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LEON BATTISTA ALBERTI DA PINTURA Seguido de DA ESCULTURA Introdução Isabel Nogueira

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LEON BATTISTA

ALBERTI

DA PINTURA Seguido de

DA ESCULTURA

Introdução Isabel Nogueira

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Leon Battista Alberti

no encalço da modernidade

Leon Battista Alberti nasceu em Génova, em 1404, e viria a morrer em Roma, em 1472. O seu percurso estendeu-se, ao modo do homem renascentista – uomo

universale –, por diversos domínios, tais como a arquitec-tura – são de sua autoria as fachadas de San Francesco de Rimini, de Santa Maria Novella ou do palácio Ruccelai, em Florença, assim como as Igrejas de San Sebastian e Sant’ Andrea de Mântua –, o pensamento filosófico, a matemática, a pintura ou a escrita. De entre os seus tratados – e recordemos que a tratadística foi fortemente desenvolvida na Antiguidade Clássica, acabando por não ultrapassar o neoclassicismo –, devemos conferir particular enfoque à trilogia das artes, correspondente às obras: De pictura, escrita em 1435, é um tratado de pintura originalmente redigido em italiano vulgar e posteriormente em latim, dedicado ao arquitecto Filippo Brunelleschi; De re aedificatoria, escrito entre 1442 e 1452,

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é um tratado de arquitectura que toma como modelo o célebre tratado de Vitrúvio, seguindo o formato clássico de dez livros/capítulos; e, por último, De statua, escrito em 1462, é um tratado de escultura e provavelmente o menos ambicioso e complexo dos três trabalhos em questão.

Alberti viveu no florescente período do Renascimento – concretamente no Quattrocento –, que se estabeleceu como o marco cultural da modernidade desde finais do século xiv, e que posteriormente se desenvolveria no contexto da Época Moderna, historicamente balizada entre a tomada de Constantinopla pelos Turcos (1453) e a Revolução Francesa (1789). Quando nos debru-çamos sobre a modernidade e sobre o Renascimento, enquanto marco da sua origem histórica, não podemos dissociá-los do humanismo italiano. Este foi, na sua primeira fase, um movimento literário e formal que se pautou, não só pela redescoberta da Antiguidade e das línguas clássicas, mas também pela própria consciência da modernidade, dito de outro modo, pela consciência do Renascimento. De facto, nesta primeira fase, ser moderno teve o mesmo significado que ser renascentista, não obstante saibamos que a modernidade se prolongou através dos tempos enquanto o Renascimento, como movimento cultural, conheceu limites temporais relati-vamente específicos. De qualquer modo, assumiu enorme importância a questão da autoconsciência do homem renascentista, que se viu como protagonista de um novo ciclo da história, acreditando que esta teria uma direcção

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INTRODUÇÃO

específica e progressista, quer dizer, que seguia o trilho da modernidade. Neste sentido, Donatello, Masaccio e Brunelleschi tinham feito emergir uma nova forma de arte ao nível da escultura, da pintura e da arquitectura, respectivamente.

No seu texto sobre arquitectura, Alberti estabeleceu o que considerou serem os princípios construtivos da arquitectura, desenvolvendo os conceitos de necessitas, commoditas e voluptas, que deviam estar em consonân-cia, no sentido de se atingir a obra de arte perfeita, equilibrada e, por conseguinte, bela. Estes princípios inspiram-se na tríade vitruviana utilitas, firmitas e venus-

tas. Alberti retomou o pensamento agostiniano no que se refere ao racionalismo, ao determinar uma rigorosa correspondência entre as partes e o todo. O juízo superior da razão agiria mediante as leis da beleza. Deste modo, também no texto sobre pintura verificamos a chamada de atenção para o facto de a pintura dever pautar-se pela coerência da representação, pela expressividade, pela subtileza do contorno, pelas superfícies claras e esbeltas, pelas cores frescas e pela fuga ao excesso de ornamento. A pintura, mediante a utilização da perspectiva linear, matemática, centrada, renascentista – que cria a ilusão de linhas convergentes à distância – seria «uma janela aberta sobre a história». O quadro seria, por conseguinte, a intersecção plana da pirâmide visual [«véu»], que se comporta de modo semelhante ao funcionamento da lente da câmara fotográfica e da máquina de filmar, cujas origens se encontram na camara obscura. Instrumento

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conhecido desde a Antiguidade, sofreu particular desen-volvimento no período do Renascimento, e da arte da Época Moderna em geral.

Na verdade, as obras do Renascimento italiano impuseram ao Ocidente uma linguagem figurativa determinante, nomeadamente pelo uso da perspectiva linear, centralizada, assim como por uma estetização imagética que predominou até meados do século xix. Seria efectivamente, por esta altura, rompida com o impressionismo e, ainda um pouco antes, com a obra de Édouard Manet, numa época de crise de representação e de advento da fotografia e, já no final de Oitocentos, do cinematógrafo. A obra de Leon Battista Alberti, particularmente o seu tratado sobre a pintura e a imagem da pintura, operou uma reflexão luminosa, pertinente e à época inovadora, situando a imagem no universo mais vasto da cultura visual do Ocidente, contribuindo, assim, para uma clara modernidade.

Isabel Nogueira

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Livro I

1. Ao escrever estes breves comentários sobre a pintura, e para que a minha exposição seja clara, vou primeiro buscar aos Matemáticos as coisas que me pare-cem relacionadas com a matéria. Esclarecidas estas, e partindo desses princípios da natureza, explicarei, em seguida, tanto quanto o engenho mo permitir, o que é a pintura. Peço, contudo, ardentemente, que durante todo este meu discorrer considerem que falo destas coisas, não como matemático, mas como pintor. A perspec-tiva dos matemáticos apenas considera as espécies e as formas das coisas, separando-as de qualquer matéria. Mas como nós queremos que as coisas sejam mesmo postas perante os olhos, vamos servir-nos, ao escrever, de uma Minerva mais gorda, como se costuma dizer, e ficaremos convencidos de ter feito o suficiente se, de certa forma, nesta matéria claramente difícil e, ao que sei, por mais ninguém tratada até hoje, os leitores me entenderem. Peço, por isso, que interpretem estas nossas palavras como provenientes, não de um matemático, mas de um pintor.

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2. Antes de mais, há que dizer que o ponto é um sinal que não pode ser dividido em partes. Designo, aqui, por sinal qualquer coisa situada numa superfície, de tal forma que possa ser captada pelo olho. Ninguém poderá negar que o pintor nada tem que ver com o que não é visível. Ao pintor apenas lhe interessa representar as coisas que se pode ver. Estes pontos, unindo-se uns aos outros numa direcção, formam uma linha. E a linha que teremos à nossa frente é uma figura cujo comprimento pode ser dividido em partes e cuja grossura é tão fina que não poderá partir-se. Das linhas, algumas são rectas e outras são curvas; a linha recta é uma figura traçada directamente desde um ponto até outro; a linha curva não vai directamente de um ponto a outro, mas faz um arco. As linhas, quando numerosas, encostando-se umas às outras como fios de um tecido, formam uma superfície. A superfície é a parte externa de um corpo que se conhece, não pela sua profundidade, mas pela sua largura, comprimento e também por qualidades próprias. Algumas qualidades estão de tal forma implícitas na superfície que não podem ser mudadas nem separadas dela sem alterar a própria superfície. Outras qualidades são de tal ordem que, embora a superfície permaneça inalterada, se apresentam de uma forma que parece alterada aos olhos de quem as vê. As qualidades perma-nentes são de dois tipos. Uma reconhece-se pela orla extrema que fecha a superfície, sendo essa orla encerrada por uma ou mais linhas. Quando é fechada por uma linha só, esta é circular; quando é fechada por mais do

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que uma, estas são uma linha curva e uma linha recta, ou diversas rectas. É circular a que fecha um círculo. O círculo é uma forma de superfície envolvida por uma linha inteira, à maneira de uma coroa; e havendo no seu centro um ponto, qualquer linha desde esse ponto até à coroa é de igual medida às outras linhas, e esse ponto situado no centro chama-se ponto central, ou centro. A linha recta que passa pelo centro e corta o círculo em duas partes é designada diâmetro pelos matemáticos. Nós preferimos designá-la como linha central. E sobre isto concordamos com os matemáticos: nenhuma linha corta ângulos iguais na coroa do círculo senão a linha recta que passa pelo centro.

3. Mas voltemos à superfície. É preciso dizer que, alterando a sua orla, a superfície muda de aparência e de nome e o que se chamava triângulo passa a chamar--se quadrângulo ou de mais ângulos. Diz-se que a orla muda quando as linhas ou os ângulos são de maior ou de menor número, são mais longos ou mais curtos, mais agudos ou mais obtusos. É oportuno, agora, tratar dos ângulos. Um ângulo é uma determinada extremidade de uma superfície e resulta de duas linhas que se inter-sectam. Há três tipos de ângulos: o recto, o obtuso e o agudo. O ângulo recto é um dos quatro feitos por duas linhas rectas das quais uma corta a outra de maneira a que cada um dos ângulos seja igual ao outro. É por isso que se diz que todos os ângulos rectos são iguais entre si. O ângulo obtuso é aquele que é maior do que

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o ângulo recto, e o ângulo menor que o recto chama--se ângulo agudo.

4. Falemos de novo sobre a superfície. Tenhamos por certo que uma superfície é sempre a mesma enquanto as linhas e os ângulos da sua orla não mudarem. Indicamos, então, uma qualidade inseparável da superfície. Temos, também, de falar de outra qualidade que se estende por toda a superfície como se fosse uma pele. Divide-se em três tipos. Algumas superfícies são planas, outras são escavadas para dentro e outras são inchadas para fora e esféricas; acrescente-se uma quarta superfície, composta por duas das anteriores. A superfície plana é aquela sobre a qual se pode colocar uma régua recta que a toca em todos os pontos da sua extensão; a superfície da água assemelha-se bastante a ela. A superfície esférica assemelha-se ao dorso da esfera. A esfera é um corpo redondo, que se movimenta em todas as partes, e em cujo centro se situa um ponto; qualquer uma das partes extremas desse corpo está a igual distância do centro. A superfície côncava situa-se por dentro e por baixo da extremidade mais afastada da superfície e é esférica como o interior de uma casca de ovo. A superfície composta é, por um lado, plana e, por outro, côncava ou esférica, como são por dentro os canos e por fora as colunas.

5. Portanto, a orla e o dorso dão o nome às super-fícies, mas são duas as qualidades que podem parecer alteradas, embora não se verifique alteração da superfície

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