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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
REINALDO DE SOUZA MARCHESI
DA EDUCAÇÃO DO REBANHO:
REFLEXÕES NIETZSCHENIANAS SOBRE O ENSINO OFERECIDO ÀS MASSAS
CUIABÁ-MT
2011
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
REINALDO DE SOUZA MARCHESI
DA EDUCAÇÃO DO REBANHO:
REFLEXÕES NIETZSCHENIANAS SOBRE O ENSINO OFERECIDO ÀS MASSAS
CUIABÁ-MT
2011
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REINALDO DE SOUZA MARCHESI
DA EDUCAÇÃO DO REBANHO: REFLEXÕES NIETZSCHENIANAS SOBRE O ENSINO
OFERECIDO ÀS MASSAS
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade Federal de
Mato Grosso como requisito para a obtenção do título
de Mestre em Educação na Área de Concentração
Educação, Linha de Pesquisa Cultura, Memória e
Teorias em Educação.
Orientador: Prof. Dr. Silas Borges Monteiro
Cuiabá-MT
2011
4
Dados Internacionais de Catalogação na Fonte
Catalogação na fonte: Maurício Silva de Oliveira- Bibliotecário CRB/1-1860.
M316e Marchesi, Reinaldo de Souza.
Da educação do rebanho: reflexões nietzschenianas sobre o ensino oferecido
às massas. -- 2011.
94 f. ; 30 cm: (Incluem figuras e tabelas)
Orientador: Prof. Dr. Silas Borges Monteiro.
Dissertação (mestrado) -- Universidade Federal de Mato Grosso, Instituto de
Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação, Cuiabá, 2011.
Bibliografia: f. 89-92
1 .Educação do rebanho. 2.Visão nietzscheniana – universidade. 3. Educação
pública. I. Título.
CDU 37.012
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REINALDO DE SOUZA MARCHESI
Profa. Dra. Terezinha Azerêdo Rios
Examinadora Externa (USP)
Prof. Dr. Cleomar Ferreira Gomes
Examinador Interno (UFMT)
Prof. Dr. Silas Borges Monteiro
Orientador (UFMT)
Aprovado em 24 de março de 2011.
DISSERTAÇÃO APRESENTADA À COORDENAÇÃO DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO DA UFMT
6
Agradecimentos
À meus pais-amigos, Nino e Sônia – pelo amor que me deram e pelo apoio
incondicional em todos os momentos fáceis e difíceis de minha vida. Meu
irmão-amigo, Cristiano - por ser um exemplo de determinação em minha
vida.
Ao Prof. Silas – mesmo sem nunca termos nos conhecido antes, por ter dado
crédito a proposta inicial do meu trabalho, pelos conhecimentos
compartilhados, por seu profissionalismo. Uma pessoa que guarda
qualidades que coloco como um dos exemplos de educador ao qual procuro
me inspirar.
À minha amiga Marlene – que conheci como colega de grupo de pesquisa,
mas que por vezes foi como uma mãe em muitos momentos dessa minha
estada em Cuiabá. Por sua sabedoria e afeto.
E por fim, à todos do GEDFFE, o pessoal de 2009 à 2011, que com todos
eles, direta ou indiretamente aprendi mais que ensinei.
Guardo minhas considerações, agradecimentos, sentimentos por todos
aqueles que ao meu lado ou distante estiveram, guardo tudo em meu peito e
em minhas lembranças.
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Curriculum Mortis
(Reinaldo S. Marchesi)
Meia vida de uma vida
Duas intenções de vivificá-la
Uma pra viver e duas pra morrer
Três livros sendo escritos
Eu no prelo
Mais quatro artigos de luxo científico
Faço parte de cinco gerações de quintas intenções
O sexto sentido não nos faz mais sentido
Na corrida pelo conceito do sétimo selo
De que vale meias vidas?
Trocentas intenções, livros frívolos?
Conceitos?
Valerá meia vida?
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RESUMO
―Da Educação do rebanho: reflexões nietzschenianas sobre o ensino oferecido às massas‖ é o título eleito para desenvolver a pesquisa acerca da temática da educação em Friedrich Nietzsche. Com a noção de que eram inúmeras as entradas possíveis em sua filosofia, em sua visão sobre educação encontrei a minha entrada, acerca da qual lancei a discussão sobre o discurso da expansão da educação superior. O objetivo principal foi de analisar referências a partir do texto do filósofo, sobre suas concepções e críticas, no intuito hipotético de encontrar se aquilo que se fez na Alemanha do século XIX se faz bastante presente naquilo que vemos em nosso sistema educacional atual; busquei expor as razões pela qual Nietzsche faz determinadas críticas à educação de sua época e seus apontamentos por uma determinada perspectiva de ensino superior que não fosse para todos, aos moldes democratizantes daquilo que vemos hoje. É adotado o método interpretativo como recurso metodológico para realizar uma leitura profícua dos escritos de Nietzsche, tomando por análise as suas Conferências ―Sobre o futuro de nossos estabelecimentos de ensino‖ proferidas na Basiléia no ano de 1872. Tendo sido trabalhado a filosofia de Nietzsche como referencial teórico, seu texto é utilizado como fonte principal no intento de produzir enunciados à luz ou na perspectiva de seu pensamento. Utilizei também o auxílio da produção bibliográfica de especialistas (leitores comentadores) da obra de Nietzsche. Dos resultados e discussões: na leitura de Nietzsche a educação é um fenômeno de ―rebanho‖ desde a sua época, e nota-se que isso foi se radicalizando cada vez mais até o século XXI sob os reflexos de uma proposta Iluminista de universalização da educação inspirada na Revolução Francesa. Bem como, a partir do momento que Estado passa a assumir o controle do sistema educacional na Alemanha, tal qual lá, aqui também é nítido que a tendência de uma educação que forme apenas para uma profissão tome o rumo de sufocar a possibilidade de uma educação para a cultura. Outro fato é a educação ser colocada como um destino comum a todos e, quando posta de tal maneira, vejo implicitamente uma idéia totalizante e totalitária presente em tal discurso. A tendência em voga sobre o ―sucesso‖ profissional via instituições educacionais é um mecanismo discursivo que visa garantir o interesse do rebanho pelo destino educacional que lhe é ofertado, uma forma de ―arrebanhar‖. O destino criado e projetado pelo Estado para com a Universidade (que haveria de ser uma instituição de cultura por excelência) visa oferecer uma educação do tipo como queira (que aplaina as diferenças/homogeneizando os diferentes) capaz de formar apenas dois tipos de sujeitos: o profissional – ―servo do ganha-pão‖ e/ou erudito – ―escravo da ciência‖, invés de ofertar uma educação para cultura que forme indivíduos criativos. Num sentido metafórico, falamos da educação para as massas na forma da educação do rebanho, onde a tentativa totalizante de sê-la para todos revela-nos a realidade de uma educação de pouca qualidade para todos, num projeto de sê-la para maioria é negociado o senso de qualidade e a possibilidade do objetivo de uma formação verdadeiramente para a cultura. Compreendemos ser esse o problema do discurso irrealizável, bom apenas para utopia.
Palavras-chave: ―Educação do rebanho‖; ―Educação para todos‖ e ―Universalização do ensino superior‖.
9
ABSTRACT ―Of Flock Education: nietzschean reflection on education offered to the masses‖ is the elected title to develop a research regarding the educational issue in Friedrich Nietzsche. Bearing the notion that multiple are the possible entries in his philosophy, in his view on education I found my entry, about which I raised the discussion on the superior education expansion discourse. The main objective was analyzing references from the philosopher‘s text, about his conceptions and critics, hypothetically aiming to figure out if what has been done in XIX century Germany has been quite present in what we see in our current educational system. I attempted to expose the reasons for which Nietzsche criticized the education of this time and his notes for a determined perspective of a superior education that would not be destined for all people, as in the democratizing forms which we behold today. As a methodological resource, the interpretation method is employed to accomplish a profitable reading of Nietzsche‘s writings, holding into analysis the Conferences ―Over the future of our educational establishments‖ pronounced in Basilea in the year of 1872. Having worked Nietzsche‘s philosophy as theoretic reference, his text has been used as the main source aiming to produce statements at his light or in the perspective of his thoughts. I also made use of experts‘ bibliographic production (commentator readers) of Nietzsche‘s work. Of results and discussions: in Nietzsche‘s reading, education is a ―flock‖ phenomena since his time, and it has been noticed that this has been radicalized even more until the XXI century under the reflexes of an Illuminist proposal of educational universalization inspired on the French Revolution. Also, from the moment the state seizes control of the educational system in Germany, as well as there, here it is also clear that the tendency to an education that instructs for only one profession gets on the way of an education intended to instruct for culture. Another fact is that education is put as a destiny that is common to all, and, when set forth that way, I implicitly see a totalitarian and totalizing idea present in such speech. The trend in vogue about professional ―success‖ via educational institutions is a discursive mechanism that aims to assure the flock‘s interest in the educational destiny which is offered to them, one way to ―flock them in‖. The fate created and projected by the State for the University (which would have to be par excellence a cultural institution) aims to offer an education of the laissez-faire kind (flattening differences/ homogenizing the different ones) capable to produce only two types of subjects: the professional ones – ―living-making servants‖ and/or the erudite ones – ―slaves to science‖, instead of offering an education towards culture which would produce creative individuals. In a metaphorical sense, we talked about education for the masses as flock education, where the totalizing attempt of it to be meant for all unfolds the reality of a low-quality education for all. Within the project of being meant for the majority, the sense of quality and the possibility of the goal of a true culture-bound formation are negotiated. We understand that to be the problem of the speech that is unable to be accomplished, good enough only for utopia.
Key-words: ―Flock education‖; ―Education for all‖; ―Universalization of
superior education‖
10
NOTA SOBRE ABREVIATURAS E SIGLAS
Dentre todas as obras consultadas, nesta pesquisa optamos em
utilizar preferencialmente a edição das obras de Nietzsche organizada por
Giorgio Colli e Mazzino Montinari: Werke. Kritische Studienausgabe (KSA).
Berlim: Walter de Gruyter & Co., 1988, 15v. Sempre que possível,
recorremos à tradução de Rubens Rodrigues Torres Filho para o volume
Nietzsche da Coleção Os Pensadores: Nietzsche – Obras incompletas. São
Paulo: Nova Cultural, 1987, v. 2. Seguem algumas abreviaturas:
EE - Über die Zukunftunserer Bildungsanstalten (Sobre o futuro de nossos
estabelecimentos de ensino)
Co. Ext II, HL – Considerações Extemporâneas II: Da utilidade e desvantagem da história para a vida.
Co. Ext III, SE – Considerações Extemporâneas III: Schopenhauer Educador.
Co. Ext IV, WB – Considerações Extemporâneas IV: Richard Wagner em
Bayreuth.
HH I, MS – Humano, demasiado Humano (vol. 1): Miscelânea de Opiniões e Sentenças (Tradução Rubens Rodrigues Torres Filho).
HH II, AS – Humano, demasiado Humano (vol. 2): O Andarilho e sua Sombra (Tradução Rubens Rodrigues Torres Filho).
A – Aurora
GC – A Gaia Ciência
Za – Assim falou Zaratustra: um livro para todos e para ninguém.
ABM – Além do bem e do mal.
GM – Genealogia da moral.
CW – O caso Wagner e Nietzsche contra Wagner.
CI – Crepúsculo dos ídolos.
EH – Ecce Homo.
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A nomenclatura que utilizamos nas referências dos textos de Nietzsche é a seguinte:
• Nas obras publicadas: Abreviatura do livro seguido do número do aforismo. O aforismo 119 de Aurora, por exemplo, é referenciado: A 119.
• Nos fragmentos póstumos: Abreviatura KSA, seguida do número do
volume, do número do fragmento e sua página. O fragmento póstumo que consta no volume 12 da KSA, registrado sob o número 6[4] do verão de 1886/primavera de 1887, por exemplo, é referenciado: KSA 12, 6[4] p. 232.
• Nas cartas, utilizamos a abreviatura KGB, seguida do volume e o número da carta. Uma carta de setembro de 1882, por exemplo, é referenciada: KGB
III/1, n. 296.
• Quanto aos demais autores, o título completo do livro ou do artigo é dado sob a primeira citação que ocorre em cada capítulo; adiante, apenas se
indica o nome do autor e a página.
12
SUMÁRIO
CONSIDERAÇÕES INICIAIS ................................................................. p.13
I DA METODOLOGIA: CAMINHOS DA PESQUISA
1.1 Nietzsche: objeto ou sujeito da pesquisa?...................................... p.19
1.2 Methodos ..................................................................................... p.21
II NIETZSCHE EM MEIO AO FENÔMENO DA EXPANSÃO DA
EDUCAÇÃO
2.1 Panorama da expansão mundial da educação .............................. p.31
2.2 Nietzsche, percursos e percalços .................................................. p.35
2.2.1 Seu contexto educacional ............................................................. p.37
2.3 Desambiguações: civilisation, kultur e bildung .............................. p.40
2.4 Visões nietzschenianas de universidade ....................................... p.44
III CONFERÊNCIAS “SOBRE O FUTURO DE NOSSOS
ESTABELECIMENTOS DE ENSINO”
3.1 “Sobre o futuro de nossos estabelecimentos de ensino” .................. p.51
3.2 Uma história em cinco conferências ............................................. p.55
3.3 Da expansão máxima ................................................................... p.67
3.4 Da redução máxima ..................................................................... p.68
IV DA EDUCAÇÃO DO “REBANHO”
4.1 O ―rebanho‖ ................................................................................. p.71
4.2 A educação e os ―homens de rebanho‖.......................................... p.78
CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................... p.85
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................... p.89
ANEXOS ............................................................................................... p.92
13
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
As raízes deste trabalho surgem durante o percurso de minha
graduação no Curso de Pedagogia, em minha aproximação a um Grupo de
Pesquisa da Universidade do Estado de Mato Grosso – UNEMAT, que
discutia Currículo referenciando em autores leitores de Foucault, da UFRGS.
Na ocasião cheguei a ser Bolsista de Iniciação Científica. Assim, ao lê-los,
passei a ler Foucault e, consequentemente a Nietzsche, importante
influência na filosofia foucaultiana. Também caminhei por diversas leituras
acerca desses autores, seja diretamente neles, ou através de seus tantos
intérpretes e/ou comentadores. Todas essas leituras culminaram em meu
Trabalho de Conclusão de Curso: “Repensando Educação e Escola: com
Nietzsche & Foucault”, em que me esforço por fazer um diálogo com e entre
esses dois autores: na tentativa de que com Nietzsche pudesse refletir sobre
a educação, e com Foucault, sobre a escola. Algo que naquele momento
encarei como um desafio posto, tendo em vista a complexidade teórica
desses dois pensadores da filosofia, dentro do campo da educação.
Essa trajetória de leitura desses autores supracitados me trouxe ao
encontro do Grupo de Estudos e Pesquisa em Didática, Filosofia e Formação
de Educadores (GEDFFE/UFMT)1, que dentre os pensadores da filosofia,
toma Nietzsche, Foucault, Deleuze e Derrida como os principais
provocadores de seus trabalhos.
No GEDFFE as discussões sobre a educação ocorrem em sua maioria
no terreno da filosofia. Creditamos à filosofia, ou melhor, à base reflexiva a
partir desses filósofos, uma capacidade de inquirirmos não apenas as
questões da tradição filosófica tidas por complexas; assim, creditamos a
filosofia desses como aquela que irá abalar nossas bases conceituais. Tais
quais os pensadores Nietzsche, Foucault, Deleuze e Derrida, a busca pela
compreensão de alguns conceitos, termos, palavras desde os mais complexos
1 Grupo vinculado ao Grupo de Estudos e Pesquisas sobre a Formação do Educador –
GEPEFE – da FE-USP, coordenado pela professora Selma Garrido Pimenta.
14
aos mais simples é algo muito comum dentro do cotidiano de nosso grupo de
pesquisa.
Ao dizer de educação, anuncio falar sobre o pensamento de Nietzsche
a partir de suas Conferências ―Sobre o Futuro de nossos Estabelecimentos de
Ensino”, que foram escritas na primeira fase. Não utilizo de toda sua obra
para legitimar-me a dizer, afinal não pretendo ocupar-me do trabalho dos
biógrafos ou dos muitos técnicos eruditos que se amontoam na empreitada
de destrinchar, dissecar e fatiar obras a golpes de bisturis, que
esquadrinham e encaixam vidas inteiras num papel. Aqui critico aqueles aos
quais por diversos mecanismos através de suas ―lupas‖ esmiúçam vidas a
―golpes‖ de ―bisturis‖ e de ―canetas‖, não digo daqueles que falam das
vivências que contextualizam o autor e sua obra. Nesta investigação busco a
compreensão das intensidades de seu discurso, mas propriamente sobre a
questão da crítica que faz sobre a ―extensão máxima” e a ―redução máxima”
da educação especificamente direcionando-me a situação da universidade.
Conforme relata no segundo prefácio de suas conferências nomeadas
―Sobre o futuro de nossos estabelecimentos de ensino”, Nietzsche não escreve
para as massas, pois escolhe seus leitores, ou melhor, seus leitores hão de
possuir qualidades para escolhê-lo e compreendê-lo. O leitor esperado por
Nietzsche há de ter três qualidades: sem pressa, e sem remorso, que possa
―escolher e buscar as boas horas do dia e os momentos fecundos e
poderosos para meditar sobre o futuro de nossa cultura‖; não privilegiar a si
e à sua “cultura”, como critério seguro de todas as coisas, bem como não
esperar por encerrar um quadro de resultados, pois ele não promete quadros
e novos horários para os estabelecimentos de ensino. O que quer Nietzsche é
um homem que não desaprendeu a pensar lendo, que lê nas entrelinhas e
medita sobre o lido, talvez, depois de ter fechado o livro. E, com seu livro na
mão, ele busca por pessoas que sejam impulsionadas de todos os lados por
sentimento análogos: homens isolados, ―seres dotados pela contemplação,
cujo olho não desliza num exame prematuro na superfície das coisas, mas
sabe encontrar o caminho até o núcleo do seu ser‖.
Dos capítulos:
15
No primeiro capítulo ―Da metodologia: caminhos da pesquisa‖ será
colocado um questionamento inicial ―Nietzsche: objeto ou sujeito da
pesquisa?‖ para dizer dos percursos de se fazer uma pesquisa em Nietzsche
e com Nietzsche. É uma reflexão sobre o desafio de se trabalhar com esse
autor e sua obra, onde nos colocamos a realizar uma pesquisa que não
tivesse por objetivo comprovar a atualidade dos enunciados do texto de
Nietzsche, mas o inverso: verificar a atualidade através de seu texto. E em
―Methodos” vamos anunciar o método interpretativo como recurso
metodológico para realizar uma leitura profícua dos escritos de Nietzsche,
tomando por análise as suas Conferências ―Sobre o futuro de nossos
estabelecimentos de ensino‖ proferidas na Basiléia no ano de 1872. Tendo
sido trabalhada a filosofia de Nietzsche como referencial teórico, utilizamos
seu texto como fonte principal no intento de produzir enunciados à luz ou na
perspectiva de seu pensamento. Arriscamos pela interpretação invés do
comentário de maneira que não vamos nos restringir apenas às análises dos
textos do filósofo. Valemo-nos também do auxílio da produção bibliográfica
de especialistas (leitores comentadores) da obra de Nietzsche. A escolha pelo
método interpretativo do texto de Nietzsche consiste em fazer uma pesquisa
teórica de análise de pontos e conceitos pronunciados ao longo das
Conferências da Basiléia, com auxílio de seus próprios escritos e de
reconhecidos intérpretes e comentadores de sua obra, valendo-me
principalmente das sugestões metodológicas apontadas por Müller-Lauter e
Scarlett Marton.
No segundo capítulo ―Nietzsche em meio ao fenômeno da expansão da
educação‖ o objeto inicial é o de mostrar o fenômeno da expansão ou
universalização da educação. É uma abordagem contextual e fundamental
para que possamos fazer uma leitura daquilo que vivenciava o filósofo
durante os acontecimentos políticos da Alemanha, os quais diretamente
estavam ligados à educação. Com o ―Panorama da expansão mundial da
educação‖ será feito um ―entrelaçamento‖ do pensamento de Nietzsche com
os eventos do contexto histórico em que desenvolveu seu trabalho, relatando
também em ―Nietzsche, percursos e percalços‖ como se deu suas vivências e
16
trilhas formativas. Mostrando em ―Seu contexto educacional‖ uma localização
histórica a partir de onde ele desfere boa parte de suas críticas a educação
de sua época. Com auxílio de comentadores da obra de Nietzsche, achamos
que fosse pertinente uma diferenciação dos termos recorrentes citados ao
longo da pesquisa e para tal escrevemos: ―Desambiguação: civilisation, kultur
e bildung”. Ao finalizar o capítulo apresentamos as idéias centrais daquilo
que seriam as ―Visões nietzschenianas de universidade‖.
Através do terceiro capítulo ―Conferências sobre o futuro de nossos
estabelecimentos de ensino” fazemos os recortes que extraímos dos
fragmentos que elegemos como principais desses discursos proferidos por
Nietzsche quando professor na Basiléia (Suíça) no ano de 1872, na
perspectiva de se analisar as críticas que desfere contra o sistema
educacional alemão, em que ele utiliza ―Uma história em cinco conferências‖
onde conta um diálogo para animar seu discurso. Dessas conferências
extraímos dois conceitos fundamentes ―Da extensão máxima” e “Da redução
máxima” na educação, onde fazemos uma análise das implicações de se
expandir a educação custe o que custar, em específico as universidades, em
que ao sê-la universalizada e ao privilegiar apenas o conhecimento científico,
se sacrificam os ideais mais elevados dessas instituições de cultura. Em ―Da
educação do rebanho”, empresto o conceito de ―rebanho‖ muito usado por
Nietzsche, no intuito de dizer que aquilo que se fez na Alemanha do século
XIX se faz bastante presente naquilo que vivemos hoje: o oferecimento de
uma educação para a média [rebanho] e não para as exceções [indivíduos
com capacidade criadora], uma educação que visa tão somente
homogeneizar as diferenças, que está longe de se colocar como uma
educação para a cultura, dentro de um sistema universitário que não possui
filosofia e arte, na justeza da palavra.
No quarto e último capítulo: depois do enredo dos capítulos anteriores
que de certo modo lançaram os fundamentos das implicações daquilo que
aqui será discorrido, disserto acerca do que chamo de ―Da educação do
Rebanho‖ no objetivo de mostrar que o discurso da ―educação para todos‖ é
um fenômeno totalizante, logo, de ―rebanho‖. Sobre ―O rebanho‖,
17
inicialmente busco explicar os termos correntes por suas etimologias e
conceitos acerca das palavras em uso: educação, formador/professor e
rebanho. Em ―A educação e os homens de rebanho‖ é lançado uma pergunta
inicial que é central (―O que quer o pastor com seu rebanho?‖) que se trata
de uma pergunta em partes já respondida noutros capítulos anteriores, mas
que ainda nos incita mais discussões. A proposta deste último capítulo é de
relacionar o sentido da educação ao conceito de ―homens de rebanho‖.
Num sentido metafórico, falamos da educação para as massas na
forma da educação do rebanho, onde a tentativa totalizante de sê-la para
todos revela-nos a realidade de uma educação de pouca qualidade para
todos, num projeto de sê-la para maioria em que são negociados o senso de
qualidade e a possibilidade do objetivo de uma formação para a cultura.
Compreendemos ser esse o problema do discurso irrealizável, bom apenas
para utopia.
19
1.1 Nietzsche: objeto e ou sujeito da pesquisa?
Seja objeto ou sujeito da pesquisa, sobre um melhor detalhamento,
diante das diversas formas em que a obra de Nietzsche já havia sido
analisada, Brum2 comenta que desde o mais dedicado comentador-
historiador da vida e obra de Nietzsche, que é Charles Andler, é que vem
sendo feito a divisão de sua obra via diversos tipos de critérios. Apenas para
citar, apresentamos a divisão quanto a três fases encontradas na obra de
Nietzsche:
1º Pessimismo Romântico (1869-1876) Ligado as idéias de Wagner e
Schopenhauer, constrói a metafísica da estética em que procura justificar a
filosofia de seus mestres
2º Positivismo Cético (1876-1881) Período de rompimento com os
antigos ideais românticos e metafísicos. Influenciado pelos moralistas
franceses e pelo utilitarismo inglês, Nietzsche denuncia o caráter humano,
demasiado humano das filosofias transcendentes e cultua a liberdade de
espírito.
3º Período de Reconstrução (1882-1888) Liberto do ideal Iluminista,
Nietzsche alcança a fase de sua filosofia em que a afirmação da vida é o
supremo valor. Esse período, em que as oposições anteriores se desfazem em
uma síntese afirmativa, tem em Assim Falava Zaratustra sua obra principal.
É importante dizer que a categorização desses períodos não
exatamente corresponde a etapas datadas, mas sim aos referenciais teóricos
adotados por Nietzsche que se traduzem em momentos em sua obra.
Ao dizer de educação, anuncio falar sobre o pensamento de Nietzsche
a partir de suas Conferências ―Sobre o Futuro de nossos Estabelecimentos de
Ensino”, que foram escritas na primeira fase. Não utilizo de toda sua obra
para legitimar-me a dizer, afinal não pretendo ocupar-me do trabalho dos
biógrafos ou dos muitos técnicos eruditos que se amontoam na empreitada
2 Brum, Nietzsche – as artes do intelecto. 1986, p. 11-12.
20
de destrinchar, dissecar e fatiar obras a golpes de bisturis, que
esquadrinham e encaixam vidas inteiras num papel. Aqui critico aqueles aos
quais por diversos mecanismos através de suas ―lupas‖ esmiúçam vidas a
―golpes‖ de ―bisturis‖ e de ―canetas‖, não digo daqueles que falam das
vivências que contextualizam o autor e sua obra.
Nesta investigação busco a compreensão das intensidades de seu
discurso, mas propriamente sobre a questão da crítica que faz sobre a
―extensão máxima” e a ―redução máxima” da educação especificamente
direcionando-me a situação da universidade.
Tendo a premissa de que produzir conhecimento é criar ou reelaborar.
Produzir conhecimento em educação é falar certamente de estradas já
caminhadas e de estradas por se abrir, é falar de percursos. Logo, neste
trabalho, sigo algumas trilhas acadêmicas percorridas, mas certamente
sobre a velha paisagem, lanço novos olhares e analiso a perspectiva do meu
próprio caminhar, num solo ainda extremamente profícuo, que é fazer
pesquisa em Nietzsche e com ele. Será sempre um discurso o que se analisa.
Para mim, fazer pesquisa em Nietzsche é um exercício de se perguntar
sobre dois possíveis objetivos:
1º Se a proposta da pesquisa é um trabalho sobre Nietzsche?
E para isso valho-me de distintos e diversos métodos e teóricos para
acompanhar-me neste projeto. Ou então:
2º Se o propósito da pesquisa será valer-se dele como ponto de
partida?
Assim, num intento nietzschiano vou a favor dele como ponto de
partida de modo a produzir enunciados no curso da experiência, na
perspectiva e à luz de seus pensamentos.
Algumas perguntas em Nietzsche no curso de minha pesquisa:
- Torná-lo objeto da pesquisa?
- Tê-lo como referência teórica da pesquisa?
- Torná-lo caixa de ferramentas para minhas análises?
21
- Pensar com ele?
- Pensar a partir dele?
- Pensar contra ele?
São perguntas por serem respondidas agora!
De seus escritos:
- Pensar a atualidade de seu texto?
- Ou pensar nossa atualidade através de seu texto?
Neste trabalho, o que faço tem sido um a partir dele – através de seus
textos sem saber precisamente aquilo que o afetou naquilo que pensou ao
escrever: quem, como e de onde – um exercício interpretativo, de
interlocutor, comentador, de um dado pensamento que supus ter
compreendido e apreendido.
Meu pensar não será tão somente sobre, mas a partir de Nietzsche,
não será um pensar a atualidade de seu pensamento, mas com muito mais
coerência será pensar alguns pontos e questões da atualidade através de seu
texto: educação, escola e ensino superior. Como por exemplo, o discurso da
expansão do ensino superior custe-o-que-custar.
É preciso refletir também que não podemos falar presunçosamente do
pensamento do autor todo ou de todo seu pensamento. Pois seria o mesmo
que viver o que ele viveu: suas comidas, seus amores, dissabores, dores,
odores, etc. Seria o mesmo que pensar o que, como e onde ele pensou. Coisa
que nem o autor próprio que viveu, por sua memória, seria capaz de dar
conta.
1.2 Methodos
Quando estamos de frente do desafio da leitura do texto de Nietzsche
temos que ter ciência que são inúmeras as entradas possíveis em sua
22
filosofia. Nesta pesquisa sua visão sobre educação será nossa entrada, em
específico da educação superior.
O objetivo será o de expor as razões pela qual Nietzsche faz
determinadas críticas à educação de sua época e seus apontamentos por
uma determinada perspectiva de educação superior que não fosse para
todos, mas apenas para alguns.
Para cumprir com tal objetivo, desenvolvemos uma pesquisa teórica
realizada através do método interpretativo3 do texto de Nietzsche, em
específico sobre suas conferências proferidas na Basiléia, nomeadas ―Sobre o
Futuro de nossos Estabelecimentos de Ensino”. Arriscamos pela interpretação
invés do comentário, de maneira que não vamos nos restringir apenas às
análises dos textos do filósofo. Assim, valemo-nos do texto original do autor
em si, bem como de pesquisadores especialistas da filosofia nietzschiana,
especificamente de comentadores de sua obra, mais significativamente dos
apontamentos de Scarllet Marton4.
Na escrita deste texto estaremos imersos e envolvidos, afinal cada
parte há de ter o autor todo bem como em cada todo há de ter parte do autor.
E assim, criando a metáfora da Águia, digo do método nesta pesquisa:
Como a águia sabe caçar, será preciso voar alto, por vezes de longe,
com um olhar à distância, pois olhar de perto cega, e nesse sentido será
necessário esconder-se da presa sobre ou sob a copa duma árvore frondosa e
robusta. No pouso da ave de rapina, para ―trair‖ o galho soltando as fortes
3 Inspirado na discussão de Monteiro e Leitão (2008, p. 255-271), em que nos apontam a palavra método que indica a noção de procedimentos que devem ser seguidos quando se
deseja obter algum resultado investigativo. Trata-se de efetivar algo seguindo determinados
passos, em que citam Nietzsche que põe sob suspeita a pretensão em formular garantias
metodológicas para o estabelecimento de sentenças que possam ser consideradas unívocas, portanto, verdadeiras. A discussão nos leva à compreensão de método como caminho do
conhecimento, destaca a impossibilidade de se considerar neutro o investigador e, assim,
aponta para a impossibilidade de se tomar em absoluto algo ―em si mesmo‖ (neste caso, o
objeto da investigação), indicando possíveis pontos de vista em torno do mesmo fenômeno. 4 Professora titular de filosofia contemporânea da Universidade de São Paulo, autora, dentre
outros livros, de "Nietzsche, das forças cósmicas aos valores humanos", "Extravagâncias. Ensaios sobre a filosofia de Nietzsche", "A irrecusável busca de sentido. Autobiografia
intelectual", "Nietzsche, seus leitores e suas leituras", "Nietzsche, filósofo da suspeita".
Fundou e coordena o GEN - Grupo de Estudos Nietzsche; é a editora responsável dos
Cadernos Nietzsche e da Coleção Sendas e Veredas. Faz parte da direção do GIRN - Groupe
International de Recherches sur Nietzsche.
23
presas que nele se prenderam, será requerido o impulso antecedente ao vôo
do que perseguirá a presa, e não se sacia ao capturá-la. Assim:
A ―águia‖ é o que pesquisa;
A ―presa‖ é o objeto-objetivo;
A ―árvore‖ é onde ou em quem o pesquisador se sustenta;
O ―esconder-se sobre, ou sob, a copa de uma árvore frondosa e
robusta‖ é o método;
―Trair o galho‖ é onde o pesquisador deve pisar sem se prender. Neste
caso, coaduno com a idéia de Nietzsche que ―na comunicação de qualquer
conhecimento há sempre alguma traição‖5.
O ―impulso antecedente ao vôo do que perseguirá a presa‖ é típico
daquele que age com objetivos livres;
Por fim, ―aquele que não se sacia ao capturar a presa‖ é o não
conformado com o alcançado, ele quer sempre mais e vai além. Deste modo,
construo meu método – meu caminho é no vôo.
Em método (do Grego methodos, met' hodos que significa, literalmente,
"caminho para chegar a um fim"), temos que nos ater aquilo que Abanano
(2000) diz ao definir Método6, em que nos apresenta dois significados:
1º qualquer pesquisa ou orientação de pesquisa (não se distingue de
―investigação‖ ou ―doutrina‖)
2º uma técnica particular de pesquisa (um procedimento de
investigação organizado, repetível e autocorrigível, que garanta a obtenção de
resultados válidos): Assim, é preciso observar que não há doutrina ou teoria,
quer científica quer filosófica, que não possa ser considerada sob o aspecto
de sua ordem de procedimentos, sendo, pois, chamada de Método.
De modo geral, não há doutrina que não possa ser considerada e
chamada de Método, se encarada como ordem e procedimento de pesquisa.
5Nietzsche, FP, 2[26] (Verão-outono de 1882). In: Fragmentos do Espólio. 6 Abbagnano, Dicionário de Filosofia. 2000, p. 668.
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Portanto, a classificação dos Métodos filosóficos e científicos sem dúvida
seria uma classificação das respectivas doutrinas.
Numa tentativa metafórica sobre a questão do método, sobre o
―caminho para se chegar a um fim‖ percebo que muitos viajantes
(pesquisadores) temem em se perder e, se valem de mapas, cartas, bússolas
e, se preciso for, suplicarão até aos astros para não se perderem na viagem.
Eles têm ponto de partida e objetivo de chegada. Assim com todos os
apetrechos para percorrer rotas ―certas‖ e ―seguras‖, eles almejam poder
conhecer previamente o caminho ainda não caminhado. Sabem eles que do
ponto de partida ao ponto de chegada poderão fazer muitos atalhos por
desvios, contudo são medrosos e seguirão palmo a palmo as escalas
projetadas de seus mapas.
Assim os sujeitos apegados as suas rotas rigidamente pré-
estabelecidas nunca saberão o que é ser um desbravador aventureiro que é
flexível na mudança dos passos. Faço aqui essa alusão, para dizer que para
tais viajantes (pesquisadores), o melhor passo que se pisa é o de calcanhares
que tocam em caminhos seguros (legitimados nos métodos tradicionais de se
fazer ciência), mesmo sabendo eles que nenhum mapa, carta ou bússola
(trajeto) seja tão seguro assim.
Ao que Nietzsche nos ensina:
Por muitos caminhos diferentes e de múltiplos modos cheguei eu a minha verdade; não por uma única escada subi até a
altura onde meus olhos percorreram o mundo. E nunca gostei de perguntar por caminhos, - isso, a meu ver, sempre repugna! Preferiria perguntar e submeter à prova os meus próprios caminhos. Um ensaiar e perguntar foram todo meu caminhar - e, na verdade, também tem-se de aprender a responder a tal perguntar! Este é o meu gosto: não um bom gosto, não um mau gosto, mas meu gosto, do qual já não me envergonho nem me escondo. ―Este - é meu caminho, - onde está o vosso?‖, assim respondia eu aos que me perguntavam ―pelo caminho‖. O caminho, na verdade, não existe!7
Entre tantos descaminhos até um caminho que possamos trilhar
Nietzsche, o filósofo da suspeita nos coloca a responsabilidade de encontrar
nossos próprios (des)caminhos entre ―semideuses‖, ―veredas‖ e ―pontes‖ que
7 Nietzsche, Za/ZA, 1883/5.
25
surgirão como segurança para levar-nos ao ―outro lado do rio‖, mas assim
nos diz em ―Schopenhauer como Educador” §1, (1):
Ninguém pode construir em teu lugar as pontes que precisarás passar para atravessar o rio da vida, ninguém exceto tu, somente tu. Existem por certo inúmeras veredas, e pontes, e semideuses que oferecerão para levar-te do outro lado do rio; mas isso te custaria a tua própria pessoa: tu hipotecarias e te perderias. Existe no mundo um único caminho, por onde só tu podes passar. Para onde leva? Não perguntes, segue-o8.
Tal como o filósofo alemão sugere, nós buscamos construir nossas
pontes para atravessar o ―rio‖ da pesquisa. Nesta pesquisa, não se trata de
uma leitura exegética, pois, na busca de uma interpretação calcada sobre
experiências vividas, partilhadas entre leitor/autor, ao construir os
caminhos desta experiência, reitero a ciência de que ―não existe um método
científico que seja via única para o saber‖ 9. É o que Nietzsche nos coloca em
―Aurora” § 432, ao negar a existência de um único método científico, assim
como em dizer que é necessário tratar o objeto do conhecimento com justiça
e frieza, bem como podendo tratá-lo com paixão.
Na metáfora do pensador alemão, há um modo de proceder típico do
policial, 1) aquele que rastreia o criminoso, atento à empiria das pistas e das
provas, mas há também o procedimento da escuta, aquele do 2) confessor, e
também o da interrogação sem compromisso, como o do 3) curioso
transeunte. De qualquer forma, a produção do conhecimento é tateante e
seus fatores aventureiros, exploradores, tentadores e conquistadores.
Obtemos qualquer coisa deles (dos objetos do conhecimento) tanto por simpatia, quanto por violência; é o respeito por seus segredos que permite a um progredir e compreender; a outro, ao contrário, é a indiscrição e a trapaça (Schelmerei) na explicação dos segredos10.
Diante do objeto de conhecimento, que é o texto de Nietzsche, mais de
um método pode ser legítimo. Sem deixar de reconhecer o lugar próprio das
leituras rigorosamente fiéis a algum método científico, pode-se creditar a
possibilidade de alcançar-se uma compreensão do texto de outro tipo e por
8 Ibidem, SE/Co. Ext. III, §1, (1), 1874. 9 Nietzsche, M/A, 1881. 10 Ibidem.
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outras vias. No caso de Nietzsche, a partilha da experiência vivida entre
leitor e autor é uma via privilegiada.
Quando ouvimos o nome de Nietzsche, e das pesquisas que se fazem a
seu respeito, podemos ler muitas coisas: filósofo, poeta, defensor do ateísmo,
cristão ressentido, crítico da ideologia, inspirador da psicanálise, pensador
do nazismo, arauto do irracionalismo são questões sempre em voga quando
se lê o nome do filósofo nos diversos textos.
A acusação de falta de retorno de Nietzsche em termos de contribuição
no campo da filosofia e da educação está em função do desconhecimento e
preconceito que muitos têm sobre sua filosofia. Como um exímio pensador
de problemas, na provocação de sua filosofia espera que o leitor não o leia no
intento de encontrar respostas naquilo que se lê em si, mas podendo
encontrar respostas a partir disso, não é na coisa em si, mas a partir dela.
A partir dos Arquivos Nietzsche na Alemanha, os italianos Giorgio Colli
e Mazzino Montinari organizaram a edição das obras completas de Nietzsche
para o alemão, francês e italiano. Mas ainda hoje não temos uma edição das
obras completas em português.
Historicamente o legado do escrito de Nietzsche tem sido analisado de
forma diversa, por vezes através de análises de estilo, ora por investigações
psicológicas, ora por interpretações filosóficas. Na academia, muitos
trabalhos são feitos a respeito das influências que o filósofo recebeu e/ou
exerceu, bem como sobre a repercussão e impacto de sua obra nas mais
distintas áreas. Existem pesquisas que fazem análises em algum ou alguns
de seus textos específicos; existem outras que comparam o tratamento que
ele dá a algum e/ou alguns temas com outros textos e autores. Há ainda os
que se voltam para o exame de questões específicas e os que se empenham
em avaliar a atualidade de seu pensamento enquanto um todo.
A aceitação de Nietzsche na academia nem sempre foi assim. O
pensador entra em cena como um autor lido por volta de 1890 e 1920, na
Europa de modo geral e, em particular Alemanha, França e Itália. No Brasil,
houve três momentos de ênfase: no início do século XX, através de uma
27
vertente de leitores anarquistas; durante a Segunda Grande Guerra, foi
tomado como pensador de direita, sendo associado ao fascismo; e em 1968,
quando a extrema-esquerda francesa que se apossou de suas teorias e
passou a ser visto como iconoclasta11. Vale dizer que, entre 1960 e 1970,
torna-se bastante lido por meio dos franceses: Foucault, Deleuze e Derrida,
pois é a referência de maior influência desses.
Por volta da década de 1980, começam a alertar sobre o contágio de
seus textos, dizendo que eles nada teriam a contribuir em termos de
respostas aos nossos problemas. Mesmo assim, ele se tornava cada vez mais
popular, por diversas e diferentes leituras críticas de sua filosofia, ora sérias
com acuidade e ora deturpadoras. O nome dele está também ligado a
grandes expoentes, como no caso, da Escola de Frankfurt com Adorno,
Horkheimer e Marcuse – que em suas análises partiram de Nietzsche, ao
lado de Freud e Marx; como Foucault, Deleuze e Derrida – que em suas
investigações também tomaram Nietzsche como ponto de partida;
―Wittgenstein, em cujas idéias se encontram ressonâncias do pensamento
nietzschiano. Sem falar de Freud e na psicanálise.‖12
Os italianos pesquisadores e tradutores Giorgio Colli e Mazzino
Montinari; filósofos como o alemão Heidegger, os franceses Michel Foucault,
Gilles Deleuze, Derrida e Müller-Lauter; no Brasil Rubens Torres Filho e,
atualmente, Oswaldo Giacóia Jr. e Scarllet Marton são importantes nomes
ligados aos desdobramentos da obra de Friedrich Nietzsche.
Estando diante de pesquisar os textos de Nietzsche, através dos
questionamentos de Müller-Lauter o qual diz que:
[...] alguns julgam de maior valor os livros editados pelo filósofo; outros atribuem peso maior aos fragmentos póstumos. Há ainda quem hierarquize os textos segundo a importância que acreditam ter cada um deles, encarando este ou aquele como a "obra capital". E há quem entenda que se deva levar em conta apenas os póstumos que se mostram de acordo com a obra publicada13.
11 Aquele que ataca crenças estabelecidas ou instituições veneradas ou que é contra
qualquer tradição. 12 Marton, Nietzsche, filósofo da suspeita. 2010, p. 8-34, passim. 13 Müller-Lauter apud Marton, A doutrina da vontade de poder em Nietzsche. 1997, p. 11.
28
Penso que toda escolha tem sua hierarquia de valores, e é sempre uma
arbitrariedade que quer o leitor ao invés de necessariamente aquilo que quis
o autor. Desse modo, não há como negar que os livros editados pelo filósofo
tenham sido importantes no momento em que foram publicados. Entretanto,
em se tratando de um pensador como Nietzsche que deixou muita coisa de
seu trajeto filosófico de fora, é óbvio que não podemos afirmar isso.
Os escritos de Nietzsche sempre nos darão possibilidades de vários
tipos de leituras, por ser um pensador que não apresenta um sistema de
pensamento e por sua forma assistemática de escrever, por não apresentar
um estilo único, mas uma riqueza de estilos, por estar imerso em suas
vivências e contradições revela uma experiência filosófica de corpo, com
ataques àqueles todos em sua volta, bem como a si mesmo. Para tal, valho-
me da experiência do exímio trabalho da pesquisadora brasileira Scarlett
Marton, que organizou trabalhos sobre a recepção da filosofia de Nietzsche
na Alemanha, Itália, França e América do Sul.
Quanto ao texto de Nietzsche e a forma, método ou maneira em que é
pesquisado, Marton em entrevista à revista ―Filosofia: Ciência e vida” em
2009, diz que os comentadores franceses da atualidade (Eric Blondel,
Patrick Wotling, Blaise Benoit, Céline Denat e Yannis Constantinidès),
compõem uma escola de interpretação da filosofia nietzschiana, pois
possuem em comum uma maneira particular de trabalhar o texto do filósofo.
Esses costumam eleger um problema específico e, a partir dele, desenvolvem
todo um trabalho reflexivo. É uma metodologia que se afasta completamente
de um trabalho de ordem genética. Ou seja, não se leva muito em conta o
itinerário que Nietzsche percorreu para chegar a determinado conceito ou
obra. No entender desses estudiosos, essa tarefa já está cumprida e o que
importa é pensar questões e problemas pontuais dentro da filosofia
nietzschiana. É interessante notarmos que se chegou a essa escola depois de
passarmos, nos anos 1960 e 1970, por outro "Nietzsche francês", o Nietzsche
de Foucault, Deleuze e Derrida. Foi nessa época que a filosofia nietzschiana
passou a ser utilizada como um instrumento de trabalho. Segundo Marton:
29
O lema não era pensar a atualidade do texto nietzschiano, mas a atualidade através do texto nietzschiano. Foi a fase das interpretações, quando Nietzsche era usado para se pensar a realidade vigente. Nas últimas décadas, no entanto, Nietzsche voltou a ser um objeto de estudo por parte de comentadores. De caixa de ferramentas, se converteu em objeto de conhecimento filosófico. Usar a Filosofia de Nietzsche como caixa de ferramentas é dizer que podemos interpretar por intermédio de Nietzsche - e interpretar não é o mesmo que comentar. Comentar é estudar o texto do filósofo e tentar compreender o que ele nos diz. Interpretar, por outro lado, é usar as idéias do pensador para refletir sobre questões efetivas.14
A atualidade do texto de Nietzsche é para nós algo de menor
importância, pois nesta pesquisa buscamos para além de saber o que o texto
do filósofo nos diz, procuramos usar suas idéias para refletir questões
efetivas, no caso, a universalização e democratização da educação superior
hoje, através da contundência de apontamentos profícuos e a discussão da
qualidade do ensino.
14 No caso da França dos anos 1960 e 1970, pensavam-se - pela Filosofia nietzschiana - os acontecimentos de caráter político, social e artístico daquele momento. Refletia-se, por
exemplo, acerca das insurreições que estavam acontecendo nas penitenciárias - foi algo que
Foucault fez muito. Pensava-se, também, sobre as comunidades antipsiquiátricas, os filmes
de Jean-Luc Godard, a música de John Cage, a Pop art e os happenings - esse tipo de
acontecimento artístico que surgiu naquela ocasião. É interessante a gente não deixar de perguntar por qual razão foi justamente nesse momento e por obra desses filósofos que
Nietzsche foi apresentado como o filósofo da interpretação e dos intérpretes. E, aqui, Marton
traz a questão das redes de poder que está presente no meio acadêmico. ―Imagine você que
surgem jovens pensadores que estão em busca de seu lugar ao Sol, em busca de um lugar
no meio acadêmico. Para conquistar esse espaço eles precisavam se diferenciar das gerações
anteriores. Nesse sentido, enquanto a geração anterior privilegiava o comentário e tentava estar o mais próximo possível da verdade do texto filosófico, esses jovens pensadores - com
a intenção de ganhar um novo espaço na cena acadêmica - vão substituir o comentário pela
atitude interpretativa. Essa substituição revela, de alguma maneira, as tensões de relações de forças que estão sempre presentes no meio acadêmico‖. In: Marton, Interpretações de Nietzsche mundo afora. Revista Filosofia Ciência e Vida, São Paulo, n. 39. Entrevista
concedida a João Neto.
31
2.1 O panorama da expansão mundial da educação
Neste capítulo o objeto inicial é o de mostrar o fenômeno da expansão
ou universalização da educação e finalizar, nos demais subtítulos, com um
―entrelaçamento‖ do pensamento de Nietzsche com os eventos do contexto
histórico em que desenvolveu seu trabalho.
Na leitura de Nietzsche a educação é um fenômeno de rebanho desde a
sua época, e para nós, isso vai se radicalizando cada vez mais até o século
XXI sob os reflexos de uma proposta iluminista de ―educação para todos‖
inspirada na Revolução Francesa. Dentre tantas teses existentes acerca da
origem das instituições escolares públicas no cenário mundial, analiso que o
nascimento de um novo tipo de sociedade veio ligado à necessidade de um
espaço privilegiado para concebê-la – a escola (em sentido lato). Espaço esse
que ganha maior visibilidade ao longo do impasse da discussão entre a
necessidade ou não de se educar o povo, diante do questionamento de qual
seria o conteúdo ou método mais adequado para ensinar, até a terminologia
instrução ser aos poucos substituída por educação - por pressupor que não
bastava apenas ensinar a ler, escrever e ou contar, mas era preciso também
moralizar. A escola seria para o Estado a responsável por instituir um
determinado tipo de sociedade e um determinado ritmo e modus social.
A Idade da Razão, Iluminismo ou Ilustração remete a Luzes, que
significam o primado otimista da razão humana de interpretar e reorganizar
o mundo tirando-o das trevas. Algo já pretendido desde o período do
Renascimento. Especialmente, a ilustração marcou presença em países
como Prússia, Áustria, Rússia e Portugal, nos quais persistia o absolutismo,
então chamado de Despotismo esclarecido, ou Ilustrado.
Os pressupostos do Iluminismo sugerem a defesa de alguns pontos,
como:
- educação ao encargo do Estado;
- obrigatoriedade e gratuidade do ensino;
32
- orientação prática, voltada para as ciências, técnicas e ofícios, não
mais privilegiando uma educação humanística.
Assim, o marquês de Condorcet, eleito deputado da assembléia
legislativa francesa após a Revolução, 1792, redigiu o ―Plano de Instrução
Pública, ou Rapport‖15, que propunha estender a todos os cidadãos a
instrução pública e gratuita e o saber técnico necessário a
profissionalização. Muito embora não tenha sido aprovado, seu papel foi de
grande inspiração para outros planos.
Luzuriaga16 relata o processo de luta no século XIX que se discutia a
necessidade ou não de educar o povo. As lutas em favor ou contra ocorridas
em torno de universalidade, gratuidade, laicidade e obrigatoriedade são
acentuadas a partir da revolução ocorrida na França entre 1789 e 1799, bem
como posteriormente com a Comuna de Paris - insurreição dos
trabalhadores de 1871. Movimentos cujos feitos repercutiram em diversos
países do mundo, nos quais apontavam o anseio da classe trabalhadora em
fazer uma revolução social. Momento esse de luta por regimes democráticos
de governo, ensaiando para que a população passasse a escolher seus
próprios governantes, ao passo que ao Estado coube assumir a
responsabilidade pela instrução popular, via instituições escolares.
A questão da universalidade e da gratuidade não causou muita
polêmica, pois seria útil e rentável para o Estado, para a classe dos
comerciantes e para o progresso da ciência. Contudo, a questão da educação
laica enfrentou oposição fortíssima da Igreja Católica e a questão da
educação obrigatória, em manter as crianças nas escolas sob a tutela do
Estado, sofreu severas críticas entre todas as classes sociais, pois poderia
significar uma forma de coibir liberdades individuais. Por outro lado, cresce
os discursos favoráveis a regimes democráticos, onde os trabalhadores
passariam a escolher seus governantes e o Estado a direcionar a força social
15 Aranha, História da Educação e da Pedagogia – Geral e do Brasil. 2006, p. 173-176,
passim. 16 Apud Machado, Fontes História das Instituições Escolares: o projeto educacional de Rui
Barbosa no Brasil. In: LOMBARDI, J. C.; NASCIMENTO, M. I. M.(Orgs.). Fontes, história e historiografia da educação. Campinas: Autores Associados: Histedbr, 2004. p. 65-68,
passim.
33
via instituições escolares, na qual todas as classes sociais se encontrariam
com as mesmas oportunidades, em que ao mesmo tempo transmitiriam a
mesma ideologia em favor de um tipo de sociedade. Assim, a origem das
diferenças sociais estaria ligada às capacidades e aptidões individuais de
cada um, indiferente da sua classe social. Fortaleceu-se a idéia de que por
meio dessa instituição seria possível transformar a sociedade em livre e
civilizada, que pudesse velar pela conservação da ordem. Daí difundiu-se e
firmou-se a idéia de oferecer escolas para o povo, com conteúdos ligados ao
nacionalismo17.
Desde então, com a efetivação do sonho Iluminista e Republicano,
sob o regime educacional do sistema escolarizador criado, é disseminado o
discurso que aquele no qual não passar por suas malhas estará fadado ao
fracasso pessoal, profissional e material, além de inapto a votar.
A idéia de escola pública é bem vista por volta do século XVIII e
efetivada no século XIX em alguns países do mundo. Neste momento é que,
no Brasil, se criaram os sistemas de ensino e as leis de instrução pública,
ainda que precários, mas sob o ideal de um tipo de educação que fosse
universal, gratuita, obrigatória e alguns países lei18.
A expressividade de tais discussões, fez com que o século XIX fosse
considerado como o ―Século da Instrução Popular‖. Pois, neste contexto é que
se difundiu a idéia de uma escola que por sua instrução fosse capaz de
iluminar e transformar a sociedade, numa condição positiva de progresso,
uma instituição fundamental para nações livres e civilizadas. Para muitos
republicanos da época, somente com mais escolas é que seria possível tal
proeza. Assim, para o suposto avanço dos estados democráticos, criou-se a
necessidade do avanço da escola com sua dupla função de formar o sujeito
cidadão e o sujeito egoísta voltado aos ―seus‖ interesses particulares.
Principalmente na França a organização dos trabalhadores e as
greves exigiam mudanças sociais por parte do Estado, defensor dos
17 Sentimento de valorização marcado pela aproximação e identificação com uma nação,
mais precisamente com o ponto de vista ideológico. 18 Ibidem.
34
interesses burgueses. Junto ao momento de Revolução Industrial vivido,
com cada vez mais máquinas substituindo trabalhadores, ocorre o
rebaixamento salarial e o aumento do desemprego. Então as crianças são
menos interessantes para as fábricas. Neste momento, para além da
necessidade de escolas primárias para depositar os filhos da classe operária
ou da necessidade de ler e escrever por mera instrução, a educação torna-se
um importante mecanismo para moralizar. O Estado visava que as
instituições escolares transmitissem conteúdos que conservassem o status
quo, velando pela conservação da ordem e da riqueza burguesa. Nessa
época, afloraram muitas discussões sobre quais eram os conteúdos e
métodos mais apropriados para essa escola necessária.
Nos estados da Alemanha, sobretudo Prússia, o governo lança seu
olhar sobre a educação: Frederico I e Frederico II, déspotas esclarecidos com
vistas no engrandecimento do Estado, fizeram reformas, primeiro, ao
estabelecer a obrigatoriedade no ensino primário. Ampliou-se a rede, depois
em 1763, e o Estado assumiu o controle pleno da educação. Além das
populares elementares e das tradicionais, foi criada a Escola Real, de ensino
técnico científico, onde se ensinavam matemática, mecânica, ciências
naturais e trabalhos manuais, sendo a Alemanha um dos países precursores
ao ensino tradicional e exclusivo de humanidades.
Sobre as transformações na Alemanha do século XIX, Ansell-Person
diz comentando o historiador alemão Golo Mann:
[...] a Alemanha de Bismarck não foi instituída sobre os elevados princípios da filosofia política, como no caso da fundação da união americana, mas sobre o pragmatismo brutal. A fundação do Reich alemão não foi precedida por deliberações filosóficas sobre a natureza do homem e da sociedade, mas por guerras, anexações, alianças e um parlamento aduaneiro montado pela chantagem. Bismarck chegou ao poder anunciando que ia à política dos ―discursos e resoluções‖ um estado de ―ferro e sangue‖.19
19 Ansell-Person, Nietzsche como Pensador Político. 1997, p. 37.
35
2.2 Nietzsche, percursos e percalços formativos
Nesse contexto acima citado viveu Friedrich W. Nietzsche, nascido em
15 de outubro, 1844 – em Röecken na Prússia. O filósofo alemão era filho do
pastor luterano Karl Ludwig Nietzsche com Franziska Oehler e irmão de
Elizabeth (1846) e Joseph (1848). Filho e neto de pastores protestantes,
ligação de parentesco essa que o influencia na infância a pensar seguir pelo
mesmo caminho da profissão do pai. Com a morte do pai em 1849 e depois
com a morte de seu irmão Joseph em 1850, sua mãe muda-se para
Naumburgo, indo Nietzsche estudar na escola municipal, mas em 1851 se
transfere para o Instituto Weber, e em 1854 se matricula no ginásio de
Naumburgo estudando até 1858. Em outubro de 1858, ingressa como
bolsista no Colégio Real de Pforta. Nesse renomado estabelecimento de
ensino, recebe sólida formação em estudos clássicos. Então, escreve seus
primeiros textos, em particular poemas e trechos de uma autobiografia.
Segundo Weber20, na época de Nietzsche, a Escola de Pforta era um
dos mais respeitados Institutos de Formação da Alemanha. Construído no
século XII por um grupo de monges cistercienses, tornou-se no século XVI –
após os luteranos expulsarem os monges – num dos centros da Reforma
religiosa e científica. Além disso, a celebridade dessa instituição guardava
estreita relação com a notoriedade alcançada pelos alunos lá formados,
destacando-se entre eles, Friedrich Schlegel (1772-1829) [Fundador da
revista Athenäum, meio de divulgação das concepções românticas na
Alemanha, e um dos líderes do movimento romântico naquele país], August
Wilhelm Schlegel (1767-1845) [August Wilhelm foi colaborador na revista
Athenäum, sendo um dos representantes do romantismo alemão,
particularmente conhecido pela qualidade das suas traduções de William
Shakespeare (1564-1616)], Georg Friedrich Philipp (1772-1801) [Barão de
Hardenberg, que adotou o nome literário de Novalis – juntamente com os
irmãos Schlegel, foi um dos fundadores do romantismo alemão] e Johann
Gottlieb Fichte (1762-1814) [Filósofo, autor dos Discursos à nação alemã e
20Weber, Op. cit. 2003, p. 1-7, passim.
36
primeiro reitor da Universidade de Berlim, fundada em 1810 por Wilhelm von
Humboldt].
A excelência de Pforta estava ligada ao cultivo das humanidades,
associada a uma intensa vivência da religião nos moldes do luteranismo.
Embora preparasse seus estudantes ao ingresso na Universidade, a
formação não era concebida como mera instrumentalização para um
exercício futuro. Assim podemos notar que é possível verificar que a
concepção de ―formação em Pforta nada tinha em comum com a tendência
cada vez mais intensa nas instituições de formação alemãs a partir da
segunda metade do século XIX que compreendiam a formação como
preparação para uma profissão‖.
Para Sochodolak21, a autobiografia ―Minha vida” foi escrita ao longo de
seu curso em Pforta (1858-1864) e de sua estadia em Bonn (1864-1865).
Nela, Nietzsche apresentou raras inserções reflexivas, ao menos até 1863.
Todavia, a partir de seu egresso de Pforta (verão de 1864) seu discurso
assumiu, paulatinamente, um tom reflexivo e analítico. Talvez Nietzsche se
sentisse mais seguro e livre para escrever o que pensava e sem as amarras
institucionais da velha escola. Reconhecia na escrita a forma primordial de
atacar o mundo que o cercava – a escrita deixava de ser uma exigência
escolar para tornar-se uma arma, uma ferramenta de combate, também era
entendida como uma forma de desabafo.
Na busca por conhecimento, Nietzsche tinha interesses múltiplos,
entre: música, história, poesia, geografia, matemática, arquitetura, artes de
guerra, pintura, literatura, geologia, astronomia e mitologia. Assim, diante
de sua predileção, o jovem Nietzsche22 chegou a organizar seus interesses,
por ordem de preferência entre Prazeres e Gostos, ficando assim:
I – Os prazeres da Natureza (Geologia; Botânica e Astronomia)
II – Os prazeres da Arte (Música; Poesia; Pintura e Teatro)
21 Sochodolak, Significados da leitura para o jovem Nietzsche, 2005, p. 52; 62. 22Apud Sochodolak, Op. cit. 2005, p. 16-17.
37
III – A imitação da Ação e das Práticas Humanas (a Guerra; a
Arquitetura; a Marinha)
IV – Gosto pelas Ciências (Escrever em latim em bom estilo; a
Mitologia; a Literatura; a Língua alemã).
Certamente, o período em que Nietzsche mais escreve sobre educação
é em sua fase inicial, compreendia entre 1870 e 1876, quando se encontrava
influenciado pelo helenismo. Credita à arte a função da educação dos
sentidos e da razão, colocando a tragédia como expressão primordial da vida.
O isolamento a que Nietzsche se submeteu, depois de 1878, com o
abandono da carreira de oito anos como professor Filologia Clássica na
Universidade da Basiléia em 1879, encerra suas atividades com graves
problemas de saúde. Talvez tenha lhe sido um ―mal‖ necessário para que
pudesse cunhar seus ataques mais contundentes ao "espírito da época", em
meio a suas idas prolongadas e frequêntes estadas em diversas cidades da
Suíça, do Norte da Itália e do Sul da França. Seus últimos dez anos de vida
foram passados no isolamento em Naumburg e Weimer, entregue aos
cuidados da sua irmã. Sua afronta à tradição enciclopedista e iluminista que
a Universidade do seu tempo tinha abraçado deu-se em 1878, com a
publicação da primeira edição de ―Humano, Demasiado Humano”.
Desde o período em que abandona a carreira universitária vemos
muitas passagens nos escritos de Nietzsche sobre a afirmação da
impossibilidade e da inutilidade de ensinar as grandes massas, pois como
mesmo diz em ―Humano, Demasiado Humano”, a instrução pública nos
grandes Estados será sempre, quando muito mediana, pelas mesmas razões
por que nas cozinhas grandes se cozinha, no melhor dos casos,
sofrivelmente.
Com uma vida breve, sobretudo, foram apenas poucos e interrompidos
os anos de produção filosófica e literária, em consequência de diversas
enfermidades até a última e derradeira crise, o colapso nervoso que anulou
seus últimos dez anos de vida. Sua vida foi marcada por uma trajetória cheia
de percalços (obstáculos dolorosos e acidentados), com muitos projetos e
38
escritos inacabados; curtos períodos férteis; muitas notas e fragmentos
escritos, porém não fragmentários. Não apresentou um sistema de
pensamento, entretanto apresentou-se como um pensador sistemático,
coerente até mesmo em suas contradições
2.2.1 Seu contexto educacional
A partir do enredo anterior, com enfoque no contexto educacional que
Nietzsche vivenciou desde sua juventude, traremos a visão de uma série de
transformações político-educacionais que o filósofo vivenciou, muito bem
percebidas nos livros que escreveu e também na filosofia que adotou durante
a época da Alemanha de Bismarck.
Tinha 17 anos quando Bismarck chegou ao poder, e sucumbiu a loucura um ano antes do Chanceler de Ferro ser destituído do posto. Sua educação em Schulpforta foi clássica e liberal. O diretor da escola era um forte partidário do florescimento do liberalismo, que ainda entendia como uma combinação do ideal da Bildung com o nacionalismo cultural como formulado por Johann Gottfried Heder (1744-1803). Os professores de Nietzsche foram clássicos-liberais no sentido de que se identificavam com as tradições do classismo de Weimer e sintetizavam o nacionalismo prussiano da metade do século. Nietzsche foi também formado pela revolta contra sua formação religiosa. Uma geração anterior pôde definir seu rompimento com o pietismo como uma heróica luta interior. Mas, com o recuo universal do pietismo nas décadas de 1850 e
1860, isso já não era possível. Da mesma maneira que outros rebeldes da metade do século educados na tradição pietista, como Strindberg e Van Gogh, Nietzsche percebeu que era difícil firmar sua luta com a religião. Tendo testemunhado o colapso da autoridade clerical em 1848, eles atingiram maioridade em período de rápida descristianização entre os protestantes. O fracasso da política religiosa garantia que a questão crucial que se apresentava a Nietzsche e seus contemporâneos era da secularização. Um biógrafo assinala, refletindo sobre angústia espiritual que acometeu a geração de Nietzsche, que ―a secularização ameaçava deixá-los deslocados e sem raízes, mas incitava-os para a frente com a alternativa de uma identidade pós-religiosa, como os primeiros dos ―novos homens‖. O desenvolvimento do jovem Nietzsche caracterizou-
39
se por uma reorientação simultânea nas frentes política e religiosa.23
Com referência a reforma educacional na Alemanha, destaca-se o
filósofo Friedrich August Wolf (1759-1824) que realizou uma reforma do
ensino médio da Alemanha, tentativa na qual privilegiava os estudos
clássicos; introduziu o espírito clássico que vinha da Grécia e Roma,
propondo uma cultura humanística, iniciativa ousada que teve sucesso em
impor uma nova imagem do ginásio, distanciando o objetivo de ser
unicamente um viveiro da ciência, mas, sobretudo o lugar consagrado a toda
cultura nobre e superior. Das medidas que pareciam necessárias, aquelas
que atravessaram a constituição moderna do ginásio, das mais importantes,
a iniciação dos próprios mestres neste mesmo espírito, a qual não obteve
êxito. Muito da cultura humanista, voltando-se a estima absoluta pela
erudição e cultura acadêmica.
Dentro desse clima de sistema educacional, em ―Nietzsche”24 no
primeiro capítulo nomeado ―Entre acadêmicos”, diz sobre a nomeação do
filósofo como professor na Universidade da Basiléia. Em 1869, com vinte e
cinco anos, conhece nomes de prestígio, entre eles Franz Overbeck, professor
de teologia e crítica do cristianismo do século XIX e Jakob Burckhardt,
historiador da arte, estudioso da cultura grega e do renascimento italiano,
estabelecendo com eles fortes laços de amizade e admiração. Nietzsche
considera seu amigo Jakob Burckhardt, uma exceção, e a ele a universidade
da Basiléia deve, em primeiro lugar, seu predomínio nas humanidades. É
com Burckhardt que aprenderá a ―desconfiar dos nacionalismos, inquietar-
se diante do progresso industrial, duvidar dos benefícios da democracia,
preocupar-se com a manutenção da tradição cultural.‖ Relação esta findada
com o distanciamento de Burckhardt, avesso a ousadia das idéias de
Nietzsche.
Nietzsche se encontrava em uma Alemanha que passava por
significativas mudanças, principalmente decorrente da guerra franco-
23 Ibidem, p. 38. 24 Marton, Nietzsche. 1983, p. 10-13.
40
prussiana declarada em julho de 1870, contribuindo com a unificação
política da Alemanha que vem a ocorrer em meados do século XIX, período
em que também ocorre a implantação tardia da indústria e o aparecimento
de novas camadas sociais. Entretanto, passando de um país particularista e
patriarcalista a uma Alemanha capitalista e industrial. Um país dos artesãos
e das pequenas empresas familiares, ao surgimento da sociedade por ações e
no crescimento dos bancos e das grandes indústrias. No advento da nova
burguesia em lugar dos príncipes. No discurso da liberdade industrial e da
unidade nacional. Sendo a Prússia quem toma frente do processo de
unificação dos 39 estados alemães. Segundo Marton:
Para impor sua hegemonia, entre outras manobras, teve de provocar, pelo menos, uma guerra. Forjou um inimigo externo comum a todos, já que não havia nenhum outro elemento capaz de homogeneizar interesses. Otto von Bismarck, o primeiro ministro artífice do Império Alemão, logrou levar a França a declarar guerra à Prússia.25
A Alemanha vitoriosa ―[...] impõe-se hegemônica sobre o território e,
em 1871, funda o Segundo Reich.‖ Fora mudanças econômicas e sociais,
diante da unificação, os governantes prussianos precisavam criar laços para
unir os diversos Estados, deste modo, lança mão de ―[...] uniformizar o
ensino e a cultura, de modo a suprimir as diferenças e especificidades
regionais‖, com vistas de passar do cosmopolitismo ao nacionalismo. ―Voz
dissonante no concerto de autocelebração nacional, Nietzsche tudo fará para
pôr em causa a euforia reinante, não poupando ataques à ascensão da
Alemanha como potência política [...]‖. Participando de uma tradição de
pensamento, que desde o século XVIII adere à separação entre Cultura e
Política, faz críticas a miséria cultural de seu tempo.26
2.3 Desambiguações: civilisation, kultur e bildung
A proposta aqui é diferenciar os conceitos que são recorrentes ao longo
dessa pesquisa: civilisation, kultur e bildung.
25 Ibidem, p. 12. 26 Ibidem, Op. cit. 2010, p. 37; 50.
41
Para Nietzsche ―Estado e cultura são pólos antagônicos e até
adversários: um vive às expensas do outro. Às épocas de grande fertilidade
cultural correspondem épocas de decadência política.‖27 Em fragmento
póstumo de 1888, Nietzsche afirma que:
[...] os ápices da cultura e da civilização estão separados entre si: não devemos nos deixar extraviar sobre o abissal antagonismo entre cultura e civilização. Moralmente falando, os grandes momentos da cultura sempre foram tempos de corrupção; e, novamente, as épocas da voluntária e coerciva dominação animal (―civilização‖) do homem foram tempos de intolerância para as naturezas mais espirituais e ousadas. A civilização quer algo diferente do que a cultura: talvez algo
inverso [...].28
Escrevendo ao amigo Rohde, Nietzsche lembra-se dos tempos do
colégio, da primeira sociedade literária que criara com Gersdorff e Deussen.
Rememora como refizera a tentativa de reconstituir a associação na
Universidade, com Rohde e Romundt.
Imagina criar uma espécie de confraria, um convento moderno, de que participariam todos os seus amigos. Trabalhariam juntos, servindo de professores uns aos outros, e se dedicariam a renovar a cultura da época. Seria uma instituição completamente desvinculada do Estado, uma universidade livre, uma escola para educadores. Esse projeto, porém, não encontra receptividade. Retomado em diversas ocasiões, nunca chegará a concretizar-se.29
Dedica toda uma seção em ―Crepúsculo dos Ídolos”30, em que nomeia
―O que os alemães estão na iminência de perder” §1, onde alerta sobre os
rumos da educação e universidade alemãs fazendo algumas perguntas
irônicas:
Percebe-se que não peço mais que justiça seja feita aos alemães: nisso não desejaria faltar a mim mesmo — é necessário, portanto, igualmente, que lhes faça minhas objeções. Custa muito chegar ao poder: o poder embrutece. Os alemães — eram chamados outrora um povo de pensadores: eu me pergunto de uma maneira geral se pensam ainda hoje em dia? Antes os alemães se entediam com o espírito, agora os alemães desconfiam do espírito. A política devora toda a seriedade que se poderia introduzir nas coisas
27 Marton, Op. cit. 1983, p. 13. 28 Nietzsche, KSA, 16 [10] da primavera/verão de 1888. 29 Marton, Op. cit.1983, p. 13. 30 Nietzsche, CI, §1.
42
verdadeiramente espirituais. — "A Alemanha acima de tudo", temo que isto tenha sido o fim da filosofia alemã... "Existem filósofos alemães? Existem poetas alemães? Existem bons livros alemães?" Tais são as questões que me colocam no exterior. Não posso senão rugir, mas com a bravura que me é própria, mesmo nos casos desesperados, respondo: "Sim, Bismarck!” Tinha eu portanto o direito de confessar que livros são lidos hoje?.. Maldito instinto da mediocridade!31
O filósofo externa de forma irônica sua aversão a ligação dos intentos
do Estado alemão com o projeto educativo de um sistema que arrogava ser
algo que viesse elevar a Alemanha para ser uma potência tanto política,
econômica e industrial, como no campo cultural. Assim, ele não via a
capacidade de existir filósofos na academia alemã diante da corrupção dos
poetas e da linguagem pobre dos livros que estavam sendo escritos.
Nietzsche estava num contexto de duas faces: ―a situação de miséria
cultural‖ e a ―crença amplamente difundida de que existe a verdadeira
cultura‖.32
Genericamente Cultura pode ser definida do seguinte modo:
Esse termo tem dois significados básicos. No primeiro e mais antigo, significa a formação do homem, sua melhoria e seu refinamento. [...] No segundo, indica o produto dessa formação, ou seja, o conjunto dos modos de viver e de pensar cultivados, civilizados, polidos, que também costumam ser indicados pelo nome de civilização. A passagem do primeiro para o segundo significado ocorreu no século XVIII por obra da filosofia iluminista, o que nota bem este trecho em Kant: ―Num ser racional, cultura é a capacidade de escolher seus fins gerais. Por isso, só a Cultura pode ser o fim último que a
natureza tem condições de apresentar ao gênero humano.33
Bárbaro é um sentido de ausência de cultura, de um ideal de formação
de homem em sentido amplo. Analisando o sentido de cultura a qual
Nietzsche se referia, Sampaio diz o sentido de Barbárie:
O moderno Estado alemão toma a ―cultura‖ como um instrumento de sua própria exaltação. [...] O grande exemplo de civilização é o imperium romano, enquanto a Grécia permanece sendo modelo de cultura. A cultura grega não objetiva a formação de uma individualidade perfeita, mas visava ao povo enquanto unidade concreta, isto é, enquanto
31 Nietzsche, GD/CI, §1, p. 48-49. 32 Ibidem, Nietzsche – a transvaloração dos valores. 1993, p. 18. 33 Abbagnano, Op. cit. 2000, p. 225. (Grifo do autor).
43
comunidade, em seu âmago, gesta o gênio e geram-se suas obras. Arte, caráter e civilidade formam um único ―organismo‖, um estilo ímpar e coerente. [...] Com o termo ―barbárie‖ ele [Nietzsche] aponta para a diferença entre sua atualidade e os Gregos: neles, arte e filosofia não estavam apartadas da vida partilhada34.
Na tese de Silva Júnior35 ao pesquisar ―Nietzsche e a cultura alemã”,
mostra que quando Nietzsche trata da Kultur ou Cultur é algo diferente que
está em causa: Kultur pode ter um sentido mais amplo, próximo a
Civilisation (civilização). No alemão esses dois termos estão em campos
opostos. O primeiro termo trata da vida intelectual e espiritual, o segundo se
restringiria ao domínio material. Segundo Silva Júnior, em Nietzsche, não há
essa oposição, porque ele anula a distinção entre teoria e prática, assim a
civilização torna-se assim um caso específico da ―cultura‖. ―Afirmação esta
que se afasta da posição que defende haver uma distinção entre cultura e
civilização entre os alemães‖. Civilização (Civilisation) destina um aspecto
cultural mais amplo (como da civilização grega) e cultura (Kultur ou Cultur)
destina um aspecto mais restrito (como quando nos referimos à cultura de
uma nação).
Outra diferença que nos apresenta Silva Júnior36 é entre os termos
Kultur e Bildung37: Kultur diz respeito a um agrupamento humano mais
amplo (uma nação, por exemplo), Bildung se limita à formação de um
indivíduo particular. Segundo ele, isso fica claro quando, depois de lamentar
que a Bildung alemã tenha sido confundida com uma cultura filistéia,
Nietzsche define a Kultur como sendo ―a unidade de estilo que se manifesta
em todas as atividades de uma nação‖. No idealismo alemão, ―o termo
cultura tem uma dupla acepção, que acaba por ampliar enormemente o seu
espectro‖. A Wissenschaft (os saberes científico-filosóficos) e, a Bildung (o
34 Sampaio, A Origem do Ocidente – A Antiguidade Grega no jovem Nietzsche. 2008, p. 62. 35 Silva Júnior, Em busca de um lugar ao Sol – Nietzsche e a cultura alemã. 2005. 36 Ibidem, 18-20, passim. 37 Bildung é um conceito que evolui, modernamente, a partir do quadro político-social da
Alemanha, desde os fins do século XVIII, estando enraizado numa realidade particular e
fazendo sentido apenas no contexto alemão. Daí a dificuldade em vertê-lo para uma outra
língua. Nele, expressa-se uma visão de mundo; tem, portanto, uma importância no nível ideológico, educacional, filosófico e estético. (Ibidem).
44
desenvolvimento individual do caráter de cada um), o que dá a medida da
estreita ligação entre o ensino e a investigação.
2.4 A visão nietzscheniana de universidade
O intuito aqui será o de apresentar um pouco da leitura que fazemos
daquilo que interpreto ser a visão de Universidade que Nietzsche concebia.
Nesse objetivo, é proposto fazer um ―entrelaçamento‖ do pensamento de
Nietzsche com os eventos do contexto histórico em que desenvolveu seu
trabalho: o que o levou a determinado posicionamento e contra o que se
insurgiu.
O autor de ―Crepúsculo dos Ídolos” ao analisar as universidades
alemãs indigna-se:
[...] que atmosfera respiram esses sábios, que espiritualidade vazia, satisfeita, entibiada! Aquele que objetasse com a ciência alemã, incorreria num profundo equívoco e demonstraria, ademais, não ter lido uma só linha minha. Há dezoito anos não me canso de proclamar a influência deprimente de nosso cientificismo atual sobre o espírito. A dura escravidão a que a extensão imensa da ciência condena hoje em dia cada indivíduo é uma das principais razões em virtude das quais as inteligências mais bem dotadas, mais ricas, mais profundas, não encontram já educadores nem educação que lhes convenham. Nada faz padecer tanto nossa cultura quanto a abundância de carregadores pretensiosos e fragmentos de humanidade. Nossas universidades são, para pesar próprio, verdadeiras estufas que pioram o espírito nos seus instintos. Toda Europa já principia a percebê-lo; a alta política não engana ninguém. A Alemanha vai sendo considerada o povo mais vulgar da Europa.38
Mais adiante, ainda na mesma obra, ao ver por outra perspectiva,
percebe que não só é evidente que a cultura alemã está em decadência,
como não faltam razões suficientes para isso. Para ele a cultura e o Estado
são termos antagônicos, Estado civilizado é apenas uma idéia moderna.
Todas as grandes épocas da cultura são épocas de decadência política, o que
foi grande no sentido da cultura não foi político, até mesmo foi antipolítico.
38 Nietzsche, CI, §1.
45
Da segunda metade do século XIX, decorrente dos movimentos
revolucionários, na Europa, cada vez mais se intensificam reivindicações
significativas da população que se coloca a exigir mais possibilidades de:
acesso, participação e usufruto da vida social, seja na ordem daquilo que diz
respeito às atividades produtivas (―direitos trabalhistas‖ e possibilidade de
empreendimento), seja nos chamados ―bens culturais‖, em que o acesso à
instrução desempenhava uma das reivindicações mais constantes. A
preocupação na Alemanha era com a instrução para a população, não sendo
esse um assunto novo estando presente desde os escritos de Lutero e no
empreendimento de reforma dos estabelecimentos de ensino feito por
Wilhelm von Humboldt. Algo que, depois da unificação dos Estados alemães:
[...] assumiu uma disposição peculiar na medida em que a partir de então, dada as especificidades da nova situação social, os princípios que sustentavam a proposta de Humboldt já não satisfaziam mais as exigências impostas pelas novas ―necessidades sociais‖, impostas pelos ―novos tempos‖. As duas tendências diretivas das escolas alemãs - nos termos de Nietzsche, ―da cultura alemã‖ - identificadas por Nietzsche dizem respeito a esta nova situação social. Quer dizer, a máxima extensão e a diminuição (retração) da cultura servem de identificadores dos processos sociais, pois representam tendências sociais no interior das instituições culturais.39
Nesse contexto, gostaria de destacar dois pensadores a que convém
citar para que não sejamos uma voz isolada nesse contexto da Alemanha do
século XIX, Adam Smith e Karl Marx.
Na obra ―Riqueza das Nações‖, o escocês Adam Smith (1723-1790), o
pai da economia moderna, no capítulo ―Da despesa das instituições para
educação da juventude‖, um clássico da economia política, discute, entre
outras coisas ―[...] que funções deveriam cumprir e qual era a melhor forma
de garanti-los, se com subsídio integral ou apenas parcial do Estado. Os
objetivos da utilidade, da eficiência e da eficácia do empreendimento
educativo‖40. Também como Hobbes (1588-1679) o fez em O Leviatã.
39 Weber, Arte, ciência e cultura nos primeiros escritos de Nietzsche. 2003, p. 100-101. 40 Apud Sguissardi, Universidade Brasileira no Século XXI – Desafios do presente. 2009, p.
165.
46
O texto de Adam Smith enfatiza a competitividade entre os homens e
organizações e instituições de toda a natureza, inclusive as educacionais,
como princípio fundamental para o progresso; desqualifica a escola pública,
especialmente quando esta é subsidiada integralmente pelo Estado, pois isso
não só corrompeu a diligência dos professores da educação pública, como
tornaram impossível a existência de bons professores da educação
particular. Mas, além disso, de modo ambíguo, diz que se não houvessem
instituições públicas destinadas a educação, a educação seria somente
utilitarista, alertando para que o Poder Público se atente para impedir a total
corrupção e degeneração da maioria das pessoas, em especial do trabalhador
braçal, que pouco exercita suas capacidades intelectuais. Adam Smith
coloca a idéia de que o ensino seria pago, mesmo que a baixo custo, pela
família (para ser valorizado), e o mestre (―mercenário‖ e propenso a
vadiagem?) seria pago apenas em parte pelo Estado, ―porque se fosse
totalmente ou na sua grande parte pago por ele, depressa aprenderia a
negligenciar sua actividade‖41.
O economista e filósofo alemão, Karl Marx (1818-1883), na Crítica do
Programa de Gotha: observações à margem do Programa do Partido
Alemão42, [documento baseado numa carta de Karl Marx, escrita no início de
1875, destinada ao grupo da social-democracia alemã em Eisenach, de quem
Marx e Engels eram próximos], oferece um pronunciamento detalhado sobre
41 Smith, 1983, p. 421 apud Sguissardi, Universidade Brasileira no Século XXI – Desafios do presente. 2009, p. 166. 42 Foi elaborado para ser apresentado no Congresso de 22 a 27 de Maio de 1875 em Gotha,
quando então se reuniram as duas organizações operárias alemãs ao tempo existentes: o
Partido Operário Social Democrata e a União Geral dos Operários Alemães, para formar uma
organização única, o Partido Socialista Operário da Alemanha. O Programa foi objeto de
uma crítica rigorosa por parte de Marx em 1785. Esta é sem dúvida em vigorosa tomada de
posição perante os recuos a princípios liberais do Programa. Em estilo contundente que lhe é característica, Marx formulou nele e conforme Lênin ―todas as teses sobre as questões
fundamentais da teoria do comunismo científico‖, nele encontramos contribuições para a
teoria sobre o Estado segundo o materialismo histórico–dialético. Engels publicou o texto da Crítica do Programa de Gohta em 1891, 15 anos depois de ter sido redigido e 7 anos após a
morte de Marx. No prefácio ao Programa Engels dá conta das mudanças operadas
historicamente para justificar ―quando não estavam em causa razões de fundo‖ a supressão de ―algumas expressões‖ e a sua substituição por ―reticências‖. A Crítica do Programa de
Gotha e o seu Prefácio não voltaram a ser editados na vida de Engels. Só em 1932, na
URSS, seria editado o texto integral. (Fonte: Glossário do Grupo de Estudos e Pesquisas
"História, Sociedade e Educação no Brasil"
Faculdade de Educação – UNICAMP.) Disponível em: www.histedbr.fae.unicamp.br.
47
assuntos revolucionários, na questão de programação e estratégia. No
documento discute a ditadura do proletariado — o período de transição do
capitalismo para o comunismo —, o internacionalismo proletário, e o partido
da classe operária. Em se tratando da educação, em vez de discutir se a
educação é um bem público ou privado, diante do tipo de sociedade e de
Estado (prussiano-alemão) com que se defronta, expõe sua descrença em
que ―a educação pode ser igual para todas as classes‖, como propunha esse
programa partidário. Assim Marx nos fala:
Uma ―educação popular a cargo do Estado‖ é completamente inadmissível [...]. Longe disso, o que deve ser feito é subtrair a escola a toda influência por parte do governo ou da Igreja. Sobretudo no Império Prussiano-Alemão (e não vale fugir com baixo subterfúgio de que se fala de um ―Estado futuro‖; já vimos o que é este), onde, pelo contrário, é o Estado que necessita de receber a educação do povo muito severa.43
Karl Marx via no ensino superior ―gratuito‖ em alguns estados norte-
americanos, à época, uma forma de privilégio das ―classes superiores‖44.
No contexto alemão, Silva Júnior45 menciona um fato relevante sobre a
Universidade de Berlim, que: levando em conta o diálogo com Goethe,
Wilhelm von Humboldt fundou a Universidade de Berlim em 1810, tendo por
base os princípios humanistas e um tipo de ensino não separado da
pesquisa, que fosse além da simples profissionalização – próprio da
Universidade de Halle - e ―tivesse como centro a formação integral de
homens autônomos‖. Sobre esse tipo de ensino, há dois destaques a serem
feitos:
1º Não se tratava para ele da formação de um homem universal ou do
cultivo da instrução geral, mas de incentivar o cultivo do espírito e o
aguçamento dos sentidos; a instrução teria uma importância relativa.
2º Longe estava dos intentos do Iluminismo, pois não buscava educar,
fazer conhecer, esclarecer, mas simplesmente permitir um livre
43Marx, s/d., p. 223 apud Sguissard,Universidade Brasileira no Século XXI – Desafios do presente. 2009, p.166 – grifo do autor. 44Ibidem. p. 166). 45 Silva Júnior, Op. cit. 2005.
48
desenvolvimento espiritual longe dos constrangimentos e interditos da
cultura/civilização.
E é da maneira humboldtiana que Nietzsche compreende a
Universidade. Ainda na observação de Silva Júnior, no decorrer do século
XIX esse modelo de Universidade entra numa decadência, ―pois as
exigências do Estado para a formação de quadros técnicos só faziam
aumentar – lembremos, dos novos tempos de desenvolvimento econômico‖. A
decadência da Universidade é o reflexo da decadência alemã. Compreende
Silva Júnior 46 que ―por essa razão, Nietzsche irá se voltar, com máxima
virulência, contra a subordinação do ensino/instrução aos ditames dos
governos‖. Na concepção de Ensino e Pesquisa, Nietzsche desfere muitos
ataques hostis a Kant por ter esse permanecido na Universidade e se
submetido ao Estado. Kant não aproxima a investigação do ensino (como
Humboldt) relegando parte do saber às academias e sociedades científicas
que teriam vida autônoma, longe do ambiente universitário. Das
―Considerações extemporâneas‖ escutemos Nietzsche a respeito:
Kant permaneceu atrelado à Universidade, se submeteu aos governantes, salvou as aparências de uma fé religiosa, suportou viver entre colegas e estudantes: é portanto natural que seu exemplo tenha produzido sobretudo professores de filosofia e uma filosofia de professores47
Silva Júnior 48 nos mostra a diferenciação do ambiente acadêmico e do
não-acadêmico: ―entre colocar um saber subordinado ao Estado e à
sociedade ou se mostrar independente de qualquer instância coercitiva, tem
as mais inauditas implicações‖. Nietzsche ironiza aos que em nome da
―verdade‖, da ―ciência pura‖ (Kant), acabam por assegurar ao Estado a
máxima tranqüilidade em seus negócios. Nesse sentido, apresenta Wagner e
Schopenhauer como modelos, um para arte e outro para filosofia, naturezas
exemplares, sujeitos que ―não temeram expressar o seu interior – o mais
íntimo e verdadeiro de seu ser - mesmo em condições exteriores adversas‖.
Um texto de Schiller conhecido de Nietzsche, ―O que é e por que se estuda a
46 Ibidem. 47 Nietzsche, Co.Ext III, SE, § 3. 48 Silva Júnior, Op. Cit., passim.
49
História universal?‖ nos mostra da oposição de duas figuras: o Brotgelehrte
(intelectual ou especialista que se coloca a serviço do Estado ou do mercado)
e o espírito filosófico. Explica Silva Júnior que a primeira figura ―faria de seu
saber um conhecimento separado do todo‖, a segunda figura, o espírito
filosófico, ―manteria seu saber em conexão com o todo‖. Assim: O
Brotgelehrte se coloca a serviço do Estado ou do mercado e a eles atende
―sem sentir qualquer traição ao seu próprio espírito, pode ainda ter como
mera preocupação seu salário mensal‖. Já o espírito filosófico, ―não tem
como se submeter a exigências exteriores sem que haja um vínculo com a
sua interioridade, ou seja, jamais se submeteria ao Estado ou ao mercado‖.
Nietzsche elege Schopenhauer como um desses casos exemplares do espírito
filosófico em que a vida intelectual caminharia junto da real. Lembra
Nietzsche de sua independência em relação ao Estado e à sociedade e a sua
despreocupação com as ―castas acadêmicas‖ e ―Kant seria o anti-exemplo‖.
51
3.1 “Sobre o futuro de nossos estabelecimentos de ensino”
Tu és um homem de cultura degenerado! Nasceste para cultura, mas foste educado pela incultura! Tu és um bárbaro impotente, escravo do dia, atado pela corrente do momento e faminto – eternamente faminto! (Nietzsche, Sobre o futuro de nossos estabelecimentos de ensino, IV Conferência).
Neste capítulo o enfoque dado é sobre as Conferências que Nietzsche
pronunciou entre janeiro e março de 1872, no Akademisches Kunstmuseum
da Basiléia. Dessa série de conferências que pretendia proferir, nomeadas
―Sobre o futuro de nossos estabelecimentos de ensino‖, apenas cinco foram
feitas, sendo que nenhuma delas fora publicada em vida pelo autor como
texto impresso para circulação.49
Sobre as datas em que foram proferidas:
- Primeira conferência: 16 de janeiro de 1872;
- Segunda conferência: 06 de fevereiro de 1872;
- Terceira conferência: 27 de fevereiro de 1872;
- Quarta conferência: 5 de março de 1872;
- Quinta conferência: 23 de março de1872.
Scarlett Marton lembra-nos que mais duas Conferências ainda seriam
realizadas; contudo, dores de garganta impediram o jovem professor de
proferi-las. Wagner, seu ainda amigo, insiste para que o filósofo as conclua e
as publique mas ele não se deixa convencer.
49 Noéli Correia de Melo Sobrinho traduz do francês para o português, a partir da edição Oeuvres philosphiques completes estabelecida por Giorgio Colli e Mazzino Montinari. No
entanto, o tradutor vale-se também de uma versão em espanhol, disponível no site
Nietzsche em Castellano (2009), e também da versão de fragmentos publicada na Coleção
Os pensadores como Nietzsche: Obras Incompletas. Aqui destaco que supracitada tradução de Noéli (2003) titulada Escritos sobre Educação: Friedrich Nietzsche não fora organizada
por Nietzsche, mas é uma escolha que o tradutor faz por organizar os ditos e escritos mais
específicos deste filósofo sobre o tema da educação, sendo eles: As conferências Sobre o
futuro de nossos estabelecimentos de ensino somado a III Consideração Intempestiva:
Schopenhauer Educador e alguns fragmentos póstumos.
52
Elizabeth Föster-Nietzsche empenhou-se na difusão do nome de seu
irmão na imprensa, entre 1893 e 1900. Elaborou uma nova edição de seus
escritos, supervisionou, insistiu em lançar publicações baratas. Fato curioso
é que chegou a leiloar os manuscritos das Conferências, vendendo-os para
um jornal popular em dezembro de 1893.50
Ao escrever conforme relata no segundo prefácio de suas Conferências,
Nietzsche alerta que não escreve para as massas, pois escolhe seus leitores,
ou melhor, seus leitores hão de possuir qualidades para escolhê-lo e
compreendê-lo. Conforme já mencionado nas considerações iniciais desse
trabalho, o leitor esperado por Nietzsche, como anuncia previamente em suas
conferências, há de ter três qualidades: sem pressa, e sem remorso que
possa ―escolher e buscar as boas horas do dia e os momentos fecundos e
poderosos para meditar sobre o futuro de nossa cultura‖; não privilegiar a si
e à sua “cultura”, como critério seguro de todas as coisas; bem como, não
esperar por encerrar um quadro de resultados, pois ele não promete quadros
e novos horários para os estabelecimentos de ensino. O que quer Nietzsche é
um homem que não desaprendeu a pensar lendo, que lê nas entrelinhas e
medita sobre o lido, talvez, depois de ter fechado o livro. E, com seu livro na
mão, ele busca por pessoas que sejam impulsionadas de todos os lados por
sentimento análogos: homens isolados, ―seres dotados pela contemplação,
cujo olho não desliza num exame prematuro na superfície das coisas, mas
sabe encontrar o caminho até o núcleo do seu ser‖.
Sobre a Tese de Nietzsche quanto à Educação de sua época,
encontramos dois prefácios bastante elucidativos frente àquilo que
discorreria em suas conferências. No primeiro prefácio fala acerca do título
de tais conferências, salientando que o dever de qualquer título é de ―ser tão
preciso, claro e persuasivo quanto possível‖; aproveita e pede desculpas aos
ouvintes que não será ele a fazer as aplicações daquilo que falará, pois não
queria carregar a responsabilidade dos usos que poderiam ser feitos dos
seus propósitos. Quanto ao título seu soar como profético disse ele:
50 Marton, Op. cit. 2010, p. 42.
53
Querer ser profeta é sem dúvida a maior das presunções, de modo que parece ridículo declarar que não se quer sê-lo. Ninguém teria o direito de falar com o tom de oráculo sobre o futuro de nossa cultura e sobre a questão que está ligada a ela, o futuro dos nossos meios e dos nossos métodos educacionais, se não pudesse provar que esta cultura vindoura é já, numa certa medida, um presente e que, numa medida maior ainda, ela deve se expandir para exercer uma influência necessária sobre a escola e as instituições educacionais. Que se permita adivinhar o futuro, como um arúspice romano [sacerdote romano da Antiguidade que fazia prognósticos e presságios, consultando as entranhas das vítimas].51
O filósofo não se arroga profeta, ao passo que não nega que seu
discurso é de constatação, falando sobre o ―futuro‖ daquilo que de certa
medida já se fazia presente. Assim, ele anuncia suas considerações
contundentes acerca da educação alemã do século XIX, e porque não, de
certo do modo, de um tipo de tendência na educação que com seus efeitos se
desdobraria nos séculos vindouros.
De modo bem simples, porém não simplório, bem resumido, mas não
superficial, o filósofo aponta sua tese quanto à educação que poderíamos
tomar, sem dúvida alguma, como síntese de tais conferências:
Duas correntes aparentemente opostas, ambas nefastas nos seus efeitos e finalmente unidas nos seus resultados, dominam hoje os nossos estabelecimentos de ensino, originariamente fundados em bases totalmente diferentes: por um lado, a tendência de estender tanto quanto possível a cultura, por outro lado, a tendência de reduzi-la e enfraquecê-la.52
Desse modo, fundados em bases diferentes, na perspectiva da
primeira tendência a cultura é levada ao número maior possível de pessoas,
estendendo uma cultura medíocre; na segunda, levada pelo ideal da ciência,
seria reduzida em fatias, em recortes, portanto, aniquilada e enfraquecida.
Nesse exame, o filósofo faz suas réplicas à ―tendência da extensão” oferece o
―estreitamento e à concentração da cultura‖ e à ―tendência da redução”
aponta ―o fortalecimento e à soberania da cultura”. Algo sobre o qual não
vamos encontrar explicações detalhadas no decorrer de sua obra. Mas que
51 Nietzsche, EE, primeiro prefácio, 1872. In: Escritos sobre Educação, 2003. (Grifo meu) 52Ibidem.
54
sem dúvida aponta uma perspectiva de educação aristocrática e de certo
modo aparentemente elitista.
Nesse exame ele compreende que em tal propositura, a ―crença na
possibilidade de uma vitória é justificada‖, pois essas duas tendências ―são
tão contrárias aos desígnios constantes da natureza quanto a concentração
da cultura num pequeno número é uma lei necessária da natureza, [...]
embora as duas outras tendências só possam chegar a fundar uma cultura
mentirosa‖. Assim, ele diz que entre uma coisa e outra, ele prefere a
perspectiva seletiva da educação para poucos, ao invés da que se quer
oferecer para muitos sob as vestes enganosas de uma falsa qualidade para
todos.
O interessante é que Nietzsche aponta a necessidade de guias para a
cultura:
Vejo certamente vir um tempo em que os homens sérios, a serviço de uma cultura inteiramente renovada e purificada e num trabalho comum, se tornarão os legisladores da educação rotineira – da educação que leva a esta cultura; é verdade que então eles produzirão quadros [guias para a nação].53
Entre o futuro que anunciava e o presente que vivenciava, dizia que
talvez se fosse assistir à destruição do ginásio e da universidade, ou pelo
menos uma transformação tão profunda, que aos olhos daqueles do porvir,
os quadros antigos parecerão ―restos de uma civilização lacustre54.‖
Antes de irmos adiante com as falas das Conferências de Nietzsche, é
importante diferenciarmos suas críticas aos estabelecimentos de ensino,
onde temos duas faces de uma mesma moeda, uma no que diz respeito ao
Gymnasium55 e outra a Universidade:
A mesma moeda: com Dias56 em ―Nietzsche Educador‖, confirmamos
que para Nietzsche nem o Gymnasium ou a Universidade podem ser
53 Ibidem, EE, segundo prefácio, 1872. (Grifo meu) 54 Que vive nas águas ou à margem de um lago: planta lacustre.
Habitação lacustre, a construída sobre esteios ou colunas, nos tempos pré-históricos, acima
da superfície dos lagos ou lagunas. 55 O Gymnasium equivale aos antigos ginásio e colegial, hoje 5ª a 8ª série do ensino
fundamental e ensino médio (antigo 2º grau) do currículo brasileiro (Dias, 2003, p. 17). 56 Dias, 2003, p.17
55
considerados instituições que promovam cultura, porque ―não formam
indivíduos aptos a exercer plenamente todas as potencialidades de seu
espírito, nem capazes de combater a barbárie na cultura.‖
Das duas faces dessa mesma moeda: sobre Gymnasium, toda a crítica
de Nietzsche está em torno da língua alemã, sobre a profanação da língua e
a cultura jornalística. Quanto a Universidade, ataca o ―método acroamático”
caracterizado essencialmente pela exposição oral professor e a participação
pouco expressiva do aluno. Diz da importância da filosofia e da arte como
disciplinas indispensáveis para combater a tendência cientificista que se
acentuava cada vez mais.
Essas idéias discorridas acima são alguns dos recortes que elegemos
para dar uma visão daquilo que Nietzsche pensava como haveria de ser a
Universidade, algo que também podemos ver em suas Conferências
pronunciadas na Basiléia, que serão expostas no próximo segmento.
3.2 Uma história em cinco conferências
Rememorar e utilizar uma história para ilustrar seu pronunciamento
contando de um inusitado encontro, real ou fictício, é o artifício discursivo
utilizado por Nietzsche para a série de suas Conferências na Basiléia. Neste
texto, o proposto será fazer alguns destaques pertinentes sobre o que
pensava da educação de sua época e porque não naquilo que ela se tornaria.
Assim discutiremos fragmentos, porém, não de forma fragmentária.
A partir desse ponto, aproveitando a ocasião que as conferências
públicas lhe proporcionavam, Nietzsche inicia o relato que testemunhou de
uma conversa – na ocasião em que se estava reunido com a sociedade de
colegas57 – que um filósofo e seu discípulo tiveram sobre este assunto. De
57 ―Germânia‖ espécie de confraria, fundada por Nietzsche e seus amigos de escola em 1860
às margens do Reno, com objetivo de discutir arte, música e literatura. O compromisso de
cada membro era enviar uma vez por mês uma produção própria: poema, tratado, projeto de
arquitetura ou de obra musical. Todos em vigilância mútua ficavam responsáveis tanto por
estimular ou refrear as inclinações para a cultura, bem como por julgar com sinceridade
56
modo que, na ousadia da conversa pareceu-lhe útil descrever semelhante
diálogo para animar os ouvintes a emitirem um juízo sobre os pontos de
vista e declarações. De forma livre, vale-se da prosa, algo que poderia
prejudicar a exposição daquilo que pretende. Mas, pela falta de uma
sistematicidade gera uma riqueza pela produção de intensidades.
Contando desse encontro imprevisto dele e seus amigos58, o jovem
Nietzsche e seus amigos reuniram-se nesse local e encontraram um velho
filósofo [talvez a figuração de Schopenhauer] e seu discípulo acompanhados
de um cachorro, estando esses à espera de um amigo. Esses de imediato se
retiram incomodados com o lazer (disparos de pistolas) de Nietzsche e seus
colegas. Passado algum tempo, Nietzsche e um de seus amigos escutam
certa conversa distante e vão espiar o diálogo acalorado entre o filósofo e seu
discípulo, ficando bastante interessados na fundamentação de tal diálogo.
Depois de muito ouvir, revelam-se ao filósofo, de onde travam uma
conversa acerca do que até então havia sido falado – O futuro de nossos
estabelecimentos de ensino.
Essa história de Nietzsche e seus amigos com o velho filósofo e seu
discípulo será o diálogo ilustrativo do pronunciamento das cinco
conferências da Basiléia.
Da Primeira Conferência59
Ao falar ao público Nietzsche diz: ―O assunto sobre o qual vocês têm a
intenção de refletir comigo é tão sério, tão importante e, num certo sentido,
tão perturbador‖: o futuro de nossos estabelecimentos de ensino. No entanto,
absoluta e crítica amigável. Nietzsche era o conselheiro musical. Tinham por diversão
praticar tiro de pistola. As reuniões deveriam acontecer amiúde a cada ano, na mesma data,
no fim do verão em um sítio perto de Rolandseck. Da confraria constituída, Nietzsche diz ter
sido organizada de modo que nela nunca tenha sido pensado em algum intento do tipo
formar alguém para alguma ―profissão‖, intento de exploração esse, quase uma sistemática
do Estado o qual o mais cedo possível busca atrair para si funcionários utilizáveis e se assegurar através de exames rigorosos. E nesta confraria, sem imaginar um objetivo,
tinham orgulho de ser espíritos não utilizáveis, pois não queriam ser úteis para nada nesse
sentido. 58 Contexto do encontro: Para celebrar uma festa comemorativa, Nietzsche reuniu-se com
seus colegas de Bonn, com intenção de recordar a instituição que fundaram outrora – a Germânia. 59 Ibidem, EE, 1872. In: Melo Sobrinho, 2003, p. 48-65. (Grifo meu)
57
se alguém lhe prometesse ensinar algo desta pretensão, reflete: ―Seria, no
entanto, sempre possível que ele [Nietzsche] tivesse querido dizer algo de
justo sobre esta perturbadora questão‖, pois ―é possível que algum dos
mestres que tiveram tenham sido grandes personagens, com capacidade de
predizer o futuro, à maneira dos arúspices romanos, examinando as
entranhas do presente‖.
Sobre os leitores a que se fará compreender quando contar o diálogo
ao qual se refere, Nietzsche diz: ―ouvintes que advinham imediatamente
somente o que pode ser indicado‖ e ―completem o que foi preciso calar‖,
assim como, ―somente precisem que lhes lembre o que já sabem, e que não
lhes seja ensinado uma coisa nova‖. Em síntese, ele fala e se faz
compreender apenas por seus pares, os capazes de ir além do texto. Ou seja,
aos poucos da confraria.
Nessa conferência vem falar do infortúnio de se democratizarem os
direitos do gênio, sobre a cultura estendida que abandona os seus objetivos
mais elevados, mais nobres, mais sublimes, e que se põe a serviço do
Estado, por exemplo. Nesse sentido, nos mostra as conseqüências da
tentativa do Estado de tentar oferecer educação de modo a alcançar o
máximo de pessoas possíveis, utilizando um dispêndio de energia muito
grande distribuído entre os vários indivíduos que se quer atingir, sem que
com isso cumpra com seus objetivos.
Uma questão social: ―a massa poderia ter a impressão de que a cultura
estendida à maioria dos homens não era senão um meio para uma minoria
obter a felicidade na terra‖, pois a universalização desmedida da cultura a
enfraquece, não garante qualquer privilégio ou respeito – uma barbárie. (O
Filósofo)60. A vulgarização faz a inferiorização e mediocrização daquilo que
haveria de ser superior.
Da Segunda Conferência61
60 Ibidem, p.62. 61 Ibidem, p.66-84.
58
Para esta conferencia, Nietzsche retoma o diálogo que às escondidas
ouvia entre um velho filósofo e seu discípulo: o filósofo concorda com as
idéias de seu discípulo, exceto quanto a seu desânimo, ao passo que
também critica a literatura pedagógica de sua época, um tema de suprema
pobreza de espírito e com esta verdadeira brincadeira de roda infantil.
No diálogo citado na Conferência, o discípulo desafia o velho filósofo:
―Assim, mestre, ensine-me algo a propósito do ginásio: que tipo de
decadência, que tipo de renascimento do ginásio podemos ainda esperar?‖.
Para o filósofo ―todas as outras instituições devem medir-se pelo
objetivo cultural que é visado pelo ginásio, pois elas sofrem com os desvios
de sua tendência, e assim serão também purificadas e renovadas com a
respectiva ―purificação e renovação‖ cultural.
O ginásio analisado pelo filósofo, à época, é um falso estabelecimento
de ensino, forma não para a cultura, mas para erudição, algo que transpõe-
se da erudição unicamente para o jornalismo.
No ginásio, todos são considerados, sem um exame mais rigoroso, como seres capazes de fazer literatura, com direito de ter opiniões pessoais sobre os fatos e personagens mais sérios, embora uma educação correta devesse justamente aspirar, com todos seus esforços, a reprimir as ridículas pretensões de autonomia de julgamento e apenas habituar o jovem a uma estrita obediência sob a autoridade do gênio.62
Traços literários do jornalismo e da produção acadêmica: tendência de
produzir de modo apressado e vão, mania desprezível de escrevinhar livros,
total ausência de estilo, um modo de se expressar não refinado e sem
caráter, ou tristemente grandiloqüente, a perda de todo cânone estético, a
voluptuosidade da anarquia e do caos.
O deixa-fazer universal do que se chama livre personalidade só pode
ser o sinal distintivo da barbárie.
Os três pretensos objetivos do ginásio são: 1) cultura clássica,
extraordinariamente difícil e rara e demanda dons complexos, inacessíveis
ao ginásio; 2) cultura formal e 3) cultura que forma a ciência.
62 Ibidem, p.73.
59
In summa: ao ginásio falta o primeiro objeto de estudo, o mais simples, com o qual começa uma verdadeira cultura, a língua materna: e por isso lhe falta o solo natural e fecundo necessário a todos os esforços posteriores no sentido da cultura. Pois é somente sobre o fundo de uma aprendizagem, de um bom uso da língua, estrito, artístico, cuidadoso, que se afirma o verdadeiro sentido da grandeza dos nossos clássicos, que até agora não se aprendeu a cultivar no ginásio, senão graças ao amadorismo estetizante e suspeito de alguns mestres isolados, ou pelo efeito de um único conteúdo de algumas tragédias e de alguns romances: mas é preciso saber, por experiência própria, como a língua é difícil; é preciso, ao preço de longas pesquisas e de longas lutas, alcançar a via por onde marcharam os nossos grandes poetas, para perceber com que leveza e beleza eles marcharam e com que inaptidão e grandiloqüência os outros o seguiram.63
Sobre a questão da língua materna e seu bom uso, o filósofo chama
atenção para leitura dos mestres da escrita, para que se possa refazer a
caminhada de seus esforços, na contramão dos leitores de orelhas de livros,
leitores de figuras, conhecedores de resumos e resenhas.
Sobre a qualidade do estilo Nietzsche nos diz:
Nossos escritores que se dizem ―elegantes‖, como seu estilo o prova, jamais aprenderam a marchar: e nos ginásios não se aprende, como nossos escritores o demonstraram, a marchar. Mas a cultura começa por um caminhar correto da língua: o qual, quando começou bem, faz nascer logo, aos olhos destes escritores ‗elegantes‘, um sentimento físico que se chama ―aversão‖.64
É a disciplina o caminho para formar bons escritores.
Cultura superior autêntica é ligada a obediência e hábito, ―porque não
se atinge um objetivo qualquer senão excitando e fecundando os instintos
científicos, por isso explica-se agora a união tão freqüente da erudição com a
barbárie do gosto e da ciência com o jornalismo.‖
Toda cultura clássica, como se diz, só tem um expediente sadio e natural, o hábito de usar com seriedade e rigor artísticos a sua língua materna: mas para isto, é raro que alguém seja conduzido do interior, com suas próprias forças, para o segredo da forma, pelo atalho conveniente; na maioria dos casos, todos têm necessidade destes grandes guias e mestres e devem entregar-se à sua proteção.65
63 Ibidem, p.76. 64 Ibidem, p.77. Grifo do autor. 65 Ibidem, p.78.
60
Novamente, aqui notamos o destaque em que se dá a importância e
necessidade de guias e mestres para conduzir. Neste caso, ―conduzir‖ diz
respeito a servir de referência, que se mostra ao desenvolvimento da aptidão
de cada um.
Da Terceira Conferência66
Na prosa da história que Nietzsche utiliza nas Conferências, questiona,
se falarmos aos professores de uma mudança necessária na educação,
drástica e proeminente, qual seria a reação desse grupo se nessa proposta
exclui-se a maioria deles por exigir capacidades que ultrapassam suas
capacidades medíocres.
Vejo que o discurso de uma mudança radical cai por terra. É como se
admitíssemos algo, mas negamos algo. Ou seja, admitimos que a educação é
ruim, etc. Mas, resolver isso, não é simples, pois todos os professores são
capazes de admitir problemas de toda ordem para justificar que a educação
esteja ruim de fato. Mas, para que haja mudanças significativas é necessário
radicalizar, logo, isso todos eles hão de concordar, desde que não se exija
algo além de suas capacidades medíocres.
Existe um número excessivo de estabelecimentos de ensino superior,
que por sua vez utiliza de um número muito maior de professores,
professores em números além daquilo que uma nação bem dotada poderia
fornecer para formar uma cultura superior; ―ocorre então, nestes
estabelecimentos de ensino um excesso de pessoas que não tem vocação‖
que determinam o espírito destes estabelecimentos. Não que o termo
―vocação” remeta a uma missão espiritual que o professor tem que cumprir,
mas vocação refere-se aquilo que haveria de se exigir o exercício da profissão
docente. Onde se tem um sistema educacional demasiado grande, existe a
tendência de serem maiores as ocorrências de pessoas não dadas ao que se
exige a profissão docente.
Para alcançar realmente a cultura, é preciso que concordemos: a
natureza destinou um número restrito de homens e para o desenvolvimento
66 Ibidem, p.81-101.
61
destes um número mais restrito de estabelecimentos de ensino superior. E
aqueles que se sentem menos favorecidos nos estabelecimentos concebidos
para as grandes massas, são os únicos beneficiados por algo deste modelo.
Ainda dentro da história que Nietzsche compartilha em suas
Conferências, pergunta o discípulo ao velho mestre filósofo para onde vão
fugir todos estes pobres mestres tão numerosos, a quem a natureza não
concedeu dons para uma verdadeira cultura e que chegaram a se colocar
como mestres da cultura, só porque o excessivo número de escolas exige um
excessivo número de professores? Para onde vão fugir, se a Antiguidade os
rechaça? Não seriam eles enfim levados a se esconder como faz o avestruz,
com a cabeça escondida num monte de areia, surdos e fechados à voz da
cultura elegante da época?
A tendência de educação prussiana era bastante discutida e imitada
por outros Estados. Na Prússia, o mais poderoso dos Estados modernos,
para atingir o objetivo de atrair o maior número possível de alunos a uma
educação pelo ginásio, empregou certos privilégios que se referem ao serviço
militar – uma relação entre o ginásio e os postos mais elevados da classe dos
funcionários, sendo o ginásio considerado como portador de um certo grau
de honra. O Estado aparece como mistagogo67 da cultura.
Os Gregos tinham pelo Estado um sentimento de admiração e
reconhecimento, pois sem esta instituição de assistência e proteção, não se
poderia desenvolver a cultura. Entretanto, não era para aquela cultura um
guarda de fronteiras, nem seu superintendente, mas um companheiro de
viagem. Diferente do Estado moderno, que pretende um reconhecimento
exaltado.
Porque o Estado tem necessidade deste número excessivo de estabelecimentos de cultura? Por que esta formação do povo e esta educação popular tão amplamente difundidas? [...] porque se teme a natureza aristocrática68 da verdadeira cultura, porque se quer incentivar os grandes indivíduos a buscar um exílio voluntário, propagando e alimentando no grande número uma pretensão à cultura, porque se busca escapar da elevação
67 Do grego mystagogós. Entre os antigos gregos, sacerdote que iniciava os principiantes nos
mistérios. 68 Grupo de indivíduos que se distinguem pelo saber e merecimento real; casta, nata.
62
dura e rigorosa pelos grandes mestres, persuadindo a massa de que ela própria encontrará o caminho guiado pela estrela do Estado.69
Esse modelo de Estado tentacular visa atingir com seus efeitos o
máximo de pessoas possíveis através de suas instituições de cultura que
contribuem nesse processo. Na pretensão de oferecer uma educação de
qualidade a todos, deixa de oferecê-la aos grandes indivíduos, fazendo com
que nem as massas se elevem e, nem as potencialidades cresçam e se
tornem uma exceção.
Da Quarta Conferência70
Na fala inicial desta conferência, ele coloca em pauta duas questões
opostas: a cultura duvidosa versus a cultura aristocrática:
De fato, fica bem claro que não temos absolutamente estabelecimentos de ensino, mas que devemos tê-los. Nossos ginásios, predestinados por sua natureza a realizar este sublime desígnio, ou se transformaram em lugares onde se cultiva uma cultura duvidosa, que rechaça com ódio profundo a verdadeira cultura, ou seja, a cultura aristocrática, que se funda numa sábia seleção dos espíritos, ou antes, cultivam afincadamente uma erudição microscópica e estéril, em todo caso distante da cultura e cujo mérito se deva talvez justamente a que esta fecha os olhos e os ouvidos às seduções desta cultura contestável.71
O Estado atinge seus próprios fins por intermédio dessa cultura. O
filósofo fala da cultura autêntica que:
[...] sabe escapar sabiamente daquele que quisesse apoderar-
se dela como de um meio para realizar seus desígnios egoístas; e quando alguém imagina tê-la capturado, para tirar dela algum proveito e apaziguar com sua utilização a miséria de sua vida, então, ela desaparece subitamente com passos inaudíveis e com uma expressão de escárnio. ―Portanto, meus amigos, não confundam esta cultura, esta deusa etérea, delicada e de pés ligeiros, com esta útil escrava que se costuma chamar às vezes também de ‗cultura‘, mas que é somente a criada e a conselheira intelectual das carências da vida, do ganho, da miséria. Além disso, toda educação que deixa vislumbrar no fim de uma trajetória um posto de funcionário ou um ganho material não é uma educação para cultura tal como compreendemos, mas simplesmente uma
69 Ibidem, p.100. (Grifo meu) 70 Ibidem, p.102-119. 71 Ibidem, p.102.
63
indicação do caminho que podem percorrer para o indivíduo se salvar e se proteger na luta pela existência.72
Alerta que um tipo de educação que tem por objetivo apenas um cargo
profissional e ganho material não é cultura. Os tipos de estabelecimentos de
cultura se propõem a superar as necessidades da vida e, portanto, podem
prometer formar funcionários, comerciantes, oficiais, atacadistas,
agrônomos, médicos ou técnicos.
Não vão com isso crer, meus amigos, que eu quero mitigar elogios às nossas escolas técnicas e às nossas escolas primárias importantes: eu honro os lugares onde se aprende a calcular adequadamente, onde se domina a língua, onde se leva a sério a geografia, onde se é instruído pelos conhecimentos admiráveis que nos dão as ciências naturais. Estou também inclinado a concordar de bom grado com o fato de que os estudantes que se instruem nas melhores escolas técnicas da nossa época estão perfeitamente autorizados a ter os mesmo direitos que se tem o costume de atribuir aos alunos dos ginásios no final de seus estudos.73
Oposição entre os estabelecimentos para a cultura e os
estabelecimentos para as necessidades materiais da vida não é o que faz
Nietzsche, mas o filósofo inclusive elogia as escolas técnicas, que para ele
cumpriam com seus objetivos de formar para as necessidades da vida, e
deveriam ser dignas de respeito e por isso devem ter os mesmos direitos.
O ginásio e a universidade alemã com seus supostos objetivos de uma
instituição de cultura ficam a desejar.
[...] cultura que é, antes de mais nada, como já disse, obediência e uma habituação a disciplina que caracteriza o gênio. Mas a respeito deste ensinamento, a respeito deste hábito, as instituições agora chamadas de ―estabelecimentos de ensino‖ não sabem, por assim dizer, absolutamente nada [...].74
Da Quinta Conferência75
72 Ibidem, p.104. (Grifo do autor) 73 Ibidem, p.106. 74 Ibidem, p.118. 75 Ibidem, p.120-137.
64
Sobre essa questão em voga, da tendência que impera no ginásio
alemão, e de todas suas implicações sobre si mesmo, ou em conseqüência,
naquilo que também atinge a Universidade alemã.
[...] os objetivos de cultura a que ele [ginásio] visa deviam dar a medida para todas outras instituições, os desvios de sua tendência deviam afetá-las de alguma maneira. Nem mesmo a Universidade podia aspirar agora a este papel importante de centro motor, pois, em vista de sua estrutura atual, ela deve ser considerada, num dos seus aspectos essenciais, como
mera continuação da tendência do ginásio.76
Quanto ao estudante, o ginásio o prepara para Universidade ou pela
liberdade o torna autônomo. A Universidade figurava-se como mera
continuação daquilo que ocorria nos ginásios, da tendência de um tipo de
educação apenas profissionalizante.
É de suma importância destacar ao longo dessa prosa a questão da
avaliação da autonomia dos alunos – o professor fala o que quer e o aluno
ouve o que quer, educação e cultura exclusivamente oral, cultura que vai da
boca aos ouvidos:
―De que modo o estudante está ligado à Universidade?‖ Nós respondemos: ―Pelo ouvido, como ouvinte‖. [...] O estudante escuta. Quando fala, quando vê, quando anda, quando está acompanhado, quando tem uma atividade artística, em suma, quando vive, ele é autônomo, quer dizer, independente do estabelecimento de ensino. Com bastante frequência, o estudante escreve enquanto ouve. Estes são os momentos em que está preso pelo cordão umbilical à Universidade. Ele pode escolher o que quer ouvir, não precisa acreditar naquilo que ouve, pode tapar os ouvidos quando não queira ouvir. Eis o método de ensino ―acroamático‖77. [...] Uma só boca fala para
76 Ibidem, p.123. 77 Método de ensino Acroamático – ensino que era ministrado por Aristóteles a um círculo
restrito de discípulos; tratava-se de um ensino ―esotérico‖, em oposição ao ensino ―exotérico‖
ministrado para o público em geral. Significava também, ensino transmitido oralmente, durante o qual não se permitia aos discípulos qualquer intervenção. ―Acromática‖ era enfim
o método pedagógico oposto ao de Sócrates (o diálogo como acesso ao conhecimento). - Acroamático – Assim foram chamados, por se destinarem a ouvintes, os textos de
Aristóteles que constituíam lições por ele ministradas no liceu, para distingui-las das
destinadas ao público, das quais restam apenas fragmentos. Todas as obras aristotélicas
que possuímos são acromáticas, porque os textos compostos para um público mais vasto, quase todos em forma de diálogo, caíram em desuso quando os textos de lições levados a
Roma por Sila, foram reorganizados e publicados por Andronico de Rodes em meados do
séc. I a.C. (ABBAGNANO, 2000, p. 16). - Esotérico e Exotérico: Esotérico – Este termo encontra-se nos últimos escritores gregos para
indicar doutrinas ou ensinamentos reservados aos discípulos da escola, que não podiam ser comunicados a estranhos. Exotérico – Termo para designar obras populares, destinadas ao
65
muitos ouvidos e metade de mãos que escrevem – eis o aparelho acadêmico externo, eis a máquina cultural universitária posta em funcionamento.78
Sobre a concepção nietzschiana de educação que se vale do velho
filósofo para dizer por ele:
Assim, repito, meus amigos! – toda cultura começa, ao contrário de tudo que se elogia hoje com o nome de liberdade acadêmica, com a obediência, com a disciplina, com a instrução, com o sentido do dever. E, assim como os grandes guias têm necessidade de homens para conduzir, também aqueles que devem ser conduzidos têm necessidade de guias: a propósito disso, na ordem do espírito, reina uma predisposição mútua, ou melhor, uma harmonia preestabelecida.‖79
Assim diz da necessidade dos ―guias‖ na condução do aluno na
academia. De modo que questiona o que pareceria a sua formação, se
soubessem medi-la com três instrumentos: 1) Por sua necessidade de
filosofia, por seu 2) instinto artístico e, enfim, em relação à 3) Antiguidade
grega e romana, que é imperativo categórico concreto de qualquer cultura?
Aparece sua resposta:
Ainda que vocês, então, que são pessoas respeitosas, continuassem a ter uma atitude honrada com relação a estes três graus de compreensão, e ainda que tivessem reconhecido que o estudante de hoje não está apto para a filosofia, porque é mal preparado, privado de instinto artístico e que, diante dos Gregos, é um bárbaro imaginando que é livre, nem por isso vocês deveriam fugir horrorizados diante dele, mesmo quando quisessem evitar contatos mais estreitos com ele. Pois tal como ele é, ele é inocente: tal como vocês o reconheceram, ele carrega uma acusação silenciosa, mas terrível, contra os culpados.80
Para Nietzsche era imprescindível, dizer que a Universidade haveria de
ter uma ligação forte com a Arte e a Filosofia. Da relação da Universidade
com a Arte, no que nos diz:
Não se poderia confessar sem ficar envergonhado, quando vemos que relação guarda esta mesma Universidade com a arte: ela não guarda relação alguma com a arte. [...] Nesse
público (em forma de diálogos, dos quais só temos fragmentos), em contraposição aos escritos acromáticos, destinados aos ouvintes, que eram os apontamentos das lições que
chegavam até nós. (ABBAGNANO, 2000, p. 348). 78 Nietzsche, EE, 1872.In: Escritos Sobre Educação, 2003. p.125-126. (Grifo do autor) 79 Ibidem, p.135-136. 80 Ibidem, p.130.
66
sentido, pouco importa aqui se um professor em particular sente por acaso alguma inclinação mais pessoal pela arte, ou que se tenha criado uma cadeira para um historiador de literatura com tendências estetizantes: mas o fato de que a Universidade no seu conjunto não seja capaz de dar ao jovem estudante uma disciplina artística e, com permissividade absoluta, deixe vir o que vier, isto implica já uma crítica muito dura contra sua pretensão arrogante de figurar como sendo a mais elevada instituição cultural.81
O que é possível ver nesse contexto de Universidade é a inexistência
daquilo que seria duas das bases de qualquer instituição educacional que se
queira chamar de instituição de cultura – filosofia e arte.
Da relação da Universidade com a Filosofia e Arte, explica-nos:
Nossos estudantes ―autônomos‖ vivem sem filosofia e sem arte: por isso, que necessidade haveria ainda para ele de estabelecer relações com os Gregos e com os Romanos, já que, além disso, os antigos reinam numa solidão dificilmente acessível e num distanciamento majestoso. Por isso, as universidades da nossa época não têm absolutamente, e, aliás, de maneira bastante coerente, qualquer relação com as tendências culturais já totalmente extintas [...]. Pois, se eliminamos os Gregos e, ao mesmo tempo, sua filosofia e sua arte: com que escala pretendem vocês ainda elevar-se à cultura?82
Diante de toda essa exposição, com forte aclamação, em tom de
súplica, Nietzsche pede por uma verdadeira instituição de cultura que tenha
objetivos, verdadeiros mestres, métodos e modelos:
Oh!, miseráveis inocentes que viraram culpados! De fato, lhes faltava algo que deveria vir de fora, uma verdadeira instituição de cultura que pudesse lhes fornecer os objetivos, os mestres, os métodos, os modelos, os companheiros e de cujo interior exalasse o sopro do autêntico espírito alemão. Por isso, vocês definham no deserto, degeneram como inimigos deste espírito a que no fundo estão intimamente ligados; assim, acumulam erros sobre erros, mais pesados do que aqueles que jamais uma geração acumulou, maculando o que é puro, profanando o que é sagrado, preconizando o que é falso e inautêntico.83
Notamos que o sistema que Nietzsche tanto critica é o que espera um
tipo de aluno mediano. Os alunos menos dotados ou são desenvolvidos para
se tornarem medíocres ou serão excluídos; já os gênios, ou são rebaixados
para se tornarem médios ou se rebaixam e se tornam medíocres. A média
81Ibidem, p.129. 82Ibidem, p.129-130. 83 Ibidem, p. 132-133.
67
dos medíocres funciona como norma e lei, onde o fim da educação
Universitária é na verdade o mesmo fim que contaminava o ginásio da
Alemanha, uma educação tão somente para o ―ganha-pão‖.
Neste próximo segmento, venho fazer uma reflexão a partir desses dois
conceitos de Nietzsche – ―extensão máxima‖ e ―redução máxima‖. São
conceitos que dizem das implicações de se expandir (universalizar) a
educação custe-o-que-custar, em específico, as universidades, em que se
sacrificam os ideais mais elevados dessas instituições tidas como de cultura;
e o de reduzi-la (especializar) fragmentando e afunilando o saber a uma
especificidade.
3.3 Da “extensão máxima”
Nietzsche em sua crítica à expansão do ensino, em específico, da
Universidade diz que: ―Democratizam-se os direitos do gênio para suavizar o
trabalho que exige uma formação [...]. Todos preferem se instalar, tanto
quanto possível, à sombra da árvore que o gênio plantou.‖84
A cultura, por diversas razões, deve ser entendida a círculos cada vez mais amplos, eis o que exige uma tendência. A outra, ao contrário, exige que a cultura abandone as suas ambições mais elevadas, mais nobres, mais sublimes, e que se ponha humildemente a serviço não importa de que outra forma de vida, do Estado, por exemplo.85
Na ―extensão‖, um dos dogmas da economia política, a verdadeira
tarefa da cultura é criar homens tão ―correntes‖ quanto possível, uma
espécie de ―moeda corrente‖, através do máximo de conhecimento e cultura
possível, portanto, o máximo de produção e necessidades possível – o
máximo de ―felicidade‖ possível.
As instituições de ensino se colocam a formar indivíduos para que seja
possível extrair a maior quantidade possível de ―felicidade‖ e de lucro. A
união da ―inteligência e da propriedade‖ é o princípio dessa concepção de
84 Ibidem, p. 60. 85 Ibidem, p. 61.
68
mundo, perspectiva que chega a odiar toda cultura que o torne solitário
(isolado da massa, da média), que não tenha o dinheiro e o ganho como fim,
que demande muito tempo. Cultura rápida, pronta a formar seres que
ganhem dinheiro, uma espécie de ―egoísmo superior‖, tem o costume de
descartar as tendências divergentes.
Uma questão social: ―a massa poderia ter a impressão de que a cultura
estendida à maioria dos homens não era senão um meio para uma minoria
obter a felicidade na terra‖, pois a universalização desmedida da cultura a
enfraquece, não garante qualquer privilégio ou respeito, uma barbárie.86
Segundo Nietzsche, em muitos lugares o Estado visa à extensão
máxima para garantir sua própria existência – funcionários e exércitos –
onde o grito de guerra da massa exige uma cultura popular mais extensa. O
filósofo procura entender por quais motivos: ―Para o ganho e para posse?‖
Ou pela ―consciência que um Estado tem do seu valor?‖
3.4 Da “redução máxima”
Conforme citado diversas vezes em trechos da série de Conferências
proferidas na Basiléia, na ótica de Nietzsche, outra forma de analisar a
cultura, por outro lado, advinda dos círculos acadêmicos, menos retumbante
certamente, é aquela da redução da cultura. Nessa o erudito ou acadêmico,
como queiram chamar, alguém com boas disposições, mas não excepcionais,
que queira produzir algo no campo de estudo das ciências, deverá devotar-se
a uma especialidade e desconsiderar aquilo fora dos limites da disciplina.
Algo que Nietzsche nos ensina é que a divisão do trabalho nas ciências
visa à redução, ao aniquilamento da cultura; ele discute sobre a
especialização do saber e suas implicações. Se por um lado o homem de
ciência, acadêmico, está acima do vulgar (do povo), por outro pouco difere
deste. Altamente especializado, mais se parece a um operário de fábrica que,
86 Ibidem, p. 62.
69
por exemplo, durante toda sua vida não faz senão fabricar certo parafuso,
com incrível virtuosidade e fidelidade às pequenas coisas.
Vale relembrar da crítica que Nietzsche faz sobre a perspectiva da
cultura do Jornalismo (a confluência das duas tendências – expansão e
redução). O jornalista, um profundo conhecedor de superficialidades, é o
senhor do momento; ele tenta tomar o lugar do gênio, mas o que faz é
sintetizar e substituir em minutos os conhecimentos altamente complexos e
prolongados por seu jornal, romance da moda.
A cultura superior autêntica, ―é, sobretudo obediência e hábito, porque
não se atinge um objetivo qualquer senão excitando e fecundando os
instintos científicos, por isso explica-se agora a união tão freqüente da
erudição com a barbárie do gosto e da ciência com o jornalismo.‖
Assim Nietzsche indaga:
Quem os conduzirá para a pátria da cultura [Antiguidade], se os seus guias são cegos, ainda que se façam passar por videntes?! Quem de vocês chegará a uma verdadeira percepção da gravidade sagrada da arte, se são pervertidos metodicamente a balbuciar indistintamente por si mesmos, quando se deveriam levá-los ao fervor diante da obra de arte, a filosofar por si mesmos, quando se deveria obrigá-los à escutar os grandes pensadores? Tudo isso trazendo como resultado o fato de vocês ficarem eternamente distantes da Antiguidade e se tornarem os verdadeiros servidores do momento.87
Certamente o que o filósofo nos fala é de sua proposta de
revigoramento da cultura por meio de uma educação clássica.
87 Ibidem, p. 80.
71
4.1 O “rebanho”
[...] Se quiseres levar vida fácil, fica sempre junto com o rebanho. Esquece a ti mesmo em prol do rebanho! Ama o pastor e ama a mordida do seu cachorro! Caso saibas latir e morder, então – trata de ser o cão do rebanho: assim te tornas mais fácil a vida. (Nietzsche, FP, 4 [38]4 de novembro de 1882 - fevereiro de 1883)88
Depois do enredo dos capítulos anteriores que, de certo modo,
lançaram os fundamentos das implicações daquilo aqui irei comentar, neste
capítulo disserto acerca do que chamo de ―Educação de Rebanho‖, no
objetivo de mostrar que o discurso da ―educação para todos‖ é um fenômeno
totalizante, logo, de ―rebanho‖. Para tal, inicialmente busco explicar os
termos correntes por suas etimologias e conceitos das palavras em uso:
educação, formador/professor e rebanho.
No intuito de dizer do sentido do uso da filosofia e arte em nossas
vidas, lanço mão de uma reflexão de Gilles Deleuze (1925-1995) em ―O Ato
de Criação” (palestra proferida em 1987), em que o filósofo francês,
indagando-se sobre cinema, se propõe a refletir sobre o que exatamente faz,
quando faz ou espera fazer filosofia. Para Deleuze, o conteúdo da filosofia
consiste em criar ou inventar conceitos, resultantes de uma necessidade.
Ter uma idéia não é da natureza da comunicação, pois a comunicação é a
transmissão e a propagação de uma informação. Informação ―é um conjunto
de palavras de ordem. Quando nos informam, nos dizem o que julgam que
devemos crer. Em outros termos, informar é fazer circular uma palavra de
ordem‖89. Desse modo, um educador quando comunica, faz transmissão e
propagação de uma informação, que é um conjunto de palavras de ordem que
julga que devemos crer. As declarações de polícia são chamadas, a justo
título, comunicados. Elas nos comunicam informações, nos dizem aquilo que
julgam que somos capazes ou devemos ou temos a obrigação de crer. Ou
nem mesmo crer, mas fazer como se acreditássemos. Não nos pedem para
88 Nietzsche, FP, 4[38]4 de novembro de 1882 - fevereiro de 1883. In: Fragmentos do espólio,
2008, p. 115. 89 Deleuze, O Ato de Criação, 1999, passim.
72
crer, mas para nos comportar como se crêssemos. À parte dessas palavras
de ordem e sua transmissão, não existe comunicação. O que equivale a dizer
que a informação é exatamente o sistema do controle. Isso é evidente, e nos
toca de perto hoje em dia. Um controle não é uma disciplina. Com uma
estrada não se enclausuram pessoas, mas, ao fazer estradas, multiplicam-se
os meios de controle. Não podemos dizer que esse seja o único objetivo das
estradas, mas as pessoas podem trafegar até o infinito e ―livremente‖, sem a
mínima clausura, e serem perfeitamente controladas. Assim sendo, seria do
educador a tarefa de fazer estradas? Seria a liberdade controlada a única
liberdade que ele pode oferecer? Com Deleuze surge uma idéia: comunicar
uma informação resultante da necessidade de educador – a de refletir sobre
alguns termos, noções ou conceitos, ou como queiram enquadrar as
palavras correntes e usuais do campo educacional.
Vamos começar pela visita a palavra ―educação‖, que certamente pode
ter levado Nietzsche (o filólogo) associar a função de professor a uma espécie
de ―homem de rebanho‖. Vejamos então o que nos diz a palavra ―educação‖:
Sobre a palavra ―educação‖ Maldonado90 em seu artigo ―Crônica de
vida anunciada‖ nos mostra etimologicamente os possíveis usos da palavra
―educação‖ (Ēdŭcātĭōnis, Ēdŭcāre, Ēdŭco, Ex dŭco, dŭco, duz, dux),
compartilho aqui os principais pontos de reflexão que elegi:
De dux, temos ―pastor, o que vai à frente‖. Quatro reflexões:
1º O objetivo do pastor é manter o rebanho unido, saudável, deve
cuidar para que as ovelhas não se percam; coletivizá-las como forma de
acentuar seu domínio sobre elas, criar padrões de conduta, antever riscos e
perigos e evitá-los.
2º Cuidar delas não significa atender aos seus interesses. As ovelhas
são apenas objetos de uma projeção de valor que se encontra para além
delas próprias.
3º Ao tratá-las no conjunto impessoal, o rebanho torna-se categoria; o
plural se unifica pela busca de um padrão que lhe dê uma unidade
90 Maldonado, Crônica de vida anunciada. 2007, p.84-99, passim.
73
valorativa, e esse valor de conjunto se transforma em uma identidade aos
olhos de quem cuida (ou de quem narra).
4º A individualidade, quando vista, geralmente o é pelo contrário, pela
fuga do padrão, e o esforço é conduzi-la aos comportamentos grupais
desejados, em nome de uma pretensa normalidade majoritária ou
hegemônica.
Sobre as quatro reflexões supracitadas:
O objetivo do pastor é a ―uniformidade comportamental do rebanho‖. A
uniformidade pode lhe diminuir o trabalho do cuidar. ―Seu desafio é a
equalização comportamental do rebanho e a ampliação, ou o domínio, da
capacidade de prever o seu comportamento coletivo‖.
Na educação existem comportamentos indesejados, que geralmente
estão ligados aos comportamentos que se desviam do padrão da média,
assim os comportamentos indesejados que afetam o trabalho do pastor. Como
muito bem exemplifica Maldonado, para ―ovelhas muito lépidas ou muito
morosas‖ a solução seria ―manter as primeiras presas e as segundas
isoladas, para que não prejudiquem o ritmo das demais‖. Por diversas vias ―o
pastor pode buscar formas educativas de equalização, com exercícios de
agilidade para as segundas e de frenagem para as primeiras‖. E com
eficiência no resultado de sua ação é possível a reintegração, se não, ―a
apartação é certa‖. Pois o que define a condição da convivência ―é uma
determinada mediania de comportamento que estabelece o ritmo padrão do
pastor e das demais ovelhas‖:
Uma atenção especial pode ser despendida às ovelhas díspares, no esforço de recuperação da condição de normalidade do grupo. Mas apenas serão reintegradas à convivência se alcançarem a mediocrização sujeitando-se ao mediocrismo dos uniformes, dos aparentemente iguais, dos majoritários que são, talvez universalmente, hegemônicos nos valores que defendem e propõem91.
91 Ibidem, p. 85.
74
De duz: levar, conduzir; introduzir um personagem em cena teatral‘,
donde representar; pôr sobre, cobrir, revestir; tirar uma linha, apagar
riscando; enganar, pôr dentro.
Ex dŭco ou edŭco: conduzir para fora, tirar; fazer sair, levar; levar a
juízo, citar perante o tribunal; elevar, celebrar, exaltar; dar à luz, produzir;
criar uma criança; beber, absorver, esgotar; gastar, passar o tempo.
Com Ēdŭcāre encontraremos em acepção de Plautus as idéias de
instruir, ensinar; em Titus Livius: definir uma posição, dispor de
determinada forma; em Cícero: fazer sair, lançar ou tirar para fora.
O vocábulo Ēdŭcātĭōnis educação, criação dos filhos, instrução,
doutrina, ensino dos meninos.
Podemos ver uma aproximação conceitual em todos os possíveis
sentidos etimológicos da palavra portuguesa ―educação‖
Com as possíveis explicações:
Em de duz: é relevante a lembrança das correlatas significações de pôr
dentro e enganar. A sensação é de um ato fraudulento intencional. Uma
espécie de abuso de incapazes. Com Ex dŭco ou edŭco: conduzir para fora
pode ser entendido como o esforço para fazer sair ou tirar de si, na direção
do outro que puxa ou conduz. Um passo inicial que define papéis e
condiciona o processo relacional ao exercício de uma liderança exercida por
alguém sobre alguém. Por para fora para produzir e pensar o outro. Algo
mesmo com Ēdŭcāre: definir uma posição, dispor de determinada forma,
fazer sair, lançar ou tirar para fora. E com o vocábulo Ēdŭcātĭōnis: educação,
criação dos filhos, instrução, doutrina, ensino dos meninos.
Essa trajetória que Maldonado traça anteriormente nos permite
entender a educação como um processo de infringência, onde:
- ―Alguém lidera alguém, ou muitos, nas etapas de construção de
entendimentos e valores pré-formatados que possuem uma pertinência de
tipo transcendental, sobre a qual não cabem inovações ou contestações‖.
75
- ―É um ato, ou um conjunto deles, orientado para a formatação dos
seres a um determinado desígnio ou finalidade que independe das vontades
ou escolhas individualizadas; uma doutrina que só nos cabe professar‖.
Assim termina Maldonado: ―Educar é afirmar, pela concepção e pela
prática, uma dada ordem social que tem como base a sujeição voluntária,
consciente ou não, à doutrina que lhe dá forma‖.
Porque ―rebanho‖? O termo em sentido lato pode ser empregado para
diferentes situações, como exemplo: para designar uma porção de animais
(bovinos, ovelhas, etc.) que vivem de modo gregário. Geralmente quando
domesticados possuem necessidade de um pastor; quando selvagens,
precisam da liderança de algum animal do grupo. No caso da aplicação
desse termo a seres humanos, rebanho pode ser um conjunto de fiéis em
relação a seu pastor, papa, bispo, pároco, professor, etc.
Formador - É quem dá a forma – Quanto ao termo formar, vê-se nele
uma relação entre um sujeito formador e objeto-sujeito que será formado.
Revela-nos alguns pontos de reflexão, afinal podemos comparar o sujeito que
forma – no caso um educador – assemelhando-o ao oleiro que faz tijolos; ao
padeiro, que modela pães; ao pastor, condutor de rebanhos; ao agricultor,
formador de lavouras. Todos esses – sujeitos formadores que constituem
coisas e seres vivos não-uniformes tidos por: manipuláveis, desejáveis,
padronizáveis e homogeneizáveis. Formador é todo aquele que dá forma a
algo ou alguém. Nestes termos, a educação está para almejar um sujeito
coletivo – o educado – que mesmo por suas inclinações, é previsível e
governável. O processo e o progresso da formação, em alusão às
comparações supracitadas, sempre será uma aposta:
- mais na habilidade do oleiro do que na característica expansiva do
barro;
- mais na experiência do padeiro do que especificamente no tipo de
trigo que constitui o pão;
- mais no domínio do pastor do que no autodomínio das ovelhas;
76
- mais na técnica do agricultor em si do que no crescimento livre das
plantas.
Assim, na comparação do condutor de rebanhos (pastor) com o
formador de pessoas (educador), colocamos a seguinte argumentação: na
ordem das coisas da natureza, os animais gregários precisam ser
conduzidos, guiados, educados e cuidados. Essa tarefa da condução do
rebanho cabe a um pastor (no caso das ovelhas) e a um boiadeiro (no caso
do gado). A idéia de rebanho remete a idéia de tratar a heterogeneidade como
homogeneidade, a dispersão como a aglutinação: de consumidores de um
mesmo alimento, o pasto; a idéia de que se espera um mesmo tipo de
comportamento previsível, o dócil e domesticável.
O ―animal de rebanho‖ possui a alma bovina, o espírito de ovelha. Tem
por hábito a vida gregária, a vida em bando. Tem por instinto consumir o
mesmo pasto que consome seu coletivo. Haverá de andar no movimento e
nos caminhos e costumes do grupo. Viver em rebanho é a vida dos seres de
opiniões postiças! Viver em sociedade é isso: a raridade de respirar opinião
própria, afogada num mar de opiniões alheias. O rebanho, o gado, a alma
bovina, são os seres de vida cômoda. Na ordem dessa lógica está a educação
com seus ―homens de rebanho‖ (professores ou educadores ou como
queiram nomear) a formar tais seres gregários e homogêneos.
Nesse momento vale rememorar um fato, bastante pertinente a
discussão em voga, ocorrido na vida de Nietzsche pouco antes de ter sido
nomeado professor universitário na Basiléia (aos vinte cinco anos), algo que
por carta, do dia 13 abril de 1869, já tratava do que pensava do cargo que
viria a exercer:
[...] ingressarei numa profissão nova para mim, numa pesada e opressiva atmosfera de obrigações e deveres [...] reina agora a rigorosa deusa, a obrigação diária [...]. Sim, sim! Agora é a minha vez de ser um filisteu92! Mais dia menos dia, aqui ou ali,
92 Scarlett Marton nos diz: ―O termo ‗filisteu‘, que já aparece na Bíblia, passou a ser empregado no século XVIII, nos meios universitários alemães, para designar os estritos
cumpridores das leis e dedicados executores dos deveres que execravam a liberdade gozada
pelos estudantes. Personagem de bom senso, inculta em questões de arte e crédula na
ordem natural das coisas, o ‗filisteu‘ recorria ao mesmo raciocínio para tratar das riquezas
mundanas e das culturais. O poeta Heine diria que lhe pesava, na sua balança de queijos, ‗o
77
o dito sempre se comprova. As funções e as dignidades são coisas que nunca se aceitam impunemente. Toda a questão está em saber se os grilhões que se arrastam são de ferro ou de linha. E ainda disponho de coragem bastante para romper no momento oportuno algum elo, e arriscar de uma outra maneira ou em outro lugar, alguma tentativa de vida perigosa. Da gibosidade obrigatória do professor, ainda não vejo nenhum vestígio em mim. Tornar-se filisteu, homem de rebanho93. – que Zeus e as Musas me poupem isso! Aliás, não vejo como me poderia tornar o que não sou.94
Nessa carta estaria ele repudiando aquilo que viria ser (professor)? Ou
repudiando a condição intrínseca do ofício de ser professor (―filisteu da
cultura‖/―homem de rebanho‖)?
Nesse trecho de carta, o filósofo aponta um pequeno prenúncio daquilo
que viria a complementar em suas Conferências proferidas na universidade
da Basiléia no ano de 1872. Contudo, além disso, qual seria sua intenção
nessa carta, ao empregar o termo ―homem de rebanho‖ para designar
―professor‖? Qual seria sua intenção ao mencionar esse termo em diversas
de suas obras95? Nesse ponto é que lanço minha tese sobre tais questões.
Embora não venhamos encontrar referências em que o filósofo, e
filólogo, tivesse dissecado as palavras ―educação‖ ou ―professor‖ em suas
etimologias, certamente bem sabia de suas significações e aproximações, e
assim as tenha associado à palavra ―rebanho‖. A palavra ―rebanho‖, ―pastor‖
e outras derivadas, aparecem por vezes ao longo de toda obra de Nietzsche96.
Desse modo, reforço a idéia de uma ―Educação de Rebanho‖ através das
referências encontradas em Nietzsche no intuito de operar o conceito como
―caixa de ferramentas‖97 para uma crítica em específico a uma educação
superior reflexo de um projeto Iluminista. No intuito de falar dos efeitos
daquilo que foi feito da educação alemã a partir do século XIX que se
próprio gênio, a chama do imponderável‘. Ao formular a expressão ‗filisteu da cultura‘, é nessa mesma direção que Nietzsche caminha‖ (Marton, Scarlett. Nietzsche, a transvaloração dos valores. São Paulo: Moderna, 3.ed., 1996, p.18). 93 ―Homens de rebanho‖ um termo recorrente usado por Nietzsche, em que designa-nos,
homens ou mulheres, seres gregários, ligados às massas, ao rebanho. 94 [Carta de 13 de abril de 1869 – portanto seis dias antes de sua chegada a Basiléia] Nietzsche apud Weber, Op. cit. 2008, p.517-518. 95 Ver anexo. 96 Ver anexo. 97 Termo utilizado pelo filósofo francês Michel Foucault quando se referia ao operar a
filosofia de Nietzsche.
78
expandiu mundo afora até os dias de hoje, utilizo ―educação‖ e ―rebanho‖
para dizer da oferta de um tipo de ―educação superior‖ (uma educação para
a média e não para as exceções, uma educação que visa tão somente
homogeneizar as diferenças, cada vez mais profissionalizante e que está cada
vez mais longe de se estabelecer como uma educação para a cultura).
4.2 A educação e os “homens de rebanho”
O que quer o pastor com seu rebanho? – É uma pergunta em partes já
respondida noutros capítulos anteriores, mas que ainda nos incita mais
discussões. A proposta deste último capítulo é de relacionar o sentido da
educação ao conceito de “homens de rebanho”. Num sentido metafórico,
falamos da educação para as massas na forma da educação do rebanho,
onde a tentativa totalizante de sê-la para todos revela-nos a realidade de
uma educação de pouca qualidade para todos, num projeto de sê-la para
maioria é negociado o senso de qualidade e a possibilidade do objetivo de
uma formação para a cultura.
Sobre a questão inicial da formação em Nietzsche, vemos em Dias98 a
interpretação de sua crítica da noção de sujeito, de consciência, do ―eu‖. O
―eu‖ a que se refere é algo que se almeja e supera, e não uma substância
fixa. Não existe um ―verdadeiro eu‖, pois ninguém pode estar certo de ter-se
despojado de todas as suas máscaras. Por trás de cada pele há sempre
muitas outras peles. Em Nietzsche a formação autêntica não é uma volta
para um ―eu‖ verdadeiro, nem o desmascaramento dos obstáculos fictícios
que entravam a cultura do ―eu‖. O ―eu‖ é uma construção, um ―cultivo de si‖
permanente. Para ousar ser um ―si mesmo‖, é preciso antes de tudo uma
tarefa educativa. Com Nietzsche, falar de formação é questionar que tipo de
ser humano se quer formar: um crítico e criador ou um conformista
reprodutor. É competência da educação a criação de valores, e os valores
ensinados ao rebanho certamente não visam o ―cultivo de si‖.
98 Dias, Nietzsche Educador. 1993, p. 68 -69, passim.
79
Deixar de pensar em uma educação do rebanho não se trata de um
rompimento sem rumo. Em ―Nietzsche e a Educação”, Larrosa ao falar ―A
libertação da liberdade – Para além do sujeito‖, diz:
[...] Se estamos nos Libertando da Liberdade, ou se estamos começando a vislumbrar algo assim como uma liberdade libertada, uma liberdade a qual talvez não convenha a palavra ou conceito ―liberdade‖, também estamos começando a libertar-nos da Razão e estamos começando a vislumbrar algo assim como uma razão libertada, uma razão à qual talvez não
lhe convenha mais a palavra ou conceito de ―razão‖; e estamos também libertando-nos do Sujeito e começando a vislumbrar algo assim como uma subjetividade libertada, uma subjetividade à qual talvez não lhe convenha mais a palavra ou o conceito de ―homem‖; estamos também começando a libertar-nos da História e a vislumbrar algo assim como uma temporalidade libertada, uma temporalidade à qual talvez não lhe convenha mais a palavra ou conceito de ―história‖. Ou, se quiser, estamos começando a pensar algo assim como uma relação com o tempo que não passa agora pela idéia totalizante e totalitária da História, uma relação com o sentido que não passa agora pelas idéias totalitárias e totalizantes do Homem ou do Sujeito, e uma relação com nossa própria existência, e com o caráter contingente e finito de nossa própria existência, que não passa agora pela idéia totalitária e totalizante da Liberdade. Invenção de novas possibilidades de vida? Criação? Autocriação? Talvez.99
No desafio que temos em lidar com as diferenças e a pluralidade, a
meu ver, talvez o desafio posto a educação/educadores seja que talvez não
convenha mais a idéia tão somente de uma educação para o ―rebanho‖.
Agora, pois, tornar alguém pastor, cão e rebanho de si mesmo. Talvez seja a
maior tarefa educativa.
―Pastores‖ e ―rebanho‖ estão por todas as partes, pessoas que desejem
conduzir e outras que concordem em serem conduzidas. Em sentido
provocativo, com os dizeres de Nietzsche:
[...] Os pais fazem dos filhos, involuntariamente, algo semelhante a eles – a isso denominam ―educação‖; nenhuma mãe duvida, no fundo do coração, que ao ter um filho pariu uma propriedade; nenhum pai discute o direito de submeter o filho aos seus conceitos e valorações. [...] E assim como o pai, também a classe, o padre, o professor e o príncipe continuam
99Larrosa, Nietzsche e a Educação, 2005, p. 126.
80
vendo, em toda criatura, a cômoda oportunidade de uma nova
posse100.
O pai, a classe, o padre, o professor e o príncipe, todos vêem uma
posse – assim, o Estado também vê em cada indivíduo uma nova
propriedade, porém de modo mais coletivo e abrangente. ―Uma nova posse‖,
um novo indivíduo para o ―rebanho‖ é o que quer o Estado ao tentar
estender um tipo de educação para todos.
Em ―Humano, demasiado humano”, Nietzsche desfere críticas ao
igualitarismo, que está ligado aos valores gregários. Na questão da ―igualação
do não-igual‖ a igualação tem presente a lógica de tratar o semelhante como
igual. Assim faz a educação ligada ao Estado, ou seja, assim faz o Estado
ligado a educação. A base desse raciocínio podemos encontrar em seu ensaio
―Sobre Verdade e Mentira no sentido extra-moral”, bem como em ―Gaia
Ciência”.
Democracia e Educação - Na Grécia, o berço da democracia, a
educação tinha sua importância. Lembrando que, a democracia e a
educação dos gregos não correspondem à compreensão moderna de
democracia e educação que temos hoje, quando a educação ofertada a todos
passa ser uma condição da democracia.
Assim, é possível notarmos a universalização da educação, a ―extensão
da educação a todos‖ como um ideal iluminista. Mas bem lembra
Monteiro101 que ―todos‖ nem sempre foi para ―todos‖, como no caso dos
―anormais‖, analfabetos, pobres, etc. Pois se hoje estes fazem parte do
―todos‖, é porque essa dimensão veio sendo construída e aumentada com os
tempos desde o advento do iluminismo francês. Deste modo, aquilo que para
nós é senso comum já foi objeto de intensa luta dos movimentos sociais no
Brasil e no mundo.
É sobre esse senso comum do que seria uma ―educação para todos‖
que saio a partir das orientações do texto de Monteiro, coadunando na
distinção em que nos dá da diferença entre garantir a universalidade do
100 Nietzsche, ABM, 1886, § 194. 101 Monteiro, O caminho é a educação: democracia e instinto de rebanho em Nietzsche. 2010.
81
acesso à educação e tornar a educação um destino para todos. Sua tese é de
que a educação em um país democrático ―deveria estar aparelhada para dar
as condições de acesso e estudo a todos que a tem como destino de si
mesmo, e não como uma etapa obrigatória de todo cidadão‖. Concorda que
as crianças devam ser submetidas a um sistema educacional obrigatório que
daria competências e habilidades fundamentais: ler, escrever e calcular.
Mas, em específico sobre a Educação Superior, ―o Estado deveria estar
preparado para atender o destino que cada um – e não todos – coloca para
si‖. Nietzsche está embalado pelo helenismo; confia na arte como educação
dos sentidos e da razão. Aposta na tragédia como expressão primordial da
vida. O tema da democracia não é um assunto a que Nietzsche se dedicou,
mas podemos encontrar muitas menções de sua compreensão dela, em
vários de seus escritos. Ele ataca o instinto de rebanho, e verá na democracia
o maior aliado para a alimentação desse impulso. A forma de decadência do
estado – uma degeneração da raça, um predomínio dos malsucedidos –
dissolve o singular no coletivo. A Democracia é o resultado dessa cultura do
aplainamento e em sua origem está o cristianismo: ―Democracia é o
cristianismo naturalizado: uma espécie de "retorno à natureza", depois só
poderá ser superada por uma extrema anti-naturalidade. — Consequência:
dali em diante se desnaturalizou o ideal aristocrático ("o homem superior",
"nobre", "artista", "paixão", "conhecimento", etc). Romantismo como culto da
exceção, gênio, etc.‖102
Assim como a democracia, a educação visa a arruinar a exceção. Seu afeto está na regra, no ordinário, no comum. E reconhece que uma educação para a exceção teria efeitos financeiros nefastos no poder do estado. É mais racional, do ponto de vista econômico, tratar cada um como uma simples espécie do todos. E, de preferência, se elimina desse espaço aqueles que com ele não se conformam. Para Nietzsche, a limitação econômica leva ao convencimento racional: igual para todos é melhor do que diferente para cada um. Abaixo a diferença! Mesmo assim, desconfia da capacidade da educação em criar um novo tipo de ser humano. Se por um lado temos conquistas com a democracia, se por um lado a educação começa a atingir a população em geral, ele não será otimista quanto aos resultados propalados pela ilustração, pois verá nisso o movimento de aplainar a diferença, de eliminar a
102 Nietzsche, FP, 10 [77] – outono de 1887.
82
variedade, de fazer sucumbir o diverso. A não ser que tenhamos em mente que a democracia e a educação sejam motor para a diferença. E se assim for, precisamos de outros dispositivos culturais, políticos e educacionais.103
Ao fazer críticas à democracia, podemos perceber a lógica de que tanto
dirigentes quanto dirigidos buscariam por um único objetivo – o
comportamento uniforme. Sob a égide da coletividade discursam em favor de
uma crença de que todos possam ser iguais ou, para que sejam iguais!
Nietzsche sempre teve cautela sobre a questão da educação do povo,
ao examinar sobre essa questão fala:
Desde há muito, adquiri o hábito de olhar com prudência todos aqueles que falam com zelo sobre o que se chama ―formação do povo‖, tal como esta é compreendida comumente: pois, muito freqüentemente, eles querem, conscientes ou não, obter para si, nas epidemias saturnais da barbárie, a liberdade desenfreada, liberdade que esta ordem sagrada da natureza não lhes concederia jamais; eles nasceram para servir, para obedecer, e, a cada momento em que entram em ação seus pensamentos rasteiros, aflitos com pernas de pau, impróprias para o vôo, se estabelece de que argila a natureza os formou e qual foi a marca de fábrica se imprimiu nesta argila. Portanto, não é a cultura da massa que deve ser nossa finalidade, mas a cultura de indivíduos selecionados, munidos das armas necessárias para a realização das grandes obras que ficarão.104
É evidente nos escritos de Nietzsche, seu posicionamento dum
aristocratismo contra um ideal gregário, contra a imposição do igual, sempre
em favor de uma educação para formar a exceção e não a média.
Mostramos que o filósofo alemão via que educação pública estatal
visava criar rebanhos. Em contraponto, sugeria uma educação de elitismo
intelectual, tipicamente aristocrática, que fosse valorizar a cultura clássica;
que tivesse por objetivo criar espíritos livres, independentes e
verdadeiramente superiores. Uma educação para a Cultura, para a vida e,
não apenas para o estômago ou para o ganha-pão. Uma educação
aristocrática, e que apenas se pode vislumbrar quando olhamos para a
Academia de Platão e para o ideal educativo aristocrático desse filósofo
ateniense do século IV a.C, ou para as academias neoplatônicas das cidades
103 Monteiro, Loc. cit. 2010. 104 Ibidem, EE, 1872. In: Escritos sobre Educação. 2003, p.89-90.
83
italianas do Renascimento. Detestava toda essa tendência da expansão da
educação porque via nesses germes um perigo para a liberdade individual e
um poderoso incentivo ao adormecimento social, à expansão do espírito do
rebanho, à resignação e ao triunfo de uma moral de escravos, ainda que
escravos de barriga cheia. As suas críticas ao sistema educativo de massas,
tal como estava a despontar no seu tempo, justificavam-se porque via, no
Estado-educador e na generalização da educação estatal, os principais
instrumentos da vitória da moral de escravos. Em oposição à moral de
escravos, Nietzsche argumenta a favor de uma moral aristocrática de
senhores. Toda a vida consiste em dar expressão à vontade de poder. Toda a
vida humana, que aspire à grandeza, visa à auto-superação. A moral
aristocrática dos senhores exige uma educação superior, mas Nietzsche não
tem ilusões acerca da possibilidade de essa educação ser acessível a todos. A
sua acessibilidade e a sua generalização trariam consigo o seu
abastardamento105.
Em ―Crepúsculo dos Ídolos106”, na parte que nomeia ―Incursões de um
extemporâneo”, sobre a organização social, diz que sempre haverá homens
―superiores‖ e ―inferiores‖, e comenta sua preocupação de ―nunca igualar o
desigual‖, em todas as perspectivas, físicas ou mesmo intelectuais.
Nessa educação para as massas, a regra da média indica o nível e o
parâmetro, pois lidar com os medíocres e os homogêneos é economicamente
mais viável e requer menos sacrifício do que lidar com a heterogeneidade e a
exceção. Nietzsche diz ser a educação: ―um sistema de meios visando a
arruinar as exceções em favor a regra [...]‖107.
Destarte, trata-se de uma ―educação superior‖ para as massas, um
sistema de meios visando arruinar as exceções (o gênio) em favor a regra (do
nível dos medíocres). A fraca exigência de uma ―educação superior‖ medíocre
não está para as exceções, não está para os fortes, mas para a média, para o
nivelamento. Para as massas cabe uma educação superior que não
105 Marques, A Ética em Friedrich Nietzsche, 2010, p. 1-12, passim. 106 Ibidem, CI, § 48. 107 Nietzsche, KSA. XIV 16[6] p.238
84
pressuponha a formação superior, mas a formação medíocre. Para as
massas, para uma média, para grupos e populações que se pretende
uniformizar e homogeneizar. Uma ―educação superior‖ para as massas só
pode tratar indivíduos como generalidades e desse modo jamais tornará
massa alguma superior, pois mediocremente está posta para massificar,
uniformizar e homogeneizar, de modo a arruinar possíveis exceções em favor
à regra (da média), em favor do rebanho.
85
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após todas as exposições teóricas e conceituais, no conteúdo e na
forma, sobre a visão de Nietzsche sobre educação e cultura de modo geral,
não nos cabe tomá-las ―ao pé da letra‖ no sentido de aplicar ipsis litteris suas
considerações. Contudo não podemos deixar de levar em conta que muito de
suas críticas ainda hoje são completamente atuais dentro da conjuntura de
muitos sistemas educacionais do ocidente. As críticas que desfere são
genialmente extemporâneas e seus apontamentos ainda são pontos de
partida para muitos dos problemas que nos ocorre.
Quando falo através de Nietzsche, da extensão da educação dentro de
um sistema democratizante de educação que chamo de sistema custe-o-que-
custar, coloquei-me a dizer das implicações que isso pôde causar, partindo
do referencial do discurso proferido por Nietzsche em suas Conferências da
Basiléia. Não num intuito de presentificar seu discurso, mas de discutir os
efeitos do discurso da universalização da educação (principalmente sobre
um tipo de superior) dentro dos rumos que tomaram. Foi dada atenção às
nuances do discurso da universalização da educação dentro da trama em
que ele se encontra, analisando quais são as forças que o movem, quais
sentidos que toma, e em quais destinos com ele se quer chegar.
Metaforicamente, uma educação para as massas na forma de
educação do rebanho, com sua ambigüidade na tentativa totalizante de sê-la
para todos revela-nos consequentemente a realidade de uma educação de
pouca qualidade. Num intento de sê-la para maioria é negociado o senso de
sua qualidade. Esse é o problema desse discurso irrealizável, bom apenas
para utopia. Desse modo, a educação não haveria de ser tratada como um
destino comum a todos, sendo um discurso irrealizável dentro de uma
educação para todos que não garante nela qualidade alguma às massas.
No que tange ao discurso da expansão da educação superior para a
massa, vemos Nietzsche totalmente contrário, não porque ele seja um
elitista, no sentido comum da palavra, mas porque isso requer um sistema
86
demasiado grande em que são sacrificados os ideais de uma verdadeira
instituição de cultura. Conforme já dito, se falássemos aos professores de
um grande sistema acerca de uma mudança necessária na educação,
drástica e proeminente, qual seria a reação desse grupo se nessa proposta
excluísse a maioria deles, por exigir capacidades que ultrapassem suas
capacidades medíocres? Ou seja, como podem eles não serem os verdadeiros
―guias‖ da cultura tal qual Nietzsche sugere? Em toda mediocridade
professoral como exigir alguma exceção dos estudantes? Como esperar pela
formação do gênio (aquele que está acima da média, dotado de capacidade
criativa)?
De um tipo de educação (a do rebanho) a outro tipo de educação, qual
seria a educação que não adotasse o método de infringência? Seria possível
um projeto de educação nietzschiano? Seria possível uma educação para
todos que garantisse a formação de indivíduos criativos no campo da cultura
e não somente no campo de uma profissão?
Um projeto de educação nietzschiano talvez não caiba: primeiro
porque não nos deixou esse legado e segundo porque as proporções
históricas (políticas e sociais) são outras, mas, seu alerta não pode ser
ignorado – sobre a necessidade de um tipo de educação verdadeiramente
para a cultura e não apenas para o ―estômago‖. Um tipo de educação para a
cultura jamais seria um destino comum a todos: primeiro porque não seria
para formação dos ―servos do ganha-pão‖ e segundo porque a ela caberia
apenas formação dos sujeitos criativos (das exceções, dos gênios) invés dos
reprodutores (das massas). Colocar a educação como um destino comum a
―todos‖ é sem dúvida parte de um projeto Iluminista que trouxemos aqui,
através dos ataques de Nietzsche, como um projeto de formação do
―rebanho‖.
A partir do momento em que Estado assume o controle do sistema
educacional, é nítido que a tendência da educação para uma profissão toma
o rumo de sufocar a possibilidade de uma educação para a cultura,
principalmente do modo como nos é colocada: como um destino comum a
todos. Quando a educação é colocada como um destino comum a todos,
87
vemos implicitamente uma idéia totalizante e totalitária presente em tal
discurso. A tendência em voga sobre o sucesso profissional via instituições
educacionais é um mecanismo discursivo de garantia do interesse do
rebanho pelo destino educacional que lhe é imposto, não como um destino
natural, mas como um destino criado e projetado onde o Estado consiga
oferecer uma educação do tipo como queira e formar o um tipo de sujeito
dentro do mediocrismo.
No contexto das Universidades, o que causa estranhamento é ver um
modelo de universidade para o rebanho ainda arrogando o status de
instituição de cultura108 sem que nela exista filosofia e arte (não que
necessariamente não exista, mas que se existe, não é exatamente como
haveria de ser), sendo que quando existe a filosofia, não existem filósofos
nem filosofia, o que existe é o ensino de história da filosofia e quando existe
algo que se chame de ―arte‖, não existem artistas nem obras de arte, o que
existe é o ensino de história da arte. As disciplinas filosofia e arte se
somadas cumpririam o papel de uma educação autêntica na perspectiva da
Bildung – de educar o instinto de rebanho, que auxiliaria na educação de
indivíduos criativos e não meros reprodutores servos dos ofícios do Estado,
da ciência e/ou do ganha-pão.
Conforme já analisado dentro daquilo que Nietzsche criticou, sobre
esse nosso grande sistema educacional só resta tratar as heterogeneidades
no destino de uma homogeneidade, educando o diverso como igual, como
homogêneo, como ―rebanho‖. O típico sistema do aplainamento das
diferenças.
Em seus diversos sentidos, por maior que seja a aversão que alguém
tenha pelas idéias de Nietzsche, não há como refutar sua originalidade
quando faz suas críticas sobre a educação de sua época, não há como negar
que muito daquilo que disse ainda está em voga, como por exemplo: o tipo
de barganha da qualidade pela quantidade na educação oferecida pelo
Estado; a negação de uma educação de qualidade para tentar oferecer um
108 Talvez coubesse outro significado para aquilo que enganosamente se chama de cultura
hoje.
88
tipo de educação para ―todos‖; o ―egoísmo‖ do Estado, no objetivo de uma
educação para atender os seus próprios objetivos e não os objetivos dos
indivíduos em si, enquanto ser cultural; a preocupação do Estado em fazer o
aplainamento das diferenças presentes nas massas heterogêneas, na
formação da média e não da exceção; a busca por uma homogeneização e
não por um engrandecimento de indivíduos com potencialidades.
As universidades, de modo geral, se tornaram centros de mera
profissionalização sem espaço para uma formação voltada para a cultura
através da filosofia e da arte.
89
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93
ANEXOS
1. Palavras (rebanho/s, instinto de rebanho, animais de rebanho e pastor/es) usadas por Nietzsche e suas respectivas referências nas obras em alemão:
1.1 ―herde‖: rebanho.
- Mahnruf an die Deutschen (Exortação aos alemães), § 1
- Nachgelassene Fragmente Herbst (Fragmentos Inéditos Póstumos)
1887 bis März 1888. Herbst 1887.
- November 1887 — März 1888. (Novembro 1887 – Março de 1888) §
11[282]
1.2 ―herden‖ e ―herds‖: rebanhos.
- Nachgelassene Schriften (Escritos Inéditos) 1870-1873. Die
dionysische Weltanschauung (A visão dionisíaca do mundo). § 1.
- Nachgelassene Schriften (Escritos não publicados) 1870-1873. Die Geburt des tragischen Gedankens (O nascimento do pensamento
trágico). § 1.
- Nachgelassene Schriften (Escritos Inéditos) 1870-1873. Über die
Zukunft unserer Bildungsanstalten (Sobre o future de nossos estabelecimentos de ensino).§ 4.
- Nachgelassene Fragmente Anfang 1888 bis Anfang Januar 1889
(Fragmentos inéditos início de 1888 até o início de janeiro 1889). September — Oktober (Setembro – Outubro) 1888. § 22[10].
1.3 ―herdeninstinkt‖: instinto de rebanho.
- Nachgelassene Fragmente Anfang 1888 bis Anfang Januar 1889. Frühjahr 1888. (Fragmentos inéditos início 1888 a início de janeiro de
1889. Primavera de 1888)14[107].
1.4 ―herdenthier‖: animais do rebanho.
- Nachgelassene Fragmente Anfang 1888 bis Anfang Januar 1889.
Frühjahr 1888. (Fragmentos inéditos início 1888 a início de janeiro de 1889. Primavera de 1888)15[109].
1.5 ―herder‖: pastor.
94
- Nachgelassene Fragmente Herbst 1869 bis Herbst 1872. Winter 1869-70 — Frühjahr 1870. (Fragmentos inéditos Outono de 1869 para
1872 Outono Inverno 1869-1870 - Primavera 1870)2[12]
- Nachgelassene Fragmente Sommer 1872 bis Ende 1874. Sommer 1872 — Anfang 1873. (Fragmentos inéditos verão de 1872 até o final
de 1874. Verão 1872 - 1873 em diante)19[233].
- Nachgelassene Fragmente Sommer 1872 bis Ende 1874. Sommer 1872 — Anfang 1873. (Fragmentos inéditos verão de 1872 até o final
de 1874 Verão 1872 - 1873 em diante)19[286].
- Nachgelassene Fragmente Sommer 1872 bis Ende 1874. Frühjahr-
Herbst 1873. (Fragmentos inéditos verão de 1872 até o final de 1874 Verão 1872 - 1873 em diante)27[68].
- Menschliches, Allzumenschliches II. Zweite Abtheilung: Der
Wanderer und sein Schatten.(Humano, demasiado humano II: O Andarilho e sua sombra)§ 118.
- Menschliches, Allzumenschliches II. Zweite Abtheilung: Der
Wanderer und sein Schatten.(Humano, demasiado humano II: O Andarilho e sua sombra)§ 125.
- Der Fall Wagner. Turiner Brief vom Mai 1888. (O caso de Wagner. Carta de Turim de maio de 1888) § 3.
- Nachgelassene Fragmente Herbst 1885 bis Herbst 1887. Herbst 1885
— Herbst 1886.(Fragmentos inéditos Outono 1885 a 1887 Outono 1885 - Outono 1886) 2[188].
- Nachgelassene Fragmente Anfang 1888 bis Anfang Januar 1889. Frühjahr 1888.(Fragmentos inéditos cedo 1888 a início de janeiro de 1889. Primavera de 1888) 15[71].
1.6 ―herders‖: pastores.
- Nachgelassene Fragmente Herbst 1887 bis März 1888. November 1887 — März 1888. (Fragmentos póstumos 1887 a março de 1888.
Novembro 1887 - março de 1888) 11[312].
2. Algumas ocorrências de ―rebanho‖ nas obras em português:
2.1 ABM – Além do bem e do mal. (p. 191; 199; 201-3; 212; 228; 201-2)
2.2 EH – Ecce Homo. (IV 4 IV 5)
2.3 CI – Crepúsculo dos ídolos. (IX 38)
2.4 GC – A Gaia Ciência. (p. 1; 23; 50; 116; 117; 149; 174; 195; 296; 328; 335; 352; 354; 368)