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DADOS DE COPYRIGHTpoliticaedireito.org/br/wp-content/uploads/2017/02/As-Armas-da... · geração de teóricos marxistas, sendo Lenin e Trotski ligados à primeira revolução proletária

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  • Copyright desta edio Boitempo Editorial, 2012Copyright Ivana Jinkings e Emir Sader, 2012

    Coordenao editorialIvana Jinkings

    Editora-adjuntaBibiana Leme

    Assistncia editorialLivia Campos e Pedro Carvalho

    PreparaoMariana Tavares

    Apresentao das obras de Vladimir Lenin e Leon TrotskiAlexandre Linares

    RevisoPedro Baraldi

    CapaDavid Amiel

    DiagramaoAntonio Kehl

    ProduoFlvia Franchini

    Verso eletrnicaProduo: Kim Doria e Livia CamposDiagramao para ebook: S2 Books

    CIP-BRASIL. CATALOGAO-NA-FONTESINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

    A158As armas da crtica : antologia do pensamento de esquerda : clssicos / Ivana Jinkings, Emir Sader [organizadores ; traduo de PaulaAlmeida ... et al.]. - So Paulo, SP : Boitempo, 2012.

    Textos em diferentes idomas traduzidos para o portugusInclui bibliografiaISBN 978-85-7559-215-1

    1. Comunismo. 2. Socialismo. 3. Cincia polt ica. I. Jinkings, Ivana. II. Sader, Emir, 1943-.

    12-4077. CDD: 335.422 CDU: 330.8518.06.12 27.06.12 036429

    vedada a reproduo de qualquerparte deste livro sem a expressa autorizao da editora.

    Este livro atende s normas do acordo ortogrfico em vigor desde janeiro de 2009.

    1 edio: julho de 2012

    BOITEMPO EDITORIAL

    Jinkings Editores Associados Ltda.Rua Pereira Leite, 373

    05442-000 So Paulo SPTel./fax: (11) 3875-7250 / 3872-6869

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  • SUMRIO

    Dedicatria

    APRESENTAO

    KARL MARX e FRIEDRICH ENGELS1. Manifesto Comunista

    II. Proletrios e comunistasIII. Literatura socialista e comunistaIV. Posio dos comunistas diante dos diversos partidos de oposio

    2. A ideologia alemFeuerbach (Introduo)Feuerbach (Fragmento 2)1. Ad Feuerbach [Teses sobre Feuerbach] (1845)

    3. Mensagem do Comit Central Liga [dos Comunistas][Divulgada como circular em maro de 1850]O Comit Central Liga

    4. O 18 de brumrio de Lus Bonaparte5. Grundrisse

    Manuscritos econmicos de 1857-1858:esboos da crtica da economia poltica[Formas que precederam a produo capitalista]

    6. Contribuio crtica da economia polticaPrefcio

    7. O capitalO carter fetichista da mercadoria e seu segredo

    8. A guerra civil na Frana

    VLADIMIR ILITCH ULIANOV LENIN9. Que fazer?

    A classe operria como combatente da vanguarda pela democracia10. Imperialismo, fase superior do capitalismo

    Crtica do imperialismo11. O Estado e a revoluo

    As condies econmicas do definhamento do Estado

    LEON TROTSKI12. Balano e perspectivas13. A revoluo permanente

    Introduo14. A revoluo trada

    ROSA LUXEMBURGO15. Greve de massas, partido e sindicatos16. A acumulao do capital, ou O que os epgonos fizeram da teoria marxista: uma contracrtica (excertos)17. Sobre a Revoluo Russa

    ANTONIO GRAMSCI18. A revoluo contra O capital

  • 19. O conceito de revoluo passiva20. O problema da direo poltica na formao e no desenvolvimento da nao e do Estado moderno naItlia21. Observaes sobre alguns aspectos da estrutura dos partidos polticos nos perodos de crise orgnica

    NDICE ONOMSTICO

    BIBLIOGRAFIA

    SOBRE OS ORGANIZADORES

    AGRADECIMENTOS

  • Para Daniela, Kim, Luca,Cssio, Maria Isabel e Miguel.

    E para todos os que vierem depois de ns.

  • NOTA DA EDIOA fim de homogeneizar os artigos, foi necessrio um grande esforo de padronizao. Alm de serem entre si todiferentes, os artigos foram publicados no Brasil de formas diversas, muitas vezes por outras editoras que no aBoitempo (as quais gentilmente autorizaram sua reproduo aqui).

    As notas de rodap esto todas numeradas. Quando no h nenhuma identificao no final do texto porqueso notas do prprio autor. Quando, porm, esto identificadas por siglas, porque so notas de edio. As siglasobedecem aos seguintes critrios: N. T., nota do tradutor; N. E. A., nota da edio alem original; N. E. R., notada edio russa original; N. R. T., nota do revisor tcnico (caso das notas includas pela tradutora do russo PaulaAlmeida, que se encarregou da reviso tcnica dos textos de Lenin e Trotski); N. E. N.-A., nota de edio norte-americana consultada (Karl Marx, The Karl Marx Library, v. 1, Nova York, McGraw Hill, 1972); apenas N. E., notadesta edio, ou seja, da Boitempo; quando acompanhada do nome de outra editora, trata-se de uma nota daedio cuja traduo nos serviu como base. J nos textos do livro A ideologia alem, as siglas S. M. e V. M.significam, respectivamente, que o texto em questo foi suprimido do manuscrito ou uma variante domanuscrito. Cada texto tem uma introduo, na qual se encontram as referncias bibliogrficas das ediesoriginais e o nome dos tradutores e revisores tcnicos.

    Em poucos casos optamos por manter algumas especificidades de edio. Na maioria dos textos, quando o autorescreveu termos em idiomas diferentes do seu original, optamos por traduzi-los em seguida, entre colchetes. Issos no aconteceu na seleo do livro Grundrisse, que seguiu o critrio da edio da Boitempo, publicada em 2011:as letras sobrescritas (i, f), precedidas de apstrofe, indicam que a frase toda foi escrita na lngua indicada pelasua inicial (ingls ou francs, respectivamente); quando apenas uma palavra seguida de letra sobrescrita, porque somente ela estava em idioma diferente.

    Por serem apresentados aqui trechos de livros, e no todo o seu contedo, muitas vezes a numerao decaptulos no sequencial, como no caso do Manifesto Comunista, do qual so aqui publicados apenas oscaptulos II, III e IV. Este volume inclui ainda um ndice onomstico e indicaes bibliogrficas, para os leitores quequiserem se aprofundar mais nos temas abordados pelos autores em sua rica produo intelectual.

  • APRESENTAOIvana Jinkings e Emir Sader

    A esquerda como a entendemos hoje nasceu com a Revoluo Francesa, em1789, centrada em ideais de liberdade, igualdade e fraternidade. A prpriapalavra decorre dessa origem: o termo foi cunhado a partir da posio, esquerda,ocupada pelos jacobinos na Assembleia Nacional. Desde ento, as teoriassocialistas e anticapitalistas voltaram-se para o desdobramento e a prtica dessesprincpios, e a palavra esquerda passou a sintetizar a defesa do socialismo, a lutacontra a explorao, a dominao, a discriminao e a alienao.

    As proposies e os projetos dessa corrente de pensamento estiveram no centrodos debates tericos e das principais lutas polticas do ltimo sculo e meio,quando geraes foram educadas sob os ideais de humanismo, solidariedade eemancipao. Agora, quando a ordem comandada pelo capital demonstra suainsustentabilidade e seu carter antissocial promovendo a desigualdade, a lutade todos contra todos e o culto ao dinheiro em meio misria que esse mesmoregime produz, reproduz e qual relega a grande maioria da humanidade ,acreditamos ser fundamental fazer chegar aos jovens, e a todos os que seguemsonhando e lutando por justia social, alguns dos mais importantes textoselaborados pelo pensamento marxista.

    Para os que buscam a transformao revolucionria do mundo, a teoria precisa serinstrumento da poltica, da materializao dos seus ideais em projetos concretos.Pois a teoria segundo Marx converte-se em fora material quando penetra nasmassas[1]. Ou, conforme os termos que do ttulo a esta antologia, as armas dacrtica devem se colocar a servio da crtica das armas.

    As armas da crtica para a crtica das armasEste livro inaugura um projeto planejado para trs volumes, divididos entre osautores clssicos, os do chamado marxismo ocidental[2] e os contemporneos.Abrindo este primeiro tomo dos clssicos esto escritos dos fundadores domarxismo, Karl Marx e Friedrich Engels, que estabeleceram as bases do corpoterico e da viso de mundo que orientam a esquerda desde a publicao doManifesto Comunista, em 1848.

    Seguem-se a eles textos redigidos pelos mais destacados tericos e dirigentespolticos do ciclo revolucionrio do fim dos anos 1910 e do momento

  • imediatamente posterior Primeira Guerra Mundial: Vladimir Ilitch Ulianov Lenin,Leon Trotski, Rosa Luxemburgo e Antonio Gramsci. Esses pertencem segundagerao de tericos marxistas, sendo Lenin e Trotski ligados primeira revoluoproletria vitoriosa da histria a Revoluo Russa de 1917 e os dois ltimos arebelies frustradas, na Alemanha e na Itlia, sobre cuja derrota se erigiram asmais significativas contrarrevolues de massa, que tiveram entre suasconsequncias o assassinato de Rosa, em 1919, e a priso de Gramsci pelo regimefascista de Benito Mussolini, em 1926. Todos so exemplos consagrados dacapacidade de articulao entre teoria e prtica, reflexo e ao, nos momentos deascenso e de refluxo do movimento comunista.

    Nossa escolha por autores marxistas para esta coleo se deve ao fato de omarxismo constituir a espinha dorsal das teorias e prticas da esquerda desde queesta se firmou como fora poltica e ideolgica ao longo do sculo XX. Outrascorrentes, como o anarquismo e o socialismo utpico, tiveram importncia emdeterminados momentos da histria chegando mesmo a influenciar fortementealguns dos pensadores constantes deste livro , porm suas formulaes tericasno tiveram a mesma projeo no mundo contemporneo. Casos de Graco Babeuf,do conde de Saint-Simon, de Charles Fourier e Pierre-Joseph Proudhon. Tambmno foram selecionados textos de alguns autores marxistas, como Karl Kautsky,Guergui Plekhnov, Alexandra Kollontai e Nikolai Bukharin, entre tantos outrosque poderiam ter sido includos, sob o nus de este livro tornar-se excessivamenteextenso.

    Os autores que constam deste volume compartilham algumas caractersticas.Foram ao mesmo tempo tericos e militantes, pensadores e dirigentesrevolucionrios, coerentes com um dos elementos essenciais do marxismo: ainterpretao do mundo aliada ao projeto de sua transformao revolucionria. Aprtica poltica, o mbito partidrio, as esferas nacionais e internacionais foramsempre seus espaos de reflexo e de ao. Nenhum deles se dedicou a carreirasacadmicas, nem por isso deixaram de valorizar extraordinariamente a teoria,construindo obras de porte monumental como formas de decifrar a realidade efundamentar a ao poltica. Os exemplos so muitos: A ideologia alem, de Marxe Engels; O Estado e a revoluo, de Lenin; A histria da Revoluo Russa, deTrotski; A acumulao do capital, de Rosa Luxemburgo; e os Cadernos do crcere,de Gramsci, entre vrios outros.

    Procuraram escrever para um pblico amplo, de militantes polticos, trabalhadorese jovens, buscando combinar rigor terico com linguagem acessvel a leitores nemsempre familiarizados com temas filosficos, histricos, econmicos. Ns oschamamos de fundadores sem menosprezo contribuio de outros pensadores porque foram responsveis pelas formulaes essenciais da esquerda, como ela foise forjando ao longo do tempo e como se compe hoje. Construram os pilaresbsicos de temas como a luta de classes, os processos de acumulao do capital, a

  • construo de partidos revolucionrios, os modelos hegemnicos, os projetos deestratgias de transformao da realidade e os critrios para a construo dassociedades socialistas.

    Viveram entre a primeira metade do sculo XIX e a primeira metade do sculo XX.Marx e Engels em pleno desabrochar da Revoluo Industrial, os demais j noperodo imperialista do capitalismo. No conjunto de suas obras, souberam captar anatureza do regime do capital e suas expresses histricas concretas. Capacitaramo movimento operrio e os partidos polticos a compreender as novas formasassumidas pela dominao capitalista em escala mundial, assim como a crescentebarbarizao da vida social. So, portanto, fundadores de teorias que vmalimentando e iluminando os estudos e a prtica poltica de diversas geraes.

    Fundadores do socialismo cientficoMarx e Engels nasceram durante as guerras napolenicas, respectivamente em1818 e 1820, ainda sob o impacto da Revoluo Francesa, da irrupo docapitalismo e do monumental trabalho de Georg Wilhelm Friedrich Hegel. A obraque edificaram revolucionou o mundo das ideias e deu impulso ao mais poderosomovimento social e poltico que a histria j conheceu. Nenhum outro conjunto deescritos ou corrente terica alcanou a transcendncia atingida por esses filsofos,que influenciaram intelectual e politicamente a constituio de organizaessociais, de partidos polticos, de movimentos culturais e de Estados populares.

    Suas produes abarcam da filosofia economia, passando pela poltica e pelahistria, incorporando, em cada momento, os desdobramentos anteriores,construindo uma nova totalidade, um novo campo terico, sempre articulado emtorno de suas contradies. Da crtica da alienao religiosa poltica e, nesta, diferenciao entre emancipao poltica e emancipao humana, que passa asintetizar a superao dialtica de todas as formas de alienao.

    Transformaram o pensamento humano em muitos aspectos antes de desembocarem uma proposta de converso revolucionria do capitalismo para o socialismo, anova teoria modificou as formas de pensar e a prpria concepo do que significa aprtica poltica. Iniciaram suas reflexes pela filosofia porque, para intelectuaisalemes da poca, o maior desafio era decifrar o enigma da obra hegeliana. Esseacerto de contas passou pela filosofia do direito e pela filosofia do Estado, atchegar ao que chamaram de anatomia da sociedade civil, no seio da qual jazia aluta de classes. O resgate da dialtica de Hegel e a crtica superadora de seuselementos metafsicos trouxeram consigo a maior revoluo no pensamentofilosfico desde seu surgimento, tornando-se um marco na cultura ocidental.

    A direita tomou o marxismo como seu inimigo principal, desenvolvendo correntesideolgicas e formas de ao poltica para impedir que aquelas ideias penetrassem

  • nas camadas populares e modificassem o mundo. Marx e Engels, conscientes desua condio de intelectuais, concentraram-se na produo terica rigorosa densae incomparvel em curto perodo de tempo. Mas fizeram tambm uma opo declasse e, embora no fossem proletrios, assumiram essa perspectiva e tornaram-se militantes e dirigentes internacionalistas do nascente movimento operrioeuropeu. Suas atenes se voltaram para os primeiros levantamentos e para ascondies dos trabalhadores, como reao expanso do capitalismo industrial.

    Unidos pela amizade e por uma profcua colaborao intelectual e poltica, essesdois pensadores viveram intensamente o seu tempo. Sofreram represso nospases por onde passaram; fizeram o balano da Revoluo Francesa, quedesembocou na Restaurao monrquica; participaram da fundao da PrimeiraInternacional; acompanharam de perto a experincia da Comuna de Paris ebuscaram solidariedade internacional ao movimento, para depois fazer um examesistemtico das suas conquistas e limitaes.

    A crtica clssica marxistaEste volume inicia-se com o Manifesto Comunista, expresso sinttica de uma novainterpretao do mundo e um novo projeto poltico. Considerado o texto polticomais importante da histria contempornea assim como o mais lido , escritomeses antes das rebelies de 1848, nele se articulam dimenses fundamentais daconcepo marxiana da histria, como o encadeamento de sociedades articuladaspor diferentes modos de produo, tendo a luta de classes como motor. Os textosescolhidos abordam ainda filosofia, economia e aquilo que posteriormente GyrgyLukcs diria ser o elemento ortodoxo, de permanncia, no marxismo: o mtododialtico. So escritos que refletem a incorporao da dialtica hegeliana por Marxe Engels, produzindo o que caracterizariam como uma inverso do idealismo, cujaspropores tiveram o sentido de uma revoluo copernicana.

    De Lenin, o dirigente bolchevique que liderou a Revoluo de Outubro, vitoriosa emtempos de imperialismo e colonialismo, reproduzimos trechos de trs obrasnotveis: Que fazer?, O imperialismo, fase superior do capitalismo e O Estado e arevoluo. So textos curtos, mas que deixam transparecer o poltico, intelectual eestrategista apontado por Eric Hobsbawm como o personagem de maior impactoindividual na histria do sculo XX.

    Leon Trotski foi, depois de Lenin, o dirigente mais importante da Revoluo Russade 1917. Presidiu o soviete de Petrogrado em 1905, organizou o Exrcito Vermelhoe foi Comissrio do Povo para Negcios Estrangeiros aps a vitria da revoluo.Dele selecionamos um trecho do livro Balano e perspectivas, a introduo de Arevoluo permanente e Seria a burocracia uma classe dominante?, captulo de Arevoluo trada.

  • Foi ainda sobre esse formidvel movimento revolucionrio que Rosa Luxemburgoescreveu O significado fundamental da Revoluo Russa, em que apontahesitaes de Lenin e Trotski. Dessa corajosa revolucionria polonesa, que ajudoua fundar o Partido Comunista da Alemanha, selecionamos tambm um trecho deGreve de massas, partido e sindicatos, retirado dos escritos de 1906, e excertosde A acumulao do capital, ou O que os epgonos fizeram da teoria marxista:uma contracrtica.

    De Antonio Gramsci inclumos quatro textos: A revoluo contra O capital fazparte dos Escritos polticos, enquanto O conceito de revoluo passiva, Oproblema da direo poltica na formao e no desenvolvimento da nao e doEstado moderno na Itlia e Observaes sobre alguns aspectos da estrutura dospartidos polticos nos perodos de crise orgnica foram extrados dos Cadernos docrcere, volumes 3 e 5. De 1926, quando foi preso, at 1935, quando sua sadeno lhe permitiu mais escrever, o comunista italiano redigiu os volumes quecompem os Cadernos. Anteriores sua priso, os Escritos polticos mostram seupensamento ainda em processo de formao.

    Quase cem anos depois da primeira revolta proletria bem-sucedida no mundo,quando a palavra revoluo de certo modo se banaliza e alguns chegam aproclamar o fim da histria, a publicao deste livro pode parecer extempornea.Por que voltar aos clssicos do marxismo em um momento destes? Se ser deesquerda lutar pela igualdade, esperamos que a leitura ou a releitura dosescritos de Karl Marx, Friedrich Engels, Vladimir Lenin, Leon Trotski, RosaLuxemburgo e Antonio Gramsci represente um passo adiante na luta, sempre atuale renovada, contra a fonte maior de desigualdades, o capitalismo. Que a leituradesses clssicos nos torne cada vez mais contemporneos do nosso presente. Quenos leve a pensar na histria como uma permanente aventura de liberdade e deutopias, fazendo da articulao entre teoria e prtica a chave da construo de umfuturo que vislumbre a emancipao humana.

    Julho de 2012

  • KARL MARX eFRIEDRICH ENGELS

  • Karl Heinrich Marx (1818-1883) Filsofo, economista e poltico socialista alemo, passou a maior parte davida exilado em Londres. Doutorou-se em 1841 pela Universidade de Berlim, com uma tese sobre Epicuro. Foi

    ligado esquerda hegeliana e ao materialismo de Feuerbach. Em 1844 conheceu Friedrich Engels e em 1845

    escreveram e publicaram o primeiro livro em parceria, A sagrada famlia, que marca seu rompimento com os

    jovens hegelianos. Em 1847, com 29 e 27 anos, respectivamente, redigiram o texto que transformou o mundo ao

    declarar a luta de classes como motor da histria: o Manifesto do Partido Comunista. Marx desenvolveu uma ideia

    de comunismo ligada sua concepo da histria e a uma resoluta interveno na luta poltica, solidria com o

    movimento operrio. Suas obras mais conhecidas so O capital e A ideologia alem (esta escrita em colaborao

    com Engels).

    Friedrich Engels (1820-1895) Filsofo alemo, amigo e colaborador de Karl Marx, com quem escreveu obrasfundamentais como A sagrada famlia (1845) e a A ideologia alem (1845-1846). Filho de um industrial rico,

    tornou-se comunista na juventude e uma liderana revolucionria mundial. Dedicou-se ao problema da dialtica da

    natureza e aos estudos sobre a classe trabalhadora na Inglaterra. Entre outros livros, autor de A situao da

    classe trabalhadora na Inglaterra (1845), Anti-Dring (1878) e A dialtica da natureza (1883). Depois da morte de

    Marx, publicou A origem da famlia, do Estado e da propriedade privada (1884), Ludwig Feuerbach e o fim da

    filosofia clssica alem (1886) e encarregou-se da publicao dos Livros II e III de O capital. Fundador, com

    Marx, do socialismo cientfico.

  • 1. Manifesto Comunista

    1Manifesto Comunista

    O Manifesto do Partido Comunista, ou simplesmente Manifesto Comunista, como ficou mais conhecido, foi

    escrito sob encomenda da Liga dos Comunistas, em novembro de 1847, quando se acreditava que a

    Europa estava s vsperas de uma revoluo. Sua publicao ocorreu em fevereiro do ano seguinte, com

    o ttulo Manifest der Kommunistischen Partei.

    Esse pequeno panfleto marcou uma virada histrica ao apresentar, pela primeira vez, um projeto poltico

    baseado numa perspectiva de classe e ao oferecer um painel extraordinrio da modernidade capitalista.

    Para alm de sua antecipao analtica, ele propunha uma nova organizao social e poltica e acabaria por

    se tornar o documento poltico mais importante de todos os tempos, uma das obras mais lidas, traduzidas

    e difundidas em todo o mundo. Passado mais de um sculo e meio desde sua publicao, a atualidade e o

    vigor do Manifesto se mantm inalterados. Intelectuais e militantes das mais diversas correntes de

    pensamento reconhecem que essa admirvel obra-prima ainda tem muito a dizer ao mundo, em pleno

    sculo XXI.

    A traduo aqui utilizada (So Paulo, Boitempo, 1998) foi feita por lvaro Pina, a partir da edio alem de

    1890 (prefaciada e anotada por Friedrich Engels), para as edies Avante! (Lisboa, 1975). Ivana Jinkings e

    Daniela Jinkings revisaram a verso portuguesa e a cotejaram com a edio em ingls, organizada pelo

    prprio Engels (Londres, W. Reeves, 1888); com a traduo francesa de E. Bottigelli (Paris, Aubier-

    Montaigne, 1971) e com a italiana de Antonio Labriola (Milo, Avanti!, 1960), sendo de ambas o texto final

    publicado pela Boitempo. A seguir encontram-se os captulos II, III e IV do documento.

  • II. Proletrios e comunistasQual a relao dos comunistas com os proletrios em geral?

    Os comunistas no formam um partido parte, oposto aos outros partidosoperrios.

    No tm interesses diferentes dos interesses do proletariado em geral. Noproclamam princpios particulares, segundo os quais pretendam moldar omovimento operrio.

    Os comunistas se distinguem dos outros partidos operrios somente em doispontos: 1) nas diversas lutas nacionais dos proletrios, destacam e fazemprevalecer os interesses comuns do proletariado, independentemente danacionalidade; 2) nas diferentes fases de desenvolvimentos por que passa a lutaentre proletrios e burgueses, representam, sempre e em toda parte, os interessesdo movimento em seu conjunto.

    Na prtica, os comunistas constituem a frao mais resoluta dos partidos operriosde cada pas, a frao que impulsiona as demais; teoricamente tm sobre o restodo proletariado a vantagem de uma compreenso ntida das condies, do curso edos fins gerais do movimento proletrio.

    O objetivo imediato dos comunistas o mesmo que o de todos os demais partidosproletrios: constituio do proletariado em classe, derrubada da supremaciaburguesa, conquista do poder poltico pelo proletariado.

    As proposies tericas dos comunistas no se baseiam, de modo algum, em ideiasou princpios inventados ou descobertos por este ou aquele reformador do mundo.

    So apenas a expresso geral das condies efetivas de uma luta de classes queexiste, de um movimento histrico que se desenvolve diante dos olhos. A aboliodas relaes de propriedade que at hoje existiram no uma caractersticapeculiar e exclusiva do comunismo.

    Todas as relaes de propriedade tm passado por modificaes constantes emconsequncia das contnuas transformaes das condies histricas.

    A Revoluo Francesa, por exemplo, aboliu a propriedade feudal em proveito dapropriedade burguesa.

    O que caracteriza o comunismo no a abolio da propriedade em geral, mas aabolio da propriedade burguesa.

    Mas a moderna propriedade privada burguesa a ltima e mais perfeita expressodo modo de produo e de apropriao baseado nos antagonismos de classes, naexplorao de uns pelos outros.

    Nesse sentido, os comunistas podem resumir sua teoria numa nica expresso:supresso da propriedade privada.

  • Ns, comunistas, temos sido censurados por querer abolir a propriedadepessoalmente adquirida, fruto do trabalho do indivduo propriedade que dizemser a base de toda liberdade, de toda atividade, de toda independncia individual.

    Propriedade pessoal, fruto do trabalho e do mrito! Falais da propriedade dopequeno-burgus, do pequeno campons, forma de propriedade anterior propriedade burguesa? No precisamos aboli-la, porque o progresso da indstria ja aboliu e continua abolindo-a diariamente. Ou porventura falais da modernapropriedade privada, da propriedade burguesa?

    Mas o trabalho do proletrio, o trabalho assalariado, cria propriedade para oproletrio? De modo algum. Cria o capital, isto , a propriedade que explora otrabalho assalariado e que s pode aumentar sob a condio de gerar novotrabalho assalariado, para voltar a explor-lo. Em sua forma atual, a propriedadese move entre dois termos antagnicos: capital e trabalho. Examinemos os termosdesse antagonismo.

    Ser capitalista significa ocupar no somente uma posio pessoal, mas tambmuma posio social na produo. O capital um produto coletivo e s pode serposto em movimento pelos esforos combinados de muitos membros da sociedade,em ltima instncia pelos esforos combinados de todos os membros da sociedade.

    O capital no , portanto, um poder pessoal: um poder social.

    Assim, quando o capital transformado em propriedade comum, pertencente atodos os membros da sociedade, no uma propriedade pessoal que se transformaem propriedade social. O que se transformou foi o carter social da propriedade.Esta perde seu carter de classe.

    Vejamos agora o trabalho assalariado.

    O preo mdio que se paga pelo trabalho assalariado o mnimo de salrio, ouseja, a soma dos meios de subsistncia necessrios para que o operrio viva comooperrio. Por conseguinte, o que o operrio recebe com o seu trabalho oestritamente necessrio para a mera conservao e reproduo de sua existncia.No pretendemos de modo algum abolir essa apropriao pessoal dos produtos dotrabalho, indispensvel manuteno e reproduo da vida humana umaapropriao que no deixa nenhum lucro lquido que confira poder sobre o trabalhoalheio. Queremos apenas suprimir o carter miservel dessa apropriao, que fazcom que o operrio s viva para aumentar o capital e s viva na medida em que oexigem os interesses da classe dominante.

    Na sociedade burguesa o trabalho vivo sempre um meio de aumentar o trabalhoacumulado. Na sociedade comunista o trabalho acumulado um meio de ampliar,enriquecer e promover a existncia dos trabalhadores.

    Na sociedade burguesa o passado domina o presente; na sociedade comunista opresente que domina o passado. Na sociedade burguesa o capital independente e

  • pessoal, ao passo que o indivduo que trabalha dependente e impessoal.

    a supresso dessa situao que a burguesia chama de supresso daindividualidade e da liberdade. E com razo. Porque se trata efetivamente de abolira individualidade burguesa, a independncia burguesa, a liberdade burguesa.

    Por liberdade, nas atuais relaes burguesas de produo, compreende-se aliberdade de comrcio, a liberdade de comprar e vender.

    Mas, se o trfico desaparece, desaparecer tambm a liberdade de traficar. Toda afraseologia sobre o livre-comrcio, bem como todas as bravatas de nossa burguesiasobre a liberdade, s tm sentido quando se referem ao comrcio constrangido eao burgus oprimido da Idade Mdia; nenhum sentido tm quando se trata dasupresso comunista do trfico, das relaes burguesas de produo e da prpriaburguesia.

    Horrorizai-vos porque queremos suprimir a propriedade privada. Mas em vossasociedade a propriedade privada est suprimida para nove dcimos de seusmembros. E precisamente porque no existe para estes nove dcimos que elaexiste para vs. Censurai-nos, portanto, por querermos abolir uma forma depropriedade que pressupe como condio necessria que a imensa maioria dasociedade no possua propriedade.

    Numa palavra, censurai-nos por querermos abolir a vossa propriedade.

    De fato, isso que queremos.

    A partir do momento em que o trabalho no possa mais ser convertido em capital,em dinheiro, em renda da terra numa palavra, em poder social capaz de sermonopolizado , isto , a partir do momento em que a propriedade individual nopossa mais se converter em propriedade burguesa, declarais que o indivduo estsuprimido.

    Confessais, no entanto, que quando falais do indivduo, quereis referir-vosunicamente ao burgus, ao proprietrio burgus. E este indivduo, sem dvida,deve ser suprimido.

    O comunismo no priva ningum do poder de se apropriar de sua parte dosprodutos sociais; apenas suprime o poder de subjugar o trabalho de outros pormeio dessa apropriao.

    Alega-se ainda que, com a abolio da propriedade privada, toda atividadecessaria, uma inrcia geral apoderar-se-ia do mundo.

    Se isso fosse verdade, h muito que a sociedade burguesa teria sucumbido ociosidade, pois os que no regime burgus trabalham no lucram, e os que lucramno trabalham. Toda a objeo se reduz a esta tautologia: no haver maistrabalho assalariado quando no mais existir capital.

  • As objees feitas ao modo comunista de produo e de apropriao dos produtosmateriais foram igualmente ampliadas produo e apropriao dos produtos dotrabalho intelectual. Assim como o desaparecimento da propriedade de classeequivale, para o burgus, ao desaparecimento de toda a produo, odesaparecimento da cultura de classe significa, para ele, o desaparecimento detoda a cultura.

    A cultura, cuja perda o burgus deplora, para a imensa maioria dos homensapenas um adestramento que os transforma em mquinas.

    Mas no discutais conosco aplicando abolio da propriedade burguesa o critriode vossas noes burguesas de liberdade, cultura, direito etc. Vossas prpriasideias so produtos das relaes de produo e de propriedade burguesas, assimcomo o vosso direito no passa da vontade de vossa classe erigida em lei, vontadecujo contedo determinado pelas condies materiais de vossa existncia comoclasse.

    Essa concepo interesseira, que vos leva a transformar em leis eternas danatureza e da razo as relaes sociais oriundas do vosso modo de produo e depropriedade relaes transitrias que surgem e desaparecem no curso daproduo , por vs compartilhada com todas as classes dominantes jdesaparecidas. O que aceitais para a propriedade antiga, o que aceitais para apropriedade feudal, j no podeis aceitar para a propriedade burguesa.

    Supresso da famlia! At os mais radicais se indignam com esse propsito infamedos comunistas.

    Sobre que fundamento repousa a famlia atual, a famlia burguesa? Sobre o capital,sobre o ganho individual. A famlia, na sua plenitude, s existe para a burguesia,mas encontra seu complemento na ausncia forada da famlia entre os proletriose na prostituio pblica. A famlia burguesa desvanece-se naturalmente com odesvanecer de seu complemento, e ambos desaparecem com o desaparecimentodo capital.

    Censurai-nos por querermos abolir a explorao das crianas pelos seus prpriospais? Confessamos esse crime.

    Dizeis tambm que destrumos as relaes mais ntimas, ao substituirmos aeducao domstica pela educao social.

    E vossa educao no tambm determinada pela sociedade? Pelas condiessociais em que educais vossos filhos, pela interveno direta ou indireta dasociedade, por meio de vossas escolas etc.? Os comunistas no inventaram aintromisso da sociedade na educao; apenas procuram modificar seu carterarrancando a educao da influncia da classe dominante.

    O palavreado burgus sobre a famlia e a educao, sobre os doces laos que unema criana aos pais, torna-se cada vez mais repugnante medida que a grande

  • indstria destri todos os laos familiares dos proletrios e transforma suascrianas em simples artigos de comrcio, em simples instrumentos de trabalho.

    Vs, comunistas, quereis introduzir a comunidade das mulheres!, grita-nos toda aburguesia em coro.

    Para o burgus, a mulher nada mais do que um instrumento de produo.Ouvindo dizer que os instrumentos de produo sero explorados em comum,conclui naturalmente que o destino de propriedade coletiva caber igualmente smulheres. No imagina que se trata precisamente de arrancar a mulher de seupapel de simples instrumento de produo.

    De resto, nada mais ridculo que a virtuosa indignao que os nossos burguesesmanifestavam em relao pretensa comunidade oficial das mulheres que oscomunistas adotariam. Os comunistas no precisam introduzir a comunidade dasmulheres. Ela quase sempre existiu.

    Nossos burgueses, no contentes em ter sua disposio as mulheres e as filhasdos proletrios, sem falar da prostituio oficial, tm singular prazer em seduzir asesposas uns dos outros.

    O casamento burgus , na realidade, a comunidade das mulheres casadas. Nomximo, poderiam acusar os comunistas de querer substituir uma comunidade demulheres, hipcrita e dissimulada, por outra que seria franca e oficial. De resto, evidente que, com a abolio das atuais relaes de produo, desaparecertambm a comunidade das mulheres que deriva dessas relaes, ou seja, aprostituio oficial e a no oficial.

    Os comunistas tambm so acusados de querer abolir a ptria, a nacionalidade.

    Os operrios no tm ptria. No se lhes pode tirar aquilo que no possuem.Como, porm, o proletariado tem por objetivo conquistar o poder poltico e elevar-se a classe dirigente da nao, tornar-se ele prprio nao, ele , nessa medida,nacional, mas de modo nenhum no sentido burgus da palavra.

    Os isolamentos e os antagonismos nacionais entre os povos desaparecem cada vezmais com o desenvolvimento da burguesia, com a liberdade de comrcio, com omercado mundial, com a uniformidade da produo industrial e com as condiesde existncia a ela correspondentes.

    A supremacia do proletariado far com que desapaream ainda mais depressa. Aao comum do proletariado, pelo menos nos pases civilizados, uma dasprimeiras condies para sua emancipao.

    medida que for suprimida a explorao do homem pelo homem ser suprimida aexplorao de uma nao por outra.

    Quando os antagonismos de classes, no interior das naes, tiverem desaparecido,desaparecer a hostilidade entre as prprias naes.

  • As acusaes feitas aos comunistas em nome da religio, da filosofia e da ideologiaem geral no merecem um exame aprofundado.

    Ser preciso grande inteligncia para compreender que, ao mudarem as relaesde vida dos homens, as suas relaes sociais, a sua existncia social, mudamtambm as suas representaes, as suas concepes e seus conceitos; numapalavra, muda a sua conscincia?

    Que demonstra a histria das ideias seno que a produo intelectual setransforma com a produo material? As ideias dominantes de uma poca sempreforam as ideias da classe dominante.

    Quando se fala de ideias que revolucionam uma sociedade inteira, isso quer dizerque no seio da velha sociedade se formaram os elementos de uma sociedade novae que a dissoluo das velhas ideias acompanha a dissoluo das antigas condiesde existncia.

    Quando o mundo antigo declinava, as antigas religies foram vencidas pela religiocrist; quando, no sculo XVIII, as ideias crists cederam lugar s ideiasIluministas, a sociedade feudal travava sua batalha decisiva contra a burguesiaento revolucionria. As ideias de liberdade religiosa e de conscincia no fizerammais que proclamar o Imprio da livre concorrncia no domnio do conhecimento.

    Mas diro as ideias religiosas, morais, filosficas, polticas, jurdicas etc.,modificaram-se no curso do desenvolvimento histrico. A religio, a moral, afilosofia, a poltica, o direito sobreviveram sempre a essas transformaes.

    Alm disso, h verdades eternas, como a liberdade, a justia etc., que so comunsa todos os regimes sociais. Mas o comunismo quer abolir essas verdades eternas,quer abolir a religio e a moral, em lugar de lhes dar uma nova forma, e issocontradiz todos os desenvolvimentos histricos anteriores.

    A que se reduz essa acusao? A histria de toda a sociedade at nossos diasmoveu-se em antagonismos de classes, antagonismos que se tm revestido deformas diferentes nas diferentes pocas.

    Mas qualquer que tenha sido a forma assumida, a explorao de uma parte dasociedade por outra um fato comum a todos os sculos anteriores. Portanto, no de espantar que a conscincia social de todos os sculos, apesar de toda suavariedade e diversidade, se tenha movido sempre sob certas formas comuns,formas de conscincia que s se dissolvero completamente com odesaparecimento total dos antagonismos de classes.

    A revoluo comunista a ruptura mais radical com as relaes tradicionais depropriedade; no admira, portanto, que no curso de seu desenvolvimento serompa, do modo mais radical, com as ideias tradicionais.

    Mas deixemos de lado as objees feitas pela burguesia ao movimento comunista.

  • Vimos antes que a primeira fase da revoluo operria a elevao do proletariadoa classe dominante, a conquista da democracia.

    O proletariado utilizar sua supremacia poltica para arrancar pouco a pouco todo ocapital da burguesia, para centralizar todos os instrumentos de produo nas mosdo Estado, isto , do proletariado organizado como classe dominante, e paraaumentar o mais rapidamente possvel o total das foras produtivas.

    Isso naturalmente s poder ser realizado, a princpio, por intervenes despticasno direito de propriedade e nas relaes de produo burguesas, isto , pelaaplicao de medidas que, do ponto de vista econmico, parecero insuficientes einsustentveis, mas que no desenrolar do movimento ultrapassaro a si mesmas esero indispensveis para transformar radicalmente todo o modo de produo.

    Essas medidas, claro, sero diferentes nos diferentes pases.

    Nos pases mais adiantados, contudo, quase todas as seguintes medidas poderoser postas em prtica:

    1 Expropriao da propriedade fundiria e emprego da renda da terra paradespesas do Estado.

    2 Imposto fortemente progressivo.

    3 Abolio do direito de herana.

    4 Confisco da propriedade de todos os emigrados e rebeldes.

    5 Centralizao do crdito nas mos do Estado por meio de um banco nacionalcom capital do Estado e com o monoplio exclusivo.

    6 Centralizao de todos os meios de comunicao e transporte nas mos doEstado.

    7 Multiplicao das fbricas nacionais e dos instrumentos de produo,arroteamento das terras incultas e melhoramento das terras cultivadas, segundoum plano geral.

    8 Unificao do trabalho obrigatrio para todos, organizao de exrcitosindustriais, particularmente para a agricultura.

    9 Unificao dos trabalhos agrcola e industrial; abolio gradual da distinoentre a cidade e o campo por meio de uma distribuio mais igualitria dapopulao pelo pas.

    10 Educao pblica e gratuita a todas as crianas; abolio do trabalho dascrianas nas fbricas, como praticado hoje. Combinao da educao com aproduo material etc.

    Quando, no curso do desenvolvimento, desaparecerem os antagonismos de classese toda a produo for concentrada nas mos dos indivduos associados, o poderpblico perder seu carter poltico. O poder poltico o poder organizado de uma

  • classe para a opresso de outra.

    Se o proletariado, em sua luta contra a burguesia, se organiza forosamente comoclasse, se por meio de uma revoluo se converte em classe dominante e comoclasse dominante destri violentamente as antigas relaes de produo, destri,juntamente com essas relaes de produo, as condies de existncia dosantagonismos entre as classes, destri as classes em geral e, com isso, sua prpriadominao como classe.

    Em lugar da antiga sociedade burguesa, com suas classes e antagonismos declasses, surge uma associao na qual o livre desenvolvimento de cada um acondio para o livre desenvolvimento de todos.

    III. Literatura socialista e comunista

    1. O socialismo reacionrioa. O socialismo feudal

    Por sua posio histrica, as aristocracias da Frana e da Inglaterra viram-sechamadas a lanar libelos contra a sociedade burguesa. Na revoluo francesa dejulho de 1830, no movimento ingls pela reforma[3], tinham sucumbido mais umavez sob os golpes desta odiada arrivista.

    A partir da no se podia tratar de uma luta poltica sria; s lhes restava a lutaliterria. Mas tambm no domnio literrio tornara-se impossvel a velha fraseologiada Restaurao[4].

    Para despertar simpatias, a aristocracia fingiu deixar de lado seus prpriosinteresses e dirigiu sua acusao contra a burguesia, aparentando defender apenasos interesses da classe operria explorada. Desse modo, entregou-se ao prazer decantarolar stiras sobre os novos senhores e de lhes sussurrar ao ouvido profeciassinistras.

    Assim surgiu o socialismo feudal: em parte lamento, em parte pasquim; em parteecos do passado, em parte ameaas ao futuro. Se por vezes a sua crtica amarga,mordaz e espirituosa feriu a burguesia no corao, sua impotncia absoluta emcompreender a marcha da Histria moderna terminou sempre produzindo um efeitocmico.

    Para atrair o povo, a aristocracia desfraldou como bandeira a sacola do mendigo;mas assim que o povo acorreu, percebeu que as costas da bandeira estavamornadas com os velhos brases feudais e dispersou-se com grandes e irreverentesgargalhadas.

    Uma parte dos legitimistas franceses e a Jovem Inglaterra ofereceram ao mundoesse espetculo.

    Quando os feudais demonstraram que o seu modo de explorao era diferente do

  • da burguesia, esqueceram apenas uma coisa: que o feudalismo explorava emcircunstncias e condies completamente diversas, hoje em dia ultrapassadas.Quando ressaltam que sob o regime feudal o proletariado moderno no existia,esquecem que a burguesia foi precisamente um fruto necessrio de suaorganizao social.

    Alm disso, ocultam to pouco o carter reacionrio de sua crtica que sua principalacusao contra a burguesia consiste justamente em dizer que esta assegura sobseu regime o desenvolvimento de uma classe que far ir pelos ares toda a antigaordem social.

    O que reprovam burguesia mais o fato de ela ter produzido um proletariadorevolucionrio que o de ter criado o proletariado em geral.

    Por isso, na luta poltica participam ativamente de todas as medidas de repressocontra a classe operria. E, na vida diria, a despeito de sua pomposa fraseologia,conformam-se perfeitamente em colher as mas de ouro da rvore da indstria eem trocar honra, amor e fidelidade pelo comrcio de l, acar de beterraba eaguardente[5].

    Do mesmo modo que o padre e o senhor feudal marcharam sempre de mosdadas, o socialismo clerical marcha lado a lado com o socialismo feudal.

    Nada mais fcil que recobrir o ascetismo cristo com um verniz socialista. Ocristianismo tambm no se ergueu contra a propriedade privada, o matrimnio, oEstado? E em seu lugar no pregou a caridade e a pobreza, o celibato e amortificao da carne, a vida monstica e a Igreja? O socialismo cristo no passada gua benta com que o padre abenoa o desfeito da aristocracia.

    b. O socialismo pequeno-burgus

    A aristocracia feudal no a nica classe arruinada pela burguesia, no a nicaclasse cujas condies de existncia se atrofiam e perecem na sociedade burguesamoderna. Os pequeno-burgueses e os pequenos camponeses da Idade Mdia foramos precursores da burguesia moderna. Nos pases onde o comrcio e a indstria sopouco desenvolvidos, essa classe continua a vegetar ao lado da burguesia emascenso.

    Nos pases onde a civilizao moderna est florescente, forma-se uma nova classede pequeno-burgueses que oscila entre o proletariado e a burguesia fraocomplementar da sociedade burguesa, reconstituindo-se sempre como os membrosdessa classe, no entanto, se veem constantemente precipitados no proletariado,em razo da concorrncia, e, com a marcha progressiva da grande indstria,sentem aproximar-se o momento em que desaparecero completamente comofrao independente da sociedade moderna e em que sero substitudos nocomrcio, na manufatura e na agricultura por supervisores, capatazes e

  • empregados.

    Em pases como a Frana, onde os camponeses constituem bem mais da metadeda populao, era natural que os escritores que se batiam pelo proletariado econtra a burguesia aplicassem sua crtica do regime burgus critrios dopequeno-burgus e do pequeno campons e defendessem a causa operria doponto de vista da pequena burguesia. Desse modo se formou o socialismopequeno-burgus. Sismondi o chefe dessa literatura, no somente na Frana,mas tambm na Inglaterra.

    Esse socialismo dissecou com muita perspiccia as contradies inerentes smodernas relaes de produo. Ps a nu as hipcritas apologias dos economistas.Demonstrou de um modo irrefutvel os efeitos mortferos das mquinas e dadiviso do trabalho, da concentrao dos capitais e da propriedade territorial, asuperproduo, as crises, a decadncia inevitvel dos pequeno-burgueses epequenos camponeses, a misria do proletariado, a anarquia na produo, aclamorosa desproporo na distribuio das riquezas, a guerra industrial deextermnio entre as naes, a dissoluo dos velhos costumes, das velhas relaesde famlia, das velhas nacionalidades.

    Quanto ao seu contedo positivo, porm, o socialismo burgus quer ourestabelecer os antigos meios de produo e de troca e, com eles, as antigasrelaes de propriedade e toda a antiga sociedade ou ento fazer entrar fora osmeios modernos de produo e de troca no quadro estreito das antigas relaes depropriedade que foram destrudas e necessariamente despedaadas por eles. Nume noutro caso, esse socialismo ao mesmo tempo reacionrio e utpico.

    Sistema corporativo na manufatura e economia patriarcal no campo: eis suasltimas palavras.

    Por fim, quando os obstinados fatos histricos dissiparam-lhe a embriaguez, essaescola socialista abandonou-se a uma covarde ressaca.

    c. O socialismo alemo ou o verdadeiro socialismo

    A literatura socialista e comunista da Frana, nascida sob a presso de umaburguesia dominante e expresso literria da revolta contra esse domnio, foiintroduzida na Alemanha quando a burguesia comeava a sua luta contra oabsolutismo feudal.

    Filsofos, semifilsofos e impostores alemes lanaram-se avidamente sobre essaliteratura, mas se esqueceram de que, com a importao da literatura francesa naAlemanha, no eram importadas ao mesmo tempo as condies de vida da Frana.Nas condies alems, a literatura francesa perdeu toda a significao prticaimediata e tomou um carter puramente literrio. Aparecia apenas comoespeculao ociosa sobre a realizao da essncia humana. Assim, as

  • reivindicaes da primeira revoluo francesa s eram, para os filsofos alemesdo sculo XVIII, as reivindicaes da razo prtica em geral; e a manifestao davontade dos burgueses revolucionrios da Frana no expressava, a seus olhos,seno as leis da vontade pura, da vontade tal como deve ser, da vontadeverdadeiramente humana.

    O trabalho dos literatos alemes limitou-se a colocar as ideias francesas emharmonia com a sua velha conscincia filosfica, ou melhor, a apropriar-se dasideias francesas sem abandonar seu prprio ponto de vista filosfico.

    Apropriaram-se delas da mesma forma com que se assimila uma lnguaestrangeira: pela traduo.

    Sabe-se que os monges escreveram hagiografias catlicas inspidas sobre osmanuscritos em que estavam registradas as obras clssicas da antiguidade pag.Os literatos alemes agiram em sentido inverso a respeito da literatura francesaprofana. Introduziram suas insanidades filosficas no original francs. Por exemplo,sob a crtica francesa das funes do dinheiro, escreveram alienao da essnciahumana; sob a crtica francesa do Estado burgus, escreveram superao dodomnio da universalidade abstrata, e assim por diante.

    A essa interpolao do palavreado filosfico nas teorias francesas deram o nome defilosofia da ao, verdadeiro socialismo, cincia alem do socialismo,justificao filosfica do socialismo etc.

    Desse modo, emascularam completamente a literatura socialista e comunistafrancesa. E como nas mos dos alemes essa literatura tinha deixado de ser aexpresso da luta de uma classe contra outra, eles se felicitaram por terem-seelevado acima da estreiteza francesa, e terem defendido no verdadeirasnecessidades, mas a necessidade da verdade; no os interesses do proletrio,mas os interesses do ser humano, do homem em geral, do homem que nopertence a nenhuma classe nem realidade alguma e que s existe no cubrumoso da fantasia filosfica.

    Esse socialismo alemo que levava to solenemente a srio seus canhestrosexerccios de escolar e que os apregoava to charlatanescamente, foi perdendo,pouco a pouco, sua inocncia pedante.

    A luta da burguesia alem e especialmente da burguesia prussiana contra osfeudais e a monarquia absoluta, numa palavra, o movimento liberal, tornou-semais sria.

    Desse modo, apresentou-se ao verdadeiro socialismo a to desejadaoportunidade de contrapor ao movimento poltico as reivindicaes socialistas, delanar os antemas tradicionais contra o liberalismo, o regime representativo, aconcorrncia burguesa, a liberdade burguesa de imprensa, o direito burgus, aliberdade e a igualdade burguesas; de pregar s massas que nada tinham a

  • ganhar, mas, pelo contrrio, tudo a perder nesse movimento burgus. O socialismoalemo esqueceu, bem a propsito, que a crtica francesa, da qual era o ecomontono, pressupunha a sociedade burguesa moderna com as condiesmateriais de existncia que lhe correspondem e uma constituio poltica adequada precisamente as coisas que, na Alemanha, estava ainda por conquistar.

    Esse socialismo serviu de espantalho para amedontrar a burguesiaameaadoramente ascendente aos governos absolutos da Alemanha, com seucortejo de padres, pedagogos, fidalgos rurais e burocratas.

    Juntou sua hipocrisia adocicada aos tiros de fuzil e s chicotadas com que essesmesmos governos respondiam aos levantes dos operrios alemes.

    Se o verdadeiro socialismo se tornou assim uma arma nas mos dos governoscontra a burguesia alem, representou tambm diretamente um interessereacionrio, o interesse da pequena burguesia alem. A classe dos pequeno-burgueses, legada pelo sculo XVI, e desde ento renascendo sem cessar sobformas diversas, constitui na Alemanha a verdadeira base social do regimeestabelecido.

    Mant-la manter na Alemanha o regime estabelecido. A supremacia industrial epoltica da burguesia ameaa a pequena burguesia de destruio de um lado,pela concentrao do capital e, de outro, pelo desenvolvimento de um proletariadorevolucionrio. O verdadeiro socialismo pareceu aos pequeno-burgueses umaarma capaz de aniquilar esses dois inimigos. Propagou-se como uma epidemia.

    A roupagem tecida com os fios imateriais da especulao, bordada com as flores daretrica e banhada de orvalho sentimental, essa roupagem na qual os socialistasalemes envolveram o miservel esqueleto das suas verdades eternas, no fezseno ativar a venda de sua mercadoria entre aquele pblico.

    Por seu lado, o socialismo alemo compreendeu cada vez mais que sua vocaoera ser o representante grandiloquente dessa pequena burguesia.

    Proclamou que a nao alem era a nao modelo e o pequeno-burgusalemo[6], o homem modelo. A todas as infmias desse homem modelo atribuiuum sentido oculto, um sentido superior e socialista, que as tornava exatamente ocontrrio do que eram. Foi consequente at o fim, levantando-se contra atendncia brutalmente destrutiva do comunismo, declarando que pairavaimparcialmente acima de todas as lutas de classes. Com raras excees, todas aspretensas publicaes socialistas ou comunistas que circulam na Alemanhapertencem a essa suja e debilitante literatura[7].

    2. O socialismo conservador ou burgus

    Uma parte da burguesia procura remediar os males sociais para a existncia dasociedade burguesa.

  • Nessa categoria enfileiram-se os economistas, os filantropos, os humanitrios, osque se ocupam em melhorar a sorte da classe operria, os organizadores debeneficncias, os protetores dos animais, os fundadores das sociedadesantialcolicas, enfim, os reformadores de gabinete de toda categoria. Essesocialismo burgus chegou at a ser elaborado em sistemas completos.

    Como exemplo, citemos a Filosofia da Misria, de Proudhon.

    Os socialistas burgueses querem as condies de vida da sociedade moderna semas lutas e os perigos que dela decorrem fatalmente. Querem a sociedade atual,mas eliminando os elementos que a revolucionam e dissolvem. Querem aburguesia sem o proletariado. A burguesia, naturalmente, concebe o mundo emque domina como o melhor dos mundos. O socialismo burgus elabora em umsistema mais ou menos completo essa concepo consoladora. Quando convida oproletariado a realizar esses sistemas e entrar na nova Jerusalm, no fundo o quepretende induzi-lo a manter-se na sociedade atual, desembaraando-se, porm,do dio que sente por essa sociedade.

    Uma segunda forma desse socialismo, menos sistemtica, porm mais prtica,procura fazer com que os operrios se afastem de qualquer movimentorevolucionrio, demonstrando-lhes que no ser tal ou qual mudana poltica, massomente uma transformao das condies de vida material e das relaeseconmicas, que poder ser proveitosa para eles. Por transformao das condiesmateriais de existncia esse socialismo no compreende em absoluto a aboliodas relaes burguesas de produo que s possvel pela via revolucionria ,mas apenas reformas administrativas realizadas sobre a base das prprias relaesde produo burguesas e que, portanto, no afetam as relaes entre o capital e otrabalho assalariado, servindo, no melhor dos casos, para diminuir os gastos daburguesia com sua dominao e simplificar o trabalho administrativo de seuEstado.

    O socialismo burgus s atinge sua expresso correspondente quando se tornasimples figura de retrica.

    Livre-comrcio, no interesse da classe operria! Tarifas protetoras, no interesse daclasse operria! Prises celulares, no interesse da classe operria! Eis a ltimapalavra do socialismo burgus, a nica pronunciada srio.

    O seu raciocnio se resume na frase: os burgueses so burgueses no interesse daclasse operria.

    3. O socialismo e o comunismo crtico-utpicos

    No se trata aqui da literatura que, em todas as grandes revolues modernas,exprimiu as reivindicaes do proletariado (escritos de Babeuf etc.).

    As primeiras tentativas diretas do proletariado para fazer prevalecer seus prprios

  • interesses de classe, feitas numa poca de agitao geral, no perodo da derrubadada sociedade feudal, fracassaram necessariamente no s por causa do estadoembrionrio do prprio proletariado, como tambm em razo da ausncia dascondies materiais de sua emancipao, condies que apenas surgem comoproduto da poca burguesa.

    A literatura revolucionria que acompanhava esses primeiros movimentos doproletariado teve forosamente um contedo reacionrio. Preconizava umascetismo geral e um grosseiro igualitarismo.

    Os sistemas socialistas e comunistas propriamente ditos, os de Saint-Simon,Fourier, Owen etc., aparecem no primeiro perodo da luta entre o proletariado e aburguesia, perodo anteriormente descrito (ver Burgueses e proletrios).

    Os fundadores desses sistemas compreendem bem o antagonismo das classes,assim como a ao dos elementos dissolventes na prpria sociedade dominante.Mas no percebem no proletariado nenhuma iniciativa histrica, nenhummovimento poltico que lhes seja peculiar.

    Como o desenvolvimento dos antagonismos de classes acompanha odesenvolvimento da indstria, no distinguem tampouco as condies materiais daemancipao do proletariado e pem-se procura de uma cincia social, de leissociais que permitam criar essas condies.

    Substituem a atividade social por sua prpria imaginao pessoal; as condieshistricas da emancipao por condies fantsticas; a organizao gradual eespontnea do proletariado em classe por uma organizao da sociedade pr-fabricada por eles. A histria futura do mundo se resume, para eles, na propagandae na execuo prtica de seus planos de organizao social.

    Todavia, na confeco de seus planos tm a convico de defender antes de tudoos interesses da classe operria como a classe mais sofredora. A classe operria sexiste para eles sob esse aspecto, o de classe mais sofredora.

    Mas a forma rudimentar da luta de classes e sua prpria posio social os levam aconsiderar-se muito acima de qualquer antagonismo de classe. Desejam melhoraras condies materiais de vida de todos os membros da sociedade, mesmo dosmais privilegiados. Por isso, no cessam de apelar indistintamente sociedadeinteira, e de preferncia classe dominante. Bastaria compreender seu sistemapara reconhec-lo como o melhor plano possvel para a melhor sociedade possvel.

    Rejeitam, portanto, toda ao poltica e, sobretudo, toda ao revolucionria;procuram atingir seu objetivo por meios pacficos e tentam abrir um caminho aonovo evangelho social pela fora do exemplo, com experincias em pequena escalae que naturalmente sempre fracassam.

    Essa descrio fantstica da sociedade futura, feita numa poca em que oproletariado ainda pouco desenvolvido encara sua prpria posio de um modo

  • fantstico, corresponde s primeiras aspiraes instintivas dos operrios a umacompleta transformao da sociedade.

    Mas as obras socialistas e comunistas encerram tambm elementos crticos.Atacam todas as bases da sociedade existente. Por isso fornecem em seu tempomateriais de grande valor para esclarecer os operrios. Suas proposies positivassobre a sociedade futura, tais como a supresso do contrastre entre a cidade e ocampo, a abolio da famlia, do lucro privado e do trabalho assalariado, aproclamao da harmonia social e a transformao do Estado numa simplesadministrao da produo todas essas propostas apenas exprimem odesaparecimento do antagonismo entre as classes, antagonismo que mal comea eque esses autores somente conhecem em suas formas imprecisas. Assim, essasproposies tm ainda um sentido puramente utpico.

    A importncia do socialismo e do comunismo crtico-utpicos est na razo inversado seu desenvolvimento histrico. medida que a luta de classes se acentua etoma formas mais definidas, a fantstica pressa de abstrair-se dela, essa fantsticaoposio que lhe feita, perde qualquer valor prtico, qualquer justificao terica.Por isso, se em muitos aspectos os fundadores desses sistemas foramrevolucionrios, as seitas formadas por seus discpulos formam sempre seitasreacionrias. Aferram-se s velhas concepes de seus mestres apesar dodesenvolvimento histrico contnuo do proletariado. Procuram, portanto, e nisto soconsequentes, atenuar a luta de classes e conciliar os antagonismos. Continuam asonhar com a realizao experimental de suas utopias sociais: instituio defalanstrios isolados, criao de colnias no interior, fundao de uma pequenaIcria[8] edio em formato reduzido da nova Jerusalm , e para dar realidadea todos esses castelos no ar veem-se obrigados a apelar para os bons sentimentose os cofres dos filantropos burgueses. Pouco a pouco caem na categoria dossocialistas reacionrios ou conservadores descritos anteriormente, e s sedistinguem deles por um pedantismo mais sistemtico, uma f supersticiosa efantica nos efeitos miraculosos de sua cincia social.

    Por isso se opem com exasperao a qualquer ao poltica da classe operria,porque, em sua opinio, tal ao s poderia decorrer de uma descrena cega nonovo evangelho.

    Desse modo, os owenistas, na Inglaterra, e os fourieristas, na Frana, reagemrespectivamente contra os cartistas e os reformistas[9].

    IV. Posio dos comunistas diante dos diversos partidos de oposioO que j dissemos no captulo II [Proletrios e comunistas] basta para determinara relao dos comunistas com os partidos operrios j constitudos e, porconseguinte, sua relao com os cartistas na Inglaterra e os reformadores agrrios

  • na Amrica do Norte.

    Os comunistas lutam pelos interesses e objetivos imediatos da classe operria,mas, ao mesmo tempo, defendem e representam, no movimento atual, o futuro domovimento. Aliam-se na Frana ao partido social-democrata[10] contra a burguesiaconservadora e radical, reservando-se o direito de criticar a fraseologia e as iluseslegadas pela tradio revolucionria.

    Na Sua apoiam os radicais, sem esquecer que esse partido se compe deelementos contraditrios, em parte socialistas democrticos, no sentido francs dapalavra, em parte burgueses radicais.

    Na Polnia os comunistas apoiam o partido que v numa revoluo agrria acondio da libertao nacional, o partido que desencadeou a insurreio deCracvia em 1846[11].

    Na Alemanha, o Partido Comunista luta junto com a burguesia todas as vezes queesta age revolucionariamente contra a monarquia absoluta, a propriedade ruralfeudal e a pequena burguesia.

    Mas em nenhum momento esse Partido se descuida de despertar nos operriosuma conscincia clara e ntida do violento antagonismo que existe entre aburguesia e o proletariado, para que, na hora precisa, os operrios alemes saibamconverter as condies sociais e polticas, criadas pelo regime burgus, em outrastantas armas contra a burguesia, para que, logo aps terem sido destrudas asclasses reacionrias da Alemanha, possa ser travada a luta contra a prpriaburguesia.

    sobretudo para a Alemanha que se volta a ateno dos comunistas, porque aAlemanha se encontra s vsperas de uma revoluo burguesa e porque realizaressa revoluo nas condies mais avanadas da civilizao europeia e com umproletariado infinitamente mais desenvolvido que o da Inglaterra no sculo XVII e oda Frana no sculo XVIII; e porque a revoluo burguesa alem s poder ser,portanto, o preldio imediato de uma revoluo proletria.

    Em resumo, os comunistas apoiam em toda parte qualquer movimentorevolucionrio contra a ordem social e poltica existente.

    Em todos esses movimentos colocam em destaque, como questo fundamental, aquesto da propriedade, qualquer que seja a forma, mais ou menos desenvolvida,de que esta se revista.

    Finalmente, os comunistas trabalham pela unio e pelo entendimento dos partidosdemocrticos de todos os pases.

    Os comunistas se recusam a dissimular suas opinies e seus fins. Proclamamabertamente que seus objetivos s podem ser alcanados pela derrubada violentade toda a ordem social existente. Que as classes dominantes tremam ideia de

  • uma revoluo comunista! Nela os proletrios nada tm a perder a no ser os seusgrilhes. Tm um mundo a ganhar.

    PROLETRIOS DE TODOS OS PASES, UNI-VOS!

  • 2. A ideologia alem

    2A ideologia alem

    Em 1845, aps ser expulso da Frana, Marx vai para a Blgica e l encontra Engels, com quem j tinha

    escrito um livro a quatro mos, A sagrada famlia. Juntos, em Bruxelas, os dois amigos pem-se a redigir

    os textos que comporo a monumental A ideologia alem, obra que deixaram inacabada e permaneceria

    indita at 1932.

    Nesses textos, Marx e Engels revelam a natureza do seu materialismo, que remete produo e

    reproduo das condies de existncia dos homens. Articulam pela primeira vez concepes terico-

    metodolgicas que estaro na base da dialtica marxista, sob a forma da negao e da superao; a

    crtica da realidade , ao mesmo tempo, a crtica de sua ideologia nesse caso, a dos neo-hegelianos de

    esquerda , forjando as novas categorias que transformaro a teoria e a construo dela sobre a

    realidade concreta.

    A seo sobre Ludwig Feuerbach, que no foi concluda pelos autores, consiste numa apresentao da

    concepo materialista da histria. No captulo Ad Feuerbach [Teses sobre Feuerbach] Marx critica

    incisivamente o materialismo do antigo aliado, que o ajudou a ajustar contas com o idealismo de Hegel. O

    pequeno texto contm uma das frases marxianas mais citadas ainda hoje: Os filsofos apenas

    interpretaram o mundo de diferentes maneiras; porm, o que importa transform-lo.

    Escritas em 1845, as onze teses encontram-se no livro de anotaes de Marx escrito de 1844 a 1847 e

    foram publicadas por Engels (com algumas modificaes) em 1888, como apndice de seu livro Ludwig

    Feuerbach e o fim da filosofia clssica alem. A traduo aqui utilizada foi feita a partir do original alemo

    Die deutsche Ideologie: Kritik der neuesten deutschen Philosophie in ihren Reprsentanten Feuerbach, B.

    Bauer und Stirner, und des deutschen Sozialismus in seinen verschiedenen Propheten (1845-1846), por

    Rubens Enderle, para a edio da Boitempo (2007). Os textos foram traduzidos de acordo com a edio

    do Marx-Engels-Jahrbuch 2003 (Berlim, Akademie, 2004, 2 v.) e confrontados com a edio do Marx-

    Engels Werke (MEW), v. 3 (Berlim, Dietz, 1969). A ideologia alem ter sua edio definitiva no volume

    I/5 da MEGA-2, ainda no publicado.

  • Feuerbach (Introduo)A ideologia em geral, em especial a filosofia alem[12]

    Os pressupostos de que partimos no so pressupostos arbitrrios, dogmas, maspressupostos reais, de que s se pode abstrair na imaginao. So os indivduosreais, sua ao e suas condies materiais de vida, tanto aquelas por eles jencontradas como as produzidas por sua prpria ao. Esses pressupostos so,portanto, constatveis por via puramente emprica.

    O primeiro pressuposto de toda a histria humana , naturalmente, a existncia deindivduos humanos vivos.[13] O primeiro fato a constatar , pois, a organizaocorporal desses indivduos e, por meio dela, sua relao dada com o restante danatureza. Naturalmente no podemos abordar, aqui, nem a constituio fsica doshomens nem as condies naturais, geolgicas, oro-hidrogrficas, climticas eoutras condies j encontradas pelos homens.[14] Toda historiografia deve partirdesses fundamentos naturais e de sua modificao pela ao dos homens nodecorrer da histria.

    Pode-se distinguir os homens dos animais pela conscincia, pela religio ou peloque se queira. Mas eles mesmos comeam a se distinguir dos animais to logocomeam a produzir seus meios de vida, passo que condicionado por suaorganizao corporal. Ao produzir seus meios de vida, os homens produzem,indiretamente, sua prpria vida material.

    O modo pelo qual os homens produzem seus meios de vida depende, antes detudo, da prpria constituio dos meios de vida j encontrados e que eles tm dereproduzir. Esse modo de produo no deve ser considerado meramente sob oaspecto de ser a reproduo da existncia fsica dos indivduos. Ele , muito mais,uma forma determinada de sua atividade, uma forma determinada de exteriorizarsua vida, um determinado modo de vida desses indivduos. Tal como os indivduosexteriorizam sua vida, assim so eles. O que eles so[15] coincide, pois, com suaproduo, tanto com o que produzem como tambm com o modo como produzem.O que os indivduos so, portanto, depende das condies materiais de suaproduo.

    [...]

    Feuerbach (Fragmento 2)O fato , portanto, o seguinte: indivduos determinados[16], que so ativos naproduo de determinada maneira, contraem entre si estas relaes sociais epolticas determinadas. A observao emprica[17] tem de provar, em cada casoparticular, empiricamente e sem nenhum tipo de mistificao ou especulao, aconexo entre a estrutura social e poltica e a produo. A estrutura social e oEstado provm constantemente do processo de vida de indivduos determinados,

  • mas desses indivduos no como podem aparecer na imaginao prpria ou alheia,mas sim tal como realmente so, quer dizer, tal como atuam, como produzemmaterialmente e, portanto, tal como desenvolvem suas atividades sobdeterminados limites, pressupostos e condies materiais, independentes de seuarbtrio.[18]

    A produo de ideias, de representaes, da conscincia, est, em princpio,imediatamente entrelaada com a atividade material e com o intercmbio materialdos homens, com a linguagem da vida real. O representar, o pensar, o intercmbioespiritual dos homens ainda aparecem, aqui, como emanao direta de seucomportamento material. O mesmo vale para a produo espiritual, tal como ela seapresenta na linguagem da poltica, das leis, da moral, da religio, da metafsicaetc. de um povo. Os homens so os produtores de suas representaes, de suasideias e assim por diante[19], mas os homens reais, ativos, tal como socondicionados por um determinado desenvolvimento de suas foras produtivas epelo intercmbio que a ele corresponde, at chegar s suas formaes maisdesenvolvidas. A conscincia [Bewusstsein] no pode jamais ser outra coisa do queo ser consciente [bewusste Sein], e o ser dos homens o seu processo de vidareal. Se, em toda ideologia, os homens e suas relaes aparecem de cabea parabaixo como numa cmara escura, este fenmeno resulta do seu processo histricode vida, da mesma forma como a inverso dos objetos na retina resulta de seuprocesso de vida imediatamente fsico.

    Totalmente ao contrrio da filosofia alem, que desce do cu terra, aqui se elevada terra ao cu. Quer dizer, no se parte daquilo que os homens dizem, imaginamou representam, tampouco dos homens pensados, imaginados e representadospara, a partir da, chegar aos homens de carne e osso; parte-se dos homensrealmente ativos e, a partir de seu processo de vida real, expe-se tambm odesenvolvimento dos reflexos ideolgicos e dos ecos desse processo de vida.Tambm as formaes nebulosas na cabea dos homens so sublimaesnecessrias de seu processo de vida material, processo empiricamente constatvele ligado a pressupostos materiais. A moral, a religio, a metafsica e qualquer outraideologia, bem como as formas de conscincia a elas correspondentes, soprivadas, aqui, da aparncia de autonomia que at ento possuam. No tmhistria, nem desenvolvimento; mas os homens, ao desenvolverem sua produo eseu intercmbio materiais, transformam tambm, com esta sua realidade, seupensar e os produtos de seu pensar. No a conscincia que determina a vida,mas a vida que determina a conscincia. No primeiro modo de considerar as coisas,parte-se da conscincia como do indivduo vivo; no segundo, que corresponde vida real, parte-se dos prprios indivduos reais, vivos, e se considera a conscinciaapenas como sua conscincia[20].

    Esse modo de considerar as coisas no isento de pressupostos. Ele parte depressupostos reais e no os abandona em nenhum instante. Seus pressupostos so

  • os homens, no em quaisquer isolamento ou fixao fantsticos, mas em seuprocesso de desenvolvimento real, empiricamente observvel, sob determinadascondies. To logo seja apresentado esse processo ativo de vida, a histria deixade ser uma coleo de fatos mortos, como para os empiristas ainda abstratos[21],ou uma ao imaginria de sujeitos imaginrios, como para os idealistas.

    Ali onde termina a especulao, na vida real, comea tambm, portanto, a cinciareal, positiva, a exposio da atividade prtica, do processo prtico dedesenvolvimento dos homens. As fraseologias sobre a conscincia acabam e osaber real tem de tomar o seu lugar. A filosofia autnoma perde, com a exposioda realidade, seu meio de existncia. Em seu lugar pode aparecer, no mximo, umcompndio dos resultados mais gerais, que se deixam abstrair da observao dodesenvolvimento histrico dos homens. Se separadas da histria real, essasabstraes no tm nenhum valor. Elas podem servir apenas para facilitar aordenao do material histrico, para indicar a sucesso de seus estratossingulares. Mas de forma alguma oferecem, como a filosofia o faz, uma receita ouum esquema com base no qual as pocas histricas possam ser classificadas. Adificuldade comea, ao contrrio, somente quando se passa considerao[22] e ordenao do material, seja de uma poca passada ou do presente, quando sepassa exposio real. A eliminao dessas dificuldades condicionada porpressupostos que no podem ser expostos aqui, mas que resultam apenas doestudo do processo de vida real e da ao dos indivduos de cada poca.Destacaremos, aqui, algumas dessas abstraes, a fim de contrap-las ideologia,ilustrando-as com alguns exemplos histricos.

    [...]

    1. Ad Feuerbach [Teses sobre Feuerbach] (1845)1

    O principal defeito de todo o materialismo existente at agora o de Feuerbachincludo que o objeto [Gegenstand], a realidade, o sensvel, s apreendidosob a forma do objeto [Objekt] ou da contemplao; mas no como atividadehumana sensvel, como prtica, no subjetivamente. Da decorreu que o lado ativo,em oposio ao materialismo, foi desenvolvido pelo idealismo mas apenas demodo abstrato, pois naturalmente o idealismo no conhece a atividade real,sensvel, como tal. Feuerbach quer objetos sensveis [sinnliche Objekte]efetivamente diferenciados dos objetos do pensamento; mas ele no apreende aprpria atividade humana como atividade objetiva [gegenstndliche Ttigkeit].Razo pela qual ele enxerga, na Essncia do cristianismo, apenas o comportamentoterico como o autenticamente humano, enquanto a prtica apreendida e fixadaapenas em sua forma de manifestao judaica-suja. Ele no entende, por isso, osignificado da atividade revolucionria, prtico-crtica.

    2

  • A questo de saber se ao pensamento humano cabe alguma verdade objetiva[gegenstndliche Wahrheit] no uma questo da teoria, mas uma questoprtica. Na prtica tem o homem de provar a verdade, isto , a realidade e opoder, a natureza citerior [ Diesseitigkeit] de seu pensamento. A disputa acerca darealidade ou no realidade de um pensamento que se isola da prtica umaquesto puramente escolstica.

    3

    A doutrina materialista de que os homens so produto das circunstncias e daeducao, de que homens modificados so, portanto, produto de outrascircunstncias e de uma educao modificada, esquece que as circunstncias somodificadas precisamente pelos homens e que o prprio educador tem de sereducado. Por isso, ela necessariamente chega ao ponto de dividir a sociedade emduas partes, a primeira das quais est colocada acima da sociedade (por exemplo,em Robert Owen).

    A coincidncia entre a alterao das circunstncias e a atividade humana s podeser apreendida e racionalmente entendida como prtica revolucionria.

    4

    Feuerbach parte do fato da auto-alienao [Selbsentfremdung] religiosa, daduplicao do mundo num mundo religioso, imaginado, e um mundo real [wirklicheWelt]. Seu trabalho consiste em dissolver o mundo religioso em seu fundamentomundano. Ele ignora que, aps a realizao desse trabalho, o principal resta aindapor fazer. Sobretudo o fato de que o fundamento mundano se destaca de si mesmoe constri para si um reino autnomo nas nuvens , precisamente, algo que spode ser esclarecido a partir do autoesfacelamento e do contradizer-a-si-mesmodesse fundamento mundano. Ele mesmo tem, portanto, de ser primeiramenteentendido em sua contradio e, em seguida, por meio da eliminao dacontradio, ser revolucionado na prtica. Assim, por exemplo, depois que aterrena famlia revelada como o mistrio da sagrada famlia, a primeira quetem, ento, de ser criticada na teoria e revolucionada na prtica.

    5

    Feuerbach, no satisfeito com o pensamento abstrato, apela contemplaosensvel; mas ele no apreende o sensvel [die Sinnlichkeit] como atividade prtica,humano-sensvel.

    6

    Feuerbach dissolve a essncia religiosa na essncia humana. Mas a essnciahumana no uma abstrao intrnseca ao indivduo isolado. Em sua realidade, ela o conjunto das relaes sociais.

    Feuerbach, que no penetra na crtica dessa essncia real, forado, por isso:

  • 1. a fazer abstrao do curso da histria, fixando o sentimento religioso para simesmo, e a pressupor um indivduo humano abstrato isolado.

    2. por isso, nele a essncia humana pode ser compreendida apenas como gnero,como generalidade interna, muda, que une muitos indivduos de modo natural.

    7

    Feuerbach no v, por isso, que o sentimento religioso , ele mesmo, um produtosocial, e que o indivduo abstrato que ele analisa pertence, na realidade, a umadeterminada forma de sociedade.

    8

    A vida social essencialmente prtica. Todos os mistrios que induzem a teoria aomisticismo encontram sua soluo racional na prtica humana e na compreensodessa prtica.

    9

    O ponto mais alto a que leva o materialismo contemplativo, isto , o materialismoque no concebe o sensvel como atividade prtica, a contemplao dosindivduos singulares na sociedade burguesa.

    10

    O ponto de vista do velho materialismo a sociedade burguesa; o ponto de vistado novo a sociedade humana, ou a humanidade socializada.

    11

    Os filsofos apenas interpretaram o mundo de diferentes maneiras; porm, o queimporta transform-lo.

  • 3. Mensagem do Comit Central Liga [dos Comunistas]

    3Mensagem do Comit Central

    Liga [dos Comunistas][Divulgada como circular em maro de 1850]

    A Mensagem do Comit Central Liga [dos Comunistas] foi escrita por Karl Marx e Friedrich Engels no

    final de maro de 1850. Seu fio condutor a luta de classes entre explorados e exploradores, a dialtica

    entre reforma ou revoluo. Em 1851, esse documento, que fora apreendido com alguns membros da

    Liga presos pela polcia prussiana, foi publicado no Klnische Zeitung [Jornal de Colnia] e no Dresdner

    Journal und Anzeiger [Jornal e Classificados de Dresden], ambos de cunho burgus, e mais tarde tambm

    no livro Die Communisten-Verschwrungen des neunzehnten Jahrhunderts [As conspiraes comunistas do

    sculo XIX], compilado por Wermuth e Stieber, caracterizados por Engels como dois dos mais miserveis

    lmpens da polcia.

    A verso aqui apresentada tem por base o texto revisado por Engels e publicado em 1885 como apndice

    edio do Enthllungen ber den Kommunisten-Prozess zu Kln [Revelaes sobre o processo dos

    comunistas de Colnia] (Zurique, 1885), de Marx. Esta traduo de Mensagem do Comit Central Liga

    [dos Comunistas], cujo ttulo original Ansprache der Zentralbehrde an den Bund vom Mrz 1850, foi

    feita por Nlio Schneider e extrada do livro Lutas de classes na Alemanha (So Paulo, Boitempo, 2010),

    que rene, alm deste, outros dois textos de Marx e Engels selecionados e apresentados pelo socilogo

    Michael Lwy.

  • O Comit Central LigaIrmos!

    Nos dois anos de revoluo, 1848 e 1849, a Liga se afirmou de duas maneiras: emprimeiro lugar, porque, em toda parte, os seus membros intervieramenergicamente no movimento e porque compuseram a linha de frente na imprensa,nas barricadas e nos campos de batalha, integrando as fileiras da nica classedecididamente revolucionria: o proletariado. Em segundo lugar, a Liga se afirmouporque a sua concepo do movimento, como ficou assentada nas circulares doscongressos e do Comit Central de 1847, assim como no Manifesto Comunista,comprovou ser a nica acertada, porque as expectativas expressas naquelas atasse cumpriram cabalmente e a viso das condies atuais da sociedade antespropagada apenas em sigilo pela Liga encontra-se agora na boca do povo e anunciada publicamente nos mercados. Ao mesmo tempo, a organizao antesfirme da Liga foi consideravelmente abrandada. Boa parte dos membrosdiretamente envolvidos no movimento revolucionrio julga que o tempo dassociedades secretas passou e que a atuao pblica por si s suficiente. Osdistritos e as comunidades individualmente afrouxaram e foram desativando seuslaos com o Comit Central. Portanto, enquanto o partido democrtico, o partido dapequena burguesia, organizava-se cada vez mais na Alemanha, o partido operrioperdeu seu nico ponto de sustentao, mantendo-se organizado, quando muito,em algumas localidades para fins locais, o que o levou, no decurso geral domovimento, a submeter-se totalmente ao domnio e liderana dos democrataspequeno-burgueses. Esse estado de coisas precisa acabar; a autonomia dostrabalhadores deve ser restabelecida. O Comit Central compreendeu essanecessidade e, por isso, enviou j no inverno de 1848/1849 um emissrio, JosephMoll, Alemanha para reorganizar a Liga. A misso de Moll, porm, no trouxeresultado duradouro, em parte porque os trabalhadores alemes ainda no tinhamacumulado experincias suficientes, em parte porque a insurreio de maiopassado a interrompeu. O prprio Moll ps-se em armas, ingressou no exrcito doBaden-Palatinado e tombou no embate junto ao rio Murg no dia 29 de junho. A Ligaperdeu com ele um de seus membros mais antigos, mais ativos e mais confiveis,que havia participado ativamente em todos os congressos e gestes do ComitCentral e j antes disso havia cumprido com grande xito uma srie de misses.Aps a derrota dos partidos revolucionrios na Alemanha e na Frana em julho de1849, quase todos os membros do Comit Central se reagruparam em Londres,juntaram novas foras revolucionrias e passaram a promover com entusiasmorenovado a reorganizao da Liga.

    A reorganizao s vivel por meio de um emissrio, e o Comit Centralconsidera extremamente importante que dito emissrio parta neste justo instanteem que uma nova revoluo iminente, em que o partido operrio deve atuar domodo mais organizado possvel, mais unnime possvel e mais autnomo possvel,

  • caso no queira ser explorado e atrelado pela burguesia como em 1848.

    J no ano de 1848 vos dizamos, irmos, que os burgueses liberais alemes logochegariam ao governo e imediatamente voltariam esse poder recm-conquistadocontra os trabalhadores. Vistes que isso se cumpriu como previsto. De fato foramos burgueses que, aps o movimento de maro de 1848, imediatamente seapossaram do governo e usaram esse poder para fazer os trabalhadores, seusaliados na luta, retrocederem sua anterior condio de oprimidos. Mesmo que aburguesia no tenha conseguido fazer isso sem se coligar com o partido feudalderrotado em maro, chegando, no final, a ceder novamente o governo a essepartido absolutista feudal, ela garantiu para si as condies que com o tempo, emvirtude das dificuldades financeiras do governo, acabariam por colocar o poder emsuas mos e assegurariam todos os seus interesses, caso fosse possvel aomovimento revolucionrio ter uma assim chamada evoluo pacfica j nessemomento. Para assegurar o poder, a burguesia nem mesmo teria necessidade detornar-se odiada por tomar medidas violentas contra o povo, porque todos os atosde violncia j foram cometidos pela contrarrevoluo feudal. No entanto, osdesdobramentos no tomaro esse rumo pacfico. Ao contrrio, a revoluo que osapressar iminente, seja porque ser provocada pelo levante autnomo doproletariado francs, seja porque a Santa Aliana[23] invadir a Babelrevolucionria.

    E o papel que os burgueses liberais alemes desempenharam em 1848 em relaoao povo, esse papel to traioeiro ser assumido, na revoluo que se avizinha,pelos pequeno-burgueses democrticos, que agora, enquanto oposio, tomam amesma posio que os burgueses liberais detinham antes de 1848. Esse partido, odemocrtico, que bem mais perigoso para os trabalhadores do que o anteriorpartido liberal, composto por trs elementos:

    I Pelas parcelas mais avanadas da grande burguesia, cujo objetivo a derrubadacompleta e imediata do feudalismo e do absolutismo. Essa frao representada pelos antigos conciliadores de Berlim, pelos que queriam recusar-se a pagar impostos[24].

    II Pelos pequeno-burgueses democrtico-constitucionais, cujo objetivo principaldurante o movimento at aqui foi a criao de um Estado federativo mais oumenos democrtico, nos moldes em que este foi almejado por seusrepresentantes, pelos esquerdistas da Assembleia de Frankfurt e depois peloParlamento de Stuttgart[25], e por eles prprios na campanha pela Constituioimperial.

    III Pelos pequeno-burgueses republicanos, que tm como ideal uma repblicafederativa nos moldes da Sua e que agora se denominam vermelhos e social-democratas porque nutrem o desejo piedoso de acabar com a presso exercidapelo grande capital sobre o pequeno, pelo grande burgus sobre o pequeno-

  • burgus. Os representantes dessa frao eram os membros dos congressos ecomits democrticos, os dirigentes das associaes democrticas, os redatoresdos jornais democrticos.

    Depois de sua derrota, todas essas fraes passaram a denominar-se republicanasou vermelhas, exatamente como procedem agora na Frana os pequeno-burguesesrepublicanos chamando-se de socialistas. Onde ainda tm a oportunidade deperseguir seus objetivos pelas vias constitucionais, como em Wrttemberg, naBaviera etc., eles a aproveitam para manter as suas velhas frases e demonstrarcom sua ao que no mudaram no mais mnimo. bvio, alis, que o nomemodificado desse partido no muda nada em sua relao com os trabalhadores,mas apenas demonstra que ele deve fazer frente contra a burguesia coligada como absolutismo e para isso precisa se apoiar no proletariado.

    O partido democrtico pequeno-burgus muito forte na Alemanha, abrangendono s a maioria dos moradores burgueses das cidades, os pequenos comerciantesindustriais e os mestres de obras, mas contando tambm entre suas fileiras com osagricultores e o proletariado rural, na medida em que este ainda no encontrou umponto de apoio no proletariado autnomo das cidades.

    A relao do partido operrio revolucionrio com a democracia pequeno-burguesa a seguinte: ele a acompanha contra a frao que esta quer derrubar; ele secontrape a ela em tudo que seus membros querem estabelecer em favor de simesmos.

    Os pequeno-burgueses democrticos, longe de querer revolucionar toda asociedade em favor dos proletrios revolucionrios, almejam uma mudana dascondies sociais que torne a atual sociedade o mais suportvel e confortvelpossvel para eles. Por isso, eles exigem sobretudo a diminuio dos gastosestatais mediante a limitao da burocracia e o deslocamento do montanteprincipal dos impostos para os grandes proprietrios de terra e os burgueses. Elesexigem, ademais, que seja suprimida a presso do grande capital sobre o pequenomediante instituies pblicas de crdito e leis contra a usura, que possibilitariam aeles e aos agricultores obter adiantamentos em condies favorveis do Estado emvez de pedi-los dos capitalistas; alm disso, exigem a implantao das relaes depropriedade burguesas no campo mediante a eliminao completa do feudalismo.Para conseguir realizar isso tudo, eles necessitam de uma Constituio[Verfassung] nacional democrtica, seja de cunho constitucional [konstitutionell] ourepublicano, que d a maioria a eles e a seus aliados, os agricultores; necessitamainda de uma Constituio [Verfassung] comunal democrtica que lhes d ocontrole direto da propriedade comunal e transfira para eles uma srie de funesque, no momento, so exercidas pelos burocratas.

    dominao e rpida multiplicao do capital pretende-se contrapor, ademais, arestrio do direito de herana, por um lado, e a transferncia do maior nmero

  • possvel de obras para o Estado, por outro. No que se refere aos trabalhadores, ficaestabelecido sobretudo que eles continuaro na condio de trabalhadoresassalariados como at agora, com a diferena de que os pequeno-burguesesdemocrticos desejam que os trabalhadores tenham melhores salrios e umaexistncia assegurada e esperam conseguir isso mediante o emprego parcial porparte do Estado e mediante medidas caritativas; em suma, eles esperam conseguirsubornar os trabalhadores com esmolas mais ou menos dissimuladas e quebrar asua fora revolucionria tornando sua situao momentaneamente suportvel. Asreivindicaes da democracia pequeno-burguesa aqui resumidas no sodefendidas ao mesmo tempo por todas as suas fraes e pouqussimas so aspessoas que as tm presentes em seu conjunto como um alvo bem determinado aatingir. Quanto mais os indivduos ou as fraes que compem essa democraciaavanarem, tanto mais assumiro como suas essas reivindicaes e os poucos quereconhecem no que foi compilado acima o seu prprio programa julgariam quedesse modo teriam proposto o mximo que se pode esperar da revoluo. Pormessas reivindicaes de modo algum podem bastar ao partido do proletariado. Aopasso que os pequeno-burgueses democrticos querem levar a revoluo a cabo damaneira mais clere possvel e mediante a realizao, quando muito, dasdemandas anteriormente mencionadas, de nosso interesse e nossa tarefatornar a revoluo permanente at que todas as classes proprietrias em maior oumenor grau tenham sido alijadas do poder, o poder estatal tenha sido conquistadopelo proletariado e a associao dos proletrios tenha avanado, no s em umpas, mas em todos os pases dominantes no mundo inteiro, a tal ponto que aconcorrncia entre os prolet