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9912173652/2008/DR/RJ ANO LXXXV Nº 444 FEVEREIRO - MARÇO - ABRIL DE 2012 Democracia Soberania Unidade Nacional Patriotismo

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9912173652/2008/DR/RJ

ANO LXXXV Nº 444 FEVEREIRO - MARÇO - ABRIL DE 2012

D e m o c r a c i a S o b e r a n i a U n i d a d e N a c i o n a l P a t r i o t i s m o

2Revista do Clube Militar 2Revista do Clube Militar

Sistema Colégio Militar do Brasil: Sempre um Belo Começo

Desde o início de sua criação, o Sistema Colégio Militar do Brasil (SCMB) é reconheci-

do, em diversos segmentos profis-sionais da sociedade, pela formação educacional e moral, forjada nos va-lores do Exército Brasileiro.

O Sistema é constituído por doze (12) Colégios Militares – Colégio Mi-litar do Rio de Janeiro (CMRJ), Colé-gio Militar de Porto Alegre (CMPA), Colégio Militar de Fortaleza (CMF), Colégio Militar de Brasília (CMB), Colégio Militar de Belo Horizonte (CMBH), Colégio Militar de Juiz de Fora (CMJF), Colégio Mili-tar de Recife (CMR), Colégio Militar de Salvador (CMS), Colégio Militar de Campo Grande (CMCG), Colégio Militar de Curitiba (CMC), Colégio Militar de Manaus (CMM), Colégio Militar de Santa Maria (CMSM) - localizados em capitais ou grandes cidades do Brasil e reflete a grandiosa cola-boração da Força Terrestre na formação básica de crian-ças e jovens de nosso País.

Com o objetivo principal de dar assistência aos filhos dos mi-litares, o SCMB embala, ao longo dos séculos, o sonho do Duque de Caxias e de seu Conselheiro, Thomaz Coelho. Desde 1889, com a criação do Colégio Militar do Rio de Janeiro, ainda no período imperial, até os dias de hoje, o SCMB, ao longo de seus 123 anos de existência, tem a sua im-portância reconhecida através do cul-to que lhe prestam e da memória que seus ex-alunos cultivam.

A galeria de ex-alunos conta com a presença de vários Presidentes da República, Juízes, Médicos, Minis-tros, Militares das Forças Armadas, Professores, Artistas, enfim, cidadãos plenos, que colaboram para o desen-volvimento do Brasil.

Uma influência certamente se destaca ao longo dos anos: o ingres-so das alunas nos bancos do ensino preparatório e assistencial. Nos anos 80, o cenário brasileiro revelava uma preocupação com o papel profis-sional da mulher e o espaço por ela ocupado. Assim, em um momento de efervescência, quando foram criados

NR: matéria enviada pela Diretoria de Ensino Preparatório e Assistencial

* A autora é Major.

Alessandra Martins Gomes Feitosa *

os Conselhos Estaduais da Condição do Direito da Mulher (1983), e, por conseguinte, o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (1985), o Exército Brasileiro, por intermédio de seu Departamento de Ensino e Pesquisa (atual DECEx), e da Porta-ria Ministerial 810 de 04 de setembro 1987, resolveu transformar em misto o corpo discente dos Colégios Mili-tares, destinando 30% de suas vagas para o sexo feminino.

Esta medida colaborou com a expansão da busca por igualdade e oportunidades para o segmento fe-minino na sociedade brasileira e na educação militar. Foi, assim, pre-cursora, no Exército, da abertura de vagas para o sexo feminino, o que redundou, posteriormente na entrada das mulheres na carreira de oficial do Quadro Complementar.

A entrada efetiva das alunas deu-se em 1989, nos cinco Colégios Mi-litares existentes à época: CMRJ – CMB – CMPA – CMM e CMF. A

partir deste momento, os Colégios Militares não foram mais os

mesmos. A delicadeza, a sen-sibilidade, a fragilidade e a perspicácia das meninas pas-savam a conviver no mes-mo espaço que era habitado apenas pelos meninos.

Devido à chegada das alunas, grandes mudan-ças foram implementadas. O uniforme precisou ser alterado; houve necessi-

dade de mesclar o corpo de docentes e monitores,

trazendo mais profissionais do sexo feminino para o trato

com as alunas. Muitas alunas alcançaram o posto de Coronel

Aluna, e com isso, comandavam o Batalhão Escolar, sendo destaques dentre os alunos.

Ao longo dos anos, o quantitativo de alunas foi ampliado e, atualmente representa 46% do efetivo. Hoje, o SCMB se orgulha de ter em seu rol de ex-alunas mulheres inteligentes e batalhadoras e que ocupam luga-res expressivos dentro da sociedade: médicas, advogadas, jornalistas, mi-litares, professoras, engenheiras, pi-lotos, dentre outras.

O SCMB não seria o que é hoje sem a presença de suas alunas.

2Revista do Clube Militar

3 Abril de 2012

O Ingresso da Mulher no Exército Brasileiro

Fui transferido da 8ª RM, onde era o E3, para ser o subcomandante da EsAEx, no início de 1991.Quando lá cheguei, o novo comandante, Cel Art QEMA Fartes, já havia assumido.Logo no início do ano, soubemos que teríamos que adaptar a Escola para recebermos o segmento

feminino de oficiais-alunos do QCO.Ao mesmo tempo, a CRO/6 conduziria a construção de um pavilhão novo, moderno e funcional,

preparado para alojar separadamente homens e mulheres.Problemas com a construtora atrasaram as obras, ressaltando a importância da adaptação das insta-

lações já existentes.O Cel Fartes baixou as diretrizes que iriam nortear todo o trabalho de instrutores e professores.Uma muito importante foi que oficiais-alunos, homens ou mulheres, teriam que ser igualmente tra-

tados, independente do sexo. Isto queria dizer que o treinamento físico militar, por exemplo, seria o mesmo para todo o grupamento, bem como a ordem unida, o tiro, o serviço em campanha etc.

Foi proibida a entrada de homens, de qualquer posto ou graduação, no alojamento feminino. Para tanto, o comandante conseguiu que a Polícia Militar da Bahia e a Marinha do Brasil passassem oficiais femininos à disposição da Escola. Destaco a capitão-de-fragata que passou a ser a comandante do seg-mento feminino. Era uma oficial eficiente, disciplinadora e que muito nos ajudou.

Foi também proibida qualquer intimidade entre o corpo permanente e as oficiais-alunas. Um tenente temporário que pensou em namorar uma aluna foi imediatamente passado à disposição do 19º BC. Este procedimento evitou que tivéssemos qualquer caso de assédio real ou imaginário.

Também foram proibidas as demonstrações de educação por parte dos oficiais instrutores para com as mulheres, tais como, ceder a passagem numa porta ou na entrada do elevador, dar o lugar em reuniões sociais, abrir a porta da viatura, etc. Elas eram e teriam que ser tratadas como se ho-mens fossem e assim foi feito.

General-de-Exército Leonidas Pires Gonçalves

General-de-Brigada Manoel Theophilo Gaspar de Oliveira

Em resumo, foi assim...Na oportunidade do estabelecimento do Projeto Força Terrestre 90 (FT 90), intento com objetivo

amplo e alcance ambicioso, realizado com sucesso no período ministerial entre 1985/90, era composto de múltiplos subprojetos, entre os quais a criação da Escola de Administração do Exército (hoje com outra designação).

Este instituto de ensino superior visava preparar um Quadro Complementar de Oficiais (QCO) para atuar centradamente na área da administração militar, com a finalidade de aperfeiçoar sua eficiência e potencializar a operacionalidade da Força.

Na ocasião, julgou-se – fato histórico – oportuno e indicado integrar ao QCO um Corpo Feminino.Cabe ressaltar que, mais que a oportunidade, motivaram a decisão duas razões maiores: primeira,

realizar justiça social e democrática merecidas pela mulher brasileira; depois, pragmaticamente, valer-se de uma mão de obra capaz, disponível.

A consequência institucional é reconhecida – o Corpo Feminino, após mais de vinte anos de atuação, é um sucesso profissional.

3 Abril de 2012

4Revista do Clube Militar 4Revista do Clube Militar

20 anos da Incorporação do Segmento Feminino no Quadro Complementar de Oficiais do Exército Brasileiro

Com a entrada pelo Portão das Armas, em abril de 1992, na Escola de Administração do Exército (EsAEx), sediada em Salvador, o sexo feminino

firmou sua presença no Exército Brasileiro (EB), como militar de carreira. Em igualdade de condições para ho-mens e mulheres, a admissão na carreira militar pelo Quadro Complementar de Oficiais permitiu a abertura de vagas para profissionais em distintas áreas do conhe-cimento para preencher as necessidades de recursos hu-manos nas atividades de interesse do EB. Desse modo, dos 122 militares formados, 49 mulheres iniciaram suas trajetórias como oficiais no curso de formação de ofi-ciais do Quadro Complementar-1992 (CFO/QC) nas se-guintes especialidades: administração, enfermagem, es-tatística, economia, informática, magistério (espanhol, inglês, francês, história, italiano e alemão), ciências contábeis e medicina veterinária.

Durante os nove meses de duração do curso, os oficiais alunos e alunas do CFO/QC são formados juntos, e são considerados 1º Tenentes R/2 convoca-do, recebendo os proventos e precedência hierárquica condizente ao posto.

Seguindo os passos do patrono do Quadro Comple-mentar de Oficiais, Maria Quitéria de Jesus1, a 1ª mulher a assentar praça nas tropas militares, no século XIX, e a participar das batalhas no recôncavo baiano com bravura, coragem e destemor, seu exemplo constituiu o paradigma que emulou o ingresso do segmento feminino nas fileiras do Exército Brasileiro.

O anteprojeto do Quadro Complementar de Oficiais, já facultava a possibilidade da presença feminina no efetivo da Força Terrestre, necessitando, apenas, de me-didas de adaptação para o seu ingresso. De acordo com a exposição de motivos no projeto de lei no 772 de 1988, enviada para submissão do Congresso Nacional para a criação do Quadro Complementar de Oficiais (QCO), pelo, então Ministro de Estado do Exército, General-de-Exército Leonidas Pires Gonçalves, a justificativa da proposta de criação do quadro seria suprir as necessida-

des das Organizações Militares com pessoal no desem-penho de atividades complementares.

O objetivo da implementação do Quadro, também, tinha como finalidade a racionalização dos recursos hu-manos na Força Terrestre com o propósito de ampliar a operacionalidade e obter melhor aproveitamento de seus efetivos. Logo, o QCO tornaria possível preservar os ofi-ciais de armas para a atividade-fim e integraria, em seus quadros pessoal habilitado, favorecendo os programas de modernização administrativa e as condições de ades-tramento e operacionalidade da Força Terrestre. A lei no 78312 foi promulgada em 02 de outubro de 1989, des-tinando os oficiais do Quadro Complementar às necessi-dades de pessoal especializado com nível superior para desempenho de atividades complementares. O Curso de Formação de Oficiais do Quadro Complementar (CFO/QC) iniciou suas atividades em 1990, apenas com o sexo masculino, tendo a inserção das mulheres como militares, em turmas mistas, ocorrido em 1992.

No curso de formação militar, o período de instrução era intenso e a formação dos oficiais do QC ocorria em 35 semanas. Nos primeiros anos de curso do CFO/QC, o quadro de trabalho era dividido em duas etapas: o curso básico de formação militar (CBFM) e o curso de formação específica (CFE). Naquele período, as etapas3 do Curso de Formação de Oficiais do Quadro Complementar (CFO/QC) eram divididas em dois períodos distintos: o primei-ro, de março até agosto e o segundo, de agosto a novem-bro; hoje, as duas etapas transcorrem simultaneamente ao longo do período do curso de formação. A classificação final era obtida pelo somatório da média ponderada do CBFM com peso 2 e o CFE, com peso 1. Destarte, após o resultado, era realizada a ordenação hierárquica entre os integrantes da turma através do mérito intelectual e inde-pendente do gênero ou das áreas específicas, permitindo a escolha de vagas distribuídas pelo território nacional.

No término do CFO/QC4 , o destaque do segmento feminino foi a Major Dayse Duarte Neves Penteado, da área de magistério/inglês, com a melhor nota entre

1 - Patrono do Quadro Complementar de Oficiais do Exército Brasileiro, Maria Quitéria de Jesus, nascida em 1797, na cidade de São José de Itaporocas, na província da Bahia, escondeu sua condição de mulher e lutou contra as tropas portuguesas para a independência do Brasil-colônia. Em fins de 1822, incorporou-se ao Batalhão de Voluntários de Dom Pedro I, tornando-se, oficialmente, a primeira mulher a fazer parte de uma unidade militar no Brasil. Em 20 de agosto de 1823, Dom Pedro I recebeu Maria Quitéria em audiência especial. Concedeu-lhe o soldo de alferes de linha e a condecoração de Cavaleiro da Ordem Imperial do Cruzeiro. Faleceu no anonimato em 1853, na cidade de Salvador.2 - Projeto de lei no 772/1988. Câmara dos deputados. Centro de documentação e Informação.3 - O acampamento aconteceu no 19º Batalhão de Caçadores para a 3ª Turma do CFO/QC, com instruções militares de sobrevivência, rapel, pista de corda, tiro noturno, patrulha, primeiros socorros, animais peçonhentos, transporte de feridos, entre outros. A mesma turma foi liberada para um período de dez dias de descanso. Com o retorno se iniciava o segundo período do CFO/QC, o curso de formação específica (CFE). Entretanto, atividades como serviço de escalas, ordem unida e as formaturas diárias permaneciam em todo período do curso.4 - Na classificação geral, o 1º lugar foi conferido para o oficial de direito, 1º Tenente QCO Clauro Roberto Bortolli.

Carla Christina Passos *

5 Abril de 20125 Abril de 2012

20 anos da Incorporação do Segmento Feminino no Quadro Complementar de Oficiais do Exército Brasileiro

as oficiais recém-formadas e a 7ª colocada na classi-ficação geral.

Coube ao Cel Jeferson Soares Fartes, como Coman-dante da Escola, com uma equipe de instrutores e moni-tores, conduzir a formação da terceira turma da EsAEx, Turma Maria Quitéria, primeiro curso de formação militar com homens e mulheres no EB, agregando-os em equi-dade de condições na adequação da vida civil para a vida castrense, oferecendo um ambiente propício para uma convivência fraterna no CFO/QC, para os futuros oficiais do Exército Brasileiro.

Como a turma mais antiga de militares de carreira com a incorporação do sexo feminino no Exército Bra-sileiro, as militares da turma de 1992 do QCO galgaram os postos de oficial subalterno e intermediário, e foram promovidas ao posto de oficial superior em 2007. A pre-sença das mulheres militares constituiu, dentre outros fa-tos marcantes, a participação feminina nas operações de manutenção de paz, com o envio de intérpretes nos idio-mas da língua inglesa e francesa, oficiais na área de direito e comunicação social, dentre outras atividades de apoio logístico neces-sário para o bom desempenho da tropa em missões no exterior.

Nos anos posteriores, com a experiência positiva das oficiais do QCO, em 1997 a Es-cola de Saúde do Exército e o Instituto Mi-litar de Engenharia abriram seus quadros e serviços para a incorporação de corpos mis-tos. No mesmo período, houve a admissão das mulheres no serviço militar voluntário, no estágio de adaptação e serviço (EAS) e no serviço técnico temporário (STT) para militares temporários, nas áreas de medici-na, odontologia, farmácia, medicina veteri-nária e enfermagem, e no posto de oficiais e na graduação de praças, na área de técnico de enfermagem.

O Departamento de Ensino e Cultura do Exército (DECEX), em 2009, modifi-cou a subordinação da EsAEx, da Diretoria de Especialização e Extensão (DEE) para a Diretoria de Formação e Aperfeiçoamento (DFA) atualmente, denominada de Diretoria de Educação Superior Militar (DESMil). A partir de 2011, a EsAEx passou a denominar-se Escola de Formação Complementar do

Exército (EsFCEx), formando, além de oficiais do Quadro Complementar, os oficiais do Serviço de Saúde, das áreas de Odontologia e Farmácia.

Hoje, a EsFCEx, em mais de 20 anos de existência, já formou cerca de 2000 oficiais, mulheres e homens, com graduação e pós-graduação em diferentes especialidades, e mantém na formação militar do oficial do quadro com-plementar um padrão de excelência compatível com a mo-dernização administrativa e tecnológica pela qual passa o Exército Brasileiro, no seu processo de transformação, em consonância com os projetos ali estabelecidos.

Referências:

CÂMARA DOS DEPUTADOS. Projeto de lei nº 772/1988. Centro de documentação e Informação.

MANUAL DO ALUNO. Salvador: Escola de Admi-nistração do Exército, 1992.(xerocopia)

6Revista do Clube Militar

Revista - Fale-nos sobre seu local de nascimento, educação fundamen-tal e média. Qual foi a sua graduação e em que especialidade?

Maj Carla Beatriz - Nasci no Rio de Janeiro. Cursei o ensino funda-mental e médio no Instituto Pio XI. Sou da área de magistério, professora de inglês.

Maj Margarida - Nasci no Rio de Janeiro, cursei o ensino fundamental no Colégio Metropolitano e o ensino médio no Colégio Marista São José. Graduei-me em administração na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, onde estava sendo criado o curso de extensão para for-mação de programador. Matriculei-me e obtive a graduação de tecnólogo de informática.

Maj Simone Moura - Filha de militar, nasci no Hospital Central do Exército, estudei na Escola Municipal Nossa Senhora de Pompeia do 1° ao 4° ano, no Educandário Madre Guell do 5° ao 8° ano e no Colégio Pedro II, o ensino médio. Graduei-me em En-fermagem e especializei-me em Cen-tro Cirúrgico, sendo pós graduada em Administração Hospitalar.

Maj Jucélia - Nasci no Rio de Ja-neiro, no bairro de Marechal Hermes. Cursei o ensino fundamental na Es-cola Tiradentes e o ensino médio, no Colégio Rivadávia Correa e no Colé-gio Reverendo Álvaro Reis. Graduei-me em Letras (Português – Espanhol) na Universidade Federal Fluminense.

Revista - Quando decidiu ingres-sar na então Escola de Administração do Exército e por quê?

Maj Carla Beatriz - Já prestava serviço, como autônoma, com aulas de inglês e português para algumas Unidades do Exército, desde que me graduei pela Faculdade de Letras da

UFRJ. Assim que as bases do primei-ro concurso para o segmento femi-nino foram lançadas, fui estimulada a me inscrever por já ter domínio da estrutura do ensino militar. Já estava casada com um capitão farmacêutico do Exército, que me encorajou a se-guir a carreira.

Maj Margarida - Estava termi-nando a graduação em Informática e estagiava em uma corretora de valo-res no centro do Rio de Janeiro. Li um anúncio num jornal de concursos so-bre o ingresso de “mulheres no Exér-cito”; não me interessei, pois achei que não teria mais idade, mas um dia decidi comprar o jornal e verifiquei que teria condições de me inscrever. Eu estava me graduando e buscava me estabelecer profissionalmente na área de informática. Imaginei que o Exército ofereceria uma excelente oportunidade.

Maj Simone Moura - Conheci a carreira através de meu pai e pelo seu exemplo, pude perceber o moti-vo pelo qual o Exército é considerado uma das instituições mais conceitua-das perante a sociedade. Isto fez com que não medisse esforços e dedicas-se-me aos estudos para conquistar o objetivo maior: tornar-me uma Ofi-cial do Exército Brasileiro.

Maj Jucélia - Em 1991, prestava serviço no CEP como professora, mi-nistrando aulas de língua espanhola e de língua portuguesa, estas para es-trangeiros. Quando foram abertas as inscrições para o concurso da Escola de Administração do Exército com a participação do segmento feminino, fui incentivada por várias pessoas, como o General Curado, comandan-te do CEP à época, o Coronel Raul, então chefe da Seção de Idiomas do mesmo Estabelecimento de Ensino, professora Suely Cosenza e, também,

o General Castro e o Coronel Avólio, então instrutores na ECEME. Incen-tivada e já gostando do trabalho que vinha realizando, decidi fazer a ins-crição para o concurso.

Revista - Como vocês foram re-cebidas na Escola pelos superiores? E o relacionamento com seus pares, em especial os colegas do Curso?

Maj Carla Beatriz - Acho que o novo assusta. É claro que, no início, ninguém ficou totalmente confortável com a nova situação. Era difícil para um sargento antigo, por exemplo, tirar serviço com uma moça nova, totalmente inexperiente, e ainda ter que obedecer às suas ordens. Para os oficiais superiores o sentimento já era outro. Éramos invasoras de um espa-ço que, por tanto tempo, havia sido de domínio masculino. Acho que é um sentimento normal. Com o tempo e o costume, essa sensação foi abran-dando. Quanto aos pares, a integra-ção entre os dois segmentos foi muito tranquila. Os companheiros de turma foram sempre muito solícitos e com-preensivos com as limitações físicas das mulheres. A nossa turma foi e ain-da é muito unida.

Maj Margarida - Fomos muito bem recebidas e até hoje, quando encontramos nossos ex-instrutores, há um carinho muito grande entre ambas as partes. O nosso relaciona-mento dentro do curso também foi muito bom.

Maj Simone Moura - Fomos mui-to bem recepcionados pelos superio-res, que tinham cuidado para que não houvesse tratamento diferenciado entre homens e mulheres. Éramos tratadas em condições de igualdade. Na escola, conheci uma nova família; o relaciona-mento com pares e colegas de turma era excepcional; somos amigos até hoje.

Cinco PerguntasA Revista do Clube Militar formulou para as Majores Carla Beatriz Medeiros de Souza

Albach, Margarida Maria Marrocos de Araujo, Simone Chaves de Moura e Jucélia Ferreira, todas pertencentes à Turma Maria Quitéria, as perguntas abaixo.

Vejam as respostas.

7 Abril de 2012

Maj Jucélia - Fomos bem recebi-das. O relacionamento com os pares e os colegas do Curso foi muito bom.

Revista - Qual (ais) a(s) principal (ais) experiência(s) que você ressal-taria na sua carreira militar?

Maj Carla Beatriz - Na escola de formação, principalmente com as instruções de tiro e com o acampa-mento, adquiri auto-confiança, deter-minação e muita agilidade. Durante a carreira, todas as turmas que pre-parei para missões no exterior fo-ram fontes profissionalmente muito inspiradoras. Os dois cursos que fiz no exterior, nos EUA em 1999 e no Canadá em 2008, fizeram toda a di-ferença na minha forma de encarar outras culturas e comportamentos. Durante o tempo em que servi na Escola Superior de Guerra, como auxiliar de estado-maior pessoal do General Subcomandante, fiz muitas viagens pelo Brasil e participei de muitas palestras em nível de defesa, indústria, comércio e política. Isso me deu uma visão muito ampla da situação do meu país, tanto interna como externamente. Posso dizer que todas essas experiências juntas me completaram, não apenas como pro-fissional, mas como cidadã.

Maj Margarida - Eu tive ex-periências muito gratificantes por todas as unidades por onde servi. Inicialmente na Diretoria de Infor-mática, em Brasília, minha primeira organização militar e a experiência pessoal de ir morar sozinha numa cidade nova. Depois fui instrutora da EsAEx, auxiliando na formação do meu Quadro: uma experiência muito enriquecedora. Servi, tam-bém, na EsCom, onde instrui Ofi-ciais, Subtenentes e Sargentos. Por um período de quase dez anos tra-balhei na área de informática e ad-ministrativa do Comando Militar do Leste. Atualmente sirvo no Arquivo Histórico do Exército, adquirindo experiências sobre a preservação da memória do Exército.

Maj Simone Moura - Foram muitas, mas posso destacar algu-mas: o atendimento às vítimas da enchente em Pernambuco e Alagoas. Vi o Exército chegar onde ninguém chegava para atender aquela popu-lação carente de tudo; participei ati-vamente, fazendo reconhecimento aéreo para instalação e montagem do Hospital de Campanha, coordenando equipes e atendendo aos acidentados.

Sou subcomandante de uma Organização Militar de Saúde Es-pecial, o Hospital de Campanha, e nunca pensei que desempenharia essa função pertencendo ao Quadro Complementar.

Participei das visitas ao Canadá e África do Sul, para o teste de acei-tação do Hospital de Campanha, re-centemente adquirido pelo Exército Brasileiro.

Maj Jucélia - Ao terminar o Cur-so de Formação de Oficiais do Qua-dro Complementar de Oficiais fui classificada na Academia Militar das Agulhas Negras. Foi uma experiên-cia ímpar. Acredito que concluí a mi-nha formação militar na AMAN, uni-dade em que servi durante 10 anos. Neste Estabelecimento de Ensino, como professora do idioma espanhol, tive a oportunidade de ser designada para participar do V Encontro Ibero-Americano de Academias Militares na cidade de Santiago (Chile).

Já na ECEME, também como pro-fessora de língua espanhola, acom-panhei comitivas de militares de Na-ções Amigas em visita ao Brasil.

Revista - Que perspectivas vocês têm para o prosseguimento das suas carreiras?

Maj Carla Beatriz - Espero que o meu quadro seja cada vez mais reconhecido pelo Exército, como pessoas que vieram, não para com-petir, mas para somar forças. Nossa vivência do mundo civil e do mundo acadêmico enriquece a vivência da caserna e libera o militar formado pela Academia Militar para se dedi-

car às atividades-fim da Força, que estão relacionadas à defesa e à ma-nutenção da Lei e da Ordem. Todo profissional, principalmente aquele que é aprovado em um concurso de acesso difícil e restrito, quer ter seu trabalho valorizado. No meu caso, como professora de idiomas, quero que o ensino de línguas estrangeiras esteja sempre em pauta como ativi-dade importante para a formação de nossos militares.

Maj Margarida - Hoje a minha perspectiva é continuar trabalhando no AHEx e com o tempo que ainda tenho de serviço chegar a Coronel.

Maj Simone Moura - Seria grati-ficante, e um incentivo maior para as nossas carreiras, que os integrantes do Quadro Complementar de Oficiais tivessem o interstício equiparado aos demais Quadros da Força Terrestre.

Maj Jucélia - Como o Curso de Gestão e Assessoramento de Estado-Maior (CGAEM), em síntese, forma assessores de grandes comandos na área administrativa, seria interessan-te que fosse aberta a possibilidade do ingresso do QCO para frequentar o curso e assim se qualificar para exer-cer essas funções, atendendo o prin-cípio da especificidade.

8Revista do Clube Militar 8Revista do Clube Militar

As Herdeiras de Maria Quitéria20 anos da presença da mulher no Exército

"Eu sinto o coração arder em chamas" — foi o que exclamou Maria Quitéria de Jesus, ao presenciar em 1822, no recôncavo baiano, a convocação dos soldados para a guerra pela independência do Brasil, que ainda não estava consolidada na Bahia. Inicialmente disfarça-da de homem, Mª Quitéria (o Sd Medeiros) dá causa ao registro da primeira participação da mulher feminina nas fileiras do Exército Brasileiro, fazendo-se integrante do Batalhão Voluntários do Príncipe, tendo sido promovida a cadete e, em seguida, condecorada no Rio de Janeiro com a Ordem Imperial do Cruzeiro do Sul.

De tantos, tornaram-se comuns os episódios de bra-vura e glória da intrépida baiana. Mas inusitado mesmo foi o pedido da mesma frente a Sua Majestade, D. Pedro I, na ocasião da condecoração: pediu-lhe que enviasse ao pai dela uma carta, solicitando ao mesmo que perdo-asse a filha desobediente.

Nova participação feminina só foi posteriormen-te observada durante a II Guerra Mundial, quando um contingente feminino de 73 enfermeiras, entre elas 06 especialistas em transporte aéreo, integrou a Força Ex-pedicionária Brasileira. A dedicação apaixonada dessas brasileiras que embarcaram para a Itália ainda podia ser vista nas últimas décadas, nas instalações do Palácio Duque de Caxias, sede do Comando Militar do Leste, personificada pela Maj Elza Cansanção, que envergou o uniforme verde-oliva até sua morte.

Foi com esse mesmo amor à pátria que, em 1992, adentraram pelo portão das armas da então Escola de Administração do Exército (atual Escola de Formação Complementar do Exército), no bairro da Pituba (Sal-vador-BA) — outrora campo de batalha de Mª Quitéria — as 49 (quarenta e nove) 1o Tenentes, alunas do Cur-so de Formação de Oficiais do Quadro Complementar. Eram profissionais com formação superior nas áreas de administração, economia, informática, direito, ma-gistério, estatística, ciências contábeis, enfermagem e veterinária, que sedimentaram a participação feminina na carreira militar, entrando para a história do Exército Brasileiro, como a turma pioneira da mulher no Exérci-to: Turma Maria Quitéria.

A admissão da mulher no Quadro Complementar de Oficiais (QCO) abriu espaço para que quatro anos mais tarde, em 1996, fosse instituído o Serviço Militar Femi-nino Voluntário para Médicas, Dentistas, Farmacêuticas, Veterinárias e Enfermeiras de nível superior e, no ano seguinte, fossem recebidas as primeiras alunas na Escola de Saúde do Exército e no Instituto Militar de Engenha-ria. A primeira turma mista do IME tinha em torno de 100

alunos, dos quais aproximadamente 10% eram mulheres, e desenhou um quadro curioso na cerimônia de colação de grau: perfilados os primeiros colocados das onze es-pecialidades de engenharia, quase metade era mulher.

Como consequência natural, a partir de 1998 fo-ram admitidas mulheres como oficiais temporárias em outras áreas e sargentos temporárias em diversas especialidades e, em 2002, mulheres como sargentos de carreira no Serviço de Saúde. Atualmente, já foram enviadas oficiais femininas às suas primeiras missões de paz, foram graduadas as primeiras militares pelo Centro de Instrução Paraquedista e pelo Centro de Ins-trução de Guerra na Selva e admitidas, em 2011, as primeiras mulheres na Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, no curso de Comando e Estado-Maior de Serviços (uma delas, diga-se de passagem, tendo sido a primeira colocada do curso).

Ao longo desses vinte anos de serviço, desde o in-gresso da primeira turma mista do QCO, o Exército teve e tem diuturnamente a oportunidade de ratificar a bem tomada decisão de admitir a mulher em suas fileiras. Se nos valêssemos dos arquétipos mitológicos de Ares e Athenas, símbolos, respectivamente, da guerra e da estratégia, compreenderíamos claramente que o homem e a mulher militar contribuem, cada um à sua manei-ra, para o cumprimento da missão institucional, sendo inadmissível querer tratá-los como iguais nos quesitos que lhes são peculiares como, por exemplo, a complei-ção física. O quesito força é óbvio que os distingue, homem e mulher, mas não há de haver espaço para ne-nhuma disputa e, ao contrário, há que se aproveitar a sinergia da atuação em conjunto, reunindo habilidades e enaltecendo o espírito de corpo.

Por ser oportuno, abro um pequeno parêntese sobre uma discussão contemporânea acerca da admissão da mulher combatente. Teria realmente chegado a hora? Se o número de vantagens sobrepujaria o número de desvantagens ou não e em que proporções, só o Es-tado-Maior do Exército, após os estudos dos órgãos envolvidos, poderá nos dizer. Só nos resta aguardar — e com certeza outras tantas brasileiras o farão com o coração também em chamas.

E se hoje, obviamente, já não se faz mais questionar uma suposta desobediência patriarcal condicionante da mulher na caserna, como nos tempos de Mª Quitéria, é evidente, por outro lado, que a batalha feminina come-ça muito antes, no terreno mais longínquo da sua alma, quando ela enfrenta a si mesma e ao desafio da mulher integral (pessoa, mãe, profissional, esposa). Atesto, pes-

Alyne Alves Trindade *

9 Abril de 20129 Abril de 2012

Minhas Impressões

Em 1992 eu estava passando por uma situação de vida muito complicada, com delicados problemas pro-fissionais e particulares.

Numa tarde de grande expectativa e ansiedade, meu pai me entregou um telegrama. Nem imaginava que po-deria ser alguma coisa boa, pois só vinham acontecendo coisas ruins na minha vida nos últimos 12 meses. Sequer imaginei que poderia ser um resultado favorável do con-curso que realizei. Pensei que seria uma informação de classificação e que eu não teria alcançado a média... Com muito nervosismo e mãos trêmulas abri o telegrama. Ti-nha uma plateia ao meu redor, tão nervosa quanto eu. Ao ler o telegrama, meu coração ia batendo mais forte à me-dida que eu passava pelas palavras. Quando compreendi — e demorou para cair a ficha — quase desfaleci de tanta emoção. Segurei a informação para mim, dizendo que era somente uma convocação para terminar outra prova.

Mais tarde dei a notícia para meus pais, pedindo para que eles não contassem para ninguém. Eu só acre-ditaria naquele conto de fadas quando pudesse ver o meu nome na lista.

Conto de fadas sim. Eu me senti como uma cinde-rela que acabara de calçar um sapato de cristal. Tantos sonhos... Tanto empenho... Noites invadidas pelos li-vros e esperança em algo diferente para dar uma gui-nada e uma cor à vida.

Morando no subúrbio do Rio de Janeiro, sempre que eu precisava ir ao centro da cidade, passava por um outdoor que ficava bem na frente da descida da estra-da Grajaú-Jacarepaguá. Não tinha como deixar de vê-lo, pois ele era bem grande e ficava numa curva. Embora fosse propaganda de um filme de comédia, tinha a foto de uma mulher fardada prestando continência. Quando me deparava com ele meu coração batia mais forte, pois naquela época estava me preparando para o concurso. Parecia que aquele outdoor me perseguia, e ficava com ele na cabeça como se fosse um referencial para mim. Pois assim que recebi e li aquele telegrama, a primeira imagem foi daquela mulher fardada naquele outdoor.

E assim foi meu começo. Não posso separar o sonho, os obstáculos e a conquista.

Todavia, essa foi a primeira fase, pois a segunda

Ana Maria Coelho *

estaria por vir. Adaptar-me àquela vida não foi difícil. Difícil foi administrar o afastamento da família. Deixei minha filha de 5 anos com meus pais, idosos, com a possibilidade do meu ex-marido alegar meu afastamen-to e pedir sua guarda. Foi sufocantemente tumultuado. Por isso lutei muito para ter uma boa classificação ao final do curso e conseguir uma das vagas no Rio de Ja-neiro. Era a minha meta.

Bem, assim que cheguei na EsAEx, atual EsFCEx, fui me enturmando e fiz amigas de alojamento. Tínhamos muita afinidade. O menor alojamento. Ideal para mim.

Adaptar-me à rotina da caserna foi difícil no começo como qualquer coisa nova e mais rigorosa na vida de qualquer um. Mas acho que foi mais complicado para os instrutores no início, pois era a primeira vez que o EB re-cebia um grupo de mulheres para serem treinadas e pre-paradas em tempo de paz para a vida verde-oliva. E dava a impressão da que no início todos pisavam em ovos. Se fosse diferente, seriam personagens da Liga da Justiça. Não que necessitássemos de tratamento diferente, mas as mulheres têm suas peculiaridades. Homem não menstrua e tem mais força física que as mulheres. E quando foi que os instrutores participaram do treinamento de pesso-as com essas características? É natural. Mas depois que houve a acomodação, gabaritaram. Foram verdadeiros instrutores. Respeitados e admirados. Enérgicos em ins-trução, amigos e companheiros fora dos horários desti-nados a ela. E nas confraternizações, parceiros de dança. Tive a grata satisfação de encontrar-me com alguns ins-trutores e a oportunidade ímpar de agradecer-lhes pelo que representaram na minha vida.

Acho que, por uma questão de defesa, meu cérebro não guarda os momentos ruins ligados à escola. Tenho, infelizmente, a lembrança dos momentos mais difíceis ligados à minha vida pessoal naquela época, culminan-do, inclusive, no falecimento do meu pai um mês antes da minha formatura. Então, tudo o que aconteceu pela Escola foi maravilhoso. Fiz amigos, aprendi e agreguei novos valores, cresci, amadureci e me fortaleci.

Depois da formatura, a vida efetiva na caserna. Ofi-ciais com responsabilidades de decisão e assessoramen-to. Sim, foi a partir desse momento que nos batizamos.

soalmente, que o desgaste de às vezes precisarmos nos ausentar do lar e da família, em detrimento do cumpri-mento de uma ou outra missão, por si só já cria inter-namente uma guerra, na que lutamos para não deixar feridos nem baixas, mas onde ainda encontramos oportu-

nidade para agregar o nosso valor profissional. Nessas e noutras batalhas, cumprimentemos a militar

do Exército Brasileiro pelas vitórias alcançadas até en-tão, pelas vitórias que estão por vir ou, no mínimo, pelo seu bom combate (à sua maneira).

10Revista do Clube Militar

10Revista do Clube Militar

Não posso dizer que meu início foi fácil. Éra-mos somente eu e minha grande amiga e compa-nheira de lide para “enfrentar” quase mil subordi-nados (entre militares e civis). Fomos as únicas do segmento feminino durante um ano na OMS. Fo-mos as primeiras oficiais a chefiar aquele Serviço, quebrando paradigmas, vícios e preconceitos. Cus-tou para nós muitas dores no estômago e noites mal dormidas. Hoje entendo que é natural esse tipo de situação. O ser humano é assim mesmo. Tudo que é novo assusta e impõe rejeições. Somos sobrevi-ventes e posso afirmar que “aquilo que, não mata, engorda.” Estamos bem vivinhas.

Cultivar a nossa essência com valores éticos e mo-rais dá a tranquilidade da verdade e do que é justo; leva ao encontro do que é correto. Portanto, o Exército Brasileiro só me ofereceu oportunidades para agregar

valores. Transportei para a vida e enxertei na educação das minhas três filhas e não me arrependo em nada.

Acredito firmemente que o segmento feminino da Turma Maria Quitéria, em primeira mão, provou que os homens estavam certos. Certos ao decidirem e apoiarem nossa participação/ integração na Força.

Não houve soma com o novo elenco. Houve um sinergismo. Sinergismo que agregou valores atípicos aos anos anteriores e, consequentemente, colaborou para o desempenho da força.

É nesta casa que venho forjando diariamente meu corpo e minha mente, porque todos os dias recomeço como se iniciasse meu primeiro dia de instrução.

Tenho muito orgulho de fazer parte desta Instituição e, após 20 anos, continuo acreditando que é um sonho; sonho diário de liberdade e realizações profissionais e pessoais. Continuo acreditando naquele outdoor.

Saia Verde-Oliva: 20 anos

Sou Médica Veterinária graduada pela Universidade Federal de Uberlândia, com Mestrado pela Universidade de Brasília. Entretanto, o que mais me orgulha é fazer parte da primeira turma mista de oficiais do Exército Bra-sileiro. Formamo-nos em novembro de 1992 e, à época, passamos a fazer parte do então chamado “segmento fe-minino”. Com o tempo, sabiamente, o Exército entendeu que esta denominação não retratava o que éramos, haja vista a Força Terrestre não ser uma Instituição fraciona-da, mas, sim, um corpo singular, único e coeso: um bloco monolítico formado por homens e mulheres que, ombro a ombro, trabalham em prol do EB e de nossa Pátria. Pas-samos, então, a ser oficiais e praças do sexo feminino.

É bem verdade que meu ingresso na Força foi quase que “por acaso”. Trabalhava num Hospital Veterinário em Brasília e, por intermédio de um colega, tomei co-nhecimento de que, pela primeira vez, o Exército abri-ria concurso não somente para profissionais formados em Medicina Veterinária, mas, também, para mulheres. Mesmo sem ter tradição militar na família e sem conhe-cer muito a respeito da carreira nas Forças Armadas, não hesitei em realizar a minha inscrição. Aprovada no concurso, apresentei-me na EsAEx em fevereiro de 1992, cheia de sonhos e expectativas. Naquele dia, um mundo novo de possibilidades se abriu para mim e mi-nhas companheiras de turma.

Na escola de formação, o EB, por motivos óbvios, inicialmente recorreu à Marinha do Brasil e, pelo ama-durecimento daquelas militares, já foi possível perceber que nossa presença no Exército, assim como na Marinha,

também seria uma caminhada definitiva.O período de formação passou “voando” e, ao final

do curso, fui classificada em Tabatinga – AM. Novas e curiosas experiências. Lembro-me de minha chegada naquela cidade: houve uma grande mobilização e mui-tas pessoas foram até o aeroporto apenas para assistir à chegada da Tenente ... Fui muito bem recebida por meus companheiros de OM e também pela cidade, mas meu nome, poucos aprenderam, muitos se valiam ape-nas de meu posto, para conversar comigo! Outra lem-brança engraçada que guardo de minha primeira OM foi a surpresa que causei à sentinela do Corpo da Guar-da: quando percebeu minha aproximação ele “colou as placas” e ficou totalmente sem ação... Imagino o que passou pela cabeça daquele soldado: ” O que fazer? O que é aquilo? Oficial de saia? Pode? É mulher! Tem? Apresento armas?” Tive que pedir a ele que abrisse o portão para poder adentrar em minha OM!

Aquilo foi um começo um pouco diferente do que imaginei, mas não surpreendente. Em Salvador, por di-versas vezes, havíamos causado reações semelhantes aos baianos, quando transitávamos fardadas em viaturas mi-litares: espanto, surpresa e até vibração sempre acompa-nhavam as nossas aparições em público!

Passados 20 anos, hoje no posto de Major, posso vol-tar meu olhar no tempo e ver o quanto, nestas duas déca-das, amadureceu a presença da mulher em nossas fileiras. O início foi muito menos traumático do que se ousou imaginar naqueles dias, porque, rapidamente, ocupamos o nosso lugar em forma.

Beatriz Helena Felicio Fuck Telles Ferreira *

11 Abril de 2012

11 Abril de 2012

Hoje podemos contemplar mulheres trabalhando nas mais diversas frentes: laboratórios, gabinetes, hospitais, salas de aulas, no Brasil e no exterior e, não resta dúvida, de que a presença da mulher nestes locais em nada dimi-nuiu a qualidade dos trabalhos realizados. Atrevo-me a dizer que, na realidade, viemos, não somente para preen-cher lacunas, mas, sobretudo, para realizar a necessária sintonia fina em alguns setores.

Pela própria natureza do trabalho, nossa presença nos exercícios do terreno nem sempre é percebida. Todavia, em missões de paz ou situações de emprego real da tropa, seja qual for a área técnica da qual participamos, temos mostrado a capacidade da mulher que veste o verde-oliva. Recentemente tivemos a oportunidade de assistir à brevetação das primeiras mulheres para-quedistas do EB. E digo mais: não vamos parar por aí!

Nos resultados dos Testes de Aptidão de Tiro - TAT, único para homens e mulheres, não ficamos para trás, muitas obtêm o conceito Exelente. No esporte, contamos com atletas de nível olímpico engrandecendo o EB e o Brasil mundo afora.

Hoje, podemos testemunhar o amadurecimento da presença da mulher no Exército e a consolidação de nos-so trabalho. Já não nos importa mais provar que somos capazes, isso ficou para trás. A pergunta que estamos fa-zendo nos dias de hoje é: o que mais podemos fazer? Ao olharmos para o porvir, podemos idealizar o resultado daquela semente plantada em 1992: mulheres ocupando cargos ainda mais exigentes em termos de preparo técni-co-profissional e liderança, integrando, inclusive, quem sabe, as armas técnicas na Academia Militar das Agulhas Negras.

A mulher na Força TerrestreUm Relato de Experiência

Os meus primeiros anos na Força, assim como os de algumas que fizeram parte da primeira turma de mulheres do Exército, foram praticamente de adaptação. Tivemos que aprender a conviver em uma Instituição predominan-temente masculina, onde a vivência do novo despertava sentimentos de curiosidade, expectativa e, porque não di-zer, de angústia, fosse pela saudade dos familiares, ou por não saber exatamente o que nos aguardava na caserna.

Logo nas primeiras semanas de curso, por volta do mês de março de 1992, ainda recém-chegada do meio civil, aconteceu na escola de formação um fato inusita-do. Era madrugada e estávamos dormindo no alojamen-to feminino. De repente, acordei com a colega ao lado chamando, dizendo que havia um homem embaixo de sua cama. Cheguei a ouvir uma voz: “ calma tenente...”. Logo em seguida, saiu uma pessoa correndo pelo corre-dor. Minutos depois chegou o Oficial de Dia e então foi aquela confusão. Era um soldado que, por curiosidade, quis “olhar” as tenentes. Ele foi punido, após apuração do fato em sindicância e licenciado a bem da disciplina.

Bom, essa situação, que com o decorrer dos anos pas-sou a ser motivo de chacota para todas nós do segmento feminino, na época me deixou bastante confusa. Achava que seria impossível, dentro de um quartel, um homem adentrar ao alojamento feminino, durante a noite, sem ser visto.

Na realidade, o fato de existir mulher no Exército era uma situação extremamente nova para todos. Imagino

que o Corpo Permanente daquela escola, que nos recebeu com tanto carinho e respeito, jamais imaginaria ocorrer um momento como esse.

Ao término do Curso tive a oportunidade de ser clas-sificada, à época, na própria Escola de Administração do Exército (EsAEx), onde participei da formação das três turmas subsequentes à minha. Foi uma experiência ím-par, porque, embora tivesse uma boa formação militar, ainda me sentia bastante insegura para, por exemplo, as-sumir um pelotão com muitos alunos mais antigos que eu, tanto na idade cronológica como na experiência de caserna, haja vista a existência de praças que lograram êxito no concurso para ingresso na Escola. Foi nesse mo-mento que percebi a importância da camaradagem e do espírito de corpo dentro de uma equipe. Recebi o apoio incansável dos outros instrutores, todos formados pela Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), que não mediam esforços em me orientar, fosse em questões com relação à ordem unida, montagem de planos de sessão ou elaboração de avaliações.

Nesse período, fiquei bem próxima ao segmento femi-nino, bem como pude assessorar o Comando em diversas oportunidades e das mais variadas formas, desde coisas simples, como assuntos de fardamento, até questões de natureza íntima relacionadas às mulheres. Não foi muito fácil convencer o Comandante do Corpo de Alunos, por exemplo, de que, pela própria anatomia, as mulheres ne-cessitavam de mais banhos do que os homens, quando

Glaubete Maria Chaves Bezerra *

Simone de Beauvoir

12Revista do Clube Militar 12Revista do Clube Militar

por ocasião dos acampamentos. As cólicas menstruais também funcionavam como fator agravante para a falta de êxito, em algumas instruções. Nessas horas eu preci-sava intervir.

Lembro de uma situação, no ano de 1993, quando fui sondada, sobre a possibilidade de conversar com as alunas do Colégio Militar de Salvador na faixa etá-ria de 12 aos 15 anos, sobre aspectos relacionados à adolescência, incluindo assuntos como sexo, namoro, menarca e outros temas. Como sou enfermeira, achei bem interessante a proposta e me prontifiquei para a missão. A ideia não foi aceita pelos pais das alunas, que achavam ser o assunto inoportuno para aquele mo-mento, pela idade das meninas.

Hoje, muitos anos depois, vejo que não existem mais essas dificuldades. Tudo vem acontecendo de forma mui-

to rápida e o nosso público vem assimilando essas mu-danças.

Saindo da EsAEx, fui servir em hospital. Foram mui-tos anos gerenciando homens e mulheres no desenvol-vimento de uma atividade fim, que é a saúde do nosso cliente.

Olhando para trás, penso que pude dar minha parcela de contribuição para a Força Terrestre. Continuarei meu percurso por mais alguns anos. No entanto, vou come-morar esses 20 anos já percorridos agradecendo a Deus — por ter guiado o meu caminho em todos os momentos; a minha família — pelo apoio incondicional; aos meus comandantes pelo exemplo e pelos ensinamentos repas-sados ao longo da carreira e, por fim, aos meus colegas (militares e civis) pela amizade construída.

Segmento feminino no Exército Brasileiro – 20 anos

Maria Cristina Santiago da Silveira *

* As autoras são Majores.

“É pelo trabalho que a mulher vem diminuindo a distância que a separava do homem; somente o trabalho poderá garantir-lhe uma independência concreta.”

Neste ano de 2012 completam-se, efetivamente, duas déca-das da entrada das mulheres no Exército, o que se deu primeira-mente no Quadro Complementar de Oficiais, proporcionando, posteriormente, que pudessem prestar concurso também para o Quadro de Saúde e o IME. Mais tarde, esse mesmo público também entraria para as fileiras do Exército como oficiais e sargentos temporários.

Por que razão podemos — por que não dizer, devemos — comemorar esta data? A entrada de nós, mulheres, numa insti-tuição plurissecular e formada estritamente por homens, cujo objetivo primordial é a defesa da nação, entrando em guerra, se necessário for, em suma, a entrada de mulheres no Exército foi um marco e uma conquista. Essa distância que se diminuiu entre o homem e a mulher, no caso do Exército, especificamen-te, foi, a meu ver, a possibilidade de se demonstrar o valor e a capacidade feminina, mas foi, principalmente, a possibilidade de se ressaltar que a mulher é capaz de trabalhar num ambiente antes exclusivo dos homens. Nesse intervalo de 20 anos, as mulheres comandaram soldados, lideraram, participaram de competições esportivas militares, puderam participar de mis-sões de paz no exterior, atingiram o oficialato superior e, hoje, já é possível sonhar com o generalato.

Além disso, a feminilidade trouxe para o Exército um pou-co mais de sensibilidade, tato, gentileza... Ora, características apenas femininas? Claro que não. Porém, características que uma mulher revela sem pudores e que, consequentemente, atrai dos demais uma contrapartida similar. De certo modo, as relações interpessoais ficaram melhores e mais agradáveis. E, de certo modo também, a mulher trouxe mais charme, leveza e

elegância para dentro dos Quartéis... Faço parte, com orgulho singelo, da primeira turma

de mulheres oficiais do Exército Brasileiro, e isso há de me acompanhar pelo resto da vida. Foi um caminho que minha turma desbravou e que foi exemplo para outras turmas que vieram. Acredito que, no Exército, deixamos vir à tona o que somos, nos revelamos na medida em que somos expostos a nosso limite. É um teste constante que nos permite olhar para nós mesmos e nos conhecer melhor.

Houve percalços, frustrações, decepções, pedras nesse ca-minho? Sim, como não! Deu vontade de desistir? Algumas vezes... Mas, devo ser sincera, não foi o fato de ser mulher o maior motivo para tal, mas sim características pessoais, manei-ras de ser e de agir, desejos e aspirações de cada um/cada uma. A mulher no Exército soube, desde o início, se valorizar e se fazer respeitar pelo seu profissionalismo, por suas qualidades; ou ser criticada e corrigida por seus defeitos e falhas; mas, no meu jeito de enxergar as coisas, como seres humanos, acima de tudo. Pouco a pouco, as defesas que ainda existiam foram se apagando e, honestamente, o preconceito inicial foi sendo substituído pela simpatia e companheirismo.

Muito do que somos, nós, mulheres militares, devemos ao Exército e a sua filosofia de disciplina, hierarquia, companhei-rismo, lealdade e serenidade na superação de obstáculos. Nes-ta batalha, que é a vida, adquirimos mais ímpeto e ousadia e, assim, de certo modo, nos tornamos pessoas melhores, mais humildes e mais fortes na medida do necessário.