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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOSDA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE
2009
Versão Online ISBN 978-85-8015-054-4Cadernos PDE
VOLU
ME I
ÉTICA NO ENSINO MÉDIO: por uma filosofia de formação da consciência do
aluno de ensino médio público no Núcleo Regional de Educação de Dois
Vizinhos/Paraná
Autor: Genuir Veronese1
Orientador: Pedro Gambim2
Resumo
O trabalho descrito neste artigo tem por objetivo principal analisar a condição do ensino da disciplina de filosofia, para a formação da consciência ética do aluno de ensino médio público, nos estabelecimentos de ensino jurisdicionados ao Núcleo Regional de Educação – NRE, do município de Dois Vizinhos, estado do Paraná. Parte da problemática constatada, a partir do resultado de uma pesquisa de investigação sobre o assunto, reflete a situação da abordagem do conteúdo, ao verificar como o ensino da disciplina de filosofia pode contribuir na formação da consciência ética, com a amostra pesquisada. O trabalho explana sobre a matriz filosófica da formação do currículo do ensino de filosofia, nas escolas de ensino médio público. Também examina de forma empírica, em pesquisa com alunos e professores, de que forma os princípios de ética são apresentados aos educandos na disciplina de Filosofia. Por fim, apresenta a verificação da compreensão da disciplina, tendo como ferramenta conclusiva o questionário de investigação e a teoria apresentada no período de implementação pedagógica, durante o segundo semestre do ano de 2010. Na primeira parte do artigo, desenvolve-se considerações sobre a matriz filosófica da formação do currículo de ensino de Filosofia nas escolas de ensino médio público do Paraná. Na segunda parte, são apresentados resultados da pesquisa empírica. Por fim, foram elencadas algumas considerações, estabelecendo-se as conexões necessárias entre a teorização hipoteticamente proposta, assim como os resultados obtidos. A fundamentação teórica que define o desenvolvimento deste artigo está baseada na linha de pensamento do filósofo Michel Foucault e do filósofo alemão Friedrich Nietzsche, bem como nos estudos de Freud.
Palavras-chave: Ensino; Filosofia; Ética; Consciência.
1 Especialista em Filosofia, professor da rede estadual do Paraná, no C.E. Pe. José de Anchieta.
2 Mestre em Filosofia, professor assistente da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE.
Abstract
The work described in this article aims at analyzing the condition of teaching the discipline of philosophy, for the ethical awareness of students of public secondary education, in schools under jurisdiction to the Núcleo Regional de Educação - NRE, the city of Dois Vizinhos, State of Paraná. Part of the problem detected, from the results of a survey of research on the subject, reflects the state's approach to contents, to see how the teaching of the discipline of philosophy can contribute to the formation of conscience, with the sample surveyed. The paper expounds on the philosophical roots of the training curriculum of philosophy teaching in public high schools. It also examines empirically in research with students and teachers, how the principles of ethics are presented to students in the discipline of philosophy. Finally, it presents the verification of understanding of discipline, having conclusively questionnaire as a tool for research and theory presented in the implementation period of teaching during the second half of 2010. In the first part of the article develops philosophical considerations about the array of training curriculum for teaching philosophy in secondary schools Public Paraná. The second part presents results of empirical research. Finally, we have listed some considerations, establishing the necessary connections between the theories proposed hypothetically, as well as the results. The theoretical framework that defines the development of this article is based on the line of thought of the philosopher Michel Foucault and the German philosopher Friedrich Nietzsche, and Freud's studies.
Keywords: Education; Philosophy; Ethics; Conscience.
1 Introdução
A filosofia ou ética3 moral teve início com Sócrates, quando ele percorrendo
ruas e praças, questionou atenienses a respeito de seus valores, seus pensamentos e
comportamentos. Em suas audiências públicas eram discutidos e refletidos os
3 A ética em Foucault se entende como o conjunto de relações e ações com que o sujeito se constitui. A moral é então a forma de conduzir sua ética, enquanto pertencente a um determinado grupo ou enquanto estando em determinada atividade.
conjuntos de costumes tradicionais de uma sociedade, os quais se materializam nos
sujeitos4, como valores e obrigações em sua conduta.
Em grego, a palavra ethos, da qual se origina a ética, possui dois significados,
diferenciados apenas pela pronúncia da palavra, o que em português não é possível. A
primeira variação de ethos significa costume5. A segunda variação expressa o conjunto
de disposições físicas e psíquicas do sujeito, seu caráter, índole e temperamento. São
as características individuais que então determinam os vícios e virtudes morais que o
sujeito é capaz de praticar.
A partir dessa perspectiva, é possível compreender que as questões que
inauguraram a filosofia moral, as quais Sócrates praticou em Atenas, dizem respeito ao
estabelecimento da relação existente entre os costumes sociais e o caráter individual.
Essa relação subjetiva é o que consegue distinguir a atuação como sujeito virtuoso ou
ignorante vicioso. É o sujeito virtuoso que possui a capacidade de assumir as
responsabilidades por suas ações, agindo de acordo com sua essência ética e moral.
Enquanto Sócrates foi o precursor da filosofia moral, Aristóteles6 definiu a
diferença entre conhecimento teórico e prático. Por sua vez, o conhecimento teórico diz
respeito às informações que são conhecidas sobre a natureza, como os princípios que
regem a convivência humana. O conhecimento prático acontece em decorrência das
ações e relações que o sujeito estabelece com seus pares e seu ambiente.
Por sua vez, o saber prático divide-se em práxis e técnica. A ética diz respeito à
práxis, onde sujeito, meio e fim são um conjunto único. Portanto, a práxis ética é a
condição em que o sujeito estabelece suas ações em consonância com seus
pensamentos, em prol de um objetivo determinado. Enquanto isso na técnica, sujeito,
meio e fim se distinguem, em sua relação na ação.
Portanto, pode-se dizer que o saber ético se caracteriza pelas relações
estabelecidas a partir de princípios reflexivos, que se praticam no cotidiano. Essa
4 O sujeito é um indivíduo constituído a partir de regras e padrões previamente estabelecidos, transcorrendo seu comportamento com base em uma conduta ideal. Essa é uma forma individualista de entender a vida, orientada pela moral capitalista, perpetradas em subjetividades identificadas e direcionadas. Esse é para Foucault, o “sujeito tecnologizado”. 5 O termo “costume”, origina-se do latim more e do grego ethos.
6 Aristóteles foi o precursor na utilização do termo ética, ou ethos e sustentava que a virtude, como
condição da ética, não é inata, mas resultado dos hábitos, que necessita ser constantemente e efetivamente exercida.
prática é o objeto deste artigo, ou seja, a verificação do ensino da disciplina7 de
Filosofia para a formação da consciência ética do aluno de ensino médio público no
Núcleo de Educação de Dois Vizinhos - Paraná. A análise partiu da problemática da
verificação da importância da formação da consciência ética dos alunos, a partir do
ensino da disciplina de ética filosófica.
2 Desenvolvimento
2.1 Porque filosofar é preciso
A Filosofia, como disciplina obrigatória nas escolas de ensino médio do Estado
do Paraná, tornou-se obrigatória a partir da edição da Portaria N° 01, de 15 de maio de
2009. Até então, o currículo previa seu aproveitamento por meio da transversalidade
curricular, desde 2004.
Segundo a organização dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s) para o
ensino médio, previstos em legislação própria do Ministério da Educação (MEC, 98, p.
45), a ética transpassa diversas áreas do saber e ensinamentos como “os fundamentais
ao interesse social, aos direitos e deveres dos cidadãos, ao respeito ao bem comum e à
ordem democrática”.
Assim, a ética, enquanto valor universal exprime-se de forma intersubjetiva e
social, sempre em relação às condições histórico-sociais em que o sujeito está inserido.
Nessa perspectiva, o sujeito ético tem a capacidade de definir o que é bom e mau,
reconhecer a virtude e os defeitos, ou seja, reconhecer as conseqüências morais de
suas ações quando em sociedade.
As questões que inauguraram a filosofia moral, as quais Sócrates praticou em
Atenas, dizem respeito ao estabelecimento da relação existente entre os costumes
7 Segundo Foucault (2001), a disciplina é uma técnica específica de um poder que organiza os indivíduos
de modo a multiplicar suas forças e utilizá-las como instrumento de seu exercício.
sociais e o caráter individual. Essa relação subjetiva é interna às condições do sujeito
ético moral, que segundo Sócrates, é o que consegue distinguir sua atuação como
sujeito virtuoso ou ignorante vicioso. É o sujeito virtuoso que possui a capacidade de
assumir as responsabilidades por suas ações, agindo de acordo com sua essência
ética e moral.
Desta condição, que desde o princípio se revelou como uma questão complexa
e pelo seu caráter discursivo e reflexivo e que, por meio das diretrizes8 estabelecidas
pelo MEC, para o delineamento nacional de currículos, foi se apresentando temas
recorrentes e fundantes, como os relacionados à formação de um cidadão observador,
que possa se transformar num típico agente social, voltado para questões de uma
natureza mais reflexiva e crítica.
Para tanto, espera-se que a cidadania interponha uma visão de conjunto na
reconstrução da interdisciplinaridade, como forma “de acesso à própria natureza
interna, com suas necessidades e seus pontos cegos.” (MEC, 2009, p. 48). A
lateralidade do éthos que o MEC busca evidenciar é o que se entende por identidade
autônoma do sujeito ético9. Essa busca se caracteriza pela aceitação da diferença com
a consciência de direitos e deveres individuais e coletivos na sociedade democrática no
exercício pleno da cidadania.
Porém, o MEC também define que a grade curricular do ensino médio, para a
disciplina de Filosofia, deva estar projetada dentro das regionalidades e coordenadas
pelas Secretarias Estaduais de Educação.
No Paraná, em 2008, foram publicadas as Diretrizes Curriculares para o Ensino
de Filosofia, obrigatória e progressivamente a ser implantado para o ensino médio, a
partir do ano de 2009. Resultado de um conjunto de discussões entre equipe
pedagógica e os professores da rede de ensino estadual, o texto recebeu ainda a
averbação de especialistas e críticos em Educação. Formatou-se, então, o conteúdo
estruturante que vem guiando o ensino de Filosofia em todo Paraná.
8 Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio – Parte IV – Ciências Humanas e suas
Tecnologias, (ano). 9 Segundo Foucault, o sujeito ético é um ser constituído em sua essência pela vontade e poder decisório, essas são as condições precípuas da consciência moral. Além destas condições, o sujeito ético se caracteriza por ser livre, tem consciência de suas ações e dos demais com quem mantém relações, sendo responsável pelas mesmas.
O texto teve como base de discussão a reflexão sobre quais conhecimentos
seriam necessários para o ensino de Filosofia. Como respostas ficaram definidos os
seguintes conteúdos estruturantes: o Mito e a Filosofia, a Teoria do Conhecimento, a
Ética, a Filosofia Política, a Filosofia da Ciência e a Estética (PARANÁ, 2008, p. 40).
Assim, a construção do sujeito ético em idade escolar, tendo como ferramenta a
disciplina de Filosofia no ensino médio, caracteriza a condição expressa de construção
histórico-social de sujeitos éticos. Para estes sujeitos éticos em construção, no Paraná,
foram definidas quais habilidades e competências os mesmos devem possuir ou
desenvolver e praticar, a fim de alcançarem os objetivos10 da disciplina nas relações
que estabelecerem, como segue:
1. Representação e comunicação: • Ler textos filosóficos de modo significativo. • Ler, de modo filosófico, textos de diferentes estruturas e registros. • Elaborar por escrito o que foi apropriado de modo reflexivo. • Debater, tomando uma posição, defendendo-a argumentativamente e mudando de posição em face de argumentos mais consistentes. 2. Investigação e compreensão: • Articular conhecimentos filosóficos e diferentes conteúdos e modos discursivos nas Ciências Naturais e Humanas, nas Artes e em outras produções culturais. 3. Contextualização sócio-cultural: • Contextualizar conhecimentos filosóficos, tanto no plano de sua origem específica, quanto em outros planos: o pessoal-biográfico; o entorno sócio-político, histórico e cultural; o horizonte da sociedade científico-tecnológica.” (PARANÁ, 2008, p. 64).
Desta forma, os meios aplicados para obtenção de determinados fins são
relativos aos sujeitos envolvidos. Portanto, são formados em condições intersubjetivas e
sociais, resultado de uma educação moral. Esses meios e fins éticos necessitam estar
em consonância com a natureza do sujeito e os valores morais sociais. Verifica-se,
então, uma situação em que se faz necessária a harmonização de diversos elementos.
Dentre os diversos elementos que foram harmonizados nas habilidades e
competências apontadas se percebe que a comunicação tem ênfase, não apenas no
10
Segundo as Diretrizes Curriculares do Estado do Paraná (2008), o objetivo da disciplina é o de entender o que ocorre hoje e como se pode, a partir da Filosofia, atuar sobre os problemas da sociedade.
posicionamento inicial, como também no aprofundamento do princípio, em
transversalidade com os demais itens.
Para alcançar o objetivo da disciplina foram estabelecidas condições ou
momentos, considerados balizadores do aprendizado, sendo a mobilização para o
conhecimento, a problematização, a investigação e a criação de conceitos.
Essas condições pretendem desenvolver no aluno a capacidade de análise dos
discursos, ou seja, a capacidade de questionamento de valores e normas11 existentes.
É uma tentativa de leitura significativa da realidade em que se está inserido, ao mesmo
tempo em que ocorre uma apropriação reflexivamente do conteúdo, por meio de uma
desconstrução racional de conceitos, proposições e argumentos, com interpretação de
expressões subjetivas e estruturas formais.
Dessa maneira, a formação da disciplina se constituiu, por fim, em normas, por
meio das quais se forma a consciência e se compreende o modo de sujeição12, ou a
forma pela qual o indivíduo estabelece sua relação com a regra, e terminando por
determinar o exercício da conduta.
Segundo Foucault (1998, p. 283), “são pelas práticas de conduta que o sujeito
elabora o comportamento ético e adequado à regra determinada, transformando-se em
sujeito moral de sua conduta”. Deste modo, é possível entender que a disciplina de
Filosofia, assim como as demais que são estruturadas e aplicadas como conteúdo
escolar, tem por objetivo “sujeitar” o indivíduo, socializando-o às condições que a
sociedade normaliza.
A ética, enquanto parte estruturante da disciplina de Filosofia para o ensino
médio parece ter a pretensão de desenvolver, no aluno, a habilidade da análise e
atuação social, assim como a disposição para o questionamento, como refletido pelas
“Diretrizes”.
11
O código moral ou normas (Foucault, 1990), se compreende como todo um conjunto de valores e preceitos definidos e utilizados de forma coerente com a doutrina do grupo. Essas normas podem ser ensinadas ou mesmo transmitidas de forma difusa, que se renovam e permitem novas condições e normalizações nas contextualizações das condutas. 12 Foucault (2006) compreende a sujeição como uma subjetivação atribuída, um conjunto de “tecnologias do eu” que estimularam o sujeito a adaptarem-se as condições morais e sociais, atuando em seu corpo e sua alma por meio de exercícios constantes de autocontrole.
A ética enquanto conteúdo escolar tem por foco a reflexão da ação individual ou coletiva na perspectiva da Filosofia. Mais que ensinar valores específicos trata-se de mostrar que o agir fundamentado propicia consequências melhores e mais racionais que o agir sem razão ou justificativas. (PARANÁ, 2008, p. 57).
Assim, a ética, como parte integrante da disciplina de Filosofia, permite uma
atitude reflexiva que se caracteriza por estabelecer um comportamento crítico, de busca
da autenticidade das verdades existentes, estabelecendo um comportamento
investigador, que vai além das evidências dos fatos existentes, buscando as causas
situacionais. Esse comportamento implica em ver problemas e obstáculos, que podem
explicar as simples aparências existentes.
Dessa forma, enquanto parte da disciplina de Filosofia, a ética também possui
conteúdos estruturantes (PARANÁ, 2008, p. 67) para seu desenvolvimento em sala de
aula, os quais são:
1. Ética e moral;
2. Pluralidade ética;
3. Ética e violência;
4. Razão, desejo e vontade;
5. Liberdade: autonomia do sujeito e a necessidade das normas.
Verifica-se, no que diz respeito à ação ética, a importância dos conceitos como
deliberação, decisão ou escolha, tanto com relação às suas conseqüências e
responsabilidades, como também quanto à capacidade de intervir nas ações ou
situações, a partir da consciência ética moral.
Sendo assim, não é possível deliberar sobre questões ou situações regidas por
leis universais, como as relacionadas à natureza. Por outro lado, a racionalidade e a
vontade do sujeito constituem-se em elementos fundamentais do comportamento ético,
pois demonstram sua capacidade virtuosa. Essa condição ética é determinada pela
habilidade em refletir sobre determinadas situações, com a finalidade de atuar de forma
ética.
2.2 Fundamentação
A ética, um dos fundamentos essenciais da Filosofia, pode contribuir
significativamente com a sociedade quando é utilizada para se pensar criticamente a
relação humana. No processo de formação filosófico se fazem necessárias práticas e
questionamentos constantes.
A respeito da matéria, Foucault (2006) ensina que, o comportamento ético é a
essência da condição humana, revela ainda a moral a que o indivíduo segue. Não
bastam atitudes condizentes com determinada moral, é necessário que estas estejam
de acordo com a essência ética, ou com o que o sujeito declara. O comportamento do
indivíduo necessita estar intrinsecamente relacionado ao sujeito moral.
Ser ético e agir moralmente, conforme os princípios determinantes, constitui -se
na somatória, no resultado que o sujeito irá criar, estabelecer, receber e construir.
Portanto, a educação moral dos indivíduos também resulta de suas vontades.
A realidade que se apresenta mundialmente, e que se reflete também na
Filosofia, se caracteriza por constantes e uma série surpreendente de mudanças, em
todos os segmentos do convívio social.
Como exemplo de tais mudanças, e consequentemente adaptações, pode-se
citar as novas disciplinas nos currículos escolares, que exigem dos alunos e
professores nas escolas a aquisição de novas formas de pensar das que eram exigidas
anteriormente.
Ao se considerar que a escola possui a responsabilidade de capacitar o
indivíduo a produzir sua subjetividade de forma livre, e não apenas condicionada a
ações externas, busca-se então o desenvolvimento ético e consciente dos seus alunos,
especialmente daqueles da disciplina de Filosofia.
O ensino dessa disciplina, a partir de uma compreensão própria, necessita,
como a intenção de Nietzsche (2001,b), promover a perspectiva interpretativa, conduzir
ao pólemos, uma estratégia grega que geria o questionamento e a investigação dos
valores e verdades culturalmente transmitidos e materializados pela civilidade
racionalista e moral.
De acordo com Foucault (2005), é no processo escolar que se constituem as
capacidades de se questionar a conduta moral do indivíduo, se a mesma é condizente
com sua essência ética. Essa constância é necessária para que o processo não se
perca e que o sujeito esteja sempre disposto a melhoras em sua educação. Isso se
torna possível com um conjunto de atividades do discurso e da escrita, vinculadas ao
trabalho sobre si e a relação com o outro, que representam também as experiências
individuais e sociais.
2.3 Filosofando a ética em sala de aula
Uma boa forma de se filosofar a ética em sala de aula é a decorrente do
posicionamento de Foucault (2005) que compreende por ética, o resultado das relações
estabelecidas consigo e com os outros, do cuidado de si.
Para ele, esse é o modo pelo qual os sujeitos governam a si mesmos e aos
outros, produzindo verdades. É ainda uma forma de viver, uma arte, uma estética da
existência, onde a subjetivação do indivíduo acontece não a fatores externos, regras
dogmáticas e princípios transcendentais e definitivos. Na contemporaneidade, essa
relação ética acontece nessa forma, como uma tecnologia do poder que conduziu a
ética a uma moral social.
Essa perspectiva é característica também de Friederich Nietzsche (2006, a), um
pensador radical e polêmico, que tem sido lido e entendido como uma alternativa ao
que ele próprio definiu por niilismo. O que esse autor propõe é uma “transvaloração dos
valores”, que visa romper com a tradição judaico-cristã e grega, representativa do
nacionalismo e da visão unilateral que permeou e prevalece na cultura ocidental.
Contemporâneo e leitor de Nietzsche, Sigmund Freud, considerado o precursor
da psicanálise e autor da obra “A Interpretação dos Sonhos” (1900), entre outras,
defendeu nesta publicação a tese de que a ação humana não depende totalmente do
controle racional e das deliberações conscientes do ser humano, sendo proveniente,
em sua grande maioria, por fatores inconscientes, como instintos, desejos reprimidos e
traumas.
Freud começou por definir a concepção do aparelho psíquico humano formado
pelo ID13, o ego, e pelo superego14. A partir de então contestou a fundamentação da
ética racionalista, desde os valores até a conduta moral, ressaltando a capacidade
influenciadora da subjetividade15 no homem.
Com base no pensamento desses pensadores, foi, então, preparado um
questionário, enquanto ferramenta de pesquisa qualitativa, aplicado aos alunos e
professores do ensino médio, da disciplina de Filosofia, em escolas de Dois Vizinhos e
São Jorge D´Oeste, parte do Núcleo de Dois Vizinhos, com o intuito de verificar suas
percepções acerca da disciplina de Filosofia, seu conteúdo, recursos aplicados à
instrução e autores usados na bibliografia.
Foram distribuídos questionários para 5 professores, contendo 10 questões, e
150 questionários aos alunos, contendo 7 questões. Retornaram para análise, 3
questionários dos professores e 112 respondidos por alunos.
Serão apresentados e analisados a seguir, primeiramente os questionários
respondidos pelos professores. O questionário apresentado aos professores é o que se
segue:
- Você considera o conteúdo programático de disciplina de filosofia: ( ) Acessível ( ) Completo ( ) Incompleto - Cite 5 itens que na sua perspectiva, são indispensáveis dentro do conteúdo programático da disciplina de filosofia: ________________________________________________________________ - Em sua opinião, quais os autores são fundamentais dentro do conteúdo programático do ensino de filosofia: (cite 5 nomes) ________________________________________________________________- Cite 3 recursos que você utiliza em sala de aula, durante a programação da disciplina de filosofia: ________________________________________________________________ - Em suas aulas, você apresenta o conteúdo da disciplina de filosofia:
13 ID: que corresponde ao inconsciente, pelo ego ou “eu”. 14 Superego ou supereu, caracterizado pela instância crítica ou autoridade interna. 15
Subjetivação é a nova forma de relacionar-se consigo, a auto-educação. A sujeição é a forma de dispor-se à norma, pelo disciplinamento.
( ) De forma teórica, é necessário formar preceitos e induzir a construção do conhecimento; ( ) De forma prática, estabelecendo conexões entre a contemporaneidade e o conteúdo estabelecido. - Você de alguma forma, foi consultado quanto à organização curricular da disciplina de filosofia? ( ) Sim ( ) Não - Os alunos demonstram interesse pela disciplina: ( ) Apenas participam a fim de cumprir com as determinações do conteúdo programático; ( ) No geral, demonstram interesse e participam de forma crítica; ( )Demonstram curiosidade, porém a falta de conhecimento prévio inibe a participação. - Quanto ao tempo de aula dispensando a disciplina de filosofia: ( ) Suficiente ( ) Insuficiente - Qual o tempo que você considera suficiente para um bom aproveitamento da disciplina de filosofia por parte dos alunos? ( ) 1 ano ( ) 2 anos ( ) 3 anos - Você acredita contribuir para a formação da consciência ética dos alunos? ( ) Sim ( ) Não
No item seguinte, serão apresentados e analisados os resultados com a
pesquisa efetuada com os alunos, de forma geral, ressaltando as condições que
prevaleçam nas respostas, em cada turno de aula. O questionário apresentado aos
alunos é o que se segue:
- Você já conhecia a filosofia antes de ingressar no ensino médio? ( ) Sim ( ) Não - Você considera o conteúdo programático de disciplina de filosofia: ( ) Compreensível ( ) Incompreensível - Qual o tempo que você considera suficiente para um bom aproveitamento da disciplina de filosofia? ( ) 1 ano ( ) 2 anos ( ) 3 anos - Em suas aulas, o professor apresenta o conteúdo da disciplina de filosofia: ( ) De forma teórica, contribuindo na construção do conhecimento; ( ) De forma prática, estabelecendo conexões entre minha realidade e o conteúdo da disciplina.
- A forma como a disciplina é ministrada em sala de aula por parte do professor, é compreensível? ( ) Sim ( ) Não - O conteúdo da disciplina de filosofia pode ser útil em seu crescimento pessoal e amadurecimento? ( ) Sim ( ) Não - Para você, a disciplina de filosofia: ( ) Não é importante, participo apenas a fim de cumprir com as determinações do conteúdo; ( ) É importante, pois contribui em minha formação como pessoa e profissional.
2.4 Formando a consciência ética
Os resultados decorrentes das pesquisas supracitadas apresentaram os
seguintes parâmetros: três professores responderam ao questionário, expressando
suas apreciações sobre a disciplina, o conteúdo, os recursos e autores, sendo que um
professor consentiu ter sido consultado para a organização curricular da disciplina de
Filosofia. É possível que os demais professores não fizessem parte do quadro de
professores em 2008.
Questionados sobre os conteúdos da disciplina de Filosofia, dois professores
responderam ser acessível, enquanto que um replicou que é complexo. Mesmo assim,
ao responderem sobre o fato de se a disciplina contribui para a formação da
consciência ética de seus alunos, os três professores afirmaram que sim.
Vale ressaltar que o objetivo da disciplina de Filosofia é compreender e atuar
sobre os problemas sociais na contemporaneidade. Em todo texto apresentado nas
Diretrizes publicadas pela SEED, palavras-chave como questionar, criticar e conceitos
são sempre encontradas. Com base nessa intenção, foi questionado aos professores
quais os autores são fundamentais dentro do conteúdo programático do ensino de
Filosofia.
Platão, Aristóteles e Kant foram citados por dois professores. Depois disso,
cada autor foi citado por um professor, ocorrendo nomes de pensadores como
Sócrates, Maquiavel, Sartre, Marilena Chauí, Parisi-Cotrim, Stephen Law, Gilles
Deleuze, Felix Guatari e Danilo Marcondes. O que se considera nesta questão é que a
formação crítica e questionadora está aquém da intenção, pois não são encontrados
nomes seguidores de Nietzsche, além de poucos nomes representativos da Filosofia
Contemporânea.
O que se constatou na pesquisa é que a condição questionadora objetivada
pelo conteúdo da disciplina pode ficar prejudicada sem esse tipo de leitura e
conhecimento acerca de pensadores que privilegiaram questões relacionadas ao ego,
como em Freud, às potências que as vontades expressam, como em Nietzsche, e
demais autores nacionais e internacionais que abordam tais questões.
Novamente, os professores são incitados a citar cinco itens que consideram
indispensáveis dentro do conteúdo programático da disciplina de Filosofia. Foram
obtidas as seguintes respostas:
Mito da caverna em Platão, A política em Aristóteles, O poder em Maquiavel, A
síntese da teoria do conhecimento em Kant, O existencialismo em Sartre;
Apanhado histórico, localizar no tempo e espaço os filósofos os quais serão
citados em cada conteúdo estruturante, teoria do conhecimento e ciência;
Apontar as diferenças entre mito, filosofia e ciência;
Despertar atitude política, ética e moral; criar condições que elabora conceitos;
Estudar o surgimento e importância da filosofia; (2010).
Uma atitude reflexiva se caracteriza por estabelecer um comportamento crítico,
de busca da autenticidade das verdades existentes, estabelecendo um comportamento
investigador, que busca ir além das evidências dos fatos existentes, buscando as
causas situacionais. Esse comportamento implica em ver problemas e obstáculos, que
podem explicar as simples aparências existentes.
O que se verifica nas respostas apontadas pelos professores não denota uma
atitude reflexiva, em busca de um comportamento investigador, o que pode contribuir
na formação da consciência ética. Instigar, ao pensamento crítico, deve ser ir além do
que se propõe no conteúdo apontado, conforme verificado nas respostas supracitadas.
Tal contradição pode ser verificada, mais uma vez, na resposta da próxima
questão, onde os 3 professores afirmaram apresentar os conteúdos de Filosofia como
se segue: “De forma prática, estabelecendo conexões entre a contemporaneidade e o
conteúdo estabelecido”. A contemporaneidade sugere sim uma visão crítica e
questionadora da realidade, o que só é possível quando se assume uma postura de
verificação das “verdades estabelecidas”16”.
É possível que esta condição de busca de uma forma crítica e questionadora
em entender a contemporaneidade, tendo por base a formação oferecida na disciplina
de Filosofia se deva ao pouco tempo que a mesma está na formação do aluno. Ou
ainda, ao tempo dispensado a disciplina, questão na qual os três professores
concordaram ser insuficiente, sendo ainda que os mesmos corroboram também no
sentido de que 3 anos seria o tempo ideal para se trabalhar os conteúdos propostos.
Esse pouco tempo de prática da disciplina nos conteúdos de ensino médio
também pode explicar a resposta referente ao interesse dos alunos pela disciplina. Um
professor anotou que os alunos, “No geral, demonstram interesse e participam de forma
crítica”. Por outro lado, dois professores dizem que os alunos “Demonstram curiosidade,
porém a falta de conhecimento prévio inibe a participação.”
A forma de apresentação da disciplina é fundamental para despertar no aluno o
interesse que o levará a prática do filosofar. Quando questionados, os professores
responderam que utilizam como recursos em sala de aula esquemas de leituras,
vídeos, livros didáticos, TV multimídia, informática e recortes de filmes.
Para Foucault (2004), a moral constitui-se genericamente pelos códigos de
comportamento e modos de subjetivação, que são indissociáveis, mas que podem
apresentar certo grau de autonomia na intervenção. Com esta perspectiva, é possível
entender a resposta apontada pelos professores na última questão, quando
interrogados se acreditavam contribuir para a formação da consciência ética dos
alunos. Todos responderam que sim. Caracteriza-se assim a condição de que o
16
Segundo Foucault (1990, p. 14), “verdade é um conjunto de procedimentos regulados para a produção, a lei, a repartição, a circulação e o funcionamento dos enunciados”. Esse entendimento parte de Nietzsche que afirma que as verdades são características de cada tempo e sociedade, sempre aliadas a circulação do poder.
comportamento científico é sim contínuo, resultado de um trabalho constante de
investigação e de pesquisa dos fatos.
2.5 Como acontece a formação da consciência ética
Segundo Foucault (1998), a fim de se constituir como sujeito moral, o indivíduo
estabelece uma norma de conduta condizente com o contexto em que está inserido,
com o código moral, com sua relação de constituição, enquanto sujeito moral. Nessa
perspectiva, a moral é então a forma de conduzir sua ética, enquanto pertencente a um
determinado grupo ou enquanto estando em determinada atividade. Ou seja, mesmo
sem a prática da Filosofia, como disciplina, o sujeito aluno é levado a se colocar na
sociedade como “sujeito ético”, a partir de seus valores e perspectivas17. Sendo assim,
ao responderem a primeira pergunta do questionário, se já conheciam a Filosofia antes
de ingressar no ensino médio, 85 alunos responderam que não, enquanto que 27
declararam que sim.
Vale ressaltar que os alunos matriculados no ensino médio público, no Núcleo
de Dois Vizinhos pertencem, na maioria, as classes média e baixa. É possível que, os
que responderam positivamente ao conhecimento da Filosofia, ser em razão da
herança intelectual ou mesmo de leituras realizadas de forma particular.
A segunda questão abordou a compreensão da disciplina de Filosofia, sendo
que 70 alunos responderam ser a mesma compreensível, enquanto que 41 alegaram
que não. Nesse sentido, destaca-se que o maior índice de não entendimento da
disciplina ficou no turno da noite, com 95% dos alunos, onde a maioria dos matriculados
é trabalhador durante o dia.
A que se convir que o processo educacional atual promove a construção de
sujeitos a partir de ações externas, preparando os indivíduos com o objetivo de destiná-
17 Nietzsche (2001) acredita que o deslocamento do conceito de verdade para valor e perspectiva é essencial. Ao fugir da necessidade de estabelecer materializações e bases imutáveis para o desenvolvimento da cultura individual, encontra-se a condição perspectivista, onde desponta a capacidade de transvalorar, onde o homem não apenas revê valores, mas estabelece novos e em constante transformação, e consegue estabelecer sua posse na relação da vontade de poder e tempo.
los a participar da máquina social de produção e reprodução. A perspectiva foucaultiana
é uma continuidade do pensamento de Nietzsche, no qual a educação é um processo
de construção livre de si, uma técnica contínua de subjetivação, decorrentes das
relações de poder, de saber e jogos de verdade18.
Na tentativa de estabelecer as relações de poder, os alunos foram
questionados sobre o tempo que consideravam necessário para o bom entendimento
da disciplina, sendo que declararam, conforme gráfico a seguir:
5
41
67
0
20
40
60
80
1 ano 2 anos 3 anos
Gráfico 1: Tempo que alunos consideram suficiente para compreensão da disciplina de Filosofia.
Fonte: Dados de pesquisa professor PDE.
Os alunos demonstraram, além de interesse pela disciplina de Filosofia, a
necessidade que a mesma os acompanhe em todo ensino médio. Foucault compreende
que o processo educacional pode promover no sujeito a criatividade.
Essa condição possibilita ao sujeito aptidão de questionar constantemente,
além de formar uma essência ética condizente com sua conduta moral. O autor
concebe que a escola não pode ser o espaço de respostas às demandas imediatas do
mercado, onde se “disciplinam aptidões e capacidades” (Foucault, 2001), onde
prevalece o aprendizado pela produtividade e não a formação de novas condições de
subjetividade.
18 Foucault compreende que o poder não é algo que se possui ou que se possa tomar, mas que se exerce. A partir de então, esse exercício do poder suscita objetos de saber, que de forma institucionalizada possibilita o acúmulo e a circulação de informações. Por sua vez, o saber ocasiona poder, que age por meio dos discursos, principalmente os que geram e propagam verdade. A ferramenta de condução de tudo isso são as relações estabelecidas entre os sujeitos.
Essa perspectiva questionadora proporcionada pela Filosofia pode ser
verificada na resposta apontada pela questão seguinte. Quando perguntados se o
professor apresenta o conteúdo da disciplina de forma prática, 59 alunos apontaram
que os professores o fazem de maneira prática, estabelecendo conexões entre a
realidade e o conteúdo da disciplina.
A questão buscou confrontar as respostas a uma questão também apresentada
aos professores, visto que é para isso que se propõem a pesquisa. O que se pode
verificar aqui é que boa parte dos alunos, - a proporção de 47 -, não está conseguindo
compreender a pedagogia aplicada pelo professor, pois declararam que a disciplina é
ministrada de forma teórica apenas.
Observa-se então que o que existe é um descompasso entre o que o professor
objetiva e o que o aluno entende. Foucault não julga ou condena a escola. Porém,
compreende que seus processos disciplinadores necessitam serem revistos, pois o
resultado final não tem sido a capacidade de subjetivações libertas, mas de sujeições
disciplinadas. A escola não pode ser apenas um espaço de reprodução de saberes,
escolhidos e hierarquizados. Esse novo direcionamento do processo educacional se
deve a condição de a escola adaptar-se ao contexto histórico em que está inserida.
Essa perspectiva se confirma com a resposta verificada na próxima questão
proposta. Quando questionados sobre a forma de apresentação dos conteúdos por
parte dos professores, se os mesmos eram compreensíveis, 108 alunos responderam
que sim. Ou seja, os alunos aceitam a forma de explanação. Porém é possível também
supor que professores e alunos tenham dificuldades em compreender a essência ética
do ser humano.
Por Foucault (conjunto da obra), é possível compreender como a escola primou
antes por formar “identidades”, que deveriam possuir determinados conhecimentos. É a
primazia da formação do comportamento, que passou a ser o problema pedagógico,
bem como o desenvolvimento da cultura de si, para assegurar a ocupação de crianças
e jovens. O que o autor busca demonstrar é que esse processo necessita da disciplina
ética na formação do sujeito, o que pode garantir uma real condição do cuidado de si.
Nietzsche (2006, b) aponta a pedagogia grega como o modelo necessário a ser
implementado para a formação humana, onde a aprendizagem e a formação da cultura
estejam ancoradas nas experiências vividas por cada indivíduo.
Mesmo não possuindo essa condição intelectual abordada por Foucault e
Nietzsche, os alunos consideraram, na maioria, que o conteúdo da disciplina de
Filosofia é útil em seu crescimento pessoal e amadurecimento, conforme pode-se
constatar no seguinte gráfico:
104
8
0
50
100
150
Sim Não
Gráfico 2: Importância da disciplina de Filosofia para crescimento e amadurecimento do aluno.
Fonte: Dados de pesquisa professor PDE.
O que se pode aferir é que a maioria dos alunos considera a disciplina
fundamental na construção do sujeito que virão a ser, em quem se transformarão ao
assumirem seu posicionamento em sociedade. O que se pode entender ainda é que
existe da parte desses estudantes um interesse especial na disciplina e em sua
formação ética, como sujeitos sociais.
Foucault (2006) esclarece que não é possível um comportamento, uma prática
moral sem um comprometimento do indivíduo. Esse comprometimento só é possível
quando ocorre a partir de um conhecimento de si, em um envolvimento da essência
ética do sujeito com a conduta moral. O sujeito não se constitui como moral sem
“modos de subjetivação”, sem uma “ascética” ou sem “práticas de si” que sirvam como
base. Para o autor, o comportamento ético é a essência, revela ainda a moral a que o
indivíduo segue. Não bastam atitudes condizentes com determinada moral; é
necessário que estas estejam de acordo com a essência ética, ou com o que o sujeito
declara. O comportamento do indivíduo necessita estar intrinsecamente relacionado ao
sujeito moral.
Por fim, os alunos foram questionados sobre sua participação e
comprometimento com a disciplina de Filosofia, na forma e na resposta que segue:
“Não é importante, participo apenas a fim de cumprir com as determinações do conteúdo: 29 alunos”; “É importante, pois contribui em minha formação como pessoa e profissional: 83 alunos.” (2010).
Como no turno da noite, 24 alunos em um total de 27 presentes, optaram pela
segunda alternativa, é possível admitir que os valores estimados para a primeira,
podem representar um contexto na turma matutina, na qual a maioria optou pela
primeira alternativa. Ou ainda, os alunos expressaram uma “rebeldia” intelectual, pela
falta de sintonia anteriormente citada.
A disciplina de Filosofia, instrumentada pelos dispositivos19 sociais, molda
corpos capazes e com aptidões de ajustarem-se às necessidades, enquanto produzem
e por outro lado, sujeita e submete os corpos à norma. Por esse motivo, os dispositivos
sociais, entre os quais está a escola e a disciplina, foram vitais no desenvolvimento do
capitalismo, segundo a teoria administrativa de tempos e movimentos20.
Os alunos demonstram estarem sim comprometidos e envolvidos pela Filosofia,
porém também demonstraram serem capazes de expressar seus objetivos dentro da
desta disciplina.
Para Foucault, a essência ética do indivíduo é o elemento que proporciona essa
individualização homogeneizadora, pois é a parte do indivíduo manipulada no processo
escolar.
19
Um dispositivo é um conjunto de elementos similares. “Este conjunto engloba discursos, instituições, organizações arquitetônicas, decisões regulamentares, leis, medidas administrativas, enunciados científicos, proposições filosóficas, morais, filantrópicas. O dispositivo é a rede que pode se estabelecer entre estes elementos.” (Foucault, 1990, p. 244). 20
Primeira teoria de estudo e organização da administração e produção, realizada pelo economista liberal americano James Mill (1773-1823).
3 Considerações Finais
Este trabalho teve início no ano de 2009, com a estruturação do projeto de
pesquisa, que já se iniciou tendo como objetivo principal a verificação da contribuição
que a disciplina de Filosofia pode promover para a formação da consciência ética do
aluno de ensino médio público no Núcleo de Ensino de Dois Vizinhos/Paraná.
A pesquisa empírica, apresentada no terceiro item, foi realizada ainda em 2009,
e norteada pela problemática da verificação da formação da consciência ética dos
alunos da referida amostra, a partir do ensino da disciplina de ética filosófica. Para
elaboração do artigo articulou-se a pesquisa teórica, em torno das diretrizes curriculares
estabelecidas para o ensino de Filosofia no ensino médio e os doutrinamentos
propostos a partir dos autores indicados.
Quando realizada a pesquisa in loco, com alunos e professores de quatro
turmas de ensino médio, da disciplina de Filosofia, buscou-se observar se o objetivo da
disciplina – de compreender e atuar sobre os problemas sociais na contemporaneidade,
de forma autônoma e crítica - estava sendo considerado. No desenvolvimento do artigo
foram realizadas também as considerações pertinentes aos resultados encontrados,
fazendo relação direta com a pesquisa teórica.
O ensino de Filosofia, tendo em seu currículo o item “Ética”, tornou-se
obrigatório no ensino médio em todo país desde o ano de 2007, aprovado pela Câmara
de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação (CNE). O Brasil adotou essa
obrigatoriedade a fim de fazer parte de uma frente de desenvolvimento mundial,
liderada pelas Nações Unidas, que primam pela educação com desenvolvimento e
valores humanos.
Para tanto, a disciplina de Filosofia tem por característica promover ao aluno a
interdisciplinaridade, pois desenvolvendo um pensamento independente facilita a
compreensão e interação dos conhecimentos que são compartimentados. É na faixa
etária em que o aluno frequenta o ensino médio que se caracteriza o momento em que
os princípios e a personalidade se consolidam. Portanto, este é período e a condição
certa para que o sujeito concretize suas identidades, afastando o assujeitamento21.
Por outro lado faz-se necessário observar também que a normalização também
acontece na forma de “pensar individual”, pois o sujeito formando sua identidade tem a
concepção de que está contribuindo para a formação da sociedade. A escola tem por
fim moldar os sujeitos a um objetivo maior, a socializar para que estes possam conviver
em sociedade e representar seu papel.
Uma das questões apontadas no questionário de pesquisa empírica diz respeito
exatamente à necessidade de frequentar as aulas de Filosofia. Pode-se observar,
também, que é de conhecimento público que os sujeitos da faixa etária que freqüentam
o ensino médio possuem como objetivo o mercado de trabalho, a preparação para
entrar em uma faculdade, ou mesmo apenas concluir o ensino médio. Portanto, não se
torna difícil imaginar que a resposta da maioria, que considera importante frequentar as
aulas de Filosofia, possa ter sido assim feita em razão da justificativa da própria
pesquisa.
Ou seja, os alunos queriam manter um nível amigável na relação
aluno/professor. E assim, pode-se generalizar para as demais questões apresentadas
na pesquisa. Isso porque esta é também uma faixa etária onde se encontram outros
objetivos que são proeminentes, como a socialização das relações e a circulação da
informação, representada pela busca interminável a internet e as redes sociais.
Então, a partir desta consideração, pode-se entender que até então, pouco ou
nada tem contribuído a disciplina de Filosofia para construir a consciência ética dos
sujeitos. Com isso não se conclui que todos os alunos possuam o mesmo objetivo, mas
sim que apenas uma pequena parte pode ter como condição básica no ensino médio
tirar o máximo proveito em aprendizado, das disciplinas oferecidas.
Cabe, nesse momento, deixar uma questão como base de continuidade para o
trabalho, não seria uma oportunidade para o professor modificar sua atuação, buscando
21 O assujeitado é quando um indivíduo é constituído a partir de regras e padrões previamente estabelecidos, transcorrendo seu comportamento com base em uma conduta ideal. Essa é uma forma individualista de entender a vida, orientada pela moral capitalista, perpetradas em subjetividades identificadas e direcionadas. Esse é para Foucault o “sujeito tecnologizado”;
ferramentas que pudessem facilitar a relação com o aluno e motivar a busca pelo
aprendizado?
Verificou-se em uma das questões apresentadas aos professores que os
recursos didáticos apresentados em aula se resumem a livros, apresentação eletrônica,
quadro negro e giz. Criatividade é uma condição indispensável ao professor da
disciplina de Filosofia que deseja firmemente contribuir na formação da consciência
ética dos alunos.
Documentários sobre temas históricos, como a Segunda Grande Guerra, o
Nazismo, a Guerra do Vietnã, entre outros, são alternativas para o ensino de filosofia
que podem realmente formar uma consciência crítica nos alunos, a partir de filmes, que
além de serem atrativos, podem estimular diversos tipos de temas ligados a disciplina.
Quando se utiliza de ferramentas que vão além do que o aluno está habituado,
mais que um “orientador”, o professor torna-se um “provocador”. Um
professor/provocador é aquele que não foge do que é estipulado no programa da
disciplina, mas mantém a capacidade de motivar seus alunos a considerações que vão
além do currículo. É a diferença entre “lecionar filosofia” e “filosofar”. Nessas
considerações, não há melhor ou pior, apenas uma forma diferente e eficiente de
contribuir para o que a disciplina se propôs.
Quando se puder compreender a disciplina de Filosofia como uma “experiência
filosófica”, somente então, será possível se verificar os resultados da contribuição desta
disciplina para a formação da consciência ética dos sujeitos.
Referências
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FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: história da violência nas prisões, 23 ed. São Paulo: Vozes, 2001. FOUCAULT, Michel. Arqueologia das Ciências e História dos sistemas de pensamento. Vol. II. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005.
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FREUD, Sigmund. A interpretação dos sonhos. Trad. Walderedo Ismael de Oliveira. Rio de Janeiro, Imago: 2001.
KUHN, Thomaz S. A estrutura das revoluções científicas. 9 ed. São Paulo: Perspectiva, 2005.
NIETZSCHE, Friederich. A genealogia da moral. 20 ed. São Paulo: Escala, 2001(a)
NIETZSCHE, Friederich. Além do bem e do mal: prelúdio de uma filosofia do futuro. 20 ed. São Paulo: Escala, 2001(b)
NIETZSCHE, Friederich. O anticristo: ensaio de crítica do cristianismo. São Paulo: Escala, 2004.
NIETZSCHE, Friederich. A gaia ciência. São Paulo: Escala, 2006 (a).
NIETZSCHE, Friederich. Humano, demasiado humano. São Paulo: Escala, 2006 (b).
PARANÁ, Secretaria de Estado da Educação. Diretrizes Curriculares da Educação Básica: Filosofia. Curitiba: SEED, 2008.