Da Responsabilidade Civil Em Odontologia

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    DA RESPONSABILIDADE CIVIL EM ODONTOLOGIAAutor: Neri Tadeu Camara Souza

    Para se responsabilizar juridicamente um cirurgio-dentista por um fato danoso aum paciente, deve-se concluir pela presena dos trs elementos caracterizadoresda responsabilidade civil, a saber: conduta (culposa), dano e nexo de causalidade,acrescidos de um quarto pressuposto: o ato lesante. No h como se atribuir oevento danoso conduta do cirurgio-dentista se este no agiu com imprudncia,impercia ou negligncia, realizando corretamente os procedimentos os quais se

    propunha executar. No se configura um dever de reparar prejuzos.Ao paciente cabe o nus de comprovar que o cirurgio-dentista, pelo seu procederou pela tcnica empregada, deu azo aos danos sofridos, pois a odontologia umaatividade que, na sua relao contratual de prestao de servios odontolgicosaos pacientes, tem, como regra geral, por objeto destes contratos obrigaes demeios. Ausente, pois, esta prova no h como se responsabilizar o profissionaldesta rea, se este, inclusive, conseguir demonstrar que agiu de acordo com osprocedimentos tcnicos recomendados para o caso. No se demonstrando queum dano ocorrido tenha decorrido da falta de diligncia no trato com o paciente,no h porque se responsabilizar o cirurgio-dentista pela leso sofrida pelomesmo. A culpa um descumprimento de um dever que o odontlogo podiaconhecer e no devia descurar de cumpri-lo. Inexistir obrigao de indenizarquando o cirurgio-dentista no exerccio de sua funo no teve uma condutaculposa, ou seja, no atuou com impercia, imprudncia ou negligncia. Aimprudncia um agir precipitado, aodado, uma falta de prudncia no atuar,

    uma atitude comissiva; a impercia uma inabilidade tcnica, uma falta de perciana atuao do mdico - um despreparo profissional; a negligncia trata-se deuma indolncia no atuar, a manifestao de uma preguia psquica, uma falta dediligncia no agir, um ato omissivo. Se o tratamento foi consentneo com o queo quadro odontolgico apresentado exigia no h do que inculpar o profissional.Tambm a ausncia de nexo causal entre o ato deste e o dano ao paciente eximede ser responsabilizado o profissional. Se faz, sempre, imperiosa a demonstrao

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    do nexo causal entre a ao ou omisso e o dano. Se inexistir nexo causal relao de causa e efeito - entre os alegados danos sofridos e a conduta imputada

    ao cirurgio-dentista queda improvado que a ao do profissional foi aresponsvel pelo prejuzo experimentado pelo paciente, eximindo-se este daresponsabilidade de ressarcir o prejuzo.Os danos podem ser materiais e morais. O dano material ser afastado frente ausncia de demonstrao atravs de documentao idnea, da existncia domesmo. Os danos materiais necessitam da comprovao, pois ditos danos no sesujeitam a presunes nem se caracterizam por mera hiptese, pois resultam da

    efetiva leso aos bens ou interesses patrimoniais. O dano moral, por sua vezpode, at, ficar caracterizado, to s pela presena de um dano esttico ou pelaexistncia de um abalo psicolgico sofrido.A obrigao do cirurgio-dentista no , porm, sempre de meios, como ocorreem certas especialidades odontolgicas. o que acontece na especialidade deEndodontia, onde o servio prestado por este no vinculado especificamente aoresultado, e sim ao emprego de todos os elementos disponveis indicadostecnicamente para alcanar a cura. A culpa do profissional surge da inobservnciados cuidados necessrios a teor do prescrito no artigo n951 (O disposto nos arts.948, 949 e 950 aplica-se ainda no caso de indenizao, devida por aquele que, no

    exerccio de atividade profissional, por negligncia, imprudncia ou impercia,

    causar a morte do paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe leso, ou inabilit-lo

    para o trabalho ) do Cdigo Civil brasileiro e no artigo n186 (Aquele que, por ao ou omisso voluntria, negligncia ou imprudncia, violar direito e causar

    dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilcito ) do mesmo

    Cdigo. Mas, determinadas especialidades odontolgicas se caracterizam por tercomo objeto da relao contratual uma obrigao de resultado. Pode-se admitir,com prvia anlise das circunstncias do caso concreto, que os contratos deprestao de servios odontolgicos contm, implcita, uma clusula deincolumidade do paciente, consubstanciada no dever de cumprimento dotratamento necessrio - adequado - sem causar o agravamento da situaoostentada pelo paciente. Portanto, o contrato de prestao de servios

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    odontolgicos constitui-se numa obrigao de meios, ou, em certas ocasies daatividade profissional odontolgica, dependendo do caso, de resultado.

    E, da lei, transcrevemos de nosso Cdigo Civil, o artigo n422,verbis : Os contratantes so obrigados a guardar, assim na concluso do contrato, como em

    sua execuo, os princpios da probidade e boa-f . E, nada mais adequado queestabelecer legalmente a necessidade da presena da boa-f na vontade - noatuar - dos contratantes pois esta visa proteger as expectativas legtimas, dosmesmos, no contrato. Por esclarecedor, adicionamos o ensinamento sobre oaspecto contratual da relao do cirurgio-dentista com o paciente, de Ida T. P.

    Calvielli: Assim a obrigao contratual do cirurgio-dentista compreende,fundamentalmente, a realizao do servio convencionado (e que consiste no seu

    plano de tratamento) que poder ser considerada cumprida, em determinados

    casos, se o profissional agiu com zelo e diligncia (obrigao de meio). Em outros

    somente o resultado desobrigar o profissional (Responsabilidade Profissional do Cirurgio Dentista, in : COMPNDIO DE ODONTOLOGIA LEGAL. Moacyr daSilva (Coordenador), Rio de Janeiro: Editora MEDSI, 1997, p.402-03). E,enfatizamos o que diz ainda Ida Calivielli: A obrigao contratual do cirurgio- dentista, portanto, compreende o dever de executar o servio convencionado

    obedecendo adequao tcnica e cientfica (op.cit. , p.404). Mas certo quedemonstrado que os sofrimentos fsicos e morais padecidos por um paciente apstratamento odontolgico a que for submetido decorreram de impercia, neglignciaou imprudncia do profissional, ficar caracterizado o dever deste de indenizar omal causado, eis que presente o elemento integrador da responsabilidade civil, aculpa. Em sede de relao de consumo, portanto sob a gide do Cdigo de

    Defesa do Consumidor (Lei n8.078, de 11/09/1990), em seu artigo n14, nopargrafo 4 (A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais ser apurada mediante a verificao de culpa ), que o afirma explicitamente, h que se provar aculpa do profissional liberal. E, profissional liberal que , a est situado ocirurgio-dentista.

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    A responsabilidade civil do cirurgio-dentista pode se dar pelo fato de terceiro,como diz o Cdigo Civil brasileiro, em seu artigo 932, no inciso III,verbis : So tambm responsveis pela reparao civil: (...)

    III o empregador ou comitente, por seus empregados, serviais e prepostos, no

    exerccio do trabalho que lhes competir, ou em razo dele; , podendo levar ocirurgio-dentista a ser responsabilizado pelos danos causados ao paciente poroutrem. Enfatize-se, aqui, a responsabilidade civil do cirurgio-dentista pelo fatode terceiro, nos termos deste artigo, no que tange aos seus auxiliares, e at noque se relaciona aos cirurgies-dentistas que executam, conjuntamente ou

    isoladamente, servios nos seus pacientes. Ele tem responsabilidade tantoin eligendo , ou seja, tem o dever de escolher bem aqueles que vo lhe auxiliar nasua azfama diria junto aos pacientes, como tambm tem responsabilidadein vigilando, qual seja, a de supervisionar, vigiar e fiscalizar a atividade dos mesmos.Estando presentes os quatro elementos, que compe a responsabilidade subjetiva(teoria do dano), a saber, ato lesivo, dano, nexo causal e culpa ao agir, fica certoque necessrio que o profissional tenha que ressarcir o paciente dos prejuzosdecorrentes do seu servio imperfeito. Podem ocorrer danos materiais para opaciente, em decorrncia de um servio odontolgico mal executado, comotambm danos morais. O arbitramento, tarefa sensvel, pelo julgador, daindenizao pelos danos morais deve ser moderado e eqitativo, atento scircunstncias de cada caso, evitando que se converta a dor em instrumento delucro (de lucro capiendo ), levando-se, porm, sempre em considerao as dores,a vergonha, o constrangimento suportados pelo autor da ao judicial, inclusiveverificando-se o quanto estes se prolonguem no tempo.

    Se mal executado um servio, isto implicar na devoluo do valor cobrado, ouseja, ressarcimento dos danos materiais, podendo caracterizar-se, at, anecessidade da indenizao por danos morais. A responsabilidade civil pelo fatoda coisa, na atividade do cirurgio-dentista, prevista em nosso Cdigo Civilbrasileiro, numa interpretao extensiva, do artigo n938 do Cdigo Civil brasileiro:Aquele que habitar prdio, ou parte dele, responde pelo dano proveniente das coisas que dele carem ou forem lanadas em lugar indevido . Procedendo a

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    execuo de servio com material inadequado, pode-se atribuir a este aresponsabilidade pelo fato da coisa, gerando a necessidade de ressarcir os danos

    causados. O mesmo se pode dizer do equipamento que utiliza. O procedimentoodontolgico de colocao de prtese dentria, diante da finalidade para a qual destinado, tem merecido tratamento pelo nosso ordenamento jurdico como umaobrigao de resultado. A responsabilidade decorrente do fato do servio implica,frise-se, na reexecuo por conta do prestador do servio defeituoso, ourestituio da quantia paga, em caso de insucesso no tratamento.Para o entendimento do que sejam obrigaes de meios e obrigaes de

    resultado, veja-se o esclio de Marcelo Leal de Lima Oliveira: Foi Demogue nota do autor: jurista francs Ren Demogue que em 1925 divulgou aclassificao das obrigaes contratuais em obrigaes de meios e obrigaes deresultado o primeiro a fazer a distino entre obrigaes de meio e de resultado. Para ele, h uma obrigao de meio quando a prpria prestao nada mais exige

    do devedor alm de, pura e simplesmente, empregar determinados meios sem se

    importar com os resultados.

    Nas obrigaes de resultado, o devedor se obriga a realizar um fato determinado,

    a atingir certo objetivo (RESPONSABILIDADE CIVIL ODONTOLGICA. BeloHorizonte: Del Rey, 2000, p.71-72). E, o mesmo Marcelo Oliveira complementa:Assim, pode-se afirmar que as obrigaes de resultado so aquelas em que,alm do esforo necessrio, o devedor se obriga a atingir determinado resultado

    til de sua atividade . (...)As obrigaes de meio, por sua vez, so aquelas em que o devedor se obriga a

    utilizar-se de suas habilidade tcnicas e capacidade pessoal para a realizao de

    determinado fim, no estando, contudo, sua obrigao vinculada ao resultado final desta atividade (op.cit. , p.72-73).O caso fortuito e a fora maior eximem o profissional de ser responsabilizadopelos danos porventura sofridos pelo paciente como bem diz o artigo n393 doCdigo Civil ptrio,verbis : O devedor no responde pelos prejuzos resultantes de caso fortuito ou fora maior, se expressamente no se houver por eles

    responsabilizado.

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    Pargrafo nico. O caso fortuito ou de fora maior verifica-se no fato necessrio,

    cujos efeitos no era possvel evitar ou impedir . Tambm a culpa exclusiva do

    paciente exime o profissional. Alm disso, o Cdigo Civil brasileiro prev, em seuartigo de n944 (A indenizao mede-se pela extenso do dano.Pargrafo nico. Se houver excessiva desproporo entre a gravidade da culpa e

    o dano, poder o juiz reduzir, eqitativamente, a indenizao ) que nadeterminao doquantum debeatur (valor pecunirio a ser pago ao prejudicado)seja levado em considerao o grau de culpa do agente lesante.A realidade atual nos tribunais brasileiros, faz sobressair deste contexto uma

    tendncia dos tribunais de, no caso concreto, em situaes jurdicas da postulaode ressarcimento de prejuzos causados por cirurgio-dentista, analisarem ascircunstncias peculiares de cada tratamento, para s assim optar entreconsiderar a obrigao, no que se refere quela pela qual este se comprometeucom o seu paciente, como sendo de meios ou de resultado. Este parece ser oentendimento jurisprudencial e doutrinrio.Em certas especialidades os tribunaisbrasileiros despegam-se da interpretao de que a obrigao do cirurgio-dentistaseja de meios e aceitam tratar, em termos jurdicos, e dentro do processo judicial,que a mesma seja uma obrigao de resultado, com a evidente implicao legal,no campo processual, de ocasionar o que ditado pela doutrina ptria: a inversodo nus da prova. Em conseqncia desta inverso do nus de fazer prova noprocesso, passa a ser atribuio, quando em juzo, do cirurgio-dentista eximir-se,atravs do devido conjunto probatrio, de ter atuado com negligncia, imprudnciaou impercia, comprovando que o eventual insucesso no tratamento odontolgico,se existente, deveu-se ao caso fortuito (casus ), fora maior (vis major ), ou mesmo

    culpa exclusiva do paciente.Existe uma listagem oficial de especialidades integrantes do exerccio profissionalda Odontologia expressa na Resoluo n63/2005, do Conselho Federal deOdontologia, no artigo n39. Dentre elas consegue-se identificar quaisespecialidades so aceitas, como tendo por objeto contratual, via de regra, umaobrigao de resultado. As especialidades deImplantodontia e, tambm admitido,Prtese Dentria, esto entre aquelas que apresentam-se como regidas

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    na relao contratual por uma obrigao de resultado, ainda que no se exclua aaleatoriedade nestes tratamentos, mesmo que numa pequena proporo, e

    portanto, sendo aceita a possibilidade de no se obter ao final do tratamento oobjetivo teraputico perseguido pelo cirurgio-dentista, e esperado pelo paciente.A aleatoriedade - a lea - que, sempre, vai ter a possibilidade de se inserir naevoluo dos tratamentos odontolgicos, devida possvel imprevisibilidade dosfenmenos biolgicos das estruturas orgnicas, que so o campo de atuao docirurgio-dentista. Alm destas especialidades descritas como tendo umaobrigao de resultado, com as devidas ressalvas feitas, podemos citar como

    colocadas situando-se entre as especialidades cujo objeto jurdico do contrato deservios odontolgicos afigura-se, predominantemente, como sendo umaobrigao de resultado estas: Dentstica Restauradora, Odontologia em Sade Coletiva, Odontologia Legal, Patologia Bucal, e Radiologia . E, tendo como seuobjeto contratual, preferencialmente - conceitualmente - uma obrigao de meiosestas: Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Faciais, Endodontia, Odontopediatria,Periodontia, Ortodontia, Prtese Buco-Maxilo-Facial, Estomatologia, Disfuno

    Tmporo-Mandibular e Dor Oro-Facial, Odontologia do Trabalho, Odontologia para

    Pacientes com Necessidades Especiais, Odontogeriatria e Ortopedia Funcional

    dos Maxilares .Emerge do exposto que a tendncia dos julgadores em nosso pas, mesmorespeitando, e levando em considerao, na avaliao da lide, a incluso em umou outro grupo, no que tange qualidade da obrigao contratual (de meios ou deresultado) que se estabelece entre o cirurgio dentista e o paciente, avaliar ascaractersticas do caso concreto, como si acontecer nas lides jurdicas, ao

    manejar processualmente as postulaes judiciais de ressarcimento, pelospacientes, em termos de insucesso em tratamentos odontolgicos.

    NERI TADEU CAMARA SOUZAADVOGADO E MDICO

    DIREITO DA SADE Rua Upamaroti, 649 - Porto Alegre - RS - CEP 90820-140

    Telefones: 0xx51.3247.2572/3247.2530E-mail: [email protected]

    Autor do livro: RESPONSABILIDADE CIVIL E PENAL DO MDICO -2 edio - 2006 - LZN Editora - Campinas - SP - Site: lzn.com.br