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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE 2009 Produção Didático-Pedagógica Versão Online ISBN 978-85-8015-053-7 Cadernos PDE VOLUME I I

DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE 2009 · (Lya Luft) 1. Introdução A história oficial geralmente é registrada a partir do olhar da esfera social representada pela elite, na qual prevalecem

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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOSDA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE

2009

Produção Didático-Pedagógica

Versão Online ISBN 978-85-8015-053-7Cadernos PDE

VOLU

ME I

I

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A representação feminina na história do Brasil: transformações percebidas pelo olhar da literatura

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Neuza Brazil de Castro1

Profº Dr. Wagner de Souza2

RESUMO: Durante muito tempo a história oficial foi contada por homens que relatavam feitos de outros homens, geralmente heróis grandiosos, relegando à atuação feminina um papel coadjuvante na construção da realidade. Este trabalho busca resgatar a participação feminina na construção da história do Brasil por meio da literatura. Lendo e analisando obras literárias, é possível perceber, de modo metafórico, uma representação da mulher brasileira. Por meio da literatura, buscar-se-á a destacar a figura feminina e torná-la sujeito no processo histórico nacional; especialmente com a obra A mãe da mãe da sua mãe e suas filhas de Maria José Silveira, é possível acompanhar de modo ficcional os caminhos e descaminhos das mulheres que construíram este país. Com um enredo envolvente e mulheres protagonistas desde a nativa precursora da etnia brasileira, passando pela escrava, a senhora, a proprietária, operária e a nobre. Enfim, mulheres que podem representar as ancestrais do nosso povo; elas exerceram diferentes papéis, sendoesposas, mães, companheiras, guerreiras, ricas, pobres, tímidas, e enfrentaram toda sorte de perigos, culminando na mulher atual, emancipada e dona de seu destino.

Palavras-chave: representação feminina; submissão; independência; literatura.

Canção em segredo

Dentro desta mulher um anjo menino brinca de ciranda na calçada e tem fome de futuro. [...]Dentro desta mulheruma guerreira constrói sua vidadepois de parir filhos para o mundo.[...](Dentro desta mulher o mistério das coisas finge dormir.). (Lya Luft)

1. Introdução

A história oficial geralmente é registrada a partir do olhar da esfera social

representada pela elite, na qual prevalecem os grandes feitos de heróis masculinos. Raras

vezes, se tem acesso ao viés da história contada pela voz de quem está do outro lado, isto

é, pelo olhar do cidadão comum inserido no cotidiano, tampouco pela voz feminina.

1 Professora PDE 2009/2010 da área de Português e Literatura.2 Docente do Curso de Letras da UNIOESTE/Cascavel - Orientador PDE 2009/2010

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Os historiadores tradicionais desconsideram a participação de personagens

comuns na vida cotidiana, esquecendo-se que estes também exercem um papel importante

na construção da história. Conforme se lê em BURKE, essa questão foi fonte de estudos:

Tradicionalmente, a história tem sido encarada, desde os temposclássicos, como um relato dos feitos dos grandes. O interesse na história social e econômica mais ampla desenvolveu-se no século dezenove, mas o principal tema da história continuou sendo a revelação das opiniões políticas da elite (SHARPE, Jim. In: BURKE, Peter, 1992, p. 40).

E é partindo desta reflexão que se pretende realizar um trabalho voltado ao

discurso das minorias, presente no texto literário, visto que a literatura, assim como as

demais artes, tem capacidade de analisar o pensamento humano; tem o poder de captar

aspectos da realidade e de representar comportamentos sociais. Por meio da imaginação e

com o poder das palavras, apresenta elementos que passam a vigorar na realidade, produz

obras que remetem a comportamentos possíveis de se atribuir a um todo social.

O literato explora perfis humanos complexos e interessantes, inclusive fugindo aos

padrões sociais pré-estabelecidos. Pode, portanto, ao utilizar a imaginação criadora,

transformar o plebeu em herói destemido e honrado, mostrar a face nada lisonjeira do

príncipe covarde e ainda fazer da escrava uma dama ou uma princesa. Assim, de acordo

com as ideologias que embasam seu modo de encarar a realidade, pode, por meio da

ficção, inverter papéis sociais, produzir personagens capazes de provocar polêmica, trazer

à tona discussões de ordem moral, ética, política, etc.

Bakhtin (1981) em Problemas da poética de Dostoievski, ao discutir a respeito do

conceito de carnavalização na literatura, ressalta que esta se baseia na representação da

cultura popular, e que pode ser compreendida como uma linguagem carregada de símbolos

e alegorias, em que se pontua a divergência entre o oficial e o não-oficial, fazendo uma

ruptura com o que é institucionalizado.

O estudo apresentado por Bakhtin possibilita uma proximidade entre o conceito de

carnavalização, por ele formulado, e o carnaval como manifestação da cultura popular.

Segundo o teórico, identificam-se os ritos carnavalescos da Idade Média e do

Renascimento, em que o povo saía às ruas, em procissões, com trajes típicos, geralmente

mascarados, comemorando o período de liberdade de expressão e a contravenção às

regras impostas. Nas festas carnavalescas predominavam a alegria, a felicidade, a

gargalhada, comportamentos proibidos na época pela Igreja, porque representavam os

sentimentos impuros, pecaminosos, dignos de punição.

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O carnaval ao qual se refere Bakhtin – que remonta às festas pagãs da Antiguidade

Clássica greco-romana – representa um mundo às avessas, em que se desfazem as

fronteiras entre ricos e pobres, misturam-se os desejos, instauram-se dicotomias como

entre o sagrado e o profano, o sublime e o vulgar, o belo e o feio.

Desse modo, Bakhtin parte da análise do carnaval (como festa popular) para

elucidar o conceito de carnavalização da literatura. Para ele,

O carnaval é um espetáculo sem ribalta e sem divisão entre atores e espectadores. No carnaval todos são participantes ativos, todos participam da ação carnavalesca. Não se contempla e, em termos rigorosos, nem se representa o carnaval, mas vive-se nele, e vive-se conforme as suas leis enquanto estas vigoram, ou seja, vive-se uma vida carnavalesca. Esta é uma vida desviada da sua ordem habitual, em certo sentido uma ‘vida às avessas’, um ‘mundo invertido’. (Bakhtin, 1981, p.105)

Além disso, para o autor, a carnavalização, caracteriza-se como a celebração do

riso, do cômico, subvertendo a ordem pré-estabelecida, por meio do deboche, pela sátira

da realidade; compreende um universo de inversão, de deslocamento, de contradição,

próprio da literatura carnavalizada.

Deste modo, Bakhtin (1981) defende que, assim como no carnaval, em que todas

as pessoas são participantes ativas, da mesma forma a literatura também abrange todos os

aspectos da vida social:

As leis, proibições e restrições, que determinavam o sistema e a ordem da vida comum, isto é, extracarnavalesca, revogam-se durante o carnaval: revogam–se antes de tudo o sistema hierárquico e todas as formas conexas de medo, reverência, devoção, etiqueta, etc., ou seja, tudo o que é determinado pela desigualdade social hierárquica ou qualquer outra espécie de desigualdade entre os homens. (BAKHTIN, 1981, p. 105).

Essa vida carnavalesca, segundo Bakhtin, é livre de regras, leis e restrições

específicas da vida comum, do cotidiano; esse espírito carnavalesco foi incipiente no

período renascentista e provocou mudanças profundas na arte a partir do século Xlll, com o

surgimento do romance. A liberdade de expressão, a sátira, a ambivalência “e todos os

matizes da linguagem carnavalesca livre [...] penetraram fundo em quase todos os gêneros

da literatura de ficção” (BAKHTIN, 1981, p.112). Assim, novas abordagens literárias na

concepção da escrita e na criação de personagens, surgiram e foram aceitas na literatura.

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Durante muito tempo, a classe social detentora de menor poder econômico, aqui

definida como minoria, não teve acesso a muitos direitos, dentre os quais o de ser

percebida como sujeito da história. Segundo Sharpe,

Os propósitos da história são variados, mas um deles é prover aqueles que a escrevem ou a leem de um sentido de identidade, de um sentido de sua origem (...). a historia vista de baixo pode desempenhar um papel importante neste processo, recordando-nos que nossa identidade não foi estruturada apenas por monarcas, primeiros-ministros ou generais (SCHARPE, Jim. In: BURKE, 1992, p. 60).

E, dentre tais categorias definidas como minorias, optou-se por realizar um estudo

baseado numa análise da condição feminina no processo de construção da história do

Brasil partindo de leituras de algumas personagens literárias.

Quando se fala em minoria no Brasil, deve-se fazer referência à questão dos

direitos humanos e das lutas populares. Não se trata de minoria numérica, mas que é

minoritária em relação ao acesso ao poder político, econômico, social, cultural, ou seja, no

suprimento das suas necessidades básicas, no plano dos direitos humanos e da cidadania

que, mesmo sendo a maioria numérica, não têm o acesso a um patamar de igualdade.

A condição social feminina, ao longo da história do país, sempre esteve associada

à dependência do masculino, que representava uma espécie de protetor, incumbido de

preservar a mulher dos perigos e “armadilhas” do mundo. Desde crianças, as mulheres

eram preparadas para as funções de esposa, mãe e dona-de-casa, enquanto os meninos,

para ser o chefe da casa e da família.

Esse contexto sócio-histórico-cultural sofre pouca alteração ao longo dos séculos.

As transformações ocorridas no Brasil, entre o final do século XIX e o início do XX,

provocaram uma mudança lenta, mas relevante na maneira de se ver e tratar a mulher. No

entanto, ela ainda continuou sendo objeto de sua própria história, determinado pelo

elemento masculino, condição que se estende até meados do século XX, no qual a mulher

continuou dependente do homem a quem competia delegar sua condição na sociedade.

De acordo com estudos de E. Badinter, na sociedade patriarcal a mulher era uma figura

relativamente sem importância social: “Complemento do homem, a mulher é uma criatura

essencialmente relativa. Ela é o que o homem não é, para formar com ele, e sob suas

ordens o todo da humanidade.” (1985, p. 142).

Essa visão de mundo masculinizada e patriarcal que retrata a submissão, mas

também a resistência feminina está presente no discurso e universal em que atuam

algumas personagens femininas, nas diferentes épocas e períodos da literatura brasileira.

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A questão das minorias, e especialmente a da mulher, são temas permanentes e

polêmicos, e a sala de aula é um espaço que proporciona a oportunidade de discuti-los. A

Literatura Brasileira, então se apresenta como um material rico e vasto que pode auxiliar no

estudo das transformações do papel feminino enquanto sujeito histórico, uma vez que

partindo de uma possível leitura de diferentes personagens fictícias, depreende-se uma

representação da realidade em determinadas situações. Com base nesses pressupostos,

pretende-se realizar um estudo que contemple uma análise do processo pelo qual se

construiu a condição da mulher na sociedade brasileira.

Nesse propósito, o presente artigo tem a finalidade de experimentar a prática de

utilizar o texto literário, por meio da análise de personagens femininas em sala de aula,

como recurso de incentivo à leitura de obras literárias e também ampliar a compreensão

dos diferentes aspectos das relações sociais.

2. A representação feminina na literatura

Historicamente, a mulher foi vista como um ser moldado para obedecer às regras

ditadas pela Igreja, para satisfazer as expectativas da família (especialmente do pai) e

posteriormente do marido, que, por sua vez, era escolhido por seus pais. Vontade própria,

autonomia e demonstração real de sentimentos não eram comportamentos aceitos e

tampouco concedidos ao sexo feminino durante muitos séculos.

De certa forma, até bem pouco tempo, a sociedade sempre exaltou a superioridade

masculina, o que era refletido na educação das filhas, que aceitavam esse tratamento

diferenciado, afinal, qualquer comportamento feminino que demonstrasse autonomia ou

contrariedade, era tomado como rebeldia, desrespeito às regras, causando desagrado ao

pai ou encarado como ameaça à ordem social.

Durante muito tempo, de alguma forma, a sociedade, e em especial a Igreja,

exerceu forte pressão sobre a sexualidade feminina e justificou este posicionamento

baseando-se em inúmeras passagens da Bíblia. Esta, durante séculos, serviu como um

manual de boa conduta, principalmente feminina, orientando as mulheres quanto aos

modos de se vestir, portar-se e, principalmente, no dever de submissão ao homem. O

ambiente familiar, tanto antes quanto depois do casamento, era constituído pelos ditames

dos textos bíblicos, que apontavam as várias faces da mulher, institucionalizando a

inferioridade em sua criação por ter sido Eva, a primeira mulher, criada a partir da costela

recurva de Adão. Assim, durante a Idade Média, ela foi vista como feiticeira, pelos poderes

da sedução, dos perigos da tentação e portadora natural do pecado original.

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Neste sentido, a submissão feminina era algo sempre presente, uma vez que para

sobreviver, garantir seu sustento e ser aceita na sociedade, dependia do homem. Tal

dependência se nota inclusive, no próprio sobrenome adotado após o casamento que,

tradicionalmente, era o da família do marido.

Há pouco tempo, mais especificamente, no final do século XX, essa concepção

começou a ruir, as mulheres estão cada vez mais assumindo funções de destaque em

diversos setores, mas há ainda casos nos quais os alicerces ideológicos da estrutura

patriarcal ainda estão bem fincados na sociedade brasileira.

Para melhor compreender todo o fenômeno da trajetória feminina no Brasil, por

meio da literatura, far-se-á um retrospecto buscando os registros que denotam este viés, no

qual a mulher, notoriamente na era cristã, desempenhou o papel de submissa em relação

ao homem. Inicialmente será analisada a criação da mulher a partir da concepção religiosa

católica, ou seja, o Livro do “Gênesis” o qual descreve de modo literal a criação da primeira

mulher realizada por Deus:

O Senhor Deus disse: “Não é bom que o homem esteja só; vou-lhe fazer uma auxiliar que lhe corresponda”. Havendo, pois, o Senhor Deus formado da terra todo o animal selvagem, e todas as aves do céu, os trouxe ao homem, para ver como os chamaria; e cada ser vivo teria o nome que o homem lhe desse. E o homem deu nomes a todos os animais domésticos, às aves do céu, e a todos os animais selvagens; mas entre todos eles não havia uma auxiliar que lhe correspondesse. Então, o Senhor Deus fez cair um sono profundo sobre o homem, e este adormeceu; e tirou uma das suas costelas, e fechou o lugar com carne. E da costela que o Senhor Deus tomou do homem, formou uma mulher, e trouxe-a a Adão. E disse Adão: “Esta é agora osso dos meus ossos, e carne da minha carne; chamar-se-á mulher, porque foi tirada do homem”. (Gn 2: 18-23).

Nesta passagem, percebe-se que a criação da mulher se deu após a do homem, e

“criada” a partir de uma parte dele. Demonstra que ele é superior a ela; tem o poder de dar

nomes aos outros seres, inclusive à mulher. É ele o soberano sobre tudo e todos.

Acrescente-se que a mulher foi criada para ser uma “auxiliar” do homem, uma ajudante,

alguém que deveria servir ao seu superior e obedecer-lhe como os outros seres que

também são inferiores. Sem a companhia feminina e uma parceira para a reprodução, o

masculino não pode realizar totalmente sua humanidade. Dessa necessidade ocorre a

criação de Eva, a primeira mulher e que será companheira de Adão.

A criação da mulher, de acordo com o que se lê no livro do “Gênesis”, tem

consequências de longo alcance. Ela estabelece a fundamentação para todas as áreas do

relacionamento do homem e da mulher no decorrer da história. O homem é a obra-prima da

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criação e a mulher criada para auxiliá-lo, exercendo um papel de coadjuvante na história e

na sociedade.

Mais adiante, no mesmo livro bíblico, há a seguinte passagem: “A mulher notou que

era tentador comer da árvore, pois era atraente aos olhos e desejável para se alcançar

inteligência. Colheu o fruto, comeu e deu ao marido.” (Gn, 3:6-7). Com efeito, essa

passagem embasa a questão de que a mulher facilmente cai em tentação, deixa-se

enganar pelas aparências e consegue ainda enredar o homem a cometer os mesmos erros

e a deixar-se levar pelas suas fraquezas.

Pode-se ler ainda: “E o homem disse: A mulher que me deste por companheira, foi

ela quem me fez provar do fruto da árvore, e eu comi.” (Gn, 3:12) Ocorre aí, por meio de

uma leitura literal, a culpa da mulher pelo pecado original, ela cedeu às tentações, infringiu

às leis ditadas por Deus e levou o homem a cometer o mesmo erro; ele se defende

alegando inocência perante a falta cometida e culpando a companheira. Portanto, a mulher

constantemente foi sinônimo de fraqueza, de quem se deixou levar pelas ilusões,

aparências e as tentações do pecado e ainda “arrastou” o homem para o mau caminho; e

assim historicamente ela deve isso à sociedade, que a condenou, controlou e a limitou.

Usando ainda as passagens bíblicas, podem-se analisar alguns capítulos das

epístolas paulinas. São Paulo também enfatiza a supremacia do homem em relação à

mulher; na passagem da “Carta aos Efésios”, ele diz: "As mulheres submetam-se aos seus

maridos como ao Senhor, porque o marido é a cabeça da mulher. Como a Igreja se

submete a Cristo, assim as mulheres, aos maridos, em tudo." (Ef, 5: 21-25). E ainda na

“Primeira Carta a Timóteo”:

Desejo que as mulheres, vestidas decentemente, com recato e modéstia (...) A mulher receba a instrução em silêncio, com toda a submissão. Não permito à mulher que ensine, nem que exerça domínio sobre o homem, mas que se mantenha em silêncio. Porque primeiro foi formado Adão, depois Eva. E não foi Adão quem se deixou iludir e sim a mulher, que enganada, incorreu em transgressão. Mas ela poderá salvar-se cumprindo os deveres de mãe, contanto que permaneça com modéstia na fé, na caridade e na santidade. (Tm, 2: 9-15)

Nesta passagem, percebe-se a enorme pressão, com os argumentos apresentados

por Paulo, para que a mulher ocupasse o lugar que lhe era atribuído: ser inferior ao homem.

E não bastasse a culpa que lhe é apregoada, o apóstolo ainda ressalta o seu erro, reafirma

a razão: “pois não foi Adão quem se deixou iludir...”. Assim, as mulheres não tinham

argumentos para tentar mudar a sua condição social. Na “Primeira Carta aos Coríntios”

pode-se também comprovar esta ideologia: “As mulheres estejam caladas nas assembleias,

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porque não lhes é permitido tomar a palavra e, como diz também a Lei, devem ser submissas. Se

quiserem aprender alguma coisa, perguntem em casa a seus maridos" (Cor, 14: 34-35).

Depreende-se dessa passagem que as mulheres não tinham direitos; consideradas

como crianças, seres débeis, incapazes de compreender os sermões, as leis, etc. Assim,

por conta da exaltação do papel do homem na sociedade, expresso em suas cartas, São

Paulo foi considerado responsável por disseminar a submissão das mulheres na Igreja e

em inúmeras sociedades durante séculos da história.

Desse modo, no período da Idade Média, as questões e as ideias contra a figura

feminina foram bastante difundidas, uma vez que esse período foi palco de uma das

maiores perseguições contra a mulher. A "caça às bruxas" foi um movimento pelo qual a

Igreja, por meio do Santo Ofício (Inquisição), matou na fogueira muitas mulheres, caçando

os rituais pagãos que tinham a mulher como base da fertilidade e o corpo feminino como

centro da vida. Neste período, a maioria das ideias e de conceitos era elaborada pelos

escolásticos, uma vez que o acesso aos livros e bibliotecas era quase que exclusivo a eles.

O que se sabe sobre as mulheres deste período saiu das mãos de homens da Igreja,

religiosos que as consideravam misteriosas.

A mulher para os clérigos era considerada um ser muito próximo da carne e dos

sentidos e, por isso, uma pecadora em potencial, afinal, todas elas descendiam de Eva, a

culpada pela queda do gênero humano. No início da Idade Média, a principal preocupação

com as mulheres era mantê-las virgens e afastar os clérigos desses seres demoníacos que

personificaram a tentação. Dessa forma, a maior parte das autoridades eclesiásticas desse

período via a mulher como portadora e disseminadora do mal.

Isso as tornava más por natureza e atraídas pelo vício. A partir da instituição do

casamento pela Igreja, a maternidade e o papel da boa esposa passaram a ser exaltados.

O matrimônio vinha para saciar e controlar as pulsões femininas. No casamento, a mulher

estaria restrita a um só parceiro, que tinha a função de dominá-la, de educá-la e de fazer

com que tivesse uma vida pura e casta.

No que tange o pecado original encontra-se outra característica criticada nas

mulheres pelos clérigos, a tagarelice. Afinal, foi por seu pedido, pela insistência de Eva que

Adão aceitou o fruto proibido, e por isso, foi considerada uma enganadora. Esse estado de

maldição foi amenizado com o culto à Virgem Maria, que trouxe consigo a reconciliação

entre a humanidade e Deus, contudo, essa reconciliação ainda restritiva, pois somente

aquelas que vivessem na graça divina alcançariam a salvação.

Maria foi a redentora de Eva, que ao aceitar a tarefa de ser mãe de Jesus libertou-a

da maldição da “queda”. Desenvolveu-se então a ideia de Maria, mãe da humanidade, de

todos os homens e mulheres que viviam na graça de Deus, que suportavam o sofrimento e

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doavam-se a Deus, enquanto Eva era a mãe de todos que se deixavam seduzir pela

natureza.

Por isso era exigido que as mulheres se mantivessem castas até o casamento, se a

sua opção de vida fosse o matrimônio. A melhor forma de seguir o exemplo de Maria era

permanecer virgem até tornar-se esposa dedicada e zelosa. Eva simbolizava as mulheres

reais, e Maria um ideal de mulher que deveria ser seguido por todas as mulheres para

alcançar o respeito da sociedade e do marido, a graça divina, base para a salvação.

A partir do exemplo de Maria, foi concedido às mulheres, pecadoras inatas devido

sua aparência sedutora, o direito ao arrependimento, demonstrado pela prostração,

sofrimento e lágrimas, para opor-se à sua natureza impulsiva, à curiosidade e à tagarelice

de Eva, que levou toda a humanidade ao pecado. Por isso, a demonstração de fé feminina

deveria ser feita apenas pela aceitação de sua condição, dedicando-se aos cuidados dos

filhos, do marido e da casa e com seu silêncio na igreja.

Deste modo, historicamente descrita pelo discurso masculino ora como ser inferior,

misterioso, inconstante, ora como personagens vinculadas à santidade, a representação

feminina também assim figurou no discurso literário, de diferentes épocas. Nesse sentido,

ao tomar-se como princípio de análise o Trovadorismo, percebe-se que ela aparece sempre

idealizada: detentora de formosura, bondade, lealdade, discrição, honra, etc.

A Europa do século XVI viria a caracterizar-se por apresentar uma nova visão sobre

quase tudo. Apontou um novo conceito de beleza, novas tendências artísticas, literárias,

científicas e principalmente estéticas. Nesta época, a mulher praticamente saiu da

obscuridade e revelou-se diferente que na Idade Média.

No Renascimento, a figura feminina passou a ter mais valor, não no sentido

comparativo ao homem, mas como objeto de satisfação pessoal masculina, pois casar-se

com uma bela mulher era algo de reconhecimento entre os homens, especialmente aos do

círculo da nobreza. A vida social na corte fez com que a mulher se sentisse necessitada de

melhoramentos estéticos, dando origem a novos padrões de aparência e gosto, a novos

ideais de beleza e erotismo.

O sentimento renascentista veio atribuir um novo valor à beleza ao reconhecê-la

como sinal exterior e visível de uma “bondade” interior e invisível. A beleza passa a ser

considerada um atributo necessário do carácter moral e da posição social e deixa se ser

encarada como um trunfo perigoso.

Ser bela tornou-se praticamente uma obrigação, já que a fealdade era associada

não só à inferioridade social, mas também ao vício. Assim, a mulher ganhou novo status,

de “demônio disfarçado de anjo” a “anjo divino” ou prêmio de merecimento ao herói. Acerca

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do tema, pode-se utilizar um famoso fragmento de Os Lusíadas, de Camões, no episódio

da Ilha dos Amores, no Canto lX, o qual narra que os navegantes voltavam a Portugal,

tendo como capitão Vasco da Gama, quando deram de frente com a Ilha dos Amores,

espécie de oásis encantado no meio do oceano. Na praia, Tétis, a deusa do mar, os

recepciona amavelmente. Um magnífico banquete logo lhes foi preparado, pela mesa

espalhavam-se travessas e pratos de ouro com exóticas especiarias e cada homem tinha

ao seu lado uma bela ninfa, e ainda muitas taças de vinho que deixara a todos

embriagados.

.Já não fugia a bela Ninfa tanto, Por se dar cara ao triste que a seguia, Como por ir ouvindo o doce canto, As namoradas mágoas lhe dizia. Volvendo o rosto, já sereno e santo, Toda banhada em riso de alegria, Cair se deixa aos pés do vencedor, Que todo se desfaz em puro amor.

Oh, que famintos beijos na floresta!E que mimoso choro que soava!Que afagos tão suaves! Que ira honesta, Que em risinhos alegres se tornava!O que mais passam na manhã e na sesta, Que Vênus com prazeres inflamava, Melhor é experimentá-lo que julgá-lo, Mas julgue-o quem não pode experimentá-lo.

Esta passagem cria no texto a imagem do feminino como sinônimo de sentimental,

emocional, da mulher bela e encantadora, ao mesmo tempo astuta, enredadora e sedutora,

mulher-objeto, distração para os homens, ou seja, “repouso do guerreiro”.

Um pouco adiante, na história e na literatura, encontra-se o Barroco, um período no

qual os artistas tentavam conciliar, por meio de rebuscamento formal, a angústia entre a

ótica renascentista ainda remanescente e as imposições retrógradas dos contra-

reformistas. O Barroco expressa a ansiedade do homem dividido entre a efemeridade do

material e a incerteza do mundo espiritual; daí decorre o sentimento da brevidade da vida,

da dor pela passagem do tempo que tudo destrói. Diante disso, o homem barroco oscila

entre a renúncia e o gozo dos prazeres da vida, especialmente aqueles representados pela

figura feminina. Quando pensa no julgamento de Deus, busca refúgio na fé, quando esta é

insuficiente, deixa-se envolver pelo desejo de curtir a vida e entregar-se aos prazeres,

inclusive os da carne. Para ficar com apenas um exemplo, veja um fragmento do soneto de

Gregório de Matos:

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À dona ÂngelaAnjo no nome, Angélica na cara!Isso é ser flor, o Anjo juntamente:Ser Angélica flor e Anjo florente,Em quem, senão em vós, se uniformara:

Mas vejo, que por bela, e por galharda,Posto que os Anjos nunca dão pesares,Sois Anjo, que me tenta, e não me guarda.Que por seu Deus, o não idolatrara?[...]Se pois como Anjo sois dos meus altares,Fôreis o meu Custódio, e a minha guarda,Livrara eu de diabólicos azares.

Percebe-se o jogo de palavras feito com o nome da mulher: Ângela e anjo (do latim,

ângelus). Na segunda estrofe, o eu-lírico diz ser impossível não ceder à beleza e à

adoração ao anjo. Ele revela ainda que a beleza da mulher a transforma em anjo tentador e

não em protetor, além disso, deixa perceber uma vibração sensual despertada pela beleza

da mulher. Assim remete à visão de que a mulher pode ser anjo e ao mesmo tempo

demônio tentador que possui a chave dos prazeres da vida.

No Arcadismo ou Neoclassicismo, o que prevalece é o bucolismo: integração

serena entre o indivíduo e a paisagem física, busca do resgate da cultura greco-romana. Só

a mulher é superior à natureza. O amor é definido pelo especial culto à mulher. Vê-se aqui

a figura da mulher como prêmio, que fica no lar aguardando o retorno do seu amado para

servir-lhe de repouso, descanso, que sempre deve ser suave, carinhosa, amorosa, seja ele

soldado, pastor ou vaqueiro.

Irás a divertir-te na floresta,Sustentada, Marília, no meu braço; Ali descansarei a quente sesta, Dormindo um leve sono em teu regaço: Enquanto a luta jogam os Pastores, E emparelhados correm nas campinas, Toucarei teus cabelos de boninas, Nos troncos gravarei os teus louvores.

(Parte I - Lira I)[...]

Propunha-me dormir no teu regaçoAs quentes horas da comprida sesta, Escrever teus louvores nos olmeiros, Toucar-te de papoulas na floresta.

(Parte ll - LiraXVlll)

No exemplo seguinte, o eu-lírico aponta as características da mulher mãe,

comparando-a com as fêmeas, que cuidam com todo desvelo de seus filhotes:

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Atende, como aquela vaca pretaO novilhinho seu dos mais separa, E o lambe, enquanto chupa a lisa teta.Atende mais, ó cara,Como a ruiva cadelaSuporta que lhe morda o filho o corpo,E salte em cima dela.

Repara, como cheia de ternuraEntre as asas ao filho essa ave aquenta,Como aquela esgravata a terra dura,E os seus assim sustenta;Como se encoleriza,E salta sem receio a todo o vulto,Que junto deles pisa. (Parte 1 – Lira XVIII)

Depreende-se daí uma possibilidade de leitura da condição feminina à época: a

procriadora, a mãe cheia de desvelos, dedicada exclusivamente aos cuidados dos filhos, da

família, da casa; nem se cogitava a hipótese da mulher exercer alguma outra função que

não fosse a doméstica.

A relação entre homem e mulher, ao longo dos séculos, mantém caráter

excludente, porém, na poesia neoclássica a figura feminina (se comparada à Idade Média)

passa a receber uma atenção especial. Ela deixa de ser vista como sinônimo de pecado,

ser diabólico e assume o papel da boa mãe, zelosa e dedicada ao lar. Note-se, porém, sua

falta de representatividade, é um ser sem voz, pois a Marília é desenhada sob o olhar de

Dirceu.

A mulher árcade é vista como um ser elevado, possuidor de atrativos espirituais e

enobrecedores, como propunham as regras da estética neoclássica e preanunciava a era

romântica. Quando se visualiza as obras românticas, mais especificamente a prosa,

encontram-se mulheres como Inocência, Lucíola, Iracema, Aurélia, entre outras, que vão

também cumprir seu destino de amar, sofrer e perdoar, haja vista sua condição de mulher.

Neste momento, empolgado pela imaginação romântica, o autor idealiza temas,

exagerando em algumas de suas características. Dessa forma, a mulher romântica é

geralmente uma virgem frágil, que tem total dependência do homem para sustentá-la,

protegê-la e dar-lhe honra e respeito.

O Romantismo revela uma mentalidade em comunhão com alguns valores que a

ideologia patriarcal oitocentista atribuía às mulheres. Trata-se de uma representação

feminina que tem por base a fragilidade, a resignação e a extrema sensibilidade, elementos

que serviram de argumento para impor à mulher um papel secundário, em relação ao

homem, e uma imagem identificada ao ideal de santidade.

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Uma personagem que representa bem esse aspecto da mulher do Romantismo é

Inocência, nela reforça-se uma das principais características do Romantismo europeu. Tem

uma grande beleza e delicadeza de traços, a concepção de um único e idealizado amor,

cuja impossibilidade de realização leva os protagonistas à morte.

Inocência era fiel ao seu princípio amoroso, foi capaz de morrer de tristeza em face

da ausência definitiva do homem amado. Porém, sua principal característica é a submissão

aos ditames do seu “protetor” masculino. Demonstra a incapacidade da mulher em

defender sua posição perante a vontade de seu pai, todos os seus desejos e sonhos ficam

suplantados diante dos desígnios ditados por ele que nem admite ouvir sua opinião.

Considerando-a infantil e incapaz de decidir e de discernir entre o certo e o errado, o que é

melhor ou pior para si, cabendo a ele, seu protetor (praticamente seu dono) a incumbência

de escolher seu marido, aquele que melhor convém aos interesses do pai e não da filha,

uma vez que os sentimentos da filha (mulher) não são considerados.

O fracasso da jovem Inocência representa de modo bem claro o assujeitamento

feminino durante um grande período da história do Brasil. Especialmente, durante a época

da família patriarcal, na qual era o homem o senhor das decisões, a mulher nem era

consultada, mesmo que o assunto afetasse diretamente a sua vida, seus sentimentos. A ela

cabia apenas aceitar docemente seu destino, acatando o que lhe era definido.

Com Iracema, percebe-se também a necessidade feminina do masculino para sua

proteção e sobrevivência. Esta seguiu seu coração casando-se com o homem amado,

contra a vontade de seu pai e de sua tribo, por isso, viu-se abandonada, sozinha no mundo.

E sem a presença do marido, morre de fome, tristeza e abandono, deixando-lhe um filho

(Moacir: filho da dor) que lhe garantirá a continuidade de sua casta. De certa forma, Martim

não deu a devida importância a sua mulher, deixando-a sozinha durante a gravidez e

prestes a dar à luz.

O romance revela nas entrelinhas, a ideia de que os interesses masculinos eram

prioridades na época; a mulher que desobedecia às regras da sociedade, pagava um preço

muito alto e geralmente tinha como destino o sofrimento, a desilusão, a tristeza. Enquanto

estava na fase de conquista de Iracema, Martim mostra-se dedicado e atencioso, depois,

deixa-a sozinha e parte para a guerra, dedicando-se a seus interesses pessoais. A morte

de Iracema por desilusão e amor mal resolvido retrata a fragilidade e a dependência

feminina da proteção masculina.

Já em Lucíola, a questão da moralidade é mais forte. O romance é ambientado

numa época em que a virgindade feminina era o seu maior escudo de valor. Todo o

sofrimento por que passa a protagonista está relacionado à não-aceitação da sociedade no

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restabelecimento familiar da prostituta, ou seja, como uma mulher que viveu na prostituição

poderia voltar a circular pelos ambientes de família? Casar, ter filhos, frequentar a igreja,

eram privilégios das boas moças de família, as que se mantiveram virgens até o

casamento. Ressalte-se que ela se prostituiu para salvar toda sua família durante uma crise

de febre amarela. Sendo assim deixou-se levar por Couto por uma causa maior, nobre até.

É importante destacar ainda que Paulo poderia, tranquilamente, estar em casas de

prostituição, para ele a sociedade não iria cobrar uma vida recatada para entrar no

casamento. Mas à mulher não houve absolvição, o autor (homem e imbuído dos valores da

sua época) mata Lucia e o filho que ela esperava, não lhe dando chance de viver um amor

dentro das convenções como exigia sua época.

Em outros textos, no entanto, a concepção feminina se diferenciava desse modelo

em certos aspectos. Alguns autores perceberam a inviabilidade de uma representação

feminina que levasse em conta apenas traços angélicos e espirituais. É possível citar

Aurélia, em Senhora, que se revela uma mulher forte, decidida e engenhosa. É importante

registrar que, apesar de Aurélia demonstrar autonomia, exuberância e certo controle da

situação, o casamento só se consuma quando ela se coloca como submissa, quando

repassa ao marido o papel de chefe, de senhor da casa, assumindo-se como mulher frágil,

submissa e esposa dedicada ao seu amo e senhor.

Entretanto, a atitude de independência e controle da própria vida que Aurélia

adotou em praticamente todo o romance, desencadeou na literatura uma sensação de

poder feminino antes não cogitado. Desse modo, aos poucos se passou a conceber uma

imagem diferente da mulher, e um novo modo de se relacionar com o homem, que

apontavam para uma nova atitude na relação entre homem e mulher. Com efeito, “o

relacionamento amoroso surgiria não de uma situação distanciada e abstrata, como ocorreu

em tantos escritores da época, mas de uma experiência concreta de conhecimento da

natureza humana” (JÚDICE, 1999, p. 60).

A partir das obras do Realismo percebem-se mulheres ainda sonhadoras, capazes

de amar, mas que se preocupam em satisfazer seus próprios desejos e interesses. Surgem

as figuras femininas dos romances realistas de Machado de Assis, fúteis, cheias de

desejos, infiéis, mas que irão compor outro tipo de romance no qual a mulher não é

idealizada, mas real. Tais como Marcela e Virgília em Memórias Póstumas de Brás Cubas,

Sofia em Quincas Borba, Capitu em Dom Casmurro.

Esse processo, que se confirmou definitivamente durante o realismo/naturalismo,

fundou-se na desocultação do erotismo feminino e no esvaziamento dos elementos que

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compunham a imagem da mulher romantizada. Desse modo, as descendentes de Eva

deixam de ser o símbolo da fragilidade e da pureza.

Mostrando os indivíduos do sexo feminino como seres humanos comuns, a ficção

realista irá provocar, entre outras coisas, a demolição de alguns pilares do Romantismo.

No Realismo/Naturalismo a mulher passa a ser representada de forma mais

realista, com suas implicações e defeitos, e até mesmo de forma exagerada, meio

patológica, além de animalesca, e trabalhada psicologicamente, pois essas são marcas do

Naturalismo.

Na estética realista/naturalista a mulher é representada como agente definido pela

realidade que a cerca, por diversas vezes como sedutora. Na obra O cortiço, de Aluísio

Azevedo, ela apresenta características sensuais, como é o caso da personagem Rita

Baiana. O comportamento sensual e de ruptura apresentados pela personagem expressa a

própria visão naturalista, deixa-se de lado a representação idealizada; e pode-se encarar

isso como uma espécie de “avanço” para o sexo feminino, pois de certo modo, esse

pensamento foi precursor de ideias que mais tarde abririam as portas para a liberdade

feminina.

Ao analisar-se a personagem, vale ressaltar seu estereótipo de mulher, cheia de

sensualidade e rebeldia, características presentes em toda obra, e não apresentadas

apenas por esta personagem. Contrária ao retrato da mulher idealizada romântica, Rita é

independente e, diferente da donzela do período anterior, oprime e seduz os homens,

desmoronando a ideia de modelo patriarcal da sociedade em que a mulher era apenas

objeto, a personagem critica, inclusive, a instituição do casamento, algo que vai contra toda

uma ordem estabelecida, pois entre Rita e Jerônimo não há casamento, eles se amasiam,

fator inovador para a sua época; e mais: é uma opção de Rita, ela acredita que o marido

escraviza a esposa.

O sensualismo, como uma característica ligada a uma identidade, é algo próprio e

uma marca da mulata de O cortiço, pois a sexualidade costuma ser uma figura de controle

ou dominação, uma vez que sendo caracterizada como mulata ela se distancia um pouco

da condição de negra, escrava e inferior. Precisa-se falar ainda da forma como na obra de

Aluísio Azevedo Rita Baiana é representada fisicamente, é marcada por muitos adjetivos,

utilizando a sinestesia como figura de linguagem para descrever as sensações provocadas

nos homens, pelos gostos, cheiros e imagens emanados pela mulata.

A "dança luxuriosa" de Rita Baiana e os "movimentos de cobra amaldiçoada",

sexualizam a personagem que envolve o português Jerônimo. Este se encanta com a

mulata, a qual, pela sua personalidade independente, sensual e desregrada, lhe desperta

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desejos e o envolve de tal modo que o faz sentir-se mais brasileiro. Remete à lembrança de

Eva, que astuciosa e envolvente, arrasta Adão ao pecado.

Por meio das personagens realistas, especialmente Rita Baiana, observa-se a

quebra de paradigmas provocada pelo comportamento da personagem, que para a época

causou uma indignação geral na sociedade.

O período modernista apresenta um olhar mais simpático à figura feminina. A

mulher, em boa parte das obras literárias é retratada basicamente como forte, batalhadora,

até mesmo, guerreira.

Dentre as diversas obras do Modernismo em que se dá destaque às personagens

femininas, será usada a obra Memorial de Maria Moura de Rachel de Queiroz, uma das

narrativas mais marcantes da escritora. A trama situa-se em meados do século XIX, no

sertão. Maria Moura é uma jovem que tem problemas com o padrasto e quando a mãe

morre, vê-se envolvida em uma disputa de terras. O romance apresenta a trajetória da

protagonista, que dá título à obra, que, de moça sozinha no mundo, se torna líder de um

bando de aventureiros, no sertão brasileiro, por volta de 1850.

Maria Moura é, antes de tudo, uma guerreira. Enfrenta os problemas sem

demonstrar medo, toma as decisões e comanda um grupo de homens na jagunçagem. Ela

representa a força da mulher destemida, líder e dona de sua vida e seu destino. Sua única

fraqueza é a paixão. Apaixonada, entrega-se ao amor infiel e vê-se obrigada a matar seu

amado. Esse sentimento a faz perder o entusiasmo e a vontade de continuar vivendo.

Na segunda geração modernista, há ainda a figura de Sinhá Vitória em Vidas

Secas como a representação da mulher que não se deixa influenciar nem abater pelo

medo. O romance a retrata trilhando com sua família os caminhos da caatinga, perseguidos

pela fome e pela miséria. Sinhá Vitória, uma retirante que cuida dos filhos, é uma mulher

forte, o esteio da família, decide a hora de partir e a hora de ficar, é aquela que indica o

caminho por onde a família deveria seguir.

Mesmo numa vida perpassada pela fome, falta de água, humilhações, enfim, todas

as misérias humanas, ainda traz dentro de si a atitude corajosa de cultivar sonhos que se

mostram impossíveis de concretização dentro da realidade em que vivem. Sinhá Vitória

desejava dormir numa cama de varas com lastro de couro, como a de Seu Tomás da

Bolandeira, onde pudesse repousar seu corpo cansado de sofrer. O outro sonho era uma

esperança de que um dia chegariam a um lugar melhor, de que seus filhos poderiam ter,

um dia, uma vida diferente daquela que ela e o marido levavam; uma existência mais digna

em que os meninos pudessem frequentar a escola. Portanto, sonhar servia de alento em

meio ao destino de misérias dessa mulher.

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Mais tarde, as décadas de 70/80 mostram-se como um divisor de águas na

trajetória feminina. Não apenas no Brasil como em boa parte dos países ocidentais.

Percebe-se nitidamente uma mudança de atitude em relação à mulher. Não apenas ela

começa a conquistar um espaço maior em todos os setores, também o homem, começa a

encará-la de modo mais igualitário, respeitando-a e valorizando-a.

Com o passar do tempo, a visão que a sociedade e principalmente os homens

tinham em relação à mulher, foram mudando. Com isso, elas foram conquistando seu

espaço na sociedade.

Na tendência da literatura do século XlX, é possível encontrar personagens que se

destacam pela ruptura feminina com o estereótipo da mulher que se submete ao homem. A

mulher pós-moderna (atual) recusa-se a aceitar imposições; independente, uma vez que

trabalha e ganha seu sustento, não se submete aos caprichos e exigências do marido.

Essa visão social do papel da mulher na sociedade, destaca-se no conto “A moça

tecelã”, Marina Colasanti. No conto, a personagem central é a anônima moça tecelã. Pode-

se inferir que esse anonimato é proposital, uma vez que remete a uma generalização,

podendo ser na realidade, qualquer mulher. A moça levava uma vida em total liberdade.

Não lhe faltava nada, seu trabalho era tecer e gostava muito de fazer isso. No entanto, “ela

mesma trouxe o tempo em que se sentiu sozinha”. Então, com cuidado e esmero “teceu”

para si um marido. Mas este, logo que entra em sua vida, descobre o poder da esposa em

tecer, em produzir com seu trabalho no tear tudo o que deseja. Começa a fazer exigências,

imposições. Obriga a mulher a tecer todos os seus caprichos: casa maior, palácio com fios

de prata, tesouros, cavalos... noites e dias sem descanso.

Ela não tinha mais tempo para admirar a natureza e as coisas de que tanto

gostava. O marido tira-lhe a liberdade e, consequentemente, a alegria. Tranca-a na torre

mais alta do palácio e exige mais e mais trabalho. E assim, “ela própria trouxe o tempo em

que sua tristeza lhe pareceu maior que o palácio com todos os seus tesouros.” E percebeu

que seria bom estar novamente sozinha. Aproveitou enquanto o marido dormia “sonhando

com novas exigências” e desteceu todas as coisas que ele a havia obrigado a produzir,

inclusive, desfaz o próprio marido. Em seguida, retoma a vida simples de outrora,

escolhendo cores claras para iniciar um novo dia, podendo-se interpretar como a nova vida.

Este conto, assim como outras obras da literatura, admite diferentes interpretações,

mas pode-se extrair uma leitura possível da questão feminina da atualidade, na qual a

mulher não se submete ao marido de forma assujeitada e impassível como no passado. Ela

é independente, deixa de ser apenas a dona do lar e passa a trabalhar fora, gosta do seu

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trabalho e ajuda no sustento da casa. E se o marido passa a explorá-la, decide se livrar da

exploração desfazendo seu casamento.

Ainda na tendência da literatura da atualidade a obra A mãe da mãe da sua mãe e

suas filhas da escritora Maria José Silveira, apresenta um retrospecto da mulher na história

do Brasil descrevendo as vidas de vinte gerações de mulheres no Brasil, de 1500 a 2003,

relaciona todos os tipos de mulheres; iniciando com a índia Inaiá, a qual nasce no momento

da chegada dos europeus, passa ainda por cafuzas, negras, brancas; mulheres fortes,

determinadas, frágeis, covardes, lutadoras, alienadas, finalizando com a estilista Maria Flor,

situada no Brasil da década de 80. Por meio da obra tem-se uma representação da

trajetória feminina neste país, possibilitando perceber as mudanças de perfil das mulheres

em cada época, que pouco a pouco vai conquistando sua autonomia.

Neste romance, nota-se que por meio de uma narradora que em muitas passagens

se mostra onisciente faz-se um questionamento da visão tradicional da História. Aponta

uma diferente noção de sujeito, ao colocar mulheres como protagonistas da trama, de certa

forma, faz uma espécie de ruptura na visão tradicional de que os heróis masculinos foram

os construtores da história; ao mesmo tempo em que experimenta novas formas de narrar,

promove uma mistura de gêneros literários e ainda revisita o passado do Brasil. Essa

revisitação é pautada por uma inserção das mulheres como sujeitos atuantes no contexto

sócio-histórico-cultural, não como heroínas capazes de atos grandiosos, mas como

pessoas comuns que participaram da construção do país. O próprio título da obra propõe

como referencial do texto a apresentação de uma linhagem feminina. Observa-se, no

entanto, que não se trata de uma tentativa de diminuição ou de apagamento da figura

masculina, mas de afirmação de uma identidade feminina.

3. Considerações finais

Partindo-se do pressuposto norteador das Diretrizes Curriculares Estaduais, em

que a perspectiva do ensino da língua deve ser a de ampliar os domínios de uso das

linguagens verbais e não verbais, a Literatura se projeta como um dos eixos fundamentais

deste processo. O documento antevê a ação do professor de Literatura como uma função

mediadora na formação do leitor, ao proporcionar aos educandos o contato com uma

extensa variedade de textos, abordando-os por meio da interação, cuja análise vise

construir conhecimentos, ampliar sua expressão escrita e suas relações sociais.

Reportando-se ao disposto nas DCE’s, é muito importante ter claro que

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(...) o ensino da literatura seja pensado a partir dos pressupostos teóricos da Estética da Recepção e da Teoria do Efeito, visto que essas teorias buscam formar um leitor capaz de sentir e de expressar o que sentiu, com condições de reconhecer, nas aulas de literatura, um envolvimento de subjetividades que se expressam pela tríade obra/autor/leitor, por meio de uma interação que está presente na prática de leitura. A escola, portanto, deve trabalhar a literatura em sua dimensão estética. (PARANÁ, 2007, p. 57)

Esta prática requer que o professor perceba como se dá a relação entre o leitor e a

obra, é nela que a representação de mundo do autor se confronta com a representação de

mundo do leitor, tornando o ato de ler ao mesmo tempo solitário e dialógico. Assim, o leitor

amplia seu universo, tornando a obra, de qualquer época, rica e atual, promovendo

releituras a partir da sua experiência cultural.

Contemplando as concepções presentes nas DCE’s de Língua Portuguesa e com

base no fragmento a seguir, torna-se evidente o compromisso dos educadores em

promover um trabalho com o texto literário no qual a leitura se efetive como um canal de

comunicação entre os sujeitos, e destes com as ideias presentes no meio em que vivem:

Para as teorias críticas, nas quais estas diretrizes se fundamentam, o conceito de contextualização propicia a formação de sujeitos históricos –alunos e professores – que, ao se apropriarem do conhecimento, compreendem que as estruturas sociais são históricas, contraditórias e abertas. É na abordagem dos conteúdos e na escolha dos métodos de ensino advindo das disciplinas curriculares que as inconsistências e as contradições presentes nas estruturas sociais são compreendidas. Essa compreensão se dá num processo de luta política em que estes sujeitos constroem sentidos múltiplos em relação a um objeto, a um acontecimento, a um significado ou a um fenômeno. Assim, podem fazer escolhas e agir em favor de mudanças nas estruturas sociais. (PARANÁ, 2007, p. 58).

Nesta abordagem, a linguagem é concebida como atividade que se realiza entre

sujeitos, considerada nos múltiplos discursos que a integram, compreendendo em si a

contribuição de outros códigos, como por exemplo, as artes visuais, a música, a fotografia,

as charges, o cinema, dentre outras mais.

Além disso, a literatura, como produção humana, está intrinsecamente ligada à vida

social, “o caráter emancipatório da obra literária relaciona a experiência estética com a

atuação do homem em sociedade, permitindo a este, por meio de sua emancipação,

desempenhar um papel atuante no contexto social.” (PARANÁ, 2007, p.58).

O entendimento do que seja o produto literário está sujeito a modificações

históricas, portanto, não pode ser considerado apenas em sua constituição, mas em suas

relações com outros textos e sua articulação com outros campos.

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Para refletir sobre o processo de ascensão da mulher na sociedade brasileira,

procurar-se-á detectar diferentes perfis femininos em momentos históricos distintos da

formação da cultura brasileira. Por meio de personagens protagonistas de obras literárias

publicadas em épocas estratégicas, é possível analisar como se deu a transformação do

estado de submissão e dependência em autonomia e liberdade.

A literatura contemporânea é muito rica em figuras femininas do tipo independente,

heroínas que apresentam as características da nova mulher. Cabe ao professor selecionar

os textos de acordo com a realidade de sua classe de alunos, de sua escola e de sua

própria bagagem de leituras e compreensão textual; porém, como bem colocam as DCE’s,

“é preciso que o professor tenha cuidado para não empobrecer a construção do

conhecimento em nome de uma prática de contextualização.”(PARANÁ, 2008, p. 28).

Utilizar a arte literária como objeto de reflexão: este é o caráter da proposta do

texto literário nas aulas. A literatura é um recurso que pode despertar no leitor uma

diferente percepção de mundo, pois com seus recursos apropriados para narrar histórias,

documentar, sensibilizar e emocionar constituiu uma nova maneira de olhar para o mundo

e, com isso, estabelece uma forma peculiar de inteligibilidade e conhecimento, viabilizando

o desenvolvimento de uma visão abrangente da realidade.

Esta concepção encontra base nas DCE’s ao propor que:

É nesse processo de luta política que os sujeitos em contexto de escolarização definem os seus conceitos, valores e convicções advindos das classes sociais e das estruturas político-culturais em confronto. As propostas curriculares e conteúdos escolares estão intimamente organizados a partir desse processo, ao serem fundamentados por conceitos que dialogam disciplinarmente com as experiências e saberes sociais de uma comunidade historicamente situada. (PARANÁ, 2007, p. 58).

O acesso aos saberes socialmente produzidos promove melhorias em todos os

sentidos da vida dos cidadãos, fazendo com que seus conhecimentos encontrem base

científica e sejam aprimorados ampliando sua visão de mundo e seus conceitos advindos

de sua realidade.

Além disso, como bem coloca Umberto Eco (1994), o livro é sempre uma obra

aberta, não se restringindo a uma única interpretação. Ele permite o diálogo entre o

indivíduo e suas próprias considerações e a assimilação de um conhecimento que vai além

da leitura literal. Por isso amplia visões, sugere hipóteses, desperta o senso crítico,

assumindo, portanto, um caráter referencial e acessório quanto à prática da leitura e

interpretação textual.

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