNICAO MUSEOLGICA:
UMA PERSPECTIVA TERICA E METODOLGICA DE RECEPO
Tese apresentada rea de Concentrao: Comunicao
da Escola de Comunicaes e Artes da Universidade de
So Paulo, como exigncia parcial para obteno do Ttulo
de Doutora em Cincias da Comunicao, sob a orientao
da Profa. Dra. Maria Immacolata Vassalo de Lopes.
So Paulo
2005
2
BANCA EXAMINADORA
.......................................................................................................
........................................................................................................
.......................................................................................................
.......................................................................................................
........................................................................................................
3
DEDICATRIA
A Ana Carla Alonso, Aureli Alves de Alcntara,
Emlia Paula Vieira e Joana Montero Ortiz, pela
competncia, amizade e lealdade.
4
AGRADECIMENTOS
Vrias pessoas colaboraram com esta tese e agradeo a todas elas:
- Ana Maria Gantois, Adriana Almeida, Camilo Vasconcellos, Dalva Bolognini, Denise
Studart, Eilean Hooper-Greenhill, Elly Ferrari, Ilce Cavalcante, Luciana Seplveda,
Tereza Scheiner e Teniza Spinelli, por indicao de bibliografia;
- Cristina Bruno, pelas discusses e contribuies crticas e construtivas;
- Erika Robrahn-Gonzlez e Paulo De Blasis, pela disponibilidade de ensinar arqueologia e
de aprender museologia (atitudes fundamentais para a atuao interdisciplinar em
museus);
- colegas Maria Aparecida Alves, Maria Aparecida G. Andrade, Cida Santos, Camilo M.
Vasconcellos, Carla G. Carneiro, Elly Ferrari e Judith M. Elazari do Servio Tcnico de
Musealizao da Diviso de Difuso Cultural, pelo apoio e incentivo;
- colegas do Curso de Especializao em Museologia, pelo apoio e incentivo;
- todos os funcionrios da Biblioteca do MAE/USP, pela eficincia;
- Fernandes de Souza Filho e Hlio de Oliveira, por tudo o que fizeram pela equipe do
projeto Museu gua Vermelha;
- funcionrios do Museu gua Vermelha, pela disponibilidade de ajudar;
- ICOM Brasil, pelo apoio no levantamento de pesquisas brasileiras de recepo em museu;
- Pr-Reitoria de Cultura e Extenso Universitria, USP, por apoio financeiro para
divulgao e discusso do projeto Museu gua Vermelha;
- Maria Margaret Lopes e Maria Aparecida Baccega, pelas valiosas orientaes durante a
qualificao;
- minha orientadora, a Profa. Dra. Maria Immacolata Vassallo de Lopes, pelo apoio
essencial em todos os momentos.
5
RESUMO
Comunicao museolgica: uma perspectiva terica e metodolgica de recepo.
Esta uma pesquisa que aproxima as reas de comunicao e museologia, com o objetivo de
realizar um estudo de recepo de pblico de museu. A recepo estudada de forma
integrada com as condies de produo e entendida como um processo mediado pelo
cotidiano do pblico. Tem como referencial terico a proposio de Jess MartnBarbero, que deslocou o foco dos estudos de comunicao do meio para as mediaes que se do no
cotidiano. Junto produo do mesmo autor, busquei as bases para a construo do
experimento metodolgico e para a interpretao dos dados. De acordo com MartnBarbero, o cotidiano se potencializa na questo popular como uma esttica que aproxima ou distancia o
pblico dos produtos culturais e comunicacionais. Dessa forma, foram estabelecidas
abordagens conceituais como possibilidades de vnculos entre sujeitos e culturas no processo
de comunicao museolgica. As formas de apropriao do pblico dessas abordagens foram
analisadas visando a contribuir para a construo de uma teoria compreensiva da recepo
museolgica. O experimento emprico teve como locus de aplicao o Museu gua Vermelha
e a exposio Ouroeste: 9 Mil Anos de Histria, instituio de antropologia situada no interior
do Estado de So Paulo, e envolveu os sujeitos do processo de comunicao, os profissionais
os emissores e um grupo de estudantes os receptores.
Palavras-chave: Recepo em museu. Avaliao museolgica. Comunicao museolgica.
Exposio antropolgica. Educao em museu.
6
ABSTRACT
Museological communication: a theoretical and methodological perspective of reception.
This is a research that approaches the areas of communication and museology, with the
objective of making effective a study on reception of public of museum. The reception is
studied in a form integrated with the production conditions and is understood as a process
mediated by the quotidian public. It has as theoretical reference the proposition of Jess
Martn-Barbero who displaced the focus of medium studies of communication to the
mediations occurring in the quotidian. Together with the production of the same author, I
searched the basis for the construction of the methodological experimentation and for the
interpretation of the data. In accordance with Martn-Barbero, the quotidian is potentialized in
the popular question as an aesthetics that approximates or separates the public from the
cultural and communicational products. This way, some conceptual references have been
established as possibilities of links between subjects and cultures in the process of
museological communication. The forms of appropriation of the public for these links have
been analyzed aiming to contribute with the construction of a comprehensive theory of
museological reception. The empirical experimentation had as locus of application the gua
Vermelha Museum and the exhibition Ouroeste: 9 Thousand Years of History, institution of
anthropology localized in the interior of So Paulo State, and involved the subjects of
communication process, the professionals the transmitters and a group of students the receivers.
Keywords: Reception in museum. Museological evaluation. Museological communication.
Anthropological exhibition. Education in museum.
7
LISTA DE TABELAS
QUADRO 1 Museus brasileiros com colees arqueolgicas e etnogrficas 143
QUADRO 2 Pesquisas acadmicas brasileiras de recepo em museus:
levantamento geral
195
QUADRO 3 Pesquisas acadmicas brasileiras de recepo em museus: objetivos e
metodologias
199
QUADRO 4 Coleta de dados com estudantes 215
8
SUMRIO
INTRODUO 11
1. A ESTRUTURA DA TESE 11
2. A PESQUISA 13
2.1 OBJETO DE ESTUDO 18
2.2 OBJETIVOS E HIPTESES 22
2.3 SNTESE DA METODOLOGIA ADOTADA 26
3. COMUNICAO E MUSEOLOGIA
BREVE PANORAMA DA APROXIMAO 27
3.1 SEMITICA E SEMIOLOGIA NO MUSEU 31
CAPTULO 1 OS SUJEITOS DO MUSEU 39 1.1 O PBLICO COMO SUJEITO 41
1.2 EXPRESSES DO PBLICO-SUJEITO 50
1.3 EXPRESSES DO MUSEU E DO PROFISSIONAL-SUJEITO 53
CAPTULO 2 COMUNICAO EM MUSEUS E COMUNICAO MUSEOLGICA 60
2.1 MUSEU TRANSMISSO 61
2.2 A FLEXIBILIZAO DO MUSEU 71
2.3 MUSEU E AS MEDIAES DO COTIDIANO 75
2.4 UM NOVO PARADIGMA PARA O MUSEU 83
CAPTULO 3 LINGUAGEM CONDENSADA, LINGUAGEM ENGENHOSA 87 3.1 RETRICA ARGUMENTATIVA
OBJETO, TEMPO, ESPAO E AMBINCIA 95
9
3.2 COLEES ANTROPOLGICAS
ARTEFATOS "FORA DE LUGAR, MAS DENTRO DO MUNDO" 110
3.3 OS DESAFIOS COMUNICACIONAIS DAS EXPOSIES SOBRE O PASSADO
PR-COLONIAL BRASILEIRO - O SUBTEXTO INVISVEL 122
3.3.1 A diversidade cultural como pretexto para a alteridade 124
3.3.2 Tolerncia, cooperao e solidariedade 126
3.3.3 Territorializao, desterritorializao e reterritorializao 130
3.3.4 Saberes complexos, saberes do cotidiano e saberes populares 133
CAPTULO 4 AS CONDIES DE PRODUO DO MUSEU GUA VERMELHA E AS CONDIES DE PRODUO DA EXPOSIO OUROESTE: 9 MIL ANOS
DE HISTRIA 140
4.1 DA ARQUEOLOGIA MUSEOLOGIA
AS ORIGENS DO MUSEU GUA VERMELHA 148
4.2 O PROJETO MUSEOLGICO INSTITUCIONAL 154
4.3 O PROGRAMA ARQUITETNICO 156
4.4 A EXPOSIO OUROESTE: 9 MIL ANOS DE HISTRIA
OS DISCURSOS EXPOSITIVO E EDUCATIVO 159
4.4.1 A expografia 164
4.5 A METODOLOGIA DE TRABALHO 171
4.5.1 O treinamento da Equipe Local 176
4.5.2 O trabalho conjunto com os arquelogos 178
CAPTULO 5 A PESQUISA ACADMICA DE RECEPO DE PBLICO EM MUSEUS NO BRASIL 184
5.1 A PESQUISA DE RECEPO DE MUSEUS NO BRASIL 192
10
CAPTULO 6 A PESQUISA DE RECEPO NO MUSEU GUA VERMELHA 211 6.1 O EXPERIMENTO METODOLGICO: O MULTIMTODO PARA O MUSEU
GUA VERMELHA 211
6.1.1 A coleta de dados com a Equipe de Gesto Museolgica 212
6.1.2 A coleta de dados com a Equipe Local 213
6.1.3 A coleta preliminar de dados com o pblico 214
6.1.4 A coleta de dados ps-visita 216
6.2 A FALA DOS SUJEITOS 217
6.2.1 A fala da Equipe de Gesto Museolgica 217
6.2.2 A fala da Equipe Local 228
6.2.3 A primeira fala dos receptores 232
6.2.3.1 A relao dos estudantes com a arqueologia 235
6.2.3.2 A relao dos estudantes com o ndio brasileiro 241
6.2.4 Os sujeitos da recepo 244
6.2.4.1 Dados de observao da recepo 245
6.2.4.2 O que chamou a ateno dos receptores? O que eles acharam da exposio? 254
6.2.4.2.1 A ambincia, a ao educativa e a relao do pblico com o museu 254
6.2.4.2.2 Os vnculos com o passado pr-colonial brasileiro 274
6.3 SNTESE DA RECEPO 299
6.3.1 Sntese dos dados de recepo do questionrio 299
6.3.2 Sntese da observao da recepo 301
6.3.3 Sntese do registro escrito da recepo 304
CONSIDERAES FINAIS 311
BIBLIOGRAFIA 324
ANEXOS 351
INTRODUO
"Hoje, uma diversificao cada vez maior de especialidades profissionais interagem num museu, permeando a curadoria de acervos: o estudo para determinar a seleo e coleta de objetos e, depois de sua agregao aos museus, as pesquisas de diversas naturezas desenvolvidas em torno desses mesmos objetos, para melhor entender os seus significados intrnsecos e seus significados inferidos, isto , aqueles apreensveis a partir da sua morfologia e aqueles que, associados a outros elementos, possam levar alguma compreenso mais clara das sociedades que os produziram e utilizaram; o desenvolvimento de tcnicas para a sua boa conservao e eventual restaurao sem prejuzo de sua capacidade informativa; diferentes concepes, estratgias e articulaes para exp-los ao grande pblico; o desenvolvimento de sistemas que estimulem o pblico a explorar as muitas possibilidades de uma exposio e de um acervo so as metas buscadas pelos muselogos e por todos aqueles que exercem a curadoria de acervos e de exposies nos museus, em suas diferentes facetas."
Helosa Barbuy
1. A estrutura da tese
Esta pesquisa emprica e exploratria e visa a levantar um conjunto de hipteses que
podero orientar ou ser aprofundadas pesquisas futuras desse carter. Pretendi construir um conhecimento inicial no campo da museologia apoiado pela rea da comunicao.
Seguindo as orientaes de Immacolata Lopes, a pesquisa se desenvolveu na confluncia dos
campos de comunicao, pesquisa de recepo, museologia e antropologia, visando ao
alargamento de limites desses campos (2000-2001, p. 46) e construo de um quadro
interpretativo que permita o tratamento da realidade emprica do Museu gua Vermelha
(1993, p. 84). O quadro interpretativo foi criado para suprir, conforme apontado por Garca
Canclini (1993, p. 33), um conjunto combinado de princpios tericos e metodolgicos
transversais ainda no existentes nos estudos culturais, ou ainda, como apontado por
Immacolata Lopes, suprir uma teoria compreensiva dos estudos de recepo (1993, p. 85)
aplicada museologia.
12
Nesse sentido, esta tese se apresenta com a seguinte estrutura:
Captulo 1 - Na trajetria dos museus houve uma transformao constante sobre a concepo de pblico de passivo a ativo e criativo, isto porque foi possvel ao pblico mudar a sua atitude de contemplao para um comportamento mental ativo e, finalmente, uma
atitude de (re)criador do discurso museolgico. Neste captulo apresento a atual concepo de
pblico como sujeito participante e criativo do museu, integrando nesta viso os profissionais
dessa instituio. Para tanto, busquei reunir as falas de diversos profissionais de museu sobre
esse tema.
Captulo 2 - Apresento a aproximao feita entre as reas de comunicao e museologia a partir dos modelos comunicacionais adotados pelo museu. Considerando que
vrias anlises poderiam ser realizadas, optei por discutir os modelos de comunicao
museolgica a partir da concepo atual de sujeito do museu, conforme apresentado no
Captulo 1, e a partir do paradigma proposto por Jess Martn-Barbero (1997a) de
deslocamento "dos meios s mediaes". Esse autor, ao retirar dos meios o foco dos estudos
em comunicao, deu nfase ao cotidiano do receptor como mediador da recepo e fez
desvelar o popular como "lugar metodolgico" primordial. Martn-Barbero elucida quanto a
uma esttica popular uma sensibilidade expressa claramente no folhetim, no melodrama e na telenovela como sntese da narrativa oral do folhetim e da emoo do melodrama. Captulo 3 - Discorro sobre a lgica do museu como meio, focando na exposio e ao educativa como a essncia da comunicao museolgica. Apresento-as como os
elementos comunicacionais fundamentais do museu e como "lugares metodolgicos"
essenciais para a pesquisa museolgica. No obstante serem o principal ponto de contato do
museu com a sociedade, constituem-se em linguagens condensadas e altamente engenhosas.
Ainda neste captulo apresento e discuto questes como alteridade, tolerncia, diversidade
cultural e reterritorializao como uma problemtica que desafia as exposies e aes
13
educativas sobre o passado pr-colonial brasileiro, o que faz rever a finalidade dessas aes
expositiva e educacional.
Neste captulo proponho um modelo de experincia expogrfica e educativa baseada na teoria
sobre rituais e na concepo de experincia esttica de John Dewey (1990).
Captulo 4 - Apresento as condies de produo do Museu gua Vermelha e da exposio e ao educativa Ouroeste: 9 Mil Anos de Histria.
Captulo 5 - Exponho um quadro das pesquisas acadmicas de recepo brasileiras j realizadas, discutindo-o. Trao a diferena entre pesquisar o e pesquisar no museu para fazer a
distino entre pesquisa da eficincia e pesquisa da eficcia, entre pesquisa centrada na
emisso e a centrada na recepo, entre pesquisa sobre as condies de produo e pesquisa
terica. Apresento como o experimento metodolgico para coleta, anlise e interpretao de
dados empricos foi construdo e discorro sobre os dados interpretados.
Nas Consideraes Finais analiso as contribuies da pesquisa de recepo museologia.
2. A pesquisa
O museu uma instituio complexa porque lida com a preservao e com a comunicao do
patrimnio cultural. Estas duas responsabilidades so constitutivas de sua natureza
institucional: preserva-se para comunicar as relaes sociais mediadas pelo objeto
musealizado e comunica-se para preservar o patrimnio como vetor de conhecimento sobre
essas relaes.
14
O objeto musealizado no museu ressignificado mltiplas vezes porque ele , como
documento, analisado em sua materialidade, sua trajetria, e a partir de questes
contemporneas que so tambm mltiplas, e ainda fragmentadas e mutantes.
Os profissionais envolvidos so tantos quantos os exigidos para compor um quadro
interdisciplinar. So vrios e de diferentes disciplinas para suprir a complexidade da
instituio. Distribuem-se nas diversas especializaes do processo curatorial cadeia operatria pela qual o objeto passa e na qual ele musealizado, ou seja, alcana o status
museolgico. O objeto adquirido, estudado, conservado, documentado e comunicado. O
museu, por assim dizer, uma instituio preservacionista e de comunicao, sendo que se
agregam ao seu perfil institucional o carter de meio de comunicar e a comunicao como
funo social. uma instituio cultural, de cultura material, e portanto, integrante e
participante de uma dinmica na qual atuam igualmente o profissional de museu e a
sociedade. atravs da comunicao que o museu se faz visvel sociedade e ganha forma.
Esta tese de doutorado se desenvolve no eixo entre o uso pblico do museu e as formas
adquiridas a partir desse uso e se fundamenta em quatro premissas. Primeira: o museu tem
uma responsabilidade social nica: no h outra instituio que se ocupe do estatuto do
objeto, preservando-o e comunicando os seus significados. Segunda: comunicao e cultura
so articulaes mtuas, definindo um processo de comunicao cultural, aquela em que a
dimenso e a dinmica comunicativa da cultura esto em primeiro plano. Se cultura e
comunicao esto imbricadas, a cultura material aquela que se estabelece a partir da
relao dos homens entre si mediada pelo objeto e comunicao museolgica aquela mediada por instituies preservacionistas tambm esto. Terceira: cultura e comunicao se articulam com educao porque o museu prope um processo de (re)significao do objeto
que se realiza no bojo da cultura material por meio da comunicao museolgica, processo
consciente para os participantes que aceitam, rejeitam, propem, negociam o bem
15
ressignificado. O prprio ato de musealizar retirada do circuito comercial e insero no circuito museal (re)significao cultural e discutido com o pblico. A educao preconizada pelo museu , sobretudo, de natureza atitudinal pois se realiza na perspectiva da
construo de valores patrimoniais. Quarta: o museu trabalha na perspectiva da comunicao
social.
Se esta pesquisa busca configurar o museu a partir da maneira como apropriado pelo
pblico, ento tem como ponto referencial privilegiado a recepo. Considera, entretanto, que
a recepo no uma ao que se possa analisar isoladamente, e sim integrada produo,
veiculao, difuso e consumo1. A comunicao um processo que transcorre entre, posso
sintetizar, dois plos o emissor e o receptor. A instituio museu v hoje com clareza a premncia de privilegiar o receptor sem detrimento
das aes do processo curatorial. A rea de comunicao museolgica entende que a
participao no processo de (re)significao cultural um pleno direito cidadania,
entendimento que situa o pblico como agente, ator, sujeito participante e criativo do processo
de comunicao no museu e indivduo exercendo a cidadania.
Um confronto inicial entre a rea da comunicao e a comunicao museolgica demonstra
que, apesar de o museu ter no pblico uma referncia primordial, ainda so encontrados em
suas prticas modelos de comunicao que, embora hegemnicos, esto ultrapassados. Esses
modelos se manifestam claramente em estudos de pblico realizados nesse contexto,
revelando motivos e intenes que atendem a interesses ora mercadolgicos, ora
funcionalistas ou de cunho behaviorista. Constato que o modelo da cincia da informao
ainda influencia fortemente uma prtica condutivista nos museus, ou melhor, h uma relao
assimtrica entre emissor e receptor estruturada em uma postura de transmisso de
1 Uso o termo consumo da forma como foi proposto por Garca Canclini (1993, p. 24), ou seja, na sua dimenso simblica prpria das prticas culturais.
16
conhecimento. Ainda predominante o senso dos efeitos ou impactos2 de uma exposio e/ou
ao educativa sobre o pblico como reflexo da capacidade dessas aes museolgicas de
transmitir informao.
A exposio museolgica e a ao educativa so, no museu, as principais formas de
comunicao com o pblico e, integradamente, a principal expresso de uma poltica de
comunicao museolgica e real manifestao de que o museu tem o pblico em sua agenda
de preocupaes. Exposio e ao educativa so formas comunicativas e, inclusive, esto
amparadas pelas reas de expologia e expografia e educao. Expologia, como parte da
museologia, estuda a teoria da exposio (DESVALLEES, 1998, p. 222) e envolve os
princpios museolgicos, comunicacionais e educacionais de uma exposio, a sua base
fundante (CURY, 2003b, p. 172). A expografia, como parte da museografia, "visa pesquisa
de uma linguagem e de uma expresso fiel na traduo de programas cientficos de uma
exposio" (DESVALLEES, 1998, p. 221); a forma da exposio de acordo com os
princpios expolgicos e abrange os aspectos de planejamento, metodolgicos e tcnicos para
o desenvolvimento da concepo e materializao da forma (CURY, 2003b, p. 172).
Educao, em sntese, o conjunto que abrange o estudo sobre as formas de ensino e
aprendizagem a partir da cultura material musealizada, as metodologias pertinentes e
estratgias particulares para pblicos especficos. As duas reas esto integradas
comunicao museolgica, conforme o tpico Museologia Aplicada do Quadro-Geral da
Disciplina Museologia3, e assumem juntas a essncia da comunicao nos museus. Podem,
2 Estou me referindo a efeitos e impactos de acordo com o proposto no modelo 'A pesquisa dos efeitos'; pela qual o pblico visto como "receptor puro, exposto irradiao dos meios, de onde a ao dever ser cada vez mais dominada pelos criadores, programadores e operadores" (LOPES, 1993, p. 79-80). importante distinguir esse modelo daquele recorrente de modelo sociolgico aplicado educao, em que o impacto corresponde eficcia de aes quanto a aspecto cognitivos, afetivos e psicossociais. 3 No incio da dcada de 1960, Zbynek Z. Strnsk props um sistema da museologia baseado em uma historicidade, em aspectos prticos dos museus e na relao da museologia com outras disciplinas. Esse modelo foi rediscutido sucessivamente desde o Encontro Internacional do Comit para a Museologia do Conselho Internacional de Museus ICOFOM/ICOM de 1977. Em 1980 e 1981 o debate se intensificou, e chegando a uma proposta tripartida Museologia-Geral, Museologia Especial e Museologia Aplicada. Geoffrey Lewis, W. Klausewitz e Vinos Sofka colaboraram com essa proposta (BURCAW, 1983, p. 21 e GUARNIERI, 1983, p.
17
em certas situaes, agir em separado, mas juntas potencializam o poder comunicacional
museolgico. Para Davallon, a estratgia didtica prpria da ao educativa um caso
particular de estratgia de comunicao (1989, p. 56). Para Hooper-Greenhill, a abordagem de
comunicao escolhida para uma exposio pedagogia do museu e o fenmeno da exposio
a sua principal forma pedaggica (2001f, p. [3]). Para Valente, comunicao expositiva
educao, ou h nela um carter educacional inerente (1995). Para Cazelli, Alves e Valente
(2004), h uma relao intrnseca entre comunicao e educao. Em suma, em toda ao
pblica desenvolvida pelo museu h um carter educativo, toda exposio educa e toda ao
educativa se efetiva porque a comunicao se efetivou. Por outro ponto de vista, ambas,
exposio e educao, esto unidas pela teoria museolgica que se desenvolve a partir da
definio de museologia de Guarnieri. Para essa autora, museologia o estudo do fato museal
ou museolgico, a saber: "A relao profunda entre o Homem, sujeito que conhece, e o
Objeto, parte da realidade qual o Homem tambm pertence e sobre a qual tem poder de agir
relao esta que se processa num cenrio institucionalizado chamado museu" (1990, p. 7). Isso posto, argumento que a exposio museolgica e a situao educativa construda no
museu por seus profissionais so os cenrios que facilitam ou dificultam a vida cultural das
pessoas junto ao museu e cultura material.
O museu sua equipe propriamente cria e produz exposies e aes educativas, desenvolve uma lgica conceitual, organiza os objetos museolgicos, associa-os a elementos
125). Em 1983, o sistema de museologia foi o pano de fundo da temtica central do encontro anual do ICOFOM/ICOM e fez-se uma reviso das discusses anteriores. Colaboraram com os debates e com o amadurecimento da proposta tripartida (Museologia Geral, Museologia Especial e Museologia Aplicada): George Ellis Burcaw (ISS, 1983, p. 21), Peter van Mensch (ISS, 1983, p. 83) e Waldisa Rssio Camargo Guarnieri (ISS, 1983, p. 118). Nesse ano, Waldisa Guarnieri sintetizou as discusses anteriores do ICOFOM a natureza do conhecimento museolgico, os objetivos da museologia, a interdisciplinaridade como mtodo para a museologia e para a ao nos museus (ISS, 1983, p. 114-125) e trouxe uma nova contribuio: um Quadro-Geral da Disciplina Museologia onde apresenta o sistema da museologia; como uma proposta aperfeioada do quadro apresentado em 1980 por Klausewitz e Sofka (GUARNIERI, 1983, p. 118). Atualmente o quadro mantm a mesma estrutura e o detalhamento vem sendo adequado por diversos profissionais. No Brasil, cito a proposio de Maria Cristina Oliveira Bruno (2000, p. 92-93), modelo adotado pelo Curso de Especializao em Museologia do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP, o qual vem sendo transmitido ao corpo discente desse curso de formao profissional.
18
contextualizadores que o signifiquem e que permitam a sua (re)significao pelo pblico,
tendo um espao fsico e o tempo como balizadores dessa ordem. Cria uma lgica discursiva
para comunicar conhecimento. Esta tese busca a compreenso de como o pblico apropria-se
de exposio associada a aes educativas e como ele a reelabora e a recria na forma de um
outro discurso, isto porque "[...] a comunicao s se efetiva quando ela incorporada e se
torna fonte de um outro discurso" (BACCEGA, 1998, p. 104). Para tanto, a recepo ser
estudada em face dos pressupostos institucionais, entendendo a recepo como parte
integrante de um processo que implica, seqencialmente, a criao, a produo e a veiculao
de exposio e ao educativa, pois a pesquisa de recepo integra o planejamento e a
produo. No entanto, e apesar disso, a recepo um processo que antecede e sucede a visita
ao museu. "A recepo um processo mediado pelo cotidiano dessas pessoas e quando elas
chegam ao museu esse processo j se iniciou" (CURY, 2004d, [8]).
2.1 Objeto de estudo
Considerando que a recepo estudada a partir de uma realidade emprica, elegi,
primeiramente as exposies com temtica arqueolgica brasileira, e posteriormente defini a
exposio de longa durao Ouroeste: 9 Mil Anos de Histria como locus. Assim sendo, o
interesse central desta tese de doutorado pesquisar a recepo de um grupo de visitantes da
exposio arqueolgica regional Ouroeste: 9 Mil Anos de Histria. De fato, priorizei um caso
para anlise do objeto de estudo, o Museu gua Vermelha instituio onde a exposio est instalada.
Com relao proposta tripartite, ver tambm MuWoP n. 1, 1980, pginas 11,12 e 13, as contribuies de Klauzewitz e Sofka; MuWoP n. 2, 1981, a contribuio de Geoffrey Lewis.
19
A escolha do caso estudado decorreu de oportunidade no contexto profissional. Considerando
que outras oportunidades ocorrem, esclareo que defini como locus o Museu gua Vermelha,
uma vez que o projeto integrou pesquisa arqueolgica regional, criao de um museu,
montagem de uma exposio, abertura pblica e visitao (consumo). Essa situao de
criao museolgica desde o "ponto zero" se no rara, no comum. Melhor dizendo, a
pesquisa em museologia desenvolve-se mais comumente em instituies j existentes e com
um histrico de formao. Nessas situaes os pressupostos institucionais j existem e so
analisados ante as formas de consumo de seus produtos museais. O estudo de caso Museu
gua Vermelha nesse sentido , como prope Orozco Gmes, nico, exemplar ([s. d.], p. 109-
110), e conforme Yin, revelador de fenmenos contemporneos inseridos em um contexto de
vida real (2001), pois consiste no em um caso dado, mas em caso construdo no transcurso
desta pesquisa, fato que agrega valor anlise da cadeia produo-veiculao-difuso-
consumo-recepo. Um segundo motivo para a escolha do caso o fato de que a sua
construo foi coordenada pela autora desta tese. Longe de supor que isto pudesse provocar
alguma confuso entre pesquisador e objeto de estudo e perda de objetividade, essa
circunstncia permitiu uma oportunidade nica de exercitar o confronto entre inteno e
resultado, o aprimoramento profissional e, antes de tudo, de exercitar o compromisso do
pesquisador com o objeto de estudo, como bem exposto por Orozco-Gmez ([s.d.], p. 93).
Essa circunstncia faz com que uma mesma pessoa ocupe a posio de comunicador quem cria e produz , e de comuniclogo aquele que estuda processos de comunicao. tambm uma afirmao do compromisso partilhado entre o investigador e as pessoas que fazem parte
do objeto de estudo e do universo emprico levantado e analisado, condio que Brando
considera relevante em pesquisas que envolvem o pesquisador de maneira participante (1981,
p. 9-16). Isso orientou a um terceiro motivo para a escolha do caso Museu gua Vermelha
como objeto de estudo: a oportunidade de inserir outros profissionais no processo de
20
construo das intenes institucionais e de participao do processo de confronto entre a
inteno e os resultados. Foram duas equipes que sofreram, ao longo do processo, treinamento
ou capacitao em trabalho: as equipes de Gesto Museolgica e a Local, as quais foram
constitudas e treinadas e/ou capacitadas no processo.
Um quarto e ltimo motivo o fato de que o museu situa-se em uma pequena cidade com
6 500 habitantes, de acordo com o censo de 2000. Trata-se da cidade de Ouroeste, a noroeste
do Estado de So Paulo, s margens do rio Grande, na divisa do Estado de Minas Gerais, e
dista 660 km da capital. A populao tem alto nvel de escolaridade, grande acesso educao
nos nveis fundamental, mdio e superior, e pequeno acesso a outros recursos de mdias como
cinema, videolocadoras, teatro, internet.
Em sntese, o estudo de caso Museu gua Vermelha apresenta as seguintes caractersticas: o
Museu gua Vermelha de arqueologia regional foi planejado, concebido e implantado na
cidade de Ouroeste entre 2000 e 2003, tendo sido inaugurado no dia 2 de setembro de 2003.
Foi idealizado a partir das pesquisas arqueolgicas ocorridas em 1997-8 e 2002 e seguiu o
protocolo da moderna museologia quanto gesto patrimonial e processo curatorial. Teve seu
projeto museolgico-institucional (2000-1) e programa arquitetnico (2001) elaborados por
uma museloga, que tambm coordenou todo o processo de implantao do mesmo, sempre
apoiada por dois arquelogos. O edifcio foi projetado4 e construdo em 2002. O projeto
museolgico-institucional foi detalhado em subprojetos e executado por um grupo de
profissionais que constituiu a Equipe de Gesto Museolgica EGM. O cotidiano do museu, a partir de maro de 2003, ficou a cargo da Equipe Local EL, pessoas indicadas pela Prefeitura Municipal de Ouroeste para essa finalidade. Esclareo que grande parte dos
trabalhos ocorreu em So Paulo, principalmente aqueles relativos a planejamento, concepo
e produo, seja do Museu, seja da exposio e da ao educativa. O perodo de tempo em
4 Projeto da arquiteta Cssia Regina Carvalho de Magaldi.
21
que o processo transcorreu pequeno 2000 a 2003 , sendo que os trabalhos da EGM tiveram seu ritmo intensificado entre maio de 2002 e setembro de 2003. Aps a abertura
pblica do museu, a EGM dissolveu-se e a responsabilidade dos trabalhos passou para a EL,
sendo que a Coordenao Museolgica se manteve (at dezembro de 2003) e intensificou e
desdobrou o treinamento/capacitao j iniciado com a Equipe Local. Desde o incio dos
trabalhos pude registrar em detalhes todas as etapas de idealizao e produo do Museu
gua Vermelha e da exposio Ouroeste: 9 Mil Anos de Histria. Assim sendo, destaco que a
recepo da exposio Ouroeste: 9 Mil Anos de Histria foi pesquisada no confronto com os
dados de produo no s da exposio arqueolgica em questo, mas de um museu de
arqueologia brasileira como espao produtor do discurso que gerou o discurso expositivo. O
ponto inicial do projeto foi a pesquisa em arqueologia (campo e laboratrio). Isto
compreendeu, ento, um processo integrado de pesquisa cientfica em arqueologia brasileira,
a concepo e produo de uma instituio de preservao e comunicao cientfica e de uma
exposio, sua veiculao sociedade e as formas de consumo cultural dessa exposio que
se manifestaram empiricamente.
importante dizer que pesquisa de recepo de exposies existe em todo o mundo h 30
anos, nos moldes de "avaliao". No Brasil temos alguns trabalhos acadmicos realizados e
vrias pesquisas sendo feitas diretamente por museus. A contribuio desta pesquisa consiste
no aprofundamento do enfoque comunicacional. Nesse sentido, sua contribuio atuar em
trs perspectivas: primeira, levantar na literatura museolgica os momentos e formas de
aproximao entre museologia e rea de comunicao; segunda, ampliar no meio
museolgico as discusses sobre a participao do sujeito no processo comunicacional em
museu; terceira, propor um modelo terico-metodolgico que amplie as discusses sobre
inteno e resultado, inteno dos idealizadores e realizadores de exposies e aes
educativas em confronto com as formas de interao levantadas por meio de pesquisa
22
emprica junto ao pblico visitante. Esta ltima perspectiva colabora com a transformao da
realidade museolgica, com seu refinamento profissional e, sobretudo, com a transformao
do papel do museu a partir da participao do pblico.
2.2 Objetivos e hipteses
entendido, desde o advento do Darwinismo, que toda exposio deva ser contextualizada.
No sculo XIX o museu foi o cenrio da mudana de postura cientfica. De uma cincia
positivista descritiva passou-se a uma cincia racionalista-contextualizadora, explicativa,
discursiva e argumentativa. As exposies deixaram de ser catlogos classificatrios e
taxonmicos e passaram a abrigar exposies cujos objetos estavam contextualizados uma explicao da realidade. Isso foi um avano cientfico e expogrfico. Esse avano para a
inteligibilidade das exposies voltadas ao grande pblico exigiu que alm do
desenvolvimento cientfico ocorresse o reconhecimento do museu como canal de
comunicao. Essa evoluo possibilitou ainda uma mudana na concepo de pblico: de
passivo passou a ativo e, finalmente, criativo; isto porque foi possvel ao pblico mudar a sua
atitude de contemplao para um comportamento mental ativo e, por fim, a uma atitude de
(re)criador do discurso museolgico. De fato, o entendimento do museu e das exposies
como processos de comunicao vem sendo amadurecido e acredito que esse entendimento
deva dar um salto qualitativo de maneira a conscientizar essas instituies e seus profissionais quanto a modelos de comunicao, considerando que existem vrios e que a escolha de um consiste em posies to polticas quanto acadmicas.
Se uma exposio no somente transmite informao, qual o alcance de suas
potencialidades comunicacionais? Qual o papel de comunicador do museu? E qual a
23
participao do pblico de museu? Como integrar organicamente o processo e a recepo sem
cair em solues paliativas limitadoras da participao dos sujeitos do museu?
O museu formula e comunica sentidos a partir do seu acervo. Os processos de elaborao de
exposies em museu devem levar em conta que a aproximao entre exposio e pblico
deve se dar tendo o pblico como referncia (VOLKERT, 1996; GARCIA BLANCO, 1999).
Hooper-Greenhill corrobora com esta posio (2001f, [p. 6]):
A fim de construir um relacionamento mais efetivo com os visitantes, os
valores tradicionais do museu precisaro mudar; o foco tradicional na percia
da curadoria e o cuidado das colees, com uma limitadssima ateno aos
visitantes, precisar ser reconsiderada. Erudio e colees naturalmente so
essenciais, mas tornam-se meios para um fim, e o fim aquele de possibilitar
aos visitantes apreciar e aprender com o museu de uma maneira
contempornea, em vez de maneira do sculo dezenove. Focando-nos no
desenvolvimento do museu como um ambiente de aprendizagem
contemporneo, a maior parte dos valores de senso comum tradicional do
museu precisar ser discutida e modificada. Nem a menor parte destes
valores representa o uso do educador especialista em museu.
Considerando esse posicionamento, o que proponho nesta tese que tanto os temas e assuntos
escolhidos para ser musealizados5 quanto a elaborao do discurso expositivo se dem a partir
do cotidiano dos receptores. Contextualizar os objetos museolgicos alcana sentido se, ao
mesmo tempo, contextualizamos o tema e o assunto diante do cotidiano das pessoas. No
basta expor contextualizando a partir da origem e trajetria do artefato, e sim expor fazendo
com que se estabeleam vnculos entre culturas, entre grupos e entre pessoas de culturas
diferentes, e isto s se d na comunicao de sentidos. Acredito que somente estabelecendo
vnculos que conseguiremos estabelecer uma relao dialgica entre exposio e grupos culturais e o receptor. No meu entender, e ao contrrio do que se afirma que o consumo de museu uma das prticas culturais mais dependentes de um capital cultural elevado
5 Transformados em exposies, uma vez que todas as outras aes do processo j se concretizaram.
24
(BOURDIEU, 2003; SAFA, 1993) , podem existir outras interpretaes possveis sobre o uso de museus por diversas classes sociais, ou seja, o capital cultural no a nica
interpretao possvel, academicamente falando, e tampouco a nica possibilidade de
apropriao por parte do pblico no informado sobre as questes acadmicas, neste caso a
arqueologia.
No fcil criar um museu e implantar uma poltica de comunicao, mas o mais difcil
entender o rico encontro que se d entre essa instituio e seu pblico, levantar e analisar as
mltiplas formas s vezes ricas interpretaes, s vezes negociaes e outras vezes conflitos de interao entre o pblico e a instituio. Parece fcil para alguns conceber e montar uma exposio, mas elaborar um discurso expositivo que estabelea uma relao dialgica com o
pblico no . Difcil , tambm, elaborar o discurso expositivo, e nesta elaborao prever e
deixar espao para que o pblico (re)elabore o seu prprio discurso, e ao mesmo tempo
(re)elabore as suas significaes.
Dos museus como "meios s mediaes" (deslocamento de foco) significa que o cotidiano do
pblico o enfoque contemporneo a ser enfrentado por essa instituio. As pessoas vo ao
museu e tm contato com conhecimentos, significados e valores. Isso tudo posto por elas
mesmas em confronto com os conhecimentos, significados e valores que elas j tm. Muitas
vezes elas modificam o que j sabem, entendem e sentem, e outras no, pelo contrrio,
confirmam. E outras vezes as pessoas rechaam o que viram. E outras vezes o confronto se
processa durante muito tempo, at mesmo durante suas vidas. A recepo um processo
mediado pelo cotidiano dessas pessoas, e quando elas chegam ao museu esse processo j se
iniciou. Isso comunicao e isso participar da dinmica cultural, visto que a recepo um
processo individual mas compartilhado socialmente. O processo de (re)significao parte do
indivduo-sujeito e se torna efetivamente apropriado quando gera outra significao que
compartilhada no e com o contexto social a significao circula no contexto cultural.
25
Isso posto, apresento os objetivos desta pesquisa de doutorado:
Objetivo Geral Analisar as formas de apropriao de exposies antropolgicas pelo pblico de museu.
Espero desvelar como o pblico estabelece vnculos com culturas pr-coloniais, isto , como
estabelece vnculos pontos de reconhecimento entre seu cotidiano e o cotidiano de populaes pr-coloniais.
Objetivos Especficos 1- Entender as formas de uso de um museu por meio de uma exposio museolgica e de sua
ao educativa.
2- Suscitar os pontos de reconhecimento e identificao entre o pblico e as culturas
apresentadas e refletir sobre eles.
3- Desvelar como o pblico reelabora o discurso expositivo.
Em busca do alcance dos objetivos tenho duas hipteses de trabalho:
- Independentemente de seu capital cultural, o pblico faz um uso de exposies a partir
de seu cotidiano. Isto equivaleria a dizer que a antropologia compreendida pelo pblico a
partir dos referenciais de seu cotidiano. Distanciar as exposies antropolgicas desse
cotidiano distanciar as pessoas das discusses antropolgicas, distncia que consiste em
dissonncia cognitiva, fato que prejudica qualquer processo de comunicao da antropologia e
da arqueologia.
- As exposies antropolgicas tm seus discursos elaborados com base em uma
concepo popular, aqui entendida como expresso de viso de mundo, quando seus discursos
so concebidos como um jogo de espelho: eu me vejo no outro. Essa uma relao
constitutiva cujos elementos so as populaes apresentadas, o pblico e ocultamente mas no menos importante o profissional de museu. Acredito que assim o emissor e o receptor
26
esto liberados da posio limitada de (re)codificador e decodificador e passam a atuar na
construo e negociao do significado da mensagem.
2.3 Sntese da metodologia adotada
Para o desenvolvimento desta pesquisa adotei alguns procedimentos metodolgicos.
Para traar o "estado da arte" dos estudos acadmicos de recepo de exposies e ao
educativa no Brasil realizei um levantamento junto a profissionais da rea museolgica para
compor um Quadro. Recorri ao Comit Brasileiro do Conselho Internacional de Museus ICOM Brasil , que em 2003 retransmitiu aos associados brasileiros ligados internet uma mensagem eletrnica divulgando o levantamento que eu realizava. Por outro lado, obtive da
museloga Cristina Bruno um levantamento que ela realiza periodicamente de monografias,
dissertaes e teses no Brasil. Desse levantamento foram selecionadas as pesquisas que
atendiam aos propsitos do Quadro. Posteriormente recebi outras indicaes e comparei os
dados levantados com outros levantamentos como os realizados por Studart, Almeida e
Valente (2003, p. 149-153), Kptcke (2003, p. 66-67) e Cazelli, Marandino e Studart (2003,
p. 95-96).
Para discutir exposio e ao educativa como linguagens condensadas e engenhosas, recorri
a experincias museolgicas anteriores e atuais. Adoto h algum tempo como procedimento
regular registrar em um "caderno de campo" discusses e manifestaes de profissionais
durante projetos expositivos, e outras falas e atitudes do cotidiano de trabalho em museu
relacionadas expografia e educao. Algumas das experincias podero ser citadas, como as
exposies Plumria Indgena Brasileira (1996), Gasbol e os Antigos Habitantes do Sul do
Estado de So Paulo (2000), Brasil 50 Mil Anos Uma Viagem ao Passado Pr-Colonial
27
(2001), Formas de Humanidade (1995), Herbert Baldus Cientista Humanista (2000) (todas no contexto do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de So Paulo MAE/USP), e Um Dia na Vida (parceria em andamento entre o MAE/USP e o Instituto de
Cincias Biomdicas ICB/USP). Os dados registrados sero usados para situar a discusso no contexto real.
Para a pesquisa de recepo elaborei um multimtodo com o objetivo de abarcar todas as
etapas vistas integradamente do processo de comunicao. Foi pensado para associar
pesquisa qualitativa quantitativa, etnografia pesquisa participante, observao entrevista,
e est assim estruturado:
- Quanto ao processo de produo do museu e da exposio e ao educativa:
1- coleta de dados com a Equipe de Gesto Museolgica por meio de questionrio. Foi dado
um tratamento qualitativo aos dados coletados;
2- coleta de dados com a Equipe Local por meio de observao participante. Foi dado um
tratamento qualitativo aos dados coletados.
- Quanto ao pblico e recepo do museu e da exposio:
3- coleta preliminar de dados com estudantes, antes da abertura do Museu e por meio de
questionrio. Foi dado um tratamento estatstico;
4- coleta de dados aps a visita ao museu e exposio por meio de depoimento escrito livre.
Os dados foram analisados qualitativamente.
3. Comunicao e museologia - breve panorama da aproximao
Roger Miles (1989, p. 146-148) e Hooper-Greenhill (1996, p. 55-57) so categricos em
apresentar Duncan Cameron como um dos expoentes da aproximao da rea de comunicao
28
aos museus em 19686, corroborando a viso de comunicao de Cameron, E. Knez e
A.Wrigtht em 19707. Esses autores abordam a cadeia emissor-meio-receptor-feedback
baseada na teoria de informao e na concepo de comunicao como transferncia ou
transmisso de informao.
Em 1973, Roland Barthes publicou "Mythologies" e o estudo "The great family of man"
realizado em 1970 sobre uma exposio fotogrfica8. Esse estudo, de abordagem semitica,
analisou, em seu conjunto, a escolha do tema, a diviso conceitual e a distribuio das
fotografias, e o estilo adotado para a preparao dos textos. O objetivo de Barthes foi
demonstrar como os mitos podem ser estruturados a partir de exposies (HOOPER-
GREENHILL, 1996, p. 49).
Ainda na dcada de 1970, no mbito das motivaes provocadas pela introduo de estudos
de pblico em museus, vrias instituies desenvolveram estudos em exposies. As que
foram citadas por Hooper-Greenhill se apoiaram no suporte da semitica, quais seriam:
Museum of Modern Art de Nova York, em 19789; Western Australian Museum, em 197910;
Natural History Museum, em 198011; Louvre, em 198012 (idem, p. 50).
Na dcada de 1980, Davallon iniciou uma srie de estudos tericos voltados compreenso
do museu como canal de comunicao e do tipo de comunicao passvel de ser idealizada
por essa instituio. Ele tambm se apoiou na semitica (1989, p. 47-59).
Paralelamente, e em dilogo com os modelos transmissivo e/ou semitico, ocorreu um avano
no desenvolvimento dos processos de desenvolvimento de exposies. Os Estados Unidos e o
6 Os autores acima citam como marco o artigo de CAMERON, Duncan F.: A viewpoint: the museum as a communications system and implications for museum education. Curator, v. 11, n. 1, p. 33-40, 1968. 7 KNEZ, E. I.; WRIGHT, A. G. The museum as a communications system: an assessment of Cameros viewpoint. Curator, v. 13, n. 3, p. 204-212, 1970. 8 BARTHES, R. The great family of man. In: BARTHES, R. Mythologies. England: Paladin, 1973. 9 DUNCAN, C.; WALLACH, A. The Museum of Modern Art as late capitalist ritual: an iconographic analysis. Marxist Perspectives, p. 28-51, winter 1978. 10 HODGE, R.; DSOUZA, W. The museum as a communicator: a semiotic analysis of Western Australian Museum Aboriginal Gallery, Perth. Museum, v. 34, n. 4, p. 251-266, 1979. 11 ANON. Adams ancestors: Eves in-laws. Schooling and Culture, n. 8, p. 57-62, 1980. 12 DUNCAN, C.; WALLACH, A. The universal survey museum. Art History, v. 3, n. 4, p. 448-469, 1980.
29
Canad foram pioneiros na elaborao de material de apoio e treinamento para dar suporte aos
processos expositivos. Em 1969 o Natural History Museum of Los Angeles County preparou
o manual "How exhibits are developed", e em 1971 a revista Curator publicou o artigo de
Daniel B. Howell: "A network system for the planing, designing, construction, and
installation of exhibits." Em 1973 o Field Museum of Natural History preparou um
documento interno com procedimentos para planejamento de exposies e liderou uma srie
de oficinas de treinamento entre 1982 e 1987 nos Estados Unidos. O Royal Ontario Museum
publicou em 1976 o livro "Communicating with the museum visitor; Guidelines for planning"
(CURY, 1999, p. 40).
Entre as dcadas de 1980 e 1990 floresceu a idia de exposio participativa e o aprendizado
tornou-se um dos elementos crticos dos objetivos do museu e, especialmente nos Estados
Unidos, as
[...] discusses comearam a focalizar o modo como as pessoas aprendem e
relacionam-se com seu ambiente, que formas de estratgias de ensino
deveriam ser adotadas, e como conhecer as variadas inteligncias de nossos
visitantes. Em outras palavras, educao no museu como um campo de ao.
Comeamos a procurar por novas maneiras de comunicar sem ter que
escrever tudo nas paredes. Tivemos de encontrar novos vocbulos para
exposies [...] (VOLKERT, 1991, p. 47).
Consistiam em um vocbulo visual. O design de exposies se desenvolvia.
Ainda nas dcadas de 1980 e 1990 iniciou-se a discusso sobre a "museologia dos objetos" e a
"museologia das idias" como propostas antagnicas. E por que essas propostas afetaram a
viso comunicacional dos museus? Para Garca Blanco, ambas tratam do estatuto do objeto,
mas a "museologia dos objetos" como proposta est baseada na cincia positivista do sculo
XIX, enquanto
[...] a museologia das idias conceitualiza o objeto como portador de
informao, como signo significante, como suporte de significados
referenciais, todo ele em consonncia com os novos paradigmas cientficos e
30
a influncia do estruturalismo e da semiologia na anlise da interpretao e
comunicao da cultura material (GARCA BLANCO, 1999, p. 60).
Junto idia de objeto como documento surgiu a idia de objeto-signo.
Em ambas as museologias h idias e objetos. No entanto, na "museologia do objeto" o
discurso est oculto aos olhos do pblico. Trata-se de uma comunicao dada pela exposio
de objetos "sistematicamente selecionados e organizados segundo um discurso cientfico"
(GARCA BLANCO, 1999, p. 60) implcito, pois no h inteligibilidade. Essa que para mim
uma postura e no uma museologia supe que o visitante informado.
Em 1992, com a Declarao de Caracas, consolidou-se a idia de museu como meio de
comunicao e inseriu-se a idia de processo de comunicao como uma das funes
primordiais do museu: o museu "[] transmite mensagens atravs da linguagem especfica
das exposies na articulao de objetos-signos, de significados, idias e emoes,
produzindo discursos sobre a cultura, a vida e a natureza" (ARAJO; BRUNO, 1995, p. 39).
No incio da dcada de 1990 foi sentida uma mudana substancial quanto a romper com o
modelo de transmisso de informao e quanto a pensar em uma alternativa para o modelo
semitico. Essa mudana de enfoques foi denominada como um novo modelo de
comunicao para os museus (HOOPER-GREENHILL, 1996). O que houve de novo foi o
rompimento da cadeia linear emissor-meio-receptor-feedback, propondo o meio como ponto
de contato, encontro, troca e conflito entre o emissor e o receptor. O que h de novo nesse
modelo que ele vai alm da exposio, desloca-se do ponto de vista do emissor em direo
ao receptor. Ele implanta a concepo de pblico como intrprete criador e cidado que
substitui a aceitao passiva pela argumentao e negociao.
Seria interessante fazer notar que todos esses modelos transmissivo, semitico e da
interao coexistiram e ainda coexistem nos museus de todo o mundo.
31
Para efeito de discusso, nesta pesquisa separei essas propostas em dois blocos: (1) o
semitico e (2) a relao entre o emissor e o receptor. O primeiro bloco apresentado nesta
Introduo e o segundo, referencial para esta pesquisa, ser detalhado no Captulo 2.
3.1 Semitica e semiologia no museu
A museologia sempre namorou a semitica e a semiologia, e no difcil entender o porqu.
Ambas, semitica e semiologia, "referem-se de semelhante forma teoria dos signos, e
portanto forma pela qual um estudo de signos e sistemas de signos pode explicar problemas
de significados e comunicao" (EDGAR; SEDGWICK, 2003, p. 296, destaque dos autores),
ou seja, a semitica termo mais recorrentemente usado "procura entender os processos pelos quais eles [produtos culturais diversos] se tornam significativos e como eles so
diversamente interpretados" (idem, p. 297).
Por um lado, a semitica trata da linguagem e de seus elementos constitutivos como uma
realidade experimentada culturalmente e no predeterminada e descontextualizada. Sendo
assim, a linguagem como um sistema de signos interage com o sistema de signos do contexto
cultural.
Susan Pearce recorre semitica de Saussure para representar o processo do colecionismo no
museu. Para a autora,
[...] langue, no sentido de "linguagem", o termo convencional para a
estrutura fundamental de todos os tipos, incluindo a linguagem verbal e
outros sistemas como o dos objetos e parole, no sentido de discurso, o
termo para toda ao concreta seja em palavras ou coisas (2001, p. 16).
Meneses (1994, p. 32) exemplifica a proposta de Pearce assim:
32
[...] um museu de Antropologia [...] toma a cultura material de um grupo (no
sentido de evidncias materiais observveis) como repertrio, conjunto de
possibilidades caractersticas socialmente disponveis (langue para
Saussure); da seleciona elementos que constituiro sua coleo (atualizao
do potencial da langue, portanto, parole); a coleo, por sua vez, funciona
novamente como repertrio (langue) que ser acionado como parole na exposio.
De fato, junto idia de objeto como documento est a idia de objeto-signo e uma concepo
de comunicao:
A conceitualizao dos objetos como um sistema de comunicao, aporte
feito desde o estruturalismo e a semiologia, permitiu investigao
arqueolgica, antropolgica e artstica explorar os objetos como
documentos, provedores de informaes sobre as sociedades s quais
pertenceram, e convert-los em signos portadores de significados, de idias.
Ao mesmo tempo permitiu refletir sobre as dificuldades de recepo das
mensagens construdas com objetos, por parte das pessoas que no
dispunham dos cdigos de valorizao cultural ou esttica de tais objetos
(GARCA BLANCO, 1999, p. 7).
Por outro lado, a semitica, como rea de conhecimento, compreende um capital terico
amplamente experimentado e utilizado pelos estudos culturais, suporte que a museologia viu
como apropriado para construir a sua prpria problemtica comunicacional.
Uma postura semitica aplicada exposio privilegia a compreenso da recepo perante os
estmulos dos objetos, visuais, sonoros e outros. Esta postura tem a inteno de compreender a
produo de sentido em uma exposio a partir de seus elementos constitutivos (e da
combinao entre eles) e de conhecer as formas como o pblico percebe os elementos
expogrficos e apreende a mensagem. Nessa postura, busca-se compreender a relao entre os
objetos, organizao do contedo, textos e legendas e uso de demais elementos expogrficos e
como produzem sentidos. Essa preocupao semitica auxilia a produo de exposies
33
pensar nas partes com relao ao todo , assim como a anlise do produto final como produtor de sentido.
A comunicao museolgica j foi abordada em vrios textos baseados na semitica como
suporte terico. Posso citar alguns autores que trabalham nessa perspectiva. Miles (1989, p.
152) entende comunicao e avaliao na concepo de semiologia:
[...] percebe-se que seu papel [da semiologia] procurar assegurar ao
comunicador e ao pblico o acesso aos mesmos cdigos, como tambm de
os tornar disponveis para ajudar, pois, caso contrrio, os smbolos estaro
desprovidos de significado e a comunicao malograr. A avaliao
formativa tem, portanto, alguma importncia, como confirmam os estudos de
casos publicados por diversos pesquisadores, notadamente Griggs (198113) e
Jarrett (198614). Percebe-se claramente, no entanto, que ela no pode jamais
garantir o sucesso total, pois permanece sempre a possibilidade de algumas
pessoas que, por uma ou outra razo, no colocam em aplicao o cdigo do
comunicador, confinando-se a uma m interpretao. Considerando-se a
heterogeneidade dos visitantes, esta eventualidade parece muito verossmil.
Mesmo se se pudesse melhorar sensivelmente a situao com a utilizao
dos modelos mais considerveis dentro da avaliao formativa e combinando
a variedade das comunicaes diversidade do pblico, permaneceria
sempre um "problema": que este ltimo deliberadamente d um senso
paralelo mensagem. Esperando, o comunicador pode esforar-se para
impor pela fora a leitura privilegiada, o conhecimento e a pertinncia de seu
trabalho, o que impossvel se no proceder anlise preliminar tanto como
avaliao formativa.
Jean Davallon um outro exemplo. Ele constata que uma exposio uma mdia e "um fato
semitico (ela capaz de comunicar e de significar, de produzir efeitos de sentidos)" (1989, p.
48). Para tanto, e segundo Davallon, necessrio criar uma estratgia de comunicao que
pressupe diversas operaes semiticas que entrelacem o discurso ao espao, fazendo com
que a exposio assegure uma orientao para a recepo (percurso/circuito e leitura
interpretativa) (idem, p. 56).
13 GRIGGS, S. Formative evaluation of exhibits at the british Museum. Curator, v. 24, n. 3, p. 189-201, 1981.
34
Outro exemplo: Francisca Hernndez Hernndez (1998, p. 22) entende o museu como meio
de comunicao, no qual se aplica a semitica porquanto um meio que se acerca da
significao. Para a autora:
O museu nos apresenta como um processo de comunicao e como uma
forma de linguagem significante. [...] o museu atravs de sua prpria
estrutura, se converte em um meio ou emissor da mensagem dos signos,
prprio da sintaxe. Em um segundo momento, o museu trata de oferecer-nos
uma srie de contedos bem organizados que formam a base discursiva e
semitica do mesmo; ou seja, o museu pretende comunicar-nos algo e, para
isso, serve-se da semntica, onde tm lugar as relaes entre signo e objetos.
E, por ltimo, o receptor ou pblico trata de dar sentido ao objeto,
interpretando o seu significado e aplicando-o situao cultural em que se
movimenta, prprio da pragmtica, dando-se uma relao entre os signos e o
pblico.
H alguns estudos brasileiros que se apoiaram parcialmente na postura semitica de Davallon,
como os elaborados pelos profissionais do Museu de Astronomia e Cincias Afins MAST,
Cazelli, Alves e Valente (2004, p. 378):
Na abordagem museolgica foi considerado o trabalho de Davallon (198815),
que ao tratar do principal meio de comunicao dos museus, ressalta os
desafios encontrados na elaborao de exposies cientficas, partindo da
hiptese de que, nesse momento, ocorre um processo de representao, de
figurao que acompanha a passagem do discurso cientfico (a fonte) ao
discurso da divulgao (o alvo). Ele analisa o processo de representao com
base na interpretao semitica do espao no qual ocorre a divulgao,
indicando que a passagem do "texto-fonte" para o "texto-alvo" no pode ser
compreendida como uma simples traduo, mas sim como uma
transformao.
Em outro artigo do MAST, Marandino (et al.) apresenta uma exposio desse museu como
uma unidade de anlise elaborada para fazer sentido a partir da disposio de seus recursos
14 JARRET, J. E. Learning from developmental testing of exhibits. Curartor, v. 29, n. 4, p. 296-306, 1986. 15 DAVALLON, Jean. Lexposition scientifique, espaceet ostentation. La divulgacion du savoir: thories et pratiques smiotiques. Expo Media, v. 16, n. 3, p. 5-16, 1988.
35
expogrficos, como uma mdia, e como resultado de um processo de construo. A autora
sustenta ainda que toda exposio est estruturada em estratgias para prever as competncias
do futuro receptor (2003, p. 165-167).
H uma inteno nos estudos do MAST que no se restringe semitica: a de integrar os processos de concepo e produo recepo. O recurso utilizado foi analisar o processo
interno pelas vias de uma postura semitica.
Na verdade, parece que alguns princpios da semitica so teis para a anlise da exposio
como produto, e principalmente para demonstrar que h em sua elaborao um pensamento
complexo de escolhas e associao de elementos com vistas participao do pblico.
Ademais, acredito que a semitica, ou semiologia, colabora para a valorizao do processo de
elaborao de exposio e para que a mesma adquira um status de linguagem elaborada.
No contexto brasileiro, uma aproximao mais intensa entre museologia e semitica foi
realizada por Maria de Lourdes Parreiras Horta em dois artigos seus: O processo de
comunicao em museus (1989) e Semitica e museu (1994).
No primeiro artigo, publicado em 1989, Horta trata da inter-relao entre memria,
comunicao e linguagem. A seguir, define qual a linguagem museolgica, fazendo um
paralelo desta com a linguagem textual e, por fim, aborda a problemtica da comunicao no
contexto do museu.
No segundo artigo, de 1994, Horta discute semiologia e semitica a partir de Ferdinand
Saussure e de Charles Sanders Peirce, e o processo semitico da cultura a partir de Umberto
Eco, e conclui apresentando em que, no seu entender, consiste o processo semitico na
musealizao.
Para alguns a semitica vista com restries. Lauro Zavala diz que, "[...] a semitica uma
ferramenta [de investigao de recepo] que somente responde a perguntas que comeam por
'Como?', e no d nenhuma resposta a perguntas comeadas por 'Por qu?'" (1998, p. 82).
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Severas crticas so feitas por Hooper-Greenhill anlise semitica aplicada aos museus
(1996, p. 51-52), pela participao restrita do pblico no processo de interpretao, e por no
colaborarem objetivamente com o processo de desenho de exposies, uma vez que priorizam
a anlise do produto cultural final. Entretanto, a mesma pesquisadora adota o conceito de
semiologia da comunicao de Georges Mounins16 (idem, p. 53) estudo dos sistemas de
linguagem apreendidos socialmente e compreendidos pela maioria das pessoas. A semiologia
da comunicao entende que os ndices podem ou no ser interpretados por algum. Assim,
no museu os elementos comunicacionais devem ser produzidos intencionalmente para
transmitir mensagens significativas entre os criadores e os leitores.
Para Hooper-Greenhill (1996, p. 55),
Os museus e as exibies esto saturados de ndices, mas so tambm
construdos atravs de um conjunto de signos e sinais, que na terminologia
de Mounin significam que eles carregam mensagens intencionais. Creio que
poderamos legitimamente alegar que as exibies em museus e cartazes, por
exemplo, operam dentro de um sistema de comunicao que pode ser
aprendido. Existe certamente um argumento a ser preparado sobre quem tem
acesso a tal aprendizado social, e quo efetivo este aprendizado social, mas
no momento desejo deixar isso de lado. Se aceitarmos a considerao de
Mounin sobre a semiologia da comunicao, e se pudermos para o momento
aceitar que as prticas de comunicao dos museus caem dentro de um
sistema comunicativo que pode ser socialmente aprendido, ento podemos
continuar a dizer que todos os atos comunicativos nos museus consistiro de:
primeiro, signos e sinais, que carregam mensagens intencionais: e segundo,
ndices significativos, que podem ou no se tornar importantes atravs de um
processo de interpretao.
Hernndez Hernndez (2001, p. 205) concorda com Hooper-Greenhill que a inteno dos
profissionais deva estar claramente expressa na exposio para que haja comunicao:
Opinamos que o xito de uma exposio est em ter muito claro o que o
que queremos comunicar. Deve haver uma mensagem geral, suporte de toda 16 MOUNIN, G. Semiotics praxis: studies in pertinence and in the means and expression of communication. New York; London: Plenum Press, 1985.
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comunicao. Para transmitir tal mensagem se utilizam signos, considerados
como veculos atravs dos quais se realiza a dita comunicao, entre os que
podemos citar os objetos, os textos, as fotografias, as maquetes, o espao da
exposio e a iluminao.
Em sntese, de acordo com a semiologia da comunicao h sempre duas leituras possveis em
um processo comunicacional, que interagem entre si: uma objetiva e outra subjetiva. As duas
concomitantemente consistem na experincia nica que a visita a uma exposio.
Nessa circunstncia, a museologia tem na semitica ou mesmo na semiologia da comunicao
um referencial orientador adotado por alguns, para pensar, sobretudo, no processo de
produo de exposies e na exposio museolgica como produto final e como linguagem
estruturada e carregada de intenes institucionais. No quero aqui defender ou rechaar essas
posturas tericas, mas tenho que destacar que, por um vis, essa postura aplicvel por
aqueles que teorizam sobre processos de produo, refletem sobre o impacto dos recursos
expogrficos no pblico e se interessam por descries sobre o comportamento do pblico,
como Eliseo Veron e Martine Levasseur na conhecida obra "Ehtnographie de lexposition"
(1991). Para esses autores, um estudo sobre o comportamento do pblico envolve a anlise da
exposio, das propriedades e do projeto dos idealizadores, o que indica uma gramtica de
produo, e as leituras dos visitantes, o que envolve uma gramtica de reconhecimento (idem,
p. 43). Por outro vis, essa postura limitada, pois no avana na complexidade da relao do
pblico com a exposio e tampouco colabora para com uma teoria compreensiva da recepo
de museu. Creio, inclusive, que a semitica em museus, apresentada aqui de uma forma
simplificada, um tema difcil e polmico e deveria ser analisado em profundidade em outra
pesquisa. Por acreditar que h controvrsias com relao a esta questo pensar no museu
luz da semitica Meneses considera que a "[] digresso seria longa e espinhosa, em razo
do terreno movedio e lacunoso []" (1994, p. 37).
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Quero, no entanto, destacar que a semitica (e mesmo a semiologia comunicacional) pensa na
recepo do ponto de vista da produo, ou seja, dos parmetros definidos pelo emissor,
quando o que proponho nesta pesquisa de doutorado pensar na comunicao privilegiando o
plo receptor, ou ainda, pensar no processo de comunicao de forma processual e integrada,
mas a partir da recepo. Esse modelo pressupe que h uma forma particular de interao
entre o emissor e o receptor. O modelo da interao, conforme proposto por Martn-Barbero,
desloca a ateno do meio para as mediaes e, conseqentemente, as reflexes em
comunicao da semitica para as relaes interativas que se do no e fora do museu entre
sujeitos, interaes essas mediadas pelo cotidiano do pblico.
CAPTULO 1
OS SUJEITOS DO MUSEU
"Os dados e as decises so trabalhados concomitantemente, num permanente processo de construo e avaliao. No processo, todos so participantes ativos, ao construir e ao avaliar: alunos, pais, professores e monitores. O autor, mesmo que mantendo-se 'distante' para manter a objetividade, coloca a sua experincia e como participante ativo do processo de pesquisa e de desenvolvimento do projeto."
Ivo Leite Filho
Podemos dizer que a comunicao museolgica s se efetiva quando o discurso do museu
incorporado pelo visitante e integrado ao seu cotidiano em forma de um novo discurso. O
pblico de museu se apropria do discurso museolgico, (re)elabora-o, e ento cria e difunde
um novo discurso e o processo recomea, sendo que esse novo discurso ser apropriado por
outros e a histria se repete. mais que um processo, uma dinmica, e so vrios os sujeitos
que participam dela. O pblico um dos vrios sujeitos do museu. Na outra ponta est o
criador do objeto que no museu adquiriu um status museolgico ao ser inserido em um novo universo simblico e seus usurios. No museu esto os sujeitos promotores da musealizao o pesquisador, o documentalista, o conservador, o muselogo e o educador, dentre outros que compem os recursos humanos da instituio. So sujeitos todos aqueles
profissionais de museu que atuam coletando, conservando, documentando, estudando e
comunicando, que participam ativamente da construo dos mltiplos e s vezes fragmentrios sentidos que so atribudos consciente e sucessivamente no decorrer da trajetria museolgica do objeto. Esses atores participam tambm da construo do discurso
museolgico que alimenta os discursos comunicacionais.
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O pblico, o autor e o usurio do objeto e o profissional de museu, todos so sujeitos, e muitas
vezes esses sujeitos esto distantes entre si geogrfica ou culturalmente; existem no presente
ou existiram no passado e nem sempre se encontram, pois nem sempre esto fisicamente
presentes no museu, mas todos so sujeitos porque participam da (re)significao do objeto
patrimonial e da circulao da significao (CURY, 2004b, [p. 4]).
Deslocar as atenes para a recepo quer dizer, para o pblico fez deslocar igualmente os nossos olhares para todos os sujeitos do processo de comunicao. Muito embora o desvelar
do pblico como sujeito seja de vital importncia para a compreenso contempornea da
comunicao museolgica, considero vital tambm atribuir ao profissional de museu a mesma
considerao. Entendo que a simetria de papis deva ser observada para que no se construa
uma imagem para um em detrimento do outro. O museu espao de inmeros sujeitos, do
passado e do presente, daqui e de outros lugares, de culturas diferentes, com o mesmo ponto
de vista ou com divergentes e diferentes posies. Ao admitir que h um sujeito, muitos
outros aparecem. Um sujeito se faz na relao com o outro, nos fazemos sujeitos na interao
com outro sujeito, isto porque a comunicao provoca o estabelecimento de vnculos e os
vnculos s so possveis com a comunicao de sentidos. Melhor dizendo, no somos
sujeitos sozinhos e no (re)significamos sozinhos, ns (re)significamos com outros, uma
atuao mtua e compartilhada entre o pblico e o museu.
Participamos criador, produtor, usurio, pblico, profissionais do processo de comunicao museolgica em diferentes posies, e estas posies definem como nos
fazemos como sujeitos.
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1.1 O pblico como sujeito
Ao pblico foi reservado o papel de escritor porque ele participa como criador do discurso
museolgico. Criar e escrever suplanta o papel que lhe foi atribudo por muito tempo de
leitor-decodificador, pois ao ler ele interpreta e ao interpretar ele recria. Com referncia a isso,
Cury (2003c, p. 49-50) fala sobre a sua experincia como coordenadora de exposies:
A exposio foi pensada para exigir algo do pblico: este deveria ser
constantemente desafiado, convidado a dela participar efetivamente. Nunca
vislumbramos uma exposio na qual as pessoas recebessem a informao
passivamente ou fossem colocadas diante de um objeto e no
compreendessem a sua importncia dentro de seu contexto cultural e social.
Tnhamos a certeza de almejar uma exposio em que o pblico tivesse,
alm de uma participao ativa, uma qualidade participativa numa dimenso
cognitiva.
A exposio e o discurso expositivo estariam sendo organizados de modo a
ser possvel, ao pblico, a leitura daquilo que estava sendo exposto e que, ao
final da visitao, ele tivesse um conjunto de informaes articuladas a
respeito do passado pr-colonial.
Qualidade participativa numa dimenso cognitiva significa ter o pblico
como leitor, e a exposio, como um texto legvel, pelo qual o pblico, em
sua visita, pudesse ter a compreenso do todo [].
Queramos tambm que o pblico, aps sua participao como leitor,
pudesse ter uma participao criativa, com o intuito de poder apropriar-se da
Exposio e perceber as conexes possveis [pensadas como tal]. O projeto
museolgico apontou para a possibilidade de conexes entre todos os
mdulos [conceituais]. A partir da leitura a respeito do que estava sendo
exposto, o pblico faria as conexes, recriando o discurso expositivo. Com
essa participao criativa, o visitante deixaria de atuar como leitor e passaria
a ser autor da exposio e escritor do discurso expositivo.
Frayze-Pereira reala que a leitura que concretiza uma obra como tal e que aproxima dois
plos o emissor e o receptor e dois universos distintos. "Nesse sentido, importa conhecer a viso do espectador com relao a uma exposio pblica de 'arte de loucos' [objeto de estudo
42
do pesquisador], escutar a fala do silencioso sobre o silenciado e aguardar o que a partir da
poder ser pensado" (1987: 7). O autor destaca que no ato da leitura h recriao (idem, 12).
Sendo assim, podemos dizer que h trs participaes unidas entre si: a leitura, a interpretao
e a recriao. So trs aes distintas que ocorrem sucessivamente e so indissociveis: no
h leitura sem interpretao (do contrrio, no houve leitura de fato) e no h interpretao
sem leitura (que o que possibilita a interpretao) e a interpretao em si recriao.
Fazemos aqui um jogo de idias entre leitura, interpretao e criao para reafirmar o que foi
dito por Ferrari: "Saber ler hoje no implica em decodificar palavras. Saber ler hoje produzir
sentido. Este um processo que se aprende, mas principalmente, que tem que ser exercido
com esprito crtico" (1999:, Resumo). Ferrari amplia o jogo de idias: une leitura e
interpretao a (re)significao. Essas aes so indissociveis na recepo realizada por
indivduos-sujeitos.
Para Frayze-Pereira, o pblico-intrprete interroga de modo a obter de uma obra a resposta
mais reveladora para ele, o pblico. Entende que uma obra tem em si a potencialidade de
suscitar significados novos, em vez de conter em si mltiplos significados que precisam ser
decifrados e desvendados pelo espectador (1987, p. 209). Para o autor, "[...] a leitura de uma
obra trabalho e no deciframento, [...] instaurao do sentido e no mero desvendamento
de um significado que se cr j depositado em si mesmo na obra [...]" (idem, p. 213).
Hooper-Greenhill (2001b, [p.9]), clebre pesquisadora em museologia, defende que "Dentro
dos museus que genuinamente consideram e se programam para a experincia dos visitantes,
o conceito de construo de significados tornou-se rapidamente influente e existe mais sobre o
entendimento de que a significao no fixa ou singular, mas fluida e plural."
Valente d nfase figura do visitante ao "penetrar a relao visitante/museu, a partir dos
significados e representaes que nela se processam [...]". De fato, so relaes de produo e
troca de significaes que se processam dinamicamente entre inmeros sujeitos. "A tendncia
43
interpretativa est centrada na busca dos significados e significaes das aes sociais que
esto na trama das relaes" (1995, p. 109). "A importncia da investigao [de recepo],
portanto, reside na captao dos diversos significados atribudos exposio pelos visitantes"
(idem, p. 125).
O pblico ativo em interao com a exposio que lhe d forma e contedo definitivo, isto
porque o pblico parte integrante da exposio (GARCA BLANCO, 1999, p. 7).
A antropologia e a sociologia trouxeram para os museus a noo de pblico visitante como
sujeito, quando o profissional de museu recorreu a essas reas para substituir a postura
behaviorista dominante nos processos educacionais, expositivos e, conseqentemente,
avaliativos. Para Hooper-Greenhill, a substituio seria inevitvel pois o behaviorismo tem
sua raiz na observao das reaes de animais e coisas enquanto a antropologia e a sociologia
tm suas razes na observao de homens (1996, p. 81-82).
Hoje sabemos que o pblico sujeito da construo de seus conhecimentos inclusive em
museus , e portanto, de sua prpria aprendizagem dentro e fora dessa instituio. Para isso, as situaes educativas so voltadas aprendizagem e esta se d com a experincia do pblico
que, pelas suas qualidades, uma experincia esttica. Segundo Dewey, uma experincia de
qualidade completa e consciente, integrada e delimitada, ntegra de maneira a alcanar a
consumao. "Tal experincia um todo e traz consigo sua prpria qualidade
individualizadora e sua auto-suficincia" (DEWEY, 1990, p. 247), e que atenda aos princpios
de continuidade e interao propostos pelo filsofo, ou seja, que a experincia educativa ou
expositiva em museu esteja "conectada com as suas [do pblico] experincias anteriores e que
influencie positivamente suas experincias futuras" (apud ANSBACHER, 1998, p. 44).
Tratar a visita ao museu como uma experincia abre muitos horizontes e descobertas quanto
ao papel do pblico na instituio museal, de acordo com Eilean Hooper-Greenhill (2001b, p.
8):
44
Dentro dos museus, uma vez reconhecida a importncia da experincia do
visitante, perguntas comeam a ser feitas sobre o que eles aprenderam. As
respostas so freqentemente surpreendentes, e muitas vezes tm muito
pouco a ver com a informao de aprendizado. As exibies so produzidas
para a comunicao de declaraes cheias de significado visual e textual,
mas no existe garantia de que o significado pretendido ser alcanado. Os
visitantes das exposies em museus respondem de diversas formas. Eles
podem ou no perceber os significados pretendidos, e percebendo-os, podem
ou no concordar com eles, ach-los interessantes, ou prestar ateno a eles.
"Os visitantes usam suas prprias estratgias de interpretao para obter o sentido das
exposies que encontram durante suas visitas a museus" (HOOPER-GREENHILL, 2001f,
[p. 3]). Essas estratgias interpretativas so montadas pelo pblico a partir de seu prprio
repertrio de conhecimentos, vivncias e valores. Em interao com a exposio, o pblico
mobiliza de sua experincia vivencial os aspectos para sua interpretao. Um dos ingredientes
para a interpretao a imaginao do pblico que resulta do envolvimento emocional do
visitante com a exposio, mediada pela sua biografia. Seguindo esse raciocnio, fica fcil
entender que a partir de seu mapa cognitivo, a ao do pblico circula naturalmente entre a
aceitao e a rejeio de um discurso. E no podemos negar que rejeitar ao de um sujeito
tanto quanto aceitar.
No entanto, o pblico como sujeito plural e criativo porque no est amarrado em aspectos interpretativos fechados , e criativo porque, quando em interao com o museu, aciona o seu repertrio vivencial e cria, na acepo de HooperGreenhill:
Os processos de interpretao dos visitantes no so singulares, mas
mltiplos, e procedem de uma srie de pontos iniciais. [...] O significado
produzido pelos visitantes dos museus a partir de seus prprios pontos de
vista, usando quaisquer habilidades e conhecimentos que possam ter, de
conformidade com o contingente de exigncias do momento, e em resposta
experincia oferecida pelo museu (HOOPER-GREENHILL, 2001f, [p. 3]).
45
Nessa linha de pensamento, Silverstone cr que "o significado de um objeto continua no
trabalho imaginativo do pblico que traz isso consigo em sua prpria agenda, experincia e
sentimentos" (1994, p. 164). No processo de musealizao os objetos so retirados do circuito
comercial e so inseridos em um novo universo simblico, sofrendo diversas aes de
significao por diversos especialistas de museu, principalmente do investigador, profissional
que estuda as colees, e do muselogo e do educador, profissionais que formulam os
discursos expositivo e educativo ou o discurso comunicacional. Cada um em sua posio
agrega significado ao patrimnio cultural musealizado, e por isso so curadores. Essa ao
curatorial prossegue no processo de comunicao, pois "[] o sentido de um objeto
significativamente dependente de um trabalho 'curatorial' do visitante, no qual os objetos so
reinscritos na cultura pessoal da memria e da experincia" (SILVERSTONE, 1994, p. 165).
Assim, o pblico curador tambm. Somos todos curadores em diferentes posies:
pesquisador, muselogo, educador, pblico. Nosso trabalho, inclusive o do pblico,
aprender a ser curador, aprender a construir significados desde uma lgica inferencial.
Hooper-Greenhill (2001f, [p. 6]) tambm v o pblico como curador em face de uma
experincia que lhe oferecida. Ela indaga sobre qual seria o desempenho dos visitantes na
comunicao museolgia, e ela mesma responde:
Espera-se que entrem completamente nos processos de aprendizagem
projetados [pelo museu] para captar e acionar os estilos de aprendizagem
preferidos [dos visitantes], que encorajem as ligaes a conhecimentos
anteriores, que encorajem a personalizao de sua visita e sua resposta. Eles
so encorajados a atuar como co-curadores do processo de aprendizagem e
freqentemente no de exposio tambm.
Considerando que a interpretao e a (re)significao de uma exposio envolve o uso do
espao, Cristina Freire destacou a ao espacial do pblico-sujeito em sua pesquisa. "Tal
anlise revelou que a recepo das obras remete relao percepo/espao e implica
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respostas afetivas que configuram uma maneira de olhar particular" (1990, Resumo). A
seguir, a pesquisadora reconhece:
[...] a anlise, fundamentada na Fenomenologia, recorta nas falas dos sujeitos
entrevistados [o pblico] temas propriamente perceptuais, ligados ao olhar-
as-obras-na-exposio, sempre com vistas apreenso do sentido desse olhar
e das