Da voz ao jogo, do jogo a voz

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  • 7/23/2019 Da voz ao jogo, do jogo a voz

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    UNIVERSIDADE DE SO PAULO

    Escola de Comunicaes e Artes

    Departamento de Artes Cnicas

    Voz e potencial para o jogo

    Gabriel Valena Hernandes Vila

    Trabalho de Concluso de Curso de

    Licenciatura em Educao Artstica

    com Habilitao Plena em Artes

    Cnicas sob a orientao da Prof. Dr.

    Maria Lcia de Souza Barros Pupo ecoorientao do Prof. Dr. Fbio

    Cardozo de Mello Cintra.

    So Paulo

    2013

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    UNIVERSIDADE DE SO PAULO

    Escola de Comunicaes e Artes

    Departamento de Artes Cnicas

    Voz e potencial para o jogo

    Gabriel Valena Hernandes Vila

    Trabalho de Concluso de Curso de

    Licenciatura em Educao Artstica

    com Habilitao Plena em Artes

    Cnicas sob a orientao da Prof. Dr.

    Maria Lcia de Souza Barros Pupo e

    coorientao do Prof. Dr. Fbio

    Cardozo de Mello Cintra.

    So Paulo2013

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    Com carinho a :

    Cia. Teatral A Vaca Tossiu, pela vidaColetivo de Galochas, pelo teatro

    Cia. da Revista, pela msica

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    Beba do martrio dessa vida pelo corao.Paulinho da Viola

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    Sumrio

    1. Introduo ............................................................................................................... ...

    1.1. Intuio ...................................................................................................................

    1.2. Breve histrico e abordagens da pesquisa ............................................................2. O incio de processo que achei necessrio ...............................................................

    2.1. A prospeco da musicalidade ...............................................................................

    2.2. Altura e intensidade, jogo do maestro ....................................................................

    2.3. Ritmo e durao, pulso na roda .............................................................................

    2.4. Descobertas da escavao ....................................................................................

    3. Sons da imaginao ..................................................................................................

    3.1. Objetos sonoros vocais ..........................................................................................3.2. Pensante escuta ...................... .............................................................................;

    4. Da voz ao jogo ............................................................................... ............................

    4.1. Composio sonora ................................................................................................

    4.2. Encenando o que foi escutado ...............................................................................

    4.3. Verbalizando e estabelecendo conflitos .................................................................

    5. Do jogo voz .............................................................................................................

    5.1. Onde e aes fsicas ..............................................................................................

    5.2. Configuraes espaciais ........................................................................................

    5.3. A caminhada da voz ...............................................................................................

    5.4. Sonorizao das cenas ..........................................................................................

    5.5. Formalizando o jogo musical .............................................................................. ....

    6. Concluso ..................................................................................................................

    7. Referncias bibliogrficas .........................................................................................

    8. Anexo A .....................................................................................................................

    9. Anexo B .....................................................................................................................

    10. Anexo C ...................................................................................................................

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    1. Introduo

    1.1. Intuio

    Escrevo como atuo. Atuo como toco. Toco como penso. Penso como o engatinhar

    de um recm-nascido dentro de uma sala completamente escura. Movo-me inteiramentepela intuio e pela paixo da descoberta noracional. Este trabalho o reflexo da

    trajetria artstica vivida entre os anos de 2007 e 2013 no perodo da graduao em

    Educao Artstica com Habilitao Plena em Licenciatura da Escola de Comunicaes e

    Artes da USP. Trajetria percorrida mundo afora, atravs das experincias artsticas

    vivenciadas, em sua grande maioria, fora da universidade. A experincia artstica do

    escritor tem raiz forte na rua. Por conta disso, toda a bagagem artstica acumulada antes

    e durante a vida acadmica justifica-se mais no corpo, atravs do processo intuitivoimpassvel de explicao pelo autor, e menos no aspecto terico, que lhe serve apenas

    como referencial esquemtico de temas a serem, intuitivamente, explorados. Essa

    revelao no traduz a preferncia pelo afastamento dos postulados tericos ou pela

    prtica acadmica, ao contrrio, aproxima esse autor a manej-los sua justa maneira:

    ao decurso do fluxo intuitivo.

    1.2. Breve histrico e abordagens da pesquisa

    Esta pesquisa uma descrio, paralela a uma anlise terica, de um processo de

    oficinas de voz que encerra um projeto de trilogia da investigao prtica das

    possibilidades da voz, dentro da linguagem teatral, em diferentes mbitos. Esse projeto foi

    iniciado no ano de 2012 a partir de um processo de treinamento de voz para atores, j

    formados, nos espaos pblicos do centro da cidade de So Paulo, orientado pelo Prof.

    Dr. Zebba Dal Farra (CAC-USP), e que deu origem ao artigo A criao da voz do ator no

    espao pblico: origem no corpo, projeo no espao, disponvel no anexo C dessapesquisa. Em maio de 2013 ano seguinte fui convidado pelo Prof. Dr. Eduardo Coutinho

    Tessari (CAC-USP) para ministrar uma aula aos alunos da disciplina Prticas de Rua do

    curso de graduao em Artes Cnicas com habilitao em interpretao, em que

    desenvolvi com base trabalho anterior um segundo processo focado na voz e sua

    projeo em espaos abertos realizado na Praa do Relgio da Universidade de So

    Paulo e orientado pelo Prof. Dr. Fbio Cardozo de Mello Cintra. Esses dois primeiros

    trabalhos deram enfoque ao estudo da voz a partir do corpo em direo ao espao, ou

    seja, abarcaram um estudo sobre os mecanismos biolgicos de emisso e projeo da

    voz desde a sua origem at a propagao no espao.

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    Na terceira e derradeira parte dessa trilogia pretendo fazer uma anlise a partir das

    oficinas prticas de teatro realizadas durante os meses de agosto, setembro e outubro de

    2013 na Escola Caminho Aberto (CAMB), instituio particular localizada na regio

    centro-sul da cidade de So Paulo. Denominadas Teatro e Voz as oficinas somaram um

    conjunto de 11 encontros em espao cedido pela instituio nos horrios dos encontrosdas aulas extracurriculares de teatro, duas vezes por semana. A turma fixa formavam um

    coro de 6 alunos, todos meninos, do stimo ano do Ensino Fundamental com a

    participao espordica de alguns alunos de 6 ano que, aos poucos, deixaram de

    comparecer. Essas oficinas tiveram como objeto central de anlise as relaes entre voz

    e jogo dentro de um duplo-vis que os estimulava: a voz como potencial para o jogo e, no

    sentido inverso, o jogo como potencial para a voz.

    Duas modalidades de jogo foram abordadas de maneiras diferentes durante essaprtica: o jogo teatral e o jogo musical. Em sua primeira etapa, da voz ao jogo, o jogo

    musical ser utilizado como ponte de transio da voz, em uma perspectiva ldica, na

    criao de cenas em que ser possvel instaurar o jogo teatral. Na segunda etapa, do jogo

    voz, o jogo teatral que formar essa ponte, em perspectiva ldica, na transio das

    cenas j existentes para a instaurao do jogo vocal com a criao de composies

    sonoras coletivas. Para a anlise terica sero utilizados principalmente, em relao ao

    jogo teatral, o livro de Viola Spolin Improvisao para o teatro e, em relao ao jogo

    musical e seus pontos de contato com o jogo teatral, a tese de doutorado do Prof. Dr

    Fbio Cardozo de Mello Cintra A musicalidade como arcabouo da cena: caminhos para

    uma educao musical no teatro.A inspirao para a criao dessa temtica de pesquisa

    em que o jogo colocado nas posies inicial (elemento estimulante) e final (estimulado)

    de um processo que acontece em uma via de duas mos utilizei do livro Entre o

    Mediterrneo e o Atlntico: uma aventura teatral, da Prof. Dr. Maria Lcia de Souza

    Barros Pupo.

    Sobre a supracitada perspectiva ldica pretendo verificar tambm, como objetivo

    secundrio, porm no menos importante, o rastro deixado pela utilizao dos jogos

    dentro de um processo criativo. Explico-me: em um processo alimentado a todo momento

    pelos jogos teatral e musical pretendo averiguar a hiptese de que o fator criativo do

    processo ao qual me proponho a realizar corresponde em cem por cento dimenso

    ldica dos jogos que, na verdade, se faz presente em todo o decorrer do processo, no

    somente durante a realizao de uma dessas modalidades de jogo, de modo que sempre

    e a qualquer momento o jogo poder ser resgatado, enquanto estiver relacionado

    construo de um objeto artstico seja de natureza teatral ou musical. Como o tema

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    central da pesquisa trata da voz no contexto das modalidades teatral e musical do jogo

    no sero colocadas baila questes sobre o desenvolvimento da voz em relao ao

    corpo no que tange aos mecanismos de emisso bem como qualquer outro aspecto da

    voz que no seja apenas importante para a sua presena em jogo. A anlise da origem da

    voz, as implicaes psicolgicas e sociais, os cuidados com a emisso ou a investigaodo funcionamento do aparelho vocal fogem ao tema de pesquisa deste trabalho e, alm

    disso, j foram observados em trabalho realizado anteriormente A criao da voz do

    ator no espao pblico: origem no corpo, projeo no espao, disponvel no anexo C

    desta pesquisa.

    A descrio das experincias vivenciadas nos encontros das oficinas est

    condensada em uma narrao que selecionou os aspectos mais importantes para o tema

    da pesquisa, rompendo a diviso cronolgica entre os dias e seus respectivosacontecimentos. Algumas dessas experincias esto disponveis para a visualizao e

    audio no DVD incluso no anexo A da pesquisa. Importante salientar o enfoque

    detalhado nas incurses analticas sobre o jogo e a linguagem teatrais, menos presente

    quando se trata de jogo e linguagem musicais, primeiro porque esse trabalho refere-se

    formao em um curso de Artes Cnicas, segundo pela bagagem tcnica do autor ter um

    privilgio maior na rea do teatro.

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    2. O incio de processo que achei necessrio

    Ao iniciar os estudos para o desenvolvimento do tema da pesquisa questionava -

    me, no mago da minha inexperincia em sala de aula, como dar incio prtica a que

    me propus realizar. A preocupao inquietava, menos pela incerteza da proposta em si,

    mais pela erma sensao de conseguir dar incio a um processo que crie uma trajetria

    sensvela curto ou longo prazo para a construo do objeto de estudo. Como iniciar

    um processo em que possamos, oficineiro e turma, explorar as possibilidades da voz

    perpassando o jogo musical rumo ao jogo teatral e o caminho contrrio? Uma trajetria

    que abarca o campo essencialmente ldico, atravs dessas modalidades de jogo, e

    embrenha-se pela via de expresso da voz, atravs do trabalho com o corpo e com as

    propriedades do som, exigiria, talvez, uma largada prospectiva acerca dos dois mundos. A

    essa introduo, que seriam os primeiros encontros das oficinas, reservei-me a introduzir

    um procedimento de prospeco da musicalidade, com a qual pretendi averiguar junto

    aos alunos os seus diferentes graus de conhecimento sobre o uso da voz no campo da

    linguagem musical. A inteno foi investigar como os diferentes potenciais se

    configuravam coletivamente. Tendo em vista o curto tempo de durao dos encontros e a

    pouca quantidade de encontros previstos, a dedicao individual caberia apenas dentro

    do trabalho coletivo.

    Quanto investigao das experincias teatrais soubera, de antemo, que a turmaj havia passado por algum processo teatral, no claramente especificado pois os

    encontros dedicados a mim eram cesso no espao de uma oficina de teatro que j havia

    iniciado e estava acontecendo. Alm dessa informao levei em considerao tambm o

    fato de saber que alguns alunos da turma com a qual realizei o meu ltimo estgio de

    observao de aula de teatro, naquela mesma escola, faziam parte da turma em questo.

    Dessa forma defini que investigaria, agora, apenas o campo musical.

    2.1. A prospeco da musicalidade

    O espao inicial do primeiro encontro foi reservado para conhec-los formalmente:

    alm de perguntar-lhes os nomes e as respectivas turmas do Ensino Fudamental de que

    faziam parte, julguei necessrio saber do conhecimento de cada um sobre msica, se

    tocavam ou j haviam tocado algum instrumento, se cantavam ou j haviam cantado e o

    que gostavam de ouvir e, nessa ltima indagao salientei que no se restringissem

    apenas ao universo musical e sim a toda a natureza sonora existente mundo afora. Para a

    minha surpresa, a despeito de afirmarem categoricamente que nenhum deles sabia

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    cantar, todos disseram tocar instrumentos entre violes, guitarras, violinos e flautas. Alm

    disso, e apesar do desprezo vocal por parte deles, disseram terem composto um rap.,

    Associando a pergunta o que gostavam de ouvir ao tema musical dos questionamentos,

    a maioria revelou seu gosto por alguns gneros musicais: rock, heavy metal, rap, msica

    clssica e reggae. O restante confessou gostar do barulho da chuva, do som da gua domar e de ouvir nada. Anotadas as informaes (e suspeitando que elas pudessem

    auxiliar, em algum momento, na conduo do processo da oficina), iniciamos, de fato, a

    prospeco da musicalidade.

    Para explorar os graus de conhecimento musical (consciente ou no) dos alunos

    da turma procurei elaborar exerccios que exigissem a movimentao do corpo como

    base para a proferio da voz. Cada exerccio tinha como aspecto central o trabalho com

    pelo menos uma das quatro propriedades sonoras: altura, intensidade, timbre e durao.

    2.2. Altura e intensidade, jogo do maestro

    Em coro, uma pessoa destaca-se como corifeu e se volta diante do restante do

    coro. Ela ser o maestro que a partir de livre movimentao dos braos e mos ir reger

    as vozes do coro estabelecido que dever cantar o primeiro nome do maestro. Dessa

    forma me coloquei na posio de maestro e, sem maiores explicaes, executei

    movimentos simples de subida e descida com os braos buscando que entendessemintuitivamente como isso poderia alterar, ou no, a proferio do meu nome na boca

    deles. Essa movimentao simples, erguer e abaixar os braos, leva a uma intuio fcil e

    conflituosa entre as propriedades do som de altura e intensidade. Os braos para cima

    significam uma voz que revela maior tonalidade ou de intensidade maior? Ao abaix-los

    at o cho eu estou propondo que cantem mais levemente, com menor fora, ou em

    tonalidades mais baixas? Sem definies nesse primeiro momento cedi meu lugar ao

    prximo maestro e comecei a observar o andamento do exerccio. medida que omaestro muda apuram-se as qualidades de canto em relao aos movimentos propostos

    e novas possibi lidades de movimento so criadas. H de ser feita a seguinte reserva

    sobre o cantar nesse primeiro estgio da oficina: de fato nenhum nome estava sendo

    cantado, porm havia no ar uma inteno de cantar, o que fez com que os nomes fossem

    falados de maneira diferente. O simples fato do enunciado do exerccio propor a situao

    de um personagem maestro regendo um coro que deve cantar induziu aos registros das

    vozes uma tentativa de superar os diferentes registros falados e, medida que novos

    gestos eram propostos e incorporados pelos prximos maestros, mais ainda a inflexo do

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    registro falado para o cantado pelas vozes cantantes era considerada, estivessem os

    alunos conscientes disso ou no.

    2.3. Ritmo e durao, pulso na roda

    Fizemos uma roda e sugeri a marcao do tempo com os ps. Marcvamos em

    andamento vagaroso um compasso quaternrio onde o primeiro tempo era nitidamente

    acentuado em relao aos trs seguintes. Contemplado com a reverberao do primeiro

    exerccio arrisquei-me logo a ouvir as vozes individuais dentro dessa pulsao. Uma

    pessoa escolheria, com os olhos, algum da roda e falaria o seu nome dentro desse ritmo

    pr-definido pelos quatro tempos. A pessoa que foi nomeada, em seguida, escolheria uma

    prxima, dando prosseguimento ao exerccio, sempre tentando respeitar a durao e o

    ritmo marcados com os ps. Exemplifiquei com 3 nomesos trs nicos ainda frescos

    em memria recente, dos 6 alunos os quais conhecera h poucos minutos modos

    diferentes de cham-los no ritmo proposto.

    Contra expectativas alimentadas, no corao do oficineiro estreante, tropeos de

    nomes e quebras de ritmos arrebatavam-lhe nos ouvidos: individualmente as crianas

    encontravam descompasso entre a tentativa de entoar o nome escolhido dentro daquela

    limitao marcada pelo pulso, de modo que, ou alteravam drasticamente o andamento

    dos ps, para mais ou para menos, como forma de encaix-lo no ritmo da pronncia donome, ou enrolavam a dico e acrescentavam pausas inexatas para que o nome

    coubesse ritmicamente no pulso, em uma tentativa de compreender logicamente os

    exemplos oferecidos na enunciao do exerccio.

    Agora, no contemplado, interferi propondo uma pequena alterao: exemplificaria

    alguma sonoridade com a minha voz, ainda dentro daquele pulso inicialmente proposto, e

    todos, coletivamente, repetiriam da forma em que a executei respeitando no s altura,

    intensidade e durao mas tambm o timbre. J que as sonoridades no eram de ordemlxica conhecida, mas sim de uma linguagem inventada, no havia preocupao com o

    que se estava tentando repetir: no sendo identificadas logicamente como componentes

    de um lxico compartilhado (ou mesmo particular) perde-se o alcance semntico e inibe-

    se o sistema de significao restando-lhe apenas o som e uma eterna tentativa de

    associ-lo a algum sistema de significao. A tentativa de identificar o estranho som

    escutado com qualquer coisa conhecida dispensa julgamento prvio acerca desse objeto

    sonoro, j que no se sabe do que est falando. Essa patinao no gelo parece facilitar

    uma dedicao da ateno s propriedades sonoras do se est entoando. Assim, a

    propriedade timbrstica da voz que se ouve facilita, por alguma outra via de compreenso

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    que no a lgica, e locomove essa tentativa de identificao ao universo imaginrio

    aproximando-a ao som de vozes j conhecidas, rudos cotidianos e sonoridades

    familiares.

    Esse procedimento ao qual, hipottica e intuitivamente, me propus a desenrolar,

    somado cadncia daquela pulsao marcada com os ps, parece criar um estado depresena e ateno entre os alunos. Uma clima de interesse coletivo e de sede por

    desafio preencheu o ar daquela sala.

    2.4. Descobertas da escavao

    A gente tem um rap, quer ouvir?, falou Pedro, ansiosamente, quando acabamos

    de cantar. Restavam-nos ainda 5 minutos de encontro. Quero ouvir., respondi, e, em

    questo de alguns segundos, o coro de rappers j se organizara. Tiago, Gustavo e Rafael

    escalaram cadeiras. Embaixo Pedro, Miguel, Fernando e Danilo estavam a postos. Cada

    um em sua posio e Gustavo conta at quatro. Diante de meus olhos a turma apresenta

    um nmero musical de rap, cantado, danado e encenado, revelando sofisticao dentro

    de um universo artstico que explora diversas possibilidades das linguagens teatral e

    musical: os corpos exploram partituras que se repetem dialogando com a narrao

    contada na letra e compem no espao, com os outros corpos, a partir dos planos baixo,

    mdio e alto; a voz em registro falado adquire potencial musical no s pela identificao,independente de esteretipos, com um jeito de se cantar rap ou pelo gnero narrativo,

    mas principalmente por certa preocupao com determinadas entonaes e pausas

    acompanhadas pelo movimento.

    Esse universo artstico um universo de referncias, que se revelou

    surpreendente ante os olhos do oficineiro devido sua organizao como apresentao

    musical adquire potencial artstico para o trabalho de estudo da voz na perspectiva

    ldica que me propus atravs dos diferentes graus de conhecimento das linguagensaproveitadas. Os alunos j brincam com a voz. Em resposta ao processo de prospeco

    da musicalidade, alm da sondagem referencial a partir dos exerccios propostos e

    alhures s inseguras expectativas, do oficineiro, de sucesso em suas averiguaes, eis a

    escavao desse objeto de criao, o rap, da prpria turma que revela tanto experincia

    na rea da linguagem teatral quanto musical.

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    3. Sons da imaginao

    3.1. Objetos sonoros vocais

    Julgo importante pensar um processo como uma estrutura em que cada passo no

    se d a partir de uma ideia imposta, no se semeia um propsito a ser investigado sem acompreenso e o estabelecimento de um ponto de origem. Dessa forma procuro justificar

    cada etapa do processo pela construo e descoberta individual, para cada aluno da

    turma, da medida e amplitude do passo a ser dado. Explico-me: em uma primeira etapa o

    propsito percorrer um trajeto que tenha a voz como ponto inicial e descubramos, ao

    longo do percurso, quais potencialidades de jogo podem ser adquiridas trabalhando-a em

    uma perspectiva ldica. Mas como partir da voz como ponto inicial? Esse procedimento

    implica que, para o incio de pesquisa prtica, tenhamos em mos um objeto sonorocriado pela voz.

    Atribuindo carter musical vozcaracterstica essa ressaltada em todos os dias

    de oficina e aspecto essencial desse elemento dentro da pesquisa pretendo contribuir,

    inicialmente, para a criao de um objeto sonoro alimentado pela imaginao individual

    por meio de exerccio criadoe posteriormente, para uma composio coletiva de objetos

    sonoros, atribuindo ao exerccio o carter improvisacional dentro do jogo musical,

    analisado no captulo seguinte, Da voz ao jogo (capitulo 4). Esse objeto sonoro, por ser

    definido e expresso dentro dessa pesquisa somente pela voz, ser sempre chamado de

    objeto sonoro vocal. Ento defino a ideia de objeto sonoro vocal no mbito pretendido

    como a compreenso de todas as possibilidades de manifestao com a voz.

    3.2. Pensante escuta

    No pretendo iniciar com o jogo musical, e sim encontr-lo atravs da utilizao da

    voz de cada aluno. Proponho criar esse primeiro objeto sonoro vocal, que dar impulso aoincio da pesquisa prtica, por meio das relaes estabelecidas entre imagem e som

    atravs da memria. Tambm no pretendo me debruar na anlise dessas relaes

    porque no possuo domnio do assunto, e a abordagem dessa temtica no cabe no

    assunto da pesquisa.

    Certo dia, deparei com o seguinte conceito:

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    A concepo schaferiana de uma escuta que pensa aproxima -seda definio de escuta de Truax. [...] A proposta de Truax pensar aescuta como a interface crucial entre o indivduo e o meio ambiente;como o centro de um complexo relacionamento entre o indivduo eseu meio, sendo um caminho de troca de informaes (listening), eno apenas uma reao auditiva a um estmulo (hearing) [...] .

    Assim, enquanto o ato de ouvir pode ser considerado como umaespcie de habilidade passiva, que parece trabalhar com ou semesforo consciente, escutar implica uma funo ativa, envolvendodiferentes nveis de ateno e cognio. Ou seja, enquanto ouvirsignifica receber os estmulos sonoros, escutar implica compreend-los significativamente, levando em considerao todo o contextoenvolvido. (SANTOS, 2002, p. 33-34).

    Barry Truax e Murray Schaffer, compositores canadenses e tericos da msica,

    falam de uma escuta que pensa, que seja capaz de compreender um estmulo sonoro a

    partir do ambiente que o cerca, considerando assim os elementos presentes, as

    sonoridades por eles produzidas, as dimenses fsicas e outras caractersticas do espao

    e todas as intempries e acasos a que o ambiente est sujeito, como se tudo isso

    influenciasse na percepo daquele estmulo sonoro. Pode parecer estranho mas, de

    forma oposta a esse conceito, elaborei um exerccio para a criao do primeiro material

    de trabalho,esse objeto sonoro vocal, que ser usado como elemento disparador do

    processo de investigao de sua potencialidade: a proposio de estmulos imagticos

    que se complementem de modo a formar, na imaginao de cada participante, uma cena

    completa e detalhada. A partir da configurao espacial imaginada e elementos nela

    presentes orientei que escutassem os sons produzidos dentro desse ambiente. Gostaria

    que os alunos buscassem objetos sonoros vocais, neste momento inicial, que no

    contivessem palavras, de modo a no fechar possibilidades de sentido que a palavra

    limita.

    Escutar a imaginao difere da escuta pensante por no se realizar no campo da

    realidade, mas estimula o acesso ao repertrio sonoro da memria: um ambiente sonorode um cotidiano que remonta desde os tempos da mais tenra infncia at situaes

    vivenciadas recentemente. Uma viagem a sons ouvidos e identificados atravs da escuta

    comum, um resgate de uma fase de desenvolvimento cuja transio para o modo adulto

    de pensar, nessas crianas de 6 e 7 anos, est deixando para trs, e um resgate do

    sabor da disponibilidade infantil essencial para a existncia do ldico. Violeta Hemsy de

    Gainza cita:

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    A conhecida pesquisadora americana Marilyn Pflederer Zimmermannos diz o seguinte: 'Para adquirir conhecimento musical no sentidopiagetiano, uma criana deve atuar criativamente sobre seu prprioambiente sonoro. A neoconstrutivista nos lembra que a crianaconstri a experincia da aprendizagem em seu prprio estilo, o qualreflete sua forma de pensar' (GAINZA, 1988, p. 1).

    Tenho a plena cincia da enorme diferena entre o conceito definido por Schaffer e

    Truax e a minha ideia de exerccio com a imaginao, mas julguei importante a citao da

    referncia por ter estimulado e levado elaborao desse exerccio. De modo inverso ao

    processo da escuta pensante, analisado por Schaffer e Truax, o que proponho um

    processo que acontece de dentro para fora, da percepo interior, na imaginao, para a

    realidade na sua materializao sonora, misturando a rememorao de relaes espaciais

    e propriedades sonoras vivenciadas com aquelas no to bem lembradas ou incertas, defruto imaginativo, mas sempre nas possibilidades do real, nomeando simpaticamente o

    processo proporcionado pelo exerccio com a inverso dos termos do conceito original,

    denominando-se uma pensante escuta: Minha cabea tem vrios efeitos sonoros ,

    comentou Thiago aps ouvir vrios sons estimulados pelas imagens imaginadas.

    Deitados e de olhos fechados pensem em um lugar. Um lugar qualquer, um lugar

    comum. Esse lugar aberto? Esse lugar fechado? Qual o tamanho desse lugar? Muito

    grande? Apertado? muito alto? O que acontece nesse lugar? O que tem nesse lugar? .

    Dessa forma apuramos cada vez mais as caractersticas fsicas do lugar imaginando

    cores, tamanhos, temperaturas e elementos que o compem, questionando a imaginao

    sobre a presena ou ausncia desses elementos e suas propriedades fsicas e

    dimensionais: pessoas, objetos, mquinas, animais, rvores, plantas, carros etc. Ainda de

    olhos fechados solicitei que escolhessem um elemento presente no ambiente imaginado e

    escutassem o seu som (se houver emisso de som por parte desse elemento) e, em

    seguida, prosseguissem com a escuta dos sons desse ambiente para enfim optar por um

    que seria reproduzido vocalmente.

    Gustavo ouviu os passos da rampa e Rafael, o sinal do corredor da escola. Pedro

    ouviu o pblico de um show de rock. Fernando ouviu o som de uma cmera tirando uma

    foto da Torre de Pisa e Thiago ouviu as buzinas dos carros de uma avenida em Nova

    Iorque. Nesta simples atividade imaginativa obtivemos diferentes objetos sonoros vocais

    que, por trs de sua representao material os sons reproduzidos pelas crianas ,

    carregam um universo imagtico distinto e detalhado (por mais que no se afixassem na

    memria os mnimos detalhes da imagem desenhada na imaginao durante o exerccio).

    Para quem escuta h uma ressignificao da imagem proposta por essa sonoridade (que

  • 7/23/2019 Da voz ao jogo, do jogo a voz

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    s quem a criou conhece com a exatido da sua imaginao). Uma nova imagem surge,

    carregada de detalhes a serem identificados e resgatados de um outro universo

    imaginrio (prprio de quem escuta). Apesar de ter origem na imaginao, esse objeto

    sonoro tem um p calcado no realnas relaes com o espao recuperadas da memria

    e na carga representativa a partir de objetos e ambientaes do cotidiano comum ecarrega uma base sonora sugestiva minimamente comum a um grupo de pessoas em um

    escopo social menor ou maior. A emisso da sonoridade de um objeto sonoro vocal

    criada da imagem de um carro provavelmente ser interpretada pela maioria das pessoas

    como um carro, bem como a imagem que lhe sugere, independente de qualquer

    caracterstica fsica, ser a de um carro. O som do sinal da escola criado por um aluno

    dessa escola carregar, provavelmente para qualquer pessoa, a imagem de um alarme,

    um aparelho despertador, um sinal de fbrica ou qualquer objeto dessa natureza dentrode um pequeno universo de possibilidades. J para os alunos da CAMB facilmente

    poder ser interpretado como o som do sinal da escola.

    Alm da descoberta da carga imagtica que um simples som pode sugerir

    ,podemos vislumbrar, com essas imagens, as diferentes possibilidades que podem ser

    favorveis ao jogo teatral, desde elementos de composio estrutural que sugiram ideias

    de espao (onde), como o prprio lugar imaginado no incio do exerccio, at o seu

    desdobramento em proposies cnicas com a introduo de personagens (quem) e

    propostas de conflitos para a criao de relacionamentos.

  • 7/23/2019 Da voz ao jogo, do jogo a voz

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    4. Da voz ao jogo

    No cerne do tema desta pesquisa, para essa primeira etapa, procurei estabelecer

    condies que justificassem a prtica como uma descoberta orgnica de novas

    possibilidades de voz e jogo. Passarei agora a relatar a experincia de constituio de um

    processo de carter ldico com proposies vocais criadas coletivamente que, por meio

    da explorao de seus elementos imagticos, sejam trabalhadas inicialmente na

    perspectiva do jogo musical fazendo uma ponte para o jogo teatral com o intuito de

    criao de uma cena. Essa cena no ser tratada como objeto final, nem como objeto de

    anlise dentro do campo da linguagem teatral. O foco do processo est em como o jogo

    musical e o jogo teatral podem estar presentes em todas as instncias desse percurso ,

    alimentando as possibilidades cnicas e sendo alimentado como ferramenta pelas

    possibilidades imagticas da voz.

    4.1. Composio sonora

    Pretendo criar um objeto sonoro vocal atravs da improvisao musical com a voz

    balizada pelo jogo musical que ser, posteriormente, colocado em cheque quanto s

    suas propriedades potenciais para o jogo teatral. Violeta Hemsy de Gainza analisa o

    trabalho dos objetos sonoros dentro da improvisao musical como tcnica pedaggica

    para a compreenso dos elementos musicais:

    O jogo musical e a improvisao, em suas formas livres e'pautadas', contribui ativamente para a mobilizao e metabolismodas estruturas musicais internacionalizadas, bem como promove aabsoro de novos materiais e estruturas mediante a explorao emanipulao criativa dos objetos sonoros.(GAINZA, 1988, p. 1).

    Aps a realizao do exerccio de criao de um objeto sonoro vocal a partir da

    imaginao de um lugar (captulo 3.2) propus turma que se dividisse em dois grupos

    para criar uma composio sonora por meio de um jogo musical. Cada integrante do

    grupo deveria escolher um lugar entre as opes fornecidas: igreja, indstria, bolsa de

    valores ou feira para criar um objeto sonoro vocal. Definido esse lugar o grupo deveria

    combinar que tipo de atividade acontece nele e consequentemente determinar suas

    caractersticas fsicas bem como as de todos os elementos nele presentes, da mesma

    forma que o exerccio individual; determinar as qualidades (pequeno, mdio ou grande),

    as cores que compem esse lugar e os seus elementos integrantes, tentando detalhar ao

    mximo na imaginao coletiva a fotografia de um ambiente inventado. Entre os

  • 7/23/2019 Da voz ao jogo, do jogo a voz

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    elementos integrantes poderia haver objetos, mquinas, pessoas, animais ou plantas. Em

    seguida cada um do grupo deveria escolher para si um ou mais desses elementos

    integrantes e pensar na sua sonoridade, ou seja, no som por ele emitido e nas suas

    possibilidades sonoras. Por fim pensar coletivamente em um acontecimento, uma

    situao com incio, meio e fim, a ocorrer no lugar escolhido e articular as sonoridadespresentes de acordo com esse acontecimento, de modo a criar uma cena apenas com

    sons. Nesse estgio as palavras j poderiam ser utilizadas, com certa parcimnia, para

    casos em que auxiliassem na compreenso da cena sonora. No tempo de 10 minutos os

    grupos ensaiariam as possibilidades de combinao desses sons individuais e de

    variao atravs das propriedades musicais de altura, intensidade, durao e timbre ;

    criariam uma composio sonora final para apresentar ao pblico que assistiria de olhos

    fechados.

    A improvisao musical guarda pontos de contato com o jogoteatral, como proposto por Viola Spolin. Os objetivos daimprovisao teatral no so os mesmos da musical; apesar disso, ojogo teatral, assim como a cena (com a qual guarda uma relao deessncia), tem sempre uma musicalidade implcita, a qual pode serabordada enquanto elemento integrante desse mesmo jogo e dacena como um todo. [] As semelhanas entre esse procedimento[do jogo teatral] j existem, uma vez que a improvisao musicaldeve, assim como o jogo teatral, originar-se de um acordo coletivo e

    ter um foco definido para que se realize.(CINTRA, 2006, p. 199).

    Propositalmente introduzi na proposta de criao sonora elementos estruturais que

    seriam aproveitados a posteriori como elementos estruturais para o jogo teatral (onde,

    quem e o qu). Preestabelece-se o jogo teatral ao solicitar que os alunos brinquem com

    esses elementos dentro da imaginao coletiva definindo aes e sonoridades para eles.

    Tiago, Pedro e Fernando escolheram a igreja como lugar e um exorcista, um exorcizado e

    um sino, cujas sonoridades definiram um acontecimento (o exorcismo) enquanto Gustavoe Rafael, dois funcionrios da bolsa de valores, atendiam freneticamente telefones

    analgicos em um dia de trabalho que resultaria em uma demisso.

    4.2. Encenando o que foi escutado

    Aps a apresentao das composies sonoras coletivas a nova instruo era que

    o grupo que escutou assumisse os sons apresentados pelo outro grupo como

    personagens de uma cena e, a partir daquilo que foi escutado, definissem um lugar e umacontecimento que ocorreria dentro dele de modo a criarem uma cena para ser

  • 7/23/2019 Da voz ao jogo, do jogo a voz

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    apresentada para o grupo que criou a composio. Depois a cena apresentada voltaria

    para os autores criadores da sonoridade que a originou, e deveriam associar elementos

    novos adquiridos da cena que acabaram de assistir queles pensados na concepo da

    composio sonora de modo a criar uma nova cena, porm dessa vez ela seria realizada

    sem a utilizao da voz. Essa troca e volta de material entre os grupos foi uma instruopensada de modo a sugerir novas possibilidades para a cena, criar um levantamento de

    elementos fomentados essencialmente pela relao do movimento do corpo com o

    espao para auxiliar nas propostas de jogo e, alm disso, ampliar a linha de

    desenvolvimento de um trabalho, mostrando como pode ser frutfero um processo

    realizado a partir de uma simples composio sonora feita com a voz. Quanto ao modo de

    organizao da cena no houve nenhuma instruo, ou seja, no foi diretamente proposto

    um jogo teatral. A criao bem como a organizao dessa cena deveria caber, nessemomento, aos criadores.

    Aps as encenaes discutimos sobre o que foi criado em cada cena. Perguntando

    aos alunos quem so eles na cena?, onde eles estavam?, o que aconteceu na cena?

    alinhamos um universo conhecido de opes e esboamos duas tabelas com os

    elementos estruturais das duas cenas, j orientados para as possibilidades de jogo teatral

    que sero introduzidas no passo seguinte.

    Grupo ICena: Exorcismo

    Lugar Sala de exorcismo

    Personagens Exorcista

    Possudo

    Demnio

    Aes DesmaiarJogar gua benta

    Exorcizar

    Expulsar

  • 7/23/2019 Da voz ao jogo, do jogo a voz

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    Grupo II Cena: Telefone

    Lugares Banheiro

    Quarto

    ElevadorEscritrio

    Personagens 2 colegas de trabalho que

    moram em apartamentos

    vizinhos de parede

    Aes Vestir pijama

    Dormir

    Acordar

    Pentear o cabelo

    Escovar os dentes

    Esperar o elevador

    Digitar

    Atender o telefone

    4.3. Verbalizando e estabelecendo conflitos

    Das duas cenas criadas o que tnhamos at agora era: uma cena com poucos

    elementos estruturais (cena I) e, em comparao, outra cena repleta deles (cena II). Para

    maior preciso na anlise em questo pretendo focar o trabalho apenas na cena II

    (Telefone). Subdividimos essa cena em duas novas , redistribudas aos dois grupos, a

    partir dos seus lugares: o grupo I ficaria com a cena que abarca os acontecimentos e

    personagens que se passam no quarto, banheiro e elevador (intitulada Quarto),

    enquanto o grupo II ficaria com a cena referente ao escritrio (intitulada Escritrio). Para

    trabalhar a organizao dessas cenas e constitu-las como tal, fizemos uma rodada do

    jogo Verbalizar o Onde, proposto por Viola Spolin em seu livro Improvisao para o

    Teatro 1, que consiste, na primeira parte, na narrao da cena pelos seus jogadores,

    sempre no tempo presente e em primeira pessoa, como se estivessem narrando para si

    mesmos. Quando houver um dilogo ele deve ser dirigido ao outro jogador. Essa

    1SPOLIN, 1978, p. 114.

  • 7/23/2019 Da voz ao jogo, do jogo a voz

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    narrao deve descrever as aes do personagem relacionando-se com os lugares

    listados. Nesse ponto a estrutura das cenas, durante a narrao,comporta-se de modo

    semelhante estrutura do jogo teatral: onde, quem e o qu, colocados em verbo, sujeitos

    a estabelecerem relaes entre si. Alm disso, essa narrao serve para afixar um fio

    narrativo entre os acontecimentos, adquirindo um carter de histria. A estrutura e arelao estabelecidas entre os seus elementos serviro de base para a reencenao

    dessas cenas a ser realizada na segunda parte desse exerccio, como proposto pelo jogo

    de Spolin, porm com uma pequena modificao: a incluso do conflito.

    Tendo em mos, agora, duas histrias contadas e todo o movimento criativo

    desenvolvido com o material sonoro e cnico trabalhado, como fazer que elas sejam

    trazidas para a cena a partir do jogo teatral? Tinha para mim, receoso, que as aes

    definidas para cada grupo em momento anterior ao jogo Verbalizar o Onde eram nessemomento ineficazes, pois j estavam sedimentadas como partes das histrias.Assim, o

    motor da improvisao poderia, talvez, ser prejudicado quando os jogadores

    concentrassem o foco do jogo em apenas contar, em cena, essas histrias. Era

    necessrio dar vida a elas. Ao pensar sobre como dar vida a uma histria a ser encenada

    deve-se considerar o risco de cair em uma improvisao revelia de carga emocional que

    pode tornar-se insistente durante a cena. Aqueles elementos estruturantes da histria

    (personagens, lugares e acontecimentos) devem novamente relacionar-se entre si, mas

    agora em cena, de modo a revelar, a partir do jogo, um campo frutfero para a

    improvisao em vez de um empurra- -empurra de relaes intersubjetivas. Para isso a

    ateno do foco no jogo deve se concentrar no onde, gerando uma ao dramtica que

    conduza a cena do incio ao fim. De acordo com Viola Spolin:

    Como estamos trabalhando com uma forma de arte, as emoespessoais dos atores devem ser destiladas e objetivadas atravs daforma com que esto trabalhando a forma de arte insiste nesta

    objetividade.(SPOLIN, 1978, p. 224).

    E ainda:

    Quando os atores esto absortos (envolvidos) apenas com aestria, o conflito necessrio. Sem ele a cena fica enrascada epouca ou nenhuma ao acontece. No melhor dos casos, divertimento e ao imposta e, na maioria das vezes, gerapsicodrama. Quando o sentido de processo compreendido e seentende a estria como o resduo do processo, o resultado ao

    dramtica, pois a energia e a ao da cena so geradas pelosimples processo de atuao.(SPOLIN, 1978, p. 225).

  • 7/23/2019 Da voz ao jogo, do jogo a voz

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    Evitando que o foco fosse mantido na histria e, para auxiliar na progresso do

    jogo e no alcance do seu objetivosua configurao como cena com incio, meio e fim

    orientei a cada grupo, logo antes das apresentaes, um conflito a ser lidado em cena. De

    modo a liberar a energia necessria para a ao, e atendo-se ao fio narrativo da sucesso

    de acontecimentos da histria, cada grupo deveria concentrar o foco do jogo nesseconflito.

    Viola Spolin nos conta tambm sobre a problemtica do uso do conflito pelo risco

    de recorrer justamente s emoes como um suborno para a instaurao da ao. Para

    evitar tambm esse lugar indesejado elaborei conflitos especficos que no remetessem a

    nenhuma forma de dilogo entre os personagens. Ainda assim no suprimi a fala,

    deixando esse espao em aberto para o caso estrito de utiliz-la.

    Quando os atores trabalham apenas com a estria, necessitam deum conflito para gerar energia e ao no palco. Quandocompreendem a atuao (processo), no entanto, tenso e liberaode energia so claramente vistas como parte integrante da atuaode fato, isto atuao.(SPOLIN, 1978, p. 226).

    Foram levantadas duas cenas que diferem completamente em estrutura, tanto pela

    riqueza de detalhamento trazida para a cena pelas narraes quanto pelos diferentes

    conflitos estabelecidos previamente e resolvidos de diferentes maneiras e graus de

    intensidade dentro do jogo. Em uma anlise superficial dentro da linguagem teatral pode--

    se dizer que esses conflitos se refletiram de maneira determinante para o delineamento

    de cada cena no tocante sua forma.

    Para o primeiro grupo cuja cena seria improvisada a partir da histria que conta

    sobre um dia de trabalho no escritrio sublinhei, como conflito, que o foco estivesse nas

    aes ,de modo que os dois alunos-jogadores que faziam essa cena tivessem de

    repassar em mente todas as aes que a histria prope para seu personagem aes

    essas que solicitam movimento e, na maioria das vezes, relao com algum objeto

    invisvel, criando a necessidade da fisicalizao e concentrar a sua ateno na

    execuo dessas aes bem como no desenrolar do fio narrativo da histria atravs da

    passagem de uma ao para a sua conseguinte. A histria desta cena, o dia de trabalho

    no escritrio, repleta de situaes que levam a uma morte trgica no final e, permeando

    todas essas situaes um excesso de dilogo descabido: comentrios a respeito dos

    acontecimentos, vozes do pensamento das personagens, discusses de contedo para

    alm do interesse desses acontecimentos. Como soluo cnica apesar daconsiderao anterior a respeito da sedimentao dos elementos em forma de histria

  • 7/23/2019 Da voz ao jogo, do jogo a voz

    23/5023

    era necessrio o resgate das aes previamente existentes. Portanto um breve treino

    (vou dar 5 minutos para vocs ensaiarem essas aes) foi realizado, antes da

    apresentao, para tentar torn-las vivas novamente. Essas aes que abrem os

    espaos para a existncia dos dilogos, e no o contrrio. Evitar que haja falas soltas

    sem a precedncia ou concomitncia de uma ao fsica tambm fez parte desse conflitoestabelecido. Assim criamos a cena do escritrio a partir do jogo teatral que impe

    como conflito motor da ao dramtica uma sequncia de aes, por cada aluno- -

    jogador, como que configurando uma coreografia geral que move a cena do incio ao fim.

    O ideal seria aprofundar o trabalho das aes dentro dessa proposta cnica burilando-a

    esteticamente e explorando novas possibilidades, mas, nesse grupo, preferi parar por a

    j que o resultado alcanado nessa etapa contempla o anseio de investigao da primeira

    fase desta pesquisa, da voz ao jogo; alm do que, a ateno mais dedicada aodesenvolvimento das aes seria ferramenta para o trabalho na segunda etapa .

    A histria do segundo grupo trata principalmente de uma simultaneidade de

    histrias que se passam em dois quartos, vizinhos de parede. Os personagens, dois

    colegas de trabalho (que posteriormente se encontram no trabalho, na cena do escritrio

    apresentada pelo primeiro grupo), acordam, tomam caf, arrumam-se, tomam o elevador

    do prdio e saem para trabalhar. Os episdios do elevador e da sada do prdio, apesar

    de narrarem lugares comuns aos dois personagens, no proporcionam um encontro entre

    eles, que se encontraro apenas na rua, no momento final da histria, entrando no carro

    para irem juntos ao trabalho. E mais: esta cena no continha dilogo algum. Minha

    preocupao no residia em no existir, na maior parte da cena, uma relao entre os

    personagens e sim em no existir nenhuma relao, direta ou indireta, entre os jogadores.

    Como instaurar uma situao de jogo em uma cena cuja proposio no

    estabelece relao nenhuma entre os atores-jogadores? Sem a inteno de alterar a

    histria proposta pelo grupo e em busca de um conflito que instaurasse uma relao entre

    eles a ser realizada encarei a ideia de simultaneidade como soluo: apenas um jogador

    realiza suas aes por vez, ou seja, enquanto um jogador encena com as aes que

    deve fazer (acordar, pentear o cabelo, escovar os dentes etc.) o outro permanece em

    suspenso na cena. Este, ao iniciar um movimento de ao, puxa o foco para si de modo

    que o primeiro jogador que deve parar. O jogo de dar o foco ao outro ou tom-lo para si

    foi o conflito orientado para a realizao dessa cena, deixando clara a possibilidade de

    escape a essa regra para o caso de alguma movimentao simultnea que fosse

    interessante. Por servir ainda como motor dramtico da cena essa regra foi mantida e

    salientada em todas as apresentaes daqui em diante, e possvel verific-la na

  • 7/23/2019 Da voz ao jogo, do jogo a voz

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    gravao da apresentao final disponvel na mdia em DVD anexa ao documento da

    pesquisa (anexo A). Tambm pela caracterstica de simultaneidade a cena, como na sua

    histria original, no continha dilogos (exceo ao momento em que um dos

    personagens grita jornal! de dentro do banheiro) apresentando um excesso de pequenas

    aes, como o previsto, realizadas pelos dois personagens em seus momentos de fococonfigurando-se como uma pantomima, do incio ao Poder-se-ia questionar: o

    relacionamento indireto entre os alunos--jogadores proposto pelo conflito, que patenteava

    a norelao entre os personagens dentro da cena, instaurou uma tenso que fomentou

    neles um grau considervel de concentrao para a realizao das pequenas aes?

    (...) o relacionamento entre os atores, criado por meio doenvolvimento com o objeto, tornava possvel tenso e liberaoobjetivas (ao fsica) e ao mesmo tempo produzia improvisao decena. Acontece desta forma porque, quando o conflito permanece narea emocional, no possvel fazer surgir o intuitivo, o que ocorreao permitirmos que o Ponto de Concentrao trabalhe por ns. (SPOLIN, 1978, p. 225).

    No pretendo me aprofundar em como a introduo de um conflito no jogo teatral

    reflete, dentro da linguagem teatral, na forma e menos ainda discorrer sobre o conceito de

    forma no teatro ou questes de esttica teatral. Procurei apenas apontar uma das

    diversas possibilidades que o jogo teatral prope para o desenvolvimento de uma cena como parte da proposta da pesquisa confirmando, assim, o fim do trajeto percorrido por

    ns nessa etapa do trabalho. Tnhamos, enfim, construdo, a partir de uma proposio

    vocal, um processo, em solo frtil, perpassado pelo jogo musical e que nos guiou ao jogo

    teatral.

  • 7/23/2019 Da voz ao jogo, do jogo a voz

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    5. Do jogo voz

    A segunda etapa da pesquisa acontecer dentro das oficinas a partir do trabalho

    com o jogo teatral em cima das duas cenas ( Quarto e Escritrio), criadas na etapa

    anterior. O intuito o de trabalhar as cenas em uma perspectiva ldica de modo a criar

    uma ponte de transio entre o jogo teatral e o jogo musical, extraindo delas qualidades

    sonoras expressas atravs da voz que auxiliem na composio coletiva de objetos

    sonoros vocais.

    Para o desenvolvimento dessa etapa trabalharemos primeiro na relao do espao

    com o corpo de forma individual dentro do jogo teatral, cuja investigao ser realizada

    utilizando-se de jogos que trabalham com o onde guiados atravs da fisicalizao dos

    objetos e da partiturizao de aes e, de forma coletiva, com exerccios de ocupao de

    espao. Em um segundo momento trabalharemos as possibilidades da voz para alm da

    palavra, encontrando o jogo musical. Portanto, antes de descobrirmos as potencialidades

    sonoras de cada cena trabalharemos jogos teatrais focados no onde para chegarmos

    necessidade da fisicalizao. S ento passaremos a desenhar as aes de cada cena

    para enfim encontrarmos as sonoridades relacionadas a elas.

    5.1. Onde e aes fsicas

    Toda ao, dentro do jogo teatral, acontece dentro de um onde, que pode ser

    definido pela sua configurao espacial e objetos nele presentes. A compreenso deste

    onde pode acontecer, portanto, pela atuao do ator-jogador na relao com esses

    objetos que, no caso de serem invisveis, recorrem a sua fisicalizao para o seu

    reconhecimento.

    A prtica de jogos teatrais e dramticos gera situaes nas quais seapreende que a dimenso espacial no pode ser concebida como

    adereo da representao. O jogador adquire conscincia de que oespao constitudo por signos que conformam e estruturam osentido daquilo que se faz na rea da representao. (PUPO, 2001,p. 184).

    Entrar em cena e mostrar em que lugar est. Primeiro, individualmente, sem mais

    instrues. Pirmides, torres e carros foram desenhados no ar, de modo a ilustrar o lugar

    onde pretendiam estar. J neste primeiro ponto entramos na discusso entre mostrar e

    contar. Como possibilitar a compreenso do onde sem que seja necessrio desenhar as

    dimenses dos objetos nele presentes ou a prpria descrio fsica do lugar?

  • 7/23/2019 Da voz ao jogo, do jogo a voz

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    Exemplifiquei segurando um carrinho de supermercado invisvel e pegando produtos em

    prateleiras invisveis. Como, com um nmero mnimo de movimentos, fisicalizar um objeto

    simples que seja determinante para a identificao desse onde? Aps algumas rodadas

    transformei o jogo em coletivo: um jogador entra e define o onde a partir de uma ao

    com gestos simples, outro jogador pode entrar para complementar esse onde com outraao simples. Aps experimentaes com diferentes ondes e suas possibilidades

    passamos para o trabalho focado nas aes realizadas dentro das cenas Quarto e

    Escritrio.

    Cada jogador deveria entrar em cena, comunicar a plateia a sua ao (escovar os

    dentes, chutar uma cadeira etc.) e, em seguida, realiz-la. Apenas uma ao, de todas as

    que o jogador realiza na cena, foi trabalhada para exemplificar o mtodo de trabalho do

    prximo exerccio. Vocs acham que ele est escovando os dentes mesmo?, e para ojogador Qual a cor da escova?. A cada ao era proposto ao jogador que imaginasse

    uma lente de aumento por sobre o seu corpo durante a movimentao de modo a ampli-

    la ao exagero ressaltando-lhe assim minuciosos detalhes que pudessem auxiliar na

    composio dessa ao. Detalhes como a movimentao dos dedos das mos, por

    exemplo, eram focados a fim de tornar a ao de vestir uma gravata especfica do jogador

    que a realiza. Alm disso, durante as realizaes, dividimos essa ao em gestos

    separados, configurando uma partitura individual, adaptao feita do exerccio Comeo-e-

    fim com objetos 2em que Viola Spolin prope que cada contato com um objeto novo

    presente na mesma ao seja dividido entre a pronncia das palavras comeo e fim,

    como uma forma de decupar uma sequncia gestual em submovimentaes distintas. A

    diferena que no nosso caso estamos decupando-a nas submovimentaes mais

    simples o possvel, de forma que, isoladas do sentido geral da representao proposta

    pela ao, esvaziam-se de qualquer sentido representativo restando-lhes apenas a ao

    muscular e ssea precedida pelo comando cerebral. Esse procedimento se aproxima do

    conceito de ao fsica que, neste caso, est sendo utilizada como ferramenta para o

    trabalho da fiscalizao.

    Afirma [Stanislvski] mais categoricamente que (...) o ator deveriafocalizar a ateno sobre a ao, sobre o queele deve fazer. Deixaum pouco de lado a necessidade de que o ator entenda ascircunstncias da ao e todo o contexto que ela est inserida ();fecha a lente somente sobre o queconcretamente (ou fisicamente)deve ser feito.(ANDRADE, 2005, p. 17).

    2 (SPOLIN, 1978, p. 72).

  • 7/23/2019 Da voz ao jogo, do jogo a voz

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    Havamos decupado apenas uma ao dentre as vrias que cada jogador possui

    dentro da sua cena como treinamento para que escolhessem, da cena, as aes mais

    importantes, ou seja, aquelas que so determinantes para a realizao dela (em relao a

    instaurao do onde, como feito no primeiro exerccio dessa etapa, ou em relao a um

    outro personagem em cena), e fizessem uma lista de todas elas em ordem deacontecimento na cena. Cada uma delas deveria ser partiturizada ao modo que fizemos

    com aquela apresentada anteriormente. Essa lista deveria ser guardada para um passo

    futuro.

    5.2. Configuraes espaciais

    Caminhando pelo espao!, assim comeou a atividade que trabalharia as

    diferentes formas de se ocupar o espao da sala de aula. Os alunos deveriam caminhar

    pela sala de forma a no deixarem buracos vazios refiro-me a buraco livre como um

    espao vazio, sem ningumcomo um estmulo a configurarem um equilbrio espacial. O

    ritmo dessa caminhada era variado em um grau de porcentagem de velocidade, de

    acordo com as instrues dadas: vocs esto caminhando a 50% da velocidade, que a

    velocidade da sua caminhada cotidiana, dessa forma voltando a ateno dos jogadores

    para a velocidade coletiva, mas no perdendo o foco no equilbrio espacial: Olhem os

    buracos vazios! Ocupem os buracos vazios!. Quando escutassem o som da palma, elesdeveriam parar, no lugar em que estavam, e observar todo o espao a sua volta: vocs

    esto vendo algum buraco vazio aqui?, solicitando que percebessem a configurao

    espacial daquele instante.

    Aps explorarem as possibilidades de equilbrio espacial ocupando os buracos

    vazios orientei aos alunos, parados aps a ltima palma, que na palma seguinte

    gerassem um desequilbrio espacial. J apropriados da ideia de equilbrio espacial, e

    baseando-se na intuio do que seria o seu desequilbrio, dispuseram-se todos em umlado do espao cnico. Aps a prxima palma , vocs vo causar um desequilbrio

    espacial diferente. Pensem tambm nos planos baixo, mdio e alto.,. Aps diferentes

    formas de se ocupar o espao com o corpo em coletivo, comecei a solicitar a sada de um

    jogador para observar a configurao espacial e remet-la, como imagem, a algum

    referencial artstico: Essa configurao espacial assim, com ele deitado e aqueles trs

    em p l no fundo, te lembra algum quadro de pintura, algum filme conhecido ou alguma

    situao em especfico?. A inteno nesse momento era mostrar que possvel, a partir

    de exerccios de ocupao do espao, estabelecer uma relao de sentido com as

    possveis configuraes espaciais e imagens por elas sugeridas, sublinhando a

  • 7/23/2019 Da voz ao jogo, do jogo a voz

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    importncia do corpo do ator, assim como nas partituras das aes, para a composio

    da cena dentro do espao. Mais tarde usaremos esta relao corpo x espao para

    alcanar noes musicais de voz no tempo.

    5.3. A caminhada da voz

    Para que possamos sonorizar com a voz uma cena para alm da simples

    dublagem das relaes entre os personagens em forma de fala devemos estar atentos s

    possibilidades sonoras das aes presentes em cena bem como sua representao

    dentro das possibilidades vocais. Com o intuito de explorar essas possibilidades como

    processo de preparao para a sonorizao das cenas elaborei um jogo teatral que narra

    uma caminhada coletiva em que os jogadores transitam por diferentes ondes que se

    transformam em acontecimentos fenomenais e onricos que deve ser expressos com o

    foco na impossibilidade da fala.

    Jogo: A caminhada da voz

    Grupo grande de jogadores

    O grupo deve caminhar pelo espao da sala de aula sempre na tentativa de

    estabelecer um equilbrio espacial durante toda a caminhada. Em todo esse percurso os

    jogadores caminham solitariamente, mas podem estabelecer um rpido dilogo com

    quem passa ao seu lado (por exemplo, bom dia! como vai? ou que horas so? etc .) e

    continuar caminhando sozinho. O condutor estabelece um onde inicial (ex.: uma praia) em

    que esse grupo est realizando esse passeio. Dentro desse onde estabelecido deve ser

    estimulado um acontecimento de propores fenomenais uma onda enorme cobriu

    toda a praia e todos esto submersos dentro de condies onricas que no tolham a

    possibilidade de se utilizar a voz mas vocs conseguem respirar e caminhar debaixo

    dgua. Os jogadores devem deixar que essa nova situao proposta reflita na

    caminhada, que continua, mas devem concentrar o foco do jogo em como imprimir

    caractersticas dessa situao na voz, durante os dilogos curtos que acontecem entre

    aqueles que se cruzam pelo espao. A situao debaixo dgua proporciona ao corpo

    uma movimentao alterada, mas a ateno deve se preservar na impossibilidade do

    dilogo com palavras dentro dessa situao: Vocs no conseguem dizer as palavras por

    estarem submersos. Como conversar com algum debaixo dgua sem conseguir dizer

    uma palavra?. Em seguida a situao incomum deve se encerrar e todos devem apenas

    caminhar normalmente. Um novo onde e uma nova situao sero propostos pelo

  • 7/23/2019 Da voz ao jogo, do jogo a voz

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    condutor, de forma que aps todos terem experimentado dilogos curtos dentro de

    algumas situaes propostas nessa caminhada, dois jogadores devem ser aleatoriamente

    escolhidos para estabelecer uma conversa sobre um assunto determinado (vocs iro

    conversar sobre o ltimo filme a que assistiram). Os outros param de caminhar para

    assistir. Essa conversa deve manter o desafio de como imprimir caractersticas propostaspela situao na voz, na impossibilidade de se utilizar de palavras, em uma tentativa

    infinita e intil de no conseguir elaborar uma frase.

    A sugesto de ondes e situaes deve variar em grau entre o real, o desconhecido

    e onrico mas com propostas de assuntos cotidianos para serem conversados em dupla.

    Segue abaixo tabela com ondes, situaes e assuntos propostos:

    ONDE SITUAO ASSUNTO

    PraiaCalor excessivo que derrete

    at a voz-

    Praia Terremoto -

    Praia Todos so formigas Futebol

    PraiaInundao que deixa a

    todos submersosMatemtica

    Montanha

    Subindo essa montanha,

    extremamente cansados

    que no conseguem falar

    O que fiz no fim de semana

    Montanha Dor de estmago muito forte O que comeu no almoo

    -Todos so instrumentos de

    uma banda de jazz

    O sonho mais louco que tive

    Assim como no exerccio de partiturizao do movimento os jogadores eram

    instrudos a exagerar na impresso na voz da caracterstica proposta pela situao

    causando um deslocamento do eixo de compreenso e desenvolvimento da conversa

    estabelecida com o outro: por no se utilizarem mais de palavras o sentido de uma frase

    fica reservado ao modo de entoar os sons proferidos pela fala. A ateno do interlocutorque escuta est na intuio de um sentido a partir das diferentes inflexes vocais, de

    quem fala, dentro de um padro sonoro que condiga com a situao proposta (debaixo

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    dgua, derretendo, instrumento musical etc.);inflexes empregadas de dentro de todas as

    possibilidades sonoras que uma voz pode ter; inflexes que podem variar entre as

    propriedades de altura, intensidade, durao e timbre, aproximando-nos assim de um

    espao de improvisao dentro de um jogo musical, dentro do jogo teatral.

    Podemos observar, atravs do material gravado em DVD presente no Anexo A dapesquisa, precisamente o momento em que, de dentro do jogo teatral, instaurado o jogo

    musical de improvisao com foco nas propriedades de durao e intensidade do som da

    voz nos momentos em que os dois jogadores que conversam esto na situao de

    formigas. O alicerce do jogo agora se estabelece na situao de conversa, em clima de

    embate, daqueles sons que se entendem por uma regra de compreenso expressa na

    forma da emisso da voz. Mesmo que inconscientes dessa aproximao com o jogo

    musical atravs da recorrncia de variaes das propriedades do som em suas vozespara os alunos, esse momento de importncia fundamental para o passo seguinte de

    sonorizao das cenas, bem como para o momento final de composio sonora coletiva.

    5.4. Sonorizao das cenas

    Como extrair as possibilidades sonoras de uma cena configurada a partir do jogo

    teatral? Imaginemos uma cena cuja sensibilidade sonora seja agravada pela presena de

    microfones supersensveis espalhados por todos os lados da sala de ensaio, nos objetose, inclusive, no corpo dos atores, nas palmas de suas mos, nas solas dos ps, nas

    articulaes sseas e em todo o resto. Uma rea cnica revestida de aparelhagem para

    amplificao. Cada movimento, dependendo do seu grau de intensidade, deve emitir um

    som ensurdecedor e, se o ator no tiver um controle preciso das suas movimentaes em

    cena, cada apresentao pode se tornar uma verdadeira sinfonia de rudos indesejveis e

    incontrolveis. Partindo desse entendimento objetivamos, agora, identificar as

    sonoridades, de cada cena, sugerindo-as na forma vocal, ou seja, recriando uma cenasonora com a voz que ser executada em paralelo cena teatral por sonorizadores

    externos sua encenao. Assim no nos contentaremos com sonoridades genricas

    que podem ter como referncia aes genricas: a ao de tomar um sorvete, em cena,

    pode ter uma forma muito especfica para cada ator que a faz, porm sempre ser a ao

    de tomar um sorvete, assim como a sonoridade referente a essa ao prpria da sua

    especificidade e da pessoa que a realiza.

    Munidos das listas de aes criadas anteriormente, no exerccio de partiturizao

    das aes, e aps alguns minutos para lembrar as suas partituras, orientei que os alunos

    se dividissem em duplas. Disponibilizariam de tempo de estudo para prosseguir com

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    essas listas da seguinte forma: um aluno da dupla apresenta uma ao partiturizada

    (fsica) referente a uma ao da sua lista e outro aluno da dupla sonoriza-a com a voz, de

    acordo com a movimentao sugerida. Em seguida trocam-se as funes da dupla,

    intercalando-se at o cumprimento de todas as aes da lista. Essas sonoridades

    trabalhadas nessa forma adquirem singularidade no momento em que, dentro de umpadro sonoro esperado definido pela ao da lista (ex.: tomar sorvete) , buscam

    detalhamentos sugeridos pela partitura corporal. Esses detalhamentos tambm so

    segmentos, partes de uma frase sonora, como os submovimentos so em relao ao,

    e podem ser diferenciados pela sua qualidade em relao s propriedades de durao,

    altura, intensidade e timbre do som. Apesar de no terem sido nomeadas para o momento

    essas qualidades j haviam sido trabalhadas no jogo Caminhada da voz (captulo 5.3) e

    tambm no Jogo do maestro (captulo 2.2). Por fim, as duplas deveriam discutir asdiferentes qualidades das sonoridades sugeridas em relao partitura e entrar em

    acordo para complet-las formando um objeto de natureza ldica atravessado pelo jogo

    teatral e musical de potencial cnico (partituras) e musical (sonorizao).

    Aps as definies em duplas desses novos objetos de trabalho, enfim,

    fundiramos msica e cena nas apresentaes sonorizadas das cenas Quarto e

    Escritrio. Cada ator ter o seu sonorizador respectivo para suas aes aquelas da

    listaensaiadas anteriormente. Mas e o restante da cena? Temos para muito alm das

    aes toda a composio das duas cenas que devem ser levadas em considerao pelos

    sonorizadores: as interaes com movimentaes que no estavam previstas entre as

    aes, os acasos que podem ocorrer em cena, as transies etc. Para tal realizamos uma

    adaptao do jogo Coro grego3com o jogo Dublagem4, de Viola Spolin, onde propus

    que, alm de o foco de quem faz o som manter-se em todos os acontecimentos da cena

    comportando-se como se fosse a resposta dos microfones imaginrios que revestem a

    cena o foco dos jogadores que atuam deve se manter nos sons vocalizados. Assim

    instaura-se o jogo entre quem faz o som e quem atua, juntos em um s processo que

    abre espao para a improvisao e constitui o motor de movimento de uma cena.

    A realizao do jogo aconteceu duas vezes sendo que somente na segunda os

    sonorizadores se utilizaram de microfones. possvel verificar, atravs da filmagem

    gravada em DVD disponvel no anexo A da pesquisa, como a amplificao eletrnica

    auxilia no detalhamento das sonoridades propostas. A sensibilidade do aparelho amplia

    3 (SPOLIN, 1978, p. 176).4 (SPOLIN, 1978, p. 205).

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    em grande proporo o universo sonoro importante para a realizao da cena e para a

    conscientizao das possibilidades de utilizao da voz.

    5.5. Formalizando o jogo musical

    A partir do universo sonoro levantado na sonorizao das cenas realizaremos

    agora um jogo musical de improvisao , para trabalhar musicalmente as sonoridades

    descobertas. Proponho uma pulsao em ritmo quaternrio, marcado com o bater dos ps

    no cho e em roda e uma frase sonora com a voz, sem palavras, que se repete dentro do

    pulso proposto. Seguindo a ordem da roda estabelecida, os jogadores deveriam propor,

    cada um, uma frase sonora diferente. Quando todos tiverem inserido as suas proposies

    vo, um a um, em sentido contrrio ao inicial, cessando os seus sons at que o primeiro

    cesse e instaure o silncio. A primeira rodada fizemos com sons aleatrios, criados no

    momento, e a partir da segunda pedi que tentassem inserir no pulso em roda sonoridades

    presentes nas cenas fossem elas as criadas desde as partituras corporais ou as criadas

    durante as encenaes valendo tambm a utilizao das palavras que porventura

    tenham surgido entre aquelas sonoridades. Alm disso, quando a roda estivesse plena de

    sonstodos executando as suas sonoridades dentro do pulso especificadouma pessoa

    seria escolhida para dirigir-se ao centro com duas possibilidades de ao: simplesmente

    ouvir a sinfonia criada ou fazer uma improvisao vocal, em seguida retornar roda.Algumas rodadas desse jogo esto gravadas no DVD disponvel no anexo A dessa

    pesquisa.

    Aproveitem os espaos de silncio para fazer o seu som! Prestem ateno

    sinfonia toda, ateno aos espaos!. Dessa forma estimula-se a turma a pensar na

    forma de composio musical, a ficarem atentos forma como cantam o seus sons dentro

    do espao de tempo o silncio da marcao sugerida pela pulsao, determinando

    assim uma configurao sonora em relao ao tempo. Essa instruo faz aluso aoexerccio de ocupao de espao com equilbrio ou desequilbrio espacial, realizado em

    momentos anteriores (captulo 5.2), onde as posies dos corpos no espao da sala

    determinam uma configurao espacial especfica. O entendimento da configurao fsica

    espacial dentro do plano visual que se deu durante o exerccio de ocupao de espao,

    quando solicitei que remetessem o quadro de determinadas configuraes de ocupao

    espacial a algum referencial artstico conhecido, auxilia direta e intuitivamente na

    compreenso da configurao espacial no visual do fenmeno sonoro que, justamente

    por no se fazer presente no plano visual, muitas vezes desconsiderado de sua

    caracterstica fsica. O entendimento das relaes entre espao e tempo, corpo e som

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    fulcral para desfazerem-se os grilhes que separam do ator os processos de atuao e

    interpretao dos processos de voz e som.

    Na sequncia ao jogo realizado propus que a turma se dividisse em dois grupos

    para criar composies sonoras coletivas. A partir desse entendimento praticado na

    improvisao em roda os grupos deveriam escolher um pulso especfico (lento, mdio ourpido) e combinar como dispor os sons dentro dessa marcao, ou seja, criar uma

    configurao sonora coletiva. Alm disso deveriam estabelecer incio, meio e fim

    composio. Para tal deveriam discutir e detalhar os momentos que definem e delimitam

    esses acontecimentos de desenvolvimento da composio como um verdadeiro trabalho

    musical. A proposta era aberta quanto utilizao de sonoridades provindas das cenas

    ou criao de outras sonoridades bem como a possibilidade de mais de um som por

    pessoa, contanto que fosse respeitada a regra principal de combinao em grupo. Agrande importncia desse exerccio se localiza no ato de combinar, passo a passo, o

    desenvolvimento da criao como uma composio musical;colocar em acordo um

    material sonoro cuja concretude fsica no se faz presente no campo visual, como j

    comentamos. A execuo musical, como resultado do processo, , principalmente, o

    reflexo da compreenso da manipulao dos elementos como matria sonora musical

    dentro de um todo que a msica.

    Indiferente ao julgamento de qualidades musicais de cada composio duas

    delas esto disponveis no DVD presente no anexo A da pesquisa mas em face s

    diferenas presentes em cada composio, verificamos o alcance de um trabalho

    culminado em objetos de criao vocal com a instaurao legtima de um jogo musical

    iniciada a partir do jogo teatral, encerrando assim a trajetria da segunda etapa da

    pesquisa e o processo total das oficinas de teatro e voz.

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    6. Concluso

    [...] fundem-se os papis do ator e do msico. Participando dascaractersticas de ambos, o jogador mobiliza na improvisao seuconhecimento tcnico, sua imaginao e sua afetividade. [...] Pode-se entender a improvisao musical para alm de seus aspectos

    tcnicos e exteriores, compreendendo que ela sintetiza, na forma deum objeto sonoro, um sentido, nascido do humano. A improvisaomusical poder ser ento compreendida como semente e estmulopara o jogo teatral. Quando um jogo musical d origem a um jogoteatral, sua estrutura (que seu modo de existncia) se transformaem regra do jogo e, portanto, no seu arcabouo de sustentao. (CINTRA, 2006, p. 201).

    A quantidade de material sonoro e material cnico levantados durante todo o

    processo de investigao das potencialidades da voz em relao ao jogo, levou-nos a

    perceber um processo de retroalimentao entre o jogo teatral e o jogo musical e vice-

    -versa, atravs de pontos de contato, bifurcaes que abrem espao e potencializam a

    investigao tanto para o trabalho musical quanto para o teatral. Esses espaos

    possibilitam um mergulho em uma ou outra linguagem da msica ou do teatro que,

    depois de explorada, recupera sempre, pela natureza ldica do jogo, um gancho de

    retorno ao prprio, possibilitando um novo mergulho atravs dos futuros pontos de contato

    encontrados e propiciados pelo jogo, configurando assim um entrelaamento das

    linguagens do teatro e da msica permeado pelo jogo musical e teatral. Dentro do

    processo descrito nesse trabalho podemos perceber esse entrelaamento criado pelos

    jogos em mltiplos momentos em que claramente cabe conduzir a atividade proposta

    tanto para a msica quanto para o teatro. Sandra Chacra esclarece aproximaes de

    processos de teatro e msica atravs do carter improvisacional:

    do conhecimento de todos que o teatro nasce da improvisao,do ponto de vista de qualquer termo teatral nela contido. Porm, no

    se separa da improvisao como o recm-nascido se separa docorpo da me. [...] Enfocamos o termo teatral como qualidade daimprovisao, caracterizada por um simbolismo dramtico que lheimprime um carter peculiar, diferenciando-a de outros tipos deimprovisao, como, por exemplo, a msica. Um arranjo de sons eritmos realizados por msicos no momento de qualquer execuopode obedecer a um mecanismo improvisacional muito prximo ouigual ao do que fazem uso os atores em suas representaes.Contudo, o processo de simbolizao outro. (CHACRA, 1983, P.39-40).

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    Nesse sentido podemos compreender algumas das nossas aproximaes entre as

    duas linguagens, na prtica realizada, atravs do carter improvisacional aberto pelo jogo,

    tanto teatral quanto musical, que esteve sempre presente durante todo o processo como

    motor para descobertas novas em cima dos materiais criados. Alm disso, uma

    caracterstica importante a ser ressaltada refere-se musicalidade implcita na cenateatral. Em algumas atividades as atividades da oficina, extramos qualidades sonoras de

    dentro das prticas de jogos teatrais e recorremos sua representao no plano teatral.

    Isso s foi possvel por conta da carga simblica intencional presente na arte teatral,

    ausente na msica.

    O que se coloca uma diferena quanto simbolizao. De fato, amsica, enquanto arte da organizao do som e do silncio, no ,em princpio, uma arte do smbolo, ela no signo intencional deoutro objeto, mas apenas se apresenta sensorialmente aoespectador, o qual pode, ou no, dar-lhe um significado. O teatrotem essa inteno em essncia, vive da simbolizao e da procura.(CINTRA, 2006, p. 193-194).

    As imagens, o carter sensorial visual do teatro, completam a ausncia que a

    materialidade, sonora no visual, da msica muitas vezes nos deixa escapar, por no ser

    percebida com os olhos. O jogo A caminhada da voz talvez seja o momento mais

    esclarecedor dessa concluso quando nos deparamos com a instaurao de um jogomusical, de dentro do jogo teatral, sustentado pelas imagens que eram evocadas durante

    a caminhada e que, inevitavelmente, eram refletidas no corpo dos jogadores. No auge da

    presena das duas linguagens conseguimos validar como patente, na situao

    proporcionada por esse jogo, a frase sabiamente proferida pelo aluno Fernando com

    relao ao jogo da sonorizao (captulo 5.4), definindo o papel do jogador dentro da

    anlise proposta por esta pesquisa terica e prtica:

    como se pudssemos fazer uma cena s com som ou uma cena s com ...,

    Fernando no conseguiu completar a frase, talvez quisesse dizer corpo, mas se fez

    claro ao declarar dessa forma no s o entendimento da proposta referente ao jogo em

    questo, como tambm a compreenso de que o jogador detm tanto a qualidade

    musical quanto a de interpretao, presenteando-nos ainda com a percepo de que a

    msica pode ser representada a partir da cena.

    O jogo musical est presente no jogo teatral [...]; o estudo conjuntoda improvisao teatral e musical poder apurar a formao do ator

    no sentido de dar-lhe essa conscincia.(CINTRA, 2006, p. 203).

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    7. Referncias bibliogrficas

    ANDRADE, Mara Leme de. O ritmo na ao do ator. S. Paulo: ECA-USP, 2005.

    Dissertao de mestrado.

    BOAL, Augusto. Jogos para atores e no atores. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira,

    1998.

    CHACRA, Sandra. Natureza e sentido da improvisao teatral. So Paulo: Perspectiva,

    1983.

    CINTRA, Fabio Cardozo de Mello. A musicalidade como arcabouo da cena: caminhos

    para uma educao musical no teatro. S. Paulo: ECA-USP, 2006. Tese de

    doutorado.

    GAINZA, Violeta H. de. A improvisao musical como tcnica pedaggica. In: Cadernos

    de Estudo: Educao Musical. No. 1. S. Paulo - B. Horizonte: Atravez/UFMG, 1988.

    KOUDELA, Ingrid. Jogos Teatrais. So Paulo: Perspectiva, 1984.

    ________________. Texto e jogo. So Paulo: Perspectiva, 1996.

    PUPO. Maria Lcia de Souza Barros. Entre o Mediterrneo e o Atlntico. So Paulo:

    Perspectiva, 2005.

    _______________________________. O ldico e a construo do sentido. Sala Preta,

    Revista do Depto. De Artes Cnicas/ ECA/USP: So Paulo, ano 1, n. 1, pp. 181-187,

    2001.

    RYNGAERT, Jean-Pierre. Jogar, Representar. So Paulo: Cosac Naify: 2009.

    SANTOS, Ftima Carneiro dos. Por uma escuta nmade: a msica dos sons da rua. So

    Paulo: Educ, 2002.

    _________________. O ouvido pensante. So Paulo: Unesp, 2003.

    SPOLIN, Viola. Improvisao para o teatro. So Paulo: Perspectiva, 1978.

    STANISLAVSKI, Constantin. A Construo da Personagem. Traduo de Pontes de

    Paula Lima. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1986

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    8. Anexo A

    DOCUMENTAO EM UDIO E VDEO REGISTRADA EM DVD

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    9. Anexo BTermos de autorizao para utilizao de imagem e som de voz

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    10. Anexo C

    A CRIAO DA VOZ DO ATOR NO ESPAO PBLICO: ORIGEM NO CORPO,

    PROJEO NO ESPAO

    Gabriel Hernandes, novembro de 2012.

    I. INTRODUO

    Esse relatrio tem como objetivo fazer um registro do processo de treinamento de

    voz com os atores do Coletivo de Galochas para a apresentao da pea Piratas de

    Galochas na Luz, encenada nos espaos entre e Praa Jlio Mesquita e Rua Dino Bueno,

    localizadas na regio central da cidade de So Paulo. Relatarei alguns aspectos que

    chamaram a minha ateno nesse processo que fiz parte como ator e treinador de voz.

    Aps pesquisas em vo atrs de alguma bibliografia ou registro que me ajudasse a

    criar um treinamento de voz para teatro em um espao pblico na cidade de So Paulo

    resolvi experimentar uma metodologia prpria que levaria em considerao a minha

    experincia pessoal de voz como ator, exerccios aprendidos no curso de Artes Cnicas e

    auxlio do Prof. Zebba Dal Farra (CAC/ECA/USP). Iniciei essa metodologia com a ideia de

    que deveramos estudar a criao da voz individual e dividi esse trabalho em dois eixos:corpo e espao. Estudaramos em cada um desses eixos onde e como essa voz pode ser

    criada e, com base nesse conhecimento, como projet-la.

    II. PRTICA

    Corpo

    Cada corpo nico e a sua forma de desenvolvimento reflete o desenvolvimento

    de uma vida, suas conseqncias e traumas psicolgicos, fsicos e genticos. A partir

    desse entendimento escolhi trabalhar a origem da voz a partir do trabalho da musculatura

    corporal em busca de uma voz neutra e o mais livre o possvel de traumas que a

    possam silenci-la. Primeiramente fizemos um reconhecimento das principais partes

    responsveis pela criao da voz, partindo de uma postura neutra, verificando como a

    postura ssea e musculatura auxiliam na descoberta dessa postura. Depois fizemos

    estudo aprofundado de cada parte do rosto, relaxando a musculatura responsvel pela

    emisso da fala nesse local: toda a musculatura do rosto, interior e exterior das

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    bochechas, lngua, palato, assoalho e cu da boca, lbios. Dessa forma acabamos por

    criar um aquecimento que se construiu a cada encontro com as novas descobertas de voz

    encontradas nesse treinamento.

    Comeamos ento o estudo de uma respirao torxica para a criao da voz a

    partir do corpo. Primeiro a percepo do movimento de costelas e diafragma nos estgiosseparados da respirao, inspirao e expirao. Reconhecendo as costelas,

    massageando-as e, com uma mo em cada conjunto de costelas experimentamos a

    emisso do som das vogais na ordem da mais fechada para a mais aberta: I-E--A--O-

    U. O foco deveria estar na relao entre o movimento de abertura e fechamento que a

    musculatura intercostal prope ao inspirar/expirar e o ar que entra, naturalmente pela

    diferena de presso no interior e exterior do corpo, e empurrado para fora, para assim

    comear a emisso de uma voz. Aps a experimentao individual propus que sedividissem em duplas e realizassem o seguinte exerccio:

    Exerccio n1

    Duplas: colocar mo e/ou ouvido da dupla durante a emisso do som

    I. Sentir qual parte do corpo vibra mais em cada vogal

    II. Sentir qual parte do corpo vibra mais de modo geral

    III. Tentar descobrir o movimento do som atravs da vibrao no

    corpo da

    dupla ao fazer a seqncia i-e--a--o-u

    IV. Explorar as intensidades de emisso dessa(s) voga(l)(is)

    V. Comentar explorao e inverter funo das duplas

    Aps a experimentao da voz com o foco na musculatura intercostal para a

    realizao da respirao torxica orientei a todos os atores que ficassem atentos a esse

    movimento daquele momento em diante, at o final do processo de ensaios, sempre que

    fossem emitir a voz.

    Tendo experimentado um processo de criao da voz a partir da estrutura do corpo

    individual comeamos a estudar a projeo dessa voz: orientei que primeiro estimulassem

    o bocejo algumas vezes e percebessem como a estrutura do seu corpo se comporta

    nesse movimento. Depois que escolhessem uma fala do seu personagem e a emitissem

  • 7/23/2019 Da voz ao jogo, do jogo a voz

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    em forma de bocejo, organizando a estrutura corporal da mesma forma percebida

    anteriormente. Ento propus o seguinte exerccio coletivo:

    Exerccio n 2

    Telefone sem fio

    I. Um ator emite um som de vogal continuamente a partir do bocejo.

    Outro ator se distancia at que consiga ouvir minimamente aquele

    som projetado pelo primeiro. O prximo ator realiza o mesmo

    procedimento do ltimo at que todos os atores ficassem espalhados

    pela Praa Jlio Prestes na distncia mxima que as suas vozes

    poderiam alcanar o prximo.

    II. O primeiro ator fala uma frase, criada aleatoriamente, a partir do

    bocejo, para o prximo, que dever repeti-la para o ator seguinte.

    III. O ltimo ator deve repetir o que ouviu para o primeiro

    IV. O grupo se rene novamente e o primeiro diz o que ouviu do

    ltimo ator e qual era a frase original.

    A partir de observaes realizadas nesse exerccio percebi que o trabalho da

    projeo deveria ser aprofundado na ideia de projetar a voz para algum, ter uma pessoa

    em determinada distncia para receb-la e estimular a sua projeo. Elaborei ento o

    seguinte exerccio, em duplas:

    Exerccio n 3

    Imitando o som do outro

    I. Duplas

    II. Escolher um texto do seu personagem, falar com as intenes mas

    com a voz natural do ator.

    III. Esse ator vai abraar levemente (sem fazer peso, sem apertar

    nada, apenas para estimular a movimentao muscular) o parceiro de

    dupla pelas costas.

    IV. O parceiro, abraado, vai utilizar do corpo do outro para respirar e

  • 7/23/2019 Da voz ao jogo, do jogo a voz

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    falar o texto, com projeo. Quem est abraando deve respirar junto

    e falar o texto ainda em voz natural. Repetir esse procedimento

    quantas vezes for necessrio.

    V. O texto volta para a boca original e deve ser experimentado com o

    que foi sentido do corpo do outro.

    VI. Sem mudar o mecanismo de emisso desse texto o companheiro

    que est assistindo deve ficar no lugar no espao onde o texto deve

    chegar (e aumentar essa distncia: perto, mdio e longe; frente, lado

    e costas).

    VII. Inverter as funes nas duplas

    Aps a prtica em duplas propus outro exerccio com o mesmo objetivo de trabalho

    de projeo da voz, individualmente na tentativa de que houvesse um aprofundamento

    maior:

    Exerccio n 4

    Projetando

    I. Encontrar, a partir dos comentrios do ex. anterior, o lugar do seu

    corpo onde a vibrao mais intensa

    II. Imaginar uma bolinha no meio de um fio, voc est segurando essa

    bolinha pelas extremidades desse fio e a bolinha esse foco, esse

    lugar que mais vibra na emisso da voz.

    III. Movimentar a bolinha, dentro do corpo, para baixo e para cima,

    emitindo o som

    IV. Movimentar a bolinha, externa ao corpo, para baixo e para cima,

    emitindo o som

    Durante a conversa ps-treinamento de voz alguns atores relataram dificuldade na

    realizao desse exerccio, entre eles as atrizes, as mesmas que vinham comentando

    algumas dificuldades de projetar a voz. Para o prximo treinamento ento planejei

    trabalhar com perturbaes que tirassem o corpo do ator de um lugar confortvel na hora

    de emitir a sua voz, pensando que deveramos tentar esc