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Aquelas pessoas que sustentam qu as identidades modernas estao sendo fragll1 Illadas argumentam que 0 que acontec u U '011' pgao do sujeito moderno, na modernidad Illl'dia, nao foi simplesmente sua desagr a91 0, maS eu deslocamento. Elas descrev m ss' d( Hlocarn nto atraves de uma serie de ru pi 111'111; 1101; d i/i(;1I1' os do conhecimento mod rno. N 'HilI H(~~ 0, 1'111' 'j um rapido esbogo d in '0 'TUlld( HIIVIIlI 'OH1111 I oria social e nas ciAn 'ias hllllllllill o(,ol'l'idos no pensamento, no p'r1odo dllIilod( I'llid I(I( IlIl'clia (a segunda mctad do" 'ld ) '), Oil quo I;obre ele tiveram seu prin ipal impa'lo, (('njo IIwior efeito, argumenta-s , foi 0 d ' '( 1111' IIII( 1110 ('inal do sujeito cartesiano. Aprimeira descentra9ao irrlpoll 1I11(,'( I'ol"e- se as tradi90es do pensam 1110 III lJ', i. III. OS escritos de Marx pertencem, 11111111" dlll( 111(, ao seculo XIX e nao ao seculo X , M l. 11111 dos . modos pelos quais seutrabalho ('oi ,'( d( ('01>'ItO ereinterpretado na decada d so, S('1I1I I'oi 1\ luz dasua afirmagao de qu 0 "]IOI1I()IIH( i(') l'lIz'm a hist6ria, mas apena ob a olldi 'I (I quo 111s SaG dadas". us nov illt '1'J)l'OIOH 1\ "1111j, HOno sentido d qll' 0 illdividlloli II 0 pod.l'illlll de nenhuma forma' I' 01; "IIIIIOI'( II Oil 0 I~( nl s da hist6ria, umav 'Z {fll 011, podi 1111I/,il" lip 'nas com base em oneli '( '!oj Ili!ojt<>l"i(~u. l'l'illdll por

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Aquelas pessoas que sustentam qu asidentidades modernas estao sendo fragll1 Illadasargumentam que 0 que acontec u U '011' pgaodo sujeito moderno, na modernidad Illl'dia, naofoi simplesmente sua desagr a91 0, maS eudeslocamento. Elas descrev m ss' d( Hlocarn ntoatraves de uma serie de ru pi 111'111;1101;d i/i(;1I1'osdo conhecimento mod rno. N 'HilIH(~~0, 1'111''j umrapido esbogo d in '0 'TUlld( HIIVIIlI'OH1111I oriasocial e nas ciAn 'ias hllllllllill o(,ol'l'idos nopensamento, no p'r1odo dll Iilod( I'llid I(I( IlIl'clia(a segunda mctad do" 'ld ) '), Oil quo I;obreele tiveram seu prin ipal impa'lo, ( ('njo IIwiorefeito, argumenta-s , foi 0 d ' '( 1111'IIII( 1110('inaldo sujeito cartesiano.

A primeira descentra9ao irrlpoll 1I11(,'( I'ol"e-se as tradi90es do pens am 1110 III lJ', i. III. OSescritos de Marx pertencem, 11111111"dlll( 111(, aoseculo XIX e nao ao seculo X , M l. 11111dos

. modos pelos quais seu trabalho ('oi ,'( d( ('01>'ItO

e reinterpretado na decada d so, S('1I1I I'oi 1\ luzda sua afirmagao de qu 0 "]IOI1I()IIH( i(') l'lIz'ma hist6ria, mas apena ob a olldi 'I (I quo 111sSaG dadas". us nov illt '1'J)l'OIOH1\ "1111j, HOnosentido d qll' 0 illdividlloli II 0 pod.l'illlll denenhuma forma' I' 01; "IIIIIOI'( II Oil 0 I~( nl sda hist6ria, uma v 'Z {fll 011, podi 1111I/,il" lip 'nascom base em oneli '( '!oj Ili!ojt<>l"i(~u.l'l'illdll por

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haviamos feito ... que a Gra-BI" 'ttUI!I'l naoera mais a na<;ao que tinha con tI'llfdo IIrnImperio e dominado um <11111.1"10domundo ... Bem, eles estavam rl"ado ... AGra-Bretanha nao mudou" (illldo mBarnett, 1982, p. 63).

• U ma terceira estrategia di 'II I"Siva econstituida pOl' aquilo que H bsbuwrn eRanger chamam de invenr;ao do, lr(ulirfio:"Tradi<;oes que parecem ou al 'flUII erantigas sac muitas vezes de orig rn batanterecente e algumas vezes inv ntadas ...Tradir;ao inventada significa urn ollju ntode praticas ... , de natureza ritual ou imb6lica,que buscam inculcar certos valor nOl"masde comportamentos atraves da r p LiGao,aqual, automaticamente, implica ontinllidadecom um passado hist6rico adequado". POl'exemplo, "nada parece ser mai HlltifYoevinculado ao passado imemorial do <111apompa que rodeia a monarquia I rilanicae suas manifesta<;oes cerimoniai p{I!)licas,No entanto, .. , na sua forma mo I '1"1Ia,elaeo produto do final do s culo ,I XX"(Hobsbawm Rail" 1",1933, p. I).

• Um quart.o xemplo d narraLiva da cult.uranacional e a do mila fimdacional: llmaest6ria que localiza a origem da na<;ao, dopovo e de seu carateI' nacional numpassado tao distante que eles se perdem

nas brumas do tempo, nao do tempo"real", mas de um tempo "mitico". Tradi<;oesinventadas tornam as confusoes e os desastresda hist6ria inteligiveis, transformando adesordem em "comunidade" (pOl'exemplo,a Blitz ou a evacuac;ao durante a II GrandeGuerra) e desastres em triunfos (POl'exemplo,Dunquerque). Mitos de origem tambemajudam povos desprivilegiados a "conce-berem e expressarem seu ressentimento esua satisfa<;ao em termos inteligiveis"(Hobsbawm e Ranger, 1983, p. 1). Elesfornecem uma narrativa atraves da qualuma hist6ria alternativa ou umacontranarrativa, que precede as rupturasda coloniza<;ao, po de ser construida (pOl'exemplo, 0 rastafarianismo para os pobresdespossuidos de Kingston, Jamaica; vel'Hall, 1985). Novas na<;oes sao, entao,fundadas sobre esses mitos. (Digo "mitos"porque, como foi 0 caso com muitas na<;oesafricanas que ernergiram depois dadescoloniza<;ao, 0 que precedeu acoloniza<;ao nao foi "uma unica na<;ao, umunico povo", mas muitas culturas esociedades tribais diferentes).

• A identidade nacional e tambem muitas vezessimbolicamente baseada na ideia de um povoou folk puro, original. Mas, nas realidadesdo desenvolvimento nacional, e raramente

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A medida que 0 espa<;o se encolhe para se tornaruma aldeia "global" de telecomunica<;oes e uma"espa<;onave planetaria" de interdependenciaseconomicas e ecol6gicas - para usar apenas duasimagens familiares e cotidianas - e 11 medida emque os horizontes temporais se encurtam ate aoponto em que 0 presente e tudo que existe, temosque aprender a lidar com urn sentimentoavassalador de compressao de nossos mundosespaciais e temporais (Harvey, 1989, p. 240).

o que e importante para nosso argumentoquanta ao imp acto da globalizagao sobre aidentidade e que 0 tempo e 0 espago sao tambemas coordenadas basicas de todos os sistemas derepresentw;iio. Todo meiode representagao - escrita,pintura, desenho, fotografia, simbolizagao atraves daarte ou dos sistemas de telecomunicagao - devetraduzir seu objeto em dimensoes espaciais etemporais. Assim, a narrativa traduz os eventosnuma sequencia temporal "comego-meio-fim"; ossistemas visuais de representagao traduzem objetostridimensionais em duas dimensoes. Diferentesepocas culturais tern diferentes formas decombinar essas coordenadas espago-tempo.Harvey contrasta 0 ordenamento racional doespago e do tempo da Ilustragao (com seu sensoregular de ordem, simetria e equilibrio) com asrompidas e fragmentadas coordenadas espago-tempo dos movimentos modernistas do final doseculo XIX e inicio do seculo XX. Podemos vernovas relagoes espa<;o-tempo sendo definidas emeventos Uio diferentes quanta a teoria da

relatividade de Einstein, as pinturas cubistas dePicasso e Braque, os trabalhos dos surrealistas edos dadaistas, os experimentos com 0 tempo e anarrativa nos romances de Marcel Proust e JamesJoyce e 0 uso de tecnicas de montagem nosprimeiros fUmes de Vertov e Eisenstein.

No capitulo 3 argumentei que a identidadeesta profundamente envolvida no processo derepresentagao. Assim, a moldagem e a remoldagemde rela<;oes espa<;o-tempo no interior de diferentessistemas de representa<;ao tern efeitos profundossobre a forma como as identidades SaDlocalizadase representadas. 0 sujeito masculino, representadonas pinturas do seculo XVIII, no ato de inspegaode sua propriedade, atraves das bem-reguladas econtroladas formas espaciais classicas, nocrescente georgiana (Bath) ou na residencia decampo inglesa (Blenheim Palace), ou vendo a siproprio nas vastas e controladas formas daNatureza de urn jardim ou parque formal(Capability Brown), tern urn sentido muito diferentede identidade cultural daquele do sujeito que ve a"si proprio/a" espelhado nos fragmentados efraturados "rostos" que olham dos pIanos esuperficies partidos de uma das pinturas cubistasde Picasso. Todas as identidades estao localizadasno espa<;o e no tempo simbo1icos. Elas tern aquiloque Edward Said chama de suas "geografiasimaginarias" (Said, 1990): suas "paisagens"caracteristicas, seu senso de "lugar", de "casa/

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lar", ou heimat, bem como suas localizac;:6es notempo - nas tradic;:6esinventadas que ligam passadoe presente, em mitos de origem que projetam 0

presente de volta ao passado, em narrativas denac;:aoque conectam 0 individuo a eventos historicosnacionais mais amplos, mais importantes.

Podemos pensar isso de uma outra forma:nos termos daquilo que Giddens (1990) chamade separagao entre espago e Ingar. 0 "lugar" eespecifico, concreto, conhecido, familiar,delimitado: 0 ponto de praticas sociais especificasque nos moldaram e nos formaram e com as quaisnossas identidades estao estreitamente ligadas:

Nas sociedades pre-modernas, 0 espago e 0 lugareram amplamente coincidentes, uma vez que asdimensoes espaciais da vida social eram, para amaioria da populagao, dominadas pela presenga"-por uma atividade localizada ... A modernidadesepara, cad a vez mais, 0 espago do lugar, aoreforgar relagoes entre outros que estao"ausentes", distantes (em termos de local), dequalquer interagao face-a-face. Nas condigoes damodernidade ... , os locais saD inteiramentepenetrados e moldados por influencias sociaisbastante distantes deles. 0 que estrutura 0 localnao e simples mente aquilo que esta presente nacena; a "forma visivel" do local oculta as relagoesdistanciadas que determinam sua natureza(Giddens, 1990, p. 18).

Os lugares permanecem fixos; e neles quet "." E demos raIzes. ntretanto, 0 espago po e ser

"cruzado" num piscar de olhos - por aviao ajato,por fax ou por satelite. Harvey chama isso de"destruic;:ao do espago atraves do tempo" (1989,p.205)

Em dire~60 aopos-moderno global?

Alguns teoricos argumentam que 0 efeitogeral desses processos globais tern sido 0 deenfraquecer ou solapar formas nacionais deidentidade cultural. Eles argumentam que existemevidencias de urn afrouxamento de fortesidentificag6es com a cultura nacional, e urnreforgamento de outros lagos e lealdades culturais,"acima" e "abaixo" do nivel do estado- nagao. Asidentidades nacionais permanecem fortes,especialmente com respeito a coisas como direitoslegais e de cidadania, mas as identidades locais,regionais e comunitarias tern se tornado maisimportantes. Colocadas acima do nivel da culturanacional, as identificag6es "globais" comegam adeslocar e, algumas vezes, a apagar, as identidadesnaClOnaIS.

Alguns teoricos culturais argumentam quea tendencia em diregao a uma maiorinterdependencia global esta levando ao colapsode todas as identidades culturais fortes e estaproduzindo aquela fragmentac;:ao de codigosculturais, aquela multiplicidade de estilos, aquela

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enfase no efemero, no flutuante, no impermanentee na diferenc;a e no pluralismo cultural descritapor Kenneth Thompson (1992), mas agora numaescala global - 0 que poderiamos chamar de p6s-moderno global. Os jluxos culturais, entre asnac;oes, e 0 consumismo global criampossibilidades de "identidades partilhadas"-

" "d"como consuml ores para os mesmos bens,"clientes" para os mesmos servic;os, "publicos"para as mesmas mensagens e imagens - entrepessoas que estao bastante distantes umas dasoutras no espac;o e no tempo. A medida em queas culturas nacionais tornam-se mais expostas ainfluencias externas, e dificil conservar asidentidades culturais intactas ou impedir que elasse tornem enfraquecidas atraves dobombardeamento e da infIltrac;ao cultural.

As pessoas que moram em aldeiaspequenas, aparentemente remotas, em paisespobres, do "Terceiro Mundo", podem receber,na privacidade de suas casas, as mensagens eimagens das culturas ricas, consumistas, doOcidente, fornecidas atraves de aparelhos de TVou de radios portateis, que as prendem it "aldeiaglobal" das novas redes de comunicac;ao. Jeans eabrigos - 0 "uniforme" do jovem na cultura juvenil~cidental - sao tao onipresentes no sudeste daAsia quanta na Europa ou nos Estados Unidos,nao so devido ao crescimento da mercantilizac;aoem escala mundial da imagem do jovem

consumidor, mas porque, com freqiiencia, essesitens estao sendo realmente produzidos em Taiwanou em Hong Kong ou na Coreia do SuI, para aslojas fin as de Nova York, Los Angeles, Londresou Roma. E dificil pensar na "comida indiana"como algo caracteristico das tradic;oes etnicas dosubcontinente asiatico quando ha um restauranteindiano no centro de cada cidade da Gra-Bretanha.

Quanto mais a vida social se torna mediadapelo mercado global de estilos, lugares e imagens,pelas viagens internacionais, pelas imagens damidia e pelos sistemas de comunicac;aoglobalmente interligados, mais as identidades setornam desvinculadas - desalojadas - de tempos,lugares, historias e tradic;oes especificos e parecem"flutuar livremente". Somos confrontados por umagama de diferentes identidades (cada qual nosfazendo apelos, ou melhor, fazendo apelos adiferentes partes de nos), dentre as quais parecepossivel fazer uma escolha. Foi a difusao doconsumismo, seja como realidade, seja comosonho, que contribuiu para esse efeito de"supermercado cultural". No interior do discursodo consumismo global, as diferenc;as e asdistinc;oes culturais, que ate entao definiam aidentidade, ficam reduzidas a uma especie delingua franca internacional ou de moeda global,em termos das quais todas as tradic;o~s especificase todas as diferentes identidades podem ser

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traduzidas. Este fen6meno e conhecido como"homogeneizal;ao cultural".

Em certa medida, 0 que esta sendo discutidoe a tensao entre 0 "global" e 0 "local" natransformal;ao das identidades. As identidadesnacionais, como vimos, representam vinculos alugares, eventos, simbolos, hist6rias particulares.Elas representam 0 que algumas vezes e chamadode uma forma particularista de vinculo oupertencimento. Sempre houve uma tensao entreessas identifical;oes e identifical;oes maisuniversalistas - por exemplo, uma identifical;aomaior com a "humanidade" do que com a"inglesidade" (englishness). Esta tensao continuoua existir ao longo da modernidade: 0 crescimentodos estados-nal;ao, das economias nacionais e dasculturas nacionais continuam a dar urn foco paraa primeira; a expansao do mercado mundial e damodernidade como urn sistema global davam 0

foco para a segunda. No capitulo 5, que examinacomo a globalizal;ao, em suas formas maisrecentes, tern urn efeito sobre as identidades,pensaremos esse efeito em termos de novos modosde articulal;ao dos aspectos particulares euniversais da identidade ou de novas formas denegocial;ao da tensao entre os dois.

5o GLOBAL, 0 LOCAL Eo RETORNO DA ETNIA

As identidades nacionais estao sendo"homogeneizadas "? A homogeneizal;aocultural e 0 grito angustiado daqueles/ as

que estao convencidos/ as de que a globalizal;acameal;a solapar as identidades e a "unidade" dasculturas nacionais. Entretanto, como visao dofuturo das idEmtidades num mundo p6s-moderno,este quadro, da forma como e colocado, e muitosimplista, exagerado e unilateral.

Pode-se considerar, no minimo, tresqualifical;oes ou contratendencias principais. Aprimeira vem do argumento de Kevin Robin e daobserval;ao de que, ao lado da tendencia emdirel;ao a homogeneizal;ao global, ha tambem umafascinal;ao com a diferem;a e com a mercantilizal;aoda etnia e da "alteridade". Ha, juntamente com 0

imp acto do "global", urn novo interesse pelo"local". A globalizal;ao (na forma da especializal;aoflexivel e da estrategia de crial;ao de "nichos" demere ado) , na verdade, explora a diferencial;aolocal. Assim, ao inves de pensar no global como"substituindo" 0 local seria mais acurado pensar

. ul - "I bal" " I al"numa nova aruc al;ao entre 0 g 0 e 0 oc .

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Este "local" nao deve, naturalmente, serconfundido com velhas identidades, firmementeenraizadas em localidades bem delimitadas. Emvez disso, ele atua no interior da l6gica daglobalizac;ao. Entretanto, parece improvavel quea globalizac;ao va sim,Plesmente destruir asidentidades nacionais. E mais provavel que elava produzir, simultaneamente, novas identificac;oes"globais" e novas identificac;oes "locais".

A segunda qualificac;ao relativamente noargumento sobre a homogeneizac;ao global dasidentidades e que a globalizac;ao e muitodesigualmente distribuida ao redor do globo, entreregioes e entre diferentes estratos da populac;aodentro das regioes. Isto e 0 que Doreen Masseychama de "geometria do poder" da globalizac;ao.

o terceiro ponto na critica dahomogeneizac;ao cultural e a questao de se sabero que e mais afetado por ela. Uma vez que adirec;ao do fluxo e desequilibrada, e quecontinuam a existir relac;oes desiguais de podercultural entre "0 Ocidente" e "0 Resto", po deparecer que a globalizac;ao - embora seja, pordefinic;ao, algo que afeta 0 globo inteiro - sejaessencialmente um fen6meno ocidental.

Kevin Robins nos faz lembrar que:Embora tenha se projetado a si proprio comotrans-historico e transnacional, como a forgatranscendente e universalizadora da modernizagaoe da modernidade, 0 capitalismo global e, na

verdade, urn processo de ocidentalizagao - aexportagao das mercadorias, dos valores, dasprioridades, das form as de vida ocidentais. Emurn processo de desencontro cultural desigual, aspopulagoes "estrangeiras" tern sido compelidas aser os sujeitos e os subalternos do imperioocidental, ao mesmo tempo em que, de formanao menos importante, 0 Ocidente ve-se face aface com a cultura "alienigena" e "exotica" deseu "Outro". A globalizagao, it medida quedissolve as barreiras da distiincia, torna 0 encontroentre 0 centro colonial e a periferia colonizadaimediato e intenso (Robins, 1991, p. 25).

Na ultima forma de globalizac;ao, sao aindaas imagens, os artefatos e as identidades damodernidade ocidental, produzidos pelasindustrias culturais das sociedades "ocidentais"(incluindo 0 Japao) que dominam as redes globais.A proliferac;ao das escolhas de identidade e maisampla no "centro" do sistema global que nas suasperiferias. Os padroes de troca cultural desigual,familiar desde as primeiras fases da globalizac;ao,continuam a existir na modernidade tardia. Sequisermos provar as cozinhas ex6ticas de outrasculturas em um unico lugar, devemos ir comerem Manhattan, Paris ou Londres e nao em Calcutaou em Nova Delhi.

Por outro lado, as sociedades da periferiatem estado sempre abertas as influencias culturaisocidentais e, agora, mais do que nunca. A ideiade que esses sao lugares "fechados" - etnicamente

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puros, culturalmente tradicionais e intocados ateontem pelas rupturas da modemidade - e umafantasia ocidental sobre a "alteridade": uma"fantasia colonial" sobre a periferia, mantida peloOcidente, que tende a gostar de seus nativos apenascomo "puros" e de seus lugares exoticos apenascomo "intocados". Entretanto, as evidenciassugerem que a globaliza<;ao esta tendo efeitos emtoda parte, incluindo 0 Ocidente, e a "periferia"tambem esta vivendo seu efeito pluralizador,embora num ritmo mais lento e desigual.

The Rest in the West(0 Resto no Ocidente)

sendo relativizadas pelo imp acto dacompressao espa<;o-tempo.

Talvez 0 exemplo mais impressionante desseterceiro ponto seja 0 fenomeno da migra<;ao. Aposa Segunda Guerra Mundial, as potencias europeiasdescolonizadoras pensaram que podiamsimplesmente cair fora de suas esferas coloniaisde influencia, deixando as conseqiiencias doimperialismo atn'ts delas. Mas a interdependenciaglobal agora atua em ambos os sentidos. 0movimento para fora (de mercadorias, de imagens,de estilos ocidentais e de identidades consumistas)tern uma correspondencia num enormemovimento de pessoas das periferias para 0 centro,num dos periodos mais longos e sustentados demigra<;ao "nao-planejada" da historia recente.Impulsionadas pela pobreza, pela seca, pela fome,pelo subdesenvolvimento economico e porcolheitas fracassadas, pela guerra civil e pelosdisturbios politicos, pelo conilito regional e pelasmudan<;as arbitrarias de regimes politicos, peladivida externa acumulada de seus governos paracom os bancos ocidentais, as pessoas mais pobresdo globo, em grande numero, acabam poracreditar na "mensagem" do consumismo globale se mudam para os locais de onde vem os "bens"e onde as chances de sobrevivencia sao maiores.Na era das comunica<;5es globais, 0 Ocidente estasitu ado apenas a distancia de uma passagem aerea.

As paginas precedentes apresentaram tresqualifica<;5es relativamente a primeira das trespossiveis conseqiiencias da globaliza<;ao, isto e, ahomogeneiza<;ao das identidades globais. Elas sao:

a) A globaliza<;ao caminha em paralelo comurn refor<;amento das identidades locais,embora isso ainda esteja dentro da logic ada compressao espa<;o-tempo.

b) A globaliza<;ao e urn processo desigual etern sua propria "geometria de poder".

c) A globaliza<;ao retem alguns aspectos dadomina<;ao global ocidental, mas asidentidades culturais estao, em toda parte,

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Tern havido migrac;oes continuas e de grandeescala, legais e "ilegais", para os Estados Unidos, apartir de muitos paises pobres da America Latina eda bacia caribenha (Cuba, Haiti, Porto Rico,Republica Dominicana, ilhas do Caribe Britanico),bem como grande numero de "migranteseconomicos" e de refugiados politicos do Sudesteda Asia e do Extremo Oriente - chineses, coreanos,vietnamitas, cambojianos, indianos, paquistaneses,japoneses. 0 Canada tern uma substancial minoriade populac;ao caribenha. Uma conseqiiencia disso euma mudanc;a dramatica na "mistura etnica" dapopulac;ao dos Estados Unidos - a primeira desdeas migrac;oes em massa das primeiras decadas desteseculo. Em 1980, urn em cad a cinco americanostinha origem afro-americana, asiatico americana ouindigena. Em 1990, essa estatistica era de urn emcad a quatro. Em muitas cidades grandes (incluindoLos Angeles, San Francisco, Nova York, Chicago eMiami), os brancos saDagora uma minoria. Nos anos80, a populac;ao da California cresceu em 5,6milhoes, 43 por cento dos quais eram pessoas decor - isto e, incluindo hispanicos e asiaticos, bemcomo afro-americanos (comparados com 33 porcento em 1980) - e urn quinto tinha nascido noestrangeiro. Em 1995, previa-se que urn terc;o dosestudantes das escolas publicas american as seriaconstituido de "nao-brancos" (Censo dos EstadosUnidos, 1991, citado em Platt, 1991).

Ao longo do mesmo periodo, houve uma"migf'1c;ao" paralela de arabes do Maghreb

(Marrocos, Argelia, Tunisia) para a Europa, e deafricanos do Senegal e do Zaire para a Franc;a epara a Belgica; de turcos e norte-africanos para aAlemanha; de asiaticos das Indias Ocidentais eOrientais (ex-colonias holandesas) e do Surinamepara a Holanda; de norte-africanos para a Italia;e, obviamente, de pessoas do Caribe e da India,Paquistao, Bangladesh, Quenia, Uganda e SriLanka para 0 Reino Unido. Ha refugiados politicosda Somalia, Etiopia, Sudao e Sri Lanka e de outroslugares, em pequenos numeros, em toda parte.

Esta formac;ao de "enclaves" etnicosminoritarios no interior dos estados-nac;ao doOcidente levou a uma "pluralizac;ao" de culturasnacionais e de identidades nacionais.

Como esta situac;ao tern se mostrado na Gra-Bretanha, em termos de identidade? 0 primeiroefeito tern sido 0 de contestar os contornosestabelecidos da identidade nacional e 0 de exporseu fechamento as pressoes da diferenc;a, da"alteridade" e da diversidade cultural. Isto estaacontecendo, em diferentes graus, em todas asculturas nacionais ocidentais e, como conseqiiencia,fez com que toda a questao da identidade nacionale da "centralidade" cultural do Ocidente fosseabertamente discutida.

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Num mundo de fronteiras dissolvidas e decontinuidades rompidas, as velhas certezas ehierarquias da identidade britanica tern sido postasem quesUio. Num pais que e agora urn reposit6riode culturas africanas e asiaticas, 0 sentimento doque signmca ser britanico nunca mais pode ter amesma velha confianc;a e certeza. 0 que signmcaser europeu, num continente colorido nao apenaspelas culturas de suas antigas col6nias, mas tambempelas culturas americanas e agora pelas japonesas?A categoria da identidade nao e, ela pr6pria,problematica? E possivel, de algum modo, emtempos globais, ter-se urn sentimento de identidadecoerente e integral? A continuidade e a historicidadeda identidade saD questionadas pela imediatez epela intensidade das confrontac;oes culturais globais.Os confortos da Tradic;ao saD fundamentalmentedesafiados pelo imperativo de se forjar uma novaauto-interpretac;ao, baseada nas responsabilidadesda Traduc;ao cultural (Robins, 1991, p. 41).

Outro efeito desse processo foi 0 de terprovocado urn alargamento do campo dasidentidades e uma proliferac;ao de novas posic;oes-de-identidade, juntamente com urn aumento depolarizac;ao entre elas. Esses processos constituema segunda e a terceira conseqtiencias possiveis daglobalizac;ao, anterior mente referidas - apossibilidade de que a globalizac;ao possa levar aum fortalecimento de identidades locais ou aproduc;ao de novas identidades.

o fortalecimento de identidades locais podeser visto na forte reac;ao. defensiva daquelesmembros dos grupos etnicos dominantes que sesentem ameac;ados pela presenc;a de outrasculturas. No Reino Unido, por exemplo, a atitudedefensiva produziu uma "inglesidade"(englishness) reformada, urn "inglesismo"mesquinho e agressivo e urn recuo ao absolutismoetnico, numa tentativa de escorar a nac;ao ereconstruir "uma identidade que seja una,unmcada, e que fIltre as ameac;as da experienciasocial" (Sennett, 1971, p.1S). Isso freqtientementeesta baseado no que antes chamei de "racismocultural" e e evidente, atualmente, em partidospoliticos legais, tanto de dire ita quanta deesquerda, e em movimentos politicos maisextremistas em toda a Europa Ocidental.

Algumas vezes isso encontra umacorrespondencia num recuo, entre as pr6priascomunidades comunitarias, a identidades maisdefensivas, em resposta a experiencia de racismo'ultural e de exclusao. Tais estrategias incluem ar -identificac;ao com as culturas de origem (no

aribe, na India, em Bangladesh, no Paquistao);II onstruc;ao de fortes contra-etnias - como naill 'ntificac;ao simb6lica da segunda gerac;ao da.iIIv ~tude afro-caribenha, atraves dos temas1I10livos do rastafarianismo, com sua orig HI (

II( ranga africana; ou 0 revival do tradicionalifillio('lllIlIral, da ortodoxia religiosa e do s purliliHlllO

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politico, por exemplo, entre alguns setores dacomunidade isHtmica.

Tambem ha algumas evidencias da terceiraconseqtiencia possivel da globalizac:;ao- a produc:;aode novas identidades. Urn born exemplo e 0 dasnovas identidades que emergiram nos anos 70,agrupadas ao redor do significante black, 0 qual,no contexto britanico, fornece urn novo foco deidentificac:;ao tanto para as comunidades afro-caribenhas quanto para as asiaticas. 0 que essascomunidades tern em comum, 0 que elasrepresentam atraves da apreensao da identidadeblack, nao e que elas sejam, cultural, etnica,lingtiistica ou mesmo fisicamente, a mesma coisa,mas que elas sao vistas e tratadas como" a mesmacoisa" (isto e, nao-b~ancas, como 0 "outro") pelacultura dominante. E a sua exclusao que forneceaquilo que Laclau e Mouffe cham am de "eixocomum de equivalencia" dessa nova identidade.Entretanto, apesar do fato de que esforc:;os saofeitos para dar a essa identidade black urnconteudo unico oU unificado, ela continua a existircomo uma identidade ao longo de uma larga gamade outras diferent;as. Pessoas afro-caribenhas eindianas continuam a manter diferentes tradic:;oesculturais. 0 black e, assim, urn exemplo naoapenas do carMer politico das novas identidadesisto e, de seu carMer posicional e conjuntural (suaformac:;ao em e para tempos e lugares especificos)mas tambem do modo como a identidade e a

diferenc:;a estao inextrincavelmente articuladas ouentrelac:;adas em identidades diferentes, umanunca anulando completamente a outra.

Como conclusao provis6ria, parece entaoque a globalizac:;ao tern, sim, 0 efeito de contestare deslocar as identidades centradas e "fechadas"de uma cultura nacional. Ela tern urn efeitopluralizante sobre as identidades, produzindo umavariedade de possibilidades e novas posic:;oes deidentificac:;ao, e tornando as identidades maisposicionais, mais politicas, mais plurais e diversas;menos fixas, unificadas ou trans-hist6ricas.Entretanto, seu efeito geral permanececontradit6rio. Algumas identidades gravitam aoredor daquilo que Robins chama de "Tradic:;ao",tentando recuperar sua pureza anterior e recobriras unidades e certezas que sao sentidas como tendosido perdidas. Outras aceitam que as identidadesestao sujeitas ao plano da hist6ria, da politica, darepresentac:;ao e da diferenc:;a e, assim, eimprovavel que elas sejam outra vez unitarias ou"puras"; e essas, conseqtientemente, gravitam aoredor daquilo que Robins (seguindo HomiBhabha) chama de "Traduc:;ao".

o capitulo 6 descreveni, brevemente, essemovimento contradit6rio entre Tradic:;ao eTraduc:;ao, num quadro mais amplo e global, eperguntara 0 que isso nos diz sobre 0 modo comoas identidades devem ser conceptualizadas, emrelac:;ao com os futuros da modernidade.

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Naquilo que diz respeito as identidades, essaoscilac;ao entre Tradic;ao e Traduc;ao (que foirapidamente descrita antes, em relac;ao a Gra-Bretanha) esta se tornando mais evidente numquadro global. Em toda parte, estao emergindoidentidades culturais que nao san fIxas, mas queestao suspensas, em transi{:iio, entre diferentesposic;6es; que retiram seus recursos, ao mesmotempo, de diferentes tradiC;6es culturais; e quesan 0 produto desses complicados cruzamentos emisturas culturais que san cada vez mais comunsnum mundo globalizado. Pode ser tentador pensarna identidade, na era da globalizac;ao, comoestando destinada a acabar num lugar ou noutro:

t d "," d dou re ornan 0 a suas ralZes ou esaparecen 0

atraves da assimilac;ao e da homogeneizac;ao. Masesse po de ser urn falso dilema.

Pois ha uma outra possibilidade: a daTraduc;ao. Este conceito descreve aquelasformac;6es de identidade que atravessam eintersectam as fronteiras naturais, compostas porpessoas que foram dispersadas para sempre desua terra nataL Essas pessoas retem fortes vinculoscom seus lugares de origem e suas tradiC;6es, massem a ilusao de urn retorno ao passado. Elas sanobrigadas a negociar com as novas culturas emque vivem, sem simplesmente serem assimiladaspor elas e sem percler completamente suasidentidades. Elas carregam os trac;os das culturas,das tradi<;6es, das linguagens e das hist6rias

particulares pelas quais foram marcadas. Adiferenc;a e que elas nao san e nunca seraounificadas no velho sentido, porque elas sao,irrevogavelmente, 0 produto de varias hist6rias eculturas interconectadas, pertencem a uma e, aomesmo tempo, a varias "casas" (e nao a uma"casa" particular). As pessoas pertencentes a essasculturas hibridas tern sido obrigadas a renunciarao sonho ou a ambic;ao de redescobrir qualquertipo de pureza cultural "perdida" ou deabsolutismo etnico. Elas estao irrevogavelmentetraduzidas. A palavra "traduc;ao", observa SalmanRl.\.shdie, "vem, etimologicamentc, do latim,significando "transferir"; "transportar entrefronteiras". Escritores migrantes, como ele, quepertencem a dois mundos ao mesmo tempo,"tendo sido transportados atraves do mundo ... ,san homens traduzidos" (Rushdie, 1991). Elessan 0 produto das novas diasporas criadas pelasmigrac;6es p6s-coloniais. Eles devem aprender ahabitar, no minima, duas identidades, a falar duaslinguagens culturais, a traduzir e a negociar entreelas As culturas hibridas constituem urn dosdiversos tipos de identidade distintivamente novosproduzidos na era da modernidade tardia. Hamuitos outros exemplos a serem descobertos.

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6FUNDAMENTALISMO,

DIAsPORA E HIBRIDISMO

Algumas pessoas argumentam que 0

"hibridismo" e 0 sincretismo - a fusao entrediferentes tradi<;oes culturais - saG uma

poderosa fonte criativa, produzindo novas formasde cultura, mais apropriadas a modernidade tardiaque as velhas e contestadas identidades dopassado. Outras, entretanto, argumentam que 0

hibridismo, com a indetermina<;ao, a "duplaconsciencia" e 0 relativismo que implica, tambemtern seus custos e perigos. 0 romance de SalmanRushdie sobre a migra<;ao, 0 Isla e 0 profetaMaome, Versos satanicos, com sua profundaimersao na cultura isHimica e sua secularconsciencia de urn "homeIT' traduzido" e exilado,ofendeu de tal forma os fundamentalistas iranianosque eles decretaram-Ihe a senten<;a de morte,acusando-o de blasfemia. Tambem ofendeu muitosmu<;ulmanos briUinicos. Ao defender seuromance, Rushdie apresentou uma defesa forte eirresistivel do "hibridismo":

No centro do romance esta urn grupo de personagens,a maioria dos quais e constituida de mw;ulmanosbritanicos, ou de pessoas nao particularmente

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religiosas, de origem isIamica, lutando precisamentecom 0 mesmo tipo de problemas que tern surgidoem torno do livro, problemas de hibridizar;ao eguetizar;ao, de reconciliar 0 velho com 0 novo.Aquelas pessoas que se opoem violentamente aoromance, hoje, sao de opiniao de que a misturaentre diferentes culturais inevitavelmenteenfi'aquecera e destruinl sua propria cultura. Souda opiniao oposta. 0 livro Versossatiinieos celebra 0

hibridismo, a impureza, a mistura, a transformar;ao,que vem de novas e inesperadas combinar;oes deseres human os, culturas, ideias politicas flimesmusicas. 0 livro alegra-se com 'os cruza~entos ~teme 0 absolutismo do Puro. Melange, mistura, urnpouco disso e urn pouco d?quilo, e dessaforma queo novo entra no manda. E a grande possibilidadeque a migrar;ao de massa da ao mundo, e eu tenhotentado abrar;a-la. 0 livro Versos satiinicos e a favorda mudanr;a-por-fusao, da mudanr;a-por-reuniao. Euma canr;ao de amor para nossos cruzados eus(Rushdie, 1991, p. 394).

Entretanto, 0 livro Versos satanicos podeperfeitamente ter ficado preso entre asirreconciliaveis fon;as da Tradi<;:aoe da Tradu<;:ao.Essa e a visao, simpfltica a Rushdie, mas tambemcritica, de Bhiku Parekh (1989).

Por outro lado, existem tambem fortestentativas para se reconstruirem identidadespurificadas, para se restaurar a coesao, 0

"fechamento" e a Tradi<;:ao, frente ao hibridismo ea diversidade. Dois exemplos sao 0 ressurgimentodo nacionalismo na Europa Oriental e 0 crescimentodo fundamentalismo.

Numa era em que a integra<;:ao regional noscampos economicos e politicos, e a dissolu<;:ao dasoberania nacional, estao andando muitorapidamente na Europa Ocidental, 0 colapso dosregimes comunistas na Europa Oriental eo colapsoda antiga Uniao Sovietica foram seguidos por urnforte revival do nacionalismo etnico, alimentadopor ideias tanto de pureza racial quanta deortodoxia religiosa. A ambi<;:aopara criar novos eunificados estados-na<;:ao (que, como sugeri acima,nunca realmente existiram nas culturas nacionaisocidentais) tern sido a for<;:aimpulsionadora pordetras de movimentos separatistas nos estadosbalticos da Estonia, Letonia e Lituania, dadesintegra<;:ao da Jugoslavia e do movimento deindependencia de muitas das antigas republic assoviMicas (da Georgia, Ucrania, Russia e Armeniaate 0 Curdistao, Usbequistao e as republic asasiatic as islamicas do antigo estado sovietico). 0mesmo processo, em grande parte, tern ocorridonas "na<;:oes" da Europa Central, que forammoldadas a partir da desintegra<;:ao dos imperiosaustro-hungaro e otomano, no final da PrimeiraGuerra Mundial.

Esses novos aspirantes ao status de "na<;:ao"tentam construir estados que sejam unificadostanto em termos etnicos quanta religiosos, e criarentidades politicas em torno de identidadesculturais homogeneas. 0 problema e que elascontem, dentro de suas "fronteiras", minorias que

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se identificam com culturas diferentes. Assim, porexemplo, ha minorias russas "etnicas" nasrepublicas balticas e na Ucdinia, poloneses etnicosna Lituania, urn enclave armenio (Nagorno-Karabakh) no Adzerbajao, minorias turco-cristasentre as maiorias russas da Moldavia, e grandenumero de mu<;ulmanos nas republicas sulistasda antiga Uniao Sovietica, que partilham maiscoisas, em termos culturais e religiosos, com seusvizinhos islamicos do Oriente Medio do que commuitos de seus "conterraneos".

aos esforc;os do Xa nos anos 70 por adotar, deforma total, modelos e valores culturais ocidentais.Alguns interpretam-no como uma resposta ao fatode terem sido deixados fora da "globalizac;ao". Areafrrmac;ao de "raizes" culturais e 0 retorno aortodoxia tern sido, desde ha muito, uma das maispoderosas fontes de contra-identificac;ao em muitassociedades e regioes p6s-coloniais e do TerceiroMundo (podemos pensar, aqui, nos papeis donacionalismo e da cultura nacional nosmovimentos de independencia indianos, africanose asiaticos). Outros veem as raizes dofundamentalismo isHimico no fracasso dos estadosisliimicos em estabelecer lideranc;as "modernizantes"bem-sucedidas e eficazes ou partidos modernos,seculares. Em condic;oes de extrema pobreza erelativo subdesenvolvimento economico (0fundamentalismo e mais forte nos estados isliimicosmais pobres da regiao), a restaurac;ao da feisliimica e uma poderosa forc;a politica e ideol6gicamobilizadora e unificadora.

A tendencia em direc;ao a "homogeneizac;aoglobal", pois, tern seu paralelo num poderosorevival da "etnia", algll~-:'l.1Svezes de variedadesmais hibridas ou simb6licas, mas tambemfreqlientemente das variedades exclusivas ou"essencialistas" mencionadas anteriormente.Bauman tem-se referido a esse "ressurgimento daetnia" como uma das principais razoes pelas quaisas versoes mais cxtremas, desabridas ou

A outra forma importante de revival donacionalismo particularista e do absolutismo etnicoe religioso e, obviamente, 0 fenomeno do"fundamentalismo" . Isto e evidente em toda parte(por exemplo, no ressuscitado e mesquinho"inglesismo", anteriormente mencionado), emboraseu exemplo mais impressionante deva serencontrado em alguns estados isliimicos do OrienteMedio. Comec;ando com a Revoluc;ao Iraniana,tern surgido, em muitas sociedades ate entaoseculares, movimentos isliimicos fundamentalistas,que buscam cria:' estados religiosos nos quais osprincipios politicos de organizac;ao estejamalinhados com as doutrinas religiosas e com asleis do Corao. Na verdade, esta tendencia e dificilde ser interpretada. Alguns analistas veem-nacomo uma reac;ao ao carater "forc;ado" damodernizac;ao ocidental: certamente, 0

fundamentalismo iraniano foi uma resposta direta

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indeterminadas do que acontece com a identidadesob 0 imp acto do "pos-moderno global" exige umaseria qualifica<;ao:

o "ressurgimento da etnia" ... traz para a linhade frente 0 florescimento nao-antecipado delealdades etnicas no interior das minoriasnacionais. Da mesma forma, ele coloca em questaoaquilo que parece ser a causa profunda dofen6meno: a crescente separagao entre 0

pertencimento ao corpo politico e 0 pertencimentoetnico (ou mais geralmente, a conformidadecultural) que elimina grande parte da atragaooriginal do program a de assimilagao culturaL .. Aetnia tem-se tornado uma das muitas categorias,simbolos ou totens, em torno dos quaiscomunidades flexiveis e livres de sangao saDformadas e em relagao as quais identidadesindividuais saD construidas e afirmadas. Existeagora, portanto, urn numero muito menordaquelas forgas centrifugas que uma vezenfraqueceram a integridade etnica. Ha, em vezdisso, uma poderosa demanda por umadistintividade etnica pronunciada (em borasimbolica) e nao por uma distintividade etnicainstitucionalizada.

o liberalismo nem, na verdade, 0 marxismo, que,apesar de toda sua oposi<;ao ao liberalismo,tambem viu 0 capitalismo como 0 agenteinvoluntario da "modernidade" previa urn talresultado.

Tanto 0 liberalismo quanto 0 marxismo, emsuas diferentes formas, davam a entender que 0

apego ao local e ao particular dariamgradualmente vez a valores e identidades maisuniversalistas e cosmopolitas ou internacionais;que 0 nacionalismo e a etnia eram form as arcaicasde apego - a especie de coisa que seria "dissolvida"pela for<;a revolucionadora da modernidade. Deacordo com essas "metanarrativas" da modernidade,os apegos irracionais ao local e ao particular, atradi<;ao e as raizes, aos mitos nacionais e as"comunidades imaginadas", seriam gradualmentesubstituidos por identidades mais racionais euniversalistas. Entretanto, a globaliza<;ao naoparece estar produzindo nem 0 triunfo do "global"nem a persistencia, em sua velha formanacionalista, do "local". Os deslocamentos ou osdesvios da globaliza<;ao mostram-se, afinal, maisvariados e mais contraditorios do que sugeremseus protagonistas ou seus oponentes. Entretanto,isto tambem sugere que, embora alimentada, sobmuitos aspectos, pelo Ocidente, a globaliza<;aopo de acabar sendo parte daquele lento e desigual,mas continuado, descentramento do Ocidente.

o ressurgimento do nacionalismo e deoutras form as de particularismo no final do seculoXX, ao lado da globaliza<;ao e a ela intimamenteligado, constitui, obviamente, uma reversaonotavel, uma virada bastante inesperada dosacontecimentos. Nada nas perspectivas iluministasmodernizantes ou nas ideologias do Ocidente nem

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