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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO DA POSSIBILIDADE DO ABORTO FRENTE ÀS ANOMALIAS FETAIS INCOMPATÍVEIS COM A VIDA - ABORTO EUGÊNICO- ANENCEFÁLICO DIRLEUZA RODRIGUES DE OLIVEIRA Itajaí, (SC), novembro de 2007.

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

DA POSSIBILIDADE DO ABORTO FRENTE ÀS ANOMALIAS FETAIS INCOMPATÍVEIS COM A VIDA - ABORTO EUGÊNICO-

ANENCEFÁLICO

DIRLEUZA RODRIGUES DE OLIVEIRA

Itajaí, (SC), novembro de 2007.

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

DA POSSIBILIDADE DO ABORTO FRENTE ÀS ANOMALIAS FETAIS INCOMPATÍVEIS COM A VIDA – ABORTO EUGÊNICO-

ANENCEFÁLICO

DIRLEUZA RODRIGUES DE OLIVEIRA

Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como

requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientador: Mestre Renato Domingues Massoni

Itajaí, (SC), novembro de 2007

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AGRADECIMENTO

Primeiramente a Deus, pela luz e por ter me proporcionado à vida em sua plenitude, bem como por ter oportunizado este momento em

minha vida.

Em especial aos meus pais, Ilvio e Alice, pois sempre se fizeram presentes, apesar da

distância, nunca deixaram de dar-me coragem para continuar. Pelo apoio, pois nunca

excitaram em permitir que trilhasse meu caminho através dos estudos.

Sérgio Gutz, aquele que sempre esteve presente me apoiando mesmo nos momentos

que deixamos de desfrutar juntos. Amado companheiro, obrigado pelo seu amor, apoio e

incentivo nas horas difíceis.

Aos meus Professores, em especial a Professora de 1ª série, Analice, que desde

cedo me incentivaram mostrando-me que vale a pena lutar pelos nossos sonhos e objetivos,

alcançando assim os nossos ideais.

Aos Companheiros de trabalho que no nosso dia-a-dia sempre se fizeram presentes em minha jornada, através de seus incentivos,

motivando-me a estar aqui hoje.

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DEDICATÓRIA

Aos meus pais, Ilvio Rodrigues de Oliveira e Alice Andrade de Oliveira, que pelo seu amor

proporcionaram-me a vida.

À Dinédi Rodrigues de Oliveira e Ruberlei Rodrigues de Andrade, meus irmãos os quais

amo muito.

Ao meu companheiro Sérgio Gutz pelo amor e paciência que tem me dedicado nestes anos de

união.

Aos meus avós João e Maria (maternos), Joaquim e Tereza (paternos), in memoriam.

Ao meu estimado tio Valdecir Rodrigues de Oliveira, in memoriam, pelo apoio e incentivo para que hoje eu pudesse chegar aqui. Serás

sempre lembrado.

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo

aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do

Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o

Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

Itajaí, 01 de novembro de 2007.

Dirleuza Rodrigues de Oliveira Graduanda

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PÁGINA DE APROVAÇÃO

A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale

do Itajaí – UNIVALI, elaborada pela graduanda Dirleuza Rodrigues de Oliveira,

sob o título Da Possibilidade do Aborto Frente às Anomalias Fetais Incompatíveis

com a Vida – Aborto Eugênico-Anencefálico, foi submetida em 01/11/2007 à

banca examinadora composta pelos seguintes professores: Renato Domingues

Massoni, Jorge Krieger e Wellington César de Souza, e aprovada com a nota 9,0.

Itajaí, 01/11/2007

Professor Mestre Renato Domingues Massoni Orientador e Presidente da Banca

Antônio Augusto Lapa Coordenação da Monografia

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ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CP Código Penal Brasileiro

CPC Código Processo Civil Brasileiro

CPP Código Processo Penal Brasileiro

STF Supremo Tribunal Federal

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ROL DE CATEGORIAS

Rol de categorias que a Autora considera estratégicas à

compreensão do seu trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais.

Aborto

Mirabete1 assim conceitua:

Aborto é a interrupção da gravidez com a destruição do produto da concepção. E a morte do ovo (até três semanas de gestação), embrião (de três semanas a três meses) ou feto (após três meses), não implicando necessariamente sua expulsão. O produto da concepção pode ser dissolvido, reabsorvido pelo organismo da mulher ou até mumificado, ou pode a gestante morrer antes de sua expulsão. Não deixará de haver, no caso, o aborto.

Aborto eugênico

Para Noronha2 é:

Ocorre esta espécie quando há sério e grave perigo para o filho, seja em virtude de predisposição hereditária, seja por doenças da mãe, durante a gravidez, seja ainda por defeito de drogas por ela tomadas, durante esse período, tudo podendo acarretar para aquele enfermidades psíquicas, corporais, deformidades etc.

1 MIRABETE, Julio Fabbrini, Manual de direito penal. 23 Ed. São Paulo: Atlas, 2005, p 93. 2 NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal, volume 2: dos crimes contra a pessoa, dos crimes contra o patrimônio. 27 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva 1995, p.62.

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Aborto anencefálico

A médica geneticista Dafne Horovits, mencionada por Macedo3 assim o define:

A anencefalia trata-se de uma anomalia diagnosticável, porém, não possui nenhuma explicação plausível para justificar sua origem, sabendo-se, apenas, que o feto não apresenta abóbada craniana e os hemisférios cerebrais ou não existem, ou se apresentam como pequenas formações aderidas à base do crânio. A anencefalia é fatal em 100% dos casos.

3 MACEDO, Marcos Jorge Ferreira de; LEAL, Rodrigo. A anencefalia e o crime de aborto – exclusão de ilicitude via autorização judicial – uma real possibilidade no Brasil. Título do periódico: Novos Estudos Jurídicos, Itajaí, Univali v. 10, n. 2, publicada em jul/dezembro 2005, p 91.

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SUMÁRIO

RESUMO.............................................................................................. XI

INTRODUÇÃO.......................................................................................1

Capítulo 1 ...............................................................................................3

NOÇÕES GERAIS SOBRE O ABORTO ..............................................3 1.1 ASPECTOS HISTÓRICOS ...............................................................................3 1.2 CONCEITOS DE ABORTO ..............................................................................8 1.3 DA OBJETIVIDADE JURÍDICA......................................................................10 1.4 ELEMENTOS DO TIPO..................................................................................12 1.4.1 DA AÇÃO FÍSICA .............................................................................................12 1.4.2 MEIOS DE EXECUÇÃO ......................................................................................13 1.4.2.1 Meios químicos .......................................................................................13 1.4.2.2 Meios psíquicos ......................................................................................14 1.4.2.3 Meios físicos............................................................................................15 1.4.2.4 Omissão...................................................................................................17 1.5 CONSUMAÇÃO E TENTATIVA .....................................................................18 1.6 - ESPÉCIES DE ABORTO..............................................................................20 1.6.1 DO AUTO-ABORTO E DO ABORTO CONSENTIDO ..................................................21 1.6.1.1 Do auto- aborto .......................................................................................21 1.6.1.2 Do aborto consentido .............................................................................22 1.6.2 Do aborto provocado por terceiro ............................................................24 1.6.3 Do aborto Consentido................................................................................26 1.6.4 Do aborto qualificado ................................................................................27

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Capítulo 2 .............................................................................................32

NOÇÕES GERAIS ACERCA DOS DIREITOS CONSTITUCIONAIS E PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS ..........................................................32 2.1 DIREITOS CONSTITUCIONAIS FUNDAMENTAIS .......................................32 2.1.1 DIREITO À VIDA...............................................................................................35 2.1.2 DIREITO DO NASCITURO...................................................................................39 2.2 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS NO DIREITO................................................43 2.2.1 PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE.................................................................45 2.2.2 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA ..................................................48

Capítulo 3 .............................................................................................53

DAS ESPÉCIES LEGALIZADAS DE ABORTO.................................53 3.1 DAS FORMAS LEGALIZADAS DO ABORTO...............................................53 3.1.1 ABORTO NECESSÁRIO OU TERAPÊUTICO ...........................................................53 3.1.2 ABORTO SENTIMENTAL....................................................................................55 3.2 O PROFISSIONAL DA SAÚDE E O ABORTO ..............................................58 3.3 DO ABORTO EUGÊNICO (OU EUGENÉSICO).............................................60 3.3.1 Má formação congênita (Anencefalia)......................................................63 3.4 A REALIZAÇÃO DO ABORTO CONCEDIDA PELO STF .............................68

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................74

REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS ............................................77

ANEXOS ..............................................................................................82

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RESUMO

O presente trabalho aborda um assunto complexo sobre a

existência da Possibilidade do Aborto Frente às Anomalias Fetais Incompatíveis

com a Vida – Aborto Eugênico-Anencefálico. Este tema desperta interesses

diversos, pois o Código Penal Brasileiro é categórico quando traz em seu artigo

128 os casos em que este será permitido, assim não contempla a espécie em

estudo. O Ministro Marco Aurélio do Supremo Tribunal Federal fez surgir para a

mulher que carrega em seu ventre uma criança possuidora de anomalias

incompatíveis com a vida pós parto uma esperança de poder por fim àquela

gravidez e vislumbrar outra com reais possibilidades de dar à luz uma criança

saudável. Ainda serão objetos de estudo os direitos e princípios fundamentais

alguns dos quais estão presentes na Constituição Federal deste país, vêm para

estabelecer em favor da pessoa principalmente a dignidade da vida humana.

Assim não é o aborto de anencefálos possível na óptica do Código Penal, todavia

na esfera constitucional sim e a mãe fazendo uso pleno de suas garantias

constitucionais pode pleiteá-lo em juízo o que será decidido caso a caso.

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INTRODUÇÃO

A presente Monografia tem como objeto o estudo da

Possibilidade do Aborto Frente às Anomalias Fetais Incompatíveis com a Vida –

Aborto Eugênico-Anencefálico.

O seu objetivo é a realização de um estudo no qual possa

ser vislumbrada mais uma hipótese legal da prática do aborto no ordenamento

jurídico brasileiro.

Para tanto, principia–se no Capítulo 1 um breve estudo

histórico do instituto aborto. Há de serem analisados ainda alguns conceitos do

que vem a ser o termo aborto, bem como os casos em que o mesmo apesar de

praticado é considerado pela lei pátria como sendo ilegal.

No Capítulo 2, tratando-se das considerações preliminares,

estudaram-se os Direitos Constitucionais, dentre eles o direito à vida e o direito do

nascituro. Neste mesmo capítulo ainda analisou-se os Princípios Fundamentais

no Direito, destacando-se assim o princípio da proporcionalidade e o princípio da

dignidade da pessoa humana.

No Capítulo 3, o estudo realizado deu-se em torno das

Espécies Legalizadas do Aborto, logo tratou daquelas previstas no artigo 128 do

CP, onde se diz aborto necessário e aborto sentimental respectivamente. Ainda

no disposto deste capítulo observa-se o Aborto Eugênico, bem como a má

formação congênita (anencefalia) e a decisão do Ministro do STF Marco Aurélio.

O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as

Considerações Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos

destacados, seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões

acerca da Possibilidade do Aborto Frente às Anomalias Fetais Incompatíveis com

a Vida – Aborto Eugênico-Anencefálico.

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Para a presente monografia foram levantadas as seguintes

hipóteses:

[Hipótese 1] O aborto eugênico na modalidade por anencefalia pode ser concedido e autorizado legalmente pelo Poder Judiciário quando requerido.

[Hipótese 2] O aborto eugênico na modalidade por anencefalia poderá ser concedido via seu reconhecimento como sendo hipótese de excludente de ilicitude penal nos termos do artigo 128 , I do Código Penal .

Quanto à Metodologia empregada registra-se que, na Fase

de Investigação foi utilizado o Método Indutivo4, na Fase de Tratamento de Dados

o Método Cartesiano5, e, o Relatório dos Resultados expresso na presente

Monografia é composto na base lógica Indutiva.

Nas diversas fases da Pesquisa foram acionadas as

Técnicas do Referente, da Categoria, do Conceito Operacional e da Pesquisa

Bibliográfica.

4 “[...] pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e colacioná-las de modo a ter uma percepção ou conclusão geral: este é o denominado Método Indutivo”. (PASOLD, César Luiz. Prática da pesquisa jurídica e metodologia da pesquisa jurídica. 10 ed. Florianópolis: OAB/SC, 2007, p.104). 5 “MÉTODO CARTESIANO: base lógico-comportamental proposta por

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Capítulo 1

NOÇÕES GERAIS SOBRE O ABORTO

1.1 ASPECTOS HISTÓRICOS

O assunto aborto na área da contenda jurídica há muito

tem gerado grandes polêmicas. Tomar a decisão de interromper uma gravidez

não é apenas das mulheres atuais, pois através da história se observa que tal

prática já era cometida desde o início da humanidade, em suas mais diversas

sociedades, sendo por umas reprimidas e por outras não.

Nos dias atuais é considerado crime, outrora algumas

das legislações antigas não o consideravam como tal, vez que o direito frente a

este assunto era indiferente, pois o feto era tido como algo que seria anexo

ocasional do organismo materno6, desta feita a mulher dispunha da faculdade

de com ele permanecer ou não, exceto se fosse casada.

Observa-se que em épocas passadas também não se

punia o terceiro que administrando substância à mulher provocasse o aborto,

não sendo necessariamente por este motivo punido, apenas se dessa

administração resultasse danos ao organismo da mulher7, seria ele, o terceiro,

punido.

Têm-se notícias de que nos anos compreendidos entre

2.737 e 2.696 a.C, havia na China o Imperador Shen Nung8, que em textos

médicos relatava formas de abortíferos orais, sendo que provavelmente

continham mercúrio.

6 BELO, Warley Rodrigues. Aborto: considerações jurídicas e aspectos correlatos. Belo Horizonte: Del Rey, 1999, p. 21. 7 BELO, Warley Rodrigues. Aborto: considerações jurídicas e aspectos correlatos, p. 21. 8 SHOR, Néia, ALVARENGA, Augusta T. de. O aborto: um resgate histórico e outros dados. Disponível em: <http:// www.usp.usp.br/SHOR.HTM> Acessado em: 05/04/2007.

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O Código de Hammurabi, 1700 a.C, considerava o aborto

um crime contra os interesses do pai e do marido e também uma lesão contra a

mulher9.

O Livro de Êxodo10 no capítulo 21, versículo 22 da Lei

Hebraica:

Numa briga entre dois homens, se um deles ferir uma mulher grávida e for causa de aborto sem maior dano, o culpado será obrigado a indenizar aquilo que o marido dela exigir, e pagará o que os juízes decidirem.

Com isto, nota-se que condenado é apenas aquele que

provocou o aborto através da violência, no entanto, este estaria ainda sujeito

ao valor da pecúnia que o marido da vítima tenha sofrido.

A respeito das mulheres Greco-Romanas, Belo11 ensina

que:

Se fosse filha de um cidadão, ficava sob a tutela do pai e, mais tarde, do esposo e, na falta desses, do Estado. [...] A legislação não se aplicava às escravas, que nunca poderiam tornar-se cidadãs, nem às estrangeiras.

Rosa12 traz que a punição ao aborto que passou a ser

adotada pelos povos, originou-se do Cristianismo, o mesmo cita ainda a

respeito das mulheres no Direito Romano que, “[...] só era punida a mulher que

praticasse aborto às escondidas, sem o consentimento do marido. Era

processada por crimen extraordinarum, mediante queixa apresentada pelo

marido.”

Desta forma as mulheres não dispunham da autonomia

para decidir sobre fazer ou não o aborto, já que não eram donas de si mesmas, 9 BELO, Warley Rodrigues. Aborto: considerações jurídicas e aspectos correlatos, p. 21. 10 BIBLIA Sagrada, Edições Pastoral, Sociedade Bíblica Católica Internacional e Edições Paulinas, São Paulo Brasil, 1990, p.94.

11 BELO, Warley Rodrigues, Aborto: considerações jurídicas e aspectos correlatos, p.22. 12 ROSA, Antonio José Miguel Feu. Direito Penal / parte especial. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1995, p.133.

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sendo que sob este prisma não seriam punidas as escravas e estrangeiras,

pois não eram tuteladas por aquela legislação.

Com a Lei de Mileto13 passou-se a punir com a morte

aquela que viesse a abortar sem o consentimento do varão, pois considerava

os filhos como sendo propriedade do pai, que detinha sobre os mesmos o

poder de vida e de morte.

Belo14 cita também em sua obra que Hipócrates, 400 a.C,

apesar de seu juramento no qual prometia não dar à mulher grávida nenhum

medicamento que pudesse fazê-la abortar, não deixava de aconselhar as

parteiras sobre métodos anticoncepcionais e abortivos.

Pensamento este seguido por Sócrates15 que não se

opunha em facilitar o aborto se a mulher assim o quisesse. Aconselhava as

parteiras, profissão de sua mãe, para que facilitassem o aborto às mulheres

que o desejassem.

Belo16 em seu livro diz que Platão em “A República”

propunha que àquelas mulheres de mais de 40 anos deveriam abortar,

igualmente, também aconselhava o aborto para regular o excessivo aumento

da população. Destas idéias, controle da natalidade, compartilhou também

Aristóteles.

Por volta do ano 20 em Roma o aborto passou a ser

considerado ato imoral, agora elevado à categoria de crime, sendo assim,

passou a ser punido através da Lex Corneliae17, que o punia como sendo uma

frustração para o pai no que se relaciona a sua descendência. Sendo as penas

severas nesta época.

13 BELO, Warley Rodrigues. Aborto: considerações jurídicas e aspectos correlatos, p.22. 14 BELO, Warley Rodrigues. Aborto: considerações jurídicas e aspectos correlatos, p.22. 15 CALGARO, Cleide. Aborto: enfoque jurídico e social. Jus Vigilantibus, Vitória, 20 set. 2004. Disponível em: http://jusvi.com/doutrinas_e_pecas/ver/2276.Acesso em: 7mar. 2007. 16 BELO, Warley Rodrigues. Aborto: considerações jurídicas e aspectos correlatos, p.23. 17 BELO, Warley Rodrigues. Aborto: considerações jurídicas e aspectos correlatos, p.23.

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Com o advento do Cristianismo, introduziu-se a idéia de

que o aborto seria a morte de um ser humano. Assim, a “destruição do produto

da concepção era crime equiparado ao homicídio e como tal passou a ser

punido” 18.

Nesta mesma época situou que aquele que provocasse o

aborto seria excomungado da igreja e estaria excluído dos bens espirituais.

No Brasil, Prado19 mostra que:

Em 1.830, no Código Criminal do Império, surge pela primeira vez a figura isolada do aborto no capítulo referente aos crimes contra a segurança das pessoas e das vidas. Já no Código da República de 1.890, previa-se a redução da pena para aquelas mulheres que praticassem o auto-aborto visando ”ocultar desonra própria”.

Com o passar dos tempos, estando no século XVIII, a

grande maioria dos países já com uma legislação mais apurada equipararam o

aborto ao homicídio. Nesta época além de tantos movimentos, tais como o

Iluminismo e sua filosofia, teve-se a Revolução Francesa e com esta a

“Declaração dos Direitos do Homem”.

Belo20 mostra que em 1917 na URSS a repressão penal

ao aborto foi suprimida e que:

No entanto, após rápidos 4 anos, o governo tomou imediatas providências como conseqüência oriundas da perigosa e alarmante proliferação das práticas abortivas, e por decreto de 18 de novembro de 1920, estabeleceu-se que a interrupção da gravidez somente poderia ser provocada em hospitais e por médicos as expensas do Estado. (Art. 40 do Código Russo). Institui-se, assim, um verdadeiro controle oficial da licenciosidade existente, ‘para salvaguardar a saúde da mulher e os interesses da raça contra charlatões ignorantes e ambiciosos’.

18 BELO, Warley Rodrigues. Aborto: considerações jurídicas e aspectos correlatos, p.23. 19 PRADO, Danda. O que é o aborto. São Paulo: Brasiliense, 1985, p.46 – 47. 20 BELO, Warley Rodrigues. Aborto: considerações jurídicas e aspectos correlatos, p.24

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No que diz respeito ao Brasil não somente o Código Penal

trata sobre o aborto, há também outras normas jurídicas que fazem menção em

seus artigos sobre o assunto, bem como matéria e meios relacionados ao

mesmo.

O Decreto-Lei nº. 3.688 de 3 de outubro de 1941 que trata

das Contravenções Penais21 dispõe da seguinte forma no artigo 20, no qual

trata de anúncios de meios abortivos:

Art. 20. Anunciar processo, substância ou objeto destinado a provocar aborto:

Pena – multa.

A Consolidação das Leis do Trabalho22 dispõe da

seguinte forma no artigo 395:

Art. 395. Em caso de aborto não criminoso, comprovado por atestado médico oficial, a mulher terá um repouso remunerado de 2 (duas) semanas, ficando-lhe assegurado o direito de retornar à função que ocupava antes de seu afastamento.

Prado23 ainda cita:

Os códigos de ética médicos e de pessoal de saúde proíbem que sejam dadas informações ou aconselhamentos sobre medidas anticoncepcionais, e em especial sobre aborto, às parturientes e às clientes em geral.

Desta forma observa-se que a tendência de todas as

legislações é de que a prática abortiva indiscriminada seja punida, ressaltando-

se ainda que muitas dessas legislações hoje prevejam que o aborto poderá ser 21 BRASIL. Código Penal / obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antonio Luiz de Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes. 17 Ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p.145. 22 BRASIL. CLT Acadêmica / obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antonio Luiz de Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes. São Paulo: 2. Ed. Saraiva, 2004, p.102. 23 PRADO, Danda. O que é o aborto. São Paulo: Brasiliense, 1985, p.52.

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praticado em alguns casos, incluindo-se a legislação brasileira, como será

analisado em momento oportuno.

1.2 CONCEITOS DE ABORTO

Será nesta unidade analisado os diversos conceitos para

a palavra aborto, conceitos estes dados pelos mais diversos estudiosos do

direito.

Historicamente observa-se que médicos e juristas não

compartilham do mesmo conceito, pois alguns dizem que deveria usar a

palavra abortamento, ficando a palavra aborto reservada para o produto que foi

morto ou expelido. Neste trabalho será seguido apenas o termo aborto, não se

preocupando com a expressão abortamento.

A palavra aborto tem o seu uso mais comum uma vez que

também foi adotada pelas legislações brasileiras, como o Código Penal

Brasileiro.

No Dicionário Brasileiro Globo24 encontra-se definido o

termo aborto como sendo o ato ou efeito de abortar; parto prematuro; produto

desse parto; produção imperfeita; anomalia; coisa monstruosa; fracasso. (do

latim abortu).

Mirabete25 conceitua aborto da seguinte maneira:

Aborto é a interrupção da gravidez com a destruição do produto da concepção. E a morte do ovo (até três semanas de gestação), embrião (de três semanas a três meses) ou feto (após três meses), não implicando necessariamente sua expulsão. O produto da concepção pode ser dissolvido, reabsorvido pelo organismo da mulher ou até mumificado, ou pode a gestante morrer antes de sua expulsão. Não deixará de haver, no caso, o aborto.

24 FERNANDES, Francisco; LUFT, Celso Pedro e GUIMARÃES, F. Marques. Dicionário brasileiro globo. 36 ed. São Paulo: Globo, 1994. 25 MIRABETE, Julio Fabbrini, Manual de direito penal, p. 93.

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Belo26 define o termo estudado com o seguinte

significado, bem como descreve a etimologia da palavra:

O ato de interromper o processo de uma gravidez com a conseqüente expulsão do feto do interior uterino. Etimologicamente, aborto quer dizer privação do nascimento. Advindo do latim abortus, onde ab significa privação e ortus, nascimento.

Capez27 considera aborto a “[...] interrupção da gravidez,

com a conseqüente destruição do produto da concepção. Consiste na

eliminação da vida intra-uterina”.

Caetano Zamitti Mammana, citado por Paulo Sérgio Leite

Fernandes28 aduz que:

À luz médico-legal e jurídica, o abortamento é a interrupção da gravidez antes de ter logrado o limite fisiológico normal, entendendo-se por fruto da concepção o ovo em sua evolução normal, desde o momento da concepção até o parto a termo, isto é, até o fim do ciclo da vida intra-uterina.

Noronha29 aduz que “[...] aborto é a interrupção da

gravidez, com a destruição do produto da concepção. É a morte do ovo,

embrião ou feto”.

Macedo30 em seu artigo publicado em Anais da Semana

de Divulgação Científica do Curso de Direito, cita Fragoso que dispõe:

26BELO, Warley Rodrigues. Aborto: considerações jurídicas e aspectos correlatos, p.19. 27 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, volume 2: parte especial: dos crimes contra a pessoa a dos crimes contra o sentimento religioso e contra o respeito aos mortos (arts. 121 a 212). 5 Ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva 2005, p.109. 28 FERNANDES, Paulo Sérgio Leite. Aborto e infanticídio, legislação, jurisprudência e prática. Belo Horizonte: Nova Alvorada, 1996, p.37. 29 NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal, volume 2: dos crimes contra a pessoa, dos crimes contra o patrimônio. 27 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva 1995, p.49. 30 MACEDO, Marcos Jorge Ferreira de; LEAL, Rodrigo. A anencefalia e o crime de aborto – exclusão de ilicitude via autorização judicial – uma real possibilidade no Brasil. Título do periódico: Novos Estudos Jurídicos, Itajaí, Univali v. 10, n. 2, publicada em jul/dezembro 2005, p 89.

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O aborto consiste na interrupção da gravidez com a morte do feto. Pressupõe, portanto, a gravidez, isto é o estado de gestação, que, para os efeitos legais, inicia-se com a implantação do ovo na cavidade uterina. [...] A ação incriminadora consiste na interrupção da gravidez, destruindo-se o produto da concepção ou provocando-se a morte do feto, sem que se exija a sua expulsão.

Após tais citações, observa-se então que aborto nada

mais é que a interrupção de uma gravidez com a conseqüente expulsão do feto

pelo útero materno, a expulsão esta que poderá, no entanto, não ocorrer, vez

que o organismo feminino possui a capacidade de dissolvição, reabsorvição,

mumificação do feto que por diversos motivos não virá ao mundo.

1.3 DA OBJETIVIDADE JURÍDICA

Analisado neste momento será o objeto jurídico do crime

de aborto, em face de alguns estudiosos do direito.

Capez31, relacionado ao objeto jurídico, assim entende:

No auto-aborto só há um bem jurídico tutelado, que é o direito à vida do feto. É, portanto, a preservação da vida humana intra-uterina. No abortamento provocado por terceiro, além do direito à vida do produto da concepção, também é protegido o direito à vida e à incolumidade física e psíquica da própria gestante.

Capez32, ainda vislumbra quando tratar-se de reprodução

in vitro ou assistida, defendendo desta forma que:

Na hipótese de embriões mantido fora do útero, em laboratório, há um vácuo na legislação. [...] reprodução in vitro ou assistida, na qual o sêmen do homem é recolhido, congelado e, em seguida, introduzido no óvulo retirado da mulher. Com isso opera-se a fecundação, após o óvulo ser fecundado é

31 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, volume 2: parte especial: dos crimes contra a pessoa a dos crimes contra o sentimento religioso e contra o respeito aos mortos (arts. 121 a 212), p.110. 32 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, volume 2: parte especial: dos crimes contra a pessoa a dos crimes contra o sentimento religioso e contra o respeito aos mortos (arts. 121 a 212) p.110 – 111.

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recolocado no útero. [...] Nesses casos, sua destruição configuraria o delito de aborto? Entendemos que a sua eliminação não configura aborto, uma vez que não se trata de vida intra-uterina (o feto está fora do útero) – e o direito penal não admite analogia em norma incriminadora – nem homicídio, pois o embrião não pode ser considerado pessoa humana.

Observa-se assim que o autor ao citar tal forma de

reprodução, lembra ainda que no ordenamento brasileiro existe uma lacuna no

que diz respeito a este tipo de procedimento, vez que o direito neste caso não

admitiu analogia em norma incriminadora.

Noronha33 defende que a objetividade jurídica é a vida

como deixa claro o Código e assim escreve:

[...] não se trata de vida autônoma, mas não há que se negar que durante a gestação já existe vida. Em qualquer momento, o produto da concepção esta vivo, pois cresce e se aperfeiçoa, assimila as substâncias que lhe são fornecidas pelo corpo materno e elimina os produtos de recusa; executa, assim, funções típicas de vida.

Neste mesmo sentido defende Mirabete34, que a vida

humana começa no instante da concepção, pois para ele já existe um ser,

mesmo que seja um ‘ser germe’ e assim aduz o mesmo autor:

Tutela-se [...] a vida humana em formação, a chamada vida intra-uterina, uma vez que desde a concepção (fecundação do óvulo) existe um ser germe, que cresce, se aperfeiçoa, assimila substâncias, tem metabolismo orgânico exclusivo e, ao menos nos últimos meses da gravidez, se movimenta e revela uma atividade cardíaca, executando funções típicas de vida. Protege-se também a vida e a integridade corporal da mulher no caso do aborto provocado por terceiro sem o seu consentimento.

33 NORONHA, E. Magalhães. Direito penal, volume 2: Dos crimes contra a pessoa, dos crimes contra o patrimônio. 27. Ed.rev. e atual. São Paulo: Saraiva 1995, p. 50. 34 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal, p. 94.

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Fica evidenciada assim a tutela da vida no instante da

concepção, momento em que o ser ali existente já está crescendo e tomando a

forma humana, bem como executando funções desta natureza. Mirabete tratou

também da integridade corporal da mulher frente ao aborto provocado por

terceiro.

Costa Júnior35 defende:

Objetividade jurídica - É a tutela da vida humana em formação, que é a vida fetal ou intra-uterina. Pouco importa que não se trate de uma pessoa humana, mas de uma spes personae (esperança de pessoa).

Nota-se assim que a vida humana é protegida desde a

sua concepção, no momento em que está crescendo, se aperfeiçoando,

tomando a forma humana, bem como fica evidenciado pelas citações acima.

No entanto, há aqueles que defendem também a integridade física da mulher.

1.4 ELEMENTOS DO TIPO

1.4.1 Da ação física

Provocar36 aborto é o núcleo deste tipo ora estudado, isto

significa do latim provocare, incitar; estimular, excitar, ocasionar, promover,

facilitar, etc., isto posto para que ocorra o aborto.

Noronha37 aduz que a ação há de ser desenvolvida antes

do parto, tendo por objeto material o ovo, embrião ou feto. Com o início

daquele, o crime será homicídio ou infanticídio.

35 COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Direito penal objetivo: comentários atualizados ao código penal e ao código de propriedade industrial. 3 ed. Rio de janeiro: Forense Universitária, 2003, p. 204. 36 FERNANDES, Francisco; LUFT, Celso Pedro; GUIMARÃES, F. Marques. Dicionário Brasileiro Globo. 36 ed. São Paulo: Globo, 1994, 37 NORONHA, E. Magalhães. Direito penal, volume 2: dos crimes contra a pessoa, dos crimes contra o patrimônio, p.51.

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Assim tem-se que a ação de gerar a aceleração do parto,

com a finalidade de provocar o aborto será esta ação punida pelos crimes

previstos nos artigos 124 aos 127 do Código Penal Brasileiro.

1.4.2 Meios de execução

O aborto poderá ser “espontâneo ou natural (problemas

de saúde da gestante), acidental (queda, atropelamento etc.) ou provocado

(aborto criminoso)” 38.

Por tratar-se de crime de ação livre, sua provocação pode

se ocorrer de diferentes formas e diversos são os processos abortivos

utilizados para dar cabo de uma vida que está por vir.

O direito penal não se preocupa com a forma ou meio

pelo qual foi cometido, atendo-se, no entanto, no resultado da conduta que é

aquele previsto na norma jurídica. Não se pode esquecer de que deve ter prova

de que havia gravidez, só assim poderá o agente ser enquadrado de acordo

com a lei.

São reconhecidos e considerados como capazes de

provocar aborto os meios químicos, os meios psíquicos, os meios físicos

bem como a omissão. Esta divisão é apresentada por Capez 39. Veja a seguir:

1.4.2.1 Meios químicos

Como meios químicos podem entende-se aquelas

substâncias capazes de provocar na mulher grávida uma intoxicação capaz de

abortar o produto da concepção por ela indesejado.

Notam-se nos ensinamentos do médico e professor

Croce40:

38 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal, p. 93. 39 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, volume 2: parte especial: dos crimes contra a pessoa a dos crimes contra o sentimento religioso e contra o respeito aos mortos (arts. 121 a 212), p.112. 40 CROCE, Delton. Manual de medicina legal. 4 ed. rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 1998, p.450 – 451.

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Não existem substância químicas especificamente abortíferas. Entretanto, substâncias inorgânicas como o fósforo, arsênio, mercúrio, e o princípio ativo de algumas plantas (substâncias orgânicas), como o esporão de centeio, a quinina, o apiol, a sabina, a arruda, a salsaparrilha, a Papaver somniferum, podem matar o produto da concepção por perigosa intoxicação das gestantes, e, não raro, lhes põem em risco a própria vida. Não agem, portanto diretamente, por via sistêmica, em todo o organismo, provocando, por toxicidade, o descolamento do ovo, seguido de aborto.

Capez41 também entende serem substâncias não

propriamente abortivas, mas que atuam por via de intoxicação como o arsênio,

fósforo, mercúrio, quinina, estricnina, ópio etc..

Neste mesmo sentido no que se relaciona aos meios

químicos Belo42 acrescenta que:

Existem ainda métodos populares como, por exemplo, a ingestão de misturas, como cerveja com aspirina, melhoral com orégano, substâncias cáustica como o formol e lixinia-cloro, etc. Salienta-se que tais métodos não são ditos propriamente para abortar, atuam antes como intoxicadores da gestante.

Assim a mulher que desejando abortar fizer uso das

substâncias já mencionadas poderá ter o aborto provocado após a ingestão

daquelas sendo que isto ocorrerá devido processo de intoxicação sofrido pelo

organismo materno, sendo que desta prática poderá lhe sobrevir à morte.

1.4.2.2 Meios psíquicos

Para Fávero43, como meio psíquico entende-se que será o

susto, o choque moral que, para agir, pressupõe alguma predisposição

orgânica.

41 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, volume 2: parte especial: dos crimes contra a pessoa a dos crimes contra o sentimento religioso e contra o respeito aos mortos (arts. 121 a 212) p.112. 42 BELO, Warley Rodrigues. Aborto: considerações jurídicas e aspectos correlatos, p. 31-32. 43 FÁVERO, Flamínio. Medicina legal: introdução ao estudo da medicina legal, identidade, traumatologia, infortunística, tanatologia. 12 ed. Belo Horizonte: Villa Rica, 1991, p.757.

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Quanto a estes mesmos meios abortivos Capez44,

Noronha45 e Belo46, consideram que é a provocação do susto, terror, sugestão,

choque moral e outros, ou seja, aqueles que agem sobre o psiquismo da

mulher.

Deste mesmo pensamento compartilha Croce47, por

entender que meios psíquicos será o choque moral, o susto, o terror, a

sugestão, em certas circunstâncias, são absolutamente idôneos para a

produção do resultado aborto.

Fica assim evidenciado que estes meios de provocar o

aborto irão agir sob o psiquismo da mulher que estando em estado interessante

é mais suscetível aos mesmos.

1.4.2.3 Meios físicos

Como meios físicos, Capez48 considera os mecânicos (p.

ex., curetagem); térmicos (p. ex., aplicação de bolsas de água quente e fria no

ventre); e elétricos (p. ex., emprego de corrente galvânica ou farádica).

Por meios físicos Belo49 entende que é inserção de

objetos perfurantes na vagina como colheres, agulhas de tricô, cabides,

pressão no útero, bolsas de água quente ou gelo no ventre, etc.

Como meio físico entende Croce50 que será possível

ocorrer o aborto pela aplicação de calor ou de eletricidade diretamente sobre o

44 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, volume 2: parte especial: dos crimes contra a pessoa a dos crimes contra o sentimento religioso e contra o respeito aos mortos (arts. 121 a 212), p.112. 45 NORONHA, E. Magalhães. Direito penal, volume 2: dos crimes contra a pessoa, dos crimes contra o patrimônio, p.52. 46 BELO, Warley Rodrigues, Aborto: considerações jurídicas e aspectos correlatos, p. 32. 47 CROCE, Delton. Manual de medicina legal, p.453. 48 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, volume 2: parte especial: dos crimes contra a pessoa a dos crimes contra o sentimento religioso e contra o respeito aos mortos (arts. 121 a 212), p 112. 49 BELO, Warley Rodrigues. Aborto: considerações jurídicas e aspectos correlatos, p. 32. 50 CROCE, Delton. Manual de medicina legal, p. 453.

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abdome grávido, entende também que essas práticas abortivas são de ínfima

freqüência e importância. Continua o mesmo autor:

Os meios mecânicos, de uma variedade somente compatível à sua barbárie, representados pela introdução de laminárias, agulhas de tricô, talos de mamona, varetas de bambu, penas de ganso, palitos de picolé, são práticas abortíferas freqüentes nas camadas populares incultas e paupérrimas que, não raro, resultam em abortos incompletos que exigem curetagem uterina posteriormente processada por médico em ambiente hospitalar, para remoção de restos embrionários, placentários e do endométrio, geradores de toda a sorte de complicações e até a morte.

Mirabete51 acrescenta ainda como físico os seguintes meios:

Mecânicos (traumatismo do ovo com punção, dilatação do colo do útero, curetagem do útero, microcesária), térmicos (bolsas de água quente, escalda-pés etc.) ou elétricos (choque elétrico por máquina estática).

Deste modo entende-se por meios físicos aqueles meios

externos que são capazes de provocar a morte do futuro ser vivo no útero

materno, independendo do momento da gestação.

Sendo para isso utilizado uma vasta gama de objetos que

introduzidos no organismo atingirão o útero, provocando desta forma a

expulsão do feto em algumas das vezes, pois em muitos casos quando o

resultado não é atingido a mulher para não morrer tem que recorrer aos

hospitais para salvar-se.

Assim independe da vontade da mulher, pois sendo vítima

de um susto não partirá da mesma a vontade de por termo aquela vida, vale

dizer que o profissional de saúde deve fazer de tudo para mesmo assim salvar

o feto e a mãe para não responder pela conduta omissiva que será o próximo

tópico estudado.

51 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal, p. 95.

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1.4.2.4 Omissão

No que se relaciona a omissão o Código Penal52 no artigo

13 parágrafo segundo alínea “a” demonstra que:

Art. 13 - O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido.

[...]

§ 2º a omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem:

a) Tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância;

Assim, aquele que tendo por profissão a incumbência de

cuidar para que não ocorra o aborto e este vindo a ocorrer porque aquele

podendo não fez nada para impedir, estará ele agindo sob o artigo supracitado.

Entende-se aqui os médicos, enfermeiras e parteiras, como serão citados

adiante pelos estudiosos do direito.

Neste sentido Capez53, expõem que:

O delito pode ser praticado por conduta omissiva nas hipóteses em que o sujeito ativo tem a posição de garantidor; por exemplo, o médico, a parteira, a enfermeira que, apercebendo-se do iminente aborto espontâneo ou acidental, não tomam as medidas disponíveis para evitá-lo, respondem pela prática omissiva do delito.

Mirabete54, no que se refere à conduta omissiva relata

que:

52 BRASIL. Código penal / obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antonio Luiz de Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes, p.46-47. 53 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, volume 2: parte especial: dos crimes contra a pessoa a dos crimes contra o sentimento religioso e contra o respeito aos mortos (arts. 121 a 212), p.112.

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Já se tem negado a possibilidade da prática do crime e aborto por omissão. Nada, porém, a impede; responde por aborto o médico, parteira ou enfermeira que, dolosamente, não toma medidas para evitar o aborto espontâneo ou acidental uma vez que têm eles o dever jurídico de impedir esse resultado.

Com isto fica evidenciado que quaisquer das formas ou

meios utilizados para dar cabo da vida que esta se iniciando, serão elas

repudiadas pela sociedade, pois não há que se admitir que uma gestante em

plenas condições de dar a luz a uma criança sadia e perfeita atente contra a

vida da mesma, independentemente se usou uma agulha de tricô ou ingeriu

substância capaz de causar a intoxicação e posteriormente o aborto.

Não há que se esquecer também as microcesarianas que

são praticadas por médicos, uma vez que a mulher já chega ao hospital

machucada por objetos utilizados na tentativa de obter o resultado aborto, uma

vez que muitas grávidas após tentativas de abortarem em casa têm que

recorrer ao profissional capacitado para que possa ao menos salvar sua vida.

Neste momento o profissional de saúde deve tentar salvar

aquela vida, pois se isto não o fizer estará ele incutindo na prática daquele

meio de provocar o aborto chamado de omissão. Caso não tenha outra forma

de salvar a vida da mãe deverá então abrir mão e praticar o aborto, fazendo a

microcessariana ou a curetagem conforme o caso.

1.5 CONSUMAÇÃO E TENTATIVA

Nesta parte do trabalho será analisado quando é que se

tem que o aborto foi consumado e quando diz que o aborto ficou apenas na

modalidade de tentativa.

54 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal, p. 95.

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Para Costa Júnior55, consuma-se o crime com a

interrupção da gravidez e a conseqüente morte do feto, não sendo mister sua

expulsão.

Teles56, afirma que o aborto é crime material e sua

consumação se dará com a morte do ser humano em formação.

Noronha57 entende que será consumado o crime com a

morte do feto, o que poderá ocorrer dentro do útero materno ou com a

expulsão prematura.

Mediante o exposto, entende-se que o momento da

consumação não será necessariamente aquele em que ocorrerá a expulsão do

feto, uma vez que não é em todos os casos que irá ocorrer, já que pode ser

reabsorvido pelo organismo feminino.

Desta forma cabe analisar quando é que se dará a

tentativa por ser crime material, logo comporta tal modalidade.

Para Capez58, haverá a tentativa quando:

Será possível na hipótese de a manobra ou meio abortivo empregado, apesar de sua idoneidade e eficiência, não desencadear a interrupção da gravidez, por circunstancias alheia à vontade do agente, ou então quando, apesar das manobras ou meios utilizados, por estar a gravidez em seu termo final, o feto nasça precocemente, mas mantém-se vivo.

Mirabete59, também aceita a modalidade de tentativa, e

aduz que ocorrerá quando:

55 COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Direito penal objetivo: comentários atualizados ao código penal e ao código de propriedade industrial,p. 204. 56 TELES, Ney Moura. Direito penal: parte especial: volume 2: arts. 121 a 212. São Paulo: Atlas, 2004, p.180. 57 NORONHA, E Magalhães. Direito penal, volume 2 : dos crimes contra a pessoa, dos crimes contra o patrimônio, p. 52. 58CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, volume 2: parte especial: dos crimes contra a pessoa a dos crimes contra o sentimento religioso e contra o respeito aos mortos (arts. 121 a 212) p.115.

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A tentativa existe quando as manobras abortivas não interrompem a gravidez ou provocam apenas acelerações do parto, com a sobrevivência do neonato. Morto este após o nascimento ocorrerá o infanticídio, se a autoria do crime couber à mãe, e homicídio se a terceiro.

Conforme preceituado, nota-se que o crime de aborto é

sim, possível nas modalidades de tentativa, bem como da consumação e que

tanto a gestante quando o terceiro que estiverem envolvidos com tal prática

delituosa serão punidos, conforme será estudado mais adiante.

Relacionado ao nexo causal Capez60, afirma que:

A morte do feto em decorrência da interrupção da gravidez deve ser resultado direto do emprego dos meios ou manobras abortivas. Realizada a manobra abortiva, se o feto nascer com vida e em seguida morrer fora do útero materno, em razão das lesões provocadas pelo agente, responderá este último pelo crime de aborto consumado, uma vez que, embora o resultado morte tenha se produzido após o nascimento, a agressão foi dirigida contra a vida humana intra-uterina, com violação desse bem jurídico.

Logo, para que haja o nexo de causalidade, deverá a

interrupção da gravidez, a morte do feto, ocorrer em decorrência dos meios

empregados para produzir tal resultado, seja pela gestante, ou seja, por um

terceiro com ou sem o consentimento da mesma.

1.6 - ESPÉCIES DE ABORTO

O Código Penal em sua parte especial no Título I, Dos

Crimes Contra a Pessoa, no Capítulo I, Dos Crimes contra a Vida, tem-se os

artigos 124, 125, 126, 127 e 128 os quais dispõem sobre o aborto, objeto de

estudo do presente trabalho, observando que o artigo 128 deste dispositivo

será objeto de análise no capítulo terceiro do presente trabalho.

59 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal, p.96. 60 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, volume 2: parte especial: dos crimes contra a pessoa a dos crimes contra o sentimento religioso e contra o respeito aos mortos (arts. 121 a 212), p.115.

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1.6.1 Do auto-aborto e do aborto consentido

Neste momento passará a ser analisado o artigo 124 do

Código Penal 61 que trata do auto-aborto ou aborto consentido, assim dispõe a

referida lei:

Art.124 - Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque:

Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos.

Cabe, no entanto, para um melhor entendimento deste

artigo a divisão do mesmo, pois, uma coisa é provocar o aborto em si mesma

conforme a primeira parte do artigo 124 do referido diploma legal, outra coisa é

permitir que alguém o faça, esta que é a segunda parte do mesmo artigo e que

também é analisada pelo artigo 126 do Código Penal.

1.6.1.1 Do auto- aborto

Na primeira parte do artigo 124 do Código penal tem-se

como sujeito ativo aquela pessoa que prática o auto-aborto, assim neste caso o

delito é cometido pela mulher gestante, logo este é um crime considerado

próprio, como preceitua Mirabete62.

Figura como sujeito passivo o Estado63, que tem interesse

neste nascimento, não se admitindo a figura do feto, que é o produto da

concepção, apesar do artigo 2º do Código Civil64 resguardar os direitos do

Nascituro.

61 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código penal interpretado: texto atualizado de acordo com as leis nº 9.983, de 14-7-2000, 10.028, de 19-10-2000, e 10.224, de 15-05-2001, 10.268, de 28-8-2001 e 10.467, de 11-6-2002. 5 ed. São Paulo: Atlas, 2005, p.968. 62 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código penal interpretado: texto atualizado de acordo com as leis nº 9.983, de 14-7-2000, 10.028, de 19-10-2000, e 10.224, de 15-05-2001, 10.268, de 28-8-2001 e 10.467, de 11-6-2002, p.968. 63 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal, p.94. 64Neste sentido o Artigo 2º do Código Civil, aduz que: A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.

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Quanto à primeira modalidade do artigo estudado,

Capez65 acredita que poderá haver a participação de um terceiro, faz menção,

todavia, que há posicionamentos de jurisprudência onde o terceiro atuando

como partícipe seria para ele aplicado à conduta do artigo 126 do Código

Penal, a qual que será analisada mais à frente, logo, ensina o autor:

[...] é a própria mulher quem excuta a ação material do crime, ou seja, ela própria emprega os meios ou manobras abortivas em si mesma. É possível a participação nessa modalidade delitiva, na hipótese em que o terceiro apenas induz, instiga ou auxilia, de maneira secundaria, a gestante a provocar o aborto em si mesma, por exemplo, o individuo que fornece os meios abortivos para que o aborto seja realizado.

Logo nesta modalidade de auto-aborto entende-se que

ele somente ocorrerá pelas mãos da própria mulher, por tratar-se de crime de

mão própria e ela que estando grávida deseja livrar-se do fruto daquela

concepção, isto pode ocorrer por diversos motivos, bem como a mulher poderá

utilizar vários meios para por fim àquela vida que esta se desenvolvendo em

seu útero.

1.6.1.2 Do aborto consentido

Neste segundo instante será observado o momento em

que a gestante consente que outrem lhe provoque o aborto, ou seja, há o

consentimento por parte da mesma que outra pessoa, aquele terceiro pratique

o aborto em si, tendo é claro a sua aquiescência.

Teles66 neste sentido preconiza que:

[...] a gestante simplesmente concorda, anui, autoriza, presta seu consentimento para que outra pessoa realize, em si, algum método interruptivo da gravidez, com o fim da morte do ser humano em formação. Essa conduta não é puramente omissiva, porque nela a gestante contribui, colabora, facilita as

65 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, volume 2: parte especial: dos crimes contra a pessoa a dos crimes contra o sentimento religioso e contra o respeito aos mortos (arts. 121 a 212), p.118. 66 TELES, Ney Moura. Direito penal: parte especial: volume 2: arts. 121 a 212, p.176.

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práticas abortivas [...] É autora do crime de consentir na realização do aborto em si mesma.

Teles67 ainda discorre sobre a menor de 14 anos, bem

como quando se tratar de débil mental relata também sobre a fraude, grave

ameaça ou violência, assim explica que:

[...] a gestante deve ter capacidade de consentir, isto é, se ela é menor de 14 anos ou alienada mental seu consentimento é inválido. Também não terá qualquer valor se o consenso foi obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência, como determina o parágrafo único do artigo 126.

Nota-se assim que o artigo 126 citado por Teles é aquele

previsto no Código Penal, sendo que para o mesmo irá ter a cooperação da

mulher que estando grávida cooperando e facilitando para que seja realizadas

as manobras abortíferas em si, expressa ainda que será autora no crime em

consentir.

Noronha68 em sua doutrina ensina que:

A atuação desta não é secundária, como pode parecer a alguns, razão tendo Maggiore para observar que a gestante não é inerte, mas coopera consentido nas práticas abortivas, isto é, sujeitando-se a esta com movimentos corpóreos (ao mesmo tempo pondo-se em [...] posição obstétrica): não omite, age.

Assim para o autor a mulher grávida participara da

conduta, pois se sujeita a mesma quando se coloca em posição obstétrica, não

estará ela se omitindo, mas sim agindo.

Compartilha deste mesmo entendimento Costa Júnior69,

com a seguinte colocação:

67 TELES, Ney Moura. Direito penal: parte especial: volume 2: arts. 121 a 212, p.176. 68 NORONHA, E Magalhães. Direito penal, volume 2 : dos crimes contra a pessoa, dos crimes contra o patrimônio, p. 56. 69 COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Direito penal objetivo: comentários atualizados ao código penal e ao código de propriedade industrial, p. 205.

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Trata-se de crime plurissubjetivo (bilateral), em que são dois os co-autores: o terceiro e a gestante consciente, que não se limita a tolerar a prática abortiva, cooperando, exercitando os movimentos necessários e colocando-se em posição ginecológica.

Frente ao exposto nota-se que para ocorrer o crime

previsto na segunda parte do artigo 124 do Código Penal, que diz que consentir

que outro lhe provoque, bastará que a gestante esteja em pleno gozo de suas

faculdades mentais e que participe do ato ficando em posição obstétrica e

movimentos corpóreos para que ocorra o resultado almejado tanto por ela

quanto por terceiro.

Ficando-se assim resguardada, pois sendo menor de

quatorze anos ou débil mental, mesmo que haja o consentimento desta o

terceiro que praticar o ato responderá sozinho pela prática abortiva, já que

estas não dispõem de capacidade para decidirem sobre o fato.

1.6.2 Do aborto provocado por terceiro

Há ainda a hipótese em que o aborto será praticado sem

que ocorra o consentimento da gestante, tratando-se aqui daquela espécie

prevista no artigo 125 do Código Penal70 que dispõe da seguinte maneira:

Art. 125 - Provocar aborto, sem o consentimento da gestante:

Pena – reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos.

No entendimento de Jesus71 haverá o aborto consentido

pela gestante quando:

O dissentimento da ofendida pode ser real ou presumido. Real, quando o sujeito emprega violência, fraude ou grave ameaça.

70 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código penal interpretado: texto atualizado de acordo com as leis nº 9.983, de 14-7-2000, 10.028, de 19-10-2000, e 10.224, de 15-05-2001, 10.268, de 28-8-2001 e 10.467, de 11-6-2002, p.974. 71 JESUS, Damásio E. de. Direito Penal, volume 2: parte especial: dos crimes contra a pessoa e dos crimes contra o patrimônio. 27 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva 2005, p. 125.

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Presumido, quando ela é menor de 14 anos, alienada ou débil mental (Cp., art. 126, parágrafo único).

Nota-se assim que a mulher estando em estado

interessante é praticado em seu desfavor o aborto sem que ela possa

defender-se, já que o terceiro faz uso da força, fraude ou grave ameaça.

Neste sentido é o entendimento de Capez72 no que diz

respeito ao aborto provocado sem o consentimento da gestante:

Não é preciso que haja o dissenso expresso da gestante, basta o emprego de meios abortivos por terceiros sem o seu conhecimento; por exemplo: ministrar doses de substância abortiva em sua sopa.

Teles73, no que diz respeito à simulação ou a fraude

ensina que haverá:

Quando a gestante não tendo conhecimento da gravidez ou de que está sendo submetida a um processo de sua interrupção, não terá havido consentimento, logo o aborto é sem seu consentimento. O agente pode induzir a mulher a submeter-se a uma curetagem, sem que ela saiba da gravidez ou desconhecendo que tal intervenção constitui prática abortiva.

Mediante o exposto cabe apenas mencionar que para que

ocorra o tipo previsto no artigo 125 do Código Penal a mulher estando grávida

ou mesmo que não saiba que esta é muitas vezes induzida por um terceiro que

por ora irá se beneficiar deste delito.

Aquele que for denunciado pela prática de tal delito terá

como preconiza o próprio artigo sua pena majorada em até dez anos de

reclusão, bastando para isso que ocorra a morte do feto em formação e que

aquela mulher vítima deste delito não saiba o que esta acontecendo ou que

sabendo, não tenha no momento condições para consentir.

72 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, volume 2: parte especial: dos crimes contra a pessoa a dos crimes contra o sentimento religioso e contra o respeito aos mortos (arts. 121 a 212), p.119 - 120. 73 TELES, Ney Moura. Direito penal: parte especial: volume 2: arts. 121 a 212, p.176-177.

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1.6.3 Do aborto Consentido

Ocorrerá o aborto consentido quando de acordo com o

artigo 126 do Código Penal74 houver participação e a livre deliberação da

gestante, aduzindo assim o mesmo artigo:

Art. 126 - Provocar aborto com o consentimento da gestante:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos.

Parágrafo único: Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de 14 (quatorze) anos, ou é alienada ou débil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência.

No entendimento de Costa Júnior75, será aborto

consentido pela gestante a partir do momento em que:

[...] em que são dois os co-autores: o terceiro e a gestante consenciente, que não se limita a tolerar a prática abortiva, cooperando, exercitando os movimentos necessários e colocando-se em posição ginecológica.

Desta maneira Teles76 aduz que:

Ocorre o crime do art. 126 quando o agente obtém o consentimento válido da gestante e provoca a interrupção da gravidez, matando o ser humano em formação. Os dois cometem crime, ela o do art. 124 e ele será punido mais severamente com a pena cominada no art. 126.

Sobre o consentimento Mirabete 77 comenta que:

O consentimento deve ser expresso ou tácito, deve existir desde o início da conduta até a consumação do crime,

74 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código penal interpretado: texto atualizado de acordo com as leis nº 9.983, de 14-7-2000, 10.028, de 19-10-2000, e 10.224, de 15-05-2001, 10.268, de 28-8-2001 e 10.467, de 11-6-2002, p.977. 75 COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Direito penal objetivo: comentários atualizados ao código penal e ao código de propriedade industrial, p. 205. 76 TELES, Ney Moura. Direito penal: parte especial: volume 2: arts. 121 a 212, p. 177. 77 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal, p.97-98.

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respondendo pelo art. 125 o agente quando a gestante revoga seu consentimento durante a execução do aborto. Ensina Fragoso que “a passividade e a tolerância da mulher equivalem ao consentimento tácito”. Quem participa da conduta do provocador responde pelo crime de aborto consensual (item 4.4.8).

Desta maneira fica evidenciado que tanto a gestante

quanto o terceiro que participou da prática delitiva irão responder por seus atos

na medida de suas participações, a mulher grávida irá responder pelo previsto

no artigo 124, pois consentiu.

1.6.4 Do aborto qualificado

O artigo 127 do Código Penal que será objeto de estudo

neste momento, aborda os casos de aumento de pena para quem pratica o

aborto em gestante e em conseqüência dessa atitude a mulher vir a ter lesões

corporais consideradas de natureza grave, bem como quando sobrevier a

morte.

Assim dispõe o artigo 127 do Código Penal78:

Art. 127- As penas cominadas nos dois artigos anteriores são aumentadas de um terço, em conseqüência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza grave; e são duplicadas, se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevém à morte.

Os artigos anteriores de que trata o citado dispositivo

legal são aqueles em que haverá o aborto em decorrência da ação de terceiro,

com ou sem o consentimento da gestante, ou seja, aqueles descritos nos

artigos 125 e 126 do Código Penal. Fica evidente que esta prática só pode ser

realizada por terceiro, não compreendendo aqui a gestante, vez que a lei

brasileira não pune a auto-lesão.

78 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código penal interpretado: texto atualizado de acordo com as leis nº 9.983, de 14-7-2000, 10.028, de 19-10-2000, e 10.224, de 15-05-2001, 10.268, de 28-8-2001 e 10.467, de 11-6-2002, p.979.

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Neste sentido caminha a doutrina no entendimento de

Mirabete79:

É evidente que o resultado mais grave (lesão corporal grave ou morte), condição de maior punibilidade, não deve ter sido querido, nem mesmo eventualmente, pelo agente, pois nesses casos deverá ele responder por crimes de lesões corporais ou homicídio, em concurso com aborto. Art. 127 refere-se ao crime preterdoloso, em que o agente não quer o resultado – lesão grave ou morte.

Se não há intenção do agente em provocar um resultado

daquele pretendido, como já bem explica Mirabete, deve-se observar o

disposto no artigo 19 do Código Penal80 que trata da agravação pelo resultado,

logo:

Art. 19 - Pelo resultado que agrava especialmente a pena, só responde o agente que o houver causado ao menos culposamente.

Assim pela conduta do terceiro, que prática o ato com o

consentimento ou não daquela que se encontra em estado interessante, haverá

em ambos os casos a intenção de provocar aquele resultado, digo o aborto

daquele futuro ser humano, que já foi concebido.

Haverá o dolo na vontade em praticar o aborto, mas, no

entanto, haverá a culpa no resultado alcançado que foi a morte ou a lesão

grave para a gestante.

No que se refere a lesões de natureza leve sofrida pela

gestante, Damásio de Jesus81 entende que:

Se, em conseqüência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza leve, o sujeito só responde pelo aborto, não se aplicando a

79 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal, p. 98. 80 BRASIL. Código penal / obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antonio Luiz de Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes, p.48. 81 JESUS, Damásio E. de. Direito Penal, volume 2: parte especial: dos crimes contra a pessoa e dos crimes contra o patrimônio, p. 127.

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forma típica qualificada do art. 127. Ocorre que a lesão leve constitui resultado natural da prática abortiva o CP só pune a ofensa corporal desnecessária e grave. Por isso, o crime do art. 129 fica absolvido pelo aborto.

A respeito do auto-aborto ou do aborto consentido pela

gestante, forma prevista no artigo 124 do Código Penal, Mirabete82 aduz que:

Não responderá, também, pela qualificadora o partícipe quando lhe for imputado o crime previsto no art. 124. Há os que sustentam que responderão eles por lesões corporais culposas ou homicídio culposo, mas, a nosso ver, trata-se de solução forçada, respondendo o agente por aborto simples, uma vez que não participou do ato de execução.

Este mesmo autor sustenta ainda, que não haverá a

forma qualificada “quando houver lesão grave necessária para o aborto (lesão

do útero, por exemplo)”, pois isto seria uma conseqüência normal da tentativa

ou consumação da interrupção da gravidez.

No que diz respeito ao resultado alcançado pelo agente,

se for mais grave daquele pretendido, ou seja, o aborto, disciplina da seguinte

forma o professor Teles83:

É de todo claro que o resultado mais grave não pode estar alcançado pelo dolo do agente, nem mesmo eventualmente, pois se tal se der, isto é, se o agente, além do aborto, previu a lesão grave ou a morte e a desejou, ou a aceitou, então haverá concurso formal de dois crimes: aborto e lesão corporal de natureza grave, ou aborto e homicídio doloso

Nota-se assim que se houver o aborto e também qualquer

que seja o resultado além deste, desde que haja a vontade do agente para

praticá-lo, o mesmo, responderá pelo crime de aborto combinado com aquele

que causou, seja ele homicídio ou lesão corporal de natureza grave.

82 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal, p. 98. 83 TELES, Ney Moura. Direito penal: parte especial: volume 2: arts. 121 a 212, p. 179.

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No que diz respeito ao nexo de causalidade, deve-se

levar em consideração se entre o aborto e os meios utilizados para praticá-lo

houve um resultado diferente daquele pretendido pelo agente, neste sentido é

o entendimento de Teles84,

Imprescindível também o nexo causal, entre o aborto ou os meios empregados para provocá-lo e o resultado mais grave. Se estiver decorrido de outra causa, ainda que superveniente e relativamente independente da conduta do agente, não poderá ser atribuído ao agente do aborto que, então, responderá pela forma típica simples.

Com isto o autor salienta que o terceiro irá responder pela

forma prevista no artigo em estudo apenas se houver uma ligação entre o

aborto e os meios empregados para atingir este resultado.

Logo, somente responderá por esta qualificadora aquele

que tendo a intenção de provocar o aborto, sobreveio o resultado diverso do

pretendido, ou seja, a morte da gestante ou lesões de natureza grave.

Não responderá o terceiro pelo crime previsto no artigo

121 ou 129 ambos do Código Penal se o resultado morte ou lesão corporal de

natureza grave estava além de sua vontade. Caso desejasse este resultado,

responderá pelo crime de aborto combinado com homicídio ou lesão corporal.

Cabe frisar que os crimes ora estudados são todos de

competência do tribunal do júri, por se tratar de crimes dolosos contra a vida,

conforme preceitua o parágrafo primeiro do artigo 74 do CPP, veja a seguir:

Art. 74 - A competência pela natureza da infração será regulada pelas leis de organização judiciária, salvo a competência privativa do Tribunal do Júri.

§ 1º - Compete ao Tribunal do Júri o julgamento dos crimes previstos nos arts. 121, §§ 1º e 2º, 122, parágrafo único, 123, 124, 125, 126 e 127 do Código Penal, consumados ou tentados.

84 TELES, Ney Moura. Direito penal: parte especial: volume 2: arts. 121 a 212, p. 179.

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Então todo aquele que praticar qualquer destes crimes

citados no artigo anterior estará sujeito ao julgamento pelo tribunal do júri, quer

fique na modalidade tentado ou consumado.

Ao término do primeiro capítulo deste trabalho verifica-se

então que o aborto é praticado desde os primórdios e que sempre foi objeto de

discussão entre os estudiosos do direito e que na lei penal brasileira é proibido

e que esta mesma lei ainda irá punir o terceiro que praticar ou participar de tal

ato.

Compreende-se que aborto então é a interrupção de

gravidez com a destruição do produto da concepção, sendo que poderá ou não

haver a expulsão deste fruto do organismo materno.

Assim como foi objeto de estudo neste capítulo

principalmente as leis penais, no segundo instante há de se verificar algo maior

que é a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e ainda

aqueles princípios e garantias inerentes ao homem enquanto ser humano e em

específico a mulher que faz parte do tema central deste trabalho.

No capítulo seguinte serão analisados os direitos que são

considerados fundamentais ao ser humano, destacando-se o direito a vida,

bem como os princípios fundamentais que não são menos importantes.

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Capítulo 2

NOÇÕES GERAIS ACERCA DOS DIREITOS CONSTITUCIONAIS E PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS

2.1 DIREITOS CONSTITUCIONAIS FUNDAMENTAIS

Os direitos, aqueles ditos fundamentais ao longo da

história, foram sofrendo alterações por todos os tempos até que pudessem se

apresentar tal como se apresentam nos dias atuais.

Frente a tantas mudanças, cabe assim destacar a

colocação de Chaves85 quando trata dos direitos fundamentais, neste sentido

ensina em sua obra que: “Tenha-se, porém presente ser preferível a expressão

Direitos fundamentais da Pessoa à comumente usada de direitos do Homem,

pois não há direitos que não seja do homem.”

Com efeito, desta maneira está claro que ao se analisar

os direitos fundamentais do homem, se deve ter em mente os direitos

fundamentais da pessoa, uma vez que foram feitos para os seres humanos e

terão por finalidade servir ao homem, enquanto pessoa, naquilo que lhe for

conveniente.

Assim, há que se destacarem os ensinamentos de

Barros86 no que se refere aos direitos fundamentais, de tal modo ensina que:

Como valores precípuos plasmados em uma Constituição, os direitos fundamentais traduzem, pois, as concepções filosófico-jurídicas aceitas por uma determinada sociedade, em um certo momento histórico. Estes valores fundantes do Estado são, ao mesmo tempo, fins desta sociedade e direitos dos seus indivíduos.

85 CHAVES, Antônio. Tratado de direito civil. São Paulo: Revista dos tribunais, 1982, p.434. 86 BARROS, Susana de Toledo. O princípio da proporcionalidade das leis restritas de direitos fundamentais. Brasília: Brasília Jurídica, 1996, p. 128.

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Desta forma evidencia-se que o direito foi sofrendo

mutações, para que assim pudesse acompanhar o desenvolvimento das

pessoas que vivem em sociedade, de acordo com as concepções filosóficas e

jurídicas daquele grupo de pessoas.

Cabe neste contexto analisar a colocação de Friede87

quando cita Pinto Ferreira, traz relacionado aos direitos constitucionais

fundamentais à seguinte colocação:

A expressão Direitos Constitucionais Fundamentais se refere, sobretudo, [...] a uma ideologia política de determinada ordem jurídica e a uma concepção da vida e do mundo histórico, designando, no Direito positivo, o conjunto de prerrogativas que se concretizam para a garantia da convivência social digna, livre e igual da pessoa humana na estrutura e organização do Estado.

Desta maneira pode-se ter que os direitos constitucionais

fundamentais estão assim para servir ao povo (homem) que é o seu

destinatário, vêm para garantir ao mesmo o mínimo de dignidade para que este

possa viver inserido em sua sociedade.

Nesta ótica Guerra Filho88, na obra por si coordenada,

traz a respeito da importância destes direitos, desta forma se faz oportuna a

seguinte explanação:

Os direitos fundamentais são o que há de considerar como mais importante hoje em dia porque o Direito de um Estado Democrático deve ser constituído (e desconstituído) tendo como parâmetro o aperfeiçoamento de sua realização.

Assim, nota-se que os direitos fundamentais serão

constituídos ou desconstituídos para que isto possa beneficiar os seus

destinatários, sendo este aperfeiçoamento constante.

87 FRIEDE, Roy Reis. Curso Analítico de Direito Constitucional e de Teoria Geral do Estado. 4 ed., rev. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p.145. 88 GUERRA FILHO, Willis Santiago; PEREIRA, Ana Cláudia Távora. Dos direitos humanos aos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997, p.9.

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Os direitos fundamentais ao serem constituídos e

desconstituídos para atender ao povo que é o seu destinatário, serão usados

sempre que o direito em vigor se cale, pois é leme que conduz uma sociedade

para que as leis aplicadas sejam na maioria das vezes justas.

Os direitos e as garantias que são hoje expressas na

atual Constituição Brasileira, já faziam parte também daquelas que lhe

antecederam, pois Bulos89 em seus estudos ensina que:

Nossas constituições sempre fixaram em seu corpo permanente de normas uma declaração de direitos e garantias fundamentais. Alias, existe uma peculiaridade no constitucionalismo brasileiro em relação à matéria: a Carta Política do Império do Brasil de 1824 foi à primeira constituição do mundo a expressar, em termos normativos, os direitos do homem, antes mesmos da Constituição da Bélgica de 1831[...].

Nota-se desta forma que o direito constitucional desde a

época do Império em suas Constituições vem para garantir ao ser humano o

mínimo que uma legislação pode oferecer, as garantias fundamentais.

Não se pode deixar de comentar que foi do Brasil a

primeira constituição que se preocupou com os direitos do homem como bem

ensina Bulos em suas colocações. Foi dos brasileiros o interesse então de por

a salvo tais direitos, pelo menos o mínimo deles.

Se este mínimo não lhe for assegurado poderá ele,

enquanto pessoa, utilizando-se do aparato estatal para valer-se e assim

conseguir que tais direitos ditos fundamentais sejam obedecidos e garantidos

pelo Estado e por todos os que dele façam parte.

Destarte, passará a ser analisado o direito à vida e suas

peculiaridades, bem como o direito do nascituro. Estes são alguns dos direitos

que a Carta Magna pôs a salvo para todos aqueles que vivem no Brasil,

independentemente se brasileiro nato ou estrangeiro.

89 BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal anotada. 5 ed. rev. e atual. até a emenda constitucional n. 39/2002. São Paulo: Saraiva 2003, p.101.

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2.1.1 Direito à vida

Como passo primeiro e mais importante será analisado

aquele direito do qual todo ser humano faz uso, alguns de maneira correta e

justa, outros de uma forma um tanto quanto imprópria, não apenas por

vontade, mas devido a um sistema onde nem sempre puderam fazer aquela

que seria a melhor escolha. Assim será analisado o direito à vida.

Nesta senda, quando se estuda o direito à vida, que é

natural dos seres humanos, vem contribuir Chaves90 com a seguinte afirmativa:

Dois os caracteres fundamentais do direito à vida: é inato, porquanto cabe ao indivíduo pelo simples fato de ser munido da personalidade adquirida com o nascimento; é um direito privado: pertencente a cada um como indivíduo, isto é, considerado no círculo das finalidades que tem como ser humano, não perdendo semelhante características nem mesmo quando se dirija para o Estado.

Destas características então se observa que, como bem

frisou o autor, é um direito inato do ser humano, pois com o nascimento está a

pessoa, embora pequena, munida do mais importante direito disponibilizado ao

ser humano, que é o direito à vida.

Logo, se todos possuem vida, está se falando do

DIREITO À VIDA que está previsto no caput do artigo 5º da Constituição

Federal de 1988. Encontra-se desta maneira inserido como direito fundamental

de todos aqueles que residem neste país, não importando se brasileiros ou

estrangeiros.

Assim descreve o caput do já mencionado artigo 5º da

Constituição Federal de 1988:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade e à propriedade, (grifo nosso)

90 CHAVES, Antônio, 1914. Tratado de direito civil, p.434.

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A Constituição Federal de 1988 no que diz respeito ao

direito à vida, não apenas fez no artigo 5º a devida menção a este direito,

trouxe também expresso no caput do artigo 227 do mesmo dispositivo de lei a

proteção do aludido direito.

Dispõe da maneira seguinte, in verbis o artigo 227, da

Constituição Federal de 1988:

Art. 227 - É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (grifo nosso)

Enquanto o artigo 5º ateve-se de modo geral à vida de

todos os residentes neste país, sem qualquer tipo de distinção, o artigo 227

ainda da Carta Magna pôs a salvo o mesmo direito, mas tendo como foco de

preocupação à vida da criança e do adolescente.

Denota-se que o ordenamento jurídico brasileiro quis de

todas as formas pôr a salvo o direito à vida de todos os que aqui residem, não

apenas o direito à vida, mas, contudo, o direito de se ter e poder levar uma vida

digna daqueles nascidos de mulher.

Bulos91, ao tecer seus comentários sobre o princípio

constitucional do direito à vida traz em sua obra a seguinte expressão:

O Texto Constitucional protege todas as formas de vida, inclusive a uterina [...]. E faz sentido, porque o direito à vida é o mais importante de todos. Por isso, tanto a expectativa de vida exterior (vida intra-uterina) como a sua consumação efetiva (vida extra-uterina) constitui um direito fundamental. Sem ele nenhum outro se realiza.

E ainda é na mesma direção o comentário de Friede92

quando trata dos direitos relacionados à Vida, assim ensina: 91 BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal anotada, p.111.

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Dentre os principais direitos fundamentais do homem, sem a menor sombra de dúvida, o mais elementar diz respeito a sua própria existência, sem a qual nenhum outro direito teria qualquer sentido e expressão.

Logo se percebe que este é o primeiro dos direitos que o

ser humano possui, sendo desta forma então o mais importante, pois do

mesmo decorre todos os demais, uma vez que não se pode falar de outros

direitos sem que haja vida.

Desta forma Penteado93 ao citar Ives Gandra leciona que:

O primeiro e mais importante de todos os direitos fundamentais do ser humano é o direito à vida. É o primeiro dos direitos naturais que o direito positivo pode simplesmente reconhecer, mas que não tem a condição de criar.

Estabelece, contudo, que o direito à vida é e sempre será

para as pessoas o mais importante direito que possam ter, citando ainda como

o primeiro de todos os direitos do homem.

É nítido o entendimento de que o legislador agiu de forma

correta ao citar tal direito no rol dos ditos fundamentais. Ainda “no sistema

brasileiro, a garantia do direito à vida se inicia no próprio ato da concepção: em

virtude de tal ótica constitucional, a proteção específica da lei civil aos direitos

do nascituro.” Isto é disposto por Silva94, em seus estudos.

Tavares95, em sua obra explica que o direito à vida

assume duas vertentes distintas, sendo que uma delas é a de permanecer vivo e a outra o direito a um adequado nível de vida.

92 FRIEDE, Roy Reis. Curso Analítico de Direito Constitucional e de Teoria Geral do Estado, p.150. 93 PENTEADO, Jacques de Camargo. A vida dos direitos humanos: bioética médica e jurídica. Porto Alegre: S. A. Fabris, 1999, p.128. 94 SILVA, Paulo Napoleão Nogueira da. Curso de direito constitucional. 3 ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p.530. 95 TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 3 ed. rev., e atual. São Paulo: Saraiva 2006, p.483.

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Estas duas vertentes são seguidas também por outros

estudiosos do direito, embora alguns apresentem uma denominação um pouco

diferente, mas todos concordam que uma coisa é estar vivo, outra coisa é

poder ter um nível de vida apropriado e condizente com a vida.

Desta forma Cretella Júnior96, em comentário a

Constituição explana que o Direito à Vida é uma expressão dotada de no

mínimo, dois sentidos, assim segue:

[...] ‘(a)’ “o direito a continuar vivo, embora se esteja com saúde” e (b) “o direito de subsistência”: o primeiro, ligado à segurança física da pessoa humana, quanto a agentes humanos ou não, que possam ameaçar-lhe a existência; o segundo, ligado ao direito de prover à própria existência, mediante trabalho honesto.

Seguindo o mesmo caminho e entendendo também haver

duas divisões no que se relaciona ao direito à vida, Menezes97 em suas

publicações escreve:

Destaque-se mais, que a carga semântica depositada na expressão "direito à vida" infere duas situações: 1º - o direito de permanecer vivo, que já pressupõe a existência do indivíduo e; 2º - o direito de nascer vivo, que antecede ao surgimento do indivíduo no mundo exterior.

Desta mesma forma Tavares98, pertinente a esta divisão

de que uma coisa é o direito de nascer vivo, outra coisa e sendo totalmente

diferente é o direito de permanecer vivo explica que:

[...] cumpre assegurar a todos o direito de simplesmente continuar vivo, permanecer existindo até a interrupção da vida por causas naturais. Isso se faz com a segurança pública, com

96 CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários à Constituição Brasileira de 1988, volume I. Rio de Janeiro: forense Universitária, 1997, p. 183. 97 MENEZES, Glauco Cidrack do Vale. Aborto eugênico: alguns aspectos jurídicos. Paralelo com os direitos fundamentais da vida, da liberdade e da autonomia da vontade privada e com os direitos da personalidade no novo Código Civil. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 413, 24 ago. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5622>. Acesso em: 31 dez. 2006. 98 TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional, p.483.

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a proibição da justiça privada e com o respeito, por parte do Estado, à vida de seus cidadãos. [...] é preciso assegurar um nível mínimo de vida, compatível com a dignidade humana. Isso inclui o direito à alimentação adequada, à moradia (art. 5º, XXIII), [...] e ao lazer (art. 217).

Diante ao exposto pode-se dizer que caberá ao “Estado

assegurar o direito à vida sob duplo aspecto: direito de nascer e direito de

subsistir ou sobreviver” 99.

A regra é a vida100, de todo ser vivo nascido de mulher,

sendo a pena de morte e o aborto exceções constitucionais previstas que se

somam aos princípios jurídicos fundamentais.

Fica assim evidenciado que o ser humano tendo direito a

vida, deve o Estado oferecer condições mínimas para que ele continue

vivendo, isto posto através de políticas públicas de segurança, onde será

permitido ao mesmo o direito de ir e vir, pois sem a dita segurança nem sempre

se pode dizer que alguém continue vivo.

A segunda premissa trata então de que se tenha um nível

adequado de vida, que a pessoa busque desta forma viver com o esforço de

seu trabalho, (trabalho honesto), sendo estabelecido ainda por esta mesma

Constituição que o homem tenha condições de moradia, lazer, educação entre

outras tantas ali expressas.

Supõe assim que o Estado ao garantir o direito de

continuar vivo que o cidadão possa buscar por meios próprios os demais,

sendo assistido por este mesmo Estado no que for pertinente.

2.1.2 Direito do nascituro

O Direito atribui proteção jurídica ao ser que ainda não

nasceu, mas que se espera que nasça e que nasça vivo, para este ser confere-

se o nome de nascituro. Sendo este direito dado por normas gerais, e normas

99 BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal anotada, p.111. 100 SLAIBI FILHO, Nagib. Direito constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p.389.

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constitucionais, vêm para garantir ao ser humano a proteção, não importando

se ele já nasceu ou ainda esta por nascer.

Ao se falar em direitos do nascituro caberá, no entanto,

que se exemplificar o que é, pois se trata de um ser “que há de nascer,

concebido, mas ainda não dado à luz; aquele que há de nascer”. Este termo é

derivado do latim, nascituru. Esta definição é dada por Fernandes101.

Assim está falando-se daquele ser que ainda se encontra

em formação no útero materno, seu nascimento está sendo esperado, no

entanto, é esperado que ocorra com vida.

Logo, é sujeito de direitos, mas ainda se encontra em fase

de gestação que, no entanto, não adquiriu a chamada personalidade que só o

ser humano possui e que irá adquirir através do seu nascimento com vida.

Vide os ensinamentos de Coelho102 relacionado ao

momento que o ser ainda se encontra em processo de gestação no útero

materno:

O homem e a mulher, enquanto se encontram em processo de gestação no útero materno (nascituro), são já sujeitos de direito, embora não sejam ainda pessoas [...] Isso significa que, antes do nascimento com vida, o homem e a mulher não têm personalidade, mas, como já titularizam os direitos postos a solvo pela lei, são sujeitos de direitos.

Fica desde então esclarecido que o homem e a mulher na

condição de nascituro, para que tenham seus direitos assegurados deverão

nascer, mas nascer vivos, antes disso não terão personalidade, são apenas

titulares daqueles direitos que foram postos a salvo pelo próprio direito, caso

nasçam com vida.

101 FERNANDES, Francisco; LUFT, Celso Pedro; GUIMARÃES, F. Marques. Dicionário Brasileiro Globo. 102 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil, volume I. Paulo: Saraiva. 2003, p. 145.

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O Código Civil Brasileiro no artigo 2º põe a salvo os

direitos do ser humano que ainda não nasceu, mas que se encontra na

condição de nascituro veja a seguir:

Art. 2o A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.

Nota-se desta forma que a lei brasileira através do Código

Civil determina a época em que se começa a personalidade civil do ser

formado no útero materno, este momento será a hora do seu nascimento,

desde que ocorra com vida.

Também são asseguradas pelo ordenamento jurídico

brasileiro todas as formas os direitos daquele que ainda está para vir ao

mundo, que já concebido se encontra na condição de nascituro.

Cabe, contudo, analisar o comentário de Caio Mário da

Silva Pereira contido no Código Civil Interpretado103, onde dispõe que:

Segue o nascimento tendo apenas uma “potencialidade” de direitos, “como se, iniciando embora a personalidade a partir do nascimento, e assentado que os direitos do nascituro retrotraem à data da concepção, não seria ilógico afirmar que a personalidade se encontra em “estado potencial”, somente vindo a concretizar-se com o nascimento.

Antes do nascimento há apenas uma expectativa de que

um dia aquele ser em formação terá direito, já que sua personalidade será

adquirida no momento em que se encontre fora do organismo materno, não

dependendo mais deste. O que há antes deste momento são as garantias de

que o mesmo terá respeitado os seus direitos caso nasça vivo.

Ao comentar que nascituro é o ser já concebido, mas que

seu nascimento é algo esperado como certo e futuro, é de bom grado a citação

103 TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloisa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin de. Código Civil Interpretado conforme a Constituição da República: volume I: parte geral e obrigações (arts. 1ª a 420). Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p.06.

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de Coelho104, ao considerar o momento em que se pode afirmar que alguém

nasceu vivo, observe:

Considera-se que alguém nasceu com vida desde que respire o ar atmosférico (Beviláqua, 1908:78). Das múltiplas funções vitais que o organismo humano pode manifestar, tem a tecnologia civilista indicado que é o primeiro movimento de inspiração de ar para os pulmões que caracteriza o nascimento com vida. É irrelevante, para esse efeito, a falta de manifestação de qualquer outro sinal vital ou mesmo a ruptura do cordão umbilical. Tendo entrado ar nos pulmões do recém-nascido, verificou-se o fato jurídico de que decorre o surgimento da personalidade.

Ainda nos ensinamentos de Coelho105, pode se verificar a

respeito do momento em que é adquirida a personalidade jurídica, destaca-se

assim a seguinte citação:

É suficiente, no direito brasileiro, para a aquisição de personalidade jurídica que a pessoa viva algum tempo, por menor que seja após deixar o útero materno. Uma só breve respiração basta para que o direito considere pessoa o recém-nascido. É indiferente se a minúscula vida vivida apresenta, ou não, perspectivas reais de evolução.

Caracteriza assim que houve vida no momento em que a

feto desvinculou-se do organismo materno e respirou.

Destarte, o nascituro não é senão um ser que tem apenas

uma mera expectativa de um dia vir a ter direitos, deste modo é a posição

encontrada no Código Civil Interpretado106, segue-se o disposto na referida

obra:

[...] antes do nascimento a posição do nascituro não é, de modo algum, a de um titular de direitos subjetivos; é uma situação de mera proteção jurídica (...). Desde o momento em

104 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil, volume I, p. 146. 105 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil, volume I, p. 146. 106 TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloisa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin de. Código Civil Interpretado conforme a Constituição da República: volume I: parte geral e obrigações (arts. 1ª a 420), p.07.

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que o recém-nascido teve respiração pulmonar, está feita a prova de ter tido vida.

Não fazendo qualquer referência do tempo que se tenha

vivido, afirmando contudo, que deverá ocorrer a respiração, não importando se

esta ocorreu por uma fração de segundos, pois isso já seria o suficiente para a

determinação de que houve ali a vida.

Então se o ordenamento jurídico brasileiro considera que

haverá vida somente no momento da respiração, sendo este o momento em

que o nascituro passa a ter seus direitos que até então eram apenas uma mera

expectativa de direitos, antes desse instante não há que se falar em vida.

Assim observar-se que o feto presente no organismo

materno, sendo um expectador de direitos, não possui vida e que frente a

casos de anencefálicos estaria aberta mais uma possibilidade de liberação do

aborto, já que ali não há vida.

2.2 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS NO DIREITO

Como bem descreve Miranda107 em sua obra que, “[...] os

princípios não se colocam, pois, além ou acima do Direito [...] fazem parte do

complexo ordenamental”.

Claro fica então que além de serem próprios do homem,

os princípios fundamentais destinam-se a todos não os sobrepondo, mas

fazendo parte do ordenamento jurídico do ser humano,

Para se ter uma idéia geral de princípios é de bom tom

citar Bulos108, quando diz que:

Transladando para a esfera jurídica a noção genérica de princípio, pode-se dizer que ele é o enunciado lógico extraído da ordenação sistemática e coerente de diversas disposições normativas, postando-se como uma norma de validez geral,

107 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional, tomo II: preliminares o Estado e os sistemas constitucionais. 4 ed. rev.,e atual. Lisboa: Coimbra, 2000, p.227. 108 BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal anotada, p.69.

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cuja abrangência é maior do que a generalidade de uma norma particularmente tomada.

Na ordem jurídica frente o exposto pode-se afirmar que o

princípio é maior do que a norma específica. Vale citar o conceito de princípio

encontrado no Dicionário Brasileiro Globo109, assim segue:

Princípio: Ato de principiar; momento em que alguma coisa tem origem; início; começo; causa primária; razão fundamental; base; [...] o princípio da vida [...] regras fundamentais e gerais. (Do latim principiu).

O contido no dicionário vem apenas clarear que os

princípios serão sim o começo de tudo, então na falta de dispositivo legal os

mesmos poderão ser utilizados para a solução de conflitos.

No que diz respeito aos problemas que surgirão e a falta

de regras para a solução dos mesmos, Guerra Filho110 traz que:

Os princípios jurídicos fundamentais, dotados também de dimensões ética e política, apontam a direção que se deve seguir para tratar de qualquer ocorrência de acordo com o direito em vigor, caso ele não contenha uma regra que a refira ou que a discipline suficientemente.

Com isto vislumbra-se que os princípios fundamentais,

são dotados de validades positivas para a solução de problemas jurídicos

quando surgirem e que não há outra forma de solução, senão recorrer aos

mesmos já que as leis não poderão ajudar.

No sentido ainda de privilegiar os direitos fundamentais

surge oportuno o comentário de Rosa111 quando assim dispõe:

109 FERNANDES, Francisco. LUFT, Celso Pedro; GUIMARÃES, F. Marques. Dicionário Brasileiro Globo . 110 GUERRA FILHO, Willis Santiago; PEREIRA, Ana Cláudia Távora. Dos direitos humanos aos direitos fundamentais, p.16. 111 ROSA, Alexandre Morais da. O que é Garantismo Jurídico?: (teoria geral do direito). Florianópolis: Habitus 2003, p.32.

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Assim é que os Direitos Fundamentais, por um lado, indicam obrigações positivas ao Estado no âmbito social, e de outro, limitam negativamente a atuação estatal, privilegiando a liberdade dos indivíduos, jamais alienados pelo pacto social.

Percebe-se assim que os direitos fundamentais por

preservarem os princípios constitucionais fundamentais, trazem consigo os

valores considerados principais na ordem jurídica de um Estado Democrático

de Direito.

2.2.1 Princípio da proporcionalidade

Ao analisar o princípio da proporcionalidade, como o

próprio nome já expressa deverá ser dada à devida proporção nas decisões

que serão tomadas por aqueles os quais são encarregados da aplicação da lei

penal no Brasil.

O princípio da proporcionalidade está assim para garantir

àquela que traz em seu ventre um ser com anomalias que são incompatíveis

com a vida extra-uterina, então frente a tal princípio está resguardado o direito

da mãe em pleitear e ter em seu favor a concessão do aborto daquele ser que

nascerá, mas que já é sabido que não vingará.

O princípio da proporcionalidade como bem esclarece

Viviani112 em sua dissertação ao citar Paulo Bonavides traz que:

O princípio da proporcionalidade, também denominado de proibição de excesso e, nos Estados Unidos da América, razoabilidade, embora com aplicação clássica no direito Administrativo, tem sido estudado e aplicado contemporaneamente no campo do Direito Constitucional.

Diante disto, nota-se que o princípio da proporcionalidade

terá outras diferentes denominações, contudo, há neste trabalho que adotar

112 VIVIANI, Maury Roberto; LEAL, João José; CRUZ, Paulo Márcio. Aspectos controvertidos do crime de aborto: a atualização judicial e o conflito de direitos fundamentais da gestante e do nascituro, ano 2000. 132 f. Dissertação (Mestrado em ciência jurídica) – Universidade do Vale do Itajaí. Itajaí, 2002, p. 118.

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apenas o nome de princípio da proporcionalidade deixando assim de lado os

demais.

Nunes113, em sua obra destaca a falta de uma previsão

expressa deste princípio no ordenamento brasileiro, mas que é intrínseco dos

documentos jurídico que visa à instituição do Estado Democrático de Direito,

veja:

O Texto Constitucional brasileiro não apresenta previsão expressa a respeito do princípio da proporcionalidade, como fazem as constituições de outras nações. Todavia, isso não impede seu reconhecimento, uma vez que, como se verá ele é imposição natural de qualquer sistema constitucional de garantias fundamentais. Na realidade, o principio da proporcionalidade é elemento intrínseco essencial de qualquer documento jurídico que vise instituir um Estado de Direito Democrático, o qual, por essência obrigatória, baseia-se na preservação de direitos fundamentais.

O princípio da proporcionalidade encontra-se então

inserido no rol dos princípios fundamentais do direito, assim sendo vem com a

premissa114 de ter sede constitucional115 bem como já faz parte da

jurisprudência e doutrina nacionais116.

O princípio ora estudado tem revelado através dos

tempos que se faz necessário para a comunidade e que sua importância é

enorme, veja o comentário de Barros117 a respeito deste princípio.

[...] tem fundamental importância na aferição da constitucionalidade de leis interventivas na esfera de liberdade humana, porque o legislador, mesmo perseguindo fins

113 NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2002, p.41. 114 BARROS, Suzana de Toledo. O principio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritas de direitos fundamentais, p. 24. 115 BARROS, Suzana de Toledo. O principio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritas de direitos fundamentais, p. 24. 116 BARROS, Suzana de Toledo. O principio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritas de direitos fundamentais, p. 24. 117 BARROS, Suzana de Toledo. O principio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritas de direitos fundamentais, p. 23.

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estabelecidos na Constituição e agindo por autorização desta, poderá editar leis consideradas inconstitucionais, bastando para tanto que intervenha no âmbito dos direitos com a adoção de cargas coativas maiores do que as exigíveis à sua efetividade.

Nota-se desta forma que o princípio ora estudado, vem

para delimitar as ações dos representantes do Estado, agindo assim de tal

forma que permitam que o Estado interfira nos direitos das pessoas de tal

maneira que estas possam suportar esta intervenção, pois não foi em demasia.

Destarte Viviani118, em sua dissertação destacando os

ensinamentos de Paulo Bonavides faz a seguinte menção:

O referido princípio [...] conclama a que não seja este princípio objeto apenas da doutrina e a reflexão, mas introduzido no uso jurisprudencial, lembrado o princípio da proporcionalidade já se encontra recepcionado, portanto, positivado, no ordenamento constitucional brasileiro, em algumas normas constitucionais (ex.: incisos V, X e XXV do art. 5º, inciso IX do art. 37, dentre outros).

Claro fica que quer o Estado, quer o próprio indivíduo só

poderão agir em resposta a algo na medida em que foram ofendidos em seus

direitos ou princípios fundamentais.

Vide assim os ensinamentos de Barros119, ainda na esfera

do princípio da proporcionalidade como controle efetivo das leis, desta maneira

destaca em sua obra:

A ‘descoberta’ do princípio da proporcionalidade, além de viabilizar um efetivo controle das leis, por permitir detectar situações inconstitucionais menos flagrantes, fornece ao juiz um instrumental prático inigualável quando se trata de justificar

118 VIVIANI, Maury Roberto; LEAL, João José; CRUZ, Paulo Márcio. Aspectos controvertidos do crime de aborto: a atualização judicial e o conflito de direitos fundamentais da gestante e do nascituro, p. 119. 119 BARROS, Suzana de Toledo. O principio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritas de direitos fundamentais, p. 27.

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uma excessiva intervenção do legislador na seara dos direitos individuais.

Clareia-se desta forma que em se tratando de situações

que por ventura fujam daquelas que estão previstas nos ordenamentos

jurídicos, poderá sim o legislador agir de forma proporcional para beneficiar o

cidadão que o procura para fazer valer seus direitos.

Frente ao princípio ora estudado e ao princípio do direito à

vida, verifica-se que o direito da mulher deve-se sobrepor ao daquele ser que

possui enquanto no útero uma mera expectativa de direitos, já que ainda não

nasceu, vez que a lei pátria considera que houve o nascimento com vida no

momento em que houve a respiração.

Como o objeto deste trabalho é a possibilidade do aborto

frente aos casos onde se comprova que o ser que está por nascer não possui

cérebro, está aqui então à autorização para o legislador para permitir que a

mãe pratique assim um aborto.

Se diante do fato de uma gestação resultante de estupro

a legislação permite que se faça o aborto respeitando desta forma o direito da

mulher de não carregar em suas entranhas um ser decorrente de um ato brutal,

há então que se respeitar que em casos de fetos anencéfalos este mesmo

direito seja dado àquela que tem em seu ventre uma criatura que é sabido que

não sobreviverá.

2.2.2 Princípio da dignidade da pessoa humana

Deste momento em diante o estudo será direcionado ao

que diz respeito à dignidade da pessoa humana. Observa-se assim que tal

instituto é único daqueles nascidos de mulher, conforme os estudos realizados.

Então antes mesmo de se respeitar o direito daquele que

já foi gerado, mas ainda não concebido, deverá, todavia ser respeitado o direito

da mulher de alimentar a esperança de dar à luz a uma criança que, apesar da

possibilidade de nascer com problemas, sobreviva por um longo tempo, o que

não ocorrerá com o bebê anencéfalo.

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Destaca-se assim o comentário de Sarlet120, que ao

construir sua concepção parte da natureza racional que o ser humano possui,

quando em sua obra traz que:

Kant sinala que a autonomia da vontade, entendida como a faculdade de determinar a si mesmo e agir em conformidade com a representação de certas leis, é um atributo apenas encontrado nos seres racionais, constituindo-se no fundamento da dignidade da natureza humana.

Nota-se que na época de Kant, o mesmo já trazia que a

dignidade da pessoa humana é apenas encontrada no homem, por ser este um

racional, mas, no entanto, deve viver em conformidades com as diretrizes do

local onde se encontrem.

O princípio em questão não é de todos exclusivo dos

brasileiros, já que inserido em diversos outros ordenamentos jurídicos como

bem afirma Bulos121, vide suas explicações:

A propósito, insta lembrar que a constitucionalização da dignidade da pessoa humana vem plasmada em diversos ordenamentos jurídicos mundiais, o que comprava que o homem é o centro, fundamento e fim das sociedades contemporâneas. [...] A dignidade do homem é intangível. Respeitá-la e protegê-la é obrigação de todo poder público.

Com isto fica claro que em todos os demais

ordenamentos de lei, terão eles a preocupação maior com este princípio

tratado aqui como a dignidade da pessoa humana.

Ainda relacionado ao princípio da dignidade humana,

através do comentário de Coutinho122, fica evidenciado que com o advento da

Constituição Federal de 1988, buscar-se-á a reaproximação daquilo que é

direito com aquilo que é ética, vislumbra-se o pensamento do mesmo: 120 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 5 ed. rev.,. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p.33. 121 BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal anotada, p.82. 122 COUTINHO, Luiz Augusto. Aborto em casos de anencefalia: Crime ou inexigibilidade e conduta diversa? Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 617, 17 mar. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6423> Acesso em 04 jan. 2007.

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Também é cediço que a dignidade humana foi alçada ao centro dos sistemas jurídicos contemporâneos, podendo-se afirmar que a Carta Política de 1988, se integra ao movimento político pós-positivista que busca a reaproximação entre o direito e a ética, afastando-o por conseqüência da religião (secularização), afinal Direito é Direito, Religião é Religião e Dogma é Dogma.

Diante da dignidade da vida humana é de bom grado o

comentário de Penteado123, relacionado ao ponto de partida em face deste

princípio fundamental, assim escreve que:

Como ponto de partida, vamos considerar a grande dignidade da vida humana, do ser humano, a dignidade inviolável da pessoa humana em comparação com todos os outros seres que povoam o universo.

Frente à magnitude da vida humana e tendo observado

que muitos outros ordenamentos já traziam esta garantia aos homens o

legislador brasileiro estabeleceu que este princípio encontrasse previsão legal

na Constituição Brasileira de 1988 no artigo 1º, inciso III, veja a seguir:

Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de direito e tem como fundamentos:

[...]

III – a dignidade da pessoa humana;

É de grande valia as anotações de Bulos124, mostrando o

seguinte a cerca do princípio da dignidade da pessoa humana:

A dignidade da pessoa humana é o valor constitucional supremo que agrega em torno de si a unanimidade dos demais

123 PENTEADO, Jacques de Camargo. A vida dos direitos humanos: bioética médica e jurídica, p.191. 124 BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal anotada, p.81.

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direitos e garantias fundamentais do homem, expressos nesta Constituição. Daí envolver o direito à vida [...].

Nota-se que o autor traz que o princípio em questão

sendo valor constitucional, irá trazer para si outros direitos e garantias que são

fundamentais ao homem, sendo que alguns expressos na Constituição serão

respeitados por todos, no entanto outros inerentes a condição humana estão

por todos esquecidos.

Compartilhando da mesma linha de pensamento Cretella

Júnior125, presenteia a todos com a seguinte afirmação:

O ser humano, o homem, seja de qual origem for, sem discriminação de raça, sexo, religião, convicção política ou filosófica, tem direito a ser tratado pelos semelhantes como “pessoa humana”, fundando-se, o atual Estado de direito, em vários atributos, entre os quais se inclui a “dignidade” do homem, repelido, assim como aviltantes e merecedor de combate qualquer tipo de comportamento que atente contra esse apanágio do homem.

Evidencia-se fica então que não poderá haver a

discriminação daqueles nascidos de mulher por parte de seus semelhantes.

Mas é de bom grado o comentário de Bastos126 quando relata em sua obra:

É de lembrar, contudo que a dignidade humana pode ser ofendida de muitas maneiras. Tanto a qualidade de vida desumana quanto a prática de medidas como a tortura, sob todas as suas modalidades, podem impedir que o ser humano cumpra na terra a sua missão, conferindo-lhe um sentido.

Quando Bastos em seus ensinamentos diz que “a vida

humana pode ser ofendida de muitas maneiras”, não se pode deixar de lembrar

o objeto de estudo deste trabalho que é o aborto, logo se esta falando da

dignidade humana daquele ser que ainda não nasceu, mas que se espera que

125 CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários à Constituição Brasileira de 1988, p. 139. 126 BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra da Silva. Comentários à Constituição do Brasil: (promulgada em 5 de outubro de 1988). 2 ed. rev. atua. São Paulo: Saraiva 2001, p. 472-473.

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nasça e que tenha vida. Também em concorrência com o nascituro está o

direito da mãe, pois ela também tem a sua dignidade que deve ser observada.

Após tais citações fica evidenciado que o Estado

salvaguardou em sua Lei Maior o princípio fundamental que é a Dignidade da

Pessoa Humana, apesar disto impor obrigações para com o indivíduo, quis ele

que as pessoas mantivessem entre si o respeito mútuo.

Assim, frente a uma gravidez onde se comprova que o

feto não possui condições de sobreviver fora do útero materno, para àquela

que o carrega deverá ser concebido a permissão para abortar, respeitando

assim o seu direito enquanto pessoa.

Ao encerar o segundo capítulo desta obra evidencia-se

que entre todos há de se sobressair o direito à vida dos seres humanos,

conclui-se ainda que este direito deva ser mantido frente à possibilidade de se

ter uma vida digna e que possa ser vivida em sua plenitude.

Que este ser humano estando para nascer, ao vir ao

mundo, possa exercer livremente o direito de ir e vir que acompanha o direito a

vida, logo, de que adiantaria salvaguardar o direito a vida do nascituro, pois é

sabido que é um ser que não apresentará as mínimas condições de sobrevida

no pós parto, o que ficará evidenciado no capítulo final desta obra.

Ainda vislumbrou-se em favor da mulher, que estando

grávida e alimentando a expectativa de dar à luz a uma criança que com o

passar dos anos, apesar de ter certas deformidades, ainda poderá sobreviver,

mas no caso em tela onde o feto sendo anencéfalo já é sabido que o mesmo

não terá nenhuma expectativa de vida, então por que não conferir a mulher a

sua dignidade enquanto pessoa humana de poder decidir pela prática do

aborto?

O encerrar o segundo capítulo resta lembrar ao leitor que

no terceiro será estudado aquelas que são formas legalizadas do aborto

previstas no Código Penal Brasileiro, o termo eugênico e anencefalia e outros.

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Capítulo 3

DAS ESPÉCIES LEGALIZADAS DE ABORTO

3.1 DAS FORMAS LEGALIZADAS DO ABORTO

Efetuadas as pesquisas e considerações sobre o que é o

aborto no Brasil, que está claro ser crime ainda no Direito Penal Brasileiro, de

outro lado neste momento da monografia chama-se para objeto de pesquisa as

regras ou normas penais permissivas do aborto, a fim de verificar-se sobre o

aborto específico que é o anencefálico, no sentido de estar ou não este

tutelado por estas referidas excludentes de ilicitude a partir daqui estudadas.

Após a análise das formas de aborto que são repudiadas

pela sociedade e previstas na norma penal como crime, cabe neste momento

analisar aquelas em que são consideradas pela lei brasileira como sendo legal,

logo se diz das formas em que poderá ocorrer sendo amparado pela lei.

Já foi evidenciado na primeira parte deste trabalho, que

aborto nada mais é que a interrupção de uma gravidez com a conseqüente

expulsão ou não do feto pelo útero materno, já que o organismo feminino

possui a capacidade de dissolvição, reabsorvição, mumificação do feto.

O Código Penal em sua parte especial no Título I, Dos

Crimes Contra a Pessoa, no Capítulo I, Dos Crimes contra a Vida, encontra-se

o artigo 128 que será objeto de análise nesta fase do trabalho.

3.1.1 Aborto necessário ou terapêutico

O aborto necessário, também conhecido e chamado de

aborto terapêutico. Veja como vem disposto no artigo 128 do Código Penal, isto

em sua primeira parte:

Art. 128. Não se pune o aborto praticado por médico:

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Aborto necessário

I – se não há outro meio de salvar a vida da gestante;

Diante do citado artigo há de serem trazidos para exame

alguns conceitos e entendimentos de autores diversos para um melhor

esclarecimento do assunto em questão, assim segue.

No entendimento de Damásio de Jesus127, diz-se que “o

aborto necessário só é permitido quando não há outro meio para salvar a vida

da gestante”. Evidenciado fica então que poderá ser praticado o aborto apenas

quando a vida da gestante estiver em risco, desde que não haja outro meio que

possa ser utilizado para salvar a vida de mulher que está em estado

interessante.

Ainda sobre o prisma do artigo 128 do Código Penal

Capez128 tem o seguinte posicionamento:

É a interrupção da gravidez realizada pelo médico quando a gestante estiver correndo perigo de vida e inexiste outro meio para salvá-la. Consoante a doutrina, trata-se de espécie de estado de necessidade, mas sem a exigência de que o perigo de vida seja atual.

Mirabete129 entende que haverá a exclusão do crime de

aborto se considerado necessário ou terapêutico, assim é o seu entendimento:

Caracteriza espécie de estado de necessidade, em que se elimina a vida fetal em favor da vida da gestante. O dispositivo é necessário porque, na hipótese, é dispensada a necessidade da atualidade do perigo. Havendo perigo para a vida da gestante, o aborto esta autorizado.

127 JESUS, Damásio E. de. Direito penal, volume 2: parte especial: dos crimes contra a pessoa e dos crimes contra o patrimônio, p.128. 128 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, parte especial: dos crimes contra a pessoa a dos crimes contra o sentimento religioso e contra o respeito aos mortos (arts. 121 a 212), p 124. 129 MIRABETE, Júlio Fabbrini.Código penal interpretado: texto atualizado de acordo com as leis nº 9.983, de 14-7-2000, 10.028, de 19-10-2000, e 10.224, de 15-05-2001, 10.268, de 28-8-2001 e 10.467, de 11-6-2002, p. 1000.

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Acerca do aborto necessário, Noronha130 vem contribuir

da seguinte maneira:

Ocorre este quando a interrupção da prenhez é absolutamente necessária, para se evitar perigo fatal à vida da gestante. É mister que haja risco de vida e não apenas dano à saúde ou higidez da mulher. Enfermidades que esta apresente ou que apareçam durante a gravidez; defeitos ou má conformação da grávida etc.

O posicionamento de Teles131, no que se refere ao aborto

necessário é de grande importância, já que ressalta o choque de direitos

existentes entre a vida da mãe e a do feto, veja o que diz sobre o assunto:

Na realidade dura da vida, às vezes, instala-se uma situação concreta de choque entre a vida da gestante e a vida do ser em formação. Por mais avançada que esteja a medicina moderna, por mais evoluídas que estejam as técnicas de proteção à saúde, ainda assim pode acontecer de, no curso da gravidez, entrar a vida da gestante em rota de colisão com a vida do ser humano em formação, de tal modo que pode ser impossível salvar as duas.

Fica nítido então que poderá ser praticado o aborto, vez

que a gestação pode pôr em risco a vida da gestante, mas este aborto poderá

tão somente ser praticado por médico e apenas se não houver outro meio de

pôr a salvo a vida materna.

3.1.2 Aborto sentimental

Para alguns, aborto ético para outros sentimental, mas há

de ser adotado apenas a expressão sentimental para o aborto resultante de

estupro que, todavia também é permitido no Código Penal. Assim vem

expresso o inciso II do artigo 128 do Código Penal132:

130 NORONHA, E Magalhães. Direito penal, Dos crimes contra a pessoa. Dos crimes contra o patrimônio, p.58. 131 TELES, Ney Moura. Direito penal: parte especial: volume 2: arts. 121 a 212, p 182 132 BRASIL. Código penal / obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antonio Luiz de Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes, p. 79.

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Art. 128. Não se pune o aborto praticado por médico:

I – [...]

Aborto no caso de gravidez resultante de estupro

II – se a gravidez resulta de estupro e o aborto é praticado de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.

Esta é mais uma modalidade em que é permitida a prática

do aborto, pois como o próprio inciso diz trata-se da gravidez oriunda de

estupro, todavia há de haver o consentimento da mulher gestante e ainda

quando incapaz a permissão recairá sobre o seu representante legal.

Noronha133, em seus estudos sobre o aborto sentimental

traz que:

Defendem-no uns, dizendo não ser humano se imponha à mulher trazer nas entranhas um ser que não é gerado pelo amor, que só lhe recorda o momento de pavor que viveu, como desumano também será impor-lhe alimente e crie esse ente.

Mirabete134 vem contribuir neste estudo com a lição de

que o médico deve-se assegurar se houve realmente o estupro antes de

praticar o aborto, assim são os seus ensinamentos:

A lei não se refere à necessidade de qualquer prova a respeito do estupro, mas a cautela manda que o médico, antes de realizar o aborto, procure certificar-se, dentro do possível, de sua ocorrência. No caso de menor de 14 anos, como a conjunção carnal é presumidamente estupro, suficiente a prova de idade da gestante.

133 NORONHA, E Magalhães. Direito penal, Dos crimes contra as pessoas, dos crimes contra o patrimônio, p.60. 134 MIRABETE, Julio Fabbrini, Código penal interpretado: texto atualizado de acordo com as leis nº 9.983, de 14-7-2000, 10.028, de 19-10-2000, e 10.224, de 15-05-2001, 10.268, de 28-8-2001 e 10.467, de 11-6-2002, p. 1001.

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Neste mesmo sentido Capez135 vem contribuir com o

seguinte ensinamento:

O médico, para realizar o aborto, ao contrário do aborto necessário ou terapêutico, necessita do prévio consentimento da gestante ou do seu representante legal. A lei não exige autorização judicial, processo judicial ou sentença condenatória contra o autor do crime de estupro para a prática do aborto sentimental, ficando a intervenção a critério do médico. Basta prova idônea do atentado sexual (...). No tocante à gravidez decorrente de estupro ficto, como a conjunção carnal realizada com menor de 14 anos, basta a prova dessa conjunção carnal.

Assim, quando houver solicitação para que seja praticado

um aborto onde a gravidez é resultado de estupro o médico deverá então ter

certos cuidados para não estar atendendo a certos caprichos de algumas

mulheres que frente a mais uma gravidez não sabem o que fazer.

Haverá, então, os casos onde não ocorrendo à conjunção

carnal, houve como resultado a gravidez, pois ocorreu o tipo descrito no artigo

214 do CP136, onde trata do atentado violento ao pudor, nota-se:

Art. 214. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal:

Pena – reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.

Desta maneira, Teles137 entende que mesmo nos casos

em que não houve a conjunção carnal, mas ocorreu o atentado violento ao

pudor previsto no artigo supracitado, poderá assim também haver uma

gravidez. Veja o seu posicionamento a respeito do assunto:

135 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, parte especial: dos crimes contra a pessoa a dos crimes contra o sentimento religioso e contra o respeito aos mortos (arts. 121 a 212), p 126-127. 136 BRASIL. Código penal / obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antonio Luiz de Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes, p. 104. 137 TELES, Ney Moura. Direito penal: parte especial: arts. 121 a 212, p. 185

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Sendo a gravidez originada de ação violenta, moral ou fisicamente, equivalente à conduta do estupro, não há razão para não se aplicar não se aplicar a analogia in bonnam partem. Não é comum que uma mulher engravide sem conjunção carnal, mas é possível que a gravidez decorra de atos libidinosos outros, a partir dos quais haja a fecundação.

Com isto os autores deixam claro que, sendo a gravidez

resultado, quer de estupro onde houve a conjunção carnal ou atos libidinosos

diversos, o aborto poderá ser praticado com o amparo legal.

No entanto, também estabelecem que deva haver o

consentimento da gestante, bem como, sendo menor, débil ou alienada a

autorização ficará a cargo de seu representante legal.

Sendo vítima de estupro ou que consigo tenha sido

praticado ato libidinoso diverso da conjunção carnal, estará neste caso também

a lei autorizando a prática abortiva, pondo fim assim àquela gravidez.

3.2 O PROFISSIONAL DA SAÚDE E O ABORTO

O aborto sendo considerado necessário ou sentimental

pode ser praticado, quer para assegurar a vida da gestante, quer para não

deixá-la carregar em seu ventre um produto que foi gerado por um ato violento

que é o estupro, logo é de grande importância analisar por quem pode ser

praticado.

No caput do artigo 128 do CP, nota-se com clareza quem

pode praticá-lo, uma vez que traz consigo a seguinte expressão: “praticado por

médico", assim sendo se há permissão para a prática do aborto seja

sentimental ou terapêutico, isto só poderá se dar por um profissional habilitado

para tal, ou seja o médico.

Vide o posicionamento de Mirabete138 ao citar Adriano

Marrey quando trata deste assunto:

138 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal, p. 99.

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[...] depende o aborto necessário do consentimento da gestante, pois não se equipara à intervenção cirúrgica, que pode ser levada a efeito contra a vontade do paciente, mas na verdade o médico não necessita do consentimento para intervir, já que a este somente se refere o inciso II. Cabe ao médico decidir sobre a necessidade do aborto a fim de ser preservado o bem jurídico que a lei considera mais importante (a vida da mãe) em prejuízo do bem menor (a vida intra-uterina).

Nos casos em que for praticado o aborto por pessoa que

não seja o médico, Teles139 entende e ensina da seguinte maneira:

[...] a lei só justifica o aborto necessário quando praticado por médico. Não sendo médico o agente, mas estando presentes a situação de perigo para a vida da gestante e a inevitabilidade da interrupção da gravidez, qualquer pessoa poderá provocar o aborto, sendo sua conduta justifica pela norma do art. 23, I, do Código Penal: estado de necessidade, desde que presentes os demais pressupostos desta excludente de ilicitude.

Desta forma, fica compreendido então que sob o estado

de necessidade então, o aborto poderá ser praticado por outra pessoa, no

entanto a mesma responderá de acordo com o artigo 23, I do CP.

É também de acrescentar que a enfermeira poderá

participar do ato em que põe fim à vida intra-uterina, desta forma compreende

Damásio de Jesus140 que:

Tratando-se de aborto necessário, em que não há outro meio de salvar a gestante, não responde por delito. Não por causa do art. 128, uma vez que esta disposição só permite a provocação por médico. Na hipótese, a enfermeira é favorecida pelo estado de necessidade previsto no art. 24 do estatuto penal, que exclui a ilicitude do fato. No caso do aborto sentimental, porém, a enfermeira responde pelo delito, uma vez que a norma permissiva faz referencia expressa à qualidade do sujeito que pode ser favorecido: deve ser médico.

139 TELES, Ney Moura. Direito penal: parte especial: arts. 121 a 212, p.183. 140 JESUS, Damásio E. de. Direito penal, volume 2: parte especial: dos crimes contra a pessoa e dos crimes contra o patrimônio, p. 128.

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Fica evidente então que sendo a enfermeira que por si só

realiza o aborto, não se fazendo presente nenhum perigo de vida da gestante e

nem sob o estado de necessidade, a mesma então responderá pela prática do

crime de aborto.

No entanto, sendo a enfermeira apenas aquela que auxilia

o médico no aborto, não responderá assim por crime, desde que o médico

esteja amparado pela lei. Este é o posicionamento de Mirabete141 quando

afirma que “a pessoa que auxilia o médico não responde por crime de aborto

porque o fato não é criminoso”.

3.3 DO ABORTO EUGÊNICO (OU EUGENÉSICO)

Nos dias atuais não há que passar despercebido os casos

em que mães buscam na justiça o direito de abortar um feto, que apesar de

esperado e desejado, estas mulheres não querem e não desejam levar a

gravidez a termo.

Essas mulheres sabem que o feto que possuem em suas

entranhas, sendo portador de tais anomalias, não poderá por si só sobreviver

e, isto não se dará por mais de alguns minutos, horas ou no máximo talvez

alguns dias, assim tal “criança” não é e nem nunca será um ser humano viável

por inexistência do cérebro.

Na difícil decisão de por termo àquela gravidez, mulheres

encontram na lei a primeira barreira, pois esta mesma que diz que todos

possuem o “direito da dignidade humana”,não a ampara frente àquela prenhez,

onde já é sabido que aquele ser virá ao mundo, no entanto, não há de

sobreviver.

Buscam então o direito de também poderem abortar, mas

este tipo de aborto não é permitido na lei pátria, trata-se pois, do chamado

aborto eugênico ou eugenésico. Por que tal gestante está obrigada a passar

141 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal, p. 99.

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pelo parto, ter seus instintos e efeitos maternos concretizados, sabendo que

são em vão, gerando danos e traumas irreparáveis a essas mulheres.

Tem-se que a idéia do aborto eugênico é decorrente do

nazismo de Hitler, uma vez que nesta época foi muito difundido com o intuito

da busca pela “raça pura”, como se observa nas citações de Fernandes142,

nota-se então que:

O aborto eugênico esteve em vigor na época de Hitler, na Alemanha, pela Lei de 14 de julho de 1933. Destinava-se a evitar uma descendência anormal. O fundamento essencial repousava nos “tribunais de saúde”. Tal legislação deixou de ser aplicada ao desapareceram os tribunais já referidos.

Nota-se então, e é de conhecimento de todos, que Hitler

buscava a perfeição da raça, assim lançava mão através das pessoas que

compartilhavam dos seus ideais de práticas absurdas, em nome da “raça pura”.

Assim descreve Belo143 sobre o pensamento nazista

existente naquela época:

O pensamento nazista, como todos sabem, se dirigia a impedir a propagação de qualquer tipo de ‘degenerados’, tais como débeis mentais, alcoólatras, criminosos, ou seja, de todas as pessoas indesejadas na sociedade ariana. É o denominado “princípio da eliminação dos indesejáveis.

Eliminando os indesejáveis, Hitler estaria assim, já

naquele tempo, eliminando aquilo que considerava um “problema” daquela

sociedade.

Noronha144 vem contribuir para o entendimento do que

então seria o aborto eugenésico, assim bem esclarece a cerca do assunto o

autor:

142 FERNADES, Paulo Sérgio Leite. Aborto e infanticídio, legislação, jurisprudência e prática. Belo Horizonte: Nova Alvorada Edições Ltda., 1996, p. 56. 143 BELO, Warley Rodrigues. Aborto: considerações jurídicas e aspectos correlatos, p 79.

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Ocorre esta espécie quando há sério e grave perigo para o filho, seja em virtude de predisposição hereditária, seja por doenças da mãe, durante a gravidez, seja ainda por defeito de drogas por ela tomadas, durante esse período, tudo podendo acarretar para aquele enfermidades psíquicas, corporais, deformidades etc.

Noronha, ao explicar o que vem a ser o aborto eugênico

deixa claro que a má formação do feto dá-se não apenas em virtude de uma

pré-disposição hereditária, como também por ter a mãe feito uso de drogas

durante a gravidez, assim a criança nasceria com diversas deformidades o que

não se restringiria ao seu psiquismo.

Fernandes145, ainda traz como definição de aborto

eugênico, como sendo “aquele praticado na presunção de que o filho herdaria

dos pais doenças ou anormalidades físicas ou mentais”.

Capez146, em sua obra conceitua este aborto como

“aquele realizado para impedir que a criança nasça com deformidade ou

enfermidade incurável”, nota-se então que o autor ao usar a expressão

“incurável” já compreende que àquelas crianças que nascerão não terão a

oportunidade de ter uma vida digna.

Esta espécie de aborto não é contemplada na legislação

brasileira, uma vez que não está expressa nos casos do artigo 128 do Código

Penal.

144 NORONHA, E Magalhães. Direito penal, dos crimes contra a pessoa, dos crimes contra o patrimônio, p.62. 145 FERNADES, Paulo Sérgio Leite. Aborto e infanticídio, legislação, jurisprudência e prática, p. 56. 146 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, parte especial: dos crimes contra a pessoa a dos crimes contra o sentimento religioso e contra o respeito aos mortos (arts. 121 a 212), p 127.

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Vem para contribui com este estudo, Mirabete147, que

além de esclarecer mais uma vez o que vem a ser o aborto eugênico, traz

também que este não é permitido pela lei brasileira, observe:

Não prevê a lei a exclusão da ilicitude do aborto eugênico (ou eugenésico, ou eugenético, ou piedoso), que é executado ante a prova ou até suspeita de que o filho virá ao mundo com anomalias graves ou fatais (anencefalia ou acrania, p. ex.), embora haja movimentos, a nosso ver totalmente justificados, em favor da legalização dessa prática.

Tais doutrinadores deixam claro que esta espécie de

aborto não é admitida na lei brasileira, como bem se observa no artigo 128 do

Código Penal onde trata das possibilidades em que pode o aborto ser praticado

e não contempla ali os casos de aborto eugênico, bem como também os casos

de aborto de anencefálos.

Embora Mirabete acredite que os movimentos em favor

do aborto são totalmente aceitos, já que são justificados em favor da

legalização do aborto para os casos em estudo, pois não se está cerceando o

direito da mãe em dar à luz, mas que essa possa dar à luz a uma criança em

que ela sabe que sobreviverá bem mais que algumas horas.

3.3.1 Má formação congênita (Anencefalia)

O aborto decorrente da má formação congênita,

anencefalia, é mais um dos casos de aborto proibido no Brasil, ou seja, não

encontra amparo no artigo 128 do Código Penal, desta forma então sua prática

é ilegal neste país.

Para uma melhor compreensão do que seria o termo

anencefálos, cabe lembrar que a medicina brasileira já dispõe de meios

147 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código penal interpretado: texto atualizado de acordo com as leis nº 9.983, de 14-7-2000, 10.028, de 19-10-2000, e 10.224, de 15-05-2001, 10.268, de 28-8-2001 e 10.467, de 11-6-2002, p. 1002.

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modernos para um diagnóstico preciso sobre as condições do feto em fase

intra-uterina. Veja o que diz Thomaz Rafael Gollop ao ser citado por Macedo148:

O diagnóstico pré-natal (DPN) de anomalias fetais foi uma aquisição incorporada à medicina na década de 50 nos países desenvolvidos, e iniciada no Brasil no final dos anos 70. Nos últimos anos desenvolveu-se uma nova área multidisciplinar de atuação, denominada Medicina fetal, que incorporou às técnicas de diagnóstico as possibilidades de terapêutica intra-uterina.

Desta maneira, não seria qualquer exame que poderia

servir de base para a realização do aborto pelo médico, mas sim exames

capazes de diagnosticar com precisão a anomalia presente naquele feto em

fase uterina.

Nos dias atuais mulheres lutam não para abortar fetos

com uma simples e má formação física, mas sim, o aborto daqueles que

comprovadamente não possuem cérebro e desta forma não sobreviverão por

muito tempo após o parto.

Se tais fetos comprovadamente não possuem cérebro,

verifica-se estar diante dos chamados anencefálos. Para melhor

esclarecimento sobre o que seria a anencefalia cabe ainda a explanação de

Dafne Horovits, médica geneticista citada por Macedo149 em sua publicação,

veja:

A anencefalia trata-se de uma anomalia diagnosticável, porém, não possui nenhuma explicação plausível para justificar sua origem, sabendo-se, apenas, que o feto não apresenta abóbada craniana e os hemisférios cerebrais ou não existem, ou se apresentam como pequenas formações aderidas à base do crânio. A anencefalia é fatal em 100% dos casos.

148 MACEDO, Marcos Jorge Ferreira de; LEAL, Rodrigo. A anencefalia e o crime de aborto – exclusão de ilicitude via autorização judicial – uma real possibilidade no Brasil. Título do periódico: Novos Estudos Jurídicos, Itajaí, Univali v. 10, n. 2, publicada em jul/dezembro 2005, p 90. 149 MACEDO, Marcos Jorge Ferreira de; LEAL, Rodrigo. A anencefalia e o crime de aborto – exclusão de ilicitude via autorização judicial – uma real possibilidade no Brasil. Título do periódico: Novos Estudos Jurídicos, Itajaí, Univali v. 10, n. 2, publicada em jul/dezembro 2005, p 91.

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Desta maneira, fica evidente que os fetos que não

possuem cérebro, os ditos anencefálos, não têm nenhuma expectativa de

sobre vida após o parto, logo, não é correto deixar que a mulher tenha em seu

ventre uma criatura que embora gerada com amor, está se transformando em

um transtorno evidente e que não irá viver.

Veja o que diz o professor Dalton Luiz de Paula Ramos150

no que se refere ao tempo de vida de fetos anencefálos e quanto a sua

expectativa de vida pós-parto:

Entre os recém-nascidos anencefálos nascem vivos 2 de cada 3 casos. Desses nascidos vivos cerca de 98% morrem ainda na primeira semana. Cerca de 1% sobrevivem até 3 meses; existem relatos na literatura cientifica de crianças que sobreviveram até um ano sem o auxílio de respiração artificial.

Logo, é de conhecimento de todos que os bebês

anencefálos não terão mais que meros minutos de vida, sendo exceção

àqueles que poderão sobreviver mais que uma semana, sendo que mais cedo

ou mais tarde todos hão de falecer.

É de muita importância a colocação de Mirabete151 ao

vislumbrar o aborto nos casos de anencefalia, cooperando assim com o

imediato esclarecimento:

Com o válido argumento de que não se deve impedir o aborto em caso de grave anomalia do feto, que o incompatibiliza com a vida, de modo definitivo, já se têm concedido centenas de alvarás judiciais para abortos em casos de anencefalia (ausência de cérebro), agenesia renal (ausência de rins), abertura de parede abdominal e síndrome e Patau (em que há problemas renais, gástricos e cerebrais gravíssimos).

Evidentemente não se pode deixar uma gravidez ir além

do tempo necessário que se levou para se ter o conhecimento das anomalias

150 RAMOS, Dalton Luiz de Paula. “Alguns esclarecimentos sobre os fetos anencéfalos” MONTFORT Associação cultural.http://WWW.montfort.org.br/idex.php?secao=veritas&subseção=ciência&artigo=esclarecimento_anencefalos&lag=bra. Online, 05/08/2007 às 17:59h. 151 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal, p. 100 - 101.

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presentes no feto, igualmente, não se pode punir uma mãe que apenas está

lutando para ver valer os seus direitos respeitados deixando-a livre para uma

futura e nova gravidez.

Ante ao exposto, tem-se então que a lei penal deste país

não faz menção favorável que seja mais uma excludente de ilicitude o aborto

decorrente de anomalia fetal incompatível com a vida, apenas proíbe.

No entanto, já houve neste país um anteprojeto, o qual

vislumbrava a Reforma do Código Penal, o qual foi elaborado pela comissão

que era presidida pelo então Ministro Nelson Hungria, tal projeto foi

apresentado no ano de 1963, vindo arrastando-se desde então.

No ano de 1997 o então Ministro Luiz Vicente

Cernicchiaro traz a tona novamente o Anteprojeto da Reforma do Código

Penal, elaborada agora por Comissão presidida por este Ministro, via-se a

necessidade de aumentar as hipóteses de permissão do aborto. Segundo

Teles152 o novo dispositivo seria da seguinte forma:

Não constitui crime o aborto provocado por médico, se I – não há outro meio de salvar a vida ou preservar de grave e irreversível dano a saúde da gestante; II – a gravidez resulta da prática e crime contra a liberdade sexual; III – há fundada probabilidade, atestada por dois outros médicos, de o nascituro apresentar graves e irreversíveis anomalias que o tornem inviável. § 1º Nos casos do inciso II e III e da segunda parte do inciso I, o aborto deve ser precedido de consentimento da gestante ou, e menor, incapaz ou impossibilitada de consentir, de eu representante legal, do cônjuge ou companheiro.

Assim a Revista Jurídica Consulex153 aborda o tema da

reforma do atual Código Penal Brasileiro:

Ao ampliar, com muita propriedade, as hipóteses de aborto legal, atendendo à melhor doutrina e em harmonia com a legislação mais evoluída, ao estatuir não constituir crime o

152 TELES, Ney Moura. Direito penal: parte especial: volume 2: arts. 121 a 212, p.187. 153 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Aborto: Feto com má formação congênita: Anencefalia. Revista Jurídica Consulex. Brasília. v.VIII, n.174, p.25.

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aborto praticado por médico, se há fundada probabilidade, atestada por dois outros médicos, de a criança apresentar graves e irreversíveis anomalias físicas ou mentais.

Desta forma, vislumbra-se que o Anteprojeto quer

adequar a lei, ou seja, o artigo 128 do Código Penal Brasileiro, que, da forma

como se encontra hoje, estaria ultrapassado. Visa proporcionar àquela mulher

gestante o direito ao aborto nos casos em que se verificar através de exames

próprios que o feto em seu ventre não sobreviverá por vários motivos.

Assim então, aquela comissão visava no que diz respeito

às mudanças no CP alterar o artigo 128, para poder estabelecer ali que os

casos de fetos anencefálos, seriam agora considerados necessário.

A Comissão não propunha que o aborto fosse liberado

assim para qualquer caso, apenas naqueles casos que ficasse então

comprovado e atestado por dois médicos que aquele ser apresentasse

anomalias tais que seu nascimento fosse inviável.

Pode se observar, então, que o Anteprojeto não traz a

imposição de que seja realizada a interrupção daquela gravidez, mas tem sim,

o intuito de excluir a criminalidade ao realizar ao por termo àquela gravidez

frente às anomalias apresentadas pelo feto.

Com estas mudanças não se busca a perfeição da raça

humana, mas, permitir que a mãe possa ter a seu lado o dispositivo de lei que

lhe permita “impedir o nascimento de um ser malformado, que não terá vida

digna e, em certos casos, nenhuma vida, por sua indiscutível inviabilidade” 154.

Assim sendo o anteprojeto não teria a finalidade de impor

a interrupção da gravidez, mas a de excluir a criminalidade caso fosse

praticado, estando agora sua prática de acordo com sua nova redação.

154 TELES, Ney Moura. Direito penal: parte especial: volume 2: arts. 121 a 212, p.187.

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Em seus estudos Cordeiros155 citando Luiz Flávio Gomes traz que:

Se até em caso de estupro, em que o feto está bem formado, nosso Direito autoriza o aborto, nada justifica que idêntica regra não seja estendida para o aborto anencefálico. Lógico que a gestante, por suas convicções religiosas, pode não querer o aborto. Mas isso constitui uma decisão eminentemente pessoal (que deve ser respeitada). De qualquer maneira, não pode impedir o exercício do direito ao abortamento para aquelas que não querem padecer tanto sofrimento.

Vislumbra-se que mais uma vez, o aborto em se tratando

de casos de anencefalia pode ser praticado, deixando ao livre arbítrio de

mulher de fazê-lo ou não. Mas ao trazer este posicionamento Cordeiro deixa

claro que este tipo de gravidez é tão traumatizante para a mulher quanto

àquela oriunda da violência sexual.

3.4 A REALIZAÇÃO DO ABORTO CONCEDIDA PELO STF

É de conhecimento de todos que, no Brasil multiplica-se o

número de aplicadores do direito, que em suas decisões concedem a

autorização para a realização do aborto naquilo que se refere às anomalias que

farão com que o bebê não sobreviva após o parto, os casos de anencefálos.

Estas decisões, mais que nunca, estão sendo bem vindas

e aceitas nos dias atuais, haja vista que os aplicadores do direito estão levando

em consideração a dignidade da pessoa humana. Dignidade de um ser

humano chamado mulher que terá que tomar esta árdua decisão, vez que ao

optar pela prática do aborto, não estará ela deixando o desejo da maternidade

de lado, apenas adiando.

Logo, todos os aplicadores do direito têm conhecimento

da existência do artigo 5º da Constituição Federal, Lei Maior neste país, que

assegura a inviolabilidade do direito à vida. Contudo esta mesma Lei Suprema

155 CORDEIRO, Letícia Gomes. A antecipação terapêutica do parto em casos de gravidez de feto anencefálico. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1412, 14 maio 2007. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9875>. Acesso em: 16 set. 2007.

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apresenta logo no inciso III do artigo 1º, a dignidade desta vida, assim tratando-

se dos princípios fundamentais, que:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de direito e tem como fundamento:

I - [...]

II - [...]

III – A dignidade da pessoa humana;

Assim, no ano de 2004, o STF além de relembrar da

existência do Anteprojeto de Reforma do Código Penal Brasileiro, tomou

posicionamento favorável ao aborto nos casos em questão, veja a seguir o

disposto na revista Consulex156 daquele ano:

A Constituição, realmente, exige a preservação e a tutela da vida, todavia, acrescenta, “com dignidade”. Exigir que uma mãe carregue em seu ventre um ente, sem qualquer chance de sobrevida, como é o caso presente, é não só matá-la psiquicamente como constrangê-la ao sofrimento dramático que ninguém tem o direito de impor-lhe, como aliás ponderou o Tribunal Maior do País, servindo de modelo para casos futuro.

Desta feita, ainda pode-se levar em consideração o artigo

3º do Código de Processo Penal, vez que trata da interpretação das normas

penais, assim apresenta-se o citado artigo:

Art. 3º A lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais do direito.

156 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Aborto: Feto com má formação congênita: Anencefalia. Revista Jurídica Consulex. Brasília. v.VIII, n.174, p.25.

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Ainda no mesmo sentido tem-se a Lei de Introdução ao

Código Civil que no artigo 4º vislumbra a possibilidade que tem o magistrado

da aplicação da lei mesmo nos casos em que esta for omissa

Art. 4º Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito.

Não poderia deixar de ser citado o artigo 126 do Código

de Processo Civil que deixa claro que o juiz poderá fazer justiça mesmo

quando a lei não prevê uma norma para o caso. Veja assim a citação do artigo:

Art. 126º O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito.

Neste sentido, Coutinho157 ao citar Clóvis Beviláqua,

vem contribuir apresentado o seguinte:

No Direito Penal somente se admite a analogia in bonam partem. Segundo Clóvis Beviláqua, com os princípios gerais do Direito "o jurista penetra em um campo mais dilatado, procura apanhar as correntes diretoras do pensamento jurídico e canalizá-la para onde a necessidade social mostra a insuficiência do Direito positivo". (Clóvis Beviláquia. Teoria Geral do Direito. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1980. p.44.)

E ainda cita Coutinho:

A base da analogia, aponta Maria Helena Diniz: "Encontra-se na igualdade jurídica já que o processo analógico constitui um raciocínio baseado em razões relevantes de similitude, fundando-se na identidade de razão que é o elemento justificador da aplicabilidade da norma a casos não previstos, mas substancialmente semelhantes, sem contudo ter por objetivo perscrutar o exato significado da norma, partindo, tão-só, do pressuposto de que a questão sub judice, apesar de não

157 COUTINHO, Luiz Augusto. Aborto em casos de anencefalia: crime ou inexigibilidade de conduta diversa?

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se enquadrar no dispositivo legal, deve cair sob sua égide por semelhança da razão". (Maria Helena Diniz. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 411/412)

Desta forma, evidencia-se que o Ministro Marco Aurélio

fez uso destas atribuições que a lei permite ao magistrado.

Assim, este mesmo Magistrado permitiu àquela mulher

que já tendo chego a esta instância, não vislumbrava em seu favor outro

recurso senão recorrer ao órgão máximo da justiça brasileira. Neste sentido é a

sua decisão:

ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL - LIMINAR - ATUAÇÃO INDIVIDUAL - ARTIGOS 21, INCISOS IV E V, DO REGIMENTO INTERNO E 5º, § 1º, DA LEI Nº 9.882/99. LIBERDADE - AUTONOMIA DA VONTADE - DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA - SAÚDE - GRAVIDEZ - INTERRUPÇÃO - FETO ANENCEFÁLICO.

Observa-se que o Ministro Marco Aurélio em seu

entendimento, elenca já no início os princípios fundamentais do ser humano,

assim traz a dignidade da pessoa humana, bem como a liberdade e a

autonomia de vontade em favor daquela que carrega em seu ventre um ser que

não sobreviverá.

Assim, sobre a vida da mulher e essa dignidade, aduz o

Ministro em sua decisão:

A permanência de feto anômalo no útero da mãe mostrar-se-ia potencialmente perigosa, podendo gerar danos à saúde e à vida da gestante. Consoante o sustentado, impor à mulher o dever de carregar por nove meses um feto que sabe, com plenitude de certeza, não sobreviverá, causa à gestante dor, angústia e frustração, resultando em violência às vertentes da dignidade humana - a física, a moral e a psicológica - e em cerceio à liberdade e autonomia da vontade, além de colocar em risco a saúde, tal como proclamada pela Organização Mundial da Saúde - o completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença.

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Desta feita, está evidenciado a possibilidade da mulher

em pleitear a interrupção da gravidez frente a este tipo de anomalia e ainda de

ter em seu favor decisão favorável, pois ao falar vida não se pode esquecer, é

claro, da vida física, mas a moral e a psicológica daquele ser que carrega no

ventre uma criatura que se sabe que não sobreviverá.

Coutinho158, no que se refere à interpretação da lei, bem

como ainda da inclusão deste no dispositivo atual, traz que:

O juiz deve integrar a norma jurídica, diante das evidentes lacunas existentes no direito e que surgem a cada dia, (...). Não pode fechar os olhos para a realidade, sob pena de tornar-se burocrático e, conseqüentemente, enfraquecido diante de seus jurisdicionados, sendo salutar a invocação do pensamento da eloqüente voz de Tereza Arruda Alvim: "É relevante observar-se que a necessidade de o juiz se valer de outros elementos do sistema, além da letra do texto positivo, nasce justamente dos casos não corriqueiros, a que alguns jus-filosofos chamam de hard cases e que aqui se esta justamente diante de um deles. Este caso ainda pede de forma mais gritante solução que não leve em conta só o texto da lei por se tratar de uma lei antiga.", concluindo; "certamente a interpretação que levasse em conta os modernos avanços da ciência médica e da psicologia autorizaria a inclusão deste dispositivo da perspectiva inexorável da "morte psicológica" da mãe, literalmente forçada, pelas injunções do sistema, a conviver com a gravidez que carrega em si mesma a idéia do aborto." (Revista Consulex, ano VIII, n° 174)

Mais uma vez, vê-se que o posicionamento adotado pelo

Senhor Marco Aurélio veio não, para possibilitar à mulher a prática de um

simples aborto, mas sim permitir que esta, querendo, realize o aborto e este

agora com respaldo legal, enquanto não há leis que a resguardem então que

possa usar por base a decisão salutar do Senhor Ministro.

Assim então, aquele Tribunal Maior, através do Relator

Ministro Marco Aurélio, apenas deferiu à mulher a possibilidade de tomar a

158 COUTINHO, Luiz Augusto. Aborto em casos de anencefalia: crime ou inexigibilidade de conduta diversa?

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decisão de submeter-se ou não ao aborto, seguindo aí o seu livre arbítrio, vez

que se sabe que ela possui o conhecimento de que seu feto não apresenta as

mínimas condições de vida pós parto.

Para finalizar este capítulo, entende-se ser perfeitamente

possível a prática do aborto frente àquelas anomalias que serão desde o início

incompatível com a vida do ser que está sendo carregado no ventre materno.

Logo, não se pode permitir que a mulher estando grávida

de um bebê que cientificamente esteja comprovado que esta criança ao nascer

não possuirá nenhuma expectativa de vida após o parto, tenha em seu favor a

possibilidade da prática do aborto, mas amparada por uma lei.

Demonstrado fica que é perfeitamente possível a

realização do aborto nos casos de anencefalia, basta que o magistrado não

tenha medo de fazer com que a lei seja realmente aplicada, em sua

extensividade.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao tratar sobre o aborto, claro fica que é um dos

assuntos causadores de várias divergências, sendo permitido tão somente

naqueles casos previsto no artigo 128 do Código Penal, nos demais casos a lei

pátria proíbe irrefutavelmente, isto posto no plano penal em termos de normas

penais infraconstitucionais.

Assim, o estudo cuidou de maneira especial dos casos de

abortos de anencefálicos, ou seja, aqueles casos em que a criança, apesar de

apresentar uma formação compatível, o seu cérebro não se desenvolve e não

possuindo cérebro este ser não sobreviverá após o parto, com muita sorte terá

meros minutos de vida.

Então, frente a esta questão, é sabido sim, que a

legislação brasileira no plano penal-infraconstitucional o proíbe, mas também é

de conhecimentos daqueles que se interessam pelo direito que as leis que

regem este país possibilitam ao magistrado a aplicação dos princípios gerais

do direito e ainda que ele possa como está expresso no artigo 126 do CPC,

não se eximir da aplicação da lei.

O magistrado poderá apesar da proibição do Código

Penal, permitir que uma mulher apresentando uma gravidez de feto

anencefálico, isto posto comprovado por laudos médicos, possa procurar um

hospital para ali realizar o aborto se isto for de sua vontade.

Pois Nelson Hungria ao criar o anteprojeto do Código

penal evidenciava que as mudanças ali apresentadas não obrigariam a mulher

à prática do aborto, deixando assim à mesma esta decisão.

Então o Ministro do Supremo Tribunal Federal, o Senhor

Marco Aurélio Mendes de Farias Mello, contempla àquela senhora, com a

possibilidade da mesma, poder planejar outra gravidez e assim dar à luz a uma

criança que não apresente problemas relacionados com o assunto em estudo e

que apresente sim a expectativa de viver muitos e muitos anos.

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O aborto eugênico, na modalidade por anencefalia,

poderá ser concedido pelo Poder Judiciário quando requerido, já que o

Magistrado não precisa necessariamente e apenas fazer uso do Código Penal

para amparar suas decisões, pois poderá utilizar-se dos princípios gerais do

direito e da própria Constituição Federal que consagra uma principiologia

autorizadora destes abortos, especificamente sobre o princípio constitucional

da dignidade da pessoa humana da gestante, pois ali está expresso aquele que

é um dos grandes princípios que respaldará a sua decisão, onde, de outro lado,

não há segurança no paradigma ético médico sobre quando inicia-se a vida

humana intra uterina, bem como, do referencial do que seja um ser humano.

Assim é o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, ora também se observará no capítulo segundo deste trabalho

o direito à vida, mas como claro ficou nos estudos realizados, que este direito a

vida deve vir acompanhado de condições mínimas de que se possa levar uma

vida com dignidade em sua plenitude. Isto posto como resposta a hipótese

primeira.

Portanto, em resposta a hipótese segunda do presente

trabalho, onde o aborto eugênico na modalidade anencefalia poderá ser

concedido via seu reconhecimento como excludente de ilicitude penal nos

termos do artigo 128,I do CP, após o término deste trabalho, entende-se não

ser possível a concessão de uma decisão embasada apenas no artigo supra

citado, vez que ali traz taxativamente os casos em que serão permitidos. E no

plano material penal infra constitucional não é permitida a interpretação

extensiva ou analógica da norma penal.

Isso porque o artigo 128 do Código Penal é expresso

sobre os casos de autorização, logo não sendo o aborto de anencefálos

considerado como necessário, como vem disposto no artigo 128, I do Código

Penal, não poderá por esta via do direito ser concedido então àquela mulher a

autorização para por termo àquela gravidez que só está lhe trazendo traumas

psicológicos.

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Então, a mulher que carrega em seu ventre um ser que

diagnosticamente está comprovado que não tem nenhuma expectativa de vida

fora do seu útero, deve sim, ser contemplada com a possibilidade de poder

escolher se irá submeter-se a prática do aborto, para assim poder vislumbrar

outra gravidez e realmente realizar o sonho de uma maternidade feliz, onde

sua cria irá poder por si só, sobreviver.

Desta feita, ao término deste trabalho, entende-se que

toda àquela que, se encontrando em estado interessante, momento sublime

para a mulher, e que sendo sabedora de que o fruto de seu amor fora portador

de deficiências anencefálicas, deverá o magistrado não se furtar de dar-lhe

uma resposta plausível em conceder-lhe a permissão para realização do

aborto, segundo o caso concreto por suas provas produzidas, especialmente

da anomalia e do estado emocional da gestante, deixando ele o magistrado a

cargo desta mesma mulher a decisão de por fim aqueles meses de angustia e

espera, a fim de que venha em juízo pleitear tal tutela abortiva, para o exercício

da prestação jurisdicional segundo caso a caso.

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ANEXOS

A liminar do Ministro Marco Aurélio que permitiu o aborto de feto anencefálico. 159

MEDIDA CAUTELAR EM ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL 54-8 DISTRITO FEDERAL RELATOR: MIN. MARCO AURÉLIO ARGUENTE(S): CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS TRABALHADORES NA SAÚDE – CNTS ADVOGADO (A/S): LUÍS ROBERTO BARROSO E OUTRO (A/S)

DECISÃO LIMINAR

ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL - LIMINAR - ATUAÇÃO INDIVIDUAL - ARTIGOS 21, INCISOS IV E V, DO REGIMENTO INTERNO E 5º, § 1º, DA LEI Nº 9.882/99. LIBERDADE - AUTONOMIA DA VONTADE - DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA - SAÚDE - GRAVIDEZ - INTERRUPÇÃO - FETO ANENCEFÁLICO.

1. Com a inicial de folha 2 a 25, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde - CNTS formalizou esta argüição de descumprimento de preceito fundamental considerada a anencefalia, a inviabilidade do feto e a antecipação terapêutica do parto. Em nota prévia, afirma serem distintas as figuras da antecipação referida e o aborto, no que este pressupõe a potencialidade de vida extra-uterina do feto. Consigna, mais, a própria legitimidade ativa a partir da norma do artigo 2º, inciso I, da Lei nº 9.882/99, segundo a qual são partes legítimas para a argüição aqueles que estão no rol do artigo 103 da Carta Política da República, alusivo à ação direta de inconstitucionalidade. No tocante à pertinência temática, mais uma vez à luz da Constituição Federal e da jurisprudência desta Corte, assevera que a si compete a defesa judicial e administrativa dos interesses individuais e coletivos dos que integram a categoria profissional dos trabalhadores na saúde, juntando à inicial o estatuto revelador dessa representatividade. Argumenta que, interpretado o arcabouço normativo com base em visão positivista pura, tem-se a possibilidade de os profissionais da saúde virem a sofrer as agruras decorrentes do

159 A liminar do Ministro Marco Aurélio que permitiu o aborto de fetos anencefálicos. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 413, 24 ago. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/pecas/texto.asp?id=605>. Acesso em: 01 out. 2007.

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enquadramento no Código Penal. Articula com o envolvimento, no caso, de preceitos fundamentais, concernentes aos princípios da dignidade da pessoa humana, da legalidade, em seu conceito maior, da liberdade e autonomia da vontade bem como os relacionados com a saúde. Citando a literatura médica aponta que a má-formação por defeito do fechamento do tubo neural durante a gestação, não apresentando o feto os hemisférios cerebrais e o córtex, leva-o ou à morte intra-uterina, alcançando 65% dos casos, ou à sobrevida de, no máximo, algumas horas após o parto. A permanência de feto anômalo no útero da mãe mostrar-se-ia potencialmente perigosa, podendo gerar danos à saúde e à vida da gestante. Consoante o sustentado, impor à mulher o dever de carregar por nove meses um feto que sabe, com plenitude de certeza, não sobreviverá, causa à gestante dor, angústia e frustração, resultando em violência às vertentes da dignidade humana - a física, a moral e a psicológica - e em cerceio à liberdade e autonomia da vontade, além de colocar em risco a saúde, tal como proclamada pela Organização Mundial da Saúde - o completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença. Já os profissionais da medicina ficam sujeitos às normas do Código Penal - artigos 124, 126, cabeça, e 128, incisos I e II -, notando-se que, principalmente quanto às famílias de baixa renda, atua a rede pública.

Sobre a inexistência de outro meio eficaz para viabilizar a antecipação terapêutica do parto, sem incompreensões, evoca a Confederação recente acontecimento retratado no Habeas Corpus nº 84.025-6/RJ, declarado prejudicado pelo Plenário, ante o parto e a morte do feto anencefálico sete minutos após. Diz da admissibilidade da ANIS - Instituto de Biotécnica, Direitos Humanos e Gênero como amicus curiae, por aplicação analógica do artigo 7º, § 2º, da Lei nº 9.868/99.

Então, requer, sob o ângulo acautelador, a suspensão do andamento de processos ou dos efeitos de decisões judiciais que tenham como alvo a aplicação dos dispositivos do Código Penal, nas hipóteses de antecipação terapêutica do parto de fetos anencefálicos, assentando-se o direito constitucional da gestante de se submeter a procedimento que leve à interrupção da gravidez e do profissional de saúde de realizá-lo, desde que atestada, por médico habilitado, a ocorrência da anomalia. O pedido final visa à declaração da inconstitucionalidade, com eficácia abrangente e efeito vinculante, da interpretação dos artigos 124, 126 e 128, incisos I e II, do Código Penal - Decreto-Lei nº 2.848/40 - como impeditiva da antecipação terapêutica do parto em casos de gravidez de feto anencefálico, diagnosticados por médico habilitado, reconhecendo-se o direito subjetivo da gestante de assim agir sem a necessidade de apresentação prévia de autorização judicial ou qualquer outra

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forma de permissão específica do Estado. Sucessivamente, pleiteia a argüente, uma vez rechaçada a pertinência desta medida, seja a petição inicial recebida como reveladora de ação direta de inconstitucionalidade. Esclarece que, sob esse prisma, busca a interpretação conforme a Constituição Federal dos citados artigos do Código Penal, sem redução de texto, aduzindo não serem adequados à espécie precedentes segundo os quais não cabe o controle concentrado de constitucionalidade de norma anterior à Carta vigente.

A argüente protesta pela juntada, ao processo, de pareceres técnicos e, se conveniente, pela tomada de declarações de pessoas com experiência e autoridade na matéria. À peça, subscrita pelo advogado Luís Roberto Barroso, credenciado conforme instrumento de mandato - procuração - de folha 26, anexaram-se os documentos de folha 27 a 148.

O processo veio-me concluso para exame em 17 de junho de 2004 (folha 150). Nele lancei visto, declarando-me habilitado a votar, ante o pedido de concessão de medida acauteladora, em 21 de junho de 2004, expedida a papeleta ao Plenário em 24 imediato.

No mesmo dia, prolatei a seguinte decisão:

AÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL - INTERVENÇÃO DE TERCEIRO - REQUERIMENTO - IMPROPRIEDADE.

1. Eis as informações prestadas pela Assessoria:

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB - requer a intervenção no processo em referência, como amicus curiae, conforme preconiza o § 1º do artigo 6º da Lei 9.882/1999, e a juntada de procuração. Pede vista pelo prazo de cinco dias.

2. O pedido não se enquadra no texto legal evocado pela requerente. Seria dado versar sobre a aplicação, por analogia, da Lei nº 9.868/99, que disciplina também processo objetivo - ação direta de inconstitucionalidade e ação declaratória de constitucionalidade. Todavia, a admissão de terceiros não implica o reconhecimento de direito subjetivo a tanto. Fica a critério do relator, caso entenda oportuno. Eis a inteligência do artigo 7º, § 2º, da Lei nº 9.868/99, sob pena de tumulto processual. Tanto é assim que o ato do relator, situado no campo da prática de ofício, não é suscetível de impugnação na via recursal.

3. Indefiro o pedido.

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4. Publique-se.

A impossibilidade de exame pelo Plenário deságua na incidência dos artigos 21, incisos IV e V, do Regimento Interno e artigo 5º, § 1º, da Lei nº 9.882/99, diante do perigo de grave lesão.

2. Tenho a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde - CNTS como parte legítima para a formalização do pedido, já que se enquadra na previsão do inciso I do artigo 2º da Lei nº 9.882, de 3 de novembro de 1999. Incumbe-lhe defender os membros da categoria profissional que se dedicam à área da saúde e que estariam sujeitos a constrangimentos de toda a ordem, inclusive de natureza penal.

Quanto à observação do disposto no artigo 4º, § 1º, da Lei nº 9.882/99, ou seja, a regra de que não será admitida argüição de descumprimento de preceito fundamental quando houver qualquer outro meio eficaz de sanar a lesividade, é emblemático o que ocorreu no Habeas Corpus nº 84.025-6/RJ, sob a relatoria do ministro Joaquim Barbosa. A situação pode ser assim resumida: em Juízo, gestante não logrou a autorização para abreviar o parto. A via-crúcis prosseguiu e, então, no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, a relatora, desembargadora Giselda Leitão Teixeira, concedeu liminar, viabilizando a interrupção da gestação. Na oportunidade, salientou:

A vida é um bem a ser preservado a qualquer custo, mas, quando a vida se torna inviável, não é justo condenar a mãe a meses de sofrimento, de angústia, de desespero.

O Presidente da Câmara Criminal a que afeto o processo, desembargador José Murta Ribeiro, afastou do cenário jurídico tal pronunciamento. No julgamento de fundo, o Colegiado sufragou o entendimento da relatora, restabelecendo a autorização. Ajuizado habeas corpus, o Superior Tribunal de Justiça, mediante decisão da ministra Laurita Vaz, concedeu a liminar, suspendendo a autorização. O Colegiado a que integrado a relatora confirmou a óptica, assentando:

HABEAS CORPUS. PENAL. PEDIDO DE AUTORIZAÇÃO PARA A PRÁTICA DE ABORTO. NASCITURO ACOMETIDO DE ANENCEFALIA. INDEFERIMENTO. APELAÇÃO.

DECISÃO LIMINAR DA RELATORA RATIFICADA PELO COLEGIADO DEFERINDO O PEDIDO. INEXISTÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. IDONEIDADE DO WRIT PARA A DEFESA DO NASCITURO.

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1. A eventual ocorrência de abortamento fora das hipóteses previstas no Código Penal acarreta a aplicação de pena corpórea máxima, irreparável, razão pela qual não há se falar em impropriedade da via eleita, já que, como é cediço, o writ se presta justamente a defender o direito de ir e vir, o que, evidentemente, inclui o direito à preservação da vida do nascituro.

2. Mesmo tendo a instância de origem se manifestado, formalmente, apenas acerca da decisão liminar, na realidade, tendo em conta o caráter inteiramente satisfativo da decisão, sem qualquer possibilidade de retrocessão de seus efeitos, o que se tem é um exaurimento definitivo do mérito. Afinal, a sentença de morte ao nascituro, caso fosse levada a cabo, não deixaria nada mais a ser analisado por aquele ou este Tribunal.

3. A legislação penal e a própria Constituição Federal, como é sabido e consabido, tutelam a vida como bem maior a ser preservado. As hipóteses em que se admite atentar contra ela estão elencadas de modo restrito, inadmitindo-se interpretação extensiva, tampouco analogia in malam partem. Há de prevalecer, nesse casos, o princípio da reserva legal.

4. O Legislador eximiu-se de incluir no rol das hipóteses autorizativas do aborto, previstas no art. 128 do Código Penal, o caso descrito nos presentes autos. O máximo que podem fazer os defensores da conduta proposta é lamentar a omissão, mas nunca exigir do Magistrado, intérprete da Lei, que se lhe acrescente mais uma hipótese que fora excluída de forma propositada pelo Legislador.

5. Ordem concedida para reformar a decisão proferida pelo Tribunal a quo, desautorizando o aborto; outrossim, pelas peculiaridades do caso, para considerar prejudicada a apelação interposta, porquanto houve, efetivamente, manifestação exaustiva e definitiva da Corte Estadual acerca do mérito por ocasião do julgamento do agravo regimental.

Daí o habeas impetrado no Supremo Tribunal Federal. Entretanto, na assentada de julgamento, em 4 de março último, confirmou-se a notícia do parto e, mais do que isso, de que a sobrevivência não ultrapassara o período de sete minutos.

Constata-se, no cenário nacional, o desencontro de entendimentos, a desinteligência de julgados, sendo que a tramitação do processo, pouco importando a data do surgimento, implica, até que se tenha decisão final - proclamação desta Corte -, espaço de tempo bem superior a nove meses,

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período de gestação. Assim, enquadra-se o caso na cláusula final do § 1º em análise. Qualquer outro meio para sanar a lesividade não se mostra eficaz. Tudo recomenda que, em jogo tema da maior relevância, em face da Carta da República e dos princípios evocados na inicial, haja imediato crivo do Supremo Tribunal Federal, evitando-se decisões discrepantes que somente causam perplexidade, no que, a partir de idênticos fatos e normas, veiculam enfoques diversificados. A unidade do Direito, sem mecanismo próprio à uniformização interpretativa, afigura-se simplesmente formal, gerando insegurança, o descrédito do Judiciário e, o que é pior, com angústia e sofrimento ímpares vivenciados por aqueles que esperam a prestação jurisdicional. Atendendo a petição inicial os requisitos que lhe são inerentes - artigo 3º da Lei nº 9.882/99 -, é de se dar seqüência ao processo.

Em questão está a dimensão humana que obstaculiza a possibilidade de se coisificar uma pessoa, usando-a como objeto. Conforme ressaltado na inicial, os valores em discussão revestem-se de importância única. A um só tempo, cuida-se do direito à saúde, do direito à liberdade em seu sentido maior, do direito à preservação da autonomia da vontade, da legalidade e, acima de tudo, da dignidade da pessoa humana. O determinismo biológico faz com que a mulher seja a portadora de uma nova vida, sobressaindo o sentimento maternal. São nove meses de acompanhamento, minuto a minuto, de avanços, predominando o amor. A alteração física, estética, é suplantada pela alegria de ter em seu interior a sublime gestação. As percepções se aguçam, elevando a sensibilidade. Este o quadro de uma gestação normal, que direciona a desfecho feliz, ao nascimento da criança. Pois bem, a natureza, entrementes, reserva surpresas, às vezes desagradáveis. Diante de uma deformação irreversível do feto, há de se lançar mão dos avanços médicos tecnológicos, postos à disposição da humanidade não para simples inserção, no dia-a-dia, de sentimentos mórbidos, mas, justamente, para fazê-los cessar. No caso da anencefalia, a ciência médica atua com margem de certeza igual a 100%. Dados merecedores da maior confiança evidenciam que fetos anencefálicos morrem no período intra-uterino em mais de 50% dos casos. Quando se chega ao final da gestação, a sobrevida é diminuta, não ultrapassando período que possa ser tido como razoável, sendo nenhuma a chance de afastarem-se, na sobrevida, os efeitos da deficiência. Então, manter-se a gestação resulta em impor à mulher, à respectiva família, danos à integridade moral e psicológica, além dos riscos físicos reconhecidos no âmbito da medicina. Como registrado na inicial, a gestante convive diuturnamente com a triste realidade e a lembrança ininterrupta do feto, dentro de si, que nunca poderá se tornar um ser vivo. Se assim é - e ninguém ousa contestar -, trata-se de situação concreta

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que foge à glosa própria ao aborto - que conflita com a dignidade humana, a legalidade, a liberdade e a autonomia de vontade. A saúde, no sentido admitido pela Organização Mundial da Saúde, fica solapada, envolvidos os aspectos físico, mental e social. Daí cumprir o afastamento do quadro, aguardando-se o desfecho, o julgamento de fundo da própria argüição de descumprimento de preceito fundamental, no que idas e vindas do processo acabam por projetar no tempo esdrúxula situação.

Preceitua a lei de regência que a liminar pode conduzir à suspensão de processos em curso, à suspensão da eficácia de decisões judiciais que não hajam sido cobertas pela preclusão maior, considerada a recorribilidade. O poder de cautela é ínsito à jurisdição, no que esta é colocada ao alcance de todos, para afastar lesão a direito ou ameaça de lesão, o que, ante a organicidade do Direito, a demora no desfecho final dos processos, pressupõe atuação imediata. Há, sim, de formalizar-se medida acauteladora e esta não pode ficar limitada a mera suspensão de todo e qualquer procedimento judicial hoje existente. Há de viabilizar, embora de modo precário e efêmero, a concretude maior da Carta da República, presentes os valores em foco. Daí o acolhimento do pleito formulado para, diante da relevância do pedido e do risco de manter-se com plena eficácia o ambiente de desencontros em pronunciamentos judiciais até aqui notados, ter-se não só o sobrestamento dos processos e decisões não transitadas em julgado, como também o reconhecimento do direito constitucional da gestante de submeter-se à operação terapêutica de parto de fetos anencefálicos, a partir de laudo médico atestando a deformidade, a anomalia que atingiu o feto. É como decido na espécie.

3. Ao Plenário para o crivo pertinente.

4. Publique-se.

Brasília, 1º de julho de 2004, às 13 horas.

Ministro MARCO AURÉLIO Relator