Da produção da pesquisa em educação musical à sua apropriação

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    Da produo da pesquisa em educao musical sua apropriao

    Cludia Ribeiro Bellochio

    Resumo: A proposio desse texto suscitar o debate sobre algumas dasrelaes que se estabelecem entre a produo, a difuso e a apropriao dapesquisa em educao musical no Brasil, o que , em grande medida,transversalizado por princpios polticos, reais e ocultos, objetivos e subjetivos,presentes nos mltiplos espaos de prticas musicais. Inicialmente tecida umabreve reviso sobre o estado da arte da pesquisa em educao musical no Brasil;logo comenta-se sobre a produo de conhecimento na pesquisa em educao

    musical. Conclui-se sugerindo alguns pontos que podero contribuir com aespolticas para a pesquisa em educao musical.Palavras-chave:Pesquisa. Educao musical. Conhecimento.Difuso/apropriao.

    Abstract: The purpose of this text is to propose the debate regarding some of therelations that are established among production, diffusion, and appropriation ofresearch in musical education in Brazil. In this kind of research it may be also foundsome issues dealing with subjective, objective, occult, real and political principles,which are presented in several musical practices. Firstly, a brief review is discussed

    concerning the state of art of the research in musical education in Brazil. Secondly,the knowledge production is commented in musical education research. Toconclude, some considerations are suggested, which could contribute to politicalactions to the research in musical education.Keywords: Research. Musical education. Knowledge. Diffusion/ appropriation.

    Agradeo ao convite para participar desse importante evento da ANPPOM, demodo especial, ao convite para estar debatendo idias nessa mesa

    denominada Produo de conhecimento e polticas para a pesquisa emeducao musical. Cumprimento minhas colegas de mesa, prof Dr AldaOliveira e Prof Dr Regina Mrcia Santos. Cumprimento aos organizadores,Prof. Dr. Ney Fialkov e Prof Dr Luciana Marta Del Ben pelo incansvel

    cuidado com toda a preparao e execuo das atividades que estamosvivenciando.

    Minhas colocaes talvez no tragam novidades, mas penso que podem

    suscitar o debate sobre algumas questes, dentre elas as relaes que seestabelecem entre a produo, a difuso e a apropriao da pesquisa em

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    educao musical, o que , em grande medida, transversalizado por princpiospolticos, reais e ocultos, objetivos e subjetivos, quer sejam das organizaescientficas da rea, quer sejam das instituies pblicas, quer sejam dasnecessidades decorrentes dos espaos de prticas musicais.

    Para tanto, organizo a fala em tpicos. Inicialmente fao uma breve revisosobre o estado da arte da pesquisa em educao musical no Brasil; logocomento sobre a produo de conhecimento na pesquisa em educaomusical. Concluo apresentando uma reflexo sobre a produo versusapropriao de conhecimento, a partir de situaes vivenciadas eencaminhando alguns pontos que podero contribuir com aes polticas paraa pesquisa em educao musical.

    1. Uma breve reviso sobre o estado da arte da pesquisa em educao

    musical no Brasil

    Inicio minha fala com a boniteza, profundidade e clareza das palavras dePaulo Freire: Pesquiso para constatar, constatando, intervenho, intervindoeduco e me educo. Pesquiso para conhecer o que ainda no conheo ecomunicar ou anunciar a novidade. (Freire, 2002, p.32).

    Como de conhecimento, a pesquisa em educao musical no Brasil, seconsiderada em relao a outros pases, relativamente nova. Isso temlevado, quase que em senso comum, repetio de que a a rea nova. Noentanto, ainda que a educao musical, e consequentemente a pesquisa emeducao musical, sejam tomadas como reas novas temos Associaesatuantes (ANPPOM e ABEM), Programas de Ps-graduao em Msica comsub-rea em Educao Musical, Programas de Pesquisa em Educao;

    Grupos de Pesquisa vinculados s Universidades e cadastrados no CNPQ,pesquisadores individuais, Cursos de Graduao, escolas e outros espaos esujeitos que produzem pesquisas, nos mais diferentes enfoques e com umavariada abordagem terica e metodolgica. Acoplado a esse fato, verifica-seque na ltima dcada a Educao Musical brasileira vem apresentando umdesenvolvimento significativo como rea de conhecimento acadmico-cientfico (Del Ben, 2003, p.1). Assim, pode-se evidenciar uma histria dapesquisa em educao musical no Brasil, ainda que esta seja breve e

    encontre-se em pleno processo de fertilizao.

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    Penso ser importante esclarecer que estou considerando como objeto depesquisa em educao musical as relaes entre as pessoa(s) e a(s)msica(s) sob os aspectos de apropriao e transmisso (Kraemer, 2000, p.51) o que est intrinsecamente relacionado ao que compreende-se por

    conhecimento pedaggico musical. Dessa forma, concordo com Del Ben(2003) quando reconhece que faz-se pesquisa em Educao Musical sempre

    que se investiga como as pessoas se relacionam com msica em termos deapropriao e transmisso, ou ensino e aprendizagem, seja nas escolas econservatrios de msica, seja em garagens de centros urbanos e escolas desamba, ou at mesmo, nas ruas das cidades. (ibid, p.6).

    Como seria esperado, a discusso em torno da pesquisa em EducaoMusical, entendida desde j como uma forma de produo de conhecimentono campo da educao musical, recorrente nos encontros da ANPPOM.

    Surgem da, importantes mapeamentos sobre a situao da pesquisa emeducao musical no Brasil, dentre os quais o apresentado por Beyer, em

    1996, no IX Encontro realizado no Rio de Janeiro e o de Souza (1996) quebuscou repensar a pesquisa a partir de dois pontos. Um primeiro que discutiuo campo da Educao Musical como cincia ou rea de conhecimento (p.80)e, um segundo que remeteu a um balano na produo cientfica da rea,como forma de mapear o j existente e pensar caminhos para a pesquisa emeducao musical (no Brasil).

    Em 1997, no X Encontro realizado em Gois, Souza discorreu sobre apesquisa em educao musical na universidade, focalizando parte do seutrabalho no eixo da pesquisa na formao de professores de msica (p. 51).Realo esse ponto na atualidade, sobretudo no atual momento em que temosDiretrizes Curriculares para os Cursos de Msica (ainda no aprovadas peloCNE) e Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formao de Professores da

    Educao Bsica (j aprovadas). O primeiro documento nos indica, como umdos Campos de Conhecimento1 de formao do profissional da rea deMsica, a Pesquisa, orientando-nos para que ocorra nas suas diversas

    1Conforme documento, verso de junho de 1999, por campos de conhecimento,entende-se o conjunto de saberes especficos e interdisciplinares, queparticularizam e do consistncia a rea de Msica. O documento apresenta setecampos: instrumental (instrumento, voz e regncia); composicional; fundamentos

    tericos; formao humanstica; pedaggico; integrao; pesquisa (estgio,prticas de ensino e outras integraes);

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    metodologias2. (Diretrizes Curriculares para a Msica, 1999) O segundo, nosaponta a pesquisa como objetivo a ser perseguido na formao profissional deprofessores, entendendo que (...) o foco principal do ensino da pesquisa noscursos de formao docente o prprio processo de ensino e de

    aprendizagem dos contedos escolares na educao bsica. (BRASIL/CNE,Diretrizes Curriculares para a Formao de Professores, 2002, p. 34).

    Nesse particular os cursos de formao tm um importante papel: o dedesenvolver, com os professores, essa atitude vigilante e indagativa, que osleve a tomar decises sobre o que fazer e como fazer nas suas situaesde ensino, marcadas pela urgncia e pela incerteza. (ANDR, 2001, p. 59)

    Creio que esse pressuposto possibilite a compreenso sobre as

    particularidades inerentes pesquisa realizada pelo professor na sala de aula3

    e a pesquisa realizada na academia sobre o trabalho do professor na sala de

    aula. Embora tratem-se de processos retroalimentadores, cada qual possuiespecificidades. Como entende Tardif (2002) a prtica profissional nunca um espao de aplicao dos conhecimentos universitrios. Ela , na melhordas hipteses, um processo de filtrao que os dilui e os transforma emfuno das exigncias do trabalho (p.257).

    Ainda que as Diretrizes Curriculares para a formao de professores da

    Educao Bsica sinalizem a escola como locus da ao profissional doprofessor, entendo que cabe as reas de formao estarem discutindo outrosespaos de atuao profissional, como o caso da educao musical. Issoimplicaria no estudo e implementao de diferentes abordagens de pesquisano decorrer da formao inicial, sobretudo abordagens que rompem com algica de disciplinarizao e efetivamente, mergulhem em situaes dialgicas

    com os problemas das prtica vivenciadas no cotidiano.

    H que se considerar tambm que a pesquisa em educao musical temtematizado Encontros da ABEM. O foco A pesquisa em Educao Musical,por exemplo, alicerou as discusses durante o V Encontro Anual, realizado

    2Esse campo de pesquisa abrange: a) contedos relativos as Metodologias e asprticas de Pesquisa; b) integrao de novas tecnologias; c) programas especiaisde iniciao cientfica; d) programas de incentivo integrao graduao e ps-graduao. (Diretrizes Curriculares para os Cursos de Msica verso 1999)3

    Considera-se a sala de aula e os seus constituintes do processo de ensinar eaprender.

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    em Londrina/PR no ano de 1996. J em 2002, no XI Encontro realizado emNatal/RN a temtica foi Pesquisa e Formao em Educao Musical.

    Assim, eventos de significativa importncia, como tambm artigos, tm

    focalizado e divulgado a pesquisa produzida no Brasil. Parece-me que aspautas narrativas da produo cientfica no se esgotaram e mantm-seatuais e fecundas para novas discusses, na abrangncia das produescientficas sobree paraa educao musical.

    2. A produo de conhecimento na pesquisa em educao musical

    O que se percebe, sem generalizar, que, embora a trajetria expressivarealizada num curto espao de tempo, avanos significativos no tm sido

    incorporado nos diversos espaos onde ocorre educao musical, sejamesses escolares ou no. Talvez isso decorra do que Meksenas (2002)expressa: compreender e fazer uso da pesquisa no to simples. Eu diriaque no bem fazer uso, e sim, reconstruir em forma de conhecimentoprtico, ou mesmo reconstruir do ponto de vista da necessidade.

    Se antes os focos das pesquisas giravam em torno da produo deconhecimento sobree para uma educao musical de cunho mais formal eescolarizado, com o passar dos anos novos temas passaram a compor as

    pautas investigativas, tais como educao musical em situaes no formais,processos de auto-aprendizagem, educao musical e mdias; educaomusical em espaos alternativos, dentre outros.

    Considerando os limites do pragmatismo imediatista, de que falarei maisadiante, inicialmente questiono:

    - Em que a pesquisa cientfica no campo da educao musical temcontribudo? Para onde vai a produo de conhecimentos revelados nos

    resultados e relatrios das pesquisas realizadas? Quem os tm consumido ecom que intuito? E de que forma?

    Esses questionamentos no so exclusivos do campo da Educao Musical,mas da rea de Educao como um todo. Da mesma forma, no existeconsenso quanto aos enfoques e tomadas de postura frente pesquisaeducacional.

    Se, para alguns, a pesquisa objetiva a gerao de conhecimentos (novos?)

    gerais, organizados, vlidos e transmissveis; para outros, ela busca o

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    questionamento sistemtico, crtico e criativo. Se alguns centram sua atenono processo de desenvolvimento da pesquisa e no tipo de conhecimento queest sendo gerado, outros se preocupam mais com os achados daspesquisas, sua aplicabilidade ou sua utilidade social (Andr, 2001, p. 55).

    Reservados os propsitos da pesquisa, para uns e outros, o que se tempercebido que pesquisas produzidas esto distantes das prticas concretasdos professores e so demasiadamente fragmentadas, no conseguindoarticular grupos em torno de si. Em conseqncia tem pouco ou nenhumimpacto nas prticas profissionais. (Tardif, 2002, p. 290) Desse modo, muitaspesquisas tm servido mais para a obteno de titulao profissional(especialista, mestre, doutor e ps-doutor) do que propriamente com areconstruo da linha existente entre o pesquisador, os envolvidos napesquisa e o objeto investigado, entre a produo da pesquisa e sua

    apropriao pelas pessoas e espaos em que realizam atividades de ensinona rea. Parafraseando Moyss, e pensando no espao escolar, parece-me

    que cabe-nos refletir: Como acontece o encontro entre o mundo onde oconhecimento cientfico produzido e o mundo onde vive o professor [?].(Moyss, 1996, p. 108) Ou ainda, como ocorre o encontro entre o mundo dacincia e o cotidiano das prticas educativas nos diferentes espaos erelaes em que se produzem? Para Charlot (2002, p.90) ...a pesquisa fazanlise, analtica, o ensino visa metas, objetivos; o ensino tem uma

    dimenso axiolgica, uma dimenso poltica. No entanto, inegvel o fato deque os professores de profisso (Tardif, 2002) so possuidores de saberes

    que as pesquisas devem desvelar e trazer como referncias reais para ocontexto da produo de conhecimento educacional. A prtica profissionalno mais considerada simplesmente como sendo um objeto ou um campode pesquisa, mas um espao de produo de competncia profissional pelosprprios professores. Desse ponto de vista a produo de conhecimento no

    somente um problema dos pesquisadores, mas tambm dos professores.(p. 278)

    H que se considerar que pesquisar sobre educao musical antes detudo, pesquisar sobre educao (Souza, 1997, p. 50). Considerando essapremissa, cito Andr (2001) quando comenta, a partir de um balano realizadopor Bernadete Gatti, que no campo da educao existe uma tendncia dostrabalhos da rea para um pragmatismo imediatista tanto na escolha dos

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    problemas quanto na preocupao com uma aplicabilidade direta dosresultados.

    Tomando os problemas apontados acima e perguntando para onde caminham

    as pesquisas, creio que, de certa forma, fica caracterizada uma preocupaomuito forte com o aplicacionismo imediato dos seus resultados, na perspectivade que essa venha solucionar problemas cotidianos dos espaos educativosque no so, na grande parte das vezes, os problemas vividos nacotidianeidade do pesquisador.4Dessa forma,

    Embora reconhecendo a necessria origem social(grifo meu) dos temas eproblemas da pesquisa em educao e a importncia das questes que noimediato so carentes de anlise e proposies, ela nos alerta para a

    tendncia do recorte excessivamente limitado e para as anlisescircunscritas aos aspectos aparentes dos problemas, deixando de lado asperguntas mais de fundo e de espectro mais amplo. (Andr, 2001, p. 56)

    Ainda que essa discusso possa parecer nova, importante lembrar que

    desde os anos de 1930, no Brasil, quando do Manifesto dos Pioneiros daEducao Nova, Ansio Teixeira, ao referir-se ao ensino como arte cientfica(Tomazzetti, 2003, p.10) e sendo um fiel discpulo e admirador de Deweycompreende que nenhuma concluso proveniente das pesquisas cientficas

    pode ser convertida em regra imediata da arte de educar. (Tomazzetti, 2003,p.12)

    Evidentemente, a pesquisa em educao musical deve manter-se firmementeconectada com as necessidades emergentes das prticas scio-educacionaise musicolgicas que a sustentam, a pesquisa deve ter algum sentido prtico(Souza, 1997, p. 50). No entanto, h de evitar-se a resoluo de problemasimediatos da prtica que poderiam conduzir a produo investigativa com

    carter positivista, no avanando no reconhecimento dos processosideolgicos subjacentes prtica (ver Bellochio, 2000). Portanto, anecessidade de se tomar pesquisadores e professores como sujeitos

    engajados conjuntamente na produo e apropriao de conhecimentosgerados em pesquisas.

    4Talvez a investigao-ao nos traga bons indicativos sobre como poderemos

    agir se sentido mais colaborativo, sem um afastamento entre o investigador e osinvestigados.

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    Gauthier (1998) ao comentar sobre a ideologia aplicacionista das pesquisasno espao escolarizado de ensino, destaca que a sala de aula no um lugarsimples. um espao complexo e carregado de variveis que exigemposturas profissionais prprias e particularizadas, que advertem ao professor

    prudncia e criticidade na utilizao dos resultados de pesquisas.

    Um outro ponto a destacar com relao ao que Gauthier expe o fato que:

    Por um lado, nega-se a pertinncia da pesquisa, para fechar o ensino nomundo da experincia pessoal; por outro, nega-se a complexidade e aespecificidade da ao pedaggica em detrimento de uma visoaplicacionista dos resultados das pesquisas. A nosso ver, preciso ligar apesquisa prtica numa perspectiva de abertura sobre os possveis.

    (Gauthier, 1998, p. 394)Entendo ento a necessidade de aproximao dos campos da produo

    cientfica e da apropriao das pesquisas o que vem a requerer a produo ea divulgao de trabalhos investigativos atravs de (...) uma multiplicidade de

    abordagens, com pressupostos, metodologias e estilos narrativos diversos.(Mazzotti, 1999, p. 128). Entretanto no se trata de uma relao direta esimples e implica em novas configuraes na e para produo, divulgao eapropriao

    Dessa forma, e considerando que o tema no novo e venha sendo debatidoh no mnimo uma dcada, a nfase sobre a pesquisa em educao musical

    no est esgotada e no dever s-la, por conta da prpria dinmica que aconstitui, ou seja, as relaes que emergem da trade msica(s), homen(s),educao(es).

    3. Uma reflexo na relao produo x apropriao de conhecimentoEnquanto multiplicam-se as investigaes na rea da educao musical, so

    poucas as transformaes nas prticas educativas de professores, sobretudona escola. Enquanto sofisticam-se os sistemas acadmicos de formaoprofissional, o descrdito profissional da profisso professor continuaaumentando, gerando abismos entre quem faz e quem consome aspesquisas. Enquanto aumentam-se os veculos de divulgao das pesquisas oempobrecimento dos professores de educao bsica os impossibilita de

    adquirir essas produes. Enquanto so produzidos discursos e teorias que

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    salientam a importncia da profisso-professor assistimos, inmeras vezes,pessoas sem qualificao pedaggica e pedaggico-musical seremcontratadas para ensinar em espaos educativos ou simplesmente, fazerparcerias em projetos tais como amigos da escola, animadores culturais,

    etc. At quando viveremos nessa crise paradoxal e conflitiva? Enfim, ser querealmente estamos mudando alguma coisa ou ser que o discurso de

    mudana que se prolifera? Mudamos alguma coisa ou as roupas quemudam e deixa-se tudo com est?

    Isso leva a crer que pesquisar e divulgar os resultados de pesquisa, para almdos muros da academia e da prpria escola, envolve outros fatores decomplexidade que, nem sempre contribuem, de modo imediato, com astransformaes desejadas e com a formao de polticas que possamalavancar o desenvolvimento da rea. Por outro lado,

    Exigir que as cincias da educao (e as cincias sociais e humanas) selimitem ao estudo das atividades profissionais apenas com intuito deaumentar sua eficcia exigir sua morte e privar-se dos recursosconceituais que podem oferecer aos prticos no que se refere s suasimplicaes sociopolticas inerentes educao escolar. (Tardif, 2002, p.293)

    Precisa-se ento entrelaar a vida profissional com os referenciais tericosexistentes, sem perder a dinamicidade que implica nessa relao.

    Frente ao exposto, tenho algumas hipteses sobre o por que dodistanciamento entre o mundo acadmico e o mundo vivido, entre a produo

    e a apropriao.

    Em primeiro lugar, compreendo que um dos grandes problemas so ascondies desiguais de trabalho existentes entre os que produzem as

    pesquisas e os que as consomem, profissionais que tm sofrido, ao longo dosanos, um empobrecimento, por conta dos baixos salrios, o que os leva atripla jornada de trabalho. Por exemplo: Qual a condio que um professor de

    educao musical, com contrato de 40h, que trabalha muitas vezes com 16turmas em uma escola (exemplo de Santa Maria), possuindo uma mdia de

    550 alunos, ter para pesquisar/refletir sobre sua prtica? Qual o tempo paraproduzir um Dirio de Campo com registros dirios de seu trabalho? O queisso levaria de tempo desse professor e qual seria sua recompensa? Que

    mecanismos existem para que o trabalho do professor possa ser

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    acompanhado no mbito da escola e das pesquisas da rea? Enfim, qual otempo que esse professor tem para pesquisar conjuntamente, estudar ereapropriar-se de conhecimentos na rea e produzir inovaes no seutrabalho? Estamos pensando em termos de mudana da prtica do professor,

    em epistemologia da prtica profissional5, mas continua a mesma estruturaescolar, fragmentada, rgida, onde o professor apenas est l para ensinar e

    no para aprender.

    Em segundo lugar, outro aspecto, relaciona-se ao fato que muitos professoresensinam a partir de situaes positivas que vivenciaram ao aprender algumdia ou situaes que decorrem de um modelo que deu certo quandoensinaram. Esse saber experiencial, de modo repetitivo e mecnico, acabasendo a base da ao profissional. Com isso, a teoria que informa ficasubsumida a um segundo plano e os professores se auto repetem sem

    interessar-se por reflexes maiores, restando-lhes o interesse pelo manual,pelo livro didtico, pelo CD que traz novas canes. Frente a resultados

    parciais de uma pesquisa que venho desenvolvendo sobre os saberesdocentes de educadores musicais6fica clara a perspectiva de que se aprendea ensinar na prtica. A fala dos professores entrevistados aponta para odomnio do saberes disciplinares e dos saberes experienciais comofundamentais, o que justificaria o grande nmero de bacharis atuando emescolas de educao bsica. Por vrias razes, a prtica educativa dos

    professores que atuam sobretudo na educao bsica, no tem exigido dosmesmos a atualizao pela apropriao dos conhecimentos pedaggico-

    musicais derivados de pesquisas em educao musical.

    Um terceiro ponto nasce do questionamento se temos tido representatividade

    poltica suficiente para transformar a relao entre produo e apropriao deconhecimento na prpria rea? Representatividade poltica nas vrias esferas:

    municipal, estadual e nacional. Evidentemente, no podemos negar a

    5Chamamos de epistemologia da prtica profissional o estudo do conjunto dossaberes utilizados realmente pelos profissionais em seu espao de trabalhocotidiano para desempenhar todas as suas tarefas. (Tardif, 2002, p. 255)6 Ser professor de Msica: um estudo acerca da formao e concepeseducacionais do educador musical. Participam desse projeto: Alexandra Silva dosSantos (bolsista PIBIC); Helena Marques Pimenta (bolsista FIPE); Eliane da CostaCunha (assistente).

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    transformao gerada na rea, no Brasil, desde a dcada de 90, a partir desua organizao em associaes e da produo bibliogrfica especfica apartir de ento.

    de grande relevncia a manuteno de Encontros para que exista apossibilidade de apresentar a produo de conhecimentos de diferentes nveise tipos de pesquisa. Por exemplo, alm dos Nacionais, os EncontrosRegionais da ABEM, tm sido importantes. Por um lado, pela possibilidadedas comunidades regionais refletirem e intercambiarem o que se produz nombito das pesquisas e, por outro, para a conscientizao de uma maiorarticulao poltica no mbito das secretarias estaduais e municipais deeducao.

    Ao finalizar a exposio, penso que talvez minhas palavras tenhamdemonstrado um certo ceticismo com relao aos fatos, mas no vejo sadaunilateral para que essas situaes sejam superadas.

    Parece-me que se as condies de trabalho entre o mundo da academia e o

    mundo das prticas educativas, na escola bsica e em outros espaos,persistirem em condies desiguais, pouca coisa podemos esperar nasuperao entre a produo do conhecimento cientfico e sua apropriao.Poucas chances teremos para engajar esses dois mundos na luta por polticasmais claras e estveis. Por outro lado, de nada valem polticas para a reaque no passem pela proposio de polticas de formao e de prticaseducativas dos profissionais que esto e estaro em exerccio profissional.Trabalhar conjuntamente demanda atitudes colaborativas que requerem

    tempo de estudo, apropriao, discusso, transformao. Creio que nenhumasada unilateral resolver o problema.

    Enfim, passo a apontar alguns desafios que penso serem necessrios para

    que haja um maior fortalecimento para a apropriao da produo doconhecimento gerado nas pesquisas em educao musical e que entendocomo pontos a serem considerados para a formulao e execuo de

    polticas.

    Retomo inicialmente, quatro pontos expressos por Del Ben (2003),apresentados como desafios futuros para a pesquisa em educao musical:

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    (1) aprender a ampliar nossos horizontes sem perder nosso foco deateno, isto , nosso objeto de estudo, em suas mltiplasconfiguraes;

    (2) aproximar a pesquisa com o mundo real, com o mundo vivido;(3) aproximar as pessoas que habitam o mundo real com os resultados de

    pesquisas e de conhecimentos por elas gerados;

    (4) enfrentar o desafio de buscarmos novas formas de contar as pesquisas,de relatar, divulgar e utilizar seus achados e suas concluses erecomendaes.

    A estes acrescentaria:

    inserir a pesquisa na formao profissional em educao musical,aproximando essa de mundos pedaggico-musicais reais, como forma dedesenvolver sistematicamente os princpios da investigao educacional;

    potencializar a realizao de pesquisas que possibilitem o envolvimento edesenvolvimento profissional dos participantes como investigadores ativo-

    crticos (Carr; Kemmis, 1988), co-elaboradores de pesquisa sobre seusprprios saberes profissionais (Tardif, 2003);

    no tencionar resolver os problemas prticos da educao musical,atravs de solues simplificadas, pragmatismo imediatista; guiado por

    solues abreviadas e descomprometidas, sem anlises aprofundadas;

    compreender a importncia da teoria na realizao das pesquisas de ummodo geral, pois sem ela como se vai refletir os dados, a ao, como sevai compreend-los?

    realizar trabalhos mais colaborativos no mbito da universidade (entrecursos, entre graduao e ps-graduao) e mbito da universidade e os

    espaos educativos;

    compreender que a produo de conhecimentos no somente problemados pesquisadores mas tambm dos professores (Tardif, 2002);

    Penso que esses so apenas alguns dos desafios que temos que enfrentar no

    campo da pesquisa em educao musical, sobretudo por que nessas

    pesquisas so envolvidos objetos de estudos que implicam relaes

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    complexas, dinmicas e dialticas entre investigador, investigado, objeto depesquisa e campo investigativo, caracterstico das pesquisas educacionais.

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    Cludia Ribeiro Bellochio. Mestre em Educao pela UFSM, Doutora emEducao pela UFRGS. Professora Adjunta do Departamento de Metodologia deEnsino, Centro de Educao UFSM. Atua na formao de professores noscursos de Pedagogia e Licenciatura em Msica. Professora e orientadora noPrograma de Ps-Graduao em Educao. Lder do grupo de Pesquisa FAPEM:formao, ao e profissionalizao de professores em educao musical.Presidente da Comisso Editorial da Revista Educao. Coordenadora doLaboratrio de Educao Musical LEM/CE. Representante da ABEM no RS.

    e-mail: [email protected].