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José Soares de Veras Júnior Da informação ao conhecimento: o jornalismo científico na contemporaneidade Universidade Federal do Rio Grande do Norte Centro de Ciências Sociais Aplicadas 2005

Da informação ao conhecimento: o jornalismo científico na ... · conceituais entre Difusão Científica, Divulgação Científica e Jor-nalismo Científico . Nesta primeira

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José Soares de Veras Júnior

Da informação aoconhecimento: o jornalismo

científico nacontemporaneidade

Universidade Federal do Rio Grande do NorteCentro de Ciências Sociais Aplicadas

2005

Índice

1 O papel formador do jornalismo centífico 251.1 Introdução. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26

1.1.1 Jornalismo de ciência acompanha reali-dade econômica e social. . . . . . . . . 33

1.1.2 Atual avanço da pesquisa científica no Bra-sil . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38

1.1.3 Jornalismo científico também evolui en-quanto prática acadêmica. . . . . . . . . 40

1.2 Difusão científica: a diferença entre jornalismocientífico e divulgação científica. . . . . . . . . 42

1.3 A comunicação possui postulado científico. . . . 461.3.1 Diferença entre os conceitos de informação

e conhecimento. . . . . . . . . . . . . . 521.3.2 Características da redação científica. . . 571.3.3 Temas, fontes e a cobertura do jornalismo

científico . . . . . . . . . . . . . . . . . 631.4 Panorama histórico do jornalismo científico no Bra-

sil e no mundo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 671.5 Exemplos de divulgação científica na Imprensa

do RN . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 761.5.1 O casoDa Vinci . . . . . . . . . . . . . 831.5.2 ProjetoPolifônicas idéias . . . . . . . . 861.5.3 RevistaOdisséia . . . . . . . . . . . . . 911.5.4 Conclusão. . . . . . . . . . . . . . . . . 94

3

1.6 Uma breve história do jornalismo científico nocotidiano das escolas públicas e privadas do Brasil98

1.7 Final do Capítulo I . . . . . . . . . . . . . . . . 103

2 Por uma pedagogia dos meios 1052.1 Introdução. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1062.2 O encontro da comunicação com a educação no

pensamento latino-americano. . . . . . . . . . . 1082.2.1 Pedagogia da comunicaa̧ão ou linguagem

total . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1142.2.2 Educomunicação. . . . . . . . . . . . . 118

2.3 Final do Capítulo II. . . . . . . . . . . . . . . . 1232.4 Resultados da pesquisa. . . . . . . . . . . . . . 129

3 Referências 1353.1 Revistas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1463.2 Sites. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 146

Dissertação apresentada à Pós-Graduação em Educação daUniversidade Federal do Rio Grande do Norte como requisito

parcial para obtenção do grau de Mestre em Educação.

Orientação: Profa. Dra. Maria das Graças Pinto Coelho.

Agradecimentos

Gostaria de agradecer a Deus, antes de tudo, por ter me dadoforças para concluir este trabalho. A pesquisa me ajudou a aper-feiçoar a docência em Comunicação Social e me transformou emum jornalista mais lúcido, mais crítico, e com um texto um poucomais elaborado.

À professora Maria das Graças Pinto Coelho, que sempre meorientou como uma editora eficaz, sempre incisiva e com a orien-tação correta, no tempo certo, no local certo.

À minha esposa Isabel Cristine, a meu filho Arthur, e aos meuspais, José Soares de Veras e Valdeluce Correia, que sempre esti-veram comigo nos momentos mais difíceis desta pesquisa.

Ao Programa de Pós-graduação do Departamento de Educa-ção, pela elaborada paciência.

A bibliotecária Albanita Lins de Oliveira da UFRN. Sua agi-lidade e presteza orgulham o funcionalismo público.

Aos alunos de Comunicação Social da UFRN. Durante doisanos estudamos e amadurecemos juntas nossas concepções sobreo jornalismo. E viva os focas.

Aos companheiros das aulas de mestrado na UFRN e aos jor-nalistas que concederam entrevistas para esta dissertação.

Resumo

O objeto de estudo desta dissertação consiste na análise daatual natureza do Jornalismo Científico, onde se estuda a histo-ricidade deste segmento noticioso, sua produção de pautas e aatual indústria que cerca este nicho específico do jornalismo mo-derno. Leva-se em consideração o potencial educativo deste tipode jornalismo especializado e entende-se a comunicação comouma ciência transdisciplinar. Para isto elegeu-se como categoriade análise os Estudos de Recepção e Mediação — sobretudo dasvertentes norte-americanas e britânicas — além de se utilizar tam-bém o conceito de reportagem para identificar como se estabele-cem as relações epistemológicas entre Comunicação e Educação.Entre os objetivos específicos do trabalho está a averiguação docaráter científico da comunicação; análise das características in-dustriais e ideológicas dos periódicos científicos mais atuantes noBrasil e no Rio Grande do Norte; e por fim: análise das correntesteóricas da Pedagogia que se alicerçam nos referenciais teóricosda Comunicação Social, a exemplo daLinguagem Total, de Fran-cisco Gutierrez.

Palavras-chave:jornalismo científico, educação, reportagem,comunicação.

Abstract

The purpose of this dissertation is to analyze the actual na-ture of the Scientific Journalism, studying the historical facts fromthese informations segment, their matters production and the newsindustries that work with these specific niche of the contemporaryjournalism. It is taken into account the educational potential of thespecialized journalism and it is considered the communication asa transdiciplinary science. To get into this point it was elected asan analyze category the Reception it Mediation Studies - speciallythe north-americans theories — besides the utilization also of thereportage concept to identify how to establish the epistemologi-cal relations between Communication and Education. Among theobjectives of this dissertation are the investigation of the scientificcharacter of the journalism; the analysis of the theoretical currentsof Pedagogy that are based on the theory of Social Communica-tion, as for example the “Total Language” and the analysis of theindustrial and technological characteristics of the most importantscientific and cultural magazines of Brazil, Northeast and Natal.

Key words: scientific journalism, education, reportage, com-munication.

Os meios de comunicação estão incorporados como educadoresprivilegiados. Enquanto ainda falamos em educação para os

meios, ou leitura crítica dos meios, o campo"comunicação/educação"já está constituído. Já não se trata

mais, portanto, de discutir se devemos ou não utilizar os meiosde comunicação no processo educacional ou procurar

estratégias de educação para os meios. Trata-se de constatarque, educadores primeiros, são eles que estão construindo a

cidadania.

Maria Baccega in “Conhecimento, Informação e Tecnologia”.Revista Comunicação & Educação. Vol. 11. ECA, USP, 1998.

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Justificando a pesquisa

I. Apresentação e trajetória da pesquisa

O objeto de estudo desta pesquisa consiste na análise da poten-cialidade educativa do jornalismo através do gênero específico doJornalismo Científico, onde se avalia a história, as técnicas e osprincipais conceitos deste tipo de noticiário. Para tanto, forameleitas como categorias de análise os Estudos da Recepção e daMediação, que apontam como decisiva a participação do receptorna construção do significado das mensagens e na aquisição e ela-boração do conhecimento. A dissertação discute conceitualmenteas noções de informação e conhecimento, ciência, jornalismo eprodução noticiosa, dando ênfase, sobretudo, À análise doJor-nalismo Científicocomo vetor da difusão de conhecimentos nasociedade moderna.

Na primeira parte da pesquisa realizamos um estudo de casonacional e regional. O primeiro estudo mapeia a historicidade,técnicas e ideologias que perpassam a revistaSuperinteressante, oveículo de comunicação científica mais longevo da história nacio-nal, com 14 anos de existência e 394 mil leitores por mês. Oestudo regional realiza a análise histórica e social dos suplemen-tos científicos mais relevantes da história da imprensa potiguar:o Da Vinci, publicado no Diário de Natal; oPolifônicas Idéias,veiculado pela Tribuna do Norte, e a revistaOdisséia, editadapela UFRN. Estes veículos de comunicação constituem exem-plos práticos da atual divulgação científica regional do Brasil.Para tanto, além de pesquisa bibliográfica, recorreu-se a entre-vistas com jornalistas que já foram editores destes citados veícu-los. Neste tópico também se utiliza como referencial a leitura dosEstudos Culturais, sobretudo daPedagogia Crítica da Mídia, deDouglas Kellner, diante da análise dos citados veículos jornalísti-cos.

Ainda nesta primeira parte da dissertação tentamos mostrar

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como funciona a metodologia da reportagem e da edição, e dorelacionamento com as fontes no Jornalismo Científico atual.

Na segunda parte da pesquisa cumprimos com os seguintesobjetivos específicos: identificamos como se estabelecem asre-lações epistemológicasentre as áreas da Comunicação e Educa-ção; além de realizarmos estudo sobre as correntes teóricas daPedagogia que se alicerçam nos referenciais da Comunicação So-cial, a exemplo daLinguagem Total, de Francisco Gutierrez.

A metodologia adotada valeu-se de pesquisa bibliográfica nasáreas citadas, sobretudo através da leitura dos autores Jésus Mar-tín Barbero, Francisco Gutierrez, Paulo Freire, Edgar Morin, Dou-glas Kellner, Wilson Bueno, entre outros teóricos. Além disso, fo-ram realizadas consultas aos arquivos do jornal Tribuna do Nortee Diário de Natal; entrevistas com docentes, pesquisadores e jor-nalistas das áreas correlatas; consultas a jornais e revistas e, porfim, a sites especializados.

A dissertação também utiliza o conceito de reportagem, porentender que é neste tipo de texto - onde encontramos o Jorna-lismo Interpretativo - que se opera a transformação da informaçãoem conhecimento. Segundo Cremilda Medina, a reportagem é“a forma de maior aprofundamento possível da informação so-cial” (LIMA, 2004, p. 23). "A reportagem é o relato ampliado deum acontecimento que já repercutiu no organismo social"(MELO,1986, p. 49).

A relevância desta dissertação se explica pela marcante ausên-cia de bibliografia nesta área: “Em 1998 havia uma quase inexis-tência de bibliografia brasileira na área de Jornalismo Científico”(OLIVEIRA, 2003. p. 9). Outra justificativa importante é a expe-riência profissional do autor que trabalhou como jornalista na áreade cultura e ciência por quatro anos (2000-2004), numa rotina quepermitia confeccionar várias matérias diárias noCaderno Viver,na Tribuna do Norte; além de ter sido docente no Departamentode Comunicação da UFRN da disciplinaJornalismo Científicoem2004 - onde pôde desenvolver trabalhos experimentais que foram

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devidamente alocados na Internet e que também serviram comobase para esta pesquisa1.

Neste contexto, a dissertação apresenta a seguinte estruturapor temas: na primeira parte intituladaO Papel Formador do Jor-nalismo Científico, se analisa o atual avanço da pesquisa cien-tífica no Brasil e como este gênero típico do jornalismo acom-panha a realidade deste setor. Discutem-se também as diferençasconceituais entreDifusão Científica, Divulgação CientíficaeJor-nalismo Científico. Nesta primeira parte existem trechos de ent-revistas com os pesquisadores Wilson Bueno e José Marques deMelo. Eles aprofundam a discussão sobre a cientificidade da co-municação e avaliam a diferença conceitual entreInformação eConhecimento. Por fim, também são citadas as escolas teóricas epesquisas empíricas que validam a Comunicação Social enquantociência. Na segunda parte da dissertação, intituladaPor uma Pe-dagogia dos Meios, estuda-se as vertentes da História da Educa-ção que tiveram interesse no estudo das possibilidades didáticasdos meios de comunicação, a exemplo da teoriaLinguagem Total,idealizada pelo pesquisador espanhol Francisco Gutierrez e dosestudos de Paulo Freire sobre a comunicação. Aqui também seinclui um apanhado sobre aEducomunicação, que emerge comoum novo campo epistemológico e se consolida como área de in-vestigação. Esta segunda parte termina com uma análise sobre acontribuição que o jornalismo e a comunicação podem proporcio-nar a educação contemporânea.

As entrevistas feitas para esta pesquisa podem ser lidas inte-gralmente noAnexo Aque contém doze reportagens realizadasentre 2002 e 2004. Todas elas são com jornalistas atuantes naárea, docentes, consultores ou dirigentes de redações, com ex-ceção dos sociólogos Edgar Morin e Edgar Carvalho, que tam-bém foram entrevistados pelo mestrando por estarem À frente de

1 Entre os projetos citados vale a pena destacar a revista de Jornalismo Cien-tífico, produzida pelos alunos da UFRN (www.decom.ufrn.br/jol/ciência) alémdas entrevistas que compõem esta dissertação (www.decom.ufrn.br/jol/lead).

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vários projetos comunicativos que envolvem a divulgação cientí-fica.

Entre os jornalistas entrevistados estão os pesquisadores Se-bastião Squirra, Victor Gentilli, Wilson Bueno, assim como oescritor Zuenir Ventura, a coordenadora do Curso Abril de Jor-nalismo, Marília Scalzo, e os jornalistas Jomar Moraes e FlávioDiéguez, ex-editores da revista Superinteressante. Eles foram se-lecionados porque defendem exatamente aconciliação de sabe-res que o jornalismo contemporâneo evoca, mas foi levado emconsideração também seus depoimentos, obras e biografias. Osdados extraídos das entrevistas foram utilizados da seguinte ma-neira: utilizou-se apenas trechos elucidativos para referendar ostemas tratados. Os depoimentos constituem umtermômetrodasidéias atualizadas sobre o Jornalismo Científico e sobre algunsconceitos mais polêmicos que cercam o jornalismo contemporâ-neo. As entrevistas não foram utilizadas na íntegra no texto, daí anecessidade delas constarem integralmente num anexo.

II. Comunicação e Educação:um viés possível

Escrever uma tese é como escrever um livro, um exercício decomunicação [...] A pesquisa é científica quando o estudodebruça-se sobre um objeto reconhecível e definido de tal

maneira que também seja reconhecido pelos outros. O termo“objeto” não tem um significado físico. A raiz quadrada também

é um objeto, embora ninguém jamais a tenha visto. (ECO,Umberto. Como se faz uma tese. São Paulo: Editora Perspectiva.

1999).

O objeto de estudo desta pesquisa consiste na análise da po-tencialidade educativa do jornalismo através do gênero especi-alizado do Jornalismo Científico. A intenção é mostrar comoem vários âmbitos do jornalismo impresso - na área científica,

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sobretudo - se tenta sair da visão redutora da Comunicação en-quanto um somatório de enunciados informativos, para ampliaro conceito do “ato comunicativo” como sendo capaz de suscitaro debate, a análise, com papel ativo na construção da realidadecognitiva de nossa época, sem esquecer, contudo, as limitaçõesdos meios técnicos e das tecnologias envolvidas neste processo.Paulo Freire endossava esta união: “A educação pode, ao con-trário, ser entendida como diálogo, troca, enfim, como comuni-cação” (SANTORO, 1980, p. 10).

Sendo assim, não poderia ter sido escolhida outra categoriade análise para esta dissertação senão os Estudos da Recepção eMediação, que surgem nos anos 60. Segundo Citteli (1999) taisestudos vão questionar o postulado funcionalista que acreditavano caráter estático da informação, na passividade do receptor demensagens, entre outras assertivas clássicas bem conhecidas daTeoria da Comunicação. Nossa ancoragem teórica também re-correu a expoentes de outras vertentes analíticas, a exemplo daEscola de Frankfurt, que norteia as discussões sobre a IndústriaCultural e faz a crítica necessária À sociedade de consumo quelastreia os veículos de comunicação de massa. Também utiliz-amos os referenciais conceituais da Pedagogia Crítica da Mídia,de Douglas Kellner, ou de autores ligados aopós-estruturalismo,a exemplo de Edgar Morin, que também foi nosso entrevistadosobre o assunto.

Um objetivo específico cumprido nesta dissertação foi anali-sar as correntes teóricas da História da Educação que utilizaramos métodos da produção noticiosa como possíveis instrumentosde educação popular. Neste caso, a ancoragem teórica se justifica,pois comprova À investigação sobre a contribuição do JornalismoCientífico À educação moderna. Inúmeros autores destacam a im-possibilidade de se desassociar o caráter pedagógico dos meios decomunicação.

Segundo Santoro (1980, p.10) osmass-mediatornaram-se ver-dadeiros instrumentos de educação popular, ainda que não tenhamsido pensados para esta função. Segundo Sodré (1996), não se

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pode descartar a hipótese de que os meios sejam umaescola pa-ralela na medida em que exercem impacto ideológico sobre asconsciências. "Embora seus conteúdos não sejam estritamenteeducativos, geram efeitos de socialização capazes de competircom a hegemonia funcional da instituição escolar"(SODRé, 1996,p. 99).

Neste sentido, gostaríamos de esclarecer que os Estudos daRecepção e da Mediação não se limitam À interpretação dos efei-tos da audiência dos veículos analisados. Então, quando se falaem Recepção, não nos referimos apenas Às condições em quedeterminado público recebe uma mensagem: esta seria uma con-cepção limitada, pois se restringe apenas a uma das vertentes daRecepção, denominada de “Pesquisa dos Efeitos”, onde a audiên-cia é vista como um conjunto de pessoas em contato com umamensagem, onde o interesse recai sobre os níveis de duração daexposição, probabilidade de percepção, condições de contato, co-lhidos por instrumentos de medida tomados da psicologia experi-mental e social, segundo nos afirma Lopes (2004).

Nossa ancoragem metodológica não se limita aos estudos so-bre a audiência, mas ao contrário, buscamos, sobretudo o espaçode construção de significados na produção noticiosa do Jorna-lismo Científico, como umazona de mediações, segundo a de-finição de Robert White (1998). Neste sentido a pesquisa estámais próxima de outras vertentes da Recepção, como por exem-plo, os estudos de Crítica Literária, que recaem sobre a “estéticada recepção” e fazem uma exegese do texto e das intenções sociaisdos veículos de comunicação, com objetivo de entender melhor aexperiência cognitiva e estética do leitor.

Destacamos aqui a perspectiva integradora e com-preensiva dos Estudos da Recepção, uma vez que oprocesso de comunicação é articulado a partir das me-diações. Como diz Martin-Barbero: “As mediaçõessão esselugar de onde é possível compreender a in-teração entre o espaço da produção e o da recepção”.Através dessa concepção pode-se pensar amediação

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como uma espécie de estrutura incrustada nas práti-cas sociais e no cotidiano de vida das pessoas que,ao realizar-se através dessas práticas, traduz-se emmúltiplas mediaçöes. Esta perspectiva teórica da Re-cepção inspirou uma estratégia metodológica que partedos lugares de onde provêm os fatores que “delimitame configuram a materialidade social e a expressivi-dade cultural dos veículos de comunicação”(LOPES, 2004, p. 09).

Quando analisamos os suplementos científicos locais (Da Vinci,Polifônicas Idéiase a revistaOdisséia) utilizamos outra vertentedos Estudos da Recepção e Mediação, desta vez osEstudos Cultu-rais, que segundo Lopes (2004, p. 02) não só libertaram a reflexãosobre o modelo reducionista dos efeitos, mas analisam a produçãoe a recepção da mensagem dentro de um quadro semiológico in-spirado no Marxismo, acabando por colocar arecepçãocomoprática complexa de construção social de sentido. Para ancora-gem conceitual dos veículos locais de ciência, escolhemos a obrade Douglas Kellner, propositor daPedagogia Crítica da Mídia,para nortear nosso quadro analítico.

Neste sentido, os Estudos de Recepção e Mediação nos mos-tram que não podemos dizer que os meios de comunicação nãopossuem características didático-pedagógicas. As diversas cor-rentes que compõem esta teoria afirmam, entre outras questões,que:

1. as informações não são estáticas;

2. que os emissores e receptores não são neutros, mas que par-ticipam de “um mesmo processo dialógico de construção doconhecimento” (BAKHTIN, 1988, p. 123), e que os seusdiscursos se elaboram intertextualmente, mediado por umamplo campo de referências políticas, sociais, históricas,econômicas, etc;

3. que as mensagens não são limitadas aos dados estatísticos;

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4. que existe uma enorme diversidade de uso e propostas dosmeios.

White (1998) lembra que todas as culturas encontraram meiospara transmitir seus valores às gerações futuras, seja através datradição oral com narrativa de histórias, seja através de outras for-mas: "Hoje isto é feito principalmente pelos meios de comuni-cação"(WHITE, 1998, p. 42). Baccega (1998) vai além ao afirmarque a comunicação é produção social de sentido e, sendo assim, seconstrói nas relações sócio-históricas da sociedade pós-industrial.Os meios de comunicação são da natureza dessa sociedade, atuamcomo fator de coesão social tanto nas pequenas regiões, quantoem sociedades com grande complexidade:

Atuando privilegiadamente no cotidiano, eles editamo mundo, agendam temas. Por esta característica, acomunicação entra no processo permanente de pro-dução de significado, portanto, de construção de rea-lidade, em todas as suas manifestações, quer sejamculturais, econômicas ou políticas. Como lembra Martín-Barbero, a comunicação social é produção social desentido, de prazer, de estética, de cidadania (BAC-CEGA, 1998, p. 10).

Citteli (1999) afirma que esta discussão, na verdade, não énova, e que as inter-relações entre os campos da Educação e daComunicação podem ser remontadas às décadas de 30 e 40, e de-riva das inquietudes geradas pela expansão dosmediasno séculoXX: "A crescente presença da imprensa escrita, do rádio e, fi-nalmente, da televisão mostrava estar se desenhando uma novaconfiguração nos conceitos de ensino/aprendizagem, de educa-ção, de conhecimento"(CITTELI, 1999, p. 135). O autor defendeainda que a interfaceEducação/Comunicaçãose dinamizou a talponto que se multiplicaram nos últimos anos as pesquisas, os tra-balhos teóricos, as proposições práticas envolvendo novas linhasde pesquisa nas universidades, cursos de capacitação e publica-ções especializadas.

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Uma vasta gama de ações e reflexões voltadasà educação formal, não-formal e informal; a leituracrítica dos meios; as experiências nas escolas de ensino-médio e fundamental com produção de materiais jor-nalísticos impressos; as tecnologias baseadas na in-formática e que colocam novos desafios ao pensa-mento pedagógico; a formação dos chamados "edu-comunicadores- expressão de Mário Kaplun que sin-tetiza num mesmo e neológico enunciado, a neces-sidade de se fazer surgir um novo tipo de profissio-nal que consiga pensar de forma articulada duas áreascada vez mais interdependentes na sociedade contem-porânea (CITTELI, 1999, p.136-7).

Citteli (1999) argumenta ainda que esta linha de reflexão seassocia aos Estudos de Recepção e Mediação - que surgem nosanos 60 nos EUA - pois eles vão justamente questionar o postu-lado funcionalista de Lasswell que acreditava no caráter estáticodas informações. São os estudos sobre o receptor que irão des-fazer estes mitos cristalizados sobre o processo de emissão e re-cepção de mensagens.

Podemos apontar a existência de pelo menos quatro aborda-gens dos Estudos da Recepção com origem nas diversas tradiçõesdisciplinares ou na influência de contextos sociopolíticos e cultu-rais diferentes:

1. Tradição dos Estudos Culturais críticos anglo-americanos,com orientação neomarxista e considerável influência daanálise estrutural (Teoria Cultural Francesa, cujos princi-pais expoentes são Pierre Bourdieu, Jean-Claude Passeron,Michel Foucault e Jean Baudrillard);

2. Tradição Simbólica Interacionista, mais próxima às aborda-gens funcionalistas;

3. Tradição dos Estudos do Consenso Cultural, com fortes raí-zes na Antropologia Cognitiva Cultural de teóricos tão dife-

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rentes como Clifford Geertz, Claude Levi-Strauss e VictorTurner;

4. Sem nomenclaturas específicas, existem ainda as aborda-gens resultantes de interesses na cultura popular, movimen-tos populares, mídia do povo, democratização de comuni-cação e pesquisa sobre mídia e desenvolvimento de culturasnacionais (WHITE, 1998, p. 59).

Ainda segundo White (1998) nas últimas décadas ganharamrelevância os estudos relativos à recepção dos meios, também cha-mados deEstudos sobre a Audiência. Destaca-se nesta tendênciade pesquisa, o aspecto de que os leitores, os telespectadores, osradiouvintes não são mais tratados como consumidores passivos.São tratados, agora como capazes de ter leituras diferenciadas eplurais das mensagens veiculadas, buscando sentidos convergen-tes às suas experiências de vida. Durante os anos 70, os estudosdesta área variaram bastante: tanto destacavam os efeitos produ-zidos pelas mensagens veiculadas quanto enfocavam a seleção deprogramação de acordo com osUsos e Gratificações. Este é, porsinal, o nome de uma linha de pesquisa originaria do Estrutural-funcionalismo, que se desenvolveu nos Estados Unidos.

A metodologia mais utilizada nas pesquisas inter-pretativas de recepção é um tipo de etnografia da au-diência, que requer do pesquisador a reconstrução dosignificado da mídia a partir da perspectiva do sujeito.[...] Na América Latina e no Brasil, estes estudostambém são chamados de Teoria da Interpretação daAudiência. [...] Pode se mais acuradamente referir-sea ela como Teoria Interpretativa, porque estes estudosestão mais voltados para a interpretação que as au-diências fazem do significado dos produtos culturaisveiculados pela mídia do que para os efeitos compor-tamentais estimulados pelos meios de comunicação(WHITE,1998, p. 58).

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Vale ressaltar que as abordagens dos Estudos da Recepção eMediação, resultantes de interesses na cultura popular, deixampara trás o conceito do jornalismo como mero texto informativoe priorizam o enfoque da construção do significado por comu-nidades interpretativas. Enfocando os produtos noticiosos comoagentes e fontes de construção do significado e do conhecimento.Pode se dizer que nesta relação entreveículo/canal e leitor/ in-terpretanteas relações que se estabelecem criam uma identidademútua e aperfeiçoam o sentido e o significado das mensagens.

O pesquisador Jesús Martin-Barbero refere-se aeste espaço de construção de significados como uma‘zona de mediações’. Na sua atividade interpreta-tiva, os grupos sociais podem tomar dado texto damídia como ponto de partida, mas eles criam de fatooutro texto. Os textos criados vão sendo retrabal-hados no decorrer dos processos históricos e cultu-rais, os quais vão dando sentido às situações vivi-das.(WHITE,1998, p. 60).

Além dos Estudos da Recepção e Mediação, a dissertaçãotambém trabalha com o conceito de reportagem, pois se entendeque, para trabalhar e formar o conhecimento social, sobretudo naárea do Jornalismo Científico, a reportagem é otexto jornalísticoque mais se adequa a esta função educativa, por se diferenciarda mera notícia factual, das colunas especializadas e dos demaisconteúdos editorializados dos veículos de comunicação. Ela sediferencia porque é o único produto jornalístico que permite oaprofundamento analítico do assunto tratado - existem reporta-gens que são livros ou compêndios completos - diferente, port-anto, dos outros modelos técnicos de abordar e analisar os fa-tos. Nas reportagens podemos encontrar enquetes, descrição depesquisas laboratoriais, entrevistas, opiniões de especialistas, ver-sões diferenciadas de personagens em contextos distintos, alémdos boxes e infográficos informativos.

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Lage (1979) define a reportagem: "Compreende desde a simp-les complementação de uma notícia - uma expansão que situa ofato em suas relações mais óbvias com outros fatos antecedentes,conseqüentes ou correlatos - até o ensaio capaz de revelar, a partirda prática histórica, conteúdos de interesse permanente como aCampanha de Canudos, por Euclides da Cunha"(LAGE, 1979, p.83).

Portanto, a reportagem como gênero, pressupõe oexame do estilo e aprofundamento do relato, quandocomparado com a notícia, e ganha a classificação degrande-reportagem quando o aprofundamento é ex-tensivo e intensivo, na busca do entendimento maisamplo possível da questão em exame. Em particular,ganha estestatusquando incorpora à narrativa ele-mentos que possibilitam a compreensão verticalizadado tema no tempo e no espaço, ao estilo do melhorjornalismo interpretativo, adquirindo qualidade com-patível com a proposta de leitura ampliada do real.(LIMA, 2004, p. 24)

A reportagem faz parte de um contexto mais amplo, no qualse situa todo o processo industrial e intelectual de produção donoticiário moderno. A concepção de jornalismo defendida nestetrabalho acredita que o produto jornalístico, no caso, a reporta-gem, é uma mediação entre os produtores da notícia (as fontes)e a sociedade, levando em consideração os interesses de ambasas partes. Avalia-se, contudo, que as reais mudanças que aconte-ceram no jornalismo atual devem-se às alterações que ocorreramna forma como esta mesma sociedade produz, entende e inter-preta os fatos. Mudou-se o conceito de cultura e a maneira comoas pessoas hoje a adquirem. As classificações e distinções entre osprodutos eruditos e populares já não são tão claras, assim como ainevitável globalização da economia e das condições geopolíticasdo planeta fizeram com que os bens culturais e artísticos perdes-

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sem a sua áurea, tal como sinalizaram os teóricos da Escola deFrankfurt.

Não podemos deixar de constatar também que diversas obrasjornalísticas contribuíram para a melhor compreensão histórica denossa realidade atual, a exemplo dos conhecidos livros-reportagensde Zuenir Ventura (1968, o ano que não terminou), Fernando Mo-rais (Olga, A Ilha, Chatô), Rui Castro (O anjo pornográfico, Aestrela solitária) ou do Caco Barcelos (Rota 66), entre tantos ou-tros exemplos. Poderíamos dizer também que vários pesquisa-dores internacionais se utilizam de expedientes da narrativa jor-nalística para melhor compor as suas argumentações históricas.Fato este comprovado nas obras de Carl Sagan, Peter Burke ou deHobsbaw.

Neste sentido gostaríamos de concluir esta apresentação, situ-ando o contexto histórico e social de nossa pesquisa. Não pode-mos falar de um Jornalismo Científico, sobretudo com potencia-lidades educativas, antes do século XX. é claro, que a divulgaçãocientífica ganhou um enorme impulso na segunda metade do sé-culo XIX, através do desenvolvimento da indústria, das socieda-des e academias científicas que se proliferaram em toda Europanesta época. O jornalismo também já existia antes do século XX,mas a maioria das suas técnicas de coleta de dados, e demais in-strumentos que balizaram o processo de comunicação de massas,a exemplo da fotografia, cinema, diagramação, só tomaram im-pulso e ganharam as ruas, nas primeiras décadas do século XX.

Neste contexto recorremos à análise de Castells (1999) na suatrilogia “A era da informação”. Para o pesquisador, foi a partir dasegunda metade do século XX, que o mundo entrou em uma novaetapa multicultural e interdependente, que só poderá ser entendidaa partir de uma perspectiva múltipla que reúna identidade cultural,sistemas de redes globais e políticas multidimensionais.

O primeiro volume de sua obraA sociedade em rede(1999)introduz os conceitos voltados para explicar a revolução da Tecno-logia da Informação e como ela altera os conceitos clássicos demodo de produção, conhecimento e capital. No segundo volume,

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O poder da identidade(2000) temos a análise dos movimentossociais globais frente à chamada era da informação. No últimolivro, Fim de milênio(2001), Castells discute o colapso do esta-tismo industrial, o surgimento do capitalismo informacional; ocrescimento econômico do Pacífico Asiático; a Unificação da Eu-ropa e os Estados interligados a partir dos serviços das redes deinformação. Para o sociólogo surgiu uma nova economia nas úl-timas duas décadas. Tal modelo teria duas características bási-cas: seria informacional e global ao mesmo tempo. Informacionalporque os macro-organismos da sociedade (empresas, nações) de-pendem de suas capacidades de gerar, processar e distribuir infor-mações. Global porque todas as atividades produtivas que envol-vem o consumo e a circulação de mercadorias estão organizadosem fluxos, em conectividade.

Segundo Castells (1999), estamos vivendo um momento his-tórico que aponta a construção de uma organização humana emtorno da informação e das tecnologias que geram conhecimento.O que caracteriza, portanto, a sociedade contemporânea é a apli-cação de conhecimento para gerar mais conhecimento, como umanel que se retroalimenta, onde todos os dispositivos sociais esta-riam engajados na produção de capital cognitivo.

Três são as características da Era da Informação: a) a infor-mação é a matéria-prima; b) todas as atividades humanas são con-dicionadas - não confundir com determinadas - pela informação.Esta informação deve ser capaz de gerar capital intelectual; c) ló-gica das redes na produção de saber, na economia, produção debens e nas relações sociais (CASTELLS, 1999, p. 50).

Para Castells (1999) surgiu uma nova estrutura social mani-festada conforme a diversidade de culturas e instituições em todoo planeta. Estão em discussão as redefinições das relações entrehomens, mulheres e crianças, da sexualidade e da personalidade; aconsciência ambiental intrínseca às instituições com apoio político-estatal; sistemas políticos mergulhados em uma crise de legitimi-dade; movimentos sociais fragmentados, locais; diferenças de identi-dades primárias, religiosas, étnicas, territoriais, nacionais; busca

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pela identidade coletiva ou individual em um mundo de fluxosglobais de riquezas, poder e imagens.

Para saber que a economia mudou basta navegar pela Internet.Livrarias, supermercados, bancos, escolas, floriculturas e lojas deconveniência que não estocam produtos, não usam atacadistas,não têm sedes próprias ou prédios. Segundo Castells está claroque a tecnologia não determina a sociedade: incorpora-a. Mas asociedade também não determina a inovação tecnológica: utiliza-a para gerar mais conhecimento e bens materiais.

Só poderemos entender então, o papel social das mídias naatualidade dentro deste contexto multicultural e interdependentecriado pelos sistemas de redes globais de comunicação. Mais doque isso estamos diante de um novo patamar de compreensão co-gnitiva da realidade onde nos deparamos com inúmeros atores eidentidades culturais, num cenário econômico globalizado, per-meado por políticas multidimensionais. Neste sentido, está evi-dente que as mídias ultrapassam as suas funções historicamenteconsideradas como “técnicas” e o trabalho realizado com as “in-formações” também ultrapassam os dados estatísticos. é isso quetentaremos demonstrar nos próximos capítulos.

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Capítulo 1

O papel formador dojornalismo centífico

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1.1 Introdução

Embora os temas ligados à ciência sejam sempre vistos como “re-servados” a uma elite intelectual; as publicações do gênero têmconseguido crescer de maneira significativa. Isto se explica porinúmeros fatores, entre eles: uma maior presença dos bens cientí-ficos e de alta tecnologia no cotidiano dos indivíduos; a informati-zação de inúmeras atividades sociais; a evolução técnica da medi-cina e dos medicamentos; da indústria da estética, dos cosméticose dos eletrodomésticos.

Todos estes fatores são fenômenos que impulsionam a neces-sidade de formação científica, mas também “são produtos danovaeconomia, que depende estritamente das políticas de informação”(CASTELLS, 1999, p. 67). A importância de se popularizar as in-formações científicas pode ser exemplificada através de uma son-dagem feita por dois cientistas norte-americanos, na Universidadede Harvard, em 1987. Um cineasta percorreu uma festa de for-matura com uma câmera no ombro, fazendo a seguinte pergunta:“Por que faz mais calor no verão do que no inverno?”. (HAZENe TREFIL, 1995, p. 15).

Dos 23 alunos questionados, apenas dois conseguiram acertara questão.1 A mesma pesquisa foi realizada pela dupla de cienti-stas na Universidade de George Mason - conhecida por priorizaro ensino científico na graduação nos EUA. Ao serem indagadosqual a diferença entre um átomo e uma molécula, apenas metadedos alunos acertou a resposta. Preocupados com dados, RobertHazen e James Trefil decidiram escrever o livroSaber ciência,lançado no Brasil pela Cultura Editores, em 1995. Tendo porprincípio aalfabetização científica, os autores conseguem, atra-vés de linguagem descontraída e com metáforas, explicar as leisda Energia, do Magnetismo, da Relatividade e dos Ecossistemas.

1 As variações de temperatura podem ser extremamente diferentes em re-lação ao espaço e ao tempo. Não somente a temperatura sobe e desce conformeo dia e a estação do ano, mas também apresenta variação considerável em re-lação à altitude local.

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A proposta da obra é introduzir as pessoas nas questões de in-teresse científico, alfabetizando os leitores através dos princípiosbásicos da Física, Química e Matemática. Cabe lembrar, con-tudo, que não são apenas estes cientistas que desejam popularizara ciência. é a sociedade da informação que formou um públicoávido por assuntos que expliquem e ensinem as ciências moder-nas e a alta tecnologia.

Isto explica a notoriedade de alguns cientistas, como o físicobrasileiro Marcelo Gleiser. Ele passou a escrever para jornais e afreqüentar programas de televisão no Brasil depois que ficou co-nhecido do público, após premiação do governo norte-americanoem 1994. Seu livroA dança do universo(1997), lançado pelaCompanhia das Letras, inspirou até composição de Caetano Ve-loso. Outro exemplo parecido é do filósofo Jostein Gaarder. Oautor norueguês escreveu a obraO mundo de Sofiacom o objetivode popularizar a história do pensamento filosófico. O objetivo dolivro não é relatar a evolução da filosofia ao longo do tempo, masfazer com que os leitores conheçam as principais assertivas filosó-ficas. "De onde vem o mundo? Haverá uma vontade e um sentidopor detrás daquilo que acontece?"(GAARDER, 1998, p. 01).

Outro exemplo peculiar é da revista Superinteressante que atéo final de 2003 era a 5a publicação mais lida do Brasil, com médiade 394.228 mil exemplares vendidos todos os meses, segundo osdados do Instituto Verificador de Circulação publicados em 2004(www.ivc.org.br. Acesso em 09/09/05). Em entrevista a este au-tor2 os ex-editores e atuais colaboradores da revista, os jornalistasFlávio Dieguez e Jomar Morais, defenderam que a maioria daspessoas tem interesses científicos próprios na atualidade, emboraos leitores, de uma maneira geral, não se interessem pela aborda-gemacadêmicados assuntos relacionados à ciência e tecnologia.“O novo projeto editorial da Superinteressante decidiu romper devez com as formulações acadêmicas, incluindo as nossas fontesfixas nas universidades e decidimos reelaborar tudo"(MORAIS,2003). Fundador da revista, Flávio Dieguez trabalhou na Super-

2 Ver entrevistas completas no Anexo A.

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interessante por 14 anos e confirma este novo modelo, emboratenha críticas sobre ele.

A boa fórmula da Super consistia em transformaras notícias em histórias interessantes; agora encon-tramos histórias interessantes que não são notícias, e,em diversos casos, nem informação, apenas conjec-turas e palpites. é uma boa revista, sem dúvida, feitapor ótimos profissionais, bonita e com bom conteúdo.Não é esse o ponto: o que se pode dizer, apenas, é queo jornalismo de ciência perdeu espaço (DIEGUEZ,2004).

Por outro lado, a prova de que o consumo de informação cien-tífica aumentou, independente do modelo adotado, é que nos últi-mos anos surgiram inúmeras publicações nos mesmos moldes daSuperinteressante, a exemplo das revistas Galileu, e das versõesbrasileiras daScientic American, National Geographic e da Dis-covery- provando que o mercado brasileiro está crescendo nestaárea e que a diversificação das pautas e das fontes, assim como oaprimoramento da qualidade gráfica das publicações, precisará tersua qualidade sempre ampliada. Vale lembrar que o nicho de in-teresse editorial dos assuntos de cunho científico se ampliou tantoque apenas a Editora Abril no último semestre de 2004, criou maisde uma dezena de novas publicações de cunho científico, a exem-plo da revistaSapiens, Universo Animal, DVDs Históricos, entreoutros títulos.

As publicações científicas são um exemplo à parte na rea-lidade econômica do mercado editorial brasileiro. Segundo asestatísticas aferidas anualmente pela Câmara Brasileira do Livroe pelo Sindicato Nacional de Editores, há um consenso de quenosso mercado editorial é completamente incompatível com o ta-manho e a importância do país. Segundo George Kornis, profes-sor de Políticas Sociais da UERJ, as editoras ainda são negóciosfamiliares, por vezes amadores, praticamente empresas defundode quintalquando comparadas às organizações profissionais do

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exterior (VELLOSO, 2003, p. 01). Kornis finalizou recentementeuma pesquisa sobre o universo do livro e da leitura no Brasil. Oestudo demorou um ano e meio para ficar pronto, e foi subsidiadopelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social(BNDES). A pesquisa constatou, entre outras assertivas que, en-quanto todo mercado editorial brasileiro fatura, por ano apenasUS$ 900 milhões, o grupo editorial alemão Bertelsmann, tem re-ceita anual de US$ 9 bilhões. (VELLOSO, 2003, p. 01).

Avalia-se, contudo, que as reais mudanças que ocorreram nojornalismo, sobretudo na área científica, devem-se às alteraçõesque ocorreram na forma como a sociedade produz, entende e in-terpreta os fatos. Como já foi dito anteriormente, com a inevitá-vel globalização da economia, os bens culturais perderam a aura epassaram a ser vistos como produtos comuns. A crítica, aos pou-cos cedeu lugar ao serviço e as avaliações do noticiário voltaram-se às novas tendências de consumo de determinados bens, ou so-bre as novas descobertas médicas ou tecnológicas; abordagensque têm maior impacto em termos de audiência. Mas não foi sóa imprensa que se modificou com o desenvolvimento da IndústriaCultural no século XX. Walter Benjamim explica, de maneira ge-ral, estes acontecimentos no seu ensaioA obra de arte na épocade sua reprodutibilidade técnica.

Dado que as superestruturas evoluem muito maislentamente que as infra-estruturas, foi preciso maisde meio século para que a modificação ocorrida nascondições de produção fizesse sentir seus efeitos emtodos os domínios da cultura [...] Ao curso de grandesperíodos históricos, juntamente com o modo de exis-tência das comunidades humanas, modifica-se tam-bém seu modo de sentir e perceber. A forma orgânicaque a sensibilidade humana assume, o meio no qualela se realiza, não depende apenas da natureza, mastambém da história (BENJAMIN apud LIMA, 2000,p. 222-7).

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Os filósofos da Escola de Frankfurt, exilados nos EUA - de-vido à ascensão do Nazismo na Alemanha - inquietaram-se coma transformação da cultura nos anos 40 e defendem um posicio-namento crítico em relação à indústria. Eles se recusam a acre-ditar que as criações dos novos meios de transmissão de infor-mações possam fortalecer a democracia. Theodor W. Adorno(1903-1969) e Max Horheimer (1875-1973), principais expoentesdesta tendência, analisam a produção industrial dos bens culturaiscomo um movimento global de produção mercadológica. Os fil-mes, os programas, o rádio, as revistas, ilustram a mesma racio-nalidade técnica, o mesmo esquema da fabricação de automóveis,por exemplo.

Há quem veja no receptor de informações - o in-divíduo comum - capacidade e autonomia de escolhae interpretação; de outro lado, existem estudiosos queenxergam amass mediacomo uma manipuladora in-controlável. Adorno, que dedicou amplo esforço à in-vestigação do tema, foi partidário da visão, por assimdizer, mais "pessimista". Dos anos 40, quando o filó-sofo alemão iniciou suas análises sobre o fenômeno,aos dias de hoje, os recursos tecnológicos se multipli-caram. Em meados do século XX, havia apenas siste-mas de rádio e a máquina hollywoodiana de cinema.Hoje, além da televisão, das transmissões via-satélite,de equipamentos de áudio com alta-fidelidade e atémesmo dos vídeos caseiros, a informática e os re-cursos de rede tornaram ainda mais complexas as re-lações entre público e mídia. (DUARTE, 2004, p.01).

Não podemos esquecer as assertivas críticas necessárias à in-dústria cultural, sob o prisma da Escola de Frankfurt, pois tal aná-lise foi decisiva durante a Guerra Fria. A indústria cultural agiria,justamente, na difusão da idéia de consumismo como liberdade

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de escolha do indivíduo. Apesar dos tempos serem outros, a aná-lise de Adorno em relação a tal realidade permanece. "Sou con-tra a demonização da indústria cultural. Mas também é precisoanalisá-la e criticá-la como reflexo de um sistema coercitivo. Nãocondeno o meio em si, mas a forma como é utilizado"(DUARTE,2004, p. 01).

Retornando a discussão dos periódicos, em geral, ao abrir umjornal de circulação nacional, é nos suplementos científicos quevamos encontrar as matérias mais complexas, com maiores ar-gumentações e que, às vezes, levaram dias para que uma equipepudesse apurá-las. Deve ser dito, no entanto, que o outro ladotambém existe. Existem cadernos de ciência, que dependendo dasua linha editorial, passam a ser apenas meros canais de divul-gação, reprodutores das necessidades das indústrias de bens deconsumo tecnológicos ou de medicamentos e cosméticos. Estescadernos ou suplementos de ciência não investigam, não apro-fundam os assuntos da maneira como eles deveriam ser tratados,não apresentando todos os lados da questão, apenas divulgandonovos produtos das empresas. Atualmente esses exemplos são aexceção, e não a regra. As dificuldades, a priori, residem no fatode se buscar fatos novos e imparciais sobre os bens científicos,em tempo geralmente curto e tendo que escrever o dobro ou o tri-plo das matérias que os cadernos da geral escrevem, tendo maistempo e estrutura.

Mas, nesta introdução se faz necessário estabelecer um contra-ponto à visãofrankfurtiana. Citaremos os Estudos da Recepçãoe Mediação, tendo como ponto de partida a vertente dos EstudosCulturais britânicos, sobretudo porque os autores Raymond Wil-lians, E.P. Thompson e Richard Hoggart fazem reflexões sobre aprodução dos noticiários e os seus reflexos sociais. Willians, porexemplo, foi um dos primeiros autores a afirmar, ainda nos anos60, que os meios de comunicação não são meras formas de trans-porte de informações, mas dotados de textos que revelam signi-ficados culturais criados em determinados períodos históricos eque estão ligados a transformações comportamentais e mudanças

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intelectuais objetivas nos receptores. (WHITE, 1998, vol. 12, p.60).

Willians era crítico literário e trouxe para os Estudos da Re-cepção uma série de metodologias analíticas da tradição huma-nista, que constituem os fundamentos dos métodos qualitativosdesta escola, incluindo a análise Hermenêutica - que compreendea análise do significado de um texto de acordo com os seus refe-renciais sócio-culturais - assim como a capacidade de seus leitoresre-trabalharemos significados destes mesmos textos. Hoggart,por sua vez, foi o primeiro a dirigir uma instituição que se tor-nou a maior propagadora dos temas e metodologias da Teoria daInterpretação Crítica, o Centro para Estudos da Cultura Contem-porânea (CECC), em Birmingham, década de 60 (WHITE, 1998,vol. 12, p. 61).

Em relação aos diferentes tipos de produtos científicos que cir-culam na grande mídia, incluindo desde os temas clássicos (comofísica quântica, química avançada, genética, termodinâmica, etc.)até os produtos de consumo imediato (novelas, quadrinhos, fil-mes) cabe lembrar que esta dissertação não se propõe a analisarse estes produtos são resultados de uma oposição entre uma su-posta cultura erudita e a chamada “cultura de massas”, pois osEstudos Culturais defendem que existe necessariamente diferen-tes contextos sociais por onde circulam mensagens tão distintas.

Para estes pesquisadores os gostos das camadaspopulares não são necessariamente piores, apenas di-ferentes, dados os seus contextos culturais da vida di-ferenciados. Se a massa popular acha divertido as-sistir novela ou a um gênero de seriado de aventuras,então tem direito a ter sua própria cultura. Esta linhade pensamento defende que a mídia também podeser uma atividade de entretenimento, na qual o pra-zer é o elemento-chave da experiência. Análises de‘esquerda’, carregam o legado Iluminista que não vêvalor algum na diversão a não ser que esteja ligada

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a movimentos políticos. (WHITE, 1998, vol. 12 p.72).

White (1998) afirma ainda que os gêneros como novela, tiposde música popular, esportes, noticiários sobre carros, etc., repre-sentam necessariamente textos negociados, que significam umaintersecção entre os sempre contraditórios discursos sociais, nãopodendo simplesmente ser reduzidos a um suporte de classe, raça,ou subordinação de gênero.

1.1.1 Jornalismo de ciência acompanha realidadeeconômica e social

Mesmo diante do atual quadro econômico da realidade editorialdo país, não há como não considerar o crescimento dos títuloscientíficos e de cunho tecnológico. Este aumento do interesse pú-blico implicará na edificação de publicações cada vez mais seg-mentadas, que sejam capazes de abordar a multiplicidade de des-cobertas e de invenções dos laboratórios e das empresas de tecno-logia, mas por outro lado, estas publicações também serão capa-zes de contemplar o interesse coditiano em ciência, dos leitoresem geral.

Levando em consideração este contexto, o jornalista JomarMorais, editor da Abril e ex-editor da Superinteressante, explicaque ao se fazer uma matéria científica existem quatro objetivosbásicos: explicar o que é; de onde surge; e quais as conseqüên-cias do assunto abordado. Por último deve-se explicar os reflexosdo assunto no dia-a-dia do leitor. O jornalista argumenta que du-rante a elaboração das matérias de ciência existe a necessidade dese prever as necessidades dos leitores. "Deve-se ir além. Ao sefazer estas reportagens devemos nos indagar até que ponto aquilorealmente acrescenta à vida prática. Em que aquele assunto podeajudar na vida de quem está lendo"(MORAIS, 2003).

Em entrevista a esta dissertação Morais (2003)3 argumenta

3 Ver entrevista completa no Anexo A.

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que a idéia principal é combater as fórmulas fixas, distanciando-se da ortodoxia. Para ele, a Superinteressante descobriu que oconhecimento produzido em sociedade não era apenas o das uni-versidades e rompeu com os vínculos automáticos. Essa nova pro-posta tem repercutido diante do público, mas não pode ser vistacomo uma regra geral. Revistas como aScient

Americane aNational Geographicmantiveram uma lingua-gem formal culta, acima da média das publicações congêneres.

Segundo depoimento de Flávio Dieguez, um dos jornalistasfundadores desta revista, a Superinteressante surgiu a partir daexperiência da Editora Abril com outro título;Ciência Ilustrada,que circulou entre 1981 e 1984, chegando a vender 80 mil exem-plares em banca, mesmo não tendo recursos próprios, nem publi-cidade. Esta foi a primeira grande revista de ciência em circulaçãono Brasil. A Superinteressante foi criada três anos depois, em se-tembro de 1987. Dieguez foi o editor-chefe daCiência Ilustrada.

A Abril fechou a Ciência Ilustrada alegando quenão interessava vendas abaixo de 110 mil volumes;mas eu lembrava que 80 mil não era pouco, mas prin-cipalmente que o assunto ciência estava claramenteem alta no mundo, pois surgiam novas revistas e asexistentes cresciam. Previ que a Abril teria que lançaroutra revista. Foi o que aconteceu, mas não por in-iciativa da direção da empresa, mas por pressão deum sócio, Carlo Civita, atuante na Argentina e Mé-xico. Carlo Civita forçou o lançamento da Super noBrasil. (DIEGUEZ, 2004).

Flávio Dieguez foi o autor da primeira reportagem, do pri-meiro número da Superinteressante, em 1987. Nesta época a re-vista tinha uma linguagem mais didática, mas deve-se constatarque o público também era outro. Não havia acesso à Internet,as redações começavam a se informatizar, e, conseqüentemente,as publicações de ciência e tecnologia tinham um perfil maisex-plicativo. A reportagem de capa do primeiro número da Super

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abordava o tema dos Supercondutores. Ela já seguia uma linha deargumentação que o futuro da revista adotaria: descrevia a teo-ria, o mecanismo básico do fenômeno, sem receio de assustar oleitor, para em seguida descrever os segredos básicos da naturezaou das tecnologias existentes; utilizando dados históricos, numalinguagem acessível e popular.

Nesta primeira matéria da Super, sobre supercon-dutores, usei e abusei das ilustrações, das analogias,das comparações com a mecânica (especialmente adinâmica árabe e arquimediana, pré-Galileu), alémde “forçar” a familiarização do fenômeno com o co-tidiano e apresentar aos leitores a idéia inusitada de“fazer” um supercondutor em casa. (DIEGUEZ, 2004).

Morais (2003) afirma ainda que o objetivo das publicaçõesespecializadas não é somente ensinar os princípios básicos dasciências, mas sim, abordar temas relevantes, iluminando estes te-mas com as novas pesquisas científicas. A comprovação disto éa mudança das pautas que, nos últimos números da Superinter-essante não tratou de temas exclusivamente voltados para a ciên-cia, abordando assuntos como violência urbana e terrorismo, fa-zendo até capas sobre ensinamentos religiosos do Dalai Lama emeditação. Os editores divergem neste tópico.

Segundo Dieguez ainda existe uma “brecha” no mercado edi-torial de Jornalismo Científico porque a proliferação das revistasnão cobre a amplitude das pesquisas do público universitário, pro-fessores e alunos. O editor pondera: “O problema é convenceruma editora a encarar este desafio, porque todos querem dinheirofácil, ninguém quer investir” (DIEGUEZ, 2004). Segundo o jor-nalista, para explorar o filão não é só seguir apasteurizaçãoedi-torial adotada pelas revistas na última década. Deve-se levar emconsideração a atual realidade científica do Brasil.

Está claro que, desde a edição até o texto da reportagem, exis-tem procedimentos diferentes e formas distintas de se lidar com ainformação. Existem jornalistas que defendem o apoio explícito a

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determinados eventos ou manifestações científicas; existem aque-les outros que defendem o uso de críticas, para isentar o texto emostrar o outro lado da questão. E também existem os jornalistasque defendem apenas o exercício de “reportar os fatos”, ou seja,a reportagem se detém apenas sobre a realidade do fato científicoe deixa que a sociedade julgue, apóie ou critique os acontecimen-tos. Neste sentido, Cornu (1997) questiona: a quem o jornalistadeve prestar contas?

Junto ao público e à opinião pública em geral;para com as suas fontes e as pessoas sobre as quaistece comentários; para com as normas profissionaise seus órgãos tutelares; perante suas próprias con-vicções conforme sua consciência individual; para coma hierarquia redacional; para com os grupos de inte-resse, poderosos ou não, que constituem o ambienteeconômico e social da empresa; para com o Estadoe os seus órgãos e frente à sociedade como um todo(CORNU, 1997, p. 43).

A operação ética do jornalismo consiste em transformar os fa-tos em realidade. Ou seja, em tornar compreensível a todos osmembros de uma sociedade, os acontecimentos do cotidiano. Adialética do jornalismo, por sua vez, analisa a argumentação doslados contrários de uma mesma questão, sem contudo, tomar par-tidos, nem ter preferências ideológicas, estéticas, políticas. Esta éa dialética da reportagem: encontrar de maneira ética, uma formaneutra, ou isenta, de noticiar a realidade.

A expressão dialética sofreu várias modificações com o passardo tempo. Dos gregos até o materialismo alemão hegelliano, otermo ganhou vários significados. Em nosso caso entenderemoso termo “dialética” como a possibilidade de um discurso englo-bar o seu lado contrário, sua oposição. Esta operação, no nossoponto de vista, mais do que um procedimento discursivo seria umprocedimento “ético”, na acepção filosófica do termo. Esta ar-gumentação nos introduz no âmago da reportagem científica. “é

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então, e só então, que o conceito de informação pode estender assuas asas e, da entropia ao antropos, do objeto ao sujeito, atra-vessar o universo, não para subjulgá-lo, mas para conhecer o seumistério. (MORIN, 2001, p. 330).

Neste contexto, vale lembrar que a imposição de temas porparte da mídia é estudado na Sociologia da Comunicação, sobre-tudo através da teoria intitulada “Agenda Setting”4. Segundo estateoria, a imprensa não tem o poder de determinar quais os assun-tos serão mais importantes ao consumidor, mas pode influenciarna decisão de quais temas serão mais discutidos na agenda púb-lica do universo social do receptor. Também existe o outro ladoda questão: este agendamento social de temas não pertencen-tes ao “repertório de um receptor comum” vem sendo apontadocomo prova do efeito democratizador dos meios de comunicação(FILHO e FABBRO, 1998, p. 23).

é difícil, contudo, deve se admitir, conciliar tantos interesses,de classes historicamente antagônicas, de ideologias ou de valo-res políticos e existenciais tão conflitantes. Neste contexto Mc-Combs e Shaw (1972) descrevem três agendas – política, públicae midiática – e partem do princípio de que os acontecimentos sãodemasiados para terem espaço igual nos media e que o público(leitores, espectadores) não tem tempo para assimilar toda a infor-mação, motivo pelo qual se impõe uma seleção prévia. Os mediaescolhem os assuntos de maior ou menor atenção, de acordo comvárias pressões sociais, especialmente as dos interesses das elitesda opinião pública.

Na Europa, a investigadora alemã Elizabeth Nöelle-Neumann(1995) considerou que as discussões científicas estão centradas naquestão de saber se os media noticiosos antecipam a opinião púb-lica ou apenas a refletem. Vale dizer que os estudos batizados de“Agenda Setting” fazem parte da vertente teórica conhecida como“Teoria da Notícia” que compreende outros estudos como por

4 O termo foi usado pela primeira vez por McCombs e Shaw em The agendasetting function of mass media. Public Opinion Quartely. N. 36, 1972, p. 176-87.

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exemplo, aTematização, cujo principal expoente é Niklas Luh-man; aEspiral do Silêncio, cujo investigadora é a já citada Eli-zabeth Nöelle-Neumann, e a corrente batizada deNewsmaking,cujo propositor é Gaye Tuchman, que sugere que a notícia defineum acontecimento e reconstitui significados e formas sociais.

1.1.2 Atual avanço da pesquisa científica no Brasil

Não podemos deixar de citar as mudanças estruturais que aconte-ceram no Brasil nestas últimas duas décadas. Entre 1981 e 2000o País passou da 28a para 17a posição noranking mundial deprodução de ciência. Os dados, relativos à elaboração de arti-gos científicos, são do Institute for Scientific Information (ISI).Nesta posição, o Brasil está à frente da Bélgica, Escócia e Israel,entre outros, e bem próximo da Coréia do Sul, Suíça, Suécia, Ín-dia e Holanda. O avanço da pesquisa científica brasileira resultade iniciativas tomadas há meio século, especialmente com a cons-tituição do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico eTecnológico (CNPq), principal agência nacional de fomento.

Nos anos 60, além da criação da Fundação de Amparo à Pes-quisa do Estado de São Paulo (Fapesp), também foram implan-tados vários cursos de pós-graduação destinados à formação denovos pesquisadores. Desde então, novas agências estaduais deapoio à pesquisa foram instaladas e fortalecidas. E, em meadosda década de 80, a criação do Ministério da Ciência e Tecnolo-gia enfatizou a política científica e definiu áreas estratégicas parainvestimento e apoio.

Os teóricos brasileiros dos Estudos da Recepção e Mediaçãotambém apontam mudanças no Brasil nesta mesma época, sobre-tudo, no que diz respeito à produção de conhecimento a partir daformação da subjetividade do público, dos cientistas e dos pró-prios jornalistas. Segundo Sousa (1995) a Teoria da Ação Comu-nicativa, de Habermas, já havia apontado a importância do quedenominoumundo vivido, tanto quanto no Brasil, já se discutia

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nas Ciências Sociais o papel da subjetividade como instrumentode ampliação do conhecimento.

à medida que novas formas de subjetivação sãodescobertas no meio social, aparecem novos prismasde estudo [...]. Os meios de comunicação são vistos,no caso, não apenas como veículo, mas como ex-pressão de uma instância pública que indaga, e tam-bém reconhece, os espaços de construção de valores,ainda que sejam grupais. Tais espaços são ao mesmotempo de negociação e de debates, já que os valo-res, longe de serem expressão de sentido dado apenaspelo produtor ou pelo receptor são o que exprimemo processo mesmo no qual eles ocorrem. (SOUSA,1995, p. 35-6).

Sousa (1995) lembra ainda que, apesar de todos os avançosem termos de conteúdo, pautas e produção de noticiário cientí-fico, não podemos reduzir os meios de comunicação apenas àsmudanças técnicas e avanços tecnológicos. Devemos levar emconsideração que os meios não existem isolados, nem as pessoasse expõem a eles isoladamente. Na verdade ocorre uma práticaconjugada. A mídia está na esfera de produção tanto quanto na doconsumo, como na construção do discurso que cerca as práticassociais. Ela é agente e produto das transformações históricas esociais que a ciência sofreu em todo o século XX.

O ex-ministro da Ciência e Tecnologia do Governo Lula, Ro-berto Amaral, (AMARAL, 2003, p. 49) definiu em cinco metaso modelo do atual desenvolvimento científico brasileiro: 1) a mu-dança ético-humanista, pois segundo o ministro, a produção deciência e tecnologia não é uma categoria que se auto-homologa,mas só pode se legitimar, se estiver integrada em prol do desen-volvimento das pessoas que cercam aquela comunidade científica;2) a segunda meta é a transformação do projeto de exclusão paraum projeto de inclusão, ou seja: estender as benesses do conheci-mento e dos bens científicos a uma quantidade cada vez maior de

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usuários; 3) estes passos levariam, segundo o Ministro, a uma des-concentração de renda, pois estaríamos vivendo atualmente um“apartheid tecnológico”, entre diversos grupos sociais, variandopor idade, formação cultural, econômica e determinações de or-dem geopolítica. Neste item Roberto Amaral afirma que existemdois compromissos: dar continuidade às pesquisas nos centros deexcelência sem esquecer de promover o desenvolvimento nas re-giões menos desenvolvidas.

Nas duas últimas metas o ex-ministro pede que academias, la-boratórios e empresas pensem a introdução das inovações cientí-ficas ao processo produtivo e que projetem o desenvolvimento ci-entífico nos próximos 20 anos. “Cumpre-nos pensar hoje a impor-tância que terá no futuro as questões ligadas ao Genoma e a Na-notecnologia, por exemplo”. (AMARAL, 2003, p. 51). RobertoAmaral conclui dizendo que a meta geral do atual Ministério daCiência é agregar valor aos itens da pauta de exportações, atravésdo desenvolvimento científico. Um dos lemas desta tentativa demudança social proposta pelo Governo Lula é a formação de 6 mildoutores por ano, nas universidades públicas. Segundo o Minis-tério da Ciência e da Tecnologia, atualmente o Governo Federalinveste cerca de 1,0% do PIB (Produto Interno Bruto) em Ciênciae Tecnologia. O Governo Federal espera dobrar este índice até2006 (AMARAL, 2003, p. 52).

1.1.3 Jornalismo científico também evolui enquantoprática acadêmica

Para concluir esta introdução deve-se lembrar que o JornalismoCientífico brasileiro também tem se profissionalizado nos últi-mos anos a partir, sobretudo, da contribuição das universidadese da constituição de agências experimentais de notícias. A Fun-dação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP),recentemente instituiu um projeto para incentivo à formação dejornalistas científicos. A Universidade Metodista de São Paulo(UMESP) tem uma área de pesquisa, em seu programa de pós-

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graduação em Comunicação Social, voltada à comunicação cien-tífica (e ao jornalismo científico, em particular), com dezenas dedissertações e teses já defendidas.

A Universidade de São Paulo, a Universidade Federal do Riode Janeiro e a Universidade Federal de Pernambuco também seocupam deste tema através de cursos de pós-graduação. Temostambém, a exemplo de outros países, uma Associação de Jor-nalismo Científico, a ABJC (www.abcj.org.br), constituída atu-almente por cerca de 400 sócios, além de pequenas associaçõesde redatores científicos e de profissionais de informação cientí-fica espalhadas por todo o País.

Nesta descrição vale lembrar o trabalho do Laboratório deEstudos Avançados de Jornalismo (LABJOR) da UniversidadeEstadual de Campinas (UNICAMP), que completa em 2004, umadécada de atividades. Os idealizadores do laboratório foram osprofessores Carlos Vogt, José Marques de Melo e o jornalista Al-berto Dines. O objetivo foi criar um centro de pesquisa e acom-panhamento crítico da mídia, sobretudo na área científica. Dasatividades do LABJOR nasceram cursos de extensão e de pós-graduação sobre Jornalismo Científico, assim como inúmeras pu-blicações - a exemplo das revistas “Cultura e Ciência” e “Com-Ciência” - e do projeto do programa televisivoObservatório daImprensa, veiculado pela TV Cultura desde 1996 e de site homô-nimo. Além disso, o LABJOR também presta assessoria a diver-sos programas e projetos televisivos, a exemplo do Globo Ciênciae do Canal Futura.

Entre as atividades do LABJOR existem outros projetos liga-dos à produção de revistas, livros, dissertações e teses. Em maiode 2003, a equipe do LABJOR, a pedido da Fundação RobertoMarinho, produziu os 18 capítulos que compõem o livro PrêmioJovem Cientista - Histórias da Pesquisa no Brasil, assim comodeseja implantar em 2005 o Mestrado em Divulgação Científica eCultural.

Nos últimos dez anos a disciplina de Jornalismo Científicotambém foi implantada em diversas universidades nordestinas, a

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exemplo dos departamentos de Comunicação da Bahia e Pernam-buco. No Rio Grande de Norte a Universidade Potiguar (UnP)implantou a disciplina em sua grade curricular no ano de 2000,estando aliada à discussão de temas culturais. Na UniversidadeFederal do Rio Grande do Norte (UFRN), a disciplina de Jorna-lismo Científico foi implantada no primeiro semestre de 2004 de-pois de vários diálogos entre a Chefia do Departamento e o autordesta dissertação, que acabou sendo convidado para ser o primeirodocente da matéria.

1.2 Difusão científica: a diferença entrejornalismo científico e divulgação ci-entífica

Existe um antagonismo histórico entre os conceitos de Divul-gação Científica e Jornalismo Científico. O primeiro termo geral-mente é designado aos grupos de cientistas e pesquisadores aca-dêmicos que trabalham com a propagação de informações cientí-ficas, mas que não são formados em Comunicação Social. Já aexpressãoJornalismo Científicogeralmente é designada aos pro-fissionais da informação (repórteres, editores) que trabalham emveículos especializados. Segundo Wilson Bueno - primeiro jorna-lista brasileiro a obter título de Doutor em Jornalismo Científicoem 1983 - as duas terminologias estão subordinadas a um conceitomais amplo, por ele intitulado deDifusão Científica. “O termo éum gênero que inclui a divulgação, disseminação e o jornalismocientífico propriamente dito” (ZAMBONI, 2001, p. 46).

O conceito deDifusão Científicainclui maior amplitude eabarca os periódicos especializados, os banco de dados, os sis-temas de informação acoplados aos institutos e centros de pes-quisa, os serviços de alerta das bibliotecas, as reuniões científi-cas, as seções especializadas das publicações de caráter geral, aspáginas de ciência e tecnologia dos jornais e revistas e os pro-

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gramas científicos de rádio e TV, além do cinema. Segundo Zam-boni (2001, p. 46), o conceito do professor Bueno é divididoem: Difusão para EspecialistaseDifusão para o Público em Ge-ral, concluindo-se que a linguagem do noticiário muda, de acordocom o público específico.

Quando a difusão é voltada aos especialistas, ocorre umadis-seminação científica. Quando é voltada ao público, se classificacomodivulgação científica.

A disseminação científica comporta ainda dois ní-veis: disseminação intrapares(circulação de infor-mações científicas e tecnológicas entre especialistasde uma área ou de áreas conexas) edisseminaçãoextrapares(para especialistas que se situam fora daárea-objeto). No primeiro tipo de disseminação, Buenoidentifica as seguintes características: a) público es-pecializado; b) conteúdo específico e c) código fechado,estando ela representada nas revistas especializadasou nas reuniões científicas orientadas pelo limitadouniverso de interessados. Como exemplo daDissemi-nação Extrapares, Bueno cita revistas especializadasou cursos de especialização endereçados a categoriasprofissionais distintas. (ZAMBONI, 2001, p. 46-7).

Pode se concluir então que, segundo Wilson Bueno, a Divul-gação Científica e o Jornalismo Científico não são campos antagô-nicos, mas complementares, porque ambos estão voltados para opúblico em geral, segundo a sua classificação. Iremos trabalharcom este conceito nesta dissertação, por acreditarmos que ele sejamais abrangente.

Não podemos esquecer de citar que existem elementos impre-scindíveis para a formação do emissor e do receptor em ciências,a exemplo dos livros didáticos, as aulas de ciência, os cursos deextensão para não-especialistas, as histórias em quadrinhos, os su-plementos infantis, os folhetos de extensão rural e de campanhaseducativas, além do trabalho das grandes editoras, documentários

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e programas especiais de rádio e televisão. O Jornalismo Cientí-fico é um gênero específico, e possui uma linguagem própria dedecodificação das notícias, constituindo uma categoria à parte. “OJornalismo Científico diz respeito à divulgação da ciência e tecno-logia pelos meios de comunicação de massa, segundo os critériose o sistema de produção jornalísticos” (ZAMBONI, 2001, p. 46-7). Podemos concluir, por outro lado, que nem tudo o que é publi-cado nos veículos de comunicação especializados é ciência pro-priamente dita.

é possível encontrar, nos meios de comunicaçãode massa, onde se manifesta a atividade jornalística,textos, artigos ou materiais sobre temas de ciênciae tecnologia que podem não ser considerados Jor-nalismo Cientifico, exatamente porque não são, emprincípio, jornalismo. Estranho? Nem tanto: nos jor-nais e revistas, estão incluídos os anúncios e estasmensagens são publicidade e não, jornalismo. Re-petindo a lição: nem tudo que fala sobre ciência e,está escrito em jornais ou revistas é Jornalismo Cien-tífico. Outro exemplo: uma coleção de fascículos so-bre história da ciência e da tecnologia, encartada numjornal ou revista, não se constitui em exemplo de Jor-nalismo Científico. Ela está localizada no campo daeditoração, que é outra coisa (ZAMBONI, 2001, p.46-7).

Zamboni (2001) lembra que Divulgação Científica e Jorna-lismo Científico não são a mesma coisa, embora estejam muitopróximos. Ambos se destinam ao chamado público leigo, com aintenção de democratizar as informações (pesquisas, inovações,conceitos de ciência e tecnologia), mas a primeira não é jorna-lismo. é o caso, tanto dos fascículos como de uma série de pale-stras que traduzem em linguagem adequada a ciência e a tecnolo-gia para o cidadão comum. Assim como os fascículos, as palestrasnão se enquadram dentre os gêneros do Jornalismo. Segundo a

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pesquisadora, o Jornalismo Científico é um caso particular de Di-vulgação Científica: é uma forma de divulgação endereçada aopúblico leigo, mas que obedece ao padrão de produção jornalí-stica.

O Jornalismo Científico, que deve ser em primeirolugar Jornalismo, depende estritamente de alguns pa-râmetros que tipificam o jornalismo, como a periodi-cidade, a atualidade e a difusão coletiva. O Jorna-lismo, enquanto atividade profissional, modalidadede discurso e forma de produção tem característicaspróprias, gêneros próprios e assim por diante. Já ti-vemos suplementos de ciência nos jornais que eramproduzidos por cientistas e pesquisadores, nem umpouco comprometidos com o Jornalismo. Simples-mente, eram reproduzidos nos jornais e revistas tex-tos ou ensaios inéditos ou já apresentados em con-gressos científicos, quase sempre inacessíveis ao lei-tor comum (ZAMBONI, 2001, p. 46-7).

BUENO (2004)5 diz ainda que o JC não abrange só as chama-das ciências duras - física, química, biologia - mas também incluias ciências humanas (Educação, Sociologia, etc.) e que, em vir-tude da especialização destas áreas, tem assumido denominaçõesparticulares, como o Jornalismo Ambiental, o Jornalismo Agro-business, o Jornalismo em Saúde, o Jornalismo Econômico, o Jor-nalismo em Informática etc. Na prática, no entanto, todas estasmanifestações específicas remetem ao Jornalismo Científico, en-tendido aqui como o termo genérico, mais abrangente, submetidoàs atividades e vicissitudes da produção gráfica e editorial.

5 Ver entrevista completa no Anexo A.

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1.3 A comunicação possui postulado ci-entífico

É necessário lembrar que os pressupostos científicos da Comuni-cação nascem em meados do século XIX, com o surgimento dointeresse de pesquisadores pela nascentecomunicação de mas-sas, que despontava através do surgimento da periodicidade dosjornais impressos, telefonia, telégrafos, fotografia, quadrinhos edo cinema. Os historiadores da Comunicação Social (MATTEL-ART, 1999, p. 13, 29 e 57) apontam pelo menos três escolas teóri-cas que contribuíram para fundamentar o lastro da comunicação,e do jornalismo, enquanto atividades científicas.

Evidente que a Comunicação Social possui outras vertentese teorias, mas analisaremos estas três, pois foram pioneiras nodesenvolvimento destes postulados científicos.

A primeira vertente intituladaOrganismo Socialintroduz naspreocupações das reportagens e nos estudos da Comunicação dis-positivos e disciplinas que organizam; que avaliam o comporta-mento das massas, suas tendências e hábitos em sociedade. Talviés aplicado em estudos jurídicos e sociológicos também influ-enciariam as primeiras noções de comunicação que elegeram umreceptor de informaçõespadrão, capaz de assimilar as mensagensdos meios de comunicação de massa.

Seus principais expoentes foramSaint Simon (1760-1825)quedefende a concepção da sociedade como um sistema orgânico, ju-staposição ou tecer de redes, mas também como sistema industrialgerado pelo alvorecer da revolução Industrial;Herbert Spencer(1820-1903), engenheiro ferroviário que promove uma reflexãosobre a comunicação como um sistema orgânico. SuaFisiologiaSocialleva ao extremo a hipótese de continuidade entre a ordembiológica e a ordem social;Friedrick Ratzer (1844-1904)por suavez, lança as bases dos estudos geográficos e políticos à luz daComunicação, assim como as noções do espaço e do território; epor fim,Adolphe Quételet (1796-1874)que fundou em 1835 estanova ciência da mensuração social batizada defísica social. Ele

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funda a estatística das massas, que analisa dispositivos de controleestatísticos dos fluxos judiciários e demográficos.

A segunda vertente é a chamadaEscola de Chicago. Seu en-foque microsociológico na organização das comunidades urbanasharmoniza-se com a reflexão sobre o papel da ferramenta cientí-fica na resolução dos grandes desequilíbrios sociais6. Seu prin-cipal expoente foiRobert Ezra Park (1864-1944). Autor de umatese de doutorado sobre a massa e o público em 1903, ele trans-forma sua prática de jornalista e concebe como forma superior dereportagem, as pesquisas sociológicas que irá realizar nos bairrosda periferia de Chicago. Vê o fundamento psicológico da perso-nalidade urbana na intensificação doestímulo nervoso e na loco-moção.

Outros expoentes desta vertente foramCharles Horton (1864-1929)que estudou o impacto organizacional dos transportes. Eleusa pela primeira vez a expressãogrupo primáriopara designaros grupos que se caracterizam por uma associação e cooperaçãoíntimas entre si, e por fim,Harold Lasswel (1902-1970)criadordas análises de controle e conteúdo, e análise das mídias e dossuportes. A audiência é usada como um alvo que obedece aosesquemas de estímulo e resposta. Segundo Lasswel, o processo decomunicação cumpre com três funções principais na sociedade:“vigilância do meio; relações que produzem respostas ao meio etransmissão da herança social” (MATTELART, 1999, p. 13, 29 e57).

Por último não poderia deixar de ser citado aTeoria Matemáticada Informação. A partir do final dos anos 40, esta teoria ocupa umpapel central nas pesquisas sobre Comunicação Social. Com basenas máquinas de comunicar resultantes da guerra, a noção de in-formação adquire seu estatuto de símbolo calculável. Em 1948,

6 A hegemonia dessa escola dura até a 2a Guerra Mundial. Nesta épocasurge a Mass Comunication Research, cujo esquema de análise funcional des-loca a pesquisa para medidas quantitativas, mais aptas a responder a exigênciaproveniente dos administradores da mídia.

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o matemático e engenheiro elétrico americanoClaude Shannonpublica uma monografia intitulada Teoria

Matemática da Informação, no âmbito da empresa de comu-nicação AT&T (existente até hoje). Shannon propõe umsistemageral de comunicação. O problema da comunicação consiste, se-gundo ele, em reproduzir em um ponto dado, de maneira exata ouaproximada, uma mensagem selecionada em outro ponto. Atra-vés desta gênese histórica provamos que a comunicação possuipostulado científico. Mas, existe uma compartimentalização dasciências da Comunicação chamada deJornalismo, voltada à apre-sentação de informações destinadas àscomunidades consumido-ras de produtos midiáticos. Neste sentido caberia indagar então,o Jornalismo é uma técnica ou uma ciência?

Em entrevista a este autor (ver texto completo no Anexo A), oprofessor de comunicação da cátedra da Unesco, José Marques deMelo foi mais específico: afirmou que o jornalismo - uma com-partimentalização da comunicação - não é mera técnica:

é sim uma forma de conhecimento, de acordo como conceito de Robert Park. Trata-se de uma catego-ria comunicacional fundamental para a educação co-letiva, na medida em que faz a mediação constanteentre os indivíduos que constituem uma sociedade eos acontecimentos cotidianos (MELO, 2002).

Mas como trabalhar no jornalismo a diferença que existe entrea produção de conhecimento e a divulgação da informação? Se-gundo José Marques de Melo, o conhecimento representa o acervocultural que os indivíduos e as sociedades acumulam durante suatrajetória histórica.

A informação é o nutriente desse acervo, acre-scentando novos elementos ao patrimônio cognitivoou reciclando os conteúdos já estocados na memó-ria individual ou coletiva. O jornalismo impresso,

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da mesma forma que as outras modalidades de jor-nalismo, difundem as informações que alimentam oacervo cognitivo dos leitores ou das comunidades emque serão inseridos (MELO, 2002).

Mas de que maneira o texto jornalístico poderia sair da super-ficialidade e atingir um grau maior de formação científica do lei-tor? Segundo Melo (2002), a complexidade do texto jornalísticodepende essencialmente do repertório do público leitor a que sedestina. Será um texto superficial se dirigido a uma audiência he-terogênea, caracterizada por leitores que detêm exígua bagagemcultural, mas poderá ser um texto mais denso se dirigido a umsegmento letrado, intelectualizado. “A demanda por textos apro-fundados, na forma e no conteúdo, depende fundamentalmenteda melhoria do nível de escolaridade das comunidades a que sedirigem os jornais e revistas” (MELO, 2002).

Na opinião do pesquisador, publicar textos sofisticados parauma audiência dotada de “baixa estatura” intelectual significa blo-quear o processo comunicativo, pois o código será ininteligível.Indagado sobre como os jornalistas deveriam se portar diante dointuito de melhor informar o leitor, José Marques de Melo lem-brou que existem categorias distintas de jornalismo:

Se eles praticam o jornalismo informativo devemser fiéis à natureza do gênero e corresponder à ex-pectativa do leitor, oferecendo ampla e acurada des-crição dos fatos, a partir de distintos ângulos noticio-sos, garantindo-lhe liberdade de formular seu próprioponto de vista. Se ele pratica o jornalismo opina-tivo, cabe ao jornalista o direito de emitir seu próprioponto de vista, que estará sempre vinculado à assina-tura que apõe à matéria difundida (MELO, 2002).

Na sua opinião, os leitores tendem a formar seus mecanismosde avaliação dos fatos, combinando informações fidedignas (notí-cias, reportagens, entrevistas) com opiniões dotadas de credibili-dade (artigos, comentários, editoriais, resenhas, colunas etc).

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Segundo Bougnoux (1999), as disciplinas da comunicação me-recem o título deciências, embora existam alguns critérios a se-rem analisados. Pois se nós entendermos por ciência uma unifi-cação dos fenômenos pela formulação de leis, como exigia d’ A-lembert, as Ciências da Informação e Comunicação (CIC) pos-suem um objeto que mantém uma relação pragmática entre su-jeito e sujeito, prestando-se a uma elaboração difícil e rigorosa.Em contrapartida, as ciências sociais já constituídas propõem umcruzamento de suas problemáticas, ou uma ampliação de suas cu-riosidades, circulando entre as razões locais da semiologia, da psi-cologia social, da história ou da informática.

Para concluir o assunto, registramos o desenvolvimento histó-rico dos conceitos sobreconhecimento. Segundo Marilena Chauí(1994) existem duas correntes formais que tentaram definir a na-tureza do ato de conhecer. A primeira tem início com Platão, poiso filósofo acreditava no afastamento da experiência sensível - ouo conhecimento sensível - do conhecimento verdadeiro, que é pu-ramente intelectual. Séculos depois, Descartes se aliaria a esteponto de vista, denominado posteriormente deRacionalismo.

Aristóteles discordava. Ele considerava que o conhecimentose realizava por graus contínuos, partindo da sensação até chegaras idéias. Séculos depois, Locke também seria partidário destaconcepção que se denominou deEmpirismo(CHAUÍ, 1994. p.117).

Para oRacionalismo, a fonte do conhecimento verdadeiro é arazão operando por si mesma, sem o auxílio da experiência sensí-vel. Para oEmpirismo, a fonte de todo e qualquer conhecimento éa experiência sensível, responsável pelas idéias da razão. A partirdestas reflexões na modernidade que se inaugura o que a filosofiachama deTeoria do Conhecimento.

Existem, contudo, outras classificações que podem ser feitas,se levarmos em consideração a História da Pedagogia. SegundoLUCKESI (1990, p. 30) e SEVERINO (1994, p. 54) cada escola,ou tendência da Educação, desenvolveu um conceito próprio do

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que poderíamos chamar de conhecimento. Listamos abaixo asdefinições mais conhecidas.

1. Tradicional- O conhecimento é o produto da incorporaçãode informações sobre o mundo. Essas informações, acu-muladas ao longo dos tempos, compõem a herança culturalque deve ser transmitida aos indivíduos através da educaçãoformal;

2. Escolanovista- O conhecimento é um instrumento social,devendo ser considerado em construção contínua. No pro-cesso de aquisição do conhecimento, a ação é primordial, oque significa que o conhecimento é essencialmente ativo;

3. Tecnicista- A experiência ou experimentação planejada éà base do conhecimento. O conhecimento é uma “desco-berta” que é nova para quem a faz, porém, o que foi desco-berto já se encontrava presente na realidade exterior.

4. Progressista- O conhecimento é uma atividade inseparávelda prática social, resultando de trocas que se estabelecementre o sujeito e o meio natural, social e cultural. O conhe-cimento não se baseia no acúmulo de informações, mas simnuma reelaboração mental que deve se traduzir em formade ação, sobre o mundo social.

Para encerrar esta questão, devemos lembrar que na históriada humanidade existiram inúmeras maneiras de classificar o co-nhecimento, a exemplo do conhecimento mitológico baseado emexplicações simbólicas ou o conhecimento teológico, baseado emanálises naturais ou supranaturais, levando em consideração reve-lações proféticas, práticas contemplativas, etc. Também podemoscitar o conhecimento popular produzido através do senso comume dos ícones e manifestações de sua cultura (folguedos, festas etradições) e o conhecimento filosófico que é uma tentativa de ex-plicar a realidade de maneira global, levando em consideração odesenvolvimento de análises epistemológicas (episteme, ciência,

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o que significa estudo do conhecimento científico do ponto devista crítico, isto é, do seu valor; também chamada de Teoria doConhecimento).

1.3.1 Diferença entre os conceitos de informação econhecimento

O homem moderno chegou a um novo patamar de compreensãoda realidade físico-química que nos cerca. Esta foi uma das con-clusões que cientistas do mundo todo chegaram durante conferên-cia promovida pelo Instituto Santa Fé, no Novo México, em maiode 1989, onde se discutiu o manifesto sobre aFísica da Infor-mação, do físico polonês Wojciech Zurek.

Tudo o que sabemos do universo, segundo Zurek (1989), estábaseado em conceitos como massa, tempo, espaço e energia. Suaproposta, de maneira simplificada, é de fazer da informação umcomponente fundamental da matéria física e da vida humana. Gu-rovitz (2003), observa que no atual campo das idéias, um copod’água não é só de água.

É de água e de informação sobre como está confi-gurado aquele arranjo de moléculas. Em todo montede átomos, há bits. Mesmo um elétron, uma das maisfundamentais partículas da matéria, não passa, de acor-do com a física quântica, de uma onda que sofre umcolapso quando perturbada por um observador. Asinformações sobre como o elétron se comporta de-pois do colapso jazem latentes na matéria antes docolapso. A fórmula que descreve a onda é, no fundo,informação vestida de matéria, são bits na forma deátomos (GUROVITZ, 2003, p. 05).

A idéia não é nova e já se encontra na obraO bit e o pêndulo:a nova física da informação(2000), do jornalista científico TomSiegfried, editor do Dallas Morning News. Ele foi um dos pri-meiros a defender a idéia de que os componentes fundamentais

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da matéria não são os átomos e nem mesmo as partículas subatô-micas, mas osbits, as unidades fundamentais de informação. Seulivro discute de que forma o computador e a noção debit estão re-velando os segredos do cérebro, a natureza da matéria e a origemdo universo.

Tom Siegfried em sua obra analisa os computadores quânti-cos, os códigos supersecretos, os elaborados mecanismos que re-gulam o metabolismo das células e a solução dos antigos mistériosa respeito do comportamento dos buracos negros e da evoluçãodo universo. As dicotomias e dogmas, contudo, não são mais per-mitidos nesta análise. Gurovitz acredita que diante daFísica daInformaçãonão pode existir separação entre o real, e o mundo“abstrato”. Tudo está unido.

Quem acredita na insustentável leveza dos bits, napossibilidade de gerar uma economia baseada no pu-ramente imaterial, pode estar tão equivocado quantoquem acredita na infinita solidez da matéria. A le-veza do bit é tão ilusória quanto o peso do átomo.Para existir, a informação precisa do suporte físico damatéria, sem o qual ela não pode ser armazenada eutilizada. Não pode haver uma economia para bits eoutra para átomos, pois não há um universo da infor-mação e outro da matéria, assim como não há mentesem corpo (GUROVITZ, 2003, p. 05).

O problema da existência de uma possívelFísica da Infor-maçãotambém preocupou Morin (1997) noMétodo I, onde seencontra um capítulo inteiro sobre o assunto, desta vez tendocomo referência a Teoria Matemática da Informação, de ClaudeShannon, e a Cibernética, idealizada por Nobert Wiener. Sem-pre interessado em discutir as noções deordem/desordem, organi-zação/desorganização e auto-organização, Edgar Morin descrevea informação como umconceito físico novo que surge num campotecnológico. Ele faz críticas, contudo, àqueles que acham que a

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informação, o bit, encerra em si todo o conjunto de significadosque compõem o conhecimento.

A concepção shannoniana de informação gira emtorno do sentido da mensagem: com efeito, a utili-zação de um código e de um repertório, a necessi-dade de comunicar, as precauções relativas ao ruído,supõe e concerne o sentido daquilo que é transmitido.Porém, o bit não é uma unidade de sentido. A infor-mação shannoniana chega a ser inteiramente muda oucega quanto à significação (MORIN, 1997, p. 278).

Existe, porém, uma interseção entre os pontos de vista donorte-americano Tom Siegfried e Edgar Morin. Ambos acreditamque informação é organização, e que o contrário também pode serverdadeiro: a informação também carrega sua parcela de ruídoe de redundância, onde prevalece a auto-organização defendidapelas Ciências da Complexidade. Melhor dizendo, através da or-dem pelo ruído, hipótese também defendida pela Teoria do Caos,estudada pela Física moderna.

O denominador comum entre os autores é que através dastecnologias, a informação pode ser mensurada em bits, ordenadapela álgebra booleana ou transmitida por elétrons. Esses sistemasde informação trazem a promessa de que, se apropriadamente li-gados à realidade, o rigor de sua álgebra irá preservar e processaro significado, gerando informação confiável e agregando valor.

A comunicação está intrinsecamente relacionada com teoriadas mensagens, que foi a principal preocupação de Nobert Wie-ner e de seus contemporâneos. Através de um estudo detalhadodas mensagens, entre o homem e as máquinas é que se poderiacriar mecanismos de direção à sociedade. As relações sociais se-riam compreendidas a partir da integração destes dois fatores. Acomunicação para Wiener relacionou-se diretamente com a ques-tão do controle.

Morin (1997) critica, contudo, este determinismo, mostrandoque o homem continua sendo a medida de todas as coisas, o me-

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diador entre os planos sensíveis de construção do conhecimento:“A informação é dona da energia que manipula, encadeia, desen-cadeia, (mas quem manipula a informação?). O programa querege a máquina é rei, mas onde estão o homem e a máquina queconstituíram este programa? (MORIN, 1997, p. 278)”.

Mesmo distante de suas origens marxistas, Morin (1997) lem-bra no Método I, que os conceitos de informação possuem limites:

[...] Tornou-se demasiado fácil explicar tudo, re-duzir tudo à virtude primordial da informação. Ela,na verdade, pode ser coisificada, pode ser reduzidaà idéia de programa, noção imperativa cujo autorita-rismo sobredetermina o imperialismo informacional(MORIN, 1997, pg. 278).

Segundo Morais, em entrevista a este pesquisador, a infor-mação é o dado que se comunica. é o elemento que processado co-gnitivamente poderá contribuir para a formação do conhecimento,que é a percepção do objeto num processo complexo. “é o que de-termina a interação entre o homem e tudo o que o circunda, suaação e reação aos eventos da vida” (MORAIS, 2004). Ele defendeque o jornalismo produz conhecimento nas grandes reportagens,ensaios e artigos, que transcendem ao mero factual e abordam ofato novo em sua malha de inter-relações.

“é preciso, no entanto, considerar as limitações físicas (es-paço) e técnicas (linguagem) do jornalismo impresso para pro-duzir conhecimento em sua forma mais ampla. O jornal atendea essa necessidade num nível mais superficial que o livro, porexemplo” Morais (2004). Mesmo que a informação não seja con-siderada conhecimento, mas apenas “estoque” para um repertóriocognitivo, o editor acredita que os veículos de comunicação nãopodem perder de vista a demanda pela informação factual.

O leitor quer saber antes as respostas do lead emse tratando do que está acontecendo agora. é o bá-sico e o imediato para que ele possa agir e reagir aos

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fatos. Mas em seguida ele quer (ou deveria querer)mais: quer entender o conjunto, a relação da partecom o todo. Nesse sentido, é necessário que os jor-nalistas estejam preparados para perceber, entender erepresentar na reportagem, a contextualidade dos fa-tos (MORAIS, 2004).

De acordo com diversos estudos sobre a Recepção, o conhe-cimento é um processo que prevê a condição de reelaborar o quevem como um dado, possibilitando que não sejamos meros repro-dutores; incluindo a capacidade de novas elaborações. O conhe-cimento prevê a construção de uma visão que totaliza os fatos,inter-relacionando todas as esferas da sociedade, percebendo ainteração que existe entre elas. Segundo Baccega (1998), o co-nhecimento continua sendo condição indispensável para a críticae a comunicação e os meios surgem como produção social desentido. “Esse sentido se constrói nas relações sócio-históricasdessa sociedade pós-industrial. Os meios de comunicação que sãoda natureza desta sociedade, atuam como fator de coesão social”(BACCEGA, 1998, p. 9-10)

Bougnoux (1999) analisa que “nem só de pão vive o homem,mas também da recepção, do tratamento e da emissão de certossinais” (BOUGNOUX, 1999, p. 35). Sua noção de informaçãorecobre ao mesmo tempo, os dados, as notícias e o conhecimento.Por outro lado Heinz von Dorester acreditava que a informação éum ‘camaleão conceitual’ particularmente vicioso, enquanto KarlPopper defendia que nós vivemos numa sociedade aberta, o quesignifica, sensível à informação e à mudança.

Do mesmo modo nossos organismos, embora ri-gorosamente fechados numa forma estão abertos acertas trocas energéticas e de informação. Sabe-seque o suplício de privação sensorial das células podelevar à morte. A informação, em geral revela esteapelo, vindo do exterior, que atravessa nosso reduto

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para guiar, enriquecer e eventualmente complicar nos-sas vidas (BOUGNOUX, 1999, p. 35).

Podemos finalizar, portanto, afirmando que a informação e co-nhecimento são processos cognitivos distintos, com historicidadepeculiar para cada termo. Devemos lembrar que a noção de “in-formação” como sendo apenas o dado “técnico”, sempre acom-panhou a história dos diversos modos de produção (asiático, es-cravista, etc.), processos econômicos moldados pela mão-de-obraalienada. Foi no final do século XX, contudo, depois do surgi-mento de novas estruturas econômicas, políticas e sociais depen-dentes dos sistemas de informação, e da necessidade de mão-de-obra com potencial intelectual, que assistimos a transformaçãodas concepções da “informação”, que passa a ser considerada ocapital, a moeda circulante das economias capitalistas.

O conhecimento continua sendo concebido como um processocontínuo de aprendizado, avaliação, pesquisa e resultado; algomais abrangente do que a assimilação de dados técnicos.

Defendemos, portanto, nesta dissertação, que o Jornalismo Ci-entífico é um gênero textual capaz de formar o conhecimento dosleitores, através de suas reportagens e coberturas completas detemas. Isto porque, este gênero jornalístico é o único da comuni-cação que tem a preocupação com a exegese e com a explicaçãodo método científico - algo não usual em outros gêneros jornalísti-cos - da mesma forma que o Jornalismo Científico tem um carátermetalingüístico e empírico, pois realiza estudo sobre os dados, fazas comparações estatísticas e ainda mede e estuda os fenômenosem questão. Iremos discorrer com mais propriedade sobre esteassunto nos próximos capítulos.

1.3.2 Características da redação científica

Segundo Warren Burkett, autor do livroJornalismo científico (1990),os redatores de ciência sempre têm em mente a premissa de queescrevem para explicar a ciência para leigos, ou para explicar as

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descobertas à própria comunidade científica. Como o ramo in-teressa a uma minoria de jornalistas e de veículos de comuni-cação, por não ter fins comerciais fáceis, comumente os próprioscientistas se vêm obrigados a escrever seus próprios trabalhos, aescrever sobre descobertas científicas, adotando uma linguagemdiferente dos tratados e teorias as quais estão acostumados a es-crever, buscando a redação de textos cada vez mais universais.

Existem alguns tópicos para explicar o que seria ciência, di-ante da atual natureza da informação e da redação científica: “Aciência é o controle da natureza; a ciência estuda o mundo ma-terial, a ciência é o conhecimento público; a ciência é o métodoexperimental” (BURKETT, 1990, p. 06).

Embora pareçam concepções do senso comum, são estas de-finições que o jornalista especializado em ciência deve levar emconsideração, na hora de escrever as matérias. Burkett (1990)não defende a simplificação irresponsável dos fatos, mas lembraque toda a tradição epistemológica tem buscado um código maissimples, capaz de popularizar as descobertas, traduzi-las em lin-guagem acessível a um público quase sempre leigo, sendo capazde assegurar também a aprovação de recursos e verbas públicaspara inventos e novas descobertas.

Em uma época em que a produção científica não enfrenta maisos tabus do passado, pois os antigos referenciais foram revistosatravés das descobertas do século XX (vide os exemplos da Físicade partículas, da Genética e da Termodinâmica7 ) parece que osveículos de comunicação e as obras que se dispuserem a divulgaras leis científicas estão propensos a terem um público certo, ummercado em expansão, com leitores ávidos por entender desde osnovos inventos e teorias, até mesmo o funcionamento de simplesinvenções, objetos que fazem parte do cotidiano.

7 No século XX, a Física de Partículas provou a existência de partículasmenores que o átomo, a exemplo dos Léptons e dos Quarks. As bases tradicio-nais da Genética foram alteradas com a finalização das pesquisas sobre o DNAe por fim, a Termodinâmica, revolucionou os estudos físicos sobre o calor ecombustíveis.

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Um exemplo dessa mudança de postura e adoção de uma lin-guagem mais simplificada diante do conhecimento científico é aobraVeleiros do infinito: crônicas do planeta azul, do biólogo po-tiguar Iveraldo Guimarães. Seu livro, lançado em abril de 1999,foi adotado pela Robinson’s School, a 45 Km de Londres. O tra-dutor Didier Lamaison - responsável pela tradução dos livros deCarlos Drummond na França - interessou-se pelo trabalho e tam-bém o sugeriu a uma editora francesa. O motivo da repercussãoé que Guimarães encontrou uma maneira diferente e popular detratar da ciência, levando em conta, argumentos ecológicos quepromovem a criação de uma nova identidade humana, capaz deconviver em harmonia com o meio-ambiente e com o próximo.A obra utiliza uma linguagem lírica e remete a questionamentospeculiares, lembrando regras da cosmologia (Por que a cauda doscometas só se alonga na direção contrária à do Sol?) ou da aqua-cultura (As estrelas do mar são vorazes predadoras).

O biólogo afirma que “os cientistas estão escrevendo cadavez mais livros em uma linguagem acessível, atingindo o públicoleigo. Finalmente eles entenderam que a ciência não precisa estartrancada em um laboratório” (GUIMARãES, 2000, p. 01)8. AobraVeleiros do infinitovendeu dois mil exemplares em um anode existência. O livro passeia por temas diversos, a exemplo daZoologia, Genética e a Física Quântica. Guimarães supõe que otom poético dado aos assuntos tenha despertado atenção dos lei-tores: A essência das crônicas é a ciência explicada com poesia elirismo. O texto do biólogo, ainda utiliza ironia:

Os vegetais existem com a finalidade de servir asi mesmos. São autótrofos, ou seja, produzem a suaprópria nutrição em seu próprio organismo. Nós éque os parasitamos para poder viver e, ainda, ao con-trário do que egoisticamente pensamos, somos nósque existimos para servi-los. (GUIMARãES, 1999).

8 Entrevista concedida a José Soares de Veras Júnior e publicada da Tribunado Norte, em 20/02/2000.

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O biólogo potiguar se encaixa no perfil dos cientistas que deci-diram reformular a linguagem convencional dos laboratórios como intuito de popularizar as descobertas ou inventos. Boa parte des-tes cientistas, segundo Burkett (1990), busca justificar a importân-cia de suas pesquisas diante dos governos e da população de umamaneira em geral, tentando manter um grau de contato, similari-dade e alfabetização científica do público, tornando-o também umaliado de peso diante da aprovação de verbas.

Explicar ciência, medicina e engenharia, por exem-plo, é um trabalho que desafia redatores de todo omundo. Seus métodos refletem a natureza e os meiosde comunicação de suas sociedades e de seus países.Os redatores de ciência europeus tendem a ter umapercentagem maior de cientistas em seu meio. NoTerceiro Mundo ou nos países em desenvolvimento,os redatores de ciência têm o desejo, mas não ne-cessariamente o espaço, e os canais para o seu tra-balho. (BURKETT, 1990, p. 21).

Segundo Marcelo Leite (2001), editor de ciência da Folha deSão Paulo, existem vários desafios a serem vencidos pelos pro-fissionais da informação lotados na área de ciência. Segundo ojornalista, uma das raízes da deficiência do trabalho da imprensase encontra na própria realidade educacional brasileira. O Jorna-lismo Científico Brasileiro tem a obrigação de ser didático, part-indo de um patamar muito baixo. Ele afirma que nos Estados Un-idos já é alto o grau de desinformação sobre as bases da genética,a ponto de apenas 21% de seus cidadãos serem capazes de in-formar uma definição sobre DNA; no Brasil se pode afirmar comsegurança que a ignorância científica é ainda mais chocante.

Basta mencionar que, segundo pesquisa de opi-nião do instituto Datafolha realizada com paulistanospoucos dias depois do anúncio da finalização do se-quenciamento do genoma humano (um evento que

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foi manchete dos principais jornais brasileiros e domundo em junho), apenas 4% dos entrevistados sou-beram definir com alguma correção o que é genoma.E cabe assinalar que o grau de instrução não melhoramuito o quadro de desconhecimento: mesmo entrepaulistanos com nível superior de escolaridade, me-ros 17% foram capazes de oferecer respostas aceitá-veis. (LEITE, 2001, p. 01).

Segundo o editor, são três os níveis de desafio a serem enfren-tados simultaneamente pelo jornalismo especializado em ciência,representados por três patamares deignorância pública:

1. A ignorância de base- onde seria necessário um esforçopara esclarecer os conceitos mais basilares, principiandocom células, cromossomos, mitose e meiose etc., pois elessão ignorados pela maioria da população;

2. A ignorância sobre o que está acontecendo- é fundamen-tal acompanhar jornalisticamente os ramos mais significati-vos da C&T incluindo as novas descobertas e teorias, o queequivale a dizer: com critério, hierarquizando e noticiandocom destaque somente o que de fato for importante;

3. A ignorância das implicações- Investigar e expor as conse-qüências éticas, jurídicas, sociais e políticas das biotecno-logias: do monopólio da produção de sementes à patente deseres vivos, da nova eugenia à discriminação genética noemprego e por seguradoras.

Fica claro através deste posicionamento que o editor MarceloLeite é adepto da antiga definição do ato comunicativo onde oemissor é o principal responsável pela produção do noticiário.Afinal de contas, toda a história dos meios de comunicação podeser classificada como “um para todos”onde a característica bá-sica é a informação verticalizada, onde o receptor apenas absorve

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informações; nunca interage ou nunca produz a própria infor-mação. Deve ser lembrado que nos Estados Unidos, na Europae em países periféricos, já existe uma grande quantidade de cien-tistas que se especializaram na redação científica, onde a intençãoé ter emancipação dos meios oficiosos e produzir informaçõescientíficas de maior qualidade. No Brasil, vale lembrar, o LAB-JOR da UNICAMP mantém um programa de formação em Jorna-lismo Científico aberto a participação de cientistas e de pesquisa-dores acadêmicos. Um exemplo de que as barreiras entre receptore emissor são muito tênues.

Não poderíamos encerrar este capítulo sem lembrar as asserti-vas de Thomas Kuhn em seu livro Estrutura das revoluções cientí-ficas (1962). O autor cunha o termo “paradigma” - que pode sertraduzido como padrão - para afirmar que em toda história da hu-manidade, a raça humana vivenciou diversos tipos de paradigmascientíficos, a partir de diversos valores sociais, econômicos e geo-políticos. Segundo Kuhn, um paradigma é uma estrutural concei-tual da ciência que caracteriza uma época, através de seus valorese formas de pensamento.

Para astrônomos e cartógrafos da baixa Idade Média eram in-discutíveis os movimentos de rotação e translação dos planetas naVia Láctea. Bastou Copérnico provar que era a Terra que giravaao redor do Sol, assim como os demais planetas, para desmontaros paradigmas da cultura antropocêntrica. Kuhn defende que oscientistas trabalham dentro um mesmo sistema de referências, atéque irrompem idéias ou descobertas “anômalas”, que introduzemum novo padrão, um novo paradigma, que exige reformulações eapresenta novos modelos de conceituação dos objetos científicos.A mecânica de Newton, a astronomia de Keppler, a genética deMendell, a Seleção Natural de Darwin e a Física Quântica de Ein-stein, são exemplos de descobertas que romperam os paradigmascientíficos de suas épocas.

As diferentes estruturas econômicas, a Revolução Industriale a Revolução Francesa também estabeleceram novos padrões deanálise e de comportamento na economia, nas relações de classe,

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na política e na sociologia da Idade Moderna. Vários autores di-vergiram e divergem das premissas epistemológicas de ThomasKuhn. Mas não há como negar que as suas noções de paradigmae mudança de padrões estabelecidos tiveram enorme influênciana nova biologia, no desenvolvimento da Teoria dos Sistemas, naárea da administração e na sociologia, entre outras formas de de-marcar o conhecimento científico produzido numa época. Apro-fundaremos esta discussão nos próximos capítulos desta pesquisa.

1.3.3 Temas, fontes e a cobertura do jornalismocientífico

Os temas fixos e a fontes também necessitam de uma análiseespecífica ao se discutir o Jornalismo Científico. Segundo Bueno(2001), existem problemas clássicos no JC contemporâneo: - Acorrida pela leitura dolivro da vida; o arrendamentoda base delançamento de foguetes brasileiros para os EUA; olobby de la-boratórios internacionais para a liberação de novas drogas e osinteresses em disputa no universo dos transgênicos. Estes temasapontam para a relação, cada vez mais perigosa, entre a produçãode ciência e tecnologia (C&T) e o jogo da política de mercado9.Segundo o pesquisador essa é a discussão mais premente a seempreender no Jornalismo Científico, tendo em vista o fato deque essa relação compromete definitivamente a independência ea qualidade da informação na produção de ciência e tecnologia(C&T).

9 Existe uma teoria na História da Comunicação que estuda estes proces-sos. Ela se chama Economia Política e se desenvolve a partir dos anos 60. Avertente assume uma análise sobre o desequilíbrio dos fluxos de informação,levando em consideração a realidade dos países desenvolvidos e subdesenvol-vidos. Herbert Schiller, principal teórico desta escola, escreveu a obra “MassCommunications and American Empire” (1969) inaugurando uma série de pes-quisas que levam em consideração a imbricação entre o complexo militar in-dustrial e a indústria da comunicação. Foi ele quem criou o conceito de “impe-rialismo cultural”. (MATTELART, 1999, p.113).

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A mídia, mais antenada com a busca de audiênciae a transformação da notícia em espetáculo, na maio-ria das vezes, faz a sua parte neste jogo, postando-seinvariavelmente ao lado dos que postulam o atrela-mento da ciência e da tecnologia ao mundo do ca-pital. Com raras exceções, a cobertura de ciênciae tecnologia, realizada pelos meios de comunicação,está à mercê de fatos espetaculares e vive em funçãode espasmos, pecando pela irregularidade e pela faltade especialização. Por isso, é tão difícil identificarprofissionais de imprensa que trabalham exclusiva-mente neste campo, ainda que, felizmente, os que aíse postam sejam, em geral, lúcidos e competentes.Relegada a segundo plano (entregue a jornalistas semexperiência ou especialização), a cobertura de C&Tacaba sendo fragmentada, não contextualizando asnotícias e, sobretudo, alimentando, ingenuamente, asanha dos que se apropriam do conhecimento cientí-fico visando unicamente auferir lucros (BUENO, 2001,p. 03).

Ainda citando Bueno (2001), basta consultar os jornais, as re-vistas e a televisão brasileira para identificar medicamentos queprometem, a cada dia, curas milagrosas, terapias alternativas egurus que proclamam a superioridade do produto estrangeiro. “Ocerco à informação científica está, portanto, se fechando, graçasa esse esforço global de estabelecer, a qualquer custo, o sigilo econtrole da informação científica, visando proteger interesses deparceiros privados, recrutados para financiamento de grandes pro-jetos” (BUENO, 2001, p. 07).

Continua sendo importante dispor de boas fontes, conhecer oassunto de que se fala, mas o jornalista também precisa (e devepara isso, ser conscientizado ainda nas universidades) desconfiarde quem entrevista e daquilo que lê para fundamentar as suas ma-térias. Boas fontes não significam que são “insuspeitas” e institu-ições estabelecidas nem sempre são independentes. Para Bueno,

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a maioria das escolas de Jornalismo não inclui uma disciplina vol-tada à produção de matérias de C&T e, se o fizerem, devem cuidarpara que seja prática e que esteja sob a responsabilidade de pro-fessores que tenham esta visão crítica da relação entre ciência epoder.

é preciso que os jornalistas de C&T tenham um mínimo devisão interdisciplinar, capacidade de reflexão, liberdade e cora-gem para deixar de lado velhos clichês e condicionamentos co-muns nas redações, que, na verdade, refletem os condicionamen-tos da própria sociedade. Jornais e mídia eletrônica, em geral,seguem atrás dos fatos. Mas é preciso escapar das críticas a estemodelo.

Dificilmente conseguem colocar-se uma curva adi-ante, entender antes, fazer projeções mais ou menosseguras. Basta consultarmos as coleções da imprensapara confirmarmos isso. Meia dúzia de fontes deter-mina o que os jornais e a TV vão dizer (MORAIS,2003).

Segundo Bueno (2004) em entrevista a este autor, as áreasprioritárias no Jornalismo Científico, serão evidentemente aque-las que estão definindo pautas recorrentes na mídia, como porexemplo, transgênicos, mudanças climáticas, clonagem, biodiver-sidade e biopirataria, astrofísica e cosmologia, políticas de C&Tno Brasil. Para o pesquisador falta, nas escolas e nos veículos,a conscientização sobre a importância da democratização do co-nhecimento científico e do papel que os meios de comunicaçãopodem desempenhar neste sentido.

Percebe-se, gradativamente, que esta situação tendea mudar e, nos próximos anos, uma parte significativados cursos de jornalismo deverá incorporar discipli-nas ou práticas laboratoriais voltadas para essa área.Isso já está ocorrendo na pós-graduação (especiali-zação, mestrado e doutorado). Com a capacitação de

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novos docentes nessa área, certamente a oferta na gra-duação também deverá experimentar um incremento(BUENO, 2004).

Bueno (2004) não poupa críticas na hora de avaliar os interes-ses que cercam a pauta do noticiário científico e tecnológico.

Infelizmente, o Jornalismo Científico ainda viverefém dos grandes interesses, certamente porque apauta tem sido definida fora das redações. Com isso,ele não tem cumprido o seu papel crítico de contex-tualizar as informações, as descobertas etc., a partirdo interesse público. Na verdade, o jornalismo cientí-fico precisa das fontes especializadas, mas deve estaratento aos seus compromissos. Não há dúvida de queas corporações (nacionais e multinacionais) precisamda mídia, mas em geral elas desencadeiam processosmais próximos do marketing do que do JornalismoCientífico, tendo em vista a sua contaminação por in-teresses comerciais” (BUENO, 2004).

Na sua opinião é preciso especializar os repórteres e editoresque trabalham nestas áreas, com intuito de amadurecer a redaçãocientífica. Para ele é preciso deixar claro o processo de produçãocientífica e entender como a ciência e o cientista trabalham. Tam-bém se faz necessário discutir a alfabetização científica no Brasil,evidenciando o caráter pedagógico do JC.

é fundamental deixar explícito que também nesta área con-vergem grandes interesses e que é necessário enxergar além donoticiário e não se tornar refém de fontes comprometidas cominteresses políticos, comerciais, ideológicos. Finalmente é pre-ciso definir linguagens que sejam adequadas à audiência que sepretende atingir. Para Bueno, o Jornalismo Cientifico será dife-rente na mídia impressa, no rádio e na televisão ou na Internet,em função do perfil da audiência.

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Os maiores desafios estão exatamente no fato da produção jor-nalística e da produção científica possuírem características distin-tas. Também se deve levar em consideração que apenas recen-temente, jornalistas e pesquisadores estão buscando trabalhar emparceria, aglutinando a competência de ambos os lados. A in-suficiente formação do jornalista para cobrir ciência e a incom-preensão de boa parte dos cientistas sobre o papel do JornalismoCientífico, podem comprometer a qualidade final destes produtosnoticiosos. Mas essa situação pode mudar se ambos (jornalistase pesquisadores) se dispuserem a dialogar, a entender as parti-cularidades dos processos de produção das notícias. Sobretudo,é importante que eles tenham consciência da necessidade de de-mocratizar o conhecimento científico e que trabalhem em prol daconstrução da cidadania.

Devemos lembrar a existência de correntes modernas nos estu-dos da comunicação que defendem até a existência do jornalismoenquanto “negócio de educação”, a exemplo da corrente norte-americanaCivic Journalismcom presença marcante na Universi-dade do Texas, em Austim. Neste caso, o conceito do jornal nãoestá voltado apenas para os agentes econômicos, mas é destinadoàs necessidades sociais da comunidade e para a interação com osmembros desta. Neste caso, ocorre a substituição da visão me-ramente mercadológica de que se impregna a imprensa no finaldos anos 80, por uma atitude voltada para a sociedade, tratandoo leitor não como um consumidor de um produto qualquer, mastentando levar em consideração sua plena cidadania.

1.4 Panorama histórico do jornalismo ci-entífico no Brasil e no mundo

A maioria dos historiadores das ciências concordam que a redaçãocientífica atual deriva de um sistema de comunicação secular queteve seu início no século XVI, quando a maioria dos cientistasenfrentou a censura imposta pela Igreja e pelo Estado, no final

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da Idade Média. Não há como negar, contudo, as influências etransformações que a linguagem científica sofreu desde Aristóte-les (384-322 a.C), e os seus postulados para o desenvolvimento dométodo científico, até Galileu, no século XVII, quando este ques-tiona a universalidade dos princípios físicos herdados dos filóso-fos gregos.

Para Aristóteles a dificuldade residia em expli-car porque os corpos celestes permanecem em mo-vimento quando o natural seria a evolução para o re-pouso, como observamos com os corpos terrestres.No século XVII Galileu, mantendo a universalidadedos princípios, simplesmente inverteu a questão: Por-que os corpos terrestres evoluem para o repouso, quan-do o natural seria sua permanência em movimento,como acontece com os corpos celestes? Este prin-cípio nada mais é do que a lei da inércia, um dos pi-lares da física de Newton. (FREIRE-MAIA, 1995, p.33).

As comunicações científicas formais tiveram início no finalda Idade Média, a partir daAccademia Secretorum Naturae, emNápoles, em 1560, como a primeira de muitas sociedades científi-cas que floresceram nas cidades que emergiam dos antigosburgosfeudais, “onde a existência de um comércio de alta rotatividade fa-vorecia a circulação de idéias” (BURKETT, 1990, p. 27). Romatinha a suaAcademia dei Lincei, que durou de 1603 a 1630. Já emFlorença aAccademia Del Cimentofoi fundada sob a proteção doGrão Duque Ferdinad de Médici em 1657. Ela durou apenas 10anos. Alguns de seus membros foram vítimas da Inquisição.

Na Inglaterra, aRoyal Society for the Improvement of Natu-ral Knowledge, foi proposta por Francis Bacon em 1620, massó foi aprovada em 1662 por Charles II. Cinco anos depois, em1667, Henry Oldenburg, integrante daRoyal Society, foi aprisio-nado na Torre de Londres quando o secretário de estado britânico

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achou que alguns comentários contidos numa comunicação cien-tífica criticavam a conduta de guerra da Inglaterra com os holan-deses.

Foi Oldenburg quem inventou o jornalismo ci-entífico. Ele deu início à publicaçãoPhilosophicalTransactions, periódico daRoyal Society, em marçode 1665, com seu próprio esforço. Através de domí-nio de vários idiomas, Oldenburg pôde traduzir tex-tos de várias fontes para publicação em inglês e latim.Isto aconteceu muitos anos antes que aRoyal Societyassumisse a responsabilidade pela publicação do pe-riódico científico. Oldenburg estabeleceu preceden-tes de cientistas trabalhando como editores de perió-dicos e para publicações em vernáculo. Esses con-ceitos fortaleceram a pesquisa científica na Europa.(BURKETT, 1990, p. 28).

Ao criar o periódicoPhilosophical Transactions, em 1665,Oldenburg não desconfiou que a publicação fosse durar mais dedois séculos. Em vida ele não obteve retorno financeiro emboramantivesse o caráter de divulgação científica permanente. ARoyalSocietysó transformouPhilosophical Transactionsem sua publi-cação oficial apenas 100 anos depois da morte de Oldenburg, masos cientistas acreditavam que a publicação era responsável peladivulgação da maioria das descobertas e inventos da Europa napré-Revolução Industrial.

Thomas Henry Huxley observou, já no século XVIII,que se todos os livros do mundo fossem destruídos, aexceção dos volumes do Philosophical Transactions,era seguro dizer que os fundamentos da ciência físicapermaneceriam inabaláveis e que o progresso daquelaépoca estaria amplamente registrado. (OLIVEIRA,2003, p. 19).

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Nos Estados Unidos, ou melhor, nas ex-colônias britânicasda América do Norte, a divulgação científica só conseguiu cre-scer em termos quantitativos a partir de meados do século XIX,quando a ciência e a imprensa passaram a fazer parte do cotidianodas comunidades européias. Nos jornais das grandes cidades eracomum o destaque aos surtos epidêmicos de varíola, febre e ca-lafrios. Benjamim Franklin, considerado um dos mentores dasciências em território americano, também publicou o relato desuas experiências na edição de 19 de outubro de 1752 daPennsyl-vania Gazette,veículo publicado pelo próprio cientista. Neste nú-mero Franklin descreve suas experiências com papagaios e relâm-pagos.

O surgimento de laboratórios e de associações científicas naEuropa e nos Estados Unidos em meados do século XIX, assimcomo as invenções do barco e da locomotiva a vapor, do telégrafoe do telefone, propiciaram o desenvolvimento de uma cultura ci-entífica e da necessidade dos cidadãos em obterem acesso às in-formações deste novo mundo que se mostrava através das novasdescobertas. Nesta época os aficionados de ciência afluíam às pa-lestras públicas dos cientistas. Em 1883, o editor da publicaçãoSciencesentiu-se à vontade para incentivar amadores a juntaremespécimes de rochas, plantas e insetos que as sociedades científi-cas locais pudessem discutir e analisar (BURKETT, 1990, p. 29).

Na porção norte do Novo Mundo, a forma de co-lonização expansionista inaugurada pelos britânicospuritanos e calvinistas permitiu que em um poucomais de dois séculos todo o território dos Estados Un-idos da América fosse ocupado de leste a oeste. Paraa nova nação que se erguia, o conhecimento científicoe tecnológico foi desde o início reconhecido comoelemento fundamental para a expansão territorial e ofortalecimento da economia. Assim, o Jornalismo Ci-entífico encontrou terreno fértil (OLIVEIRA, 2003,p. 21).

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Embora os cientistas recuassem do contato profissional com opúblico em geral, e com as preocupações práticas da sociedade,os leigos não foram privados de informações técnicas e científi-cas. No início do século XX, os jornais - que estavam rapidamentese transformando em veículos de comunicação de massa - traziammatérias sobre assuntos que os seus jornalistas e leitores podiamentender. Mas, com o objetivo de despertar o interesse do público,freqüentemente enfeitavam as reportagens com o bizarro e o ima-ginário. Histórias sobre o estranho, o incomum e o impossívelenchiam a imprensa popular e davam a impressão de que a ciên-cia se centrava no bizarro. Mesmo assim, os jornais publicaramos prodígios das teorias de Albert Einstein sobre a Relatividade,apresentadas em 1905, e a revolução da física que se seguiu.

Pode-se tomar como marco do nascimento do Jornalismo Ci-entífico, como o conhecemos hoje, as duas primeiras décadas doséculo XX. Burkett (1990, p. 33) cita que a experiência da 1a

Guerra Mundial e o surgimento dos Estados Unidos como potên-cia tecnológica, depois de 1919, acenderam a chama do enormeinteresse do público pela ciência e a necessidade de proporcionar,a governantes e cidadãos, os conhecimentos científicos suficientespara permitir que se formassem critérios sobre sua utilização. Noinício do século XX, o Jornalismo Científico começa a estender-secomo conseqüência da popularização da imprensa escrita e da ex-plosão técnico-científica. A 1a Guerra Mundial foi caracterizadacomo a guerra dos químicos, quando os cientistas descobriramnovos modos de produzir material bélico.

Os jornalistas glamourizavam estas descobertas que, todos con-cordavam, seriam para uma vida melhor. Os resultados a que sechegou, com o uso da química industrial na 1a Guerra Mundial,fizeram com que os jornalistas e seus patrões reconhecessem queos cientistas precisavam de uma atenção mais séria, e mais crítica.Já a 2a Guerra Mundial tornou-se a guerra dos físicos - por suacontribuição em dividir o átomo para derivar bombas de fissão epoder nuclear. Dessa vez, nem mesmo os cientistas concordaramque uma vida melhor resultaria daí.

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No período entre-guerras, os jornalistas passaram a se dedicarcom mais exclusividade à ciência e os jornais chegaram a colo-car profissionais em tempo integral para cobrir esta área. Em-bora esses repórteres especializados cobrissem muitas reuniõescientíficas, a relação entre eles e os cientistas nem sempre eramestáveis. De modo tipicamente americano os repórteres se orga-nizaram para aumentar seu poder de barganha e obter privilégiosjunto às organizações dos cientistas, fundando aNational Asso-ciation of Science Writers(NASW) em 1934.

Hoje, a maioria dos países conta com associações de jornalis-tas científicos, existindo inclusive a Associação Internacional deEscritores de Ciência, além da União Européia das Associaçõesde Jornalismo Científico e a Associação Ibero-americana de Jor-nalismo Científico. De 10 a 13 de novembro de 1992, represen-tantes dessas entidades reuniram-se em Tóquio, no Japão, para aprimeira Conferência Mundial de Jornalistas Científicos. O temacentral do encontro foi O Resgate da Ciência à Serviço da Huma-nidade. Os 165 jornalistas participantes, oriundos de 31 nações,mostraram-se preocupados "com os padrões de desenvolvimentoadotados por países desenvolvidos, que têm contribuído com ocrescimento da miséria nos países periféricos e com a destruiçãodo meio ambiente no planeta"(OLIVEIRA, 2003, p. 1).

No Brasil a história do jornalismo científico apresenta outrasconjunturas, segundo LIMA SILVA (2000). Muitos dos que pro-curaram identificar um marco na história do jornalismo que de-finisse quando começou a difusão de informações científicas pe-los meios de comunicação brasileiros preferiram aderir à tese deSolla Price, segundo o qual o jornalismo científico começa com opróprio jornalismo. Um desses estudiosos foi José Reis, divulga-dor científico pioneiro no país.

Os primeiros jornais brasileiros já divulgavam ma-térias relacionadas à ciência: O Patriota, em 1813; ONictheroy, em 1836; e O Guanabara, em 1850, pu-blicaram artigos do gênero. Segundo historiadores,o Correio Braziliense, primeiro jornal a circular no

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país (de 1808 a 1822) já tinha uma seção de ciências.Mas foi na segunda metade do século passado que,em conseqüência da segunda revolução industrial naEuropa, a divulgação científica tornou-se expressivaem todo o mundo. Mesmo tendo reflexos menoresno Brasil, a “onda” provocada pelas novas descober-tas científicas fez crescer o interesse pela divulgação(LIMA-SILVA, 2000, p. 30)

Estes dados também constam na pesquisa de Luisa Massarani“A divulgação científica no Rio de Janeiro – Algumas reflexõessobre a década de 20”, defendido como dissertação de mestradoem 1998. Nele, a autora relata a atividade de cientistas e institu-ições que procuraram popularizar conhecimentos científicos aindano final do século 19, no Brasil. Ela reuniu uma série de fatossignificativos do ponto de vista da divulgação científica (LIMA-SILVA, 2000).

Outra publicação importante foi “A Revista do Observatório”no que se refere à divulgação científica. Fundada em 1886 peloObservatório do Rio de Janeiro (hoje Observatório Nacional), como objetivo de divulgar descobertas no campo da astronomia, me-teorologia e física, a publicação tinha periodicidade mensal. Cien-tistas reconhecidos da época faziam parte da comissão de redação,entre os quais: Luis Cruls, Luiz da Rocha Miranda, Henrique Mo-rize e J.E. de Lima. Diferente das primeiras revistas, que publica-vam também artigos de artes e letras, esta era de conteúdo restritoàs ciências. A linguagem adequada para divulgar a ciência já erauma preocupação naquele tempo. A década de 20 foi importantedo ponto de vista da divulgação científica no Brasil. Fatos de-terminantes para isso foram à criação da Sociedade Brasileira deCiências (1916) e, mais especificamente, a atuação de um grupode acadêmicos que se dedicaram à divulgação científica.

Outro reconhecido precursor do jornalismo científico no Bra-sil foi o médico José Reis - formado pela Faculdade Nacional deMedicina. Em 1929 ele ingressou no Instituto Biológico de SãoPaulo, que o contratou como bacteriologista pelo mérito de ter

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sido o melhor aluno da especialização em microbiologia e pato-logia do Instituto Oswaldo Cruz (SILVA-LIMA, 2000, p. 32).Foi durante os primeiros anos no instituto, onde dava assessoriaa produtores, que escreveu seus primeiros artigos de divulgaçãocientífica.

José Reis tinha uma linguagem de fácil acesso e em 1948 foipara a Folha da Manhã (hoje Folha de São Paulo) onde escreveucentenas de artigos sobre as mais variadas áreas da ciência, pu-blicados na seção “No mundo da ciência”, veiculada aos domin-gos. Ele ganhou uma série de prêmios de reconhecimento ao seutrabalho, que não se limitava ao grupo Folha. José Reis aindanos anos 30, foi considerado o primeiro pesquisador brasileiro(e um dos primeiros do mundo) a se dedicar cientificamente aoestudo das doenças aviárias - trabalho para o qual criou termino-logia própria, antes inexistente: ornitopatologia.

Em 1948 ele foi um dos fundadores da Sociedade Brasileirapara o Progresso da Ciência (SBPC) e ganhou inúmeros prêmiospor seu trabalho de divulgação na mídia. Um dos mais importan-tes foi o Kalinga, promovido pela Unesco. Isto o ajudou a con-struir uma reputação internacional. Em 1962, ano em que se tor-nou diretor de redação da Folha de São Paulo, José Reis recebeu oprêmio de Jornalismo Científico do Estado de São Paulo. Não poracaso, ele recebeu várias homenagens ainda em vida. Desde 1978que o Centro Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnoló-gico (CNPq) criou um concurso de iniciação científica que levaseu nome. Um grupo de pesquisadores da Escola de Comuni-cação e Artes (ECA) da USP também mantém até hoje um núcleode pesquisa que leva o nome do jornalista. Na década de 90 JoséReis continuou divulgando seus artigos na coluna Periscópio, docaderno Mais, da Folha de São Paulo.

Além de divulgar descobertas e novos inventos científicos,José Reis também possuía indagações epistemológicas sobre ojornalismo especializado em ciência. O tom crítico sempre estevepresente em seus artigos.

No Brasil a divulgação se implantou tardiamente,

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se é que podemos dizer que ela esteja firmada. Emnosso País, como em outros na faixa dos ainda embusca de desenvolvimento, durante muito tempo seconfundiu com divulgação científica a informação téc-nica de natureza agrícola ou sanitária, que em certasnações, segundo podemos verificar num seminário re-alizado em 1963 no Chile, ainda é a única atividadeque aparece regularmente com o título de divulgaçãocientífica (REIS apud GONçALVES, 2005, p. 01).

José Reis, no entanto, sabia que os interesses científicos dapopulação brasileira tinham se transformado no decorrer das dé-cadas do século 20. Os jornais, por sua vez, só poderiam acom-panhar esta tendência. Ele afirmava que depois do lançamento doprimeiro Sputnik, o espaço dado pelos jornais à ciência tinha do-brado. O pesquisador também constatou o aperfeiçoamento queos jornalistas desta área tinham conseguido atingir.

Os progressos operados na própria imprensa e namentalidade dos cientistas permitiram que se chegassea um razoável meio termo e até animou o cientista abuscar com certa atividade a redação dos jornais e as-sumir o encargo sobre sua ciência para o grande pú-blico (REIS apud GONçALVES, 2005, p. 01).

Em seus últimos artigos José Reis argumenta que as universi-dades brasileiras devem dar um lugar de destaque às disciplinasvoltadas à divulgação e ao jornalismo científicos, mesmo atravésde atividades extracurriculares, lembrando que é possível a educa-ção do homem comum e de sua integração mais segura na socie-dade a que pertence, tão profundamente influenciada pela ciênciae pela tecnologia.

Uma faceta pouco conhecida de José Reis foi sua preocupaçãoe dedicação às crianças. Idealizador de concursos e feiras de ciên-cias e autor de livros para o público infanto-juvenil, ele discutiu“o quê e como” deve ser ensinado para desenvolver nas crianças

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o gosto pelas disciplinas científicas. Baseando-se na fábulaA ci-garra e a formiga, Reis escreveu um livro com o mesmo nome,direcionado à infância pré-escolar. São também de sua autoriaos livrosAs galinhas do Juca, no qual aproveita suas pesquisassobre galinhas realizadas no Instituto Biológico de São Paulo, eO menino dourado, com noções de microbiologia, para a infân-cia alfabetizada. Para os mais velhos, preparou uma novela quese desenrola em um instituto científico fazendo um passeio pelahistória natural:Aventuras no mundo da ciência.

O médico, biólogo, jornalista, pesquisador e divulgador deciência, José Reis, faleceu em 16 de maio de 2002, em decorrên-cia de uma pneumonia. Ele tinha 94 anos de idade.

1.5 Exemplos de divulgação científica naImprensa do RN

Utilizando os conceitos do pesquisador Wilson Bueno sobre Di-fusão Científica, já citados anteriormente, elegemos três veículosde comunicação para análise da atual história do jornalismo ci-entífico no Rio Grande do Norte. O caderno Da Vinci publicadoquinzenalmente pelo Diário de Natal; o projeto Polifônicas Idéias,ex-página semanal de ciência editada pela Tribuna do Norte e, porfim, a revista Odisséia, editada semestralmente pelo Centro deCiências Humanas, Letras e Artes da UFRN. Para nortear a aná-lise histórica, social e econômica destes periódicos se utiliza comoaporte teórico-metodológico os Estudos Culturais Britânicos, so-bretudo o referencial da Pedagogia Crítica da Mídia, idealizadapelo norte-americano Douglas Kellner.

Os dois primeiros suplementos foram escolhidos por teremsubstituído formalmente as editorias de ciência e tecnologia nosjornais locais Diário de Natal e Tribuna do Norte. A revista Odisséiatambém é citada na pesquisa devido a sua longevidade, pois estáhá mais de uma década em circulação, mesmo que seja um pro-

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jeto sem vínculos com a imprensa local, financiado pela UFRN ecom formato mais acadêmico.

A Tribuna do Norte tem 54 anos de existência, e o Diário deNatal têm 65 anos. Ambos os jornais possuem até hoje colunasou cadernos de comportamento, turismo, educação, cultura, lite-ratura, gramática ou gastronomia, mas as editorias especializadasde ciência não são encontradas nos jornais locais, que atualmentesão considerados de pequeno porte - tiragem diária entre 7 e 12mil exemplares - algo que limita a concepção editorial. Na ver-dade, este não é apenas um problema local, regional ou nacional.Em todo o mundo, o mercado atual de jornais diversifica seus te-mas e produtos de acordo com a demanda dos consumidores. AFolha de São Paulo e O Estado de São Paulo, por exemplo, pos-suem editorias fixas de ciência, mas existe uma demanda por estetipo de notícias, até porque os citados jornais possuem circulaçãonacional e suas receitas cobrem as despesas de vários cadernosespecializados (informática, turismo, resenhas literárias, ciências,etc).

Esta diversificação de cadernos temáticos normalmente nãoacontece nos veículos de pequeno porte. Para os executivos dasredações, como vamos comprovar nos depoimentos dos editoresneste capítulo, tudo pode ser publicado, desde que,alguém paguea conta. Só a Folha de São Paulo nos dias úteis, diariamente,vende cerca de cerca de 315 mil exemplares, sua autonomia edi-torial, portanto, é maior do que a média dos jornais nacionais (Da-dos da Associação Nacional de Jornais, RJ, 2003).

Em vez de contratar jornalistas especializados e de fundaruma editoria científica, os jornais potiguares possuem suplemen-tos científicos liderados por grupos acadêmicos. ODa Vinci, noDiário de Natal, é subsidiado pela UFRN e daí sua autonomia,pois o jornal sempre teve interesse em manter tal iniciativa, poisrecebe recursos da universidade para isto. OPolifônicas Idéias,ao contrário, recebia gratuitamente da Tribuna do Norte uma pá-gina semanal para divulgar o que desejasse, algo improvável deser mantido por um tempo longevo, pois atualmente cada página

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de um jornal pequeno custa em média R$ 1,5 mil por dia. Ficaclaro que em época de recessão, todos os projetos que não têmviabilidade comercial são cortados pelos executivos das redações.Foi o que aconteceu com o Polifônicas em seu terceiro ano deexistência.

Na Tribuna do Norte, os textos do projeto Polifônicas Idéiasjá chegavam finalizados na redação, sendo apenas diagramadosno local. Acadêmicos do GRECOM (Grupo de Estudos da Com-plexidade – UFRN), com formação em jornalismo editavam a pá-gina. O mesmo acontecia com oDa Vinci, com a diferença deque o seu projeto editorial também compreende a contratação deum jornalista do Diário de Natal, responsável pelos títulos, fotose revisão ortográfica.

Em ambos os veículos, os acadêmicos utilizaram obras de artepara ilustrar os textos. A revista Odisséia também possui umcorpo de professores e de jornalistas da UFRN, responsáveis pelasua editoração e publicação.

O Da Vinci durou de 1999 a 2003 e atualmente se encontraem reformulação gráfica e editorial. OPolifônicas Idéiasduroutrês anos (2000-2003) e terminou após a última reformulação grá-fica da Tribuna do Norte. A Revista Odisséia, sem vínculos comos jornais locais, ainda existe, mas também passa por uma re-visão conceitual. Os três projetos publicaram textos acadêmicos- envolvendo ensaios, artigos, resenhas - sem a preocupação emadotar a linguagem jornalística, nem a padronização gráfica dosjornais, com reportagens, retrancas, infográficos, etc.

Para estudar os dois suplementos jornalísticos adotamos comorecorte cronológico estes poucos anos que eles funcionaram for-malmente, de 1999 a 2003. Já a revista Odisséia tem uma lon-gevidade maior, cerca de 11 anos, mas tem poucas publicações,pois sua periodicidade é semestral. às vezes, no decorrer de suahistória, a revista teve um único número por ano. ODa Vinci eraeditado quinzenalmente e o Polifônicas Idéias semanalmente.

Embora genericamente possamos classificar os textos destaspublicações como literatura científica especializada (geralmente

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com dados extraídos de relatórios,papers, dissertações, teses,etc.) devemos lembrar que o suporte que eles se utilizam, nocaso a mídia, tem um formato público e obedece a normatizaçõespróprias, o que implica em dizer que neste caso, o público finalpode não estar sendo contemplado com a linguagem utilizada pe-los pesquisadores, mas mesmo assim, o conjunto destes textospode ser considerado como um “sistema de comunicação cientí-fica” (CAMPELO; CéDON; KREMER, 2000, p. 23).

Uma última observação deve ser feita em relação aos dois su-plementos publicados pelos jornais locais. Levando em conside-ração que eles não teriam viabilidade comercial, nem alcançariamum público desta magnitude se fossem publicados sem o suportemidiático. Os pesquisadores destas publicações resolveram uti-lizar os veículos de comunicação impressa para disseminar suasinformações, sem abrir mão, contudo, da linguagem acadêmica.

Os jornais locais então, passaram a divulgar textos da cha-madaLiteratura Cinzenta, algo não usual na grande mídia, poisos jornais que possuem editorias de ciência, geralmente adaptamos dados acadêmicos para a linguagem jornalística, a exemplo daFolha Ciência, suplemento da Folha de São Paulo e do GloboCiência, caderno especializado deO Globo. A expressãoLitera-tura Cinzenta- tradução literal de Grey Literature - é usada paradesignar documentos não-convencionais produzidos nos âmbitosgovernamental, acadêmico, comercial e industrial.

Tal como é empregada, a terminologia caracteriza documen-tos que têm pouca probabilidade de serem adquiridos através doscanais usuais de venda de publicações, já que nas origens de suaelaboração o aspecto da comercialização não é levado em contapor seus editores. A expressão se contrapõe a “literatura branca”que designa os documentos convencionais ou formais, esta sim,possuidora de características comerciais, a exemplo dos jornais,livros didáticos, etc. (CAMPELO; CéDON; KREMER, 2000, p.97).

Neste sentido devemos lembrar que os suplementos citadosnesta dissertação - mesmo que sejam veiculados em suportes mi-

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diáticos - são formalmente intitulados deperiódicos modernoscu-jos objetivos são pré-determinados pelas suas próprias naturezas.Segundo a Royal Society, os periódicos atuais cumprem com asseguintes funções:

1. são resultados de uma pesquisa original, criadas para a co-munidade científica e demais interessados;

2. tentam preservar o conhecimento através de seu registro;

3. estabelecem padrões de propriedade intelectual, pois os au-tores requerem para si os resultados de suas pesquisas;

4. realizam a manutenção do padrão de qualidade científicaonde através de dados que se comprovam cientificamente,conferem autoridade através das análises e avaliações dosespecialistas. (CAMPELO; CéDON; KREMER, 2000, p.76).

Podemos concluir esta introdução afirmando que, pela falta decadernos formais de ciência, os jornais locais preferiram veicularsuplementos acadêmicos com projetos editoriais particulares. Noentanto, devemos lembrar que os mesmos jornais locais, Diário deNatal e Tribuna do Norte, continuam publicando notícias cientí-ficas, sendo que diluídas nas outras editorias (cidades, cultura,economia). Não podemos dizer, portanto, que existe uma censurapolítica a estes temas, pois a atual indústria jornalística incentiva aveiculação de suplementos e de notícias científicas. A prova dissoé que os jornais potiguares aprovaram a existência destes projetosacadêmicos.

Os executivos dos jornais, no entanto, não tiram dinheiro dospróprios bolsos para patrocinar estas iniciativas. Eles esperaramque outras instituições investissem, como a UFRN o faz em re-lação ao Da Vinci. A justificativa dos executivos é que o mercadoestá retraído e que é necessário diminuir o espaço das editoriaiscomplementares. Segundo dados atuais da Associação Nacionaldos Jornais (ANJ), há pelo menos três anos os jornais brasileiros

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fecham o anono vermelho10 . Então se conclui que a temáticados periódicos é condicionada pela audiência. Se houver um altoíndice de audiência, se vender, os jornais publicam. Se não hou-ver repercussão, os jornais dão menos espaço. Essa é a lógica demercado com qualquer produto, inclusive os ditos produtos inte-lectuais.

Kellner (2001) salienta que os textos produzidos pela mídianão devem ser encarados pura e simplesmente como divulgado-res da ideologia dominante, tampouco entretenimento inofensivo.Muito pelo contrário, consistem em produções complexas, queenvolvem discursos sociais e políticos cuja análise e interpretaçãoexigem métodos de leitura e crítica capazes de articular sua in-serção na economia política, nas relações sociais e no meio políticoem que são criados, veiculados e recebidos.

A cultura contemporânea da mídia cria formas dedominação ideológica que ajudam a reiterar as re-lações vigentes de poder, ao mesmo tempo que for-nece instrumental para a construção de identidades efortalecimento, resistência e luta. Afirmamos que acultura da mídia é um terreno de disputa no qual gru-pos sociais importantes e ideologias políticas rivaislutam pelo domínio, e que os indivíduos vivenciamessas lutas através de imagens, discursos, mitos e es-petáculos veiculados pela mídia (KELLNER, 2001,pgs 10-1).

Kellner (2001) através de sua Pedagogia Crítica, observa namídia uma verdadeira corrida desenfreada pelo maior índice de

10 A circulação de jornais diários no Brasil reduziu-se 7,2% em 2003.Este foi o terceiro ano consecutivo de declínio. Esses recuos interrompe-ram uma linha ascensional que vinha desde 1996. Em 2003 a circulaçãofoi de 6,470 milhões de exemplares/dia, contra 6,97 milhões registrados noano anterior. Fonte: Associação Nacional de Jornais (ANJ). Disponível em:<www.anj.org.br/webc/webs/anj/isto_e/isto_e.cfm>. Acessado em 12/01/05.

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audiência. Ele afirma que a teoria social dialética estabelece ne-xos entre partes isoladas da sociedade mostrando, por exemplo, deque modo a economia se insere nos processos da cultura midiáticae estrutura o tipo de texto que é produzido nas indústrias culturais(2001, p. 38-9). Segundo o teórico, na mídia, encontra-se, atu-almente, a forma dominante de cultura (mercantilizada), a qualpromove a socialização ao mesmo tempo em que ajuda a moldara identidade das pessoas.

Kellner adota a teoria gramsciana da hegemonia e contra-hege-monia. Neste processo, os chamados “aparelhos de Estado” comoa religião, a escola e a mídia reforçam, de maneira mais sucinta,a ideologia dominante. Nessa realidade, surgem forças antagô-nicas, de resistência, que contestam a ordem vigente. Assim,Kellner desenvolve um conceito deDiagnóstico Críticocom oobjetivo de detectar as tendências da política cultural da mídia,investigando o que está nos bastidores midiáticos, através de umaanálise de suas mensagens, valores e ideologias. “Qual é o en-foque dado pela mídia a determinado fato ou objeto? Qual é odiscurso utilizado para promover a formação de determinados ti-pos de identidades?” (CRUZ, 2003, p. 09).

Neste caso devemos relembrar que os periódicos que iremosanalisar não seguem as regras do jornalismo clássico (lide, sub-lide, investigação com fontes, etc.) e por isso não podem ser clas-sificados como Jornalismo Científico, mas sim como DivulgaçãoCientífica, mesmo que as publicações sejam veiculadas em jor-nal, como no caso doDa Vinci e doPolifônicas Idéias. Mesmoassim tentaremos identificar os discursos políticos que perpassama produção específica deste tipo específico de texto científico, poisembora tenha sido criado por acadêmicos, os suplementos manti-veram, ou mantém, contato com a produção técnica dos jornais,sendo diagramados, encartados e distribuídos através de um es-quema de circulação e venda. Passamos a análise destes suple-mentos.

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1.5.1 O casoDa Vinci

Funcionando no período de 1999 a 2003, o caderno Da Vincié mantido pela UFRN, e circulou quinzenalmente encartado noDiário de Natal. Ele está sem circular a aproximadamente umano, desde que aconteceu a sucessão de reitores em 2004. A novagestão da UFRN já aprovou o projeto novamente, mas por en-quanto, ele ainda aguarda a liberação formal de verbas. Segundoinformações do editor Alex de Sousa, do Diário de Natal, ele vol-tará a circular em 2005, com novidades em seu projeto gráfico,com mais páginas e nova diagramação11.

O caderno possuía oito páginas que comportavam oito artigosacadêmicos ilustrados com obras de arte de artistas potiguares.Tal procedimento era adotado para também divulgar os trabalhosdos artistas locais. O caderno, contudo, possui rotinas diferentesde edição. Um conselho editorial formado por professores repre-sentantes de todos os centros da UFRN é que escolhe os textosa serem publicados. O editor do Diário de Natal apenas titula efaz a revisão gráfica nos textos, além de escolher as ilustrações.Ele concedeu entrevista a este autor e explicou o funcionamentodo suplemento: “Não é um caderno comum, é um projeto experi-mental. Desta forma ele não sofre alterações na redação. Excep-cionalmente, nós substituímos palavras e termos não-usuais parao jornal ou, em casos mais raros, colocamos algumas frases emordem direta, para facilitar a leitura” (SOUSA, 2005).

Algo, contudo, que facilita o trabalho de edição é que existemnormas de padronização para publicar os textos. Os autores jáentregam os artigos ou ensaios dentro destas normas e o conselhoeditorial da UFRN faz a triagem dos textos selecionados. Entreas maiores dificuldades no projeto encontradas pelo editor Alexde Souza, estão a falta de prazos e de infra-estrutura. “Os arti-gos eram entregues com poucos dias de antecedência, às vezes,24 horas antes do prazo final. Ou seja, não tínhamos tempo para

11 Entrevista concedida em 15 de janeiro de 2005. Até 03 de julho deste ano,o projeto ainda não tinha sido relançado nas páginas do jornal Diário de Natal.

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produzir as páginas com mais qualidade. Assim como os recursosempregados no projeto não eram suficientes e nós nos restringi-mos a utilizar o material da redação do Diário de Natal (computa-dores, arquivo de imagens, etc.) algo que nem sempre atende aoscritérios mais exigentes de qualidade” (SOUSA, 2005).

Os assuntos do caderno têm uma amplitude temática muitovasta, pois estão ligados a toda produção científica da UFRN.No último número doDa Vinci, por exemplo, encontramos textosde Educação, Biologia, Engenharia Mecânica, Piscicultura, ArtesPlásticas e Psicologia. Um detalhe deve ser lembrado: os artigosnão possuíam bibliografia por falta de espaço nas páginas, mas oeditor do Diário de Natal fica responsável por escolher sugestõesde leitura vinculadas ao tema.

Em cinco anos de existência, o Diário de Natal disponibilizouao caderno três editores: Carlos de Souza, Rodrigo Hammer e porfim, Alex de Souza. Este último também diagramou o cadernodurante estes cinco anos. Entre os vários editores consultados doDiário de Natal, incluindo o diretor de redação, jornalista OsairVasconcelos, nenhum se lembrou, ou confirmou a existência, nopassado, de outras editorias ou projetos científicos relevantes de-senvolvidos pelo Diário de Natal.

O Da Vinci possui um campo discursivo em seu cerne. Pode-mos afirmar que os produtores da informação (acadêmicos), rea-lizam a mediação destas informações (através da publicação emjornais), mas fica-se sem saber sobre a recepção destes textos di-ante da audiência, do público. Mas mesmo sem ter como mediro nível de aceitação do Da Vinci diante do leitor potiguar, estadissertação cita uma prática bastante comum no Rio Grande doNorte: os cadernos com assuntos pedagógicos que circulam nosjornais (Educação, Ciência e Turismo) geralmente possuem umadistribuição à parte que não vai apenas às bancas de jornais e assi-nantes. Os suplementos são distribuídos gratuitamente nas esco-las públicas, em repartições do Estado, em livrarias ou sebos. Assobras da circulação também são doadas a instituições culturaisou filantrópicas, o que significa dizer que, mesmo sem ter como

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checar a aceitação do público sobre oDa Vinci, sabemos que eletem ampla e gratuita distribuição.

Podemos concluir, portanto, afirmando que o cadernoDa Vinci,não pode ser classificado como um elemento estratégico de poderdiscursivo de uma elite dominante, apenas por circular na mídia.Ao contrário, serve como um instrumento para legitimar os textoscientíficos, tentando popularizar este tipo de documento que nãopossui um nicho específico de mercado, e que tradicionalmenteno Brasil tem um número reduzido de leitores. é também a com-plementação que faltava à concepção editorial do Diário de Natal,que não possui editoria de ciência e nem tem suficientes equipesde reportagem para cobrir a produção científica realizada nos la-boratórios da UFRN.

Outro fator importante é que o suplemento abre espaço a idéiaspolêmicas e discordantes dentro da produção científica - que ge-ralmente não encontram espaço editorial nas ditas publicações ofi-ciais da academia. Então, assuntos mais polêmicos como a Na-notecnologia ou os Fractais, já encontraram respaldo nas páginasdo Da Vinci. Vale dizer, por último, que o caderno ainda não éuma publicação indexada pelos órgãos oficiais de pesquisa. Paraos pesquisadores profissionais as publicações indexadas têm valorcurricular.

O Da Vinci e os outros suplementos citados nesta dissertaçãose depararam com um paradoxo bastante comum na atualidadedos meios de comunicação. Eram produtos eruditos que depen-diam do sistema de produção da chamada indústria cultural. Nestesentido vale citar a análise que Bordieu (1999, p. 105), realiza so-bre a estrutura de funcionamento do campo da produção erudita,ao lembrar que existe um sistema de relações objetivas entre asdiferentes instâncias definidas pela difusão de bens simbólicos eintelectuais. Bordieu distingue o produto erudito do popular semrealizar, no entanto, julgamentos ou análises valorativas sobre es-tes produtos. Sua intenção é demarcar a existência deste camposocial da produção destas idéias.

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[...] de um lado, o campo de produção propria-mente erudito enquanto sistema que produz bens cul-turais, e os instrumentos de apropriação destes bens.[...] Por outro lado, o campo da indústria cultural,especificamente organizado com vistas à produção debens destinados ao grande público (BORDIEU, 1999,p. 05).

Bordieu (1999, p. 105) salienta que o sistema da indústria cul-tural obedece às leis do mercado, através da concorrência, pois oobjetivo é ampliar cada vez mais o público, enquanto o campo daprodução erudita tende a produzir ele mesmo suas normas de pro-dução e critérios de avaliação de seus produtos. A vantagem desteparadoxo, é que ambos os sistemas podem se alimentar das virtu-des do outro. Enquanto a produção erudita apresenta e difunde umconhecimento científico que geralmente não chega a um grandepúblico leitor, por outro lado, os veículos de comunicação se cre-dibilizam com aquele tipo de informação, gerando então, sistemashíbridos de informação; algo já previsto pela Escola de Frankfurt.Por último deve se lembrar que tanto a produção erudita, quanto aindústria cultural são obrigadas a se adaptarem em termos de lin-guagem, quando se dirigem a um público vasto, e quase sempre,leigo. As populares revistas de ciência (Science, National Geo-graphic, etc) são exemplos destes sistemas mistos. São revistasbalizadas por renomadas associações científicas, mas que se uti-lizam do aparato técnico da indústria cultural para disseminar assuas informações, quase sempre em linguagem jornalística.

1.5.2 ProjetoPolifônicas idéias

Outro exemplo distinto de divulgação científica existente na UFRNe que foi aos jornais locais é o projeto Polifônicas Idéias, que ocu-pou durante três anos uma página semanal na Tribuna Do Norte,em Natal, divulgando artigos de cientistas, pesquisadores, e es-critores de âmbito nacional e internacional. O projeto pertence

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ao Grupo de Estudos da Complexidade (GRECOM) ligado aosprogramas de Pós-Graduação em Educação e Ciências Sociais naUFRN.

Editada durante três anos (2000-2003), a página semanal re-uniu artigos, ensaios, trechos de contos e até poesias, sempre le-vando em consideração a possibilidade de fusão entre conheci-mentos, disciplinas e saberes. O formato e o conteúdo dos tex-tos, no entanto, sempre tiveram independência, não obedecendoaos esquemas fixos da edição jornalística - uma brecha difícil deser conseguida em um jornal de circulação diária e estadual - aomesmo tempo em que o GRECOM também manteve uma lingua-gem independente da divulgação acadêmica.

Deve ser dito, por outro lado, que a existência do projeto Po-lifônicas Idéias sempre foi questionado pelos editores da Tribunado Norte, fato este debatido inúmeras vezes dentro da redação.O principal motivo é que todos os cadernos possuem poucas pá-ginas e os editores travam batalhas profissionais para conseguircada vez mais espaço para seu noticiário particular (cidades, cul-tura, política, etc.). Era comum que o espaço da página dedicadaao Polifônicas Idéias, fosse requisitado para compor outros cader-nos.

Parte dos editores do jornal também acreditava que o projetocontemplava assuntos de interesses de grupos acadêmicos e mino-ritários, em detrimento da divulgação defatos quentes, considera-dos pelos jornalistas mais importantes, pelo menos, essa era umaposição consensual entre os editores da Tribuna do Norte. A pá-gina, contudo, foi mantida pela direção da Tribuna do Norte, poisos executivos acreditavam - em um posicionamento coorporativoe não pelo bem do desenvolvimento científico - que a página doPolifônicas Idéias era uma forma de deixar o jornal mais eclético,contribuindo assim com a vendagem. O diretor de redação CarlosPeixoto deu a seguinte declaração sobre estes critérios. “Quandopensamos em fazer um jornal devemos levar em consideração osmais variados interesses do público leitor. Não posso fazer umjornal apenas para os meus amigos” (PEIXOTO, 2001). Vale lem-

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brar que o autor desta dissertação foi repórter na Tribuna do Norte,no mesmo caderno que veiculava a página do projeto PolifônicasIdéias, durante o mesmo período de veiculação do projeto.

Sempre acontecem embates entre repórteres, editores e direto-res dos jornais. Estes últimos, na maioria das vezes, também sãoos donos dos jornais, e as suas determinações prevalecem hierar-quicamente. As dificuldades financeiras e as revisões do projetográfico fizeram com que a página do Polifônicas Idéias fosse ex-tinta no segundo semestre de 2003, pelos mesmos executivos queapostaram no projeto três anos antes.

“Nossa proposta, contudo, sempre foi mais ambiciosa do queser apenas um suplemento jornalístico” analisa a antropóloga Ma-ria da Conceição (2003)12 , coordenadora do GRECOM, fazendoreferência ao livro editado a partir desde projeto na Tribuna doNorte:Polifônicas Idéias: por uma ciência aberta, publicado pelaeditora Sulina, em 2003. Por questões relativas ao espaço edito-rial, o livro não pode reunir tudo o que foi publicado durante ostrês anos no jornal, optando-se então por compilar 68 textos numvolume com 317 páginas.

Entre os temas tratados podemos encontrar umcorpus teóricoque se desloca entre a psicanálise e a matemática, etnologia, es-piritualidade e estética, natureza e método, entre outros antago-nismos sempre amalgamados pela proposta de construir um novosaber - ideário defendido pelas Ciências da Complexidade, a qualo GRECOM se vincula academicamente.

O projeto Polifônicas Idéias não se restringiu apenas à divul-gação dos fatos científicos no jornal. A iniciativa também fomen-tou debates na UFRN, levando convidados a discutir idéias cientí-ficas com alunos e professores em auditório aberto. O biólogoHenri Atlan, o sociólogo Edgar Morin, o crítico de arte MarcusLontra e até o jornalista José Simão, participaram destes debates,entre outros convidados. Sempre em busca de uma linguagem

12 Entrevista feita por este autor, publicada na Tribuna do Norte (RN) em 11de abril de 2003.

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mais ampla, capaz de tematizar umanova ciência, o PolifônicasIdéias apresentou, portanto, esta tríplice configuração: página se-manal de jornal, encontro para debates, e agora, o livro.

Na opinião de um dos mentores do projeto, o sociólogo EdgarCarvalho, em entrevista a este pesquisador13, o Polifônicas Idéiasfoi uma exceção na imprensa brasileira: “Uma página semanalque trata de temas de uma forma não-disciplinar”. Seus alunos daPUC-SP liam a página semanal pela Internet. Para Carvalho, oprojeto jornalístico conseguiu caminhar entre a divulgação cien-tífica e o jornalismo sempre tentandoarejar a linguagem acadê-mica, algo que, às vezes, nem sempre facilita a compreensão dasidéias e temas tratados.

“A página do Polifônicas foi uma exceção na imprensa brasi-leira por tratar de temas científicos de uma forma não-disciplinar.Não existe isso em jornal nenhum do Brasil” (CARVALHO, 2003).O sociólogo analisa ainda que existiram temas maisáridos cujacompreensão era mais difícil para leitores, mas por outro lado, se-gundo o professor, também existiram ensaios que se liberaram dalinguagem formal acadêmica, ficando livres das aspas, citações,referências e advérbios, conseguindo o equilíbrio necessário paradivulgar os fatos científicos de maneira clara: “O saber não podeficar restrito a uma linguagem cifrada, da mesma maneira quenão pode ser vulgarizado. Acho que é necessário o equílibrio”.(CARVALHO, 2003).

Outro fator que deve ser levado em consideração é o lequede alianças que o projeto forjou. O professor Yves Bonnefoy, doColégio de França, escreveu sobre a educação contemporânea. Aprofessora da Unicamp, Salma Tannus dissertou sobre a verdade,enquanto a matemática Teresa Vergani, docente da Universidadede Lisboa, defendeu o uso da criatividade no ensino atual. Te-mas antagônicos passaram a compor o repertório do PolifônicasIdéias, como por exemplo, a etnologia e a geografia das grandescidades, a alta tecnologia e o folclore, a cibernética e a estéticado sertanejo. Cada pesquisador tinha liberdade para escrever de

13 Ver entrevista completa no anexo A.

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acordo com o seu próprio repertório, desde que não ultrapassasseo limite de uma página de jornal tamanhostandart, o equivalentea três laudas formais. Os textos não tinham um formato pré-determinado, sendo encontrados em todos os gêneros: crônica,ensaio acadêmico, prosa, poesia, reportagem, artigo, etc.

Outro detalhe que merece destaque foi a ênfase à cultura popu-lar, arte e literatura, nem sempre consideradosciênciapelos pes-quisadores. Inúmeros textos foram dedicados aos temas, dandoprova de que, nem só deciência pura e aplicadase faz a episte-mologia de uma época. Os colaboradores do projeto estudarame escreveram sobre inúmeros assuntos, entre eles: a história in-dígena presente na praia de Coroa Vermelha, na Bahia, onde oBrasil foi descoberto; as idéias nômades do Marrocos, a literaturanordestina e até os Ex-votos, peças de gesso ou madeira que sãoobjetos de devoção na cultura religiosa brasileira.

Fica claro que um projeto desta natureza foi construído comdezenas de mãos trabalhando juntas, consolidando as teias de in-formação, sentido e configuração da realidade previstas por teóri-cos como Fritjot Capra, Pierre Lévy, Michel Serres entre outrosautores. Na verdade, o projeto pode ser visto como um novo tipode postura que os grupos de pesquisa vem adotando no sentido deconstruir um saber acadêmico mais independente e que não pre-cise, necessariamente, de vínculos estritos com a academia; alémde ajudar a divulgar novos eventos e teorias voltadas para a di-fusão de ciência e tecnologia.

O sociólogo Edgar Morin, principal formulador das Ciênciasda Complexidade concedeu entrevista a este autor, quando esteveem Natal, no final de 200314. Na ocasião ele fez críticas ao jor-nalismo científico brasileiro, considerando-oatrasadoe afirmouque vivíamos um paradoxo onde as condições bastante singula-res do Brasil proporcionam um movimento intelectual que buscasoluções para os problemas do País, e ao mesmo tempo, buscaresolver questões teóricas do conhecimento. “O quadro, em ge-ral, é parecido em toda América Latina. [...] Penso que é uma

14 Ver entrevista completa no Anexo A.

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curiosidade, uma aspiração para que se desenvolva aqui um modode conhecimento mais adequado à realidade da América Latina”.Edgar Morin afirmou ainda que as universidades devem ser uma“catedral” que exponha a condição humana como ela é: fragmen-tada.

Elas devem refletir e discutir a nossa condição hu-mana e planetária, além de estudar os problemas deincompreensão que existem entre os povos, etnias ereligiões. Penso que todas as universidades devemser para todos, uma parte da vida dedicada ao conhe-cimento do conhecimento. (MORIN, 2004).

Neste sentido, podemos concluir que a página semanal do Po-lifônicas Idéias se enquadra neste aspecto estrutural descrito porEdgar Morin, pois discutia temas e assuntos de respeitabilidadecientífica sem se deter, contudo, nas limitações da normatizaçãodo texto acadêmico, buscando uma linguagem própria e indepen-dente. Mas enfrentou por outro lado, resistências formais à suaforma e conteúdo. A página semanal teve a promessa de ser in-dexada ao MEC, mas isto não ocorreu porque o projeto teve umcurto período de vida. Nem a Tribuna do Norte, nem nenhumoutro jornal potiguar, teve projeto semelhante em suas páginasdiárias, pois o Polifônicas não era encartado: ao contrário, faziaparte do próprio jornal, sendo uma das seções do caderno de cul-tura, intituladoViver.

1.5.3 RevistaOdisséia

A revista Odisséia possui mais independência, pois utiliza um veí-culo próprio, no caso, uma revista, para divulgar os seus textos,além de ter maior longevidade em relação ao outros dois suple-mentos analisados. Em 2004 fez onze anos de existência, emboracom uma periodicidade deficiente - é semestral mas, dependendodas condições gráficas pode sair anualmente - e possui jornalistasno seu corpo editorial, embora também tenha o mesmo enfoque

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acadêmico: não publica notícias, mas ensaios, artigos, poemas,etc. Congregando linhas distintas de pensamentos e textos devárias disciplinas da área de humanas, a revista tem o formatode álbum e cumpre com um papel comum a este tipo de publica-ção: divulgação dos textos de pesquisadores que não teriam vezna grande imprensa.

Segundo a jornalista Marize de Castro, coordenadora do pro-jeto e funcionária da UFRN, o objetivo é apresentar os assuntos deuma maneira mais artística, sem, contudo, negar a ciência. Os tex-tos enviados à redação da revista são analisados por um conselhoeditorial. O principal critério para aceitação é a linguagem uti-lizada pelo autor. No entanto, a publicação não se caracteriza porcongregar apenas as opiniões de vanguarda: "Uma das peculiari-dades da Odisséia é o fato dela estar aberta a toda comunidade.Qualquer pessoa pode ser colaboradora da revista, desde que ostextos sejam aceitos previamente pelo conselho da publicação”15,enfatiza Castro.

Sete professores universitários integram o conselho editorialenquanto outros três docentes editam a revista. Cada edição trazna capa uma obra plástica de algum artista local. "Mesmo sendoum veículo de comunicação da produção universitária, entende-mos que a Odisséia poderia ter uma forma mais popular de abor-dar os assuntos, em contraponto ao formalismo da academia", res-salta Alípio de Souza, professor de Ciências Sociais e tambémeditor da publicação16.

As dificuldades para se manter uma publicação de luxo (emcores, papel cartão, formato álbum) em uma autarquia tambémsão grandes. Além de não ter uma periodicidade definida - al-ternando a publicação entre a semestralidade e uma única ediçãopor ano - ainda ocorrem grandes atrasos como, por exemplo, onúmero do ano de 2000 saiu apenas em 2001. A revista sempre

15 Entrevista concedida a José Soares de Veras Jr. e publicada na Tribuna doNorte, intitulada “Odisséia Literária”, no Caderno Viver em 31/07/01.

16 Este depoimento também foi extraído da matéria “Odisséia Literária”,publicada na TN em 31/07/01.

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funcionou em caráter experimental, tendo surgido como um Pro-jeto de Extensão da UFRN. Nunca teve, portanto, a atribuição deser uma publicaçãooficial, ligada a alguma base de pesquisa oucentro da UFRN.

A editora Marize de Castro afirma que também há problemasde divulgação e de distribuição, além da periodicidade: “faltaestrutura material assim como um pouco mais de interesse dosenvolvidos” (CASTRO, 2001). Com uma tiragem de 1000 exem-plares a publicação tem em média 150 páginas e vem sendo dis-tribuída através das livrarias locais. Ela custa entre 5 e 10 reais.Segundo a editora, o valor, embora não seja popular, é uma formade dar crédito à Odisséia. A revista não é a única do gênero. Exis-tem outras publicações vinculadas ao Centro de Ciências e Artesda UFRN. Uma delas é revista Vivências, com tiragem mais limi-tada e distribuição mais restrita.

A Odisséia também inovou em alguns aspectos formais. Elapassou a publicar entrevistas de perguntas e respostas (em formatoping-pong) - algo que os outros veículos citados neste capítulonão aceitam - e sempre publicou textos de alunos da graduaçãocom trabalhos vinculados a bases formais de pesquisa da UFRN,algo que os outros suplementos citados também passaram a fa-zer, embora com restrições. Sua diagramação permite fotos ouilustrações em preto-e-branco com tamanho de uma página A4,mas os textos mantêm seu caráter formal, respeitando as regrasda Associação Brasileira de Normas Técnicas, incluindo a publi-cação de referências bibliográficas. Os textos dos colaboradorespoderiam chegar até 15 laudas, algo impensável nas publicaçõescongêneres.

Podemos concluir que a revista Odisséia, diferente dos suple-mentosDa Vincie doPolifônicas Idéias, tem uma maior indepen-dência em relação à mídia convencional. Seu conteúdo (150 pá-ginas) não poderia ser publicado em um jornal convencional, poisos jornais locais sequer ultrapassam as 100 páginas diárias. Estegrupo de acadêmicos, no entanto, resolveu ter uma mídia própria,configurando assim, uma estratégia de divulgação de textos aca-

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dêmicos, mas sem ter, contudo, a mesma penetração social dosoutros suplementos citados. A tiragem média da Odisséia semprevariou entre 500 e 1000 exemplares, algo razoável para o con-texto universitário, mas incipiente ao se comparar com o esquemade circulação de um jornal estadual.

1.5.4 Conclusão

Kellner (2001) afirma que os cidadãos devem aprender a ler ecriticar a mídia - não descartando a hipótese de criação de suaspróprias mídias - avaliando seus efeitos e resistindo à manipu-lação. Desta maneira os indivíduos poderão se fortalecer em re-lação à cultura dominante: “Criando seus próprios significadose usos e fortalecendo-se com a matéria-prima extraída de suaprópria cultura, desta forma terão plenas condições de discernir oconteúdo midiático, produzindo novas formas de cultura” (KELL-NER, 2001, p. 12) pois:

Segundo Kellner, na mídia, encontra-se, atualmente,a forma dominante de cultura (mercantilizada), a qualpromove a socialização ao mesmo tempo que ajuda amoldar a identidade das pessoas. Através de um véusedutor que combina o verbal com o visual, a cul-tura da mídia – que é a cultura da sociedade, enfatizaKellner – traduz uma ampla dependência entre comu-nicação e cultura. Através desta inter-relação, divulgadeterminados padrões, normas e regras, ensina o queé bom e o que é ruim, o que é certo e o que é errado;ajuda a formar identidades, fornece símbolos, mitos eestereótipos através de representações que modelamuma visão de mundo de acordo com a ideologia vi-gente. (CRUZ, 2003, p. 06).

Podemos concluir, portanto, que os veículos analisados nestadissertação, independente de suas metodologias de edição e publi-

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cação dos textos, cumprem com várias funções sociais e podemser enquadrados nas seguintes terminologias:

1. eles não podem ser classificados como jornalismo cientí-fico, pois embora dois destes suplementos tenham sido vei-culados em jornais, eles não obedecem as normatizações dotexto jornalístico - lide, pirâmide invertida, frases em ordemdireta, etc17;

2. eles devem ser classificados comodivulgação científica, poisservem primeiramente para divulgar textos acadêmicos;

3. por outro lado eles também estão incluídos no conceito deDifusão Científica, pois são o resultado da organização depesquisadores acadêmicos que decidiram editar e publicartextos que não seriam formalmente publicados na grandeimprensa, por razões econômicas, técnicas e ideológicas,como atestamos nesta dissertação.

Nos estudos da Cultura da Mídia, proposto por Kellner (2001),em determinado contexto sócio-cultural, é investigado a produçãocultural, bem como sua economia política, a análise do texto e arecepção destes pelos públicos, sem perder de vista – os aspectoscríticos e políticos. “Cada vez mais, a mídia torna-se a granderesponsável pela formação cultural das pessoas. Boa parte dessacultura transmitida pelos meios de comunicação visa o lucro, agrande audiência e a manutenção dostatus quo”. (CRUZ, 2003,p. 06).

Podemos concluir constatando que os pesquisadores responsá-veis por estas publicações também se insurgiram contra o mo-delo vigente de “Jornalismo Científico”, que contempla apenas os

17 “Lead” significa “liderar”. O termo se refere ao primeiro parágrafo dotexto jornalístico onde o repórter tenta responder a seis perguntas diante dofato: o que? Quem? Como? Onde? Como? e Por quê? A outra regra pri-mordial do texto jornalístico é a “Pirâmide Invertida”, técnica na qual o repór-ter elabora os fatos em ordem decrescente de importância a partir do segundoparágrafo da notícia (Fonte: Novo Manual da Folha de São Paulo, SP, 1998).

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avanços tecnológicos dos grandes laboratórios ou dos fenômenosda natureza que atraem a atenção das massas. Além disso, nãose pode deixar de afirmar que o Jornalismo Científico, nacionale internacional, baseia-se quase sempre numquadro clichêde re-ferências determinadas, eleito pelo consumo de massas. Mesmoque este mercado cresça em popularidade, a forma como os fatoscientíficos são transmitidos nos cadernos de ciência - em lingua-gem coloquial, sem aprofundamento histórico dos fatos - quasesempre não tem valor, ou não interessa a pesquisadores profissio-nais e adeptos da literatura canônica.

A espetacularização da notícia também não interessa aos pes-quisadores, pois na maioria das vezes, eles não têm obrigações ounão tomam como referência o mercado editorial, pois a maioriade suas publicações são subsidiadas pelos poderes públicos, comono caso doDa Vinci e da revistaOdisséia. Então, podemos dizerque nestes veículos há maior liberdade editorial, há um quadro dereferências maior para o uso da linguagem acadêmica, da mesmamaneira que se pode publicar textos de acordo com as regras daABNT, sem ter preocupação com a aceitação da audiência, ou avendagem dos suplementos.

Podemos fazer uma análise paralela, para exemplificar as nos-sas constatações. Na edição de janeiro de 2005 da Superinter-essante, o editor Adriano Silva afirma no editorial que apenas em2004 a Editora Abril lançou mais de 139 publicações de cunho ci-entífico, entre revistas, DVDS, CDs-ROM; incluindo documentá-rios adaptados da BBC de Londres e livros escritos por jornalistasda própria editora Abril. Estas publicações tiveram retorno co-mercial, embora os textos jamais pudessem ser aceitos em suple-mentos acadêmicos. A maioria destas reportagens possui lingua-gem coloquial, faz referência à cultura pop (cinema, quadrinhos,artes plásticas, paradas de rádio, etc.), embora se fundamentemquase sempre em textos ou fatos científicos aceitos pela comuni-dade acadêmica.

Mas o apelo da comunicação massiva é tão forte que apenasnas últimas doze edições da própria Superinteressante, a revista

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fez várias capas baseadas nos filmes históricos do momento oubaseada nosbest-selleresmais vendidos, a exemplo dos filmesTróia, Alexandre e da obra literária Código de Da Vinci, algo im-pensável de ser realizado em um veículo acadêmico. Cabe sa-lientar que não se trata de subestimar a inteligência do receptor.Muito menos afirmar que as notícias transmitidas são consumidasuniforme e passivamente. é evidente que o modo de absorção dasinformações varia de indivíduo para indivíduo. No entanto, não sedeve superdimensionar a noção de receptor ativo ou passivo. Tudodepende do contexto sócio-cultural. A capacidade para produziruma opinião está partilhada de forma desigual e, em particular,varia em função do capital cultural de cada pessoa (CRUZ, 2003,p. 06).

Segundo Kellner (2001), uma perspectiva multicultural críticapressupõe uma interpretação da cultura e da sociedade que leveem conta as relações entre poder, dominação e resistência, articu-lando as várias formas de opressão em dada sociedade por meiode perspectivas multiculturais. Para isso, são adotadas normas evalores que possibilitam fazer um estudo crítico dos textos. Nessesentido, deve se valorizar positivamente fenômenos que promo-vam a liberdade humana, a democracia, a individualidade e outrosvalores que são defendidos e valorizados em estudos e situaçõesconcretas (KELLNER, 2001. p. 125). Neste sentido podemos di-zer que os suplementos científicos citados nesta pesquisa ocupamum espaço editorial inexistente nos veículos locais de comuni-cação e que os seus realizadores têm intenções pedagógicas atra-vés da disseminação desses textos científicos. Embora não lidemcom o produto noticioso atual, tais textos suprem a carência denotícias científicas nestes veículos, e ainda servem para divulgaro trabalho quase anônimo da maioria dos pesquisadores profissio-nais.

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1.6 Uma breve história do jornalismo ci-entífico no cotidiano das escolas pú-blicas e privadas do Brasil

Historicamente o Jornalismo e a divulgação científica surgiram hámais de 300 anos. O seu largo uso nas escolas de ensino médioe fundamental, no entanto, é muito mais recente, tendo se inten-sificado apenas nas últimas duas décadas, segundo Feiffer (2001,p. 41). Podemos exemplificar este uso através das enciclopé-dias ilustradas, livros didáticos de ciências que na atualidade nãopodem prescindir das reportagens científicas, ou dos seus dados,ou da sua linguagem. A Barsa, a Enciclopédia Britânica e o Al-manaque Abril são bons exemplos disso. Os livros para-didáticostambém podem ser mencionados, como por exemplo, as coleçõesVaga-Lume, Para Gostar de Ler, assim como toda literatura canô-nica. Estas propostas têm direcionado o uso da mídia em sala deaula como eixo norteador dos temas para discussão.

Por outro lado, encontramos órgãos institucionais,como as universidades e escolas técnicas, que têmtornado a mídia, cada vez mais, como base das for-mulações de suas questões nos exames de admissão.Neste caso a mídia é tida evidentemente como re-flexo daquilo que acontece no mundo em termos deinformações, das opiniões, dos exemplos e, no casoespecífico, da língua portuguesa, do modo como sedeve e não se deve escrever a nossa língua nacional.(FEIFFER, 2001, p. 42. ).

Neste sentido pode-se dizer que a mídia e todos os seus ele-mentos constitutivos não são apenas um produto econômico mol-dado ideologicamente em unidades cristalizadas, mas deve serentendida como uma prática discursiva das conjunturas sociais esimbólicas. Onde os sentidos se dão no discurso, não na palavra:

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já que são historicamente constituídos. Portanto a mídia é tam-bém vista, sobretudo através da Recepção, como uma prática dis-cursiva, constitutiva das conjunturas nacionais, de sua memóriae de sua cultura, “além de estar no movimento da história, pro-duz também o próprio movimento histórico em seu duplo papelde produzir coerência e unidade social, além de formar opiniãopública”. (FEIFFER, 2001, p. 47).

Para Orlandi (2001) toda e qualquer divulgação científica temuma correlação direta com o desenvolvimento das tecnologias dalinguagem. Neste caso, a escrita é vista como uma forma de re-lação social, investida então da responsabilidade de mediar a pro-dução de conhecimento. Sendo assim estaríamos diante de umaconstatação. A produção de sentido envolve três momentos: aconstituição, a formulação e a circulação, além da indissociabili-dade entre ciência, tecnologia e administração.

[...] O Jornalismo Científico é, nessa perspectiva,um índice do possível na ciência. Neste caso o leitorde ciência é um sujeito que participa da constituiçãoda sociedade urbana e que entra nesse processo, queé o da divulgação científica, em busca da sociabili-zação do conhecimento. [...] O movimento de signi-ficação que caracteriza a presença pública, publicizaa ciência. O que significa isso? Como veremos, apublicização significa a própria possibilidade de sefazer ciência em uma formação social como a nossa.(ORLANDI, 2001, p. 22).

Orlandi (2001) apresenta um exemplo histórico da divulgaçãocientífica em sala de aula. No discurso de início de ano das esco-las da III República na França, o termorepúblicaaparece saturadoem três lugares: o do locutor, porque ela se endereça às crianças,o da cronografia, pois ela é a fase última da história, de onde seenuncia o discurso, e da topografia, pois é ela quem determinao território-pátrio. “O discurso escolar tem justamente por papel

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integrar os estudantes à República sob forma de cidadão” (OR-LANDI, 2001, p. 23).

Nunes (2001) defende que o discurso da divulgação científicaestabelece uma relação entre o divulgador, o cientista e o públicoleitor. Para compreendê-lo é preciso considerar o modo comoesta relação se estabelece. O que ocorre é o entrecruzamento dediferentes espaços de significação: o do meio de divulgação, oda ciência e do universo do leitor. “Está em jogo a homogenei-dade/heterogenidade dos campos de saber, a migração dos senti-dos de um domínio a outro e as diversas formas de agenciamentodesses campos de significação (NUNES, 2001, p. 32).

Outro fator que deve ser considerado em relação à linguagemcientífica é o apelo popular do gancho temático em torno dasdes-cobertas. Desde os astrônomos fenícios, até a química de micro-partículas do século XXI, as descobertas, ou o uso simbólico doque isto representa - perpassaram o discurso de filósofos, reis epraticantes de ciência. De Giordano Bruno, que no século XIIIvislumbrava a existência dos átomos, até Albert Einstein - todoseles se valeram do princípio dialógico implícito no termodesco-berta. Uma possível sedução para formar opinião pública, so-bretudo em sala-de-aula, quando se evidencia novos dados a umaclientela ávida por conhecer sua realidade material. Nunes (2001,p. 35) alega que ao se falar sobre descobertas criam-se pontos dereferência, que vão se encadeando e formam um quadro das práti-cas científicas, constituindo-se assim um imaginário em torno doque se descobre. Para compreendê-lo é preciso considerar o modocomo esta relação se estabelece.

Gostaríamos de lembrar que não é nossa intenção estudar ouso das novas tecnologias nas escolas, a exemplo do vídeo oudos computadores, assim como não há intenção de avaliar o usodos jornais impressos em sala de aula, pois tais assuntos fogem aoobjetivo proposto pela dissertação. A premissa da investigação re-cobre a produção de conhecimento através dos meios, lembrandoque neste caso, de acordo com os Estudos de Recepção e Me-

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diação, este conhecimento se dá através da linguagem e da pro-dução de sentido.

Sendo assim, devemos reafirmar que hoje em dia existe umagrande quantidade de livros e de textos com linguagem jornalí-stica usados nas escolas modernas. Determinados jornalistas eseus textos noticiosos - sejam eles de ordem científica ou literária- possuem lugar marcado nas aulas de várias disciplinas, incluindogramática, redação, lingüística, semiótica, geografia, história, fi-losofia, informática, entre outras ciências. Entre estes jornalistaspodemos citar José Arbex Jr., com inúmeras obras de geopolíticaadotadas em várias escolas de ensino médio em todo Brasil, ouos textos de Paulo Heitor Cony, sempre presente nas aulas de por-tuguês, assim como os textos de Fernando Morais são peças im-portantes para as disciplinas de História, entre outros exemplos.

Devemos lembrar também que a maioria dos livros didáticos,de qualquer disciplina, possuem textos jornalísticos de repórte-res anônimos que servem como provas explicativas dos assun-tos tratados, sobretudo quando envolvem temas ligados ao meio-ambiente, às ciências aplicadas, à arte, filosofia e literatura.

Desta maneira fica difícil afirmar que a mídia, ou que o jor-nalismo é apenas um instrumento em sala de aula na atualidade,quando os próprios instrumentos escolares estão abrindo mão dasua linguagem clássica e estão sendo modificados, adaptados àlinguagem de divulgação científica adotada pelos meios de comu-nicação. Podemos citar como exemplo às gramáticas atuais, ouos compêndios de biologia, física ou química: todos eles utilizamlargamente reportagens, tiras de quadrinhos,chargesou citam fil-mes nos seus volumes atuais do ensino médio ou fundamental.Mais do que isso, se notam modificações no contexto da infra-estrutura das escolas e a modificação da própria sala-de-aula, queagora não pode prescindir da televisão, dos computadores, da In-ternet.

Deve ser dito também que a maioria das escolas de ensino mé-dio, fundamental e cursos universitários produz jornais, vídeos,sites— quase sempre adotando a linguagem jornalística. Neste

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caso a mídia não é apenas um instrumento: ela também instru-mentaliza e aperfeiçoa a linguagem escolar.

Há vários ganhos com a educação pela ou para acomunicação. Primeiro, é uma atividade que exige aintegração, na prática, de conhecimentos de diversasáreas (e é isso que as escolas vêm buscando). Se-gundo, um estudante ao criar um produto de comuni-cação adquire o “vocabulário” do meio em questão.Quem edita um vídeo, por exemplo, passa a assistirà televisão de maneira muito mais crítica. Nos EUA,isso vem sendo chamado de “media literacy”, ou “al-fabetização em comunicação”. (Fontes de Educação:guia para jornalistas. Brasília, DF: Fórum Mídia &Educação, 2001).

Podemos finalizar este capítulo, portanto, lembrando que achamadaSociedade do Conhecimentofez com que educadorese jornalistas aumentassem as possibilidades de formar e informarcidadãos. Por outro lado, não podemos deixar de afirmar que boaparte dos educadores ainda discorda de que o seu fazer tem seme-lhança com o de um jornalista. E boa parte dos jornalistas aindanão considera no dia-a-dia que seu fazer tem um papel educativo(Fontes de Educação: Guia para Jornalistas. Brasília, DF: FórumMídia & Educação, 2001, p. 73). Mas vem surgindo em todomundo uma série de movimentos e experiências que procurampesquisar e promover ações que envolvem estes dois campos. Umexemplo disso é o próprio Fórum Mídia & Educação, que reúnejornalistas e educadores na busca de soluções para qualificação dojornalismo e da educação.

No Brasil foi criada em 1999 uma Rede de Educação pelaComunicação: a Reducom, mantida pelo programa Cidadão 21,do Instituto Ayrton Senna, em aliança com a Embratel. O pro-jeto reúne 12 organizações não-governamentais em três redes dejovens, com objetivo de trocar, sistematizar e multiplicar expe-riências nestas áreas. Segundo o Fórum Mídia & Educação, até

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2001 já existiam mais de 50 Organizações Não-Governamentaisno Brasil que atuavam na busca de soluções para a qualificação dojornalismo educacional e da própria educação, entre elas podemoscitar as mais tradicionais como aAndi (Agência de Notícias dosDireitos da Infância); aCemina(Centro de Projetos da Mulher)voltado para capacitação de educadoras no uso do rádio; aCOM-PED (Comitê dos Produtores de Informação Educacional) que ar-ticula 15 instituições governamentais e não-governamentais, pro-dutores e editores na área educacional;Cidade Escola Aprendizem São Paulo, que desenvolve projeto de comunicação e novastecnologias para estudantes de escolas públicas e particulares; e aComunicarte, consultoria pioneira no Brasil na aplicação do Mar-keting na Pedagogia Social, entre outras organizações.

1.7 Final do Capítulo I

Podemos concluir, portanto, que existe um papel formador doJornalismo Científicoem sociedade, justamente por ele ser li-gado à divulgação dos avanços tecnológicos, tornando públicasinformações relevantes ao aperfeiçoamento do conhecimento hu-mano e estando presente em diversas manifestações de ensino-aprendizagem. A linguagem da reportagem científica integra li-vros didáticos de várias disciplinas, assim como muitas obras, deoutras áreas, aderem ao uso dos jargões e técnicas jornalísticaspara melhor explicar ao seu público, os assuntos voltados para aprodução de ciência e da alta tecnologia.

Ao mostrarmos um estudo histórico sobre este gênero do jor-nalismo, demonstramos as transformações que o Jornalismo Ci-entífico sofreu até atualizar a sua redação contemporânea, estandona atualidade com um perfil muito mais democrático, permitindoaté que as próprias fontes (no caso, os cientistas) se especializemcomo repórteres da área, como no caso particular dos EUA, ondeboa parte dos redatores de ciência, também são cientistas.

Apresentamos o conceito generalizador daDifusão Científica,

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que engloba aDivulgação Científicae o Jornalismo Científico,pois tais terminologias explicam as diferentes linguagens e abor-dagens que o texto científico pode ter. Tal análise se complementacom o estudo dos suplementos locais de cunho científico - o DaVinci, O Polifônicas Idéias e a revista Odisséia - onde se mostrouà realidade regional do segmento noticioso voltado à ciência, damesma maneira que se pôde constatar as vicissitudes e condiçõeshistóricas que levaram à criação da Revista Superinteressante: omaior e mais popular veículo de comunicação científica do Brasil,nas últimas duas décadas.

Editores e docentes de comunicação também debateram idéiaspolêmicas sobre o Jornalismo Científico e sobre a diferença con-ceitual entreInformação e Conhecimento. Os professores e pes-quisadores Wilson Bueno e José Marques de Melo aprofundaramo assunto. Consegue-se provar através destes depoimentos queos meios de comunicação podem transmitir conhecimento, desdeque se averiguem as condições técnicas de transmissão daquelesdados e a respectiva linguagem adotada. Ao utilizar como cate-goria de análise os Estudos da Recepção e Mediação, provamosque os dados não são estáticos, e que existe um grau de inter-pretação muito grande das informações, existindo então, um pro-cesso, uma relação entre o sujeito (leitor) e o objeto (veículo decomunicação). Essa relação ultrapassa os limites formais de in-terpretação dos dados e consegue se transformar incessantemente,dependendo é claro, das técnicas, tecnologias e linguagens esta-belecidas entre o produtor da informação e a sua platéia.

Também são citadas as escolas teóricas e pesquisas empíricasque validam a Comunicação Social enquanto ciência, legitimandosuas áreas de pesquisa e a sua transversalidade, ao aproveitar docorpusteórico de outras disciplinas para também legitimar o seuprópriocorpus, estabelecendo relações com a matemática, infor-mática e com a própria biologia. Então, não seria errado afirmarque o Jornalismo Científico informa sobre a ciência, mas que tam-bém é uma peça científica que tem o seu valor social e se constituicomo uma importante fonte de ensino-aprendizagem.

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Capítulo 2

Por uma pedagogia dos meios

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“A educação é comunicação, e diálogo, na medida em que não étransferência de saber, mas um encontro de sujeitos

interlocutores que buscam a significação dos significados”(Extensão ou comunicação?, 1968, Paulo Freire).

2.1 Introdução

O verboinformar deriva do latim e significa não apenasrelataros fatos, mas nas suas terminologias em francês e inglês, tambémsignifica “formar a mente”. Nos séculos XVII e XVIII a infor-mação era descrita comointeligênciaeeducaçãoera apenas con-cebida como “instrução”. Os termosSociedade da Informaçãoe Tecnologia da Informaçãosurgiram apenas no final do séculoXX, mas não há como negar a importância do aparato midiáticopara a educação e formação do público receptor das grandes me-trópoles, desde Gutenberg, na pós-renascença, até aos dias atuais.(BRIGGS; BURKE, 2004).

Esta importância não está medida apenas em termos de apa-relhos tecnológicos que podem dar suporte em sala de aula paratransmissão dos dados. O rádio, o telégrafo, o cinema, a televisão,a micro-informática criaram ambientes cognitivos próprios, capa-zes deressignificaremos objetos, os signos do cotidiano, alémde classificarem dereal as narrativas existenciais do cotidiano. épor causa disso que Marshall McLuhan afirmava queo meio é amensagem.

Numa cultura como a nossa, há muito acostumadaa dividir e estilhaçar todas as coisas como meio decontrolá-las, não deixa, às vezes, de ser um tanto cho-cante lembrar que, para efeitos práticos e operacio-nais, o meio é a mensagem. [...] as mais recen-tes abordagens ao estudo dos meios levam em contanão apenas o “conteúdo”, mas o próprio meio e amatriz cultural em que um veículo específico atua.(MCLUHAN, 1964, p. 21-25).

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Essa análise leva em consideração que foi através dos adven-tos da Revolução Industrial que aumentaram os fluxos de infor-mação, educação e entretenimento em toda Europa. Hoje emdia não faltam correntes teóricas e pesquisadores que defendema tríadeinformação, educação e lazercomo elementos intrínse-cos e decorrentes dos processos de ampliação tecnológica e dedifusão do conhecimento.

Enquanto demandava circulação de informaçãomais substancial e confiável, tanto por motivos fi-nanceiros quanto para controle dos processos indus-triais, a industrialização também precisava a longoprazo, de um acesso público mais amplo à educação,começando com a escola, cuja freqüência se tornoucompulsória na Grã-Bretanha, em 1800 e na Françaem 1882. A instrução de massa era agora julgada es-sencial, assim como a educação continuada e o apren-dizado da computação se tornaram imprescindíveisnas últimas décadas do século XX. (BRIGGS; BURKE,2004, p. 194).

Mas como definir o papeleducativoque a imprensa teria nacontemporaneidade? Como representar de maneira figurativa aspotencialidades educativas dos meios de comunicação? Estas perg-untas vão ser respondidas neste último capítulo, onde encontra-mos o estudo da comunicação em três vertentes da História daPedagogia.

A primeira vertente é aLinguagem Total, idealizada pelo pes-quisador espanhol Francisco Gutierrez, também intituladaPeda-gogia da Comunicação. Em seguida faremos uma análise da visãode Paulo Freire sobre a educação enquantoação culturalenvol-vida no que ele chamava deritual comunicativo. Por último fa-remos uma análise da chamadaEducomunicação, corrente quedefende a criação de um novo campo epistemológico capaz decontemplar as disciplinas científicas da Comunicação e da Edu-cação. Nas considerações finais encerramos a discussão relatando

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a contribuição do jornalismo à educação moderna e à sociedadecontemporânea.

2.2 O encontro da comunicação com a edu-cação no pensamento latino-americano

“O estribo e a roda criaram ambientes únicos deenorme alcance. O manuscrito e o papiro criaram oambiente social em conexão com os impérios da an-tiguidade. [...] A impressão por tipos móveis, porsua vez, criou um ambiente inteiramente inesperado:criou o público”. (A Galáxia de Gutenberg, MarshallMcLuhan, 1972).

A História da Educação na América Latina, durante o séculoXX, é marcada por diversas teorias e pensadores que tentam de-marcar o encontro teórico e empírico entre as disciplinas da Edu-cação e Comunicação. Entre estas vertentes pode-se citar o Cons-trutivismo de Emilia Ferreiro ou as tentativas de alfabetização po-pular de Rosa Maria Torres. Entre as décadas de 60 e 70 doisestudiosos se destacam, contudo, nesta linha de pesquisa: o es-panhol Francisco Gutierrez, radicado na Costa Rica, e autor dateseLinguagem Total, que virou uma corrente teórica nas déca-das posteriores e está sendo colocada em prática em vários paísesdas Américas Central e Latina; e Paulo Freire - que elaborou umapedagogia que previa a educação como uma prática de liberdadepara jovens e adultos da classe trabalhadora.

Esta segunda parte da dissertação se detêm nestes dois últi-mos autores, pois ambos se transformaram em escolas específicasdentro da História da Educação e defendem de forma intrínseca aindissociabilidade entre os dois campos de saber: a comunicaçãoe a educação. Por último faremos uma rápida análise sobre o tra-balho acadêmico das bases de pesquisas brasileiras voltadas parao estudo daEducomunicação, termo este criado por Mário Kap-

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lun, e que sintetiza a necessidade de fazer surgir um novo tipo deprofissional, capaz de pensar de forma articulada estas duas áreas.

Em suas obras, Paulo Freire não dedicou muito espaço aoestudo da comunicação, propriamente dita. Uma das raras ex-ceções é o ensaioExtensão ou Comunicaçãoproduzido no Chile,em 1968. Segundo os conceitos de Freire na ocasião,extensãoimplicaria em transmissão, transferência. Já comunicação pode-ria ser compreendida como “co-participação de sujeitos no ato deconhecer” (LIMA, 1981, p. 60). O ato de educar para Freire, nãoera concebido como algo estático, ou monolítico, mas ao con-trário, a educação constitui-se como umaação cultural, capaz demodificar os paradigmas das instâncias sociais constituídas.

Mesmo que as teorias comunicativas não estivessem presentesna maioria dos seus estudos, o conceito de comunicação estarásubjacente em muitas análisesfreireanas. Neste ensaio o autoranalisa que o mundo social humano não existiria, caso fosse ummundo sem comunicação. Segundo o educador, as pessoas sópodem existir em relação às outras, em estado comunicativo. ParaFreire, impedir a comunicação equivale a reduzir o homem aoestado de coisa: “Somente através da comunicação é que a vidahumana pode adquirir significado” (LIMA, 1981, p. 63).

Deve se levar em consideração, contudo, que o pesquisadorpernambucano não se referia apenas ao ato fisiológico de se co-municar, algo que está presente em outras categorias de seres, se-jam eles orgânicos ou inorgânicos. O conceito de comunicaçãona obra de Paulo Freire pode ser entendido em quatro etapas, se-gundo LIMA (1981, p. 75): primeiro, sua visão de natureza hu-mana: o homem em sua relação com o mundo enquanto sujeito eem sua relação com os outros homens. Em segundo lugar a co-municação aparece vinculada ao princípio filosófico do diálogo -tal dialogicidade estará muito presente na suaPedagogia do Opri-mido- neste sentido, a comunicação é definida como uma relaçãosocial.

Num terceiro momento podemos destacar a dimensão políticado conceito decomunicação/diálogoque podem ser mais bem

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compreendidos desde que considerados na perspectiva marxista erevolucionária defendida por Freire - um eterno militante das cau-sas sociais nos sistemas educativos por onde passou. Por últimopodemos citar também a existência do conceitofreireanode co-municaçãoface-a-face, derivada dos estudos do norte-americanoMartin Buber, sobretudo vinculados à obraEu-tu, publicada emNova York, 1970.

Deve se deixar claro, no entanto, que só é possível entendertodas as acepções do conceito de comunicação e de suas poten-cialidades educativas na obra de Paulo Freire, se nos remetermosao seu entendimento de cultura, termo que freqüentemente apa-rece nos seus ensaios e que designava para o autor um conjuntode relações entre os grupos, e que implicava também emaçõesculturais, ou seja, numa práxis concreta.

Os conceitos de comunicação e cultura em Freirese complementam mutuamente, uma vez que se achamrelacionados diretamente com a liberdade e a liber-tação humanas. [...]. A verdadeira comunicação entresujeitos implica reciprocidade dialética mediante aqual um homem livre transforma o mundo e cria ouniverso simbólico e abrangente da cultura no pro-cesso permanente de sua própria libertação (LIMA,1981, p. 63).

Segundo Lima (1981), o conceitofreireanode comunicaçãocomo relação social implica no significado etimológico da pa-lavra - comum, comunhão, comunidade - tal como aparecem emJohn Dewey e nos primeiros estudos da Escola de Chicago. A ên-fase de Paulo Freire napalavra revela a importância central queele confere ao símbolo. “Seu conceito de comunicação acha-seem evidente oposição à abordagem da comunicação como trans-missão e se aproxima daquilo que Carey denomina de visão ritualda comunicação (LIMA,1981, p. 121).

Segundo Lima (1981) a visão de Freire está na mesma tradiçãodo diálogo de Buber, porém seu compromisso de católico radical

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com a justiça social é a fonte imediata da dimensão política queele associa ao conceito de comunicação. As idéias de Freire im-plicam também em uma rejeição formal da concepção positivistade ciência e de pesquisa. Ele compartilha a modalidade qualita-tiva de pesquisa característica da abordagem cultural.

Segundo Medish (2002. p. 3) nas últimas décadas se multi-plicaram os trabalhos científicos que salientam o fato da comu-nicação, e, por conseguinte o jornalismo, não serem apenas umaimagemextraída da realidade, mas sim uma construção onde osprojetos, as técnicas e seu manejo, as ferramentas e as matérias-primas também interferem no produto final. Inúmeras mediaçõescondicionam o modo como o jornalismo cria e processa a in-formação sobre a realidade, desde oschemataprofissional - omodo particular como os jornalistas vêem o mundo - passandopelos objetivos, a estrutura e a rotina das organizações onde tra-balham, e finalmente, os jogos de poder e conflitos de interessesque estão inextricavelmente implicados na circulação social destainformação.

Uma segunda forma de abordagem do Jornalismoenquanto conhecimento o situa ainda como uma ciên-cia menor, mas admite já que não é de todo inútil.Pode-se localizar a origem desta abordagem no tra-balho de Robert Park, que publicou um artigo sobreo tema em 1940. A partir da perspectiva filosóficado pragmatismo de William James, que abandona oconhecimento como um ideal para observá-lo comoum dado da vida humana, concluindo que as pessoase as coletividades lidam simultaneamente em suas vi-das com várias espécies de conhecimento, Park co-meça a definir o jornalismo a partir do que tem dediferente, do que lhe é específico como forma de co-nhecimento da realidade. Embora admita a distinçãoentre tipos de conhecimento, o sociólogo não avançaneste aspecto muito além do que James já havia rea-lizado ao distinguir entre um “conhecimento de” uti-

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lizado no cotidiano e um “conhecimento sobre”, sis-temático e analítico, como o produzido pelas ciên-cias. O enquadramento da forma de conhecimentodo jornalismo estabelecido por Park, num grau inter-mediário entre o senso comum e a ciência, encontraapoio na distinção entre estas formas de conhecer queé também é realçada ao longo da obra de Paulo Freire.(Medish, 2002, p.3).

Segundo MEDISH (2002), a comunicação e o jornalismo nãorevelam mal, nem revela menos a realidade do que a ciência:ele simplesmente revela diferente. E ao revelar diferente, podemesmo mostrar aspectos da realidade que os outros modos de co-nhecimento não são capazes de revelar. O jornalismo não apenasreproduz o conhecimento que ele próprio produz, reproduz tam-bém o conhecimento produzido por outras instituições sociais. Ahipótese de que ocorra uma reprodução do conhecimento, maiscomplexa do que a sua simples transmissão, ajuda a entendermelhor o papel do jornalismo no processo de fundamentação dacognição social. Esta hipótese também é corroborada por PauloFreire.

Segundo MEDISH (2002), não só Paulo Freire aceitava estahipótese como também defendia o jornalismo como produtor deconhecimento, segundo o relato transcrito abaixo:

Em 1987, durante a elaboração de minha disser-tação de mestrado na USP, tive a oportunidade deacompanhar uma disciplina ministrada por Paulo Frei-re, então professor visitante da Escola de Comuni-cações e Artes, e de ser recebido em sua casa para dis-cutir minha pesquisa sobre o jornalismo como formade produção de conhecimento e o seu ensino (ME-DITSCH, 1992). Na ocasião, expus rapidamente aopedagogo a tese do jornalismo enquanto forma de co-nhecimento sustentada por meu colega Adelmo GEN-RO FILHO (1987), e comparei a atividade jornalís-

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tica com a educativa, enquanto “uma teoria do conhe-cimento posta em prática”, como Paulo Freire propu-nha, ainda que uma prática diferenciada. Freire con-siderou a analogia válida e me entusiasmou a avan-çar no projeto. Embora evitasse tratar teoricamentea questão da mídia em sua obra, por não se consi-derar um especialista competente no assunto, ela ointeressava dentro do horizonte geral da teoria do co-nhecimento que desenvolvia em seus trabalhos sobreeducação, como testemunhou a Sérgio Guimarães emum de seus livros dialogados. (Medish, 2002, p. 10).

MEDISH (2002) ainda recorre à definição de Nilson Lagequando este define o jornalismo como a mais antiga e singelaforma de conhecimento - só que, agora, projetada em escala in-dustrial - organizada em sistema, utilizando os aparatos tecnológi-cos. Para o pesquisador, o que distingue uma matéria jornalísticade um relato científico, de um texto didático ou de um relatóriopolicial, é o fato de que se dirige a pessoas que não têm obrigaçãode ler aquilo. Em conseqüência, procura de alguma forma aliciaras pessoas para que se interessem por aquela informação, atra-vés de técnicas narrativas e dramáticas. “Para Freire, este tipo depreocupação também deveria estar presente na escola” (MEDISH,2002, p. 11).

Podemos encerrar lembrando Citelli (1999, p. 41) quando elediz que aconteceu uma inversão de valores no decorrer da históriados veículos de comunicação de massa. As dinâmicas desta co-municação massiva, no passado eram acusadas de gerar efeitosnarcotizantesrevelando a capacidade dosmediadirigirem reaçõesa estímulos, criando nos destinatários sentimentos previamentecomandados. Lembrando os parâmetros funcionalistas, e as ma-tizes sociais que estão aí incluídas (fatores econômicos, políticos,culturais, etc.) os Estudos da Recepção e Mediação, reavaliam oantigo papel determinante dos emissores e receptores no processode produção dos significados.

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Lazarsfeld e Katz desenvolvem um conjunto deidéias que fogem do núcleo duro do funcionalismo.Formulam, então o esquema que ficou conhecido comotwo-step flow of communication. Trata-se de um mo-delo onde o papel dominante dos meios emissores- os principais responsáveis pela disfunção narcoti-zante - é arrefecido pela decisiva entrada em cenade fatores exógenos, socialmente dispersos e capazesde pressionar em sentido contrário, o antigo territórioonde vivia com exclusividade odeus ex-machinadetodas as vontades. (CITTELI, 1999, ps. 41-42).

A visão segundo a qual os veículos de massa exercem pressãounidirecional (one-step flow) é reorientada, passando a mostraras interferências dos novos sujeitos postos na seqüência emis-sor/receptor. Entre eles estariam os agentes comunitários, os for-madores de opinião, as lideranças políticas, que redefinirão, se-gundo Citelli (1999) a velha ordem direta das influências alte-rando o esquema da Teoria Matemática da Informação, para umalógica ininterrupta de produção de conhecimento, conforme o qua-dro abaixo: emissor→ interferências→ receptor→ significado→ emissor novamente (ad infinitum)

2.2.1 Pedagogia da comunicaa̧ão ou linguagem to-tal

Uma vertente teórica consolidada na História da Educação é acorrente instaurada pelo pesquisador espanhol Francisco Gutier-rez, intitulada Pedagogia da Comunicação ou Linguagem Total.Radicado na Costa Rica, Gutierrez atesta há mais de 30 anosem suas pesquisas acadêmicas, as transformações que o processoeducativo sofreu depois do surgimento dos chamadosmeios decomunicação de massa. Ele defende que estes meios codificam arealidade de um modo diferente, contribuindo para que as comu-nidades tenham uma comunicação mais consoante com a integri-

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dade da natureza humana. O pesquisador também defende que apercepção visual e sonora são operações fundamentais ao ato deconhecer.

A Linguagem Total reintroduz o homem num uni-verso de percepções porque é, antes de mais nadae primordialmente, uma experiência pessoal, global,onde a percepção opera integrando os diversos senti-dos. Desta forma, a pedagogia da linguagem totalleva aoperceptoro prazer novo e motivador da apren-dizagem. O aluno está sempre querendo saciar suafome de estímulos, sensações e percepções (GADOTTI,1978, p. 217).

Uma das principais preocupações de Gutierrez é sobre a ne-cessidade do aluno trabalhar e ser trabalhado como um ser hu-mano inteiro, com sua afetividade, percepções, expressões e senti-dos, sua crítica e criatividade: “algo deve ser feito para que oaluno possa ampliar seus referenciais do mundo e trabalhar simul-taneamente com todas as linguagens (escrita, sonora, dramática,cinematográfica e corporal)” (GUTIERREZ, 1978, p. 04).

A presença massificante dos meios de comunicação significauma transformação da vida social e da própria psicologia humana.Porém, nunca como nos dias de hoje, segundo Gutierrez (1978)as implicações da comunicação alcançaram um clima de tal satu-ração. Sua teoria postula que os meios comunicativos desenvol-vem umaLinguagem Totalonde a comunicação se torna o prin-cipal referencial dos processos educativos da vida humana. Elelembra que os processos comunicacionais possuem um imedia-tismo capaz de provocarcomportamentos empáticos, razão pelaqual a Comunicação Social gera atitudes de participação.

As imagens e os sons, em suas múltiplas apresen-tações (imprensa, rádio, HQ, pôster, TV) estão modi-ficando não apenas a presença do homem no mundo,mas também o próprio meio cultural habitado pelo

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homem. Chegou-se a modificar a maneira de repre-sentar as coisas, e, portanto, a própria presença dohomem no mundo (GUTIERREZ, 1978, p. 17).

Para a teoria daLinguagem Totalos meios de comunicaçãopermitem que os coletivos humanos tenham acesso às obras dearte clássicas, que façam cursos televisivos ou virtuais, que pre-senciem fatos que no passado eram impossíveis de serem presen-ciados a olho nu. Existe umaontologia da expressãoou metafí-sica da expressãoenquanto traço constituído de um aprendizadoque, fenomenologicamente, só é possível através dos Meios deComunicação de Massa. “O garoto que se senta pela primeira vezno banco da escola já não é aquele garoto tímido do princípio doséculo XX, cuja visão sobrevoava os horizontes do seu bairro. Osestudantes de hoje são cidadãos do mundo” (GUTIERREZ, 1978,p. 17).

A proposta pedagógica daLinguagem Totalse propõe a fa-zer da escola um centro de comunicação dialógica e converter osmeios de comunicação em escola participante. Para Gutierrez, oprocesso de aprendizagem, como mudança de conduta, tem queir além da simples informação. Esseir além, se concretiza nomomento em que o sujeito não somente apreende a informação,mas quando consegue estruturar esses dados na bagagem dos seusconhecimentos anteriores.

Sabemos pela experiência que os meios de co-municação, formas de saber e formação social se en-contram sempre entrelaçados, numa relação que nãoé casual, mas dialética. Falar em sociedade é di-zer que está um com o outro, compartilhar um saber,comunicar-se através de diferentes canais (GUTIER-REZ, 1978, p. 17, 33).

A pedagogia daLinguagem Totaldefende que a educação deveproporcionar técnicas de aprendizagem, auto-expressão e partici-pação. Pode-se inferir que os meios de comunicação podem auxi-

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liar nestes processos, como oferecendo desde instrumentos capa-zes de facilitar o aprendizado (jornais, revistas, teleconferências,etc.) até mesmo servindo como uma fonte técnico-epistemológica.Segundo Gutierrez (1978) é necessário desenvolver as inquietu-des por uma pedagogia que não seja centrada na transmissão dosconhecimentos, mas em técnicas de condução de grupos, de com-promissos pessoais, de investigação e de criatividade, capazes deprovar que a educação é um processo de comunicação com asmais prometedoras possibilidades da didática.

é um engano acreditar que a união entre comu-nicação e educação se reduz aos seus aspectos técni-cos e formais, as suas possibilidades físicas e audio-visuais. é mais do que isso. Toda pedagogia deverábasear-se no processo de comunicação, não tanto nastécnicas, mas nos intercâmbios, dinâmicas de grupo,vivências interpessoais, que são formas que levam emsi, a uma finalidade eminentemente educativa. (GU-TIERREZ, 1978, p. 17, 34)

Podemos concluir então afirmando que, para a teoria daLin-guagem Total, o processo de comunicação é essencial à educaçãoe que as escolas modernas não podem prescindir de seu instru-mental e de sua linguagem, desvinculadas dos processos comu-nicativos. Para Gutierrez (1978) a problemática da comunicaçãoestá cada vez mais preocupando antropólogos, lingüistas, filóso-fos e pedagogos. Ele cita a Cibernética, de Nobert Wierner e aTeoria Matemática da Informação, de Claude Shannon.

O conceito de educação comunicativa, no entanto, nasceráestritamente ligada à semiótica de Charles Morris; onde a ciênciaque estuda as técnicas de leituras dos signos, levaram os estudio-sos a conclusões práticas. “A comunicação pedagógica procuraantes de tudo, esclarecer as mudanças de conduta do educandofrente a um novo mundo, ou, se querem melhor, olhando atravésde um futuro imprevisível”. (GUTIERREZ, 1978, p. 33).

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2.2.2 Educomunicação

Pesquisadores contemporâneos de várias universidades afirmamcategoricamente que um novo campo epistemológico está emer-gindo e consolidando-se como área de investigação entre dois ter-ritórios precisamente demarcados: a comunicação e a educação.Vários grupos acadêmicos já estudam o assunto formalmente atra-vés de bases de pesquisas constituídas há cerca de uma década.Podemos citar como exemplo as bases de pesquisa da Escola deComunicações e Artes da USP ou na Universidade das Faculda-des de Salvador (Unifacs). Em ambas instituições as bases de pes-quisa se intitulam apenas como Núcleo de Comunicação e Edu-cação (NCE)1.

As duas bases realizaram uma pesquisa nos anos de 1997 e1998 onde demonstraram a emergência deste novo campo do sa-ber, capaz de contemplar as duas disciplinas - Educação e Comu-nicação - assim como traçar o perfil dos profissionais que traba-lham nesta área, batizada deEducomunicação.

A inter-relação entre a Comunicação Social e aEducação ganhou densidade própria e se afigura, hoje,como um campo de intervenção social específico, ofe-recendo um espaço de trabalho diferenciado que vemsendo ocupado, em toda a América Latina, pela fi-gura emergente de um profissional que denominamosde Educomunicador. (SOARES, 2000, p.01)

A pesquisa tomou como base inicial, para coleta de dados,o Diretório Latino-americano de Pesquisadores e Especialistasem Comunicação e Educação, formado ao longo dos anos 80 e90 com a inclusão de um total de 1.200 nomes de produtoresculturais, arte-educadores, tecnólogos, professores, pesquisado-res e profissionais de comunicação e educação de toda a América

1 Núcleo da USP (www.eca.usp.br/nucleos/nce/index.html). Núcleo daUNIFACS (www.dec.eng.ufba.br/ trbx/comum).

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Latina. Todos identificados com o tema por sua produção aca-dêmica, por seu trabalho como coordenadores de programas eprojetos na área dacomunicação educativa. A amostragem dapesquisa foi formada pelos 178 especialistas que responderam oquestionário que lhes foi enviado, indagando, basicamente, sobrea natureza da inter-relação em estudo, sobre as várias áreas de ati-vidades dela resultantes e sobre o perfil dos trabalhadores a eladedicados. Deste total, 67,61% são brasileiros e 32,29%, latino-americanos e espanhóis.

Segundo Soares (2000), coordenador do NCE/USP, a pesquisapartiu da evidência de que transformações profundas vêm ocor-rendo no campo da constituição das ciências, em especial às hu-manas, levando a uma derrubada de fronteiras, de limites, de auto-nomias e de especificações. “Ao seu final, a investigação concluiuque efetivamente um novo campo do saber mostra indícios de suaexistência, e que já pensa a si mesmo, produzindo uma metalin-guagem, elemento essencial para sua identificação” (SOARES,2000, p.01).

A pesquisa das bases levantou quatro hipóteses. A princi-pal delas é que um novo campo de intervenção social já se for-mou, levando em consideração as duas disciplinas. Segundo osdados levantados, esta nova área de saber, batizada deEducomu-nicação, não foi tomada apenas como uma nova disciplina. “Aocontrário, ela foi entendida como inauguradora de um novo pa-radigma discursivo transverso, constituído por conceitos transdis-ciplinares com novas categorias analíticas” (SOARES, 2000, p.01).

A segunda hipótese levantada pelos pesquisadores da USPe da Unifacs é que o novo campo, por sua natureza relacional,estrutura-se de um modo processual, sendo vivenciado na práticados atores sociais através de áreas concretas de intervenção so-cial. A terceira hipótese diz respeito à possível subdivisão docampo em subáreas específicas de atuação profissional, fato queaproximaria atividades como aeducação para a comunicação,constituída pelos programas de formação de receptores autôno-

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mos e críticos frente aos meios, dastecnologias educacionais, oumesmo da recém-denominada área dagestão de processos comu-nicacionais, voltada para o planejamento, execução e realizaçãodos procedimentos que se articulam no âmbito da Comunicação/Cultura/ Educação.

Esse novo campo, ao constituir-se como área deconexão entre essas duas disciplinas, evidencia suaspossibilidades concretas de transformar-se em um novorecurso de intervenção histórico-social e na identifi-cação de um repertório comum, sobretudo porque sebeneficia com a vasta literatura disponível em ambasas esferas de conhecimento e na explicitação de seusavanços e limites. Esse fato, por si só, já nos permitejustificar a abertura de um debate que vai incursio-nar sobre a necessária busca de maior delimitação deseus parâmetros instrumentais, de suas proposições ede seu objeto, intuído a priori, como um espaço pri-vilegiado de teorização e de crítica, no qual torna-sepossível identificar os processos desencadeados pelachamada "revolução informacional"(SOARES, 2000,p. 05).

A pesquisa também levantou o perfil do profissional daCo-municação Educativa: trata-se de um profissional maduro (entre40 e 50 anos), com formação superior (predominando os pós-graduados), dedicados preferencialmente (e às vezes simultane-amente) a seis grandes subáreas: 1) pesquisa, 2) educação para acomunicação, 3) mediação tecnológica na educação, 4) gestão dacomunicação no espaço educativo, 5) produção cultural e 6) usodos meios na educação para a cidadania2 .

2 Segundo os dados do NCE da Escola de Comunicações e Artes da USP,cerca de47,16%dos entrevistados dedicam-se a projetos de "educação para acomunicação", quer através de algum projeto específico quer através da práticacurricular normal;30% dos que responderam o questionário dedicam-se ao

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Os dados relativos à formação acadêmica dos especialistasmostraram que há uma predominância de pós-graduados na área.Segundo Soares (2000), analisando-se os dados obtidos, verifica-se a existência de uma elite-pensante no novo campo, com altograu de especialização, acompanhada nos trabalhos de campo porum grupo de profissionais suficientemente especializados.

Quando os entrevistados foram perguntados so-bre como definiriam o trabalho doEducomunicador,a maioria o viu como um "professor"em sala de aulaquer desenvolvendo trabalhos deanálise crítica dosmeios, quer desenvolvendoprojetos tecnológicos naeducação. Isto é, um professor vinculado a uma dassubáreas constitutivas do novo campo. No âmbito daatuação profissional, a grande maioria doseducomu-nicadoreslatino-americanos entrevistados caracteri-zam-se, contudo, não como professores, mas comocoordenadores e agentes culturais, facilitadores da a-ção de outras pessoas (professores ou alunos), preo-cupados em que estes possam elaborar os materiais apartir de suas necessidades e interesses, tornando-seeles próprios produtores do conhecimento. Denota-se

tema do"uso das tecnológica na educação",especialmente aos usos do jornal,do vídeo e do computador em sala de aula.19%dos especialistas desenvolvematividades entendidas como"gestão da comunicação no espaço educativo".Uma pequena parcela de4%dedica-se a atividades voltadas para aárea da co-municação culturalcom ênfase na utilização das várias linguagens artísticas,e outros3% a atividades identificadas comouso de comunicação em açõesvoltadas para a cidadania, melhoria da qualidade de vida e diversidade hu-mana. Predominam osespecialistas com idade entre 42 e 52 anos. O dadoaponta para o fato de que o campo da inter-relação Comunicação/Educaçãovem sendo articulado e construído por pessoas experientes em suas áreas deorigem, inexistindo, até o momento, um processo de rápida introdução de no-vas gerações nos espaços que vêm sendo forjados. Indica, ainda a necessidadede se criar oportunidades legitimando-se a área através da promoção de meca-nismos de capacitação que facilitem às novas gerações o acesso às atividadesjá consagradas no mercado.

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uma preocupação com a democratização do acesso àinformação, utilizando-se a atuação profissional comomeio para a formação de valores solidários e demo-cráticos, para a transformação do ambiente em quevivem (SOARES, 2000, p. 10).

Dentre os "valores educativos"que dão suporte às "articulações"exercidas pelo profissional do novo campo, destacam-se: a) aopção por se aprender a trabalhar em equipe, respeitando-se asdiferenças; b) a valorização do erro como parte do processo deaprendizagem, c) a alimentação de projetos voltados para a trans-formação social. Um grande número de respostas ao questionárioapontou, por fim, como expectativa de resultado, a formação paraa cidadania e para à ética profissional, objetivando a educação do"cidadão global".

Segundo Nicolau (2000), a discussão identifica em primeirainstância, uma confluência entre educação e comunicação identifi-cando-se contradições presentes nos discursos de ambas discipli-nas, sobretudo diante das experiências históricas de países pe-riféricos, nos quais “a pobreza e a sujeição cultural aparecemacentuadas pelas demarcações de um poder disciplinador”. (NI-COLAU, 2000, p. 01). Segundo a pesquisadora, está se falandopropriamente da ideologia e de seus mecanismos, que subjugamos sujeitos sociais e de formas novas de resistência a essa impo-sição. Está se falando da emergência de um novo campo episte-mológico, uma nova área de conhecimento que busca seus refe-renciais na discussão histórica e na identificação de novas formasde agir. Elas se reportam à tarefa do novo intelectual que se des-cobre apto a interferir no processo de elevação cultural e socialdas massas, não comotutor das mesmas, mas com o conheci-mento de que multiplica a consciência popular na revelação decomo o poder se exerce e se constitui. “Reconhecemos, assim,que já existe um ponto de mutação na confluência entre educaçãoe comunicação, que inclui um senso agudo de responsabilidadesocial, de justiça e de altruísmo. Trata-se de um lugar que precisaser ocupado (NICOLAU, 2000, p. 03).

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2.3 Final do Capítulo II

Nicolau (2000, p. 12) defende que a cultura e a educação per-maneceram como privilégio de minorias, que passaram a consti-tuir uma elite apta a criar e a compreender formulações simbóli-cas demarcadas pelos interesses dominantes, estabelecendo trocasdentro das quais é possível crescer em determinados campos cul-turais autônomos. A pesquisadora argumenta que os países latino-americanos, até 1920, tinham mais de 50% de sua população con-stituída por analfabetos e esses índices não se alteraram signifi-cativamente até a atualidade, considerando-se que, mesmo tendoaumentado o número de alfabetizados nas estatísticas oficiais, acompreensão dos códigos simbólicos mais elaborados continua anão fazer parte da experiência da maioria da população.

Nicolau (2000) faz alusão a Cancline quando este alude a umaexperiência de modernismo exuberante com uma modernizaçãodeficiente, ao definir os processos latino-americanos, cuja opera-cionalidade não resultou em renovação experimental e democra-tização cultural. Ao descrever, historicamente, a constituição domodelo capitalista latino-americano, ele demonstra como os pro-cessos de independência das ex-colônias hispânicas e portugue-sas impulsionaram uma atualização dos países através de ondasde modernização.

Os desajustes entre a modernização e o moder-nismo prestaram-se a preservar a hegemonia das eli-tes dominantes que, ao lado do inacesso à escolari-zação, ao consumo de livros e revistas, pela maioriada população, fizeram da cultura escrita também umprivilégio seu. A explicitação dos mecanismos, atra-vés dos quais a vigilância do poder, que sempre inter-ditou a circulação de bens simbólicos, preservandopara si os recursos da erudição e da cultura sancio-nada, constitui o cerne do que é preciso reconhecer.Assim compreendida, a construção de discursos sim-bólicos, bem como sua divulgação, pertencente a uma

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vigilância disciplinar que se lança em rede sobre to-das as instâncias sociais, de maneira indisfarçável,é espaço privilegiado da comunicação e educação”(NICOLAU, 2000, p. 12).

Não se pode deixar de analisar as implicações sociais, históri-cas e políticas que cercam o surgimento de um novo campo epis-temológico, pois necessariamente também surgem opções ideoló-gicas que serão adotadas pelos participantes destas novas práticasdo saber. Preocupações estas que, vale dizer, não constituem no-vidade para os pensadores de ambas as áreas.

Pretto (1995) afirma categoricamente que a possibilidade deum uso menos custoso das infra-estruturas de comunicação a ser-viço da educação, constitui-se na condição básica para viabilizarum novo projeto educativo para o país. No entanto, esta condiçãonão é suficiente. Para isto, segundo o pesquisador, é preciso cla-reza na hora de se pensar um projeto educacional que sustentaráteórica e filosoficamente este uso dos novos recursos tecnológicosda comunicação e informação na educação.

Não basta simplesmente colocar os velhos con-teúdos e as velhas formas de ensinar, nos novos meiosde transmissão de informações para termos a garantiade estarmos promovendo transformações no sistemaeducacional. Ao contrário, muito provavelmente, as-sim fazendo, estaremos deixando, agora talvez atécom mais força, a educação encurralada, sem possi-bilidade de se superar. (PRETTO, 1995, p. 01).

Pretto (1995) sugere que os novos recursos da comunicaçãosão, de certa forma, portadores eles mesmos das principais ca-racterísticas desta nova sociedade que se está construindo, e elespodem se transformar em barreiras, caso o público docente não seadapte às estas mudanças.

Os jovens, que já vivem plenamente este mundoalucinado, uma vez que convivem mais intimamente

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com computadores, televisão, videogames, terminamtrazendo para a escola este mundo impregnado deimaginação, emoção, raciocínios rápidos e velozes,introduzindo, portanto, estes novos elementos, maispresentes e mais determinantes do seu universo cul-tural. A escola, no entanto, ainda resiste a estas trans-formações desconhecendo o universo dos jovens quea ela chegam. Estabelece-se, então, um verdadeiroconfronto. (PRETTO, 1995, p. 01).

Segundo Pretto (1995), a discussão é mais ampla, pois esta-mos diante de um quadro social e histórico de transformações ge-neralizadas e a escola e os meios de comunicação apenas emitemos reflexos destas mudanças que são ao mesmo tempo materiais,científicas e espirituais. “As dificuldades de uma compreensãomais integral do significado deste momento histórico atinge, evi-dentemente, a sociedade como um todo e a escola em particular”(PRETTO, 1995, p. 01). Para superar então os antigos paradig-mas, sobretudo adotados na produção dos conhecimentos formais,se faz necessário a adoção de uma nova postura incorporando ele-mentos novos nas práticas comunicativas e, conseqüentemente,pedagógicas. O pesquisador sugere que devemos incorporar aimaginação e a afetividade, como elementos constitutivos de umnovo logos, operação esta baseada na integridade e na globali-dade. Isto, contudo, também enfrenta resistências.

Para Pierre Babin, é difícil admitir que o imagi-nário e a afetividade possam, de alguma forma, in-fluenciar a escola, a empresa ou a organização social.Na mente dos homens que detêm o poder cultural,qualquer expressão imaginária ou afetiva está ligadaao prazer, à arte, à manipulação. (PRETTO, 1995, p.01).

Ainda Pretto (1995) conclui que não se pode continuar a pensarque incorporar os novos recursos da comunicação na educação

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seja uma garantia, pura e simples, de que se está fazendo umanova educação, uma nova escola, para o futuro. Pode ao contrário,ser apenas a representação de uma perspectiva instrumental, comuma pura e simples introdução de novos elementos - ditos maismodernos - em velhas práticas educativas. Para ele a integraçãomais efetiva entre a educação e a comunicação só pode acontecerse estes novos meios estiverem presentes nas práticas educacio-nais como fundamento desta nova educação.

Aí sim, estes novos valores, ainda em construção,serão presentes e integrantes desta nova escola, agoracom futuro. Assim, esta escola estaria presente e se-ria participante da construção desta nova sociedadee não permaneceria, ou como uma resistência a es-tes valores em declínio ou, talvez o pior, como meraespectadora à-crítica dos novos valores em ascensão.(PRETTO, 1995, p. 04).

Coelho (2004) vai mais longe. Para a pesquisadora, o uso a-crítico dos meios de comunicação e de suas novas tecnologiasde-seducame servem apenas para fundamentar os valores que regema economia de mercado, alimentando relações de poder assimétri-cas. é um argumento válido, pois só a instrumentalização técnicanão garante a qualidade, a fundamentação e a transformação sim-bólica dos saberes constituídos, nem a sua reprodução crítica nasociedade.

A circulação de informações e conhecimentos emredes tecnológicas é uma das marcas dessa era e anecessidade de educação para todos acompanha a di-mensão da sofisticação e da expansão dos meios decomunicação e informação na sociedade. Pode-seafirmar, inclusive, que a produção e circulação dasformas simbólicas, veiculadas pela mídia, estão nocentro do mundo contemporâneo e que o uso das má-quinas na educação é apenas o suporte técnico do pro-

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cesso de interação das formas simbólicas nas redessocietárias globais (COELHO, 2004, p. 02).

Coelho (2004) afirma que os meios e processos comunicaci-onais interferem no espaço público a partir de seus próprios pa-drões. A educação também seria modelada pela mídia, pois osmeios são capazes de adiantar as reformas do Estado - inclusiveno campo da educação - e pressionam para que os agentes públi-cos funcionem como se estivessem no mercado. Segundo a pes-quisadora, o espaço público é modelado noethosprivado. Alémdisso, existe a necessidade de se entender esta nova configuraçãoepistemológica e social, entre a comunicação e a educação, atra-vés de uma tríplice crítica, levando em consideração as ideologias,elementos epistêmicos e dos contornos simbólicos que podem so-brepujar os objetos.

Paradoxalmente, este pressuposto - a junção dacognição com a informação - se apresenta como ogrande desafio para as pesquisas sobre mídia e edu-cação. [...] Por isso, na aferição dos dois camposum novo espaço teórico foi esboçado para permitir aformação de sujeitos aptos a refletir seus papéis nasociedade contemporânea. [...] Embora ainda sejampoucas as atenções que a escola está dando ao campomidiático, o grande desafio da atualidade é a trans-codificação do mundo em que vivemos, uma vez queas nossas estimulações mentais estão dominadas pelapresença da mídia. Trata-se de um mundo previa-mente editado pelos meios de comunicação e infor-mação. (COELHO, 2004, p. 8).

A partir destas premissas podemos concluir, então, que nesteexato momento, no início do século XXI, estamos diante da re-configuração dos discursos científicos, políticos e culturais, oumelhor dizendo, é a própria razão ocidental, os valores dologosplatônico-aristotélico que se rearticulam diante de novas práticas

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e tecnologias que se materializam no cotidiano das grandes cole-tividades. Vivemos novos caminhos que nos levam a superaçãodeste momento presente e as informações dentro de nossa psi-que, se fragmentam, se transformam. Em menos de um século osvalores científicos, políticos e econômicos foram completamentetransformados e os processos de comunicação ocuparam a po-sição de gerenciadores deste processo paradigmático.

Ao mesmo tempo em que vivemos a busca por novas soluçõespara antigos problemas, sobretudo, a existência em uma realidadesocial com valores e culturas tão contrastantes. O que uma triboBanto designa ser realidade e necessidade, não é o mesmo real deum grupo de executivos no Vale do Silício. Mas mesmo com todadistinção entre estes dois tipos de imaginário, com signos pró-prios, os atuais meios de comunicação permitem a coexistênciadestes índices de interpretação, tão distintos da realidade.

Através dos meios, portanto, encontramos várias subjetivida-des, diversos níveis hermenêuticos de codificação da realidade,coexistindo. E o que acaba ocorrendo é a troca inequívoca des-sas interpretações, construindo uma verdadeira Babel de signifi-cações em torno dos fenômenos e dos objetos que perfazem ocotidiano. Coexistência é a expressão que determinará a formacomo viveremos a partir dos novos adventos tecnológicos, das ex-pressões maquínicas e subjetivas que expressam nosso imaginá-rio, nossa formação intelectual, os nossos sentimentos de grupo.As redes telemáticas com os bancos de dados multimídicos, a bio-robótica ou a engenharia genética não constituem realidades emsi-mesmas, pois nem o próprio homem, segundo a história da filo-sofia, é uma realidade em si, pois quando surgimos, a natureza jáexistia há milhões de anos. é provável que no futuro desapareça-mos e que o universo continue existindo. Neste caso só podemosnos preservar, ou preservar a memória de nossa época - enquantoraça, grupo ou coletivo - se a cooperação mútua for uma neces-sidade de entendimento de todas as nossas atividades e de comointerpretamos o que hoje chamamos de comunicação, educação,vida e de realidade.

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2.4 Resultados da pesquisa

Educaçãovem do latimeduceree significa educar, pôr em co-mum. Mídia, do latimmedium, significa mediar, realizarme-diações sociais. Eles podem ser vistos como processos quase in-dissociáveis se forem avaliados em suas formas conceituais maisteóricas, mas também em suas aplicações mais concretas. Os indi-víduos que trabalham com apuração, processamento e publicaçãode notícias, quase todos os dias ajudam a construir o processo co-gnitivo de construção da realidade. Ou melhor dizendo: eles seutilizam das formas simbólicas que passam por um processo designificação inerente às práticas ideológicas dos meios.

Neste sentido, os dados factuais extrapolam o limite da in-formação mecânica e passam a fazer parte do conhecimento cole-tivo das pessoas, se integrando no repertório comum dos discursoscientíficos, políticos, teleológicos e empíricos. Podemos citar ospesquisadores Armand e Michèle Mattelart que explicam comoacontece esse trânsito de saberes e de aptidões dentro da históriada comunicação:

Situados na encruzilhada de várias disciplinas, osprocessos de comunicação suscitaram o interesse deciências tão diversas quanto à filosofia, a história, ageografia, a psicologia, a sociologia, a etnologia, asciências políticas e cognitivas. Ao longo de sua cons-trução, esse campo particular das ciências sociais es-teve, por outro lado, continuamente às voltas com aquestão da legitimidade científica. Isso o conduziua buscar modelos de cientificidade, a adotar esque-mas pertencentes às outras ciências, adaptando-os pormeio de analogias (MATTELART, 1999, p. 17).

Desta maneira nosso trabalho pôde concluir que a Comuni-cação Social - de qualquer forma que ela se apresente: TV, rádio,jornal ou Internet - extrapola a função meramente informativa e

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estatística e passa a fazer parte do processo de formação da so-ciedade. Podemos afirmar que a comunicação é uma expressãoinerentemente educativa. Sendo assim podemos lembrar uma de-finição de educação através de émile Durkheim. Seus conceitosdescrevem características semelhantes à atuação do processo co-municativo em sociedade: “Sob regime tribal, a característica es-sencial da educação reside no fato de ser difusa e administrada in-distintamente por todos′′ (DURKHEIM apud BRANDãO, 1986,p. 18).

Nosso trabalho, então, pôde descrever a história, as técnicas eideologias que perpassam o Jornalismo Científico brasileiro e in-ternacional, realizando estudos de caso e traçando paralelos teóri-cos com os Estudos da Recepção e da Mediação. Levando sempreem consideração a participação ativa do receptor na construção darealidade. Isto fica claro quando se discute a modificação editorialda revista Superinteressante e os modelos deJornalismo Cientí-fico utilizados por ela. Ao se compreender historicamente estegênero textual, se descobre que nos seus 300 anos de existência,muito se alterou na forma e na linguagem conceitual deste gênerojornalístico.

Ou seja: desde as primeiras iniciativas do secretário da RoyalSociety, Oldenburg, ainda no século XVII, até a realidade de hojedo noticiário científico - envolto porlobbys, merchandisinge inte-resses industriais das sociedades de massa - entendemos então, astransformações históricas que este gênero sofreu e assistimos, so-bretudo, ao crescimento dos veículos de divulgação científica or-ganizados pela sociedade civil, independente dos modelos jornalí-sticos adotados, mostrando a real necessidade destas informaçõesna chamada Sociedade do Conhecimento. é por causa disso querevistas como a Superinteressante unem temas científicos a ass-untos que tenham ligação com a realidade atual das sociedades demassa: o cinema, a música, os quadrinhos.

Por outro lado, também cresce a chamada Divulgação Cien-tífica, realizada pelos próprios pesquisadores universitários. Osexemplos locais que estudamos nesta dissertação -o Da Vinci, o

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Polifônicas Idéias e a revista Odisséia- provam o crescimento ea longevidade deste tipo de texto informativo, mesmo que generi-camente seja chamado de Divulgação Científica.

Através destes exemplos apontamos para o fato de que, as-sim como nos EUA, os cientistas e pesquisadores brasileiros estãocada vez mais abrindo novas frentes de trabalho junto à mídia e,de acordo com os Estudos da Recepção e Mediação, eles (que sãoas fontes de informação) estão deixando a passividade e passandoa ocupar o lugar do produtor de informações, no caso, os jornalis-tas que - por problemas de formação teórica, ou por deficiênciasdo mercado editorial - acabaram se afastando ou não investindocomo deviam na atuação do mercado editorial de ciências e altatecnologia.

Através do estudo dos suplementos Polifônicas Idéias, Da Vin-ci e da revista Odisséia também provamos que, em relação aoJornalismo Científico, ocorrem transformações na linguagem uti-lizada pelos pesquisadores para apresentar os fatos científicos, damesma maneira que os redatores-cientistas também incorporamuma série de temas e de disciplinas desconhecidas da grande po-pulação (robótica, nanotecnologia, etc.) - pois de acordo com oscritérios de agendamento de temas, a imprensa pré-julga os assun-tos que serão pauta. Estes assuntos devem ser populares, devemabordar inovações que alterem o comportamento humano ou quemarquem o cotidiano e, sobretudo, devem ter apelo comercial -algo que nem sempre ocorre no agendamento feito pelos cienti-stas. Nesta dissertação também se encontra a descrição históricado Jornalismo Científico no Brasil e no exterior.

Também identificamos como se estabelecem asrelações epis-temológicasentre as áreas da Comunicação e Educação, sobre-tudo, através da descrição analítica das correntes teóricas da Pe-dagogia que se alicerçam nos referenciais da Comunicação So-cial, a exemplo daLinguagem Total, de Francisco Gutierrez, dosestudos de Paulo Freire sobre comunicação, e dos estudos que seabrigam na rubricaEducomunicação.Ou seja, provamos que auniãoComunicação-Educaçãonão é apenas uma novidade cur-

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ricular transversal.Ao contrário, descrevemos historicamente aepistemologia deste novo campo de saber mostrando que váriosautores e correntes teóricas já pensavam nisso desde as primei-ras décadas do século XX e que, nos últimos anos, se intensificouesta área de trabalho, através de bases oficiais de pesquisa e dosurgimento de múltiplas obras editoriais.

As entrevistas contribuíram para elucidar questões que a lei-tura bibliográfica não resolvia. O depoimento de pesquisadorese de jornalistas - a exemplo de José Marques de Melo, WilsonBueno e Zuenir Ventura - também alteraram a concepção de jor-nalismo deste autor, contribuindo para uma visão mais abrangenteda comunicação enquanto ciência, ofício técnico e prestação so-cial de serviço.

As maiores dificuldades metodológicas encontradas se refe-rem ao recorte teórico utilizado neste trabalho, pois nos valemosdesde as obras clássicas, assim como nos apoiamos na leitura devários trabalhos acadêmicos recentes, comunicações, ensaios e te-ses, que são de grande valia na hora de se abordar um tema inusi-tado como este.

Foi muito gratificante poder estudar e defender um objeto tãoimportante do ponto de vista social. Isso porque o JornalismoCientífico faz parte do cotidiano da maioria esmagadora das co-letividades ocidentais onde os indivíduos se esforçam, e inves-tem seus recursos, para atualizarem seus conhecimentos sobre asúltimas novidades da indústria da saúde, dos avanços tecnológi-cos dos bens de consumo, da medicina, informática ou robótica.Ou seja, o noticiário científico é peça imprescindível da formaçãointelectual das sociedades de massa, e por isso, sua linguagematinge a formação escolar e outros instrumentos de aprendizado.As matérias e reportagens científicas compõem livros, gramáticase compêndios, além de terem lugar garantido nas produções tele-visivas e fazem parte do vocabulário cotidiano dos habitantes dasgrandes cidades.

Encerramos, pois esta dissertação com a certeza de termoscumpridos os nossos objetivos e acreditamos na maturação de-

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stas idéias que hoje compõem apenas uma dissertação, mas quefuturamente, podem ter mais amplitude neste setor tão fascinantee ao mesmo tempo, em expansão, que é a Comunicação Social.Sobretudo agora, quando se sobressalta a sua importância a pontode aliar seucorpus teóricoe seumodus vivendiao arcabouço dasCiências Pedagógicas. Vida longa a esta aliança.

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Capítulo 3

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146 José Soares de Veras Júnior

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Comunicação & Educação. Escola de Comunicações e Artes(ECA). Universidade de São Paulo: Moderna. Ano IV, n.12,1998.

Comunicação & Educação. Escola de Comunicações e Artes(ECA). Universidade de São Paulo: Moderna. Ano IV. n.13,1998.

Educação & Comunicação de Massa. Revista de Cultura da Vo-zes. Campinas, SP: Vozes, n. 7, 1980.

Fontes em Educação. Guia para jornalistas. Fórum Mídia e Edu-cação: perspectivas para a qualidade da informação. Brasí-lia: CENPEC, 2001.

Revista Brasileira de História da Educação. n. 1. Campinas:Autores Associados, 2001.

Revista de Cultura, Educação e Comunicação. Rio de Janeiro:Vozes, 1980.

3.2 Sites

Associação Nacional de Jornais- Disponível em<http://www.anj.org.br/>.

Núcleo Comunicação e Educação - NCE- Disponível em<http://www.eca.usp.br/nucleos/nce/>.

Núcleo José Reis de Divulgação Científica da ECA/USP- Dispo-nível em <http://www.eca.usp.br/nucleos/njr>.

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Da informação ao conhecimento 147

Instituto Verificador de CirculaçãoDisponível em<http://www.ivc.org.br>.

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148 José Soares de Veras Júnior

Anexo AEntrevistas

Na correria da apuração dos fatos, o jornalista acaba se torn-ando uma espécie de pesquisador do cotidiano, um “arqueólogo”da produção da realidade, ou como definem os Estudos da Re-cepção e Mediação, como um “produtor de sentido”. Desta formaestas entrevistas não são um apêndice, um complemento da dis-sertação. Elas são a pesquisa de campo realizada entre os anosde 2002-2004 e o depoimento dos autores permeiam todo o tra-balho investigativo - a exemplo da entrevista com o catedráticoJosé Marques de Melo ou com o especialista em Jornalismo Ci-entífico, Wilson Bueno.

Diante de condições tão diversas de produção e transformaçãodo conhecimento científico que temos hoje; diante da releituraconstante dos clássicos e de todo saber arquivado em nossa me-mória coletiva (vetorizado agora pelas redes de informação quematerializam a criação de uma inteligência coletiva) nada mais sa-lutar, do que tentar transformar estas entrevistas num lugar ondese estabelece uma batalha aberta de argumentação e proposiçãode idéias pertinentes à compreensão do novo Jornalismo que per-meia a atualidade, suas premissas, seu grau específico de cienti-ficidade, os seus gêneros, etc. As novas correntes do jornalismocontemporâneo - New criticism, Webjornalism, - já não aceitama condição da comunicação como um mero redutor dos fatos; umsimplificador da realidade.

Parte das entrevistas foram realizadas por e-mail. Com ex-ceção das entrevistas com Jomar Moraes, Zuenir Ventura, EdgarCarvalho e Edgar Morin; estas realizadas pessoalmente. Nessesentido, não se tentou apenas agrupar as informações de maneiraà “agradar” a quem está lendo, da mesma forma que os entrevista-dos também não foram poupados de indagações, às vezes, descon-fortáveis, mas prevaleceu acima de tudo, o interesse em registraro pensamento, as idéias e ações dos professores e jornalistas que

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formam a opinião de milhares de leitores que acompanham comavidez o noticiário cultural e científico.

Para o pesquisador, a coleta de dados é chamada de pesquisade campo (quando ele investiga fontes documentais e passa a lidarcom dados aferidos de apurações). Para o jornalista, apesar dadiferença de linguagem, este é o seu cotidiano, matéria-prima doseu trabalho, e por isso, se torna duplamente importante que estasentrevistas estejam presentes nesta dissertação, exemplificando asteorias argumentadas.

Sempre levando em consideração as noções tão exíguas detempo e espaço, a maioria dos textos teve sua linguagem copides-cada, mas nem por isso se perderam as informações principais.Uma pequena biografia norteia a introdução das entrevistas.

As entrevistas na íntegra também podem ser encontrados nosite “Muito Além do Lead”, criado com o intuito de transformar apesquisa de campo da dissertação em uma publicação eletrônicacapaz de contribuir com a formação dos alunos do Departamentode Comunicação da UFRN, na qual o autor é professor-substituto.O site pode ser acessado no endereço www.decom.ufrn.br/jol/lead.Mais de cem alunos visitaram a página eletrônica durante o se-mestre de 2004.1 e fizeram resumos dos textos dos jornalistas ent-revistados. O resultado foi satisfatório, pois além de aprimorar avisão que os graduandos têm da área jornalística, ainda foi possí-vel suscitar o debate entre os participantes, pois o site ainda apre-senta entrevistas complementares que envolvem especialistas emmarketing, fotojornalismo, jornalismo ambiental e quadrinhos.

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A pesquisa de campo da dissertação já está na Internet no site Muito Além doLead (www.decom.ufrn.br/jol/lead).

Modelo do questionário adotado

1. Na sua opinião, mesmo o jornalismo sendo visto como umamera técnica, qual a sua importância para a educação deuma coletividade?

2. Informação é diferente de conhecimento. Como o jorna-lismo impresso pode trabalhar com ambos?

3. De que maneira o texto jornalístico pode sair da superficia-lidade e atingir um grau maior de formação do leitor?

4. Em matérias de cunho histórico e científico, o jornalistadeve se portar de maneira neutra, ou deve tomar partido,opinar, sempre com o intuito de melhor (in)formar o leitor?

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5. Quais mudanças do jornalismo atual contribuíram para me-lhoria do noticiário impresso? As novas tecnologias? Asmudanças de linguagem? Os aspectos técnicos e gráficos?

6. No jornalismo impresso atual sente-se falta de uma pes-quisa mais apurada, de uma checagem de dados mais ar-rojada. Como corrigir estas deficiências tendo que lutarcontra o tempo exíguo do deadline, a falta de orientaçãoda pauta e as carências de recursos dos veículos de comu-nicação?

7. Como assuntos científicos, históricos, antropológicos e deáreas congêneres poderiam ser mais bem tratados no jorna-lismo impresso?

8. Na sua opinião, o que há de pior no jornalismo impressoatual, sobretudo no que diz respeito ao conteúdo?

OBS: Dependendo do entrevistado, foram acrescentados ouretirados alguns itens das questões, como se pode constatar naspróximas páginas, mantendo-se, contudo, a abordagem sobre osmesmos temas. A linha de análise adotada pelas perguntas levouem consideração os objetivos específicos desta dissertação. Todasas entrevistas foram realizadas entre abril de 2002 e outubro de2004.

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ZUENIR VENTURA: "Para melhorar a qualidade do jornalé preciso apurar bem"

06/09/03

Mineiro radicado no Rio de Janeiro há 40 anos, Zuenir Ven-tura diz que ainda está aprendendo em sua profissão e que, mesmodiante dos problemas que existem nos veículos de comunicação,ainda é possível fazer um bom jornalismo, independente de infra-estrutura, problemas econômicos ou posicionamentos políticos.

Entrevista - Mesmo diante dos problemas de tempo, estru-tura e espaço que os meios de comunicação enfrentam, é possí-vel manter um padrão de qualidade no jornalismo, com apu-ração e fiscalização rigorosas da sociedade?

ZV - Existem falhas na nossa profissão, sobretudo, se vocêpensar que ela ainda engatinha, historicamente falando. Tambémvivemos uma liberdade muito recente. Até pouco tempo tínhamosuma ditadura. A conquista da liberdade de opinião e de idéiasexige uma certa experiência. Houve excesso? Houve. O ladopositivo é que temos consciência da existência destes problemas.Hoje existe uma "demanda"ética muito grande da sociedade. Nopassado tínhamos uma preocupação estética e técnica, mas nãotínhamos uma grande preocupação ética. A sociedade hoje exigeque as instituições tenham essa preocupação. Esta exigência não

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Da informação ao conhecimento 153

recai apenas sobre a imprensa, mas sobre as empresas e demaisinstituições.

Entrevista - Qual o futuro do jornalismo impresso?ZV - Por mais que exista esta visão ’apocalíptica’ de que a

TV e a Internet implicam no fim dos jornais impressos, acho queo jornal continua com um futuro muito grande, embora tenha quese adaptar incessantemente aos novos tempos e enfrentar a con-corrência, coisa que não está acontecendo. Você não pode conti-nuar fazendo jornal como se fazia no meu tempo. Umberto Eco,por exemplo, tem uma tese onde ele acha o contrário: que a In-ternet surgiu para salvar a palavra. Com a televisão estávamoshabituados a ficar sem ler nem escrever. Com os adventos datecnologia passamos a escrever bem mais. A dúvida é saber seestes escritos têm qualidade. Os jornais escritos têm que se adap-tar. Não é possível que a notícia que saiu hoje na TV - no rádio, ouno web site - seja a mesma notícia que sairá amanhã nos jornais.Ninguém vai querer ler porque já sabe do assunto tratado. Cadatecnologia nova exige da anterior um aperfeiçoamento. Para me-lhorar a qualidade do noticiário impresso é necessária uma apu-ração impecável, entre outras exigências. As tiragens estão baixasnão só por problemas econômicos ou tecnológicos, mas tambémporque somos um País de "iletrados", e isto deve ser levado emconsideração. Devemos fazer um "jornalismo-serviço"cada vezmais voltado para a vida do cidadão comum.

Entrevista - Lula e o PT nunca tiveram espaço privilegiadona imprensa até virarem Governo. As notícias sempre estãojunto com o poder?

ZV - Sempre achei que o jornalismo não pode ser poder. Nemo "quarto poder". Ele tem que ser fiscal, um cobrador da socie-dade. Deve sempre estar procurando os defeitos, o que está fal-tando nos governos. é melhor pecar nas críticas do que na com-placência. Estamos vivendo um momento novo e o governo Lulatem poucos meses. Mas temos que cobrar e exigir mesmo assim.

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154 José Soares de Veras Júnior

é claro que torcemos pelo Lula. O mundo todo está de olho noLula e também está torcendo por ele. A imprensa tem que olharcom simpatia, mas não com complacência.

ENTREVISTA - Qual seria então os maiores problemasda imprensa brasileira?

ZV - O maior problema é tentar entender a complexidade domundo de hoje depois do fim da Guerra Fria, da Bi-polarização eda queda do muro de Berlim. Eu costumo dizer que os melhoresjornais são os "explicativos"e não os informativos. Não precisater um excesso de informações, porque isto já é ruído. Não adi-anta bombardear o leitor de informações porque você os intoxica.Diante deste quadro devemos nos portar com a maior humildadepossível. Nós temos uma tendência à prepotência e a soberba,pois achamos que sabemos dos assuntos tratados. E isto é umapostura de risco. Aos jovens repórteres eu digo que a primeira,segunda e terceira qualidades que ele deve ter é a humildade. Nãoé ser bobo, nem abstrato. é ter uma postura de aprendizado cons-tante.

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Da informação ao conhecimento 155

JOSÉ MARQUES DE MELO: "Informação e conhecimentosão duas faces de uma mesma moeda"

Abril de 2002

José Marques de Melo é jornalista, professor universitário,pesquisador e consultor acadêmico. Docente-fundador da Escolade Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP). Ali obteve os títulos de Doutor em Ciências da Comuni-cação, Livre-Docente, Professor-Adjunto e Professor Catedráticode Jornalismo. Formou várias gerações de jornalistas e de pesqui-sadores acadêmicos. Atualmente é professor de comunicação daCátedra da UNESCO na Universidade Metodista.

Na sua opinião, mesmo o jornalismo sendo visto como umamera técnica, qual a sua importância para a educação de umacoletividade?

JMM - Discordo da premissa, pois o jornalismo não é meratécnica e sim uma forma de conhecimento, de acordo com o con-ceito de Robert Park. Assim sendo, trata-se de categoria comuni-cacional fundamental para a educação coletiva, na medida em quefaz a mediação constante entre os indivíduos que constituem umasociedade e os acontecimentos cotidianos.

Informação é diferente de conhecimento. Como o jorna-lismo impresso pode trabalhar com ambos?

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156 José Soares de Veras Júnior

JMM - Informação e conhecimento são duas faces de umamesma moeda. O conhecimento representa o acervo cultural queos indivíduos e as sociedades acumulam durante sua trajetória his-tórica. A informação é o nutriente desse acervo, acrescentandonovos elementos ao patrimônio cognitivo ou reciclando os con-teúdos já estocados na memória individual ou coletiva. O jorna-lismo impresso, da mesma forma que as outras modalidades dejornalismo, difunde as informações que alimentam o acervo co-gnitivo dos leitores ou das comunidades em que serão inseridos.

De que maneira o texto jornalístico pode sair da superfici-alidade e atingir um grau maior de formação do leitor?

JMM - A complexidade do texto jornalístico depende essen-cialmente do acervo cognitivo do público leitor a que se destina.Será um texto superficial se dirigido a uma audiência heterogênea,caracterizada por leitores que detêm exígua bagagem cultural. Po-derá ser um texto mais denso se dirigido a um segmento letrado,intelectualizado. A demanda por textos aprofundados, na formae no conteúdo, depende fundamentalmente da melhoria do nívelde escolaridade das comunidades a que se dirigem os jornais e re-vistas. Publicar textos sofisticados para uma audiência dotada debaixa estatura intelectual significa bloquear o processo comunica-tivo, pois o código será ininteligível.

Em matérias de cunho histórico e científico, o jornalistadeve se portar de maneira neutra, ou deve tomar partido, opi-nar, sempre com o intuito de melhor (in) formar o leitor?

JMM - A postura do jornalista depende do gênero jornalísticoque está exercitando. Se ele pratica o jornalismo informativo deveser fiel à natureza do gênero e corresponder à expectativa do leitor,oferecendo ampla e acurada descrição dos fatos, a partir de distin-tos ângulos noticiosos, garantindo-lhe liberdade de formular seupróprio ponto de vista. Se ele pratica o jornalismo opinativo, cabeao jornalista o direito de emitir seu próprio ponto de vista, queestará sempre vinculado à assinatura que apõe à matéria difun-

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Da informação ao conhecimento 157

dida. Os leitores tendem a formar seus mecanismos de avaliaçãodos fatos, combinando informações fidedignas (notícias, reporta-gens, entrevistas) com opiniões dotadas de credibilidade (artigos,comentários, editoriais, resenhas, colunas etc).

Quais mudanças do jornalismo atual contribuíram paramelhoria do noticiário impresso? As novas tecnologias? Asmudanças de linguagem? Os aspectos técnicos e gráficos?

JMM - As principais mudanças do jornalismo contemporâneoestão se dando pela ampliação do nível cultural do público leitor.Contingentes educados exigem produtos jornalísticos menos su-perficiais, mais precisos, completos, agradáveis. As novas tecno-logias constituem ferramentas indispensáveis a esse processo demutação, porque facilitam a busca de informações por parte dosjornalistas, permitindo cotejar fontes com maior rapidez e acurá-cia. Da mesma forma, a possibilidade de explicitar melhor osdados (gráficos, tabelas, ilustrações) ajudam a fazer o leitor com-preender certas nuances dos acontecimentos que a simples leiturade textos não o permitiria.

No jornalismo impresso atual sente-se falta de uma pes-quisa mais apurada, de uma checagem de dados mais arro-jada. Como corrigir estas deficiências tendo que lutar contrao tempo exíguo do deadline, a falta de orientação da pauta eas carências de recursos dos veículos de comunicação?

JMM - Tais deficiências não podem ser imputadas às rotinasjornalísticas. O jornalismo constitui uma modalidade de expressãocoletiva que se dá sob a pressão do tempo. E quanto mais rápi-dos os processos de difusão maior a exigência de apurar os fatos edisseminá-los imediatamente, sob a expectativa de leitores ávidosde melhor informação. A raiz das deficiências indicadas está naconstituição das equipes jornalísticas em empresas que não estãoplenamente capacitadas para o exercício noticioso. Repórteresmuito jovens que são desafiados a produzir informações sem o ne-cessário treinamento; a falta de supervisão rigorosa por parte dos

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158 José Soares de Veras Júnior

editores e muitas vezes o descaso dos próprios leitores, que perce-bem equívocos e não protestam. Editores acomodados ou desmo-tivados, que ascendem profissionalmente segundo critérios cor-porativos, deixando de exercer o papel de instrutores dos mais jo-vens e de avaliadores permanentes do trabalho dentro da redação.Proprietários que se ausentam de suas empresas, deixando-as emmãos de terceiros, sem estabelecer políticas editoriais e sem fa-zer os investimentos indispensáveis ao trabalho eficaz. Trata-sede um círculo vicioso que será neutralizado quando o mercadojornalístico for mais competitivo, transformando a qualidade empadrão convencional.

Como assuntos científicos, históricos, antropológicos e deáreas congêneres poderiam ser mais bem tratados no jorna-lismo impresso?

JMM - Em primeiro lugar, torna-se indispensável criar vín-culos mais estreitos entre as redações e os públicos a que servem.Em sendo um serviço público, o jornalismo precisa manter per-manente sintonia com as demandas coletivas. A produção noti-ciosa se faz, rotineiramente, de acordo com os modelos vigentes,que privilegiam as temáticas políticas e econômicas, demandaspelas elites que participam do sistema de poder. Incluir novastemáticas e novas dimensões dos acontecimentos significam emgrande parte ampliar o público leitor dos jornais e revistas e mo-tivar as novas gerações a se incluir nesse contingente de leitorespotenciais. A escola pode desempenhar um papel decisivo em talprocesso de mudança, estimulando os jovens a demandar na im-prensa temas e questões que usualmente estão ausentes das pautascotidianas. E desta maneira criariam uma contra-corrente capazde acionar as lideranças que tomam decisões nas empresas.

Na sua opinião, o que há de pior no jornalismo impressoatual, sobretudo no que diz respeito ao conteúdo?

JMM - O principal defeito do jornalismo impresso atual, naminha opinião, é a ausência de diversidade temática e a falta de

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Da informação ao conhecimento 159

alternativas analíticas. Há um monocordismo insuportável, quesubordina a imprensa regional aos jornais de prestígio nacional.Um copia o outro, que reproduz a cópia no dia seguinte. Faltaousadia, criatividade, sensibilidade. A impressão que tenho é ade que as redações produzem jornais e revistas para elas próprias,esquecendo de dialogar com a sociedade. Torna-se urgente supe-rar esse modelo de jornalismo em que seus produtores se julgamsemideuses e tomam decisões de pauta, conteúdo, julgamento edi-torial, desconsiderando o que pensam e o que desejam os leitores.Enfim, trata-se de romper um modelo autoritário de jornalismo,introduzindo noções de democracia cultural e de serviço público.

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160 José Soares de Veras Júnior

WILSON BUENO: “O jornalismo científico ainda vive refémdos grandes interesses”

04/06/04

Atualmente Wilson Bueno da Costa é considerado um dosespecialistas com maior experiência na área de pesquisa do Jorna-lismo Científico brasileiro. Professor da Escola de Comunicaçãoe Artes (ECA-USP), ele tem vários livros lançados sobre o ass-unto, incluindo tese de doutorado pioneira intitulada “JornalismoCientífico no Brasil:os compromissos de uma prática dependente,1984, Unesp”. Bueno atualmente também mantém um portal naInternet sobre o assunto (www.jornalismocientifico.com.br).

Como ensinar Jornalismo Científico para alunos que nãoconhecem História da Ciência e que mal sabem os princípiosbásicos das ciências clássicas estudadas no ensino fundamen-tal?

WB - Há realmente um complicador importante no ensinode Jornalismo Científico, particularmente quando se sabe que oscursos de Jornalismo necessariamente não incorporam discipli-nas ou conteúdos em História da Ciência. Como não é função dauniversidade recuperar conteúdos e informações básicas em C &T, pode-se sugerir cursos de extensão voltados para História daCiência , Filosofia da Ciência etc. Pode-se indicar também uma

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bibliografia básica, mas é preciso sempre considerar as dificulda-des inerentes ao ensino de JC nestas condições. Ele, sem estespré-requisitos, certamente poderá ter comprometido o seu desem-penho pedagógico.

Quais são as áreas prioritárias para o JC contemporâneo?WB - As áreas prioritárias, considerando-se a atividade jor-

nalística, serão, evidentemente, aquelas que estão definindo pau-tas recorrentes na mídia. Eu apontaria, por exemplo, transgêni-cos, mudanças climáticas, clonagem, biodiversidade e biopirata-ria, astrofísica e cosmologia, políticas de C & T no Brasil, comoalgumas de grande importância na atualidade.

Por que a maioria dos cursos universitários de Comuni-cação Social não possui em suas grades curriculares a disci-plina de Jornalismo Científico, assim como a maioria dos jor-nais impressos também não possuem editoriais fixas na área?

WB - Certamente, porque falta ainda, nas escolas e nos veícu-los, a conscientização sobre a importância da democratização doconhecimento científico e do papel que os meios de comunicaçãopodem desempenhar neste sentido. Percebe-se, gradativamente,que esta situação tende a mudar e, nos próximos anos, uma partesignificativa dos cursos de jornalismo deverá incorporar discipli-nas ou práticas laboratoriais voltadas para essa área. Isso já estáocorrendo na pós-graduação (especialização, mestrado e douto-rado). Com a capacitação de novos docentes nessa área, certa-mente a oferta na graduação também deverá experimentar um in-cremento.

O Jornalismo Científico atual está a serviço da indústria(médica, tecnológica, alimentar, etc.) ou ao contrário: é a in-dústria que precisa dele para sobreviver?

WB - Infelizmente, o Jornalismo Científico ainda vive refémdos grandes interesses, certamente porque a pauta tem sido defi-nida fora das redações. Com isso, ele não tem cumprido o seu

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162 José Soares de Veras Júnior

papel crítico de contextualizar as informações, descobertas etc apartir do interesse público. Na verdade, o Jornalismo Científicoprecisa das fontes especializadas, mas deve estar atento aos seuscompromissos. Não há dúvida de que as corporações (nacionaise multinacionais) precisam da mídia, mas em geral elas desen-cadeiam processos mais próximos do marketing do que do Jorna-lismo Científico, tendo em vista a sua contaminação por interessescomerciais.

Qual o papel do trabalho desenvolvido pelo jornalista JoséReis para a divulgação científica brasileira? Sua atuação ab-riu caminhos para as novas gerações de jornalistas da área?

WB - O prof. José Reis é, justamente, considerado o decanodo jornalismo científico no Brasil. Durante 50 anos contribuiu re-gularmente para a divulgação científica e conciliou, de maneiraformidável, os perfis de pesquisador e divulgador científico. Bus-cou aproximar as duas áreas (ciência e jornalismo), despertou vo-cações e, sobretudo, mostrou a importância do trabalho de alfabe-tização científica pelos meios de comunicação.

Como especializar repórteres acostumados com a cober-tura da geral em jornalismo científico?

WB - é preciso reunir uma série de atributos para esta capa-citação. Em primeiro lugar, é preciso deixar claro o processo deprodução científica e entender como a ciência e o cientista tra-balham. Em segundo lugar, é preciso discutir a questão da alfa-betização científica no Brasil, evidenciando o caráter pedagógicodo Jornalismo Científico. Em terceiro lugar, é fundamental dei-xar explícito que também nesta área convergem grandes interes-ses e que é necessário enxergar além das notícias e não se tornarrefém de fontes comprometidas com interesses políticos, comer-ciais, ideológicos. Finalmente é preciso definir linguagens quesejam adequadas à audiência que se pretende atingir. O Jorna-lismo Cientifico será diferente na mídia impressa, no rádio e natelevisão ou na Internet, em função do perfil da audiência. Em-

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bora a prática contribua para que o repórter tome contato comesta realidade, a Academia tem papel fundamental ao sistemati-zar conceitos, promover debates, entre outras atividades.

O senhor escreveu vários livros e artigos na área de JC.Quais as maiores dificuldades enfrentadas por um pesquisa-dor neste campo tão específico da comunicação?

WB - Os maiores desafios estão exatamente no fato de a pro-dução jornalística e a produção científica terem características dis-tintas, assim como são distintos os perfis dos profissionais de-stas duas áreas. Apenas recentemente, jornalistas e pesquisadoresestão buscando trabalhar em parceria, aglutinando a competênciade ambos os lados. A insuficiente formação do jornalista para co-brir ciência e a incompreensão de boa parte dos cientistas sobre opapel da divulgação científica contribui, negativamente, para umjornalismo científico de qualidade. Mas essa situação pode mu-dar se eles (jornalistas e pesquisadores) se dispuserem a dialogar,a entender as particularidades dos processos de produção. Sobre-tudo, é importante que eles tenham consciência da necessidade dedemocratizar o conhecimento científico e trabalhem em prol daconstrução da cidadania.

Como especializar a docência dos cursos universitários decomunicação em JC?

WB -Fazendo pesquisas, realizando estudos, buscando desen-volver projetos laboratoriais, analisando, de maneira sistemática,a cobertura de C & T pela mídia e promovendo encontros entreprofissionais de comunicação e ciência para o debate de temas deatualidade.

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SEBASTIÃO SQUIRRA: O jornalista não pode almejar ocargo de senhor

Professor da Escola de Comunicação e Artes da Universidadede São Paulo, Sebastião Squirra é uma referência nos estudos dasnovas tecnologias e no telejornalismo brasileiro. Da assistênciade produção do extinto programa Vila Sésamo, nos anos 70, elefoi à Paris fazer mestrado na Sourbonne, onde estudou os meiosde comunicação. Nesta época ele considera que realmente “ent-rou para o Jornalismo”. De volta ao Brasil, Squirra acompanhouo início do Globo Repórter. Mas as experiências mais marcantesde sua carreira foram na TV Bandeirantes, onde dirigiu um núcleode produção jornalística. Hoje ele atenta para a qualidade do no-ticiário, sobretudo, se a formação do repórter e o perfil editorialda publicação estiverem em consonância com a vocação modernado jornalismo: “o serviço prestado ao leitor”.

Na sua opinião, mesmo o jornalismo sendo visto como umamera técnica, qual a sua importância para a educação de umacoletividade?

SS - Não entendo o jornalismo como "uma mera técnica".Aliás, se alguém te afirma isto, precisa repensar suas posições.Falo isto, pois a técnica é importante em tudo o que fazemos en-quanto profissionais. Mesmo os filósofos têm uma "técnica"naarticulação mental, na formatação do raciocínio, na tática da me-morização etc. Para o jornalista (e por que não para o Médico,

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para o Geógrafo, para o cientista em geral, enfim), a técnica daformatação de relatos, de percepção da sociedade são muito maisimportantes que o domínio do instrumental técnico que possibilitasua expressão. Concluo informando que a "técnica por si"não énada. Afinal, para que serve um jornalista que domina o computa-dor (ou a câmera de fotografia, de TV, o microfone etc) e não temnada a falar? Não tem o que se chama de "massa cinzenta"? Nãotem, enfim, cultura? E agora, respondo sua pergunta. A função daeducação não deve ser imputada ao jornalismo (e nem à expressãomidiática em geral). Os mídias informam a sociedade. Sim, aju-dam na formação de muitos, pois realizam processo complemen-tar na sedimentação do conhecimento. Mas, sua missão não é ade educar. Embora informar, por ser um incremento no processode conscientização, ajude neste propósito.

Informação é diferente de conhecimento. Como o jorna-lismo impresso pode trabalhar com ambos?

SS - O conhecimento advém do acesso à informação. Nãonecessariamente a informação obtida com o uso dos meios mas-sivos. O livro, as aulas, as conversas são outras formas. De fato,o conhecimento, é o "acúmulo"de informação que, a partir da or-ganização destas (informações) e do bom manuseio do repertórioque este processo possibilita, permite ao interessado o discerni-mento próprio. Falo de cultura, falo de astúcia, certo?

De que maneira o texto jornalístico pode sair da superfici-alidade e atingir um grau maior de formação do leitor?

SS - Veja, a missão primeira do jornalista deve ser a de in-formar o leitor/espectador. Como disse antes, o mesmo não devese pautar pela formação do seu público (isto vem, por tabela).Assim, quanto maior for a qualidade, adequação e honestidade,maior a carga informacional do mesmo, certo? E como conse-qüência, maior valor informativo carregará, permitindo ao públicomaiores condições para formar seu juízo, construir seu arbítriosobre o assunto enfocado. O jornalista não pode almejar o cargo

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de "senhor"de determinado assunto, nem de querer "fazer a ca-beça"dos seus leitores/espectadores. Tem que informar correta-mente. Só isto. O que, diga-se de passagem, já é demais!

Em matérias de cunho histórico e científico, o jornalistadeve se portar de maneira neutra, ou deve tomar partido, opi-nar, sempre com o intuito de melhor (in)formar o leitor?

SS - Deve portar-se de maneira neutra sempre. Tem que sepautar por relatar ricamente determinado fato, não pretendendomudar o "rumo da história", como muitos erradamente entendemque seja a missão do jornalista. Os jornais impressos reservamespaço para opiniões para atender este desejo das empresas e nãonecessariamente dos jornalistas que nela trabalham. Veja, vocêtem que entender que os jornais (e emissoras) sãoempresasdecomunicação que têm, no final do mês, que fechar o caixa.... Nãoé o local próprio para "pregações"político-ideológicas dos jorna-listas. Aliás, pergunto onde os mesmos falam o "que querem".Desconheço um só exemplo. Fora os jornais sindicais é claro.

Quais mudanças do jornalismo atual contribuíram paramelhoria do noticiário impresso? As novas tecnologias? Asmudanças de linguagem? Os aspectos técnicos e gráficos?

SS- A acuidade nos relatos. A diversidade dos meios. A plu-ralização da fontes. A democratização do acesso. E por tabela,melhor apuração, cuidados no domínio das linguagens, o incre-mento tecnológico. E a Internet, que ajudou em muito a diversifi-cação das fontes de acesso.

No jornalismo impresso atual sente-se falta de uma pes-quisa mais apurada, de uma checagem de dados mais arro-jada. Como corrigir estas deficiências tendo que lutar contrao tempo exíguo do deadline, a falta de orientação da pauta eas carências de recursos dos veículos de comunicação?

SS - Tudo desculpa esfarrapada para o mau jornalismo quese pratica no país. é só investir mais recursos na melhoria do

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parque tecnológico e na formação da mão-de-obra que tudo estáresolvido. O que caracteriza o que você pergunta, é o atraso co-municacional vivenciado no país. O resto é balela.

Como assuntos científicos, históricos, antropológicos e deáreas congêneres poderiam ser melhor tratados no jornalismoimpresso?

SS- Simples: é só dar o espaço e a forma adequados em cadaveículo. é só ouvir mais a academia, as fontes científicas, reprodu-zir os textos das agências e agências apropriados. Só isto. Ponto.

Na sua opinião, o que há de pior no jornalismo impressoatual, sobretudo no que diz respeito ao conteúdo?

SS- Não sei o que há de "pior". Sei que ainda não consegui-mos uma idade "madura"na comunicação de fatos à população.Mas, reconheço que esta não é uma questão de fácil solução. Afi-nal, como incrementar a produção de conhecimento, se a econo-mia vai mal; se o número de analfabetos (por falar em jornalismoimpresso) é gigantesco; se o número de desempregados é expres-sivo; se o volume dos sem-teto ainda é vergonhoso; se o númerode crianças que passam de ano sem saber nada e têm na escolalocal para poder ter pelo menos uma refeição diária é irrecusável;se ainda temos cerca de 45 milhões de esfomeados; se o Bush vaicomplicar ainda mais tudo com a guerra pessoal contra o Iraque.Veja como isto tudo é complicado.

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VICTOR GENTILLI: "O futuro do jornalismo cultural".

Maio de 2002

Um dos atuais editores do polêmico Observatório da Imprensa,programa de TV e portal na Internet, é o jornalista e docente uni-versitário Victor Gentilli, que atualmente ocupa o cargo de diretoracadêmico do portal. Para ele existem várias nuances no atualmercado brasileiro das publicações de cultura. Entre elas: o ama-dorismo e a falta de formação dos profissionais que estão nas re-dações.

A apuração da matéria de cultura geralmente é diferentedas matérias de outros cadernos. As fontes geralmente vãoas redações, oferecem todas as informações possíveis, quandonão, mandam os livros, discos, fitas, etc. Todo o materialchega pronto, com realeses e telefones para contato. O senhoracha que essa situação torna o repórter mais acomodado?

Victor Gentille - Com certeza. A rigor, no meu entendimento,os jornais hoje não têm jornalistas culturais, no sentido estrito dotermo; tem jornalistas de lazer e entretenimento, que noticiam es-petáculos, livros, teatros que podem ou não ter o valor culturalque eles dizem ter.

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Muitas assessorias convidam os repórteres de cultura paracobrir shows e eventos pagando as passagens e hotéis. Na suaopinião, é o jornal ou as assessorias que deveria bancar estasdespesas? Com tudo pago pela fonte o jornalista pode se sentirnaturalmente isento?

VG - Esse é um dos pontos centrais do problema. Com essapergunta, você pegou na veia do problema. Mas, de todo modo,não vamos esquecer que o problema é antigo, e a origem está nojabaculê (ou que outro nome tenha no Nordeste) que marcou emarca a divulgação de músicas pelo rádio. Mas com certeza, aprática, ao contrário de diminuir, parece que vem aumentando etomando o setor de lazer e entretenimento. O jornalismo, comcerteza, fica muito prejudicado. O jornalismo serviço público. Obom jornalismo.

O repórter da área cultural, mesmo sem pós-graduação esem nenhuma especialização, pode emitir juízos críticos, afir-mar se tal produto artístico é bom ou ruim. O senhor achaque esta postura é correta ou o repórter deve se limitar a di-vulgar apenas o que está acontecendo e deixar o leitor tecer assuas próprias considerações?

VG - A questão é complexa. é evidente que o País, o Nor-deste, o Rio Grande do Norte tem necessidade de jornalistas com-pletos. A crítica, no meu entendimento, é inerente à prática jor-nalística. Agora, evidente que alguma formação o profissionalprecisa ter. Neste caso, confesso que uma especialização ou pós-graduação pode ser uma entre tantas formas do profissional me-lhorar sua qualificação e se aperfeiçoar. Estou convicto que a vi-vência, a experiência e outras formas também são importantes.De todo modo, isso não invalida o jornalismo meramente infor-mativo quando ao jornalista cabe apenas dar as informações bási-cas de um "evento". Mas mesmo neste caso o espírito crítico nãopode ser esquecido.

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Na sua opinião, quais os maiores erros e maiores deficiên-cias que ocorrem na apuração da área cultural?

VG - Penso que a pergunta está mal formulada. No Brasil,são muito poucos, bons jornalistas culturais. Boa parte está nachamada "grande imprensa", um ou outro gato pingado num jor-nal regional. Talvez a ênfase excessiva no jornalismo de lazer eentretenimento seja um dos problemas mais graves. Não sei serespondi a contento esta questão.

A grande quantidade de textos para editar (quadrinhos,programações de cinema, capítulos de tv, colunas sociais, co-lunas especializadas, horóscopo e reportagem não faz com queaumente a possibilidade de erros na hora da edição? Comoevitar esses erros?

VG - Aí, no meu entender, você já não fala de jornalismo cul-tural, mas de jornalismo de caderno B, dois, ou que nome tenhaeste caderno. Os erros, com certeza, aumentam quando aumentaa pressão e a quantidade de material a ser editado. A forma maisprimária e mais simples de evitar é diminuir a pressão e a quanti-dade. Mas é preciso também uma avaliação critica do trabalho ge-ral. Difícil escrever no abstrato, sem conhecer a realidade especí-fica que você está tratando.

Muitos intelectuais reclamam dos cadernos de cultura di-zendo que eles só divulgam "entretenimento". Qual o limite,na sua opinião, entre reportagem cultural, crítica acadêmica ea divulgação de eventos. é possível reunir todos estes atributosno texto jornalístico? Que tipo de leitor deve ser a prioridadedos cadernos e suplementos de cultura?

VG - Falo no abstrato, de novo. Penso que o bom caminhoestá no equilíbrio. Mesmo o eventual suposto entretenimentopode ser um acontecimento cultural. Não sei se a palavra cor-reta é reunir. Mas tenho convicção que este conjunto de atributosque você cita compõem o panorama dos atributos de um verda-deiro jornalista cultural. O leitor - reitero que estou abstraindo -

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pode ser visto como o cidadão. O cidadão tem o "direito de terdireito"de acesso a bens culturais e de boa crítica. E isto englobatoda a cultura, a popular, a erudita etc.

Qual o futuro dos cadernos de cultura? Eles vão se tornaragendões ou é possível que ocorra uma maior especializaçãona área e, por conseguinte, melhoria de conteúdo?

VG - Difícil prever o futuro. Sinceramente, não vejo com bonsolhos o futuro e o problema maior não está no profissional, mas namáquina de moer gente em que os jornais vêm se transformandode um modo geral.

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JOMAR MORAES: A defesa do jornalismo científico

04/20/04

Embora os assuntos ligados à ciência sejam quase sempre vi-stos como algo reservado a uma pequena elite intelectual; as pu-blicações do gênero têm conseguido crescer de maneira significa-tiva. Um exemplo disso é a Superinteressante. Um dos editoresda revista é o jornalista Jomar Morais, 48, um pernambucano ra-dicado em Natal desde a infância.

Na sua opinião, mesmo o jornalismo sendo visto como umamera técnica, qual a sua importância para a educação de umacoletividade?

JM - O jornalismo promove a circulação da informação. Eisso é uma etapa fundamental para a preservação do estado demo-crático e a educação do indivíduo e da sociedade. Não é tudo e,certamente, nem é o principal, mas é uma peça indispensável naengrenagem.

Informação é diferente de conhecimento. Como o jorna-lismo impresso pode trabalhar com ambos?

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Da informação ao conhecimento 173

JM - Podemos dizer, que informação é o dado que se comu-nica. é o elemento que processado cognitivamente poderá con-tribuir para a formação do conhecimento, que é a percepção doobjeto em um processo complexo. é o que determina a interaçãoentre o homem e tudo o que o circunda, sua ação e sua reação aoseventos da vida. Penso que o jornalismo produz conhecimento nasgrandes reportagens, ensaios e artigos, que transcendem ao merofactual e abordam o fato novo em sua malha de inter-relações.é preciso, no entanto, considerar as limitações físicas (espaço) etécnicas (linguagem) do jornalismo impresso para produzir co-nhecimento em sua forma mais ampla. O jornal atende a essanecessidade num nível mais superficial que o livro, por exemplo.

De que maneira o texto jornalístico pode sair da superfici-alidade e atingir um grau maior de formação do leitor?

JM - Pergunta difícil de responder. Muita gente já propôs fór-mulas e algumas, postas em prática, fracassaram. Não dá, a meuver, para perder de vista a demanda por informação factual. O lei-tor quer saber antes as respostas do "lead"em se tratando do queestá acontecendo agora. é o básico e o imediato para que ele possaagir e reagir aos fatos. Mas em seguida ele quer (ou deveria que-rer) mais: quer entender o conjunto, a relação da parte com o todo.Nesse sentido, é necessário que os jornalistas estejam preparadospara perceber, entender e representar na reportagem a contextua-lidade dos fatos. é preciso que o profissional tenha um mínimode visão interdisciplinar, capacidade de reflexão, liberdade e co-ragem para deixar de lado velhos clichês e condicionamentos co-muns nas redações, que, na verdade, refletem o condicionamentoda própria sociedade. Jornais e mídia eletrônica, em geral, se-guem atrás dos fatos. Dificilmente, conseguem colocar-se umacurva adiante, entender antes, fazer projeções mais ou menos se-guras. Basta consultarmos as coleções da imprensa escrita e osregistros da mídia eletrônica para confirmarmos isso. Meia dúziade fontes determina o que os jornais e a TV vão dizer.

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Em matérias de cunho histórico e científico, o jornalistadeve se portar de maneira neutra, ou deve tomar partido, opi-nar, sempre com o intuito de melhor (in)formar o leitor?

JM - Considerando o nosso modelo de jornalismo, penso queo jornalista deve ser honesto com o seu leitor. Sabe-se hoje que aimparcialidade absoluta é inatingível. Precisaríamos reinventar ohomem para alcançar esse nível ideal. Nem a ciência é objetiva.Ao contrário, ela é muito, muito subjetiva. Vemos e interpretamosos fatos através de nossos filtros mentais, moldados na cultura ena química de nossa individualidade. Não há uma só leitura darealidade que se repita. Cada jornalista observa, capta e repre-senta no texto uma parcela do real (o que é mesmo o real? Estaé outra discussão ampla que envolve filósofos e até físicos quân-ticos), conforme seu filtro. Ainda assim, é possível, convenientee ético que procure relatar para o leitor da maneira mais límpidapossível, expondo as diferentes nuances, percebidas a partir deângulos diferentes de observação, as contradições e interesses di-versos que cercam o fato e que puderam ser percebidos através deseu filtro. A intenção de ser honesto deve permear todo o trabalhode apuração e redação. Isso se aplica principalmente ao trabalhode reportagem e edição. No nosso modelo de jornalismo, há es-paços mais adequados para o profissional explicitar a sua opiniãoe fazer a defesa de teses - ensaios, artigos, editoriais, etc.

No jornalismo impresso atual sente-se falta de uma pes-quisa mais apurada, de uma checagem de dados mais arro-jada. Como corrigir estas deficiências tendo que lutar contrao tempo exíguo do deadline, a falta de orientação da pauta eas carências de recursos dos veículos de comunicação?

JM - O bom jornal se faz com bons repórteres e bons edi-tores. Quando o editor tem dificuldade de pensar bem a edição,muitas vezes o trabalho do bom repórter é prejudicado. Quandoo repórter não tem talento, empobrece a edição, apesar de aí oestrago ser menor, pois o editor bem informado sempre pode en-contrar um paliativo para uma emergência. Notícia duvidosa deve

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ser avaliada com muito cuidado e ser publicada apenas se o riscofor bem calculado e se valer à pena. A regra é descartar esse tipode informação.

Como assuntos científicos, históricos, antropológicos e deáreas congêneres poderiam ser mais bem tratados no jorna-lismo impresso?

JM - Como qualquer outro assunto. O que queremos ofe-recer aos nossos leitores? A resposta poderia ser: algo novo,relevante e útil. Só conseguimos fazer isso quando aprofunda-mos a abordagem, oferecendo informações que componham (ouajudem a compor) conhecimento. Só conseguimos fazer tambémquando rompemos com os clichês, os condicionamentos, quandonos aventuramos a nadar contra a corrente, se necessário, a lidarcom tudo e todos sem idéias preconcebidas, preconceitos (que éuma coisa muito forte no jornalista). Manter uma atitude de aber-tura é muito importante para o bom exercício do jornalismo.

Na sua opinião, o que há de pior no jornalismo impressoatual, sobretudo no que diz respeito ao conteúdo?

JM - A frivolidade de algumas pautas, a abordagem superfi-cial de temas relevantes e o excesso de erros absurdos que come-temos por ignorância ou desleixo.

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Edgar Morin e a crítica ao jornalismo científico1

O sociólogo francês Edgar Morin, teórico das Ciências daComplexidade, veio a Natal em outubro de 2003, com objetivode realizar cursos e palestras para estudantes de cursos de pós-graduação de todo o País. Aos 82 anos, o autor da série “OMétodo” continua propondo uma nova postura diante do conheci-mento e das disciplinas científicas. Sempre com uma atitude ico-noclasta, Edgar Morin proferiu palestra no CCHLA de bermuda ede sandálias e ainda nos concedeu esta entrevista. Confira.

Como o senhor tem visto a relativa repercussão das Ciên-cias da Complexidade no Brasil?

EM - Acho que as condições bastante singulares do Brasilproporcionam um movimento intelectual que busca soluções paraos problemas do País, e ao mesmo tempo, busca resolver questõesteóricas do conhecimento. O quadro, em geral, é parecido em todaAmérica Latina. Temos fragmentos de modelizações do entendi-mento do mundo, frente ao liberalismo econômico, e as questões

1Entrevista publicada parcialmente na Tribuna do Norte em 06/10/2003.

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econômicas clássicas. Penso que é uma curiosidade, uma aspi-ração para que se desenvolva aqui um modo de conhecimentomais adequado à realidade da América Latina. Acho muito agi-tada a vida intelectual do brasileiro.

O senhor acha que o jornalismo tem ajudado a desenvol-ver o pensamento científico?

EM - Aqui no Brasil ou na França, em geral, o jornalismocientífico não tem ajudado muito. Na França ele está fixado aosquadros das tradicionais disciplinas. Ele tem um papel de divul-gar as variações e valores do pensamento destas disciplinas. Eufalo isto, sobretudo, me referindo à França. Não posso falar doBrasil, pois acho o jornalismo científico daqui muito atrasado.

Quais as propostas concretas para as universidades colo-carem em prática a “religação dos saberes”, proposta pelo se-nhor?

EM - No meu texto “Os Sete Saberes” discuto que as universi-dades devem deixar de ser “catedrais do conhecimento”, pois istoé uma ilusão, um equívoco. As universidades devem ser uma “ca-tedral” que exponha a condição humana como ela é: fragmentada,em pequenos pedaços. Elas devem refletir e discutir a nossa con-dição humana e planetária, além de estudar os problemas de in-compreensão que existem entre os povos, etnias e religiões. Pensoque todas as universidades devem ser para todos, uma parte davida dedicada ao “conhecimento do conhecimento”, além de sedeter sobre os significados dos conceitos de racionalidade e cien-tificidade.

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Edgar Carvalho:advogando a Complexidade no jornalismo

14/02/03

Tradutor, escritor e ínterprete do pensamento de vários filóso-fos franceses (incluindo Michel Serres e Edgar Morin) o soció-logo Edgar Carvalho tem vindo à Natal pelo menos cinco vezespor ano, onde ministra aulas e termina de escrever seus livros. Elerecentemente concedeu esta entrevista onde explica a chamada"modelização"do pensamento científico e da participação do jor-nalismo na divulgação das novas teorias e descobertas tecnológi-cas. Se colocando contra atitudes “retóricas”, o professor acreditaque os cientistas precisam aprender a se comunicar melhor, as-sim como defende um "hibridismo"nas linguagens para ampliaro poder de disseminação da ciência. Confira seu depoimento naíntegra.

Em termos gerais, como poderíamos entender a aplicabili-dade da ciência, sobretudo dos Estudos da Complexidade, suaárea?

EC - Isto é um problema difícil de ser sintetizado. A Com-plexidade tem duas frentes. A primeira trabalha as idéias, "scane-ando"o pensamento de cientistas e intelectuais que desejam aca-bar com a fragmentação do pensamento. A outra frente vê como

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tornar possível a aplicação destas idéias às instituições. Na bi-bliografia da área você já encontra os títulos: "Complexidade eempresas", "Complexidade e os bancos". Sempre acho que aspessoas usam esta palavra inadequadamente e vão citando o nomede autores sem critérios muito profundos. Antes de falar das em-presas, vamos falar das universidades. Se você pensar que a uni-versidade é uma instituição, como aplicaremos as bases do pen-samento complexo neste lugar? Em primeiro lugar você teria quecolocar "de cabeça para baixo"as fragmentações. Eu acho queesta estrutura departamentalizada é incompatível com a "mode-lização"do pensamento científico. Enquanto separarem as áreasfica complicado você operar o canal da "religação". é uma con-tradição. Você tem que pensar esta modelização em termos decentros "transdiciplinares", onde o projeto seria discutir (e estu-dar) o mundo, a vida, as culturas adolescentes, a própria ciência,o planeta Terra. Estes são os metapontos.

Fica claro, porém, que não é apenas a reunião de currícu-los e de estruturas físicas, é mais do que isso.

EC - é mais do que isso. é mexer na estrutura das organi-zações. Como você vai modelizar se as universidades são cons-truídas em torno destes "nucleamentos"? Veja o que acontece naPUC. Existem grupos que, por mais que sejam vinculados aos de-partamentos, eles se dissipam e passam a fazer eventos e estudosque vão além dos centros, mas mesmo assim eles têm muita difi-culdade de se manter.

Seria possível fazer esta modelização mantendo as estrut-uras separadas, mas atuando em "rede", operando uma "in-teligência coletiva"como falam alguns teóricos como o PierreLévy?

EC - Acho que não. Eu por exemplo, estou acabando de tra-duzir o último livro de Michel Serres pro Brasil, intitulado "Hu-minescências", sua última obra. é um neologismo que tenta ex-plicar sua aposta em um novo sentido do humano. Ele não fala

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especificamente da universidade, mas aponta que é impossível vi-ver "separado", dado a magnitude dos problemas planetários. As"huminescências"são alguma coisa que virá das transversalidades.A inteligência coletiva não é gerada pelos fragmentos, está alémdele.

Neste sentido as multinacionais parecem ter sido bem maisrápidas quando aplicaram, alguns anos atrás, a Teoria dosSistemas, para poder compreender a organização dos fluxos eda nova economia que surgia.

EC - As grandes organizações capitalistas, por mais paradoxalque seja, às vezes, estão à frente do nosso tempo. Já conver-sei com executivos de transnacionais que desejam fazer gruposde discussão envolvendo vários graus hierárquicos dentro de suasempresas. Agora, no que isso vai influenciar na produção, vocêpode imaginar. Existem, para ficar mais claro, os modelos debaixa e alta complexidade. Nos de baixa, existem um pouco dedivisão. Nos modelos de alta complexidade, existe a religação.Tanto na indústria, quanto na universidade você precisa religar ossetores. Talvez, até o capitalismo gostasse disso.

De que forma o jornalismo poderia contribuir para popu-larizar as novas idéias científicas?

EC - A minha apreciação é externa, pois não sou do ramo.Tenho a impressão de que o jornalismo científico foi cooptadopela indústria do livro. Se você pega os suplementos científicosdos jornais, poucas vezes você vê entrevistas com filósofos im-portantes. A mesma coisa são as resenhas, onde você tem que"implorar"para que o editor publique aquilo. Acho que o jorna-lismo também foi contaminado pela fragmentação. Na semanapassada teve uma página do Estadão toda com Edgar Morin, masfoi mais por sua figura emblemática. A complexidade passa meiopela tangente. Os temas sempre ficam meio jogados, subsidia-dos. Não sei se é má preparação das escolas de jornalismo querefletem a fragmentação das universidades. Se você olhar bem

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são sempre os mesmos resenhadores, sempre os mesmos críticos.Não há uma renovação.

Não querendo interferir em sua resposta, mas para os jor-nalistas, um assunto que ganha uma capa por ano, foi bemdivulgado, pois a maioria dos temas nem a capa do cadernochega. O jornal também é um produto, precisa do comérciopara poder existir, diferente da universidade, que existe demaneira independente, outro fato seria a linguagem. Um jor-nal pequeno atinge 50 mil leitores por dia (um grande jornal,500 mil) e eles interagem, cobram, etc. Desta maneira comotratar de assuntos cientificamente "complexos"numa lingua-gem clara para todas estas pessoas?

EC - Estou cada vez acreditando em veículos de divulgaçãocientífica como a Superinteressante. Suas matérias têm indicaçõesbibliográficas, às vezes de livros que ainda não saíram no Brasil.Quando trata de assuntos como o projeto Genoma até os garotosde 14anos entendem. Acho que falta prática, sem se reduzir à vul-garidade, mas arranjando uma linguagem que saia desta dureza davida acadêmica. Eu vejo pelos e-mails desta revista, o que as pes-soas falam destas matérias (...) Acho que falta um pouco pra nósacadêmicos esta maneira de comunicar, de modo claro, objetivo,e não vulgarizado. Agora, o que se passa dentro das redações eunão sei. Só sei que as matérias ligadas à complexidade são pra-ticamente inexistentes. A ciência também precisa "pensar"que éum meio de massa. Não sei se os jornalistas não gostam da com-plexidade. Se os editores são contra...

No jornal que eu trabalho, a Tribuna do Norte, tem umapágina semanal sobre a complexidade...

EC - Pois é. A página daqui, o Polifônicas Idéias, é uma ex-ceção. Não tem em jornal nenhum do Brasil. Uma página sema-nal que trata de temas de uma forma não-disciplinar. Claro, temtemas que são mais chatos, teve um que eu não gostei nada. De-pende do autor. Tem outros que são ótimos. Teve um outro texto

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que não entendi nada. A autora usou uma linguagem de tese nojornal. O que não dá. Eu li duas vezes, fora os erros de português,o texto era cheio de aspas, citações, referências, mas não comu-nicou a idéia. Outros, não. Se liberam das aspas, dos advérbios.Você tem que limpar a linguagem. De qualquer maneira, mesmocom autos e baixos, são três anos que esta página existe e vai vi-rar livro. O livro, com certeza não terá o mesmo impacto que apágina. O saber não pode ficar restrito a esta linguagem cifrada,nem ser algo vulgarizado.

Como chegar, então, nesta forma de comunicação abran-gente, nesta linguagem ideal?

EC - Este é um tema difícil de equacionar. A melhoria da lin-guagem só vem com o tempo. Esta estrutura científica, fechada,te contamina que você só consegue falar e escrever desta forma.Eu vejo, por exemplo, textos meus de 10 anos atrás e hoje sei queescrevo de uma maneira completamente diferente. Minha tesede doutorado, de 1980, é um porre. Aquela coisa dos conceitospelos conceitos. Para fazer a religação é necessária uma formamais “arejada” de comunicação. O aprimoramento da linguagemdemanda tempo, mas você só consegue através do exercício daleitura. Os intelectuais escrevem pouco. Eles escrevem no livro,na tese, nos congressos, mas eles não escrevem nos jornais. Nemmesmo sobre suas próprias obras. Os cientistas precisam escrevermais, não para tomar o lugar dos jornalistas, mas para fazer estainterface com a comunicação.

Para os grupos que estudam O Método, do Morin, pareceque a preocupação maior é a epistemologia. Quando é que po-deremos realizar uma "práxis", uma prática mais científica?

EC - Formação é fundamental. Você tem que propagar suasidéias para que elas sejam propagadas. Outra preocupação é bus-car contatos com outros públicos que não sejam apenas os mestrese doutores que estamos habituados. No meu caso, vejo esta opera-cionalidade assim. Na França, por exemplo, os críticos dizem que

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Michel Serres fala bem, mas escreve péssimo. Eu fiz um RodaViva com ele que gostei muito, mas quando escreve é um caos.Uma resenhista francesa meteu o pau: "pra que um livro de 300páginas para dizer que é preciso um novo homem?". é um para-doxo. Quando ele escreve no jornal, escreve lindamente. Quandoestá no livro, é enrolado mesmo. São níveis diferentes. O Morinfala bem, claro, mas o Método não é fácil, tem muita informaçãoe não adianta colocar glossário no final. Este é um problema quea formação pode corrigir. Eu, por exemplo sou contra os advér-bios "porém", "no entanto", "contudo"...isto vai deixando o textoenrolado. Acho, por outro lado, que misturar linguagens amplia acomunicação, mas isto é um trabalho de longo prazo.

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Marília Scalzo, coordenadora do Curso Abril de Jornalismo

22/09/04

Você pode falar sobre a história da revista Bravo.MS - A Bravo! foi criada pelo editor Luís Felipe D’ávila,

dono da editora D’ávila, há sete anos e desde janeiro de 2004 estásob gestão da Editora Abril.

Quais as maiores dificuldades em se editar uma revista cul-tural com tiragem nacional?

MS - Como toda revista nacional no Brasil, há uma primeiradificuldade que é tratar de assuntos e interesses diferentes queacontecem nas regiões brasileiras. Outra grande dificuldade émover-se (e ter orçamento para isso) num país com as dimensõesdo Brasil. A terceira dificuldade é a de fazer uma revista de cul-tura, que tradicionalmente tem poucos leitores e pouca publici-dade.

Na sua opinião como distinguir entre o erudito e o popu-lar? Como saber quais temas e abordagens serão mais eficien-tes ao público?

MS - Depende muito do público em que a publicação está fo-cada. Na Bravo, por exemplo, não há nenhum pudor em misturar

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erudito e popular, cada um na sua dose, nas edições. Saber quaisassuntos e abordagens vão agradar ao público é o grande mistérioe desafio de quem faz revistas, de cultura ou não.

Qual a tiragem atual da revista e quanto custa uma pu-blicação deste porte? quantos jornalistas trabalham em suaredação?

MS - A tiragem da Bravo! é de 32 mil exemplares por edição.Minha equipe tem 11 pessoas (contando jornalistas e designers).

Em relação ao passado recente o que mudou nos objetivoseditoriais da Bravo? Como fazer para manter uma revista dedivulgação cultural no Brasil?

MS - A Bravo quer hoje ser um pouco mais acessível do quejá foi, sem perder a profundidade e a maneira séria como trata osassuntos. Para manter qualquer revista segmentada e de pequenacirculação, é necessário ter um modelo de negócios que a tornerentável.

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Flávio Dieguez, jornalista especializado em ciência

18/10/04

Pode falar sobre a história da revista Superinteressante(como e onde surgiu).

FD - A revista tem uma história curiosa, acho que vale a penarelatar embora eu não tenha detalhes. De 81 a 84 editei outra re-vista de ciência na Abril, a Ciência Ilustrada, que chegou a vender80 000 exemplares em banca, mesmo não tendo recursos nem pu-blicidade e fosse inicialmente em mais da metade traduzida (daScience Digest americana), um material de baixa qualidade e nãoadequado ao leitor brasileiro. A Abril fechou alegando que nãointeressava venda abaixo de 110 000; eu dizia que 80 000 nãoera pouco, mas principalmente que o assunto ciência estava cla-ramente em alta no mundo, surgiam novas revistas e as existentescresciam. Previ que, logo a Abril teria que lançar outra revista.Foi o que aconteceu, se não por iniciativa da direção da empresa,por pressão de um sócio, Carlo Civita, atuante na Argentina e Mé-xico, que tinha negócio com a Muy Interessante espanhola, grupo

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ascendente que acabara de controlar a PM alemã, mãe das váriasMuys surgidas então, na Espanha, França (ça M’Interesse) e ou-tros lugares. Carlo forçou (não tenho detalhes, mas ele me disseque o tom era esse mesmo) o lançamento da Super no Brasil. Porsorte, a Abril, sem querer digamos, tinha trunfos à mão: um dire-tor de boa cabeça (Almyr Gajardoni, a quem me dispus a ajudarde graça, mesmo trabalhando em outro lugar, o Guia Rural Abril)e um ótimo marqueteiro cujo nome não lembro mais (mas é fá-cil recuperar). O marqueteiro teve a brilhante idéia de oferecer onúmero zero (só com 16 pgs.) encartado em todas as revistas daempresa: ou seja, apresentou a revista a dois milhões de leitoresquase sem custo. Almyr e seu redator-chefe, Luís Weis, por suavez fizeram um belo projeto, o mais original de todas as Muysaté hoje, com exceção da Focus, a filha italiana da turma, surgidasó nos anos 90. Dei uns palpites nessa fase, mas o projeto foi doAlmyr, que apesar de não ser especialista no ramo teve uma intu-ição perfeita. Basicamente imaginou uma revista de curiosidades,não de ciência, mas que era alimentada em grande parte pelo noti-ciário científico e, melhor, por reportagens, assuntos de atualidadeda ciência. Veja que nossa primeira capa era a recém-descobertasupercondutividade a ’quente’ (-96 C).

Eu fiz a capa como free-lance, já adotando uma linha que oêxito futuro da revista mostrou estar correto: contei a teoria, o me-canismo básico do fenômeno sem medo de assustar o leitor, masao contrário, tentado atraí-lo para os segredos básicos da natu-reza; fiz isso dando muitos dados históricos, da história das idéias(como se pensava que era, porque se viu que não podia ser...), e emlinguagem totalmente leiga, usando e abusando das ilustrações,das analogias, das comparações com a mecânica (especialmente adinâmica árabe e arquimediana, pré-Galileu, que é a ciência intui-tiva para, sei lá, 80% dos leitores; também forcei a familiarizaçãodo fenômeno com o cotidiano: comecei descrevendo a ’luta’ dogarfo com a faca para mostrar as diferenças entre uma cerâmicae um metal (um é duro e quebradiço, o outro flexível e resistente,um é condutor, o outro resistência etc), e dei uma receita: como

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fazer um supercondutor em casa. Trabalhei na Super como free-lance desde 1987 e contratado creio que de 1989 a 2000; colaboroeventualmente até hoje.

Onde trabalha agora? Quais as maiores dificuldades emse editar uma revista científica com tiragem nacional?

FD - Fui demitido da Super há uns quatro anos e passei trêsanos como free-lance inclusive para a Super. Agora estou no go-verno, sou chefe da agência de notícias da Radiobrás (cujo pre-sidente é meu ex-diretor na Super, Eugênio Bucci, que saiu daAbril um pouco antes de mim). Não é mais difícil fazer uma re-vista de ciência do que outra qualquer. Revista é caro, consomemuito dinheiro: dá muito, mas para dar, tem de gastar. Gastam-seuns 200 000 reais por edição; digamos que se vendam 100 000revistas: a 9 reais, são 900 000 reais. Um problema é a distri-buição, é difícil e caro levar a revista ao país todo, a menos quese tenha um esquema montado há décadas, como a Abril. Mastambém tem o papel, que é caro e precisa ser administrado, temos encargos trabalhistas, tem o baixo nível de renda e de empregoetc. Ter 200 000 reais na mão todo mês pra rodar uma revista, noatual ambiente econômico, não é brincadeira. Esquecendo isso(!), não acho difícil montar um projeto vencedor e uma equipeadequada para tocá-lo. Existe uma boa brecha no mercado edito-rial de jornalismo científico porque a proliferação das revistas nãocobre direito o público universitário, professores e alunos juntos;mesmo com a entrada daScientific American. O problema seriaconvencer uma editora a encarar esse desafio porque todos que-rem dinheiro fácil, ninguém quer investir. E para explorar essabrecha seria preciso gastar grana e neurônio, não dá pra simp-lesmente seguir a ’pasteurização’ editorial adotada por todas asrevistas, de dez anos para cá, não só na área de ciência. Edito-rialmente, mesmo aScientific Americanbuscou um público maisamplo como meio de assegurar estabilidade de vendas e captaçãode anúncios. A Super fez isso, apesar da diversificação de títulos,

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que só são diferentes na superfície.

Na sua opinião como distinguir entre o erudito e o popu-lar? Como saber quais temas e abordagens serão mais eficien-tes ao público?

FD - Essa distinção é um falso problema, como a Super de-monstrou, e antes dela dezenas de bons divulgadores e boas publi-cações (Isaac Asimov, Arthur Clark, Carl Sagan etc). As pessoasgostam de saber coisas, ponto; se for erudito ou popular tantofaz. Elas não gostam é de ciência, ter de saber ou decorar nomescomplicados, ou de se sentir burras só porque não têm paciênciade pensar metodicamente. Então basta evitar isso; dá um enormetrabalho: tem de estudar bem o tema, apurar bem o assunto, ouviros especialistas, fazer a eles perguntas “idiotas” (aquilo que paraeles é trivial, mas que o leigo não sabe nem tem obrigação de sa-ber). Depois precisa estudar qual é a melhor maneira de contar ahistória, como dramatizá-la, quais são as melhores analogias paraos conceitos mais complicados etc. Essa técnica é bem conhecida,não tem erro. O que é preciso é tempo, vontade e recursos parafazer direito porque trabalho dá mesmo e muito.

Em relação ao passado recente o que mudou nos objetivoseditoriais da Super? Como fazer para manter uma revista dedivulgação científica no Brasil?

FD - Basicamente abandonou-se o compromisso com o no-ticiário de ciência, com o acompanhamento regular dos assuntoscientíficos. A boa fórmula da Super consistia em transformar asnotícias em histórias interessantes; agora se dão histórias inter-essantes que não são notícia, e, em diversos casos, nem infor-mação, apenas conjecturas e palpites. é uma boa revista, semdúvida, feita por ótimos profissionais, bonita e com bom con-teúdo. Não é esse o ponto: o que se pode dizer, apenas, é queo jornalismo de ciência perdeu espaço.O jornalismo também éimportante na segunda parte dessa pergunta, porque não se con-funde com divulgação. Revista e divulgação, aliás, não casam

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bem porque divulgação não é notícia, é uma informação ’fria’,sem preocupação com a atualidade estrita. Nada contra, tudo a fa-vor da divulgação. Mas revistas, jornal (inclusive de rádio e tevê)têm muito a ver com o fato novo, a notícia; dependem disso paraemplacar. Divulgação fica melhor em livro, filme, documentáriode tevê e rádio. Manter uma revista de divulgação, supondo quese queira tentar esse gênero, é bem mais difícil que uma de jor-nalismo. A necessidade básica, nos dois casos, é não perder opique, renovar-se regularmente e nunca descuidar da reportagem,estar sempre em busca das novidades.

Informação é diferente de conhecimento. Como o jorna-lismo impresso pode trabalhar com ambos?

FD - Precisamos tanto de escolas quanto de jornalismo. O ci-dadão precisa desesperadamente de notícia de ciência, que hojetem importância social decisiva. Claro, também é decisivo saberciência. Mas são duas coisas diferentes: saber ciência e estar in-formado sobre ciência. O papel do jornalismo é dar informaçõesda ciência.

De que maneira o texto jornalístico pode sair da superfici-alidade e atingir um grau maior de formação do leitor?

FD - Entre dois alunos bem formados, o mais bem informadoserá melhor cientista do que o mal informado. Todos o países quevalorizaram a formação e produziram boa ciência, também va-lorizaram a informação, fizeram bom jornalismo científico; podechecar na história.

Em matérias de cunho histórico e científico, o jornalistadeve se portar de maneira neutra, ou deve tomar partido, opi-nar, sempre com o intuito de melhor (in)formar o leitor?

FD - O jornalismo mexe com fatos, essencialmente. Forneceros fatos é primário e prioritário. Mas opinião também é import-ante, Deve-se opinar, sempre, em qualquer circunstância, sobrequalquer assunto. Desconfio de quem diz que não opina, não toma

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partido. O que não se pode, aliás, é opinar e fingir que não opina.Deve-se opinar e deixar claro, transparente, que é opinião e o queé fato.

Como assuntos científicos, históricos, antropológicos e deáreas congêneres poderiam ser mais bem tratados no jorna-lismo impresso?

FD - Acredito que nossa maior falha nessa questão é o descasocom a cultura do conhecimento. Penso que é uma distorção his-tórica da sociedade brasileira. O jornalismo sozinho não dá contade corrigir isso. Mas pode ajudar: como leitores e como cidadãosdevemos exigir que esses assuntos sejam noticiados; como jorna-listas, nos empenhar para que eles sejam noticiados; como em-presários, governantes, professores universitários, valorizar essesassuntos, confiar que existe ou que pode existir interesse por essasnotícias. Acho que Superinteressante teve um papel histórico, demostrar que era possível vender notícias de ciência em massa noBrasil, ou seja, que é possível mudar a nossa história social.

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