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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOSDA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE
2009
Produção Didático-Pedagógica
Versão Online ISBN 978-85-8015-053-7Cadernos PDE
VOLU
ME I
I
1
UNIOESTE – UNIVERSIDADE DO OESTE DO PARANÁ
PDE – PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL DO ESTADO
DO PARANÁ
PRODUÇÃO DIDÁTICO-PEDAGÓGICA
MATERIAL DIDÁTICO – UNIDADE TEMÁTICA
Professor PDE: Valdevino Maria dos Santos
Orientador(a): Profa. Maria Beatriz Zanchet
Trabalho desenvolvido como requisito
parcial para o cumprimento do
Programa de Desenvolvimento
Educacional do Estado do Paraná PDE
2009.
Foz Do Iguaçu
Agosto/2010
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A) DADOS DE IDENTIFICAÇÃO
Professor PDE: Valdevino Maria dos Santos
Área PDE: Língua Portuguesa
NRE: Foz do Iguaçu
Professor Orientador (a) IES: Professora Maria Beatriz Zanchet
IES vinculada: UNIOESTE: Campus de Marechal Cândido Rondon
Escola de Implementação: Colégio Estadual Tancredo de Almeida Neves
Tempo Estimado para aplicação: 20 horas
Público objeto da intervenção: Uma Turma de Alunos do Primeiro Ano do Ensino
Médio.
B) TEMA DE ESTUDO DO PROFESSOR PDE
ESTRATÉGIAS DE LEITURA DE POESIA: DO ENVOLVIMENTO DO
LEITOR AOS ASPECTOS FORMAIS
C) TÍTULO DA UNIDADE TEMÁTICA
ESTRATÉGIAS DE LEITURA DE POESIA: ESTUDO TEMÁTICO
COMPARATIVO
3
ESTRATÉGIAS DE LEITURA DE POESIA: ESTUDO TEMÁTICO
COMPARATIVO
1. JUSTIFICATIVA DO TEMA DE ESTUDO
A discussão a respeito da inclusão dos estudos literários no ensino médio ganha
consistência quando se questionam temáticas voltadas à praticidade Tecnológica do
mundo contemporâneo. As próprias análises contidas nos PCNs, nas Orientações
Curriculares para o Ensino Médio (Brasília, MEC/SEF, 1998, p. 52) levantam essa
discussão: “[...] por que ainda a Literatura no currículo do ensino médio se seu estudo
não incide diretamente sobre nenhum dos postulados desse mundo hipermoderno?”,
embora as justificativas apontem para, entre outras, situações que envolvem o
comprometimento escolar com a humanização, o prazer estético, o desenvolvimento das
emoções e a formação de leitores.
Na atuação das aulas do cotidiano escolar voltadas para o público alvo deste
trabalho - alunos do ensino médio do Colégio Estadual Tancredo de Almeida Neves
Ensino Fundamental e Médio, de Foz do Iguaçu – a observação da falta de uma
sistemática de leitura mais “cuidadosa” com o ensino de poesia levou à necessidade de
se desenvolver esse estudo. São alunos do ensino médio que não se interessam pela
poesia ou as estratégias e recursos para o ensino de textos poéticos carecem de
melhorias? A discussão dessas questões justifica o presente trabalho, voltado,
basicamente para textos considerados pertencentes ao gênero lírico.
Também, neste trabalho, procura-se centrar a atenção para o poema que de
maneira geral pertence ao gênero lírico, uma vez que neste tipo de texto, conforme Émil
Staiger (1965) focaliza-se a realidade exterior e seus acontecimentos na interioridade do
sujeito enunciador do texto. Por isso, faz-se necessário, neste percurso, a formação
leitora dos alunos, capacitando-os a reconhecer as sutilezas da linguagem literária,
compreender a linguagem que está centrada na expressividade e na plurissignificação.
Os poemas que vão ser analisados demonstrarão de que forma a poesia pode ser lida,
tendo como base os elementos teóricos que constituem a construção do significado
poemático. Deve ser ressaltado que o pressuposto básico está na ideia de que os alunos
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do ensino médio necessitam de base e entendimento como leitores para se posicionarem
criticamente diante da leitura de poemas. É importante destacar que a leitura de poemas
traz para o aluno referências de significados, com base na multiplicidade de leituras que
os textos literários admitem.
Para que se dê a integralização da correção da leitura, deverão ocorrer atividades
que envolvem a análise do poema contemplando a interpretação e o estudo da
linguagem literária, atividades de dramatização, declamação e produção escrita, estudo
da composição poética, e o estudo do momento de sua produção. Em consequência, o
aluno terá subsídios para melhorar o entendimento do texto literário, porque com este
projeto procura-se fortalecer o conhecimento das estruturas do texto poético, resgatar a
linguagem poética e permitir para aqueles que não tiveram um encontro proveitoso com
o poema no ensino fundamental, um refazer de percurso no mundo emancipador da
linguagem poética.
É muito comum alunos chegarem ao ensino médio sem nunca terem se deparado
com a linguagem emancipadora da poesia e os níveis do poema. O texto poético quando
é explorado na sala de aula é feito de maneira ineficaz, ficando o trabalho muito aquém
do que o texto dessa natureza pode possibilitar. De acordo com Zanchet (1994), o texto
poético apresenta uma realidade reveladora, e quando esta se revela , instaura uma visão
inusitada do mundo, vitalizada pelo contexto desvelado no universo do poema. Deve-se
evidenciar que a linguagem da poesia não é igual à linguagem usual; ela implica
componentes estéticos, apresenta objetivos estéticos, e não apenas uma finalidade
específica. É importante, também, que o leitor conheça os níveis poemáticos
(semânticos, sintáticos, fônicos e gráficos) que trazem significados e geram sentido para
o texto, dada a subjetividade do texto poético e as imbricações linguísticas nele
presentes.
No tratamento do texto poético em sala de aula, o professor, em seu papel de
mediador de leitura, como bem acentua Affonso Romano de Sant‟ Anna (2009. p.157),
deve observar que três coisas se afiguram de importância fundamental em relação a este
aspecto: a primeira diz respeito à consideração de que há pessoas que nascem com uma
sensibilidade específica para a palavra e, como tal, demonstram uma intimidade natural
com formas poéticas; a segunda relaciona-se às pessoas cuja sensibilidade pode ser
despertada por meio de oficinas, cursos, aulas, etc., e a terceira envolve a consideração
de pessoas avessas à poesia, quer por problemas de educação ou, até, problemas
vinculados a questões cerebrais.
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Com base nas considerações do poeta e teórico, acima mencionado, justifica-se a
necessidade de programar situações e estratégias de leitura que permitam ao professor
interagir de forma mais proveitosa com os alunos, no contexto do cotidiano escolar, a
partir dos textos poéticos.
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
As Diretrizes Curriculares da Educação Básica de Língua Portuguesa do Estado
do Paraná (2008, p. 14) postulam que: “Os conteúdos disciplinares devem ser tratados
de modo contextualizado, estabelecendo-se, entre eles, relações interdisciplinares [...]”.
Essa proposta tem como norte o trabalho com leituras compreensivas e críticas de
poesias.
Para isso, é de fundamental importância que sejam selecionados textos poéticos
que tenham um senso estético aguçado (DCE, p. 65), uma vez que o primeiro olhar para
o texto poético deve ser de sensibilidade e de identificação. No caso da leitura de textos
poéticos, o professor deve estimular nos alunos a sensibilidade estética, valendo-se que
são imprescindíveis e, sem dúvida, eficazes: a leitura expressiva de poemas. O modo
como o docente procede à leitura do texto poético poderá tanto despertar o gosto pelo
poema como a falta de interesse pelo mesmo.
“Assim, antes de apresentá-los para os educandos, o professor deve estudar
apreciar, interpretar, enfim, fruir o poema” (DCE, 2008, p. 76), porque há poemas em
que desconsiderar a leitura do ritmo significa comprometer a interpretação e a
compreensão, assim como há poemas em que este recurso não é tão relevante. Também
a escolha lexical, em determinados poemas, faz a diferença; outros trazem uma
pontuação carregada de significação. Em outra situação, há poemas em que informações
como as condições de produção, o contexto histórico-cultural fariam falta para a sua
compreensão, conforme se infere das ponderações presentes nas Diretrizes Curriculares.
Cabe ao professor, enquanto mediador no processo de leitura de poesia, observar
os recursos de construção de que se valeu o poeta no seu texto poético, objetivando a
busca de um leitor /aluno competente. De acordo com as concepções teóricas postuladas
nas orientações curriculares, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs, p. 68),
define-se o leitor competente como alguém capaz de compreender integralmente aquilo
que lê, ultrapassando o nível explícito a ponto de identificar elementos implícitos,
alguém capaz de estabelecer relações entre os textos que lê e outros já conhecidos,
atribuindo-lhes sentidos, e ainda, o que é capaz de justificar e validar a sua leitura a
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partir da localização de elementos discursivos e possui aptidão para selecionar trechos
que atendam a uma necessidade sua utilizando estratégias de leitura de forma a atingir
essa exigência.
Dessa forma, somente uma leitura aprofundada e atenta do poema, em que o
aluno é capaz de enxergar os implícitos, permite que ele depreenda as reais intenções
que cada texto traz (DCE, 2008 p. 71). E, na leitura de poemas, pressupõe o uso de
estratégias específicas para focalizar os processos da linguagem poética, por considerar
a relevância imediata das funções cognitivas e metacognitivas, no processamento de
textos poéticos. A monitoração de conhecimentos, bem como a determinação, projeção,
extensão, especificação e transferência de conceitos e/ou imagens constituem operações
básicas para a interpretação local e global de expressões e de textos poéticos.
A leitura de textos poéticos pode ser vista, nestes termos, como um jogo que
presume a realização de vários processos cognitivos e metacognitivos, de acordo com o
tipo de leitor/jogador. Como destaca Affonso Romano de Sant‟Ana (2009, p. 160):
“Pode, neste sentido, o mediador de leitura fazer seu grupo pesquisar brincadeiras,
advinhas e jogos infantis e folclóricos, para que seja retomada uma prática de leitura
lúdica. Que cada um traga sua memória, suas experiências; que cante, dramatize [...]” E
acrescenta: “Engana-se quem pensa que poesia, por lidar com o mistério, com o
imponderável e por ter muito a ver com brincadeira, seja algo irresponsável, aleatório e
caótico” (2009, p. 162).
A procura deficitária por livros de poesia e a dificuldade de tratamento
aprofundado desses textos em sala de aula tem levado ao questionamento de tal
situação, principalmente se for considerado que os textos poéticos possibilitam o
desenvolvimento da sensibilidade estética. Segundo Lajolo (1985, p. 59) na leitura do
texto, deve-se reconhecer nele o tipo de leitura que seu autor pretendia e, entregar-se a
essa leitura, ou então rebelar-se contra ela, trazendo outra proposta não prevista. Além
disso, o jogo lúdico com as palavras implica a existência de visões de mundo a ele
subjacentes, enfim, favorece a formação de um leitor competente.
Acredita-se que é a experiência ou a familiaridade com textos poéticos que
confere ao leitor conhecimento e estratégias cognitivas e metacognitivas de leitura. Por
isso, conforme acentua Sant‟Anna (2009) “o trabalho com a poesia é estimulante, pois o
aluno jovem está mais aberto ao jogo e à invenção vocabular que o adulto, que já
aprendeu muitas regras e códigos”. Averbuck (1985), em seu texto “A poesia e a
escola”, mostra que a responsabilidade da escola não é “fazer poetas”, mas desenvolver
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no aluno (leitor) sua habilidade para sentir a poesia, apreciar o texto literário,
sensibilizar-se para a comunicação com o mundo.
Parece que a escola tem como objetivo a reprodução de conhecimentos e de
leituras já realizadas, sem atentar para uma das exigências básicas da nossa sociedade
atual: a construção de leitores autônomos, atrevidos, capazes de elaborar formas de
pensar, compreender, refletir e interpretar o universo. A incapacidade de fomentar a
leveza, mãe da claridade e do rigor, priva o aprendiz da liberdade essencial de redefinir
o mundo em que vive, porque o poema é um gênero textual bastante singular. Essa
afirmação baseia-se no fato de que o poema está estritamente relacionado com a
linguagem literária que não é referencial, mas é multissignificativa. Como afirma D‟
Onofrio: (1978, p. 11):
“[...] um dizer poético, pela peculiaridade de sua estrutura fônica,
rítmica e sintática, sugere várias significações”, e também associa
significantes linguísticos a significados míticos e ideológicos, porque as marcas poéticas mais do que expressar conceitos, trazem
representações sensoriais através da metrificação, da rima, da
assonância, do ritmo, da sinestesia, etc. (D‟ ONOFRIO,1978, p. 11).
De acordo com D‟ Onofrio (1978, p. 7) a configuração gráfica, diz respeito ao
primeiro contato que temos com um poema apresenta-se com uma feição plástica e
orgânica, iniciando pelo título e passando à divisão estrófica ou ao corpo do poema até
suas partes finais. Pontuação, disposição dos versos e das palavras, uso dos espaços,
enfim, todo o material gráfico deve ser analisado com vistas à exposição dos aspectos
icônicos do texto.
O nível fônico está ligado às equivalências posicionais (metro e acentos) e à
procura das equivalências sonoras (rima, aliteração, paronomásia, etc.) que constituem
as chamadas figuras de som. Toda a homofonia rítmica, os possíveis recursos de
enjambement e relações fonos-semânticas devem ser destacadas nesse nível de análise.
O nível lexical é igualmente muito importante, já que para o poeta, “as palavras são [...]
ao mesmo tempo signos e coisas. Elas designam não apenas as coisas, mas também a
ação possível dessas coisas” (D‟ONOFRIO, 1978, p. 9).
Sendo a palavra a unidade básica da expressão, a escolha lexical e o estudo dos
metaplasmos, revestem-se de fundamental destaque para a análise da poesia. O nível
sintático associa-se às figuras de gramática, ou de construção que operam sobre a frase.
O nível semântico, por fim, é para D‟Onofrio (1978, p. 22) o mais importante de todos,
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já que a finalidade última do estudioso da literatura é captar possíveis significações do
texto poético. Nesse nível, o estudo dos tropos , é fundamental.
D‟Onofrio (1978) no seu roteiro básico de análise, evidencia que os cinco níveis
imbricam-se no processo de análise, muitas vezes sendo difícil a distinção de um ou de
outro. Entretanto, no projeto apresentado parece ser didaticamente viável e até mesmo
muito aconselhável para a análise de poemas, principalmente nas primeiras séries do
ensino médio, em que os alunos, via de regra, ainda não desenvolveram habilidades
suficientes para a leitura e compreensão de poesias, apresentar textos intrinsecamente
plurissignificativos e ricos de recursos linguísticos. Ao longo do tempo vários teóricos
tentando entender as especificidades do discurso poético contribuíram construindo
conceitos que tentam demonstrar sua natureza e funcionamento interno.
Por isso, na medida em que se estrutura o poema devem-se considerar todos os
elementos internos e externos que facilitem a análise. E sobre isso, o trabalho com a
poesia em sala de aula deve pautar-se na leitura de fruição e dar ênfase à organização
formal do poema, ao arranjo especial das palavras, através das quais o escritor se
expressou sobre determinado assunto. No livro organizado por Regina ZiIberman
(1985) intitulado Leitura em crise na escola, Marisa Lajolo em capítulo próprio, a
respeito da utilização do texto literário como suporte para ensinamento de outras áreas,
específicas afirma:”vale a pena considerar que, em situações escolares, o texto costuma
virar pretexto, ser intermediário de aprendizagens outras que não ele mesmo.”
(LAJOLO),1985, p. 53). Em outro texto, a autora reitera a temática do ensinamento de
poesia dizendo: “Trata-se, assim, de uma vivência, de uma aproximação ao meio
poético. A poesia não pode ser ensinada, mas vivida: o ensino de poesia é assim, o de
sua “descoberta” (LAJOLO, 1985, p. 70).
O estudo analítico do poema é uma etapa que deve ser construída e, como tal, de
acordo com Antonio Candido entende-se (1987, p. 17) “a tradução de seu conteúdo
humano (do poema), da mensagem através da qual um escritor se exprime, exprimindo
uma visão do mundo e do homem.” Partindo da análise, a interpretação se distingue
desta por ser eminentemente integradora, visando mais à estrutura, no seu conjunto, e
aos significados que julgamos poder ligar a esta estrutura (CANDIDO, 1987, p. 18). Em
outras palavras, a análise do poema vai mostrar que a língua que se lê diz mais coisas
quando ela é trabalhada, artesanalmente trabalhada. Cria-se um sentido mais amplo, se
usa a linguagem poética para compreender melhor o mundo. Porque os enunciados dos
textos poéticos sempre se organizam com determinadas finalidades de ordem temática,
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composicional e estilística. Em sua forma fonética e no que essas formas acrescentam,
mas também igualmente no espaço que elas ocupam no papel. Como afirma
MORICONI, (2002, p. 18) “Ocorre que as palavras na poesia abrangem sentidos que
vão além da linguagem verbal, oral e escrita. Elas também se referem a um universo
muito mais amplo [...] têm a ver com o universo todo da cultura, têm a ver com o ar que
nos envolve.”
Nesse contexto interessa colocar que o poema será a opção de leitura proposta
para esta Unidade Didática, com objetivos previamente delineados, com ações
planejadas e avaliadas quanto ao processo e produto final, sempre buscando auxiliar a
formação dos alunos no processo ensino aprendizagem, tornando-os leitores
proficientes. Na verdade não é a existência de rimas, de ritmo ou de cadência que
assegura ao texto sua natureza poética, mas o nível de sua natureza global, de seu
universo de sua relação com o leitor. Segundo Averbuck (1985, p. 70-71), “o trabalho
com o poema, traz uma aproximação ao meio poético e deve ser vivido e descoberto”.
Justamente por isso, o trabalho com o poema em sala de aula exige uma iniciação
através de um trabalho seletivo com textos destinados a propiciar aquelas sensações que
correspondem à criação de um “estado poético no aluno permitindo a expansão de sua
criatividade. E de acordo com Antonio Candido:
Com maior ou menor minúcia, conforme o caso, as leituras e análises
focalizam os aspectos relevantes de cada poema, às vezes a correlação
de segmentos, às vezes a função estrutural dos dados biográficos, às vezes o ritmo, a oposição dos significados, o vocabulário etc. Mas em
todas elas está implícito o conceito básico de estrutura como relação
sistemática entre as partes, e é visível o interesse pelas tensões que a
oscilação ou a oposição criam nas palavras e na estrutura, frequentemente com estratificação de significados. (ANTONIO
CANDIDO, 1987, p. 18).
É também um fator de aprendizagem na leitura e análise de um poema a
encenação, a declamação, a música, a expressão visual e escrita, que desencadeiam a
liberdade de criação, a liberdade do eu, a descoberta de outros espaços até então ocultos
para o próprio aluno, que se descobre e, assim que aprende, sai da alienação. Este
trabalho se faz, portanto, no processo do fluxo de leitura, do dizer, da reflexão e da
descoberta da recriação dos elementos da poesia.
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A leitura de poemas enriquece a vida, pois através dela conhecemos pessoas que
jamais conheceríamos na vida real, passamos por experiências que a correria do nosso
tempo nunca permitiria passar. Desta forma, conhecemos melhor a nós mesmo, a
terceiros e às coisas da vida. Com a leitura busca-se um ato de reflexão do homem em
sua universalidade, ou seja, o ato de trabalhar com o poema na sala de aula traz uma
aproximação com o íntimo de cada um, a respeito de teses, sentimentos e ações. E um
trabalho mais detido com o poema, em toda a sua especificidade, trará ganhos para o
processo de ensino aprendizagem. Aliás, a leitura e análise de poesia podem auxiliar
muito na construção de um ensino de melhor qualidade e no aperfeiçoamento das
matrizes curriculares. É mister, em síntese considerar o posicionamento de Ligia M.
Averbuck (1985, p. 73) ao discutir uma metodologia para o ensino da poesia em sala de
aula: “ é fora de dúvida a necessidade de que à poesia se conceda o encaminhamento
que a natureza do gênero requer.
3. PROPOSTA DA ESTRATÉGIA DO ESTUDO TEMÁTICO COMPARATIVO
Estudo comparativo dos poemas “Deus!”, de Casimiro de Abreu e “Fetichismo”
de Raimundo Correia verificando como o tema da crença divina é tratado nos dois
poemas.
4. OBJETIVOS
Estudar como os poemas foram organizados a partir das figuras básicas e
considerar os níveis poemáticos para representar e justificar significados criados
pelos poetas para determinar seus objetivos comunicativos principais;
Inserir os textos poéticos no contexto do autor, de sua obra, e no contexto de
época em que foram produzidos;
Verificar como a relação entre morte e vida sugere a ideia de que a vida e a
morte são eventos que integram a existência humana, segundo as crenças e
expectativas criadas pela visão de mundo de cada poeta;
Observar como a continuidade ou transcendência da vida após a morte se
configura a partir de itens que funcionam como pistas linguísticas, semânticas
pragmáticas, apropriadas para a emergência de determinados sentidos nos textos.
11
5. ROTEIRO PROPOSTO PARA O ESTUDO COMPARATIVO
A) Leitura primeira: exploração livre do tema
Esta primeira leitura supõe o contato lúdico com o texto, demanda uma leitura
bem feita dos poemas e propõe uma discussão livre a respeito do tema que será
analisado nos dois poemas.
B) Inserção do texto no contexto do autor
Nesta etapa serão feitas as principais referências sobre a vida e obra do autor,
com vistas a alargar os horizontes para a inserção dos poemas em questão, evitando-se a
descrição detalhista de dados biográficos.
C) Inserção do texto no contexto de época
É importante que o aluno saiba em que época o texto foi produzido, a visão de
mundo e os postulados estilísticos que vigoravam naquela época. Dependendo dos
textos, é o momento ideal para que se estabeleçam as relações intertextuais com outras
disciplinas, cujos temas estudados sejam semelhantes aos temas tratados nos poemas.
D) Análise interpretativa do poema
Verificação do assunto e encaminhamento de um tratamento específico do texto
poético, objetivando analisar os diversos níveis que o compõem. Partindo da estrutura
semântica, o aprofundamento fônico, figurativo, lexical ou gráfico dar-se-á de acordo
com as peculiaridades de cada poema.
E) Comparação temática entre os textos
Estudo comparativo das conclusões temáticas resultantes da análise dos dois
poemas.
6. ESTUDO TEMÁTICO DO POEMA “DEUS!” DE CASIMIRO DE ABREU
Deus! – Casimiro de Abreu
Eu me lembro! Eu me lembro! - Era pequeno E brincava na praia; o mar bramia
E, erguendo o dorso altivo, sacudia
A branca espuma para o céu sereno.
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E eu disse a minha mãe nesse momento:
“Que dura orquestra! Que furor insano! “Que pode haver maior do que o oceano
“Ou que seja mais forte do que o vento?!”
Minha mãe a sorrir olhou pr‟os céus
E respondeu: - Um Ser que nós não vemos
“É maior do que o mar que nós tememos,
“Mais forte que o tufão! meu filho, é Deus!” (ABREU, 1971)
A) Leitura primeira: exploração livre do tema
Após a leitura, o professor encaminhará uma discussão livre a respeito do tema,
procurando trazer o texto para a realidade dos alunos, relacionando a permanência/ou
não de crenças que, via de regra, são inculcadas na infância.
B) Inserção do texto no contexto do autor
Casimiro de Abreu (Casimiro José Marques de Abreu), filho natural de um
comerciante português – que o perfilhou apenas em 1850, conforme os dados de
Massaud Moisés (1984), e dona Luísa Joaquina das Neves, nasceu a 4 de janeiro de
1839 na fazenda de Indaiaçu, situada no município fluminense de Barra de São João e
faleceu no mesmo local em 1860. Fez os Estudos secundários em Nova Friburgo (RJ),
abandonando-os para se dedicar ao comércio junto com o pai, o que, não sendo
naturalmente a sua vocação, como bem acentua Alfredo Bosi (1974, p. 127), “nele
produziu” certo ressentimento, visível em alguns poemas, e talvez demasiadamente
explorado pela biografia romântica”. Segue depois para Lisboa onde se inicia como
poeta e dramaturgo, e vê sua peça Camões e o Jau ser encenada. Voltando ao Rio, de
posse de muitas composições poéticas, entre as quais “Canções do Exílio”, soma-as
com os poemas aqui compostos. Estes textos, ainda segundo Bosi, “formam o seu único
livro de poemas, Primaveras (1959), publicado com os recursos paternos. Faleceu de
tuberculose no ano seguinte”.
C) Inserção do texto no contexto de época
Colocado ao lado de outros poetas do período estilístico de época conhecido
como Romantismo – Gonçalves Dias, Álvares de Azevedo, Castro Alves –, Casimiro de
Abreu é tido pela crítica (Bosi, Antonio Candido) como um poeta “menor” ou, como “o
maior dos menores”. Antonio Candido (1971, p. 194) refere-se a ele como “o belo, doce
e meigo Casimiro de Abreu” enfatizando que nele, “o lirismo é pura expressão da
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sensibilidade, desligada de qualquer pretensão mais afoita. Saudade, ternura, natureza e
desejo são modulados numa frauta singela” e, talvez, por essas razões, tenha alcançado
tanta popularidade. O poema “Meus oito anos” é um dos poemas, ainda hoje,
declamados e conhecidos. O tema da saudade da infância, do lar, da pátria adquire
expressividade em muitos poemas, como em: “Meus Oito Anos”.
Meus Oito Anos
Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida, Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!
Como são belos os dias Do despontar da existência! [...] (ABREU, 1971...)
Entre outros temas abordados por Casimiro de Abreu, a fixação materna, a
presença do lar, do amor das irmãs, a natureza, o amor idealizado são temas bem
presentes. De acordo com Antonio Candido (1971, p. 195) “como deixa implícito Mário
de Andrade no seu estudo essencial para a psicologia romântica (“Amor e Medo”), o
negaceio de Casimiro é a velha estratégia de conquistador sonso, frequente na lira
portuguesa”. E, em termos de sua visão de mundo, a do romântico Casimiro de Abreu é,
ainda, conforme Antonio Candido, “condicionada estreitamente pelo universo do
burguês brasileiro da época imperial, das chácaras e jardins, que começavam a marcar
uma etapa entre o campo e a vida cada vez mais dominadora da cidade” (p. 196).
Portanto, a nota sentimental e o tom ingênuo são formas típicas com que o poeta
apreende a realidade. Mas, para compreender a poesia desse autor, como bem enfatiza
Pacheco (1971, p. 9), “a primeira operação mental a realizar é banir todo o preconceito
de banalidade que a envolve”.
Se os seus temas são banais, ou antes comuns, nem por isso são
destituídos de genuína virtualidade poética, que lhes infundiu o autor e
em que os precisamos apreender, restituindo-lhes a autenticidade, isto é, a ingenuidade de visão em que foram concebidos (PACHECO,
1971, p. 11).
D) Análise interpretativa do poema
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O poema de Casimiro de Abreu se apresenta de forma tradicional: são três
estrofes estruturadas em forma de um diálogo entre o eu-lírico, que evoca uma
lembrança dos tempos de menino, e sua mãe. O tema do diálogo é a relação natureza
versus Deus. O cenário do diálogo é a praia. A impressão da criança ante a majestade e
fúria do mar é tão intensa e panteísta que ele fica extasiado. A pergunta que ele faz à
mãe (relativa à monumentalidade da natureza como parâmetro do universo) é
respondida de forma a marcar as crenças na superioridade divina sobre a natureza. Essa
estrutura dialogada aproxima o poema da prosa, uma vez que permite a inferência de
um gênero em relação ao outro, ou seja, o diálogo dá um tom narrativo ao poema.
Do ponto de vista da estrutura semântica, o poema se apresenta em três partes,
correspondendo, respectivamente, a cada uma das estrofes, com um título que o
identifica.
Título
Segundo D‟ Onofrio (2007, p 184), o título é uma síntese precisa do texto, cuja
função é estratégica. Como um elemento catafórico, indicador do sujeito do enunciado,
antecipa informações sobre a leitura do texto. O título do poema “Deus!” de Casimiro
de Abreu, aparece bem marcado pelo sinal de exclamação [“!”] um aspecto gráfico
que permite a compreensão de um grito de alegria e satisfação dado pela mãe ao falar da
existência de Deus.
1ª parte: (estrofe 1)
Evocação de uma lembrança de menino referente ao cenário despertado pelo
mar. O tom da linguagem é singelo e ingênuo e o poeta faz uso de uma belíssima
metáfora em que o mar se transforma num animal (= o mar bramia), que ergue e sacode
o dorso.
2ª parte: (estrofe 2)
Corresponde à pergunta do eu-lírico, menino, decorrente da forte impressão
causada pelo mar e o vento, a ponto de imaginá-los como os maiores elementos do
universo. Aqui, o barulho na natureza marítima assemelha-se, metaforicamente, a uma
orquestra.
3ª parte: (estrofe 3)
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Essa parte arremata o poema e corresponde à resposta da mãe justificando que
existe um “Ser-Deus” que se sobrepõe aos demais. A crença divina fica patente na
resposta materna, observando-se um tom quase religioso na forma como ela é proferida.
“Filtrado pela visão materna, o Deus do poeta - evidente no poema que é título – é do
aprendizado da infância, força misteriosa que só pode ser confrontada com os aspectos
mais temíveis da natureza. Mas que ainda assim, pode reduzir-se a intimidade da
oração” (In: Casimiro de Abreu, 1962, p. 101).
Do ponto de vista fônico, o texto se apresenta em três quartetos, com versos
decassílabos, obedecendo ao ritmo tradicional, ou seja, rigorosa acentuação sáfica (4ª, 8ª
e 10ª) sílabas ou heróica (6ª e 10ª sílabas).
É importante verificar no nível fônico, conforme as indicações de D‟ Onofrio
(2007, p. 187), que as equivalências sonoras e acentuações rímicas, seguindo o esquema
ABBA e classificando-se como opostas ou alternadas (pequeno; bramia; sacudia;
sereno), em versos decassílabos (Eu/ me/ lem/ bro! Eu/ me/ lem/ bro! – E/ ra/ pe/ que/
no), convergem para um ritmo cantante que lembra o barulho das ondas do mar. A
repetição de sons vocálicos que simulam o movimento do mar (assonância) “E
brincAva nA prAia o mAr brAmiA” reiteram o movimento e o ruído marítimo.
Do ponto de vista sintático, através da repetição dos conetivos “E/ E/ E”
formando um polissíndeto, o poema aproxima-se, pelo diálogo, do tom oralizado da
prosa.
Com isso, é possível inferir acerca da habilidade de versejador de Casimiro de
Abreu, que o fez render-se ao gosto do público pouco erudito que, à sua época, reunia-
se nos salões aristocráticos para participarem dos saraus. Conforme Aguiar (1993, p.
15), em uma cultura marcadamente oral como a nossa, “poesia e música sempre
andaram juntas. [...]. Devido a esse aspecto, a poesia romântica não pôde prescindir da
música: Castro Alves, [...], Casimiro de Abreu fizeram muitos poemas para serem
divulgados através de serenatas”.
7. ESTUDO TEMÁTICO DO POEMA “FETICHISMO” DE RAIMUNDO
CORREIA
Fetichismo
Homem, da vida as sombras inclementes
Interrogas em vão: - Que céus habita Deus?
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Onde essa região de luz bendita,
Paraíso dos justos e dos crentes?
Em vão tateiam tuas mãos trementes
As entranhas da noite erma, infinita,
Onde a dúvida atroz blasfema e grita, E onde há só queixas e ranger de dentes...
A essa abóbada escura, em vão elevas
Os braços para o Deus sonhado, e lutas Por abarcá-lo; é tudo em torno trevas...
Somente o vácuo estreitas em teus braços; E apenas, pávido, um ruído escutas
Que é o ruído dos teus próprios passos!...
Fonte: ” Fetichismo” In Antologia de poesia brasileira, São Paulo, Àtica, 1985.
A) Leitura primeira: exploração livre do tema
Após a leitura do poema, o professor encaminhará uma discussão livre a respeito
do tema, procurando trazer o texto para a realidade dos alunos, relacionando o tema da
crença divina à visão dos mesmos. Na leitura do poema, o professor deve evidenciar que
a leitura não pode ser compreendida apenas como a decodificação de símbolos gráficos.
Deve estimular a leitura de maneira clara, de forma a familiarizar o aluno com o poema
em pauta. Trocar informações a respeito do texto lido, para que os alunos se posicionem
criticamente enquanto leitores. Compreender a leitura do poema nas suas dimensões
possíveis e discutir a sua leitura cotejando-a com a do colega, fomentando a
participação de toda a turma nesse envolvimento que visa ampliar o conhecimento sobre
a poesia de Raimundo Correia.
B) Inserção do texto no contexto do autor
Raimundo da Mota Azevedo Correia nasceu a bordo de um navio nas costas
maranhenses em 1859 e faleceu em Paris, em 1911. Fez humanidade no Colégio Pedro
II e Direito em São Paulo, conforme os dados de Alfredo Bosi (2005, p. 223). Embora
reconhecido pelos coetâneos com um dos melhores poetas do fim do século, pouco
participou da vida literária, escudando a própria timidez com a reserva que lhe
facultavam as funções de juiz. Obras: Primeiros sonhos (1879), Sinfonias (1883); Versos
e versões (1887); Aleluias (1891); Poesias (1898).
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O poema “Fetichismo” faz parte do livro Aleluias. Embora no primeiro livro
observem-se traços românticos, o tom socialista e parnasiano – de preocupação formal e
vocabular – vai predominar nas obras posteriores. A respeito do poeta, diz Alfredo Bosi:
Com o tempo, a poesia de Raimundo Correia foi acentuando traços que a estremam do espírito parnasiano tal como se aclimou entre nós e
a aproximam de Leconte de Lisle pela filosofia amarga que revelam.
Dessa percepção negativa do mundo, chamado “ agra região da dor”, há vários exemplos nas Aleluias que apesar do título, são um breviário
de desengano: “ Homem embora exasperado brades”, Nirvana”,
“Imagem da dor”, “Desiludido”, “Vana”, o schopenhaueriano “Amor
Criador” [...] (BOSI, 2005, p. 225).
C) Inserção do texto no contexto de época
O poeta é conhecido, nos livros didáticos e nas antologias, como um dos grandes
poetas do Parnasianismo porque seus poemas – notáveis pelos sonetos – são
caracterizados pelo rigor da forma, pelo lirismo preciso e sóbrio, pelas belas imagens.
Na época de sua produção poética, o apuro formal era muito exigido e, no plano social,
as ideias filosóficas de tom socialista e realista estavam em evidência. Mas, não ficou só
na forma. Como afirma Alfredo Bosi:
cadências pré simbolistas aparecem inequívocas em „Banzo‟, soneto que Mário de Andrade admirava e sem reservas, e num dos últimos
poemas que escreveu „Plenilúnio‟ , onde os clarões do astro se
manifestam em sugestões reiteradas, obsedantes, até alcançarem um
clima de delírio: (BOSI,1974, p.253).
Banzo
Visões que na alma o céu do exílio incuba,
Mortais visões! Fuzila o azul infando...
Coleia, basilisco de ouro, ondeando O Níger... Bramem leões de fulva juba...
Plenilúnio
Além nos ares, tremulamente,
Que visão branca das nuvens sai!
Luz entre as franças, fria e silente;
Assim nos ares, tremulamente,
Balão aceso subindo vai...
Quando se estuda Raimundo Correia, é forçoso admitir que ficou célebre por sua
fama de plagiário, referente a alguns sonetos bem conhecidos. Mesmo assim, como diz
José Veríssimo (1954, p. 306) “excedeu a todos os parnasianos em propriedade,
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singularidade e beleza de expressão poética, porque o rebuscamento da forma não
prejudicou nem a ingenuidade do sentimento, nem a sua expressão natural, nem
tampouco a essência do nosso lirismo tradicional”. O estudioso acrescenta que os temas
dos seus mais belos e mais justamente afamados poemas “As Pombas” e “Mal Secreto”,
não lhe pertencem , mas nem por isso esses admiráveis sonetos são menos seus, tanto
ele lhes recriou e ressentiu o sentimento original e tão formosamente os afeiçoou
consoante com sua índole poética. Era ao mesmo tempo poeta e filósofo, em cuja alma
repercutiam com vibrante sonoridade as amarguras e o sofrimento humano. E esta
agitação interior esta presente no poema “Fetichismo” que mostra um temperamento
doentio, melancólico e pessimista. Como afirma Manuel Bandeira (1957, p. 98):
As acusações de plágio que lhe fizeram a propósito dos sonetos (“As
pombras” e “Mal secreto”) apontados foram talvez o principal motivo
de seu afastamento das rodas literárias: fechou-se em si mesmo, numa misantropia que o levava a ver nas palavras da turba que rodeia o Jó a
mentira de uma falsa piedade.
As pombas
Vai-se a primeira pomba despertada... Vai-se outra mais... mais outra... enfim dezenas
De pombas vão-se dos pombais, apenas
Raia sanguínea e fresca a madrugada...
Mal secreto
Se a cólera que espuma, a dor que mora
N‟alma, e destrói cada ilusão que nasce,
Tudo o que punge, tudo o que devora
O coração, no rosto se estampasse;...
D) Análise interpretativa do poema
O poema “Fetichismo” é um soneto: apresenta 2 estrofes de
quatro versos (quartetos) e 2 de 3 versos (tercetos). Na primeira estrofe há um
chamamento do homem referente a uma pergunta: “Que céus habita Deus?”, na qual o
tom é o ambiente escuro, impiedoso, cruel que traz a dúvida da existência de Deus. O
homem, no escuro, não pode reprimir a procura de Deus. Há um conflito existencial
representado pela justaposição entre a sombra e a luz; a morte e a vida; certeza ou
ausência de Deus. E, da pergunta de partida, chega-se à última estrofe que afirma a
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morte de Deus e, consequentemente, a ausência de sentido para a vida. O título do
soneto corresponde ao culto de fetiches, ou, conforme uma das significações
ecnontradas no verbete do Dicionário Aurélio “culto de objetos materiais, considerados
como a encarnação de um espírito, ou em ligação com ele, e possuidores de virtude
mágica.” (p. 626).
Na análise da estrutura semântica o poema se apresenta em três partes:
1ª parte (1ª estrofe)
A primeira estrofe é construída, semanticamente, através de um vocativo,
dirigido ao ser humano, em que este se pergunta a respeito de Deus. Esta pergunta é
marcada pela dúvida e descrença, sugeridas através das interrogações e reticências.
Quando nos aproximamos da morte, recorremos aos “céus” (Deus). Ele existe? E na
interrogação seguem-se algumas descrições vagas e subjetivas, servindo-se o poeta de
epítetos metafóricos, como “região de luz bendita” e “paraíso dos crentes e dos justos”.
Do ponto de vista fônico, o soneto é formalmente distribuído em versos
decassílabos com rimas opostas nos quartetos, valendo-se de efeitos rítmicos como o
“enjambement” ou cavalgamento.
Sintaticamente, observa-se o uso de frases inversas o que, junto com vocábulos
cuidados denunciam o uso da forma culta e a busca pela seleção vocabular, elementos
bem típicos das preocupações parnasianas.
2ª parte (2ª e 3ª estrofe)
A segunda e a terceira estrofes respondem, de certa forma, à pergunta
introdutória. Mas, esta resposta é negativa, mostrando que a procura de Deus é vã e que,
em lugar de um lugar de luz só existe, mesmo, a noite escura, infinita, o nada, ou seja:
“queixas e ranger de dentes”. Quando o homem eleva os braços para Deus, na verdade,
está elevando os braços para um “Deus sonhado”, porque é “tudo em torno trevas”.
O poeta faz referência a uma passagem bíblica que corresponde ao destino
humano “ranger de dentes”, ou seja, o sofrimento humano após a expulsão do paraíso.
À medida que avançamos na leitura do poema, vemos o poeta se expor ao escuro
tentando respostas às sua dúvidas, através do ritmo e da musicalidade sinestésica que
causa a repetição dos sons consonantais – aliteração - (t) idênticos ou semelhantes no
verso “ Em vão tateiam tuas mãos trementes” e, especialmente, nas sílabas tônicas que
ajudam a valorizar a musicalidade do texto e introduzem movimentos expressivos que
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simulam o movimento das mãos que procuram, em vão, nas profundezas, a presença de
Deus.
Há imagens assustadoras que invertem o campo semântico da palavra céu que
toma contornos contrários - abóbada escura, trevas, noite, erma, infinita – para
simbolizar a ausência de luz.
Também, quanto aos aspectos fônicos, reitera-se o uso inicial do ritmo presente
na primeira estrofe, que se alterna em ritmos heróicos (6ª/10ª e variações) e sáficos
(4ª/8ª/10ª e variações).
3ª parte (quarta estrofe)
A última estrofe confirma, de forma total, a visão negativista e amargurada do
poeta: “somente o vácuo estreitas em teus braços”.
Pressupõe que o homem está sozinho e, se existe algum ruído, simulando a
presença de um acompanhante, esse ruído é apenas “o ruído dos teus próprios passos”.
E) Comparação temática entre os textos
No poema “Deus” de Casimiro de Abreu, o tema da crença divina foi tratado de
acordo com a concepção romântica: a natureza era a emanação da grandeza divina, a
expressão do criador. E, no poema de Casimiro de Abreu, isto está muito claro, como se
fosse um cântico religioso, em que o ser supremo não é o das indagações filosóficas e
místicas. Deus se revela como um ser existente, superior ao homem e à natureza. A
existência divina é confirmada pela mãe do menino (eu lírico), fonte de vida e sabedoria
para o filho.
Já no texto “Fetichismo”, de Raimundo Correia, o pessimismo diante da
condição humana busca refúgio na metafísica e na religião. A nível semântico o
substantivo céu que geralmente se expressa como paraíso - azul – “tudo azul” –
(apresenta-se com um breu - “o indesejado dos indesejados”) é destituído da sua
singeleza para tornar-se o seu oposto, hades, abóbada escura, lugar onde só há ranger de
dentes. Reforça dentro da temática da crença divina, a total ausência de Deus. Denota o
sentimento da efemeridade da vida e das coisas, a certeza de que o homem está sozinho
e de que a crença em Deus é mera ilusão.
Os dois poemas revelam, assim, visões de mundo bem diferentes, a respeito das
crenças, conforme a posição poética de cada autor.
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