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DADOSDECOPYRIGHT

Sobreaobra:

ApresenteobraédisponibilizadapelaequipeLeLivroseseusdiversosparceiros,comoobjetivodeoferecerconteúdoparausoparcialempesquisaseestudosacadêmicos,bemcomoosimplestestedaqualidadedaobra,comofimexclusivodecomprafutura.

Éexpressamenteproibidaetotalmenterepudíavelavenda,aluguel,ouquaisquerusocomercialdopresenteconteúdo

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OLeLivroseseusparceirosdisponibilizamconteúdodedominiopublicoepropriedadeintelectualdeformatotalmentegratuita,poracreditarqueoconhecimentoeaeducaçãodevemseracessíveiselivresatodaequalquerpessoa.Vocêpodeencontrarmaisobrasemnossosite:lelivros.loveouemqualquerumdossitesparceirosapresentadosnestelink.

"Quandoomundoestiverunidonabuscadoconhecimento,enãomaislutandopordinheiroepoder,entãonossasociedadepoderáenfimevoluiraumnovonível."

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Jean-PaulBertaud

AquedadeNapoleãoUmeletrizanterelatodostrêsúltimosdiasdeseuimpério

Tradução:ClóvisMarques

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ParaAnouk,minhaneta.

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Sumário

Prefácio

MANHÃDEQUARTA-FEIRA,21DEJUNHODitaduradesalvaçãopúblicaerecrutamentoemmassa?

1.“QueserádestapobreFrança?”

2.Ohomem-serpente

3.Declararapátriaemperigo

4.Ofuneraldaglória

5.“Àsarmas,cidadãos!”

6.Desencanto

7.“GuilhotinaparaNapoleão!”

TARDEDE21DEJUNHORepetiro19debrumário,o14dejulhoouo10deagosto?

8.LaFayetteeabandeirade1789

9.Fascinadopeloabismo

10.Asalvaçãodopovo

11.“Seeuquiser,dentrodeumahoraaCâmaranãoexistirámais”

12.Oimperadoremprocesso

13.Acorrupçãodopoder

14.Atentaçãodosuicídio

QUINTA-FEIRA,22DEJUNHO“Ofereço-meemsacrifício…”

15.“Sozinho,nadaposso”

16.Osacrifício

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17.“EntregomeufilhoàFrança”

18.Oodiosojugoestrangeiro

19.Osparisienseseaabdicação

20.OreideRomaéfrancês?

21.Ocortejodosvencedores

SEXTA-FEIRA,23DEJUNHONapoleãoII,imperadorinterino

22.Maquinaçõesdohomem-serpente

23.Osinteressesdeumhomemeosdapátria

24.Queserádoimperador?

25.OsonhodocidadãoBonaparte

Epílogo

Anexo:OvoodaáguiaaoinversoNotasListademapasÍndiceonomástico

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Prefácio

Terça-feira,20dejunhode1815“SeoimperadorpuserospésemParis,estaráperdido”

“Éprecisoqueoimperadornãosedetenhanocaminhoevádiretamenteàrepresentaçãonacional;queconfesse francamenteosproblemasqueenfrentae,comoFilipeAugusto, seofereçaparamorrercomosoldadoeentregaracoroaaomaisdigno.AsduasCâmarasirãoserevoltarcomaideiadeabandonarNapoleãoeirãosejuntaraeleparasalvaraFrança!”1

Olhos azuis, pele clara, de aspecto e figura agradáveis, Charles François Huchet de la Bédoyèrepreservaaeloquênciateatraldeumajuventudetranscorridaadeclamarversosnacompanhiadasra.deStaël.NacarruagememqueseafastahádoisdiasdocampodebatalhadeWaterloo,suasdeclaraçõesinflamadaseingênuaspermitemaoscompanheirosdeviagemesquecerporummomentooscenáriosdehorrorqueaindatêmnacabeça.

LaBédoyèreéumdessesnobresque,durante aRevoluçãoedepoisno Império, ficaramdivididosentreaantigaeanovaFrança.Apesardebonapartista,elevemdeumafamílialegitimistadevelhacepabretã.EmborasejaoficialdoExércitoImperial,seuirmão,quesemantevefielaosBourbon,fazpartedaguarda de Luís XVIII. Pelos serviços prestados e o comportamento corajoso de que dão testemunhovários ferimentos,CharlesFrançoismereceuum lugarnacorte imperial;mas suaesposa,GeorginedeChastellux,realistacomoopaieamãe,recusa-seafrequentá-la.

Aos26anos,LaBédoyèreégeneralepardaFrança.DevesuapromoçãorápidaàajudaqueprestouaNapoleão quando este voltou da ilha deElba.Coronel no comando do 7ºRegimento de Infantaria deLinha,aderiuaoimperadornaentradadeGrenoble,convidandoseuscompanheirosdearmasajuntar-seaelenoscaminhos“daglóriaedaliberdadeoutrorapercorridosporseuspais”.2

Pierre Alexandre Fleury de Chaboulon ouve o jovem general, achando divertida sua ingenuidade.SabequeonovoajudantedecampodeSuaMajestadeestámaisfamiliarizadocomosbivaquesdoquecomas intrigasdas assembleiaspolíticas.PrefeitodoMarnea aos35 anos,Fleury estábemapar dastraiçõesetramasdequesãocapazesospolíticos.Quandoseanunciouavoltadoimperador,eledeixoutudoparairaoseuencontroemLyon.Napoleãoonomeouquartosecretário,emborasabendomuitobemqueoprefeitoéumarrivistaquenãotemnamodéstiasuaprincipalqualidade.

–Nãocreiaqueaindaestamosnaqueletempoemqueadesgraçaerasagrada–explicaFleuryaLaBédoyère.–ACâmara,longedesecompadecerdeNapoleãoesairgenerosamenteemseusocorro,iráacusá-lodeterperdidoaFrança,evaiquerersalvá-la,sacrificando-o.

–QueDeusnosguardedesemelhantedesgraça!–exclamaLaBédoyère.–SeasCâmarasseisolaremdoimperador,tudoestaráperdido.EmoitodiasosinimigosestarãoemParis;nonono,voltaremosaverosBourbon.Oqueseráentãodaliberdadeedetodosaquelesqueabraçaramacausanacional?Quantoaomeudestino,nãopoderestardúvida:Sereioprimeiroaserfuzilado!

–SeoimperadorpuserospésemParis,estaráperdido–confirmaoterceiroocupantedacarruagem,AugusteCharlesFlahautdelaBillarderie.–ElesótemumamaneiradesalvarasimesmoeàFrança,eénegociando com os aliados e transferindo a coroa para o filho. Para ser capaz de negociar, contudo,necessitadeumexército.Quemsabese,nestemomentoemqueaquiconversamos,amaioriadosgenerais

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jánãopensaemprestarlealdadeaorei.Flahaut de la Billarderie é um belo homem de trinta anos. Comenta-se que Caroline, irmã de

Napoleão,nãosouberesistiraseusencantos,equearainhaHortense,cunhadadoimperador,tampoucosemostrouinsensívelaeles.AcrescentamasmáslínguasqueFlahautéfilhonaturaldeTalleyrand.

Generaldedivisão,condedoImpério,ajudantedecampodoimperador,AugusteCharlesFlahautdelaBillarderie éumguerreiroquedesdeosquinze anospercorreos camposdebatalhadaEuropa.Seconheceabravuradoscompanheirosdearmas,tambémsabedodesejoqueelestêmdeviverempazedetirarproveitodasriquezasacumuladas.Em1814,comaderrota,Flahautviu-oslevarNapoleãoaabdicarparasejuntaremaLuísXVIII.Quantosseriamexatamenteosgeneraisdispostosavirarcasacamaisumavez?

Nessemesmo dia, emAvesnes, alguns deles estão reunidos. No auge da indignação, afirmam quenuncasedirigiuodestinodeumimpérionemseconduziuumexércitodemaneiramaisdesvairada.Oculpado de semelhante crime seria digno do comando? Os generais mais fiéis julgam seu chefe comseveridadeequestionam:

“Aceitaremos,acaso,queelevolteaocomandodoExército?”Háinclusivequemfaleemse livrardoimperador.Suaabdicaçãoestá“emtodososcoraçõeseem

todasasbocas”,3afirma,nãosemalgumexagero,omarechalKellermann,duquedeValmy.Parasubstituí-lo,circulaentreosmilitaresonomedoduquedeOrleans.PoisoprimodeLuísXVIII,

filhodeumpríncipe regicida,não seriaumdos seus?General em1792,eleparticiparadoscombatescontraosprussianosemArgonne.

EstariamentãoosgeneraisdispostosaabandonarNapoleão?–Maisummotivo–exclamaLaBédoyère–paranosjuntarmosàsCâmaraseànaçãoeassumirmos

nossorumosemperdertempo.–Deminhaparte–repeteFleurydeChaboulon–afirmo,comoosr.deFlahaut:seoimperadorpuser

ospésemParis, estaráperdido.Elenunca foiperdoadopor terabandonadoseuexércitonoEgito,naEspanha,emMoscou.Muitomenosseráperdoadoportê-lodeixadonocentrodaFrança.

AchegadadacarruagemaLaoninterrompeadiscussão.OspassageirosdescemevãoparaoHoteldelaPoste,ondeestáNapoleão.CruzamcomoficiaisdaGuardaImperial,queseindagamsobreoestadodesaúdedoimperador.Desdeoiníciodacampanha,afirmam,o“PetitCaporal”,bquejánãoéomesmo,ostemmanobradocomoaunsbobocas.4Oimperadorpareceter“mergulhadonumaespéciedeprostraçãomoral”.5

EmWaterloo,atirou-senarefregacomosebuscasseabalaqueporiafimaumdestinocujocursojánãopodiamudar.Adebaclequeacompanhouaderrotaodeixamaisumavezabatido.Corpocansado,mente exaurida, sente-se ainda mais tomado pelo desânimo porque considera seus lugares-tenentesincapazesdaenormetarefaaserempreendidaparareergueroExército.

Navéspera,quandoNapoleãoatravessavaCharleroi,acidadeapresentavaumespetáculodefimdemundo.Nasruascheiasdeveículos,milharesdefugitivosabriamcaminhoemmeioàscarroçasemquegemiamohussardodemembrosesmagados,ofuzileirodecorpoevisceradoouooficialdemandíbulaquebrada.Das carretas capotadas rolavampãesque chegavamaos seuspés.Cavaleirosos espetavamcomasespadas,ossoldadososempurravamcomapontadabaioneta.Barrisperfuradosderramavamnaestradavinhoouaguardente,eoslíquidos,misturadosaoarrozouàfarinha,formavam“umriolamacentonoqualpatinhávamosatéotornozelo”.6

No meio dessa agitação, a caixa contendo os 6 milhões de francos do tesouro de seu exércitoencalhou.Temendopilhagem,ocomissáriodelaencarregadodistribuíaos sacosdeouroaosmilitaresincumbidos de guardá-los. E tomava nota de seus nomes, esperando que se revelassem honestos obastante para devolvê-los depois de atravessar o rio. Aproveitando-se da desordem, contudo, os

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soldados tinham brigado para embolsar algumas moedas de ouro: depois do roubo do tesouro doimperadorporseusinimigos,otesourodoexércitosedispersava.

Para escapar dessa desolação, Napoleão refugiou-se inicialmente em Philippeville. Na hospedariaLion d’Or, ditou duas cartas, uma para o Conselho de Ministros, outra para seu irmão Joseph. Naprimeiraminimizavaodesastre,nasegunda,nadaescondiadoalcancedaderrota,afirmandotodaviaquenemtudoestavaperdido.

Exortandooirmãoamostrarcoragemefirmeza,elesediziacapazderestabelecerasituaçãomedianterápidareuniãodeforçasespalhadaspelopaís:150milsoldadosregulares,50milhomensdosquartéis,100milfederados,guardasnacionaisevoluntáriosrecrutadosemmassanasregiõesdoDelfinado,Lyon,Borgonha,LorenaeChampanhe.Muitoanimado,oimperadorperseguiaumsonhoimprovável:osfuzisseriamtomadosdosrealistaseentreguesaos recrutas,eoscavalosde luxo, requisitados,puxariamoscanhões!

Napoleão se vê à frente de meio milhão de combatentes que esmagam o inimigo e colhem novasvitórias, mas o fato é que a essa altura comanda apenas fugitivos. Por mais que lhe seja relatada ahostilidadedosdeputados, elenãoacredita e afirmaqueos representantesdopovo, entendendoo seudever,haverãodeseuniraeleparasalvaraFrança.

OimperadorcomeçaduasvezesoditadodoBoletimdoGrandeExército.PublicadodoisdiasdepoisnumsuplementodoMoniteur,esseBoletimanunciaaderrotadeWaterloo,nomonteSaint-Jean.Nadaéocultado de uma catástrofe cuja responsabilidade é em grandemedida atribuída aos erros táticos domarechalNey.ApenahábildeNapoleãodámaisênfaseaosprimeirossucessosobtidosqueaopânicoeàretiradaqueseseguiram.

EmLaon,LaBédoyèreeseusamigosreencontramoimperadorabatido,recebendoashomenagensdeumdestacamento daGuardaNacional.O oficial no comando garante que seus homens, seus irmãos efilhosestãotodos“dispostosamorrerpelapátriaeporele!”.

Mal se dispersou a multidão, surge o príncipe Jérôme. O irmão do soberano, acompanhado pelomarechalSoultepelosgeneraisMorand,Collot,PetitePeletduMorvan,estáàfrentede3milhomens,fuzileirosecavaleiros.ÉanunciadaachegadaembrevedaGuardaImperial.

Osprotestosdefidelidadeeanotíciadasprimeirasadesõesalteramdenovoohumordomonarca.Julgandodifícilconteraondadedesertores,eleseprodigalizaemordensparajuntá-los,organizá-losereconduzi-los.

Todososmilitaresisolados,ordena,serãoenviadosaLaoneReims,eláreunidos.Osgendarmeseguardasnacionaispercorrerãoocampoparalocalizareapressarosretardatários.Contandoaindacomosbonssoldadosqueporiniciativaprópriahaverãodesearregimentar,oimperadorestáconvencidodequepoderáconstituirem24horasumnúcleode10a12milhomens.“Comessepequenoexército”,afirma,“contereioinimigo,dandotempoparaqueGrouchychegue,eanaçãoreaja.”

Napequenacortedequeestácercado,proliferamasobjeções.PermaneceroimperadoremLaonparatomara frentedeumpequenoexército incumbidodeconteroavanço inimigo?Nempensar!Nãoseriapossível reunir 10 mil homens em tão pouco tempo. Ainda que se consiga, os soldados, na maioriaexaustosesemmunição,nãopoderãofechartodasasviasdeacessoàcapital.

Grouchy?TeriaescapadoouforafeitoprisioneiropelosinglesesdeWellingtonoupelosprussianosdeBlücher?Ninguémsabe.Paraformarumnovoexército,éindispensávelapresençadoimperadoremParis.Osparisiensespodem julgá-lomorto.7Aovê-lo, nãomaishesitarão emcombater, conferindoonecessárioentusiasmoaorecrutamentoemmassaportodoopaís.

Além disso, poderia o imperador eximir-se de se encontrar com os deputados para lhes expor asituação,depoisdeconsentir,aoretornardailhadeElba,emserummonarcaconstitucional?Emabril,NapoleãomodificouaConstituiçãodoImpérioparaobteroapoiodosnotáveisepreservarpelomenos

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os poucos avanços liberais concedidos pela Carta de Luís XVIII. Desde então, uma Câmara deRepresentanteseleitosporessesnotáveisgaba-sededividiropodercomoimperador.

UmamissivadeLanjuinais,presidentedaCâmaradeRepresentantes, fazcomqueNapoleãoesperedosdeputadosatitudemenosdetestávelqueaquelaporele temida.Oimperador tambémsabeque,porenquanto,dispõeapenasdealgunsmilharesdehomens,equeseránecessárioesperarumadezenadediasparareuni-losemnúmerosuficienteafimdereiniciarasoperações.Tudoissoolevaaaceitarapropostadeseusgenerais,8nãosemsequestionarumaúltimavez.Nãoestariacometendoumatoliceaolhesdarouvidos?Afinal,elepoderiamuitobempermanecercomsuastropase,contandocomaajudadosirmãos,interferirnojogopolíticoemParis.

DepoisdeincumbiromarechalegeneraldebrigadaSoultdocomandodeseuexército,oimperadortomaorumodacapital.

Inicialmenteadecisãoassumidaparecedefatoamelhor.Umaveznacapital,Napoleãopoderáfazerfrenteàoposição.Maisqueasbalasdoinimigo,oimperadortemeovotodedeposiçãodaCâmaradeRepresentantes.Noanoanterior,votaçãoequivalentenoSenadooobrigaraaabdicarpelaprimeiravez,em6deabril.Nodia20domesmomês,oimperadorpartiuparaoexílionailhadeElba,entregandootronoaLuísXVIII,irmãodoreidecapitado.ComoreiBourboneorestabelecimentodapaz,osnobresémigréscvoltaram, tentandorecuperarseusantigosprivilégiose limitarospoderesdoreiemproveitopróprio. Luís XVIII entendeu perfeitamente que deveria atuar como árbitro entre a nova sociedade,produtodaRevolução,eosnostálgicosdoAntigoRegime,os“ultras”.Masnãoconseguiu.

Em um ano, muitos franceses deram as costas à monarquia restaurada, e o imperador os ouviu.Desembarcando em 1ºdemarço de 1815 emGolfe-Juan, ele proclamou: “Volto ao seu encontro pararetomar meus direitos, que são os seus.” Tendo partido debaixo de vaias, ao retornar foi como quecarregadopelo fervor popular, obteve a adesãodos generais e soldados, e obrigouos políticos a lheprestarlealdade,aomenosnaaparência.

Mas em 13 de março de 1815 os soberanos reunidos em Viena baniram da Europa aquele quecontinuama chamarde “usurpador”, formando contra aFrançauma sétima coalizãoque congregava aquasetotalidadedosEstadoseuropeus.9AgoratambémnaFrançaosadversáriosdoimperadorseativamdenovo,eooestevoltaasesublevar.Até18dejunho,emWaterloo,oimperadorjulgouqueavitóriamaisumavezrestabeleceriaa legitimidadedeseupoder,calandoseusadversáriospolíticos.ImaginouqueconseguiriaderrotarosingleseseosprussianosnaBélgica,antesdachegadadeaustríacoserussos.Diantedaderrota,contudo,elebemsabequemuitoprovavelmentehomenscomoLaFayetteincitarãoosdeputados a repetir o gesto que o privara de sua coroa em 1814. Em Paris, nesse momento crucial,Napoleão também poderá vigiar osmovimentos de Fouché.Oministro da Polícia o trai, e ele não oignora.

Oimperadorsabeigualmentequeprecisadosvotosdosdeputadosparaconseguirnovascontribuiçõesemhomenseemdinheiro.Suapresençanacapitalhaverádeforçá-los.Graçasaosjornaisquecontrola,ele tornarásuavozouvidanopaís,aplacandotemores,galvanizandoenergias.Afinal,asituaçãonãoétão desvantajosa quanto parece: no oeste, a revolta realista foi contida; no norte, as praças-fortesresistem;eomarechalSuchet,aleste,marchasobreGenebra,depoisdeterrechaçadoospiemonteses.

Entretanto,essapartidaparaParisnãoseriaumatolice?Enquantotinhasuaespada,ospolíticosnadapodiam lhe impor. Ele não tem mais uma espada. Para forjar uma nova, teria de ficar ao lado dossoldadosqueaindacomandaeagregaraelesosquebatememretirada.Oagrupamentodastropasdefatopoderiaserefetuadosobocomandodosgenerais,massóNapoleãotemcondiçõesdeincutirnoshomensafédepoisdadúvida,aenergiadepoisdodesespero.Acampanhade1814deixouperfeitamenteclaro:omoraldoscombatentesémaisimportantequesuaquantidade.

Napoleãoseafasta.VoltaaParis.Quemseapresentarádiantedosdeputados?Osoberanoliberalouo

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general–exigindo,comoem1799,oestabelecimentodeumaditaduradesalvaçãopública?

aNaFrançadaquelaépoca,oprefeito(préfet)eraumfuncionáriodesignadopelogovernocentralpararepresentá-lonaadministraçãodeumdepartamento,umadassubdivisõesterritoriaisdopaís.(N.T.)bCaporal:“furriel”,graduaçãomilitarsuperioràdecaboeinferioràdesargento.(N.T.)cÉmigré:“emigrado”;apalavraaquiserefereaosnobresquedeixaramaFrançadepoisdaquedadeLuísXVIepassaramaconspirar,noexterior,paraorestabelecimentodamonarquia.(N.T.)

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MANHÃDEQUARTA-FEIRA,21DEJUNHO

Ditaduradesalvaçãopúblicaerecrutamentoemmassa?

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1.“QueserádestapobreFrança?

PARIS,7h

Parisemfesta

Mal nasceu o dia quando os veículos transportando Napoleão e seus ajudantes de campo entram nacapital.OExércitofoivencido,masosparisiensesjulgam-novitorioso,poisoimperadorcomunicouodesastreapenasaalgunscolaboradoresmaispróximos.1

Ainda na véspera, oMoniteur comemorava a vitória de Ligny, em 16 de junho, sobre as tropasprussianasdomarechalBlücher.Nosbailespopularesdossubúrbios,osoperáriosdançavamdealegriaebebiamàsaúdedoimperador.Aalgunsquilômetrosdali,o“GrandeExército”sedesmantelava.a

NoThéâtredesVariétés,antesdecairopano,oheróideLafamillemélomane2afirmavaque,“graçasao talento de seus habitantes, a França logo conhecerá novas venturas”. EmL’lntrigue impromptue,3ainda na fase dos ensaios, um ator anunciava que “a glória que adorna nossas primaveras” veriaarregimentadossobabandeiradavitória“100milescolaresmarchandocomovelhosguerreiros”.Nessemesmomomento,osfugitivosseespalhavamaosmilharespelasplaníciesdonorte.

Só os realistas previram o desastre. Em seus panfletos, anunciavam há vários dias que logo seriarepresentadaemParisumapeça“tragicômico-heroica”intituladaPríncipeseprincesassemsabê-lo.Elaconcluía “comumbalé de escravos, a entrada de cossacos, intermezzo de danças e cantos”.Em seuscartazes,osamigosdoreiavisavamque“LaBédoyèrefoiencarregadodevenderumcetrodeferroquasetodocarcomido,umagrandeáguiadecobredouradocomobico,asasaseasgarrasestropiados,umamãodaJustiçaquejamaisteveusoeummantoimperialcobertodemanchas”.4

Assimcomoo imperador,ogeneral temconhecimentodadiscórdia edoódioqueagitamacapitaldesdeavoltada ilhadeElba.ElaestáconstantementemergulhadaemboatosquepartemdoscafésdoPalais-Royal.Osdesocupados,sempreàespreita,dequeixocaído,esperampelosrumoreseostomamcomavidez,espalhando-osporpraçaseruelas.Cadaqualtratadealterá-los,modificandoseusentidodeacordocomosprópriosinteressesoupaixões.5

A Bolsa é outra fábrica de notícias. Ela as inventa para que oscilem as cotações. Não muitoconvencidosdavitóriadeNapoleão,osespeculadoresapostamnabaixa.Orendimentode5%,queemmarçoerade74francos,caipara55francosem21dejunho.

Aodescerdacarruagem,LaBédoyèrecontinuaacreditandoque,comachegadadomonarca,ascoisasmudarão. Não tem a menor dúvida de que o imperador e os representantes do povo chegarão a umentendimento.Quantoaosfranceses,elescontinuarãoaconfiaremNapoleão.

PALÁCIODOELISEU,8h

“Tudopodeserconsertado”

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Às8h,osveículoschegamaopaláciodoEliseu.AantigaresidênciadamarquesadePompadourparecemodestaemcomparaçãocomasTulherias,ondeoimperadorestabeleceraocentrodopoder,instalandoalisuafamíliaesuacorte.Tododomingo,odesfiledemilharesdesoldadosdavatestemunhodopoderiodomonarca.

1.Parisem1815

OEliseu,cercadodealgunsguardas,émaisadequadoaummonarcaconstitucional.6Eaconfiguraçãodopaláciopermitedetermaisfacilmenteoscuriososque,assediandoaresidênciadosoberano,podemdistraí-lodasquestõesdeEstado.Finalmente,aoseafastardasTulherias,oimperadorsedistanciadeumendereçomarcadodemaispelaausênciada imperatrizMariaLuísaedeseufilho,quepartiramparaaÁustria.

Antesdeentrarnopátio,opostilhãodetémporummomentooscavaloseoscuriososveemNapoleão.Oimperadordescedacarruagem.Chegandoaopatamar,elesedemoradandoordens,comosequisesseconvenceropúblicoquedefatoestásãoesalvo.7

Nasescadasdopalácio,eleérecebidoporCaulaincourt,ministrodasRelaçõesExteriores.Aosolhosdessevelhocompanheirodearmas,porquemdemonstraumaconfiançaquenãodepositanememseusservidoresmaisfiéis,Napoleãoestáextremamentecansado.Seupeitoparecefazê-losofrer,arespiraçãoéopressa.Orostoestátãoamareloqueparecedecera.Oimperadorestáacometido,aomesmotempo,deumacrisedecistiteedeviolentasdoresestomacais.

Emsemelhante estado, teria ele ainda apronta reação, a resistência invencível, a sábia e oportunaaudáciaqueo levavama“triunfar sobrea resistênciadascoisasedoshomens”?8Caulaincourt tem lásuasdúvidasenquantoouveNapoleão,oqual,relatandoabatalha,maisumavezjogaaresponsabilidadedaderrotasobreosombrosdomarechalNey.

– O Exército operou prodígios – diz ele –, mas foi tomado pelo pânico. Tudo se perdeu… Neycomportou-se como um louco; levou-me a massacrar toda a minha cavalaria…. Não posso mais…Precisodeduashorasderepousoparavoltaratrabalhar.Estousufocando.

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–Ó, destino! Por três vezes vi a vitóriame escapar. Sem um traidor, eu surpreenderia o inimigo,haveriadeesmagá-loemLigny,seadireitativessecumpridoseudever;euoesmagarianomonteSaint-Jean,9seaesquerdacumprisseoseu!

–Masafinalnemtudoestáperdido.RelatareiàCâmaraoqueaconteceu.DescrevereiosdesastresdoExército. Pedirei recursos para salvar a pátria. Espero que a presença do inimigo no solo da Françareanime nos deputados o sentimento do dever, e que minha fraqueza os una. Feito o quê, partireinovamente.10

–Contarcomaajudadosdeputados?Nempensar–adverteCaulaincourt.–Anotíciadevossadesditajátranspirou.Égrandeaagitação;adisposiçãodosdeputadosparecemaishostilquenunca.ComoVossaMajestadesedignaouvir-me,devodizerquecabeesperarqueaCâmaranãoatendaavossaexpectativa.Lamento,Sire,vê-loemParis.Teriasidopreferívelquenãovosseparásseisdovossoexército.Éeleavossaforça,avossasegurança.11

O imperador afirmaquedepressa voltará a encontrar homens e fuzis.Como apoiodos deputados,tudopode ser consertado.Alguns lhe sãohostis, comoLaFayette,mas suapresençahaverádecoagi-los.12

Napoleão diz a mesma coisa ao conde de Lavalette, que acorreu ao seu encontro. Com um risoepiléticoqueassustaodiretordosCorreios,ele fazumdiscursocontraosdeputados.Afirmaqueportantotempoosacostumaraàvitóriaqueelesnãosãocapazesdesuportarumasóadversidade.

Caminhandosempreapassos largos, asmãosnascostaseoombrodireito ligeiramenteelevado,osoberanopergunta,suspirando:“QueserádestapobreFrança?Fizporelaoquepude.”

LavaletteconfirmaqueamaioriadaCâmaradosRepresentantesestádispostaaexigirsuaabdicaçãooudestituí-lo.13Napoleão o despacha, recusando-se a reconhecer a verdade que teme e que não querouvir.

Pedeentãoque lhesejapreparadoumbanhomuitoquente.14Napoleãoentranabanheirae,exausto,apoiaacabeçanoespaldardetelabranca.Emseguida,mandaentrarobarãoPeyrusse,tesoureiro-geralda coroa, e Davout, príncipe de Eckmülh, ministro da Guerra. Como todos aqueles que viram oimperadordespido,osdoisvisitantesseespantamcomseucorpodepeletãolisa,maisparecendoodeumamulher.

NapoleãopedeaobarãoPeyrussequenessemesmodialheentregueumrelatório.Pressionadopelanecessidadedefinanciamento,elequerseinformardosvaloresimediatamentedisponíveisequestiona-o“com impaciência”.15 Irritado com as perguntas indiscretas do financista sobre a batalha perdida, osoberano acaba por despachá-lo, prometendo-lhe o pagamento de uma caixa de rapé de diamantes novalorde10.300francosqueobarãolheforneceraeumaordemporescritoparaacessãode76açõesdasSalinasdoLeste,aserentregueaocondeBertrand.

Voltando-seentãoparaDavout,Napoleãode repentedeixacairosbraçosnaáguaeexclama:“Quedesastre!”16–evoltaasequeixardaimperíciadomarechalNey.

Davoutouve-o, apertando seusolhinhosdemíope.Opríncipenãoestá acostumadoa travestir suasideias.RespondecomahabitualrispidezqueNeyéumbomcomandanteeservidorleal.Poisnãopassouliteralmenteacordanoprópriopescoçoaoaderiraoimperador,emborativesseprometidoaLuísXVIIIqueoentregarianumajauladeferro?

Davouttempreocupaçõesmuitomaissériasquediscutiraresponsabilidadedomarechalnaderrota.Emalgumassemanas,formoucomtenacidadeumexércitoqueacabadeserdestruídoemalgumashoras.Seriapossíveljuntarospedaços?Maisumavezopríncipenãomedeaspalavras:

“Tenhoparamim,Sire,quetudoestáperdido,poissefossemreunidosapenas4milhomens,VossaMajestadeestariaàsuafrente.Eseeu,quelhesoutãoafeiçoadoededicado,vejoascoisasdessaforma,avalieoquenãosedánaimaginaçãodosoutros.NadaestaráperdidoseVossaMajestadeprorrogaras

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Câmaras, pois a Câmara dos Representantes, com seu exaltado tom hostil, neutraliza qualquerlealdade.”17

Essas declarações de brutal franqueza não surtem efeito sobre o imperador.Depois de barbeado evestido, Napoleão reanima-se e recusa algunsminutos de repouso. Exalta-se contra Savary, inspetor-geraldagendarmaria–queporsuavezoadvertiracontraasdisposiçõesnegativasdosdeputados:

“Poisbem,sãopessoasquevãoincorrernomesmoerrodoanopassado.Nãoqueremverqueeusouapenasopretextodaguerra,queseuobjetivoéaFrança.Seelanãoseviucompletamentedestruídanoúltimotratado,foiporqueumrestoderespeitohumanodeteveosestrangeiros,queaindatinhammedodemeuregresso.Sómesmoosloucosnãoveemisso.Quandotiveremmeabandonado,serãoacusadosporteremmerecebido,echegaráahoradoarrependimento!”18

“Separando-sedemim,elesperdemaFrança”

Sentadoàmesaparaalmoçar,o imperador recebeseus irmãosJosepheLucien.Maisumavez fala-seapenasdasintrigasurdidaspelosdeputados.Lanjuinais,opresidentedaCâmara,recuandodasprimeirasafirmaçõesquefizera,preveniuJoseph:osrepresentantesdopovomanifestamhostilidadecadavezmaisforteemrelaçãoaoimperador.Osqueaindaoapoiamfazem-noparasepreservardafúriadosexércitosinimigos,estãoprontosaabandoná-loquandoseviremsãosesalvos.Atáticadelespodeserresumidaemalgumaspalavras: “Vamos em socorrodeNapoleão, pois só ele é capazde expulsar os bárbaros.Tratemosdesalvá-loparaqueelenossalve;anaçãoficaráagradecida.Sedepoisdepassadooperigoeletentarsetransformardenovonumdéspota,haveremosdenosunirparaenforcá-lo.”19

OpríncipeLucienintervém.Tornou-seummestrenaartedemanipularassembleiaspolíticas.Quinzeanos antes, presidindo o Conselho dos Quinhentos,b com seu sangue-frio, ele fez com que o irmãovencesseaoposiçãodosdeputadosetomasseopoder.Lucientambémconhecemuitobemosmistériosda vida parlamentar, e mantém relações de amizade tanto na Câmara dos Representantes quanto naCâmaradosPares,ondetemassento.ElereiteraostemoresdoirmãoJoseph:

–Nossosrevesesjátranspiraram.Estãotodosagitados.SótemosquetemeradeliberaçãodaCâmaraeamávontadedealgunsdeseusmembros.

–Entreeles–lembraNapoleão–devemosincluirLaFayette,quenãodeixarádeserebelarcontramim.Osdeputadosachamqueosaliadosestãointeressadosapenasemmim,nãoveemqueseparando-sedemimelesperdemaFrança.20

Quefazer?Entender-seapesardetudocomosmandatáriosdopovooususpenderassessões?Tentarum compromisso ou voltar quinze anos no tempo, neutralizando os deputados pela força armada?Osfranceses se acostumaram a umamonarquia temperada por uma Assembleia que os represente. Seriapossívelvoltaraobrumário,opondo-seasuavontade?

Concluído o almoço, o imperador, acompanhado de Joseph e Lucien, segue para a sala onde oaguardamosministros.

“Precisodeumaditaduratemporária”

São doze homens reunidos em torno da mesa do Conselho.21 Em sua maioria quinquagenários, osministrostambémsãomajoritariamenteplebeus.SóDavout,Caulaincourt,Decrès,ministrodaMarinha,eCambacérès,ministrodaJustiça,sãoaristocratas.Advogadosoumilitares,todossemobilizaramdesdeoinício na Revolução. Boulay de laMeurthe,ministro de Estado,c combateu emValmy, e seis de seuscolegasmontagnardsdvotarampelamortedeLuísXVI.MerlindeDouai,ministrodeEstado,éumantigo

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terrorista, assim como Fouché, o ministro da Polícia. Carnot, o ministro do Interior, era membro doComitêdeSalvaçãoPúblicanoanoII.eOrganizouentãoadefesadopaís,formandoumExércitoNacionalcontraoexércitodosreiseuropeusquequeriamacabarcomaRevolução.EmboratenhadeslanchadoacarreiradeBonaparteaonomeá-logeneraldoExércitodaItálianoperíododoDiretório,emseguidaseopôsàditaduradoantigoprotegido.Em1814e1815,foimaisumavezparadefenderapátriaemperigoqueCarnotaliou-seaoimperador.Nanoitedavéspera,foravistochorando,aotomarconhecimentodaderrota.

Os outros ministros dedicaram seus talentos à França consular e imperial sem solução decontinuidade:éocasodeMollien,ministrodoTesouro,quevemaser,juntamentecomGaudin,ministrodasFinanças,umdosmelhoresespecialistasemfinançasdaEuropa.RegnaultdeSaint-Jean-d’Angély,22ministro de Estado, é legislador competente e trabalhador tão incansável quanto Chaptal,ministro deEstadoeresponsávelpelareorganizaçãodaadministração.

Nos seus rostos se leem consternação, temor e desânimo. Eles ouvem em silêncio o relato dosacontecimentosmilitaresfeitoporNapoleão.Eleconcluicomunicandosemrodeiossuasintenções:

“Nossadesditaégrande.Euvimparaexpressarànação,aoExército,umagrandeenobrelealdade.Sea nação se levantar, o inimigo será esmagado; mas se, em vez do recrutamento e das medidasextraordinárias, entrarmosemdisputa, tudoestaráperdido!O inimigoestánaFrança, e,para salvar apátria,euprecisoserinvestidodeumgrandepoder,deumaditaduratemporária.Nointeressedapátria,eupoderiameapropriardessepoder,mas seriamaisútil emais racionalqueeleme fosseconcedidopelasCâmaras.”

Aceitariamelasdebomgradoumaditaduradesalvaçãopública,ouserianecessárioobrigá-laspelaforça?Interpelados,osministrossecalam.Todossabemqueapeleja já teve inícionoscorredoresdopalácioBourbon,equeomonarcajánãotemocontrolecompletodojogo.

aGrandeExército:nomedoexércitodeNapoleãoemdiferentesetapasdoseuempreendimentoimperial;foicriadoapósaderrotadaMarinhafrancesanaBatalhadeTrafalgar,para impedira invasãodaFrançapelos ingleses,emsuauniãocomaustríacose russos.ComasguerrasintermináveiseainvasãodaRússiaem1812,queresultouemgrandefracassoparaosfranceses,oGrandeExércitoentrouemdecadência.(N.T.)b Instituído em 1795, o Conselho dos Quinhentos foi, ao lado do Conselho dos Antigos, uma das duas assembleias legislativas da FrançaduranteoDiretório.(N.T.)cMinistrodeEstado(ministred’État):títulohonoríficocorrespondenteaumpostomenosimportantequeodeprimeiro-ministro,porémmaisimportantequeodeministrodepasta.dMontagnards:literalmente,“montanhistas”,deputadosdaConvençãoNacionalLegislativade1791;receberamessadesignaçãoporocuparapartemaisaltadaAssembleia(emoposiçãoàPlanície,quesesentavanascadeirasmaisbaixas);eramrepublicanose,lideradosporhomenscomoDanton,MarateRobespierre,preconizavamumregimecentralizadoremedidasdecunhosocial.(N.T.)e Ano II: segundo ano do calendário republicano, criado em 1792 para simbolizar o início de uma nova era; o calendário (no qual o anocomeçavaem22desetembro)semanteveaté1805.(N.T.)

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2.Ohomem-serpente

PALÁCIOBOURBON,9h

Quandoosestudantesvisitamosrepresentantesdopovo

ÉmileLaBretonnière1parecemaisumdaquelesjovenscriadosnocultodosabre:àsimplesmençãodonomedeNapoleão,seusanguepulsamaisforte.EstudantedematemáticanoLiceuImperial,elepretendeentrarparaaEscolaPolitécnica,afimdeumdiasetornaroficial.NoQuartierLatin,passamaistempodebatendocomosamigossobreodestinodeseuheróidoquedebruçadosobre livrosecadernos.Aodescer estamanhãparaopátiode sua residência, encontraos colegasdiscutindoacaloradamente. “Jásoubedanotícia?OExércitofoianiquiladoeoimperadorchegouaParis.”

TodosseencaminhamparaoCafédesPyrénées.Nummomentoassim,éláqueseencontramsempreas informações mais recentes. Em todos os rostos transparece a consternação.Mas alguns ainda têmesperança,apesardetudo.

–Émaisumdessesboatosfalsosespalhadospelosrealistas.Nãoépossívelqueasituaçãosejatãodesesperadoraapontodelevaroimperadoraabandonarseuexército.

–VocêsestãoesquecendooEgito,MoscoueLeipzig–observamalguns.Depoisdeumarápidarefeição,LaBretonnièreacorrecomosamigosàCâmaradosRepresentantes.

Nasruas,osolharessecruzam,eostranseuntespreocupadosseguemseucaminhosemdizerpalavra.Osparisienses são grandes tagarelas, mas fora de casa mostram-se “mais discretos sobre as questõespúblicas que os venezianos na época do Conselho dos Dez”. Desconfiam dos espiões da polícia,numerosos como os paralelepípedos do calçamento, e ao mesmo tempo continuam a acreditar naimprensagovernamental,queinsisteemdizerqueelessão“opovomaislivredaTerra”.2

ÀesperadoiníciodasessãonaCâmara,umaenormemultidãoocupaagrandeescadariadopalácioBourbon.Operários do faubourgSaint-Antoinemisturam-se aosburgueses do faubourgSaint-Germain,que acorreram ao saber da notícia. Circulam as informaçõesmais contraditórias. “Napoleão está emParis”,dizalguém.“Vocêestáconfundindo,tomandoopríncipeJérômeporseuirmão”,retrucaoutro.Umterceiro afirma que decerto acabou de acontecer algo extremamente grave, pois desde o alvorecer osmaisimportantespersonagensdoEstadonãoparamdeentraresair.HáquemafirmetervistoLucieneJosephBonaparteentraremparaconversarcomopresidentedaCâmara.Seocorreualgumacatástrofe,aCâmara,templodasoberanianacional,deveseraprimeirainformada.

“Templodasoberanianacionaléumpoucodeexagero”,pensaLaBretonnière.Elesabeque,apesardonome,cheirandoaRevolução,aCâmaradosRepresentantesestá longededispordopoderoutroraexercidopelasassembleiasdaPrimeiraRepública.DesdeoAtoAdicionalàsConstituiçõesdoImpério,aprovadoapenashádoismeses,aCâmaraeleitaepassíveldereeleiçãodecincoemcincoanosaprovaasleispropostasporNapoleão,chefedoExecutivo.ElassãoemseguidaenviadasàCâmaradosPares,paraaprovaçãoourejeição.Ospares?Fantoches.NomeadosporNapoleão,sãoemnúmeroilimitado,eumanovafornadabastaparaderrubaraeventualoposição.

ÉverdadequeasCâmaraspodemproporemendasàleiouconvidarogovernoaproporumaleisobredeterminadoassunto.Contudo,oExecutivoaaceitaourecusa,eoimperadortemopoderdeadiar,istoé,

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de suspender as sessões da Câmara dos Representantes ou mesmo de dissolvê-la. Nesse caso, oscolégioseleitoraissãoconvocadosmaisumavez,eareuniãodosnovosrepresentantesocorreránoprazodeseismeses.

Masodireitodeelegerseupresidente,odireitodeemendar,oconviteaomonarcaparaqueadoteumaleisobredeterminadoassunto,atotalrenovaçãodaCâmaradecincoemcincoanose,finalmente,areduçãodaidademínimadosdeputadospara25anossãodispositivosqueconferemaosrepresentantesum espaço de liberdade até agora desconhecido. Contudo, as novas instituições ainda estão longe doregimeparlamentardesejadopelosnotáveis.3

Pormais jovem estudante que seja, LaBretonnière percebeu perfeitamente que cada artigo doAtoAdicionalconcedendoumdireitoaosdeputadosélimitadoporumaexplicação,um“ouseja”emfavordopoder.EtambémsabequetodosossenatusconsultaaatéentãoadotadosedeixadossemmodificaçãopeloAtoAdicionalcontinuamemvigor.Acontecequeosfrancesesminimamenteatentosàvidapolíticasabemmuitobemqueessessucessivosdispositivosdeixaramconsiderávelliberdadeaopoder,de1804a1814.4

NuncaantesumaAssembleiapolíticatevenometãoinjustificadoquantoaCâmaradeRepresentantesdoPovo.E oAtoAdicional, limitandoo sufrágio universal direto apenas aos plebiscitos, retomanaseleiçõesparadeputadosasmodalidadesdaConstituiçãodoanoX.Amissãodeeleger606deputados,dos quais 23 são obrigatoriamente escolhidos entre banqueiros, armadores, manufaturadores ecomerciantes, é reservada, assim, a uma dezena de notáveis que integram os colégios eleitorais dearrondissementsbedepartamentos.NumaFrançacommaisde3milhõesdecidadãosmaioresdeidade,sãoapenas69milhomens,emsuamaioriaproprietáriosdeterras,quedesignamosdeputados.E,entreeles,36milseabstiveramnoúltimoescrutínio,namaioria,nobresfiéisaoreiLuísXVIII.EmMarselha,porexemplo,trezeeleitoresdentreosduzentosinscritosforamàsurnas;emMontpellier,35numtotalde233;eemBordéus,38entreos284.5

Como em 1814, LuísXVIII, para recuperar o trono, outorgara umaCarta Constitucional que abriacaminhoparaamonarquialimitada,Napoleão,aovoltardailhadeElba,viu-seobrigadoaaceitaralgoquesemprerecusaraequedetestaacimadetudo:limitarseuprópriopoder.

Em1804Napoleãoseapresentavacomooreidopovo;em1815eleéochefedeumaaristocraciabaseadanomérito,àsvezesnotalentoenariqueza.OsnobresdoImpériosempretemeramoCésarquelhesconferiuseustítulos.Hojesãocapazesdelhefazerfrenteeàsvezesatédevirar-lheorosto.

ACâmaradosRepresentantesnãoéoclubeNapoleão

PercorrercomosolhososbancosdosrepresentantesélerahistóriadaFrançarevolucionáriaeimperial.Não falta sequer a contrarrevolução. É verdade que os realistas, tendo desprezado as urnas, estãonumericamente mal representados. Aliás, seus deputados, como o milionário Roy e o ex-prefeitoBonnaire, tentam dissimular suas opiniões. Os oitenta representantes bonapartistas não escondem asdeles,queseresumemaadmiraçãoefidelidadeincondicionaisaoimperador.

Esse é o caso de Bigot de Préameneu. Deputado à Assembleia Legislativa em 1791, ele tentoudefenderorei;em1799,membrodoInstituto,aliou-seaBonaparteeintegrouaComissãodeRedaçãodoCódigo Civil. Na Câmara dos Representantes, senta-se ao lado dos jacobinos, que na época deRobespierre forammontagnards egirondinos:entreeles, “terroristas”queaindaprovocamescândalo,comoBarère deVieuzac, deputado porArgelès.Convencional em1793, ele votou pelamorte do rei.MembrodoComitêdeSalvaçãoPública,homemdeletrasejornalista,seriaresponsável,segundoavozcorrente,porumainfinidadedecondenaçõesàpenademorte,sendoconhecidocomoo“Anacreonteda

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Guilhotina”.Nãolongedele,FélixLepeletierdeSaint-Fargeau.Antigobabouvista,essedeputadolembraa todos a época em que Graco Babeuf e a Sociedade dos Iguais militavam pelo estabelecimento docomunismo.

Seosantigosterroristasnãopassamdeumadezena,osgirondinos,seusrivais,sãomaisdesessenta.Namaioriaformadosemdireitoromano,elesrejeitamaomesmotempooimpériohereditárioearealezadedireitodivino.Rousseaunianosformadosporjesuítas,essesdeputadosprofessamumanticlericalismovirulento. Burgueses, conservam intacto o ódio aos nobres, cuja arrogância tiveram de suportar.Proprietários de terras, são adversários declarados do “feudalismo” e dos direitos senhoriais.Compradores de bens nacionais,c esses notáveis pretendem conservá-los em seu poder. Patriotas, sãoveteranos das lutas revolucionárias que querem preservar a independência da França e mantê-la nasfronteiras de 1792. Napoleão representa para eles a melhor garantia de preservar as conquistas daRevoluçãode1789,pelomenosenquantoaceitaroslimitesdeseuprópriopoderemproveitodeles.6

Os outros deputados são jovens sem passado político. Juristas oumédicos, negociantes ou antigosfuncionários, também têm o desejo de ampliar o espaço político que lhes é reservado pelo AtoAdicional.

Desde a abertura daCâmara, em3de junho, amaioria dos representantesmanifesta seudesejodeindependência.Liberais sonhamem tornar-senovosMirabeauditandoaomonarcaavontadenacional,enquanto os bonapartistas se imaginam antes como novos Murat, dispersando os adversáriosamedrontadosàpontadebaionetasnanoitede19debrumário(10denovembrode1799).

Quando os representantes se reuniram pela primeira vez, Napoleão esperava que elegessem comopresidente um de seus colaboradores. Os mandatários do povo, no entanto, lhe fizeram o insulto deescolher seu pior inimigo: Lanjuinais. Com mais de sessenta anos, esse especialista em direitoeclesiásticoaliaàausteridadedeummongeacircunspecçãodeumpaidaIgreja.Consideradoingênuo,7temainteligênciadeumdominicano,ahabilidadedeumjesuítaeacoragemdeumfielcomocoraçãoardendona fé.Paraele, esta fé temnome: liberdade.Em1793,naConvenção, ele seopôs àpenademorteparaLuísXVI;duranteoTerror,tevedeseesconder.Tendorecuperadoseuassentodedeputadoem1795,tornou-seumdosmembrosdosAntigosduranteoDiretório.

Senadorem1800,Lanjuinaisinsurgiu-secontraasordensdedesterroqueseseguiramaoatentadodarua Saint-Nicaise e se opôs igualmente ao Consulado vitalício e à fundação do Império. Em 1814,organizou no Senado a votação que decidiu pelo afastamento do imperador. Finalmente, recusou-se aprestarjuramentoaNapoleãoquandoestevoltouasubiraotrono.

Ao aceitá-lo como presidente da Câmara, Napoleão,mal dissimulando sua raiva, dirigiu-lhe estaspalavras:“Háquemdigaquesoisumbourbonista,outros,quesoismeuinimigopessoal,eoutros,ainda,que de fato amais vossa pátria. Sabereis avaliar a quais deles dou crédito quando vos cumprimento,assimcomoàCâmara,pelaescolhaquevoslevouàpresidência.”

Lanjuinaismantém-sefielàsideiasliberaisdajuventude,rejeitandoaomesmotempoademocracia,aaristocraciaeodespotismo.Consideraomelhordosgovernosaqueleque,associandoaosoberanoosnotáveiseosrepresentantesdopovo,permiteidentificarumavontadegeraleconstante.8

PresidentedaCâmaradosRepresentantes,sustentaaguerrinhaporelesmovidacontraNapoleão.9OimperadorenviaàCâmaraumcamareirodeserviçoparacomunicaraosdeputadosqueaceitaaeleiçãodeLanjuinais?Eles ficam indignadosdiantede tamanhaofensaà representaçãonacional.Osministroscomparecem vestidos simplesmente de fraque, e não em trajes solenes, para fazer um comunicado àCâmara?Osdeputadosveemaíumaafronta.OsministrosdeEstado tomamo lugardosministrosdasdiferentes pastas para apresentar seus relatórios à Câmara?Os representantes consideram-se tratadoscomdesprezo.

As disputas de prioridade provocadas pela Câmara dãomostra de seu desejo de ser considerada

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depositária da soberania nacional, exatamente como o imperador. Para isso, ela pretende “retificar omaisbrevementepossívelosdefeitose imperfeiçõesque transparecemnoconjuntodaConstituição”.10NaspalavrasdeLaFayette,aCâmararecusa-seasero“clubeNapoleão”.Osrepresentantesdiscutemtudo:ojuramentoaserprestadoaoAtoAdicionaleaNapoleão,ouotítulode“SalvadordaPátria”queseusseguidoresqueremlheatribuir.

Oimperadornãoéhomemde“submeter-seàleidosadvogadosnemdedeixarcortarsuacabeçapelosfacciosos”.Estáperfeitamentedecididoanãoser“umafiguradecorativanemumsegundoLuísXVI”.Aoreceber,em12dejunho,aCâmaradosPares,quetambémesboçavaumarevolta,Napoleãoconvida-aanãoimitaroSenadodoBaixoImpério,oqual,“pressionadodetodososladospelosbárbaros,tornou-semotivo do riso da posteridade, ao se dedicar a discussões abstratas no momento em que o aríetederrubavaasportasdacidade”.11

ACâmaradosRepresentantes,assimcomoaCâmaradosPares,fezouvidosmoucosaesseconselho.Desde a entrada em vigor doAtoAdicional, ela tentou constantemente alterar seus dispositivos paraaumentaroprópriopoder,compartilharcomoExecutivoa iniciativadas leisecontrolarosministros.Barèreresumemuitobemapolíticaadotadapelamaioriadoscolegasaoexclamar:“Temosdeinstauraraditaduradalei,enãoadeumhomem!”12

Noexatomomentoemqueoimperadorenfrentaosaliados,osrepresentantesparecemtemermaisocesarismo que a derrota da França. Em 20 de junho, diante da notícia da vitória de Ligny, e aindaignorando o desastre deWaterloo, o deputado Jay reiterava que só reformas constitucionais podiamacabarcomotemordeque“umavitóriasirvadetransiçãoparaorestabelecimentodopoderabsoluto”.13

GillesCésar

La Fayette está entre os que sustentam commais ardor a guerrilha parlamentar.Ao se aproximar dossessenta anos, aquele que em 1789 pretendia ser oWashington de umamonarquia liberal continua aacreditaremseudestinonacional.Contrário,em1792,àsuspensãodeLuísXVI,etendosidoobjetodeum decreto de acusação,14 o general passou-se para o campo do inimigo, que o havia encarcerado.LibertadopelosaustríacosdepoisdoTratadodeCampoFormio,em1797,elevoltouàFrançadepoisdogolpede18debrumário(9denovembrode1799)etentouseduziroprimeiro-cônsul.Emvão.Retirou-separasuapropriedadedeLaGrange,emSeine-et-Marne,depoisdeseoporaoconsuladovitalício,etentoubancarCincinato,cultivandosuasterrasecuidandodeseurebanhodeovelhas.Temposantes,Mirabeau,zombandodaspretensõespolíticasdogeneral,chamava-ode“GillesCésar”,em referência a um personagem cômico dos espetáculos populares de rua. Talleyrand o julgava“desprovido de intelecto e de poder de decisão”. Hoje, eleito pelo seu departamento, ele volta aoprimeiroplanodavidapolítica,convencidodequefinalmentechegousuahora.ÉvistopeloscolegasdaCâmara como um velho sábio, dotado da necessária autoridade e da experiência indispensável paraenfrentaraquelequesejulgaoeternosalvadordaFrança.

Contra o homem do golpe de 18 de brumário, La Fayette quer ser o homem do 14 de Julho.Consideradoum“simplório”porNapoleão,nãodeixadedemonstrarhabilidadepolítica,masapõeaperderporexcessodevaidade.

Em 21 de junho, informado da chegada de Napoleão e do debate no Eliseu durante o qual “oimperadorpareciadecididoadissolverasCâmaras,usurparaditaduraetudoarrastaremsuaruína”,elesedecide,conformediriamaistarde,pordefenderarepresentaçãodopaís,salvandoaúnicachancedeimpediroavançodoscoligadosedenegociarcomeles.CompareceentãoàCâmaradecididoaproporaosrepresentantesdopovomedidascapazesdelivrá-losdaameaçaque,segundoele,érepresentadapor

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Napoleão.15Na tragédia nacional que se inicia, o “Herói dos Dois Mundos” julga ocupar a boca de cena e

interpretaropapelqueinvocouparasi.Naverdade,nãopassadeumfantochemanipuladoporFouché.

Umhomemacometidode“governomania”

Deestaturamuitoaltaemagrezacadavérica,apelelívida,osolhosfundos,pequenosepenetrantes,aos56anos,oministrodaPolíciaéumhomemprecocementeenvelhecido.OutroraprofessordeciênciasnaCongregação dosOratorianos, empouco tempo se transformou empersonalidade política de primeiroplano.Viriaesseêxitodocarátertraiçoeiroque,conformealguns,eraneleumasegundanatureza?16

Desde1789FouchéesteveligadoàRevolução,sempreseadaptandoaosacontecimentos.Em1792,jacobino,éeleitoparaaConvenção.Integrandoasfileirasmoderadas,aindaassimvotapelamortedorei, querendo com isso atender ao desejo popular. Próximo dos girondinos, torna-semontagnard; e,representantecomissionado,éumdospioneirosdadescristianização.

ConsideradodurantecertotempoachegadoaHébert,eletratadeseafastardeleparanãoserincluídoentreosultrarrevolucionários.Quandoestessãoeliminados,elesejuntaaos“indulgentes”,quequerematenuar o Terror. Guilhotinados os dantonistas, Fouché vira pássaro noturno e só reaparece paraparticipardaquedadeRobespierre.Emseguida,mostra-seporcertotemposimpatizantedasideiasdocomunistaBabeuf.Oportunista,continuaumconvictorevolucionário.Sensívelàmisériadamaioria,nutreódioferozaoclero,àaristocracia,sejaelahereditáriaouenobrecidapelariqueza.Elenãoenriqueceu,vivedeexpedientesparaalimentarafamília.

Apartirde1798,tudomudaparaele.FouchéparticipainicialmentedosnegóciosdeumacompanhiadefornecedoresdoExércitoeemseguidaéfeitoministroplenipotenciáriojuntoàRepúblicaCisalpina,para então ser nomeado embaixador na Holanda. Sua fortuna agora aumenta com grande velocidade,chegando a váriosmilhões quando, em20de julhode 1799, é nomeadoministro daPolíciaGeral daRepública,noDiretório,graçasaoapoiodeumdosdiretores,oabadeSieyès.Prudente,onovoministroesperao resultadodogolpedeEstadode18e19debrumáriopara sealiar aBonaparte.Apartirdeentãosuavidaestaráunidaàdoditador,quelheinspirainvejaeciúme.De1800a1814,Fouchééduasvezes demitido do cargo. E duas vezes o recupera, de tal modo é indispensável a Napoleão seuconhecimentodosmeiosjacobinoerealista.

SegundoodeputadoBarère,Fouchééacometidode“governomania”.OchefedePolíciademonstravontade de ferro para conservar e aumentar constantemente seu poder. Ardiloso, hábil, perseverante,movendo-serumoaoseuobjetivocomaflexibilidadeeadissimulaçãodaserpente,elesabeenlaçartãoperfeitamenteaquelesdecujaajudaprecisaquepenetraaté fundoemseuspensamentosmaissecretos,semjamaisrevelarosdele.17

Opodertornou-se“suamaneiradeviver,suarazãodeser”.18Semele,definha.Semele,estátambémàmercêdosinimigosqueconquistouaoencarcerarjacobinos,perseguirrealistaseremexeralixeiradasociedadeimperial.Quantosaltosdignitáriosnãotrememdiantedaeventualidadedeterseussegredosdealcova e suas depravações revelados?Pois o homemmais temido daFrança se entrega comprazer àleitura dos relatórios escabrosos fornecidos por uma nuvemde “moscas”, não hesitando em servir-sedelesemcasodenecessidade.

Ohomemdojogoduplo

Fouché se julgaumhomemdeEstado,masnãopassadeumpolicialde rematadahabilidade.Domina

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virtuosisticamenteaartedeenganarhomensepartidos,edeconduzi-losaumdeterminadofim,negandodescaradamentequeelemesmocaminhenessadireção.19

Sejamamigosou inimigos,eleparece impassívela todos;naverdade,énervosoe impressionável,dominadopelomedo.Omedonãooabandona20desdequevotoupelamortedeLuísXVI.Parasempremaculado pelo regicídio, ele sabe que uma nova restauração pode lhe ser fatal, assim como aosinteressesrevolucionáriosquecontinuaaservir.Em1814,deugarantiasaLuísXVIIIeseusseguidoresparaescapardesuasrepresálias.MasqueaconteceráseosBourbonvoltarem?FouchétratouentãodeestabelecerumapontecomoreiexiladoemGand.Emtrocadalibertaçãodomarido,asra.deVitrolles,casadacomumcheferealistaencarcerado,passouaatuarcomosuaintermediária.

SeporumladoFouchéfazjogoduplocomoimperador,poroutrofazomesmocomosrealistas.Aestes,prometelivrar-sedeBonaparte,garantindoque“essehomemquevoltoudailhadeElbamaisloucoque antes” irá desaparecer antes de quatro meses. Ao mesmo tempo, inunda Paris de caricaturasrepresentando Luís XVIII com as mãos cheias de sacos de ouro roubados ao Banco da França ouapontandocomodedoafronteirafrancesaparaumpelotãodecossacos.21

Para preparar ainda melhor o futuro, o ministro da Polícia sustenta um relacionamento com LuísFilipe, duque deOrleans e primo do rei, considerado pormuitos liberais e antigos termidorianos umpossívelcandidatoàcoroadaFrança.Eleseriaumsoberanocapazdecumprirocontratoqueoutroracoube a Bonaparte: concluir a Revolução preservando suas principais conquistas.22 Conta com a boavontadedegenerais.Wellington,ovencedordeWaterloo, semchegara tomarpartidoporLuísFilipe,reconhecequeoduquepodeserum“usurpadordeboacepa”.23OduquedeOrleans,“semestenderosbraçosaseusedutor”,mostrou-lhequeestava“dispostoasedeixarviolar”.24

Fouché também foi buscar garantias com os aliados. Antes da derrota de Waterloo, escreveu aWellingtonprometendoentregar-lhesegredosmilitaresemtrocadeproteção.Wellingtonrespondeuqueos aliados não tratariam com Napoleão. Da mesma forma, iriam se recusar a proclamar seu filhoimperadoreaestabelecercomoregenteMariaLuísa,poisseriaomesmoque“ogovernoimperial,massemacabeça”.

“A Inglaterra”, avisou o general inglês, “sem chegar a impor qualquer tipo de governo à França,encontrariamaisgarantiasnorestabelecimentodoramomaisantigodosBourbon.AscondiçõesparaapazseriammaisfáceisemelhoresseasCâmarasfrancesasquisessemproclamarLuísXVIII.”25

Fouchénãoselimitouaentraremcontatocomosingleses.Entendeu-setambémcomMetternich.Masencontrou alguém ainda mais ardiloso que ele na pessoa do ministro das Relações Exteriores doimperadordaÁustria.Metternichnãosemostrouavarodepromessas,masestavaperfeitamentedecididoa não cumprir nenhuma delas. Deixou Fouché esperando seu apoio para se manter no cargo, com acondiçãodequeoministrotraidorencontrassemeiosdelevarseusenhoraabdicar.

Napoleãonãosedeixailudirporessasmanobras:–Eudeviamandarenforcá-lo–diz-lhecertodia.Irônico,Fouchérespondeu:–Sire,nãocompartilhoaopiniãodeVossaMajestade.Mesmoassimo soberano resolveperdoá-lo, considerandooministro incapazdeviver sem intriga.

Porsinal,comopodeseparar-sedeumhomemcujasnumerosasredesencerramoscaminhosdopoder?QuandoNapoleãoassimordenou,Fouchéperseguiuosjacobinos.Masaindatementreelesmaisde

um amigo, sendo inclusive visto como seu chefe pelos realistas. Estes juram que irão se livrar doministro,masFouchécontinuaamantermuitosdeles“sobsuabota”.Eleosprende,leva-osa“mudardeopinião”eabreaportadacela.Dessemodo,oministroestáconstantementeatualizandoasfichasquelhedãoumaimagembastanteprecisadatramatecidapelosseguidoresdeLuísXVIIIatravésdopaís.

Graçasaostenentesdapolíciadebairroeaostenentesextraordináriosdepolíciaquepercorremos

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departamentosesódeledependem,Fouchéétãobem-informadoquantooministrodoInterioracercadasituaçãopolítica e dosmovimentos da opinião pública.Através dos jornais que controla, do dinheirodistribuído, das pressões exercidas, ele “faz” as eleições para a Câmara dos Representantes, e osdeputados liberais lhe sãogratospor ser contrário àsmedidas autoritáriasqueNapoleão tenta impor-lhes.

Demitir um homem como ele é provocar uma crise política grave. Carnot, que não gosta nada deFouché, temconsciênciadisso:excluí-lo,segundoele,éagravar“as indecisõesedesconfianças já tãopronunciadasdaopiniãopública”.26Fouchépermaneceportantonocargo.

ParaoministrodaPolícia,odobredesinodaderrotaassinalaahoradavitória.FouchéentendemuitobemqueaspretensõesdeNapoleãosãoosintomadeumaenergiaagonizante.Chegouparaeleahoradeprovocaraquedadotronoimperial.

O combate que Fouché descortina terá de se desenrolar na Câmara dos Representantes. Mas elademoraasereunir,etudopareceindicarqueasessãosóteráinícioàtarde.

aSenatusconsulta:decretosdoSenado.(N.T.)bConceitopróximodobairroedaregiãoadministrativaurbana.(N.T.)c Bens ou domínios nacionais: bens que haviam sido objeto de sequestro, alienação e confisco pela legislação do período revolucionário,tornando-seassimpropriedadedanação.(N.T.)

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3.Declararapátriaemperigo

PALÁCIODOELISEU,10h

AdiarasCâmaras?

Questionadopelo imperador,Carnotéoprimeiroaquebraro silêncioquepaira sobreoConselhodeMinistros desde que o soberano apresentou como imperativa uma ditadura temporária.Oministro doInterior teme acima de tudo uma nova restauração dos Bourbon, acredita que trarão com eles umaaristocraciaquemilitarásemdescansopelo“aviltamentodospatriotas,aaboliçãodetudoquedecorredasideiasliberaisearessurreiçãodospreconceitosquetornamospovosimbecis”.1

O antigo membro do Comitê de Salvação Pública guarda na memória o impulso patriótico quepresidiuem1793orecrutamentoemmassa.2Pobresericos,jovensevelhos,mulheresecriançastinhamentãoatendidoaochamadodapátria,eomilagresedeu:soldadosandrajosos,àsvezesarmadosapenasdebaionetaseespadasimprestáveis,lideradosporchefessemgrandeexperiência,tinhamenfrentadoosmelhores soldados do continente. Os soldados-cidadãos tinham rechaçado, vencido e punido osmercenáriosdosreis.

–Quesedeclareapátriaemperigo–recomendaCarnot.–QueosfederadoseosguardasnacionaissejamconvocadosesedecreteParisemestadodesítio.Seacapitalcair,montaremostrincheirasparaalémdoLoire.O exército que combate naVendeia e os corpos de observação do sul engrossarão oscontingentes que impedemo avançodo inimigo.Ogoverno aproveitará para reunir e organizar forçascapazesderetomaraofensivaeexpulsaroinimigodaFrança.

–AbandonarParis?–Caulaincourtobjetaqueosacontecimentosde1814haviamdeixadobemclaroque,umavezocupadaacapital,jánãohaveriadúvidasobreoresultadodacampanha.OministroafirmaqueaúnicaesperançaderesistirvitoriosamenteresidenauniãosinceraentreNapoleãoeasCâmaras.

MareteCambacérèsaprovam.Davout,pelocontrário, retomandoa tesedefendidaemsuaprimeiraentrevista com Napoleão, explica: “Em momentos assim, não deve haver dois poderes. Deve haverapenas um, forte o suficiente para mobilizar todos os recursos de resistência e controlar as facçõescriminosas e os partidos ofuscados, que podem representar sério obstáculo com suas intrigas e seusconluios. Por enquanto cabe adiar as Câmaras, de acordo com o direito constitucional. Isso está emconsonânciacomalei.Entretanto,paraatenuaroefeitoqueessamedidaterásobreosmaisescrupulosos,podemosanunciaraconvocaçãodasCâmarasnumacidadedointerior,aserposteriormentedesignada,daqui a duas ou três semanas, com a ressalva de que se repetirá o adiamento se as circunstâncias oexigirem.”3

Mesmoacompanhadodessa últimamedida, o adiamento será visto pelos deputados comogolpedeforça.Aplicadocom rapidez, contudo, pode apanhá-losde surpresa.Coma suspensãodas sessõesdaAssembleiaeoadiamentodareuniãoparaumadatadistante,aoposiçãoseráprivadadesuaprincipaltribuna.

“Oqueelesquereméaminhaabdicação?”

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AinstauraçãodeumaditaduradesalvaçãopúblicaatrapalhaosplanosdeFouché.Eleintervém:– Por que tomar uma medida tão grave? Se demonstrarmos confiança e boa-fé às Câmaras, elas

sentirãoqueédeverseujuntar-seaoimperadorparaquepossamsalvarjuntos,commedidasenérgicas,ahonraeaindependênciadanação.Elasnãohaverãoderegatearsuacolaboração…AssimcomoParis,quesemantémcalma,apesardoanúnciodaderrota.

Napoleãoironiza:–Calma!Ah,estamostranquilos!4– Os deputados? Nem por um minuto podemos pensar em contar com eles – confirma Decrès. –

Demonstrammávontadeemrelaçãoaoimperadoresedispõemavotarasmoçõesmaisviolentascontraele.

AintervençãodeFouchécausaperplexidadeemRegnaultdeSaint-Jean-d’Angély.Poucashorasantes,oministrodaPolíciacertificava-oarespeitodahostilidadedasCâmaras,eeisqueagoradizqueelasestãodispostasacooperarcomNapoleão!Estariarealmenteconvencidodisso,outentaapenasevitarumchoque frontal com asAssembleias, que poderia levar à deposição do imperador, como em 1814? Éprecisoevitá-loaqualquercusto,pensaRegnault,epreservarosdireitosdofilho,senãoforpossívelconservaropodernasmãosdopai.Sóaabdicaçãopodegarantirisso.Regnaulttomaadecisãodedizê-loaosoberano.

– Infelizmente duvido – observa ele – que os representantes decidam apoiar o ponto de vista doimperador; aparentemente consideramquenão é elemais quempode salvar a pátria.Receio que sejanecessárioumgrandesacrifício.

–Sejaclaro–diz-lheoimperador.–Oqueelesquereméminhaabdicação?–Creioquesim,Sire.Pormaisdifícilquemeseja,émeudeveresclarecerVossaMajestadequantoà

vossa verdadeira situação. Devo inclusive acrescentar que é possível, caso VossaMajestade não sedecidaporiniciativaprópriaaapresentarvossaabdicação,queaCâmaraouseexigi-la.

AideiadecapitulardiantedosdeputadosprovocaviolentareaçãoemLucienBonaparte:–Eujámeviemcircunstânciasdifíceis–protestaele–epudeconstatarque,quantomaioresforemas

crises,maisdevemosagircomenergia.SeaCâmaranãoquerapoiaro imperador,eledispensará suaajuda.AsalvaçãodapátriadeveseraprimeiraleidoEstado;comoaCâmaranãoparecedispostaaseunirao imperadorpara salvaraFrança, seránecessárioqueelea salvesozinho;deverá seproclamarditador, declarar a França em estado de sítio e convocar em sua defesa todos os patriotas e os bonsfranceses.5

Carnotaprova.

“Seeuabdicar,nãohaverámaisumExército”

Segundo Napoleão, a presença do inimigo em solo nacional certamente fará com que os deputadosrecuperemosentimentodedever.Anaçãonãoosencarregoudederrubá-lo,masdeapoiá-lo.“Eunãoostemo”,afirmaele.“Nãoimportaoquefaçam,sereisempreoídolodopovoedoExército.Bastaqueeudiga uma palavra, e eles serão neutralizados;mas se nada temo pormim, tudo temo pela França. Sebrigarmosentrenós,emvezdenosentendermos, seguiremosodestinodoBaixo Império.Tudoestaráperdido…Opatriotismodanação,seuódioaosBourbon,suaafeiçãoàminhapessoaaindarepresentamparanósenormesrecursos:nossacausanãoédesesperada.”6

Acompanhando o argumento de seu irmão e do ministro do Interior, Napoleão afirma que umrecrutamento em massa pode abalar o adversário, como no ano II. Mas será necessário, em termosimediatos,queumaforçaarmadasemostrecapazdeimpediroavançodoinimigoedecontê-loduranteváriassemanas,atéváriosmeses,parapermitirqueseefetueorecrutamento.

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Comomobilizarumaforçadessanatureza?Napoleão retoma os cálculos que vem refazendo há 48 horas.Aos 10mil homens jámobilizados,

explica,virãosomar-seembreveossoldadosdeelitedeRappeosdeGrouchy:emdezdias,eledisporáde80mila100milhomens.Essenúmerodesoldadosbastaparaconteroadversário,tantomaisqueeleseveráforçadoaumadiminuiçãodeseusefetivosoperacionaisparagarantirasegurançadoterritórioconquistado.

Buscando reforço nos quartéis, recorrendo a contingentes provenientes do exército do Loire e doexército dos Alpes, será possível formar uma força de 200 mil infantes e cavaleiros apoiados porsetecentos canhões.Contido o inimigo, o recrutamento emmassa poderá ser efetuado, e já nomês deoutubro800milcombatentesestarãoprontosparadisseminaroterrornasfileirasdoinimigo.

“E a Câmara quer que eu abdique?”, indaga o imperador. “Acaso avaliaram as consequências deminhaabdicação?Éaomeuredor,emtornodomeunome,queseagrupaoExército:privá-lodeminhapessoasignificadissolvê-lo.Seeuabdicar,nãohaverámaisumexército.Ossoldadosnãoqueremsaberdasvossassutilezas.Acasoacredita-sequedeclaraçõesdedireitoediscursosdetribunaimpedirãoumadebandada?”7

ParaNapoleão,areorganizaçãodosregimentoseamobilizaçãodetodososfrancesesneutralizarãoomedo que toma conta do país. Mas seria realista sua avaliação dos efetivos de que dispõe? Suasafirmaçõesnãoseriam“fanfarronadas”paraacalmarsuasprópriaspreocupaçõeseasdosqueocercam?8Realmenteacreditaeleestaremcondiçõesdereiniciaraguerra?9

Apoucosquilômetrosdali,bandosdefugitivos,restosdoGrandeExército,chegamàsproximidadesdeLaon.Oespetáculoqueoferecemlevantadúvidasquantoaumaresistênciaeficazaoinvasor.

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4.Ofuneraldaglória

CERCANIASDELAON,21DEJUNHO,MANHÃ

Comoumatorrente

Desdequeo imperadorpassoupela cidade, a ondadederrotadosnãoparade aumentar.Os soldadoschegam em pequenos grupos e de repente sua massa aumenta. Eles fogem debaixo de sol ou chuva,durante o dia ou à noite. Pálidos e esgotados, aturdidos e sem fala, os heróis do Grande Exércitocaminhamemmeioaumamultidãodemortoseferidosamontoadosemcarroçascheirandoagangrena.1Trazemomedonoventreeaperplexidadenocoração.

Caminhandoatéaexaustão,osguerreirosbuscamaomesmotempoesqueceracarnificinaeescaparaos ingleses ou aos prussianos. Diante de seus olhos continuam a passar as abomináveis imagens docampodebatalha.Para este é avisãodeumcompanheiro coma cabeça arrebentada, apeledo rostoaindapresaaocrânio,comoumamáscaradecarnavalflutuandoaovento.Paraaquelesãooscadáverespisoteados.Paratodos,rostosnegrosdepólvora,corposcobertosdeumagangadesangueelodo,mãoscalejadas de tanto atirar, pernas fraturadas por balas de canhão. E além do mais o cheiro da terralamacenta,ondeoscorposcomeçamasedecompor!2

Oraossoldadoscaminhamemlongasfileiras,comoformigas,oraseinstauraadesordem,rompendorepentinamenteoalinhamento.Emalgunssegundosaestradaétomada.Oscondutoresdascaravanasdeartilhariaoudematerialcortamasrédeasdoscavalosparafugirmaisdepressa.Oscanhõeseveículosimobilizados formam barreiras intransponíveis para os homens, que nelas se detêm às centenas, aosmilhares.

Atorrentequetudoarrastaemsuapassagemaindaéumaimagemfracaparaevocaresseamontoadode homens, cavalos e veículos que se atropelam, “unindo-se aomais leve obstáculo para formar umamassaquederrubaoqueestáemseucaminho.Aidaquelequetombanoturbilhão,poisseráesmagado,estaráperdido.”3

Pânicoehorríveldesordem

OcoronelTrefconconheceuodesertodeareiadeSão JoãodeAcree as estepesnevadasdaRússia;jamais assistiu a “uma desordem tão medonha”.4 Basta que alguns hussardos franceses saiam de umbosque sem alerta e que alguém se deixe enganar pela cor dos uniformes e brade “Prussianos!Prussianos!”,paraqueopânicotomecontadehomensacostumadosaenfrentaroinimigo.

Por mais que os capitães ordenem que avancem devagar, ninguém lhes dá ouvidos, todos saemcorrendo.Unscorremparaafrente,outrosprocuramàdireitaouàesquerdaumpovoado,umacasa,umburacoondeseesconder.Armas,mochilasevalisessãoatiradasaochãoouemfossos,ascarretassãoquebradas, os cavalos, abandonados. Propagando-se como uma epidemia, o medo não poupa nem osmelhoresoficiais.Comoterrornaalmaeopavornaexpressão,elesperdemcompletamenteosangue-frioe,cedendoaoimpulsogeral,agravamaindamaisaruína.5

Todos temem ser feitos prisioneiros e conhecer a vidamiserável por que alguns já passaram nos

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pontões ingleses. Destino ainda pior os espera se caírem nas mãos dos prussianos. Certos fugitivoscontam que os hussardos negros de Brunswick não perdoam. Capturaram o general Duhesme e opassaramnaespada,gritando:“Vocêmatounossoduque,vaipagarcomamorteagora.”Caídonoprópriosangue,Duhesmeépisoteadováriasvezespeloscavaleirosprussianos.Apoucosmetrosdali,umoficialdaPomerâniadespeogeneralCompansdasroupasearmasdepoisdelhetertranspassadoocorpo.Osmilitaresafirmampreferirosuicídioasuportarossofrimentoseabusosdoadversário.6

Ossoldadosquebatememretiradatransformam-seem“autênticosanimaisferozes”.OsgranadeirosdaGuarda,abandonandosuasbandeiras,sedispersamempequenosbandos.Esaqueiamàvontadeemflorestasecamposcircundantes.7Arrombamportas,quebramvidraças, invademascasas,pilhando-as.Asruasdascidades,asruelasdasaldeias,oscaminhoseestradasficamcheiosdemóveisquebrados,baúsabertos,sacosdefarinhafurados,barricas,garrafas,bagagensemalas.

Ossoldadosnãohesitamemroubarosoficiais.Umdelesinformaquemalhaviapisadoosoloparabeberumcopodeágua,easrédeasdeseucavalojálhetinhamsidoarrancadas,suasela,roubada.8

Atravessado o Sambre, os soldados continuam a saquear até as imediações de Paris. Ummédicomilitar conta ter visto dois granadeiros da Guarda bebendo o vinho de um comerciante e pagandogenerosamentecominsultosetabefes.9

A“anarquiamoral”datropa

A agitação está no auge quando os soldados chegam a Laon. Eles haviam partido como guerreirosentusiastas,agoravoltampensandoexclusivamenteemchegarasuascasas.OntemadulavamNapoleão,hojeorecriminamportê-losabandonado.Paradiscipliná-los,sómesmochefes“combraçosdeferroecoraçãodeaço”,masseuscapitãesesqueceramosvaloresdolendárioexércitodeSambreeMosa.

Antes deWaterloo, certos generais tentavam prevenir as eventualidades desastrosas da campanha;agora abandonamseus soldados.ApostandonavoltadeLuísXVIII, acorremaParisparaprepararosrelatóriosexplicativosquelhespermitamdarprosseguimentoàcarreira.

Nadademarechaisnemgenerais,algunsraríssimoscoronéis:osregimentossedesfazem,osbatalhõesdesaparecemeascompanhiassetransformamembandoscomandadospelomaisantigo,omaisespertoou o mais insolente. Espalhando-se pelas planícies, os soldados se afastam dos núcleos dearregimentaçãoeacabamporserperdernapaisagem.10

Em 21 de junho, Suchet, general de brigada do Exército, faz um relatório alarmante sobre adesmoralizaçãodastropas.Explicaquenãoconseguemanterossoldados.Aoprimeiromovimento,elesdesaparecem em todas as direções. De Rocroi a Laon, o marechal depara com grande número defugitivos,enãoencontranestaúltimacidadeograndecontingentequeesperava.Apenasalgunscorposseformam no caminho paraAvesnes. Certamente será necessário esperar a chegada de novas colunas aLaoneSoissonsparatentarreorganizarosregimentose“fazercomqueganhemconsistência”.

Se a cavalaria mantém a ordem e é mais coesa, a infantaria está completamente desmoralizada.Oficiais e soldados dizem coisas terríveis.Declararam-se cercados de traidores. Pois não receberamcartuchosdepólvorasemasbalasnecessáriasparacarregarsuasarmas?11

Soldadosquefogemàmedidaquesãoreunidoseevitamlugaresondeencontrariamavigilânciadosgendarmes;oficiaisquecontribuemmaisparaadesordemdoqueparaorestabelecimentodadisciplina;homensque,convencidosdetersidotraídos,mergulhamnumaespéciede“anarquiamoral”:12estassãoasinformaçõesqueosoficiaissubalternosregistramemseusdiários.

OjovemoficialLarréguydeCivrieuxescrevequeoExércitodecertamaneiradesfaleceuaoretornaràFrança.Eleviusoldados trocandoseusuniformespor roupasdecamponesese, reunidossegundoos

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departamentosdeorigem,voltandoparacasadecajadonamão.13OcapitãoDuthiltfrisaque,antesedepoisdeWaterloo,ocontingentenãomostragrandedeterminação

paraocombate.Acausadessafaltade“vigor”da tropapareceestarnamisturaapressadaquese fez.Homensquenada tinhamaver uns comosoutros foram reunidos às pressas, incapazesde formarumespírito de grupo. Acontece que é exatamente isso que une os soldados e os leva a se sacrificar,inicialmente pela pequena pátria constituída por sua unidade de combate, depois pela nação a quepertencem.

Patriotismo? O Exército, constata o capitão Duthilt, não tem mais aquele amor pela pátriademonstrado durante a República e que conservara até 1814. Hoje, em seus contingentes, é maior onúmerodecidadãosquequeremvoltarparacasadoqueodeguerreirosimpacientespelocombate.

Os 20mil homens deGrouchy não escapam à desmoralização.Depois de combater no dia 20 emNamur,ossoldadosquetantafaltafizeramaNapoleãonabatalhadeWaterloochegamaDinantnodia21.Entreelesestãoosinfantesdo22ºRegimentodeLinha,comandadospelocoronelFantindesOdoards.Aos 37 anos, Fantin participou das campanhas daEspanha, daRússia e deSaxe.Oque significa queesteve envolvido emmais de uma retirada. Ele também fica estupefato com a rapidez com que seushomensperdemcompletamenteaconfiança.

Desde Namur a chuva não para, agravando os problemas e o cansaço da retirada. Exaustos, semvíveres,preocupadoscomo futuro,oshomensdeFantindesOdoardsvoltamtristementeàFrança.Háapenas nove dias iniciavam a campanha com amelhor das disposições, e hoje apresentam aparêncianegligente,expressãodedesânimo.Tudodátestemunhodeseuabatimentofísicoemoral:“Osfrancesesprecisamdosucesso,sãopioresqueasmulheresnosreveses”,concluiocoronel.14

Ahipotéticamobilizaçãogeral

Oitentamil,100milou120milhomens?AsespeculaçõesdeNapoleãoarespeitodosefetivosestariamlongedarealidade?15Queimportamosnúmerosseossoldadosnãotêmmaisatêmperamoral,amisturadeespíritodegrupoepatriotismoindispensávelaoshomensemarmas.Semela,acasoseriamcapazesdedefender Paris por tempo suficiente para que se efetue o recrutamento em massa planejado porNapoleão?Aliás, seria esse recrutamento possível, ainda que reduzido à arregimentação de todos osguardasnacionais?

Em1793,foramnecessáriosmaisdeseismesesafimdequeorecrutamentoemmassafornecesseoscombatentes necessários para formar mais de uma centena de meias-brigadas operacionais.16 Aconvocaçãodos solteiros e casados sem filhos, dedezoito a 25 anos, efetuou-senumclima emqueofervor patriótico era alimentado por cerca de 100 mil sociedades populares espalhadas por toda aFrança.Finalmente,foirealizadaporrepresentantescomissionados,investidosdetodosospoderes.

Napoleãopretenderealizaraarregimentaçãoemmenosdetrêsmeses.Quemlhepropiciaráoânimonecessário?Quemaorganizará?DelegadosextraordináriosnomeadospelaCâmaradosRepresentantesjáentraramemaçãonoexpurgodaadministraçãopúblicaepodemincumbir-sedessatarefa.Masteriamdeserinvestidosdepoderestãoamplosquantoosdosrepresentantescomissionadosdeoutrora.AcontecequeNapoleãoézelosodemaisdesuaprópriaautoridadeparaoutorgá-la.

Alémdisso,poracasoosfrancesesseriamhojemovidospelomesmopatriotismode1793?PátriaeimperadorformamumtodonaFrançaimperial,eNapoleãoafirmadiantedeseusministrosqueopovofrancêsnadaperdeudaadmiraçãoporele.Masseriamesmo?

O general Dumonceau tem lá suas dúvidas. Ele esperava que as populações dessem apoio aossoldados para defender suas comunidades, seu solo e seus bens. Os camponeses fogem assustados,

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lembrando-se da brutalidade prussiana.O general, no entanto, tenta reanimar o espírito de defesa, senecessáriorecorrendoàameaça.EleescreveaoprefeitodeArdennes:

“Façamos um derradeiro esforço, senhor prefeito, a fim de despertar entre os guardas nacionaisconvocadosparacompletarosbatalhõesosentimentonacionalqueosdeveanimarnomomentoemqueosriscossetornammaisiminentes.Seelessemantiveremsurdosàvozdapátria,quepassematemerotratamento por ela reservado aos filhos maus e desnaturados; que fiquem sabendo que a vingançanacional mais cedo ou mais tarde haverá de alcançá-los, recaindo sobre seus parentes e suaspropriedades;eque,paraevitartodosessesmales,devemseapressaraseapresentaraopostoquelhesfoideterminado.”

Oapelonãosurteefeito.17Carnot,queacreditavanosucessodeumrecrutamentoemmassa,escreveriaanosdepois:“Nãohavia

temposuficiente,aopiniãopública foraalienada,Bonapartegeraraapreensãocomo rumoque tomaradesdeoretorno,umrumotãocontrárioaoseudesembarqueeaoteordosdecretosbaixadosemLyon;nãosesabiamaisoqueesperarnememquedepositarconfiança.UmrecrutamentoemmassateriaservidoapenasparacobriraFrançaderuínaseinundá-ladesangue.”18

ErrodecálculooucegueiravoluntáriaquantoaodesmoronamentomoraldaFrança?Desdejunhode1815Carnotestavaemcondiçõesdeconstataromalquecorroíaosfrancesesnosrelatóriosdeprefeitos,subprefeitos,gendarmesedelegadosextraordináriosenviadosàsdivisõesmilitares.

Sualeituraexaustivarevelaquasesempreadesorientaçãoeainérciadosfrancesesdiantedoanúnciode reinício dos combates.Contudo, apesar dos relatórios alarmistas,Carnot eNapoleão se aferram àideiadeumrecrutamentoemmassaquejánãopassademito.

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5.“Àsarmas,cidadãos!”

MINISTÉRIODAGUERRA,21DEJUNHO,MANHÃ

Omitodorecrutamentoemmassa

Há vários dias acumulam-se telegramas no gabinete do ministro da Guerra. O telégrafo óticodesenvolvidoporChappeem1794tornou-seindispensávelparaainformaçãomilitar.Graçasàslinhasinstaladas deLille a Paris1 e deBrest à capital, Davout soube nomesmo dia que as tropas inimigaspenetraram,em18dejunho,oterritóriofrancês,2eque,em20dejunho,ossoldadossobocomandodogeneralBigarréobtiveramvitóriasobreos5milchouansamobilizadosporSaint-HuberteSuzannet.3

Entretanto,quandooministrovaiaoEliseuem21dejunho,aindaignoraofelizdesenlacedocombatecontra os rebeldes arregimentados por Autichamp na Vendeia. A batalha ocorreu entre Machecoul eNapoléon-Vendée,4queaindanãodispunhadetelégrafo.

Mas o sucesso alcançado afrouxa a tenaz que comprime Paris entre os aliados, ao norte, e osinsurretos realistas a oeste, liberando uma parte dos 20 mil homens imobilizados na Bretanha e naVendeia,osmesmosquetantafaltafizeramaNapoleãonabatalhadeWaterloo.

Privadodeinformações,Davoutnãopodedeixardedepositarsuasesperançasnumaconvocaçãogeraldoshomensemidadedeportararmas,quelhepermitirálutaremváriasfrentes.Oministrosabe,contudo,queamobilizaçãoserádifícil.

Orecrutamentoemmassaéumaobsessãonamemóriadosfranceses.Algunsselembramdasomadesacrifícios feitos, outros guardam na lembrança que no ano II o recrutamento emmassa foi o ato quesalvou a pátria.O prefeito deHaute-Vienne,Texier-Olivier, por exemplo,manda afixar um cartaz emLimogesenasprincipaiscidadesdodepartamentoem20dejunho.5Depoisdeadvertiroscidadãossobsuaresponsabilidadeadministrativaarespeitodosboatosdisseminadospelosrealistas,eleosexortaàunião, pedindo que se preparem para se armar se assim determinar a defesa do país. Que importam,pergunta,asopiniõesemitidasduranteaRevolução?Jánãosetrataagoradesistemaspolíticos,masdaindependênciadanaçãoedaintegridadedeseuterritório,dodireitodosfrancesesasegovernarcomobemquiseremeaobedeceraochefequeescolherem.Ahonranacionalestáemjogo,euminteressedessealcancenãopodedepararcomumpaísdividido.“Paragarantirorespeitodenossosdireitos”,concluioaltofuncionário,“todos,sepreciso,haveremosdenosprecipitarparaoconfrontocomoinimigo:parasacudirojugoquenosqueremimpor,oprimeiropassoédesejarrompê-lo!”

Antigos revolucionários, retomando a linguagem política da República jacobina, escrevem que opovo,“aoentrareminsurreição”,aoseinsurgir,acorrendoàsfronteiras,aterrorizaráoinimigo,pondo-oemfuga.Nadadeestratégiascomplicadasnemdearmasmodernas!Paracimadoinimigocomespadasearcos!6

EmDijon,o inspetorde impostosLouisFrémiet,queserviuàRepública,explicanoJournal de laCôted’Or7queaRevoluçãoFrancesaéaguerradopovocontraanobreza,avitóriadaliberdadesobreaescravidão,“otriunfodasideiasliberaissobreovelhosistemadedespotismopolíticoeclerical”.Elelembra que “o povo, forte e terrível, levantou-se e destruiu por exclusivo efeito de sua vontade” osprivilégios dos aristocratas. Sem soldados, sem oficiais, sem generais, emmenos de um ano o povo

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cobriusuasfronteirascomformidáveisexércitos.DerrotouosvelhosespecialistasemtáticadaEuropa,aniquilouostraidoresinternoseditousualeiatodosaquelesqueameaçavamsuaindependênciapolíticaecivil.

Os Bourbon e os nobres, prossegue Frémiet, querem novamente suprimir a liberdade pública e aigualdade civil, extorquir os bens nacionais aos que os adquiriram, restaurar o dízimo e a sujeiçãofeudal,atentar,enfim,contraaglórianacionalaviltandoaLegiãodeHonra.Énecessário,portanto,que“opovose levantecomoem17928eesmagueseus inimigoscomtodooseupeso”.Aguerradeveser“nacionalizada”.Se, comoaconteceuno ano II, todo cidadão for um soldado, o povo armadopor suaindependênciaemovidopelopatriotismoobterávitória.9

OsjacobinoseliberaisdeMorbihanexigemcommaisênfaseorecrutamentodetodososfrancesesàmedidaqueseconsideramosmaisameaçadospelosrealistas.Paraeles,avoltadeNapoleãoaotronoéuma“Revolução”10queprolongaade1789,easituaçãoemqueseencontraaFrançaem1815éidênticaàdotrágicoverãode1793.

ReviveroanoIIdaRevolução

Que os patriotas se escorem nos federados para insuflar o entusiasmo patriótico e levar a cabo orecrutamentoemmassa,exigemosjacobinos.EssemovimentoespontâneorepresentaorenascimentodoqueocorreunoanoII.Pequeno-burguesesprocedentesdeNantes,Vannes,PloërmeleJosselinfundaramem 24 de abril uma associação federal “para combater amaldade, proteger-semutuamente contra osrealistaseseoporatodotipodedesordem”.

MembrosdasedentáriaGuardaNacional,elessedeclararamdispostosaconstituirumaforçamóvelparaatenderemdadomomentoadeterminadopontodoterritórioameaçado.Desdeentão,asfederaçõesapoiadas pelo governo proliferam em todo o país.11 Nelas, jacobinos se misturam a bonapartistas eliberais.Burguesesaíreencontramomundodelojaseoficinas,notáveisaíencontrampequenospatrõesqueconvivemnodiaadiacomseusoperários.Emborapersistamdissensõesentre“patriotasde1789”e“terroristas” de1793,12 todos se sentem ligados por uma comumoposição aosBourbon e consideramNapoleãoolegatáriodaRevolução.13

Os pactos que redigem são parecidos. Lembram14 que eles acabaram, “como dignos filhos dosgaulesesedosfrancos”,comojugodosaristocratas,equesuabelapátriatemhoje,“emvezdevassaloseescravos,cidadãosehomenslivres”.Aoconfiarosagradorepositóriodesualiberdade“aomaiordosguerreiros”, e ao fazer de Napoleão seu legítimo soberano, eles se valem domesmo direito de seusantepassadosquandoconduziramaotronoClóviseCarlosMagno.Suaescolhaéjustificadaporquinzeanosdeglória,duranteosquais“orenomefrancêsfoilevadoatodososrecantos”.

Onde encontrarmelhores promotores do recrutamento emmassa senão entre os homens que jurampromover o espírito público, nutrir nos corações o amorda pátria e do imperador, corrigir os que seequivocamedesmascararostraidoresqueosdesviamdobomcaminho?Osfederados,afirmaoprefeitodeCôtes-du-Nord,representam“umaforçamoral”capazdecontribuirmuitoparaasalvaçãodapátria.

Porém, para os jacobinos, o recrutamento em massa, destinado a assustar os inimigos internos eexternos,deveseracompanhadodemedidasterroristas.Elassemostrammaisnecessáriasàmedidaque“osveteranosdaRevolução,todosaquelesquetêmideiasliberaiseamamapátriaeoimperador”,sãoameaçadospelosrealistascom“umanovaNoitedeSãoBartolomeu”.Jácirculamlistasdeproscrição,avisa o subprefeito deCognac.Que os aliados, portanto, sejam avisados: “Se entraremnaFrança, osnobres e outros contrarrevolucionários haverão de pagar com a vida. Como se declarou a pátria emperigo,queossinosdealertadobrematéqueosinimigossejamexpulsos!”15

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Outrojacobinovaimaislonge:éprecisolembraraosfrancesesoquerepresentaramoAntigoRegimeeaRevolução.Aantigageração,valedizer,“oshomensquehojetêm55ou75anos”,detalmaneirasehabituoua“nãomaispagardireitosfeudaisqueoatribuiàscircunstâncias,enãoàRevolução”.Quantoànovageração,quetinhadezouquinzeanosem1789ehojechegaa35ouquarenta,nãosabemaisqueoscamposeascasaseramonerados“comimpostosinjustoseaspessoas,submetidasàvassalagem”.Éumdevercívicoinformá-lasdisso.16

UmjuizdepazdeLannion,naregiãodeCôtes-du-Nord,17escreveaCarnotsugerindoqueneutralize“o clero romano e a classe nobiliárquica, essencial e coletivamente inimigos da felicidade do povo,impedindo-os para sempre de voltar a causar danos”. Preocupado em promover o renascimento darevolução cultural do ano II, o velho republicano pergunta: “Por que se suspendeu o calendário danaturezapararestabelecerodeumareligiãoqualquer?Tratemosdenoslibertardosvínculosdospadresexclusivistas.Quetodasasnossasinstituiçõessejamcivis,preservandoemsuaintegridadealiberdadede consciência. Que sejam criadas festas nacionais! É assim que os espíritos podem ser animados eengrandecidos.AindanoslembramosdamajestosafestadoSerSupremo.”18

Outro cidadão propõe o restabelecimento dos laços de fraternidade, propagando-a mediante aorganização de reuniões populares nas quais seriam cantados os hinos patrióticos de Legouvé eChénier.19

Finalmente,porquenãopromover tambémorenascimentodassociedadespopularesdoanoII?Umpatriotaanônimoexplicaque,batizadasde“associaçõespatrióticas”,elascongregariamdepreferênciahomens honestos e de confiança, de determinada faixa etária, dotados de certos conhecimentos e comtempolivre.Comseuspontosdevistaesclarecidosesuacapacidade,elescontribuiriamparaagestãodasmedidasdesalvaçãopúblicaederecrutamentoemmassa.20

Cuidadocomacanalha!

Aideiadepromover,paralelamenteàconvocaçãodoshomens,medidas“terroristas”semelhantesàsdoanoIInãopodedeixardepreocuparDavout.OministrocompartilhaospontosdevistadeDumolard,umdos membros da Câmara dos Representantes, enviado a Ain em 20 de abril como representanteextraordinário a fim de supervisionar o estabelecimento da nova administração. As sociedadespopulares, escreve o deputado, são instituições que, “por uma espécie de faísca elétrica, podem sepropagarnumpiscardeolhospor todaasuperfíciedo Império”.21Elaspodempotencializaraenergiadoscidadãos,masrepresentamumperigoparaogoverno.

Nesse empenho de revivescência do ano II, é grande o temor de que se abra a porta parareivindicações políticas e sociais. Apesar de minoritárias,22 as ideias republicanas podem ganhar osfavores da maioria. Nos campos do Jura, por exemplo, a ressurreição da República é surdamenteanunciadacomonecessidade.“Essasfalasnãodeixamdeexercerinfluêncianaopiniãopública”,observaoprefeito,“ehácomunidadesondeseouviramgritosde‘VivaaRepública!’.Fala-sedevoltaraplantarasárvoresdaliberdade!”23

OsrepublicanosinvocamoargumentodeumavoltaaoanoIIporcausadaarrogânciaedaspretensõesmanifestadas,duranteaRestauração,pelosantigosnobres.Elesnemsequerhaviamsedadoaotrabalhode“dissimularsuaexpectativadevoltarimediatamenteadesfrutardeseusdireitossenhoriaisedealtaemédiajustiça,bparagarantirsuavingançacontraosqueadquiriramdomíniosnacionais”.Oscamponeses,“emborasuaignorânciacontinueaseroqueerahaviadoisséculosemtodaaFrança”,ficaramalarmadose reclamaram ao ouvir “pronunciar a palavra dízimo, direito que lhes parece novo, seja porque otranscursode25anosapagouessenomedesuamemória,sejaporquesemprelhesfoiestranho”.Homensmaisoumenosinstruídoseinspiradosporideaisliberaisaproveitamhojeparainsuflar“aquelesquenão

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passamdealunosdanatureza”.Tendoinvestigado,oprefeitoestáconvencidodequesãomovidospelaesperançadeumgovernorepublicano.24

OprefeitodePuy-de-Dômeconstataque,desdeavoltadeNapoleão,osproprietáriossãoameaçadospessoalmenteeemseusbenspeloscamponesesmaispobres.Osgritosde“Vivaoimperador!”juntam-seagoraaosde“VivaaRepública!Abaixoosburgueses,ospadrecoseosnobres!”.25

Circulaumpanfletoanônimo intituladoAcanalha.Nele, acanalha,ou seja,opovo trabalhador, seopõeàaristocraciahereditáriaederiqueza,“aosgrandes,aosricos,aosnobres,ociosos,orgulhososeegoístas”.Osentidodahonra,oamoràpátria,obomsenso,acoragemeosensodaverdadeedabelezaestão “no povo, nos pobres, nos homens ativos e laboriosos, naquele que se costumava chamar deTerceiroEstado”.

Desdeofimdomêsdemarçoconstata-senointeriordodepartamentodeMeurtheumentusiasmoquenão esmorece com o tempo. Ele é explicado, escreve o prefeito, pelo “despotismo sacerdotal e asarrogantesvexaçõesqueanobreza impôsaopovoduranteaRestauração”.Omovimentoquesacodeopovotem“umatendênciaparaademocraciaquerequercertaatenção”.

“Canta-se a ‘Marselhesa’ e gritos de ‘Viva a nação!’ com frequência percutem meus ouvidos”,acrescentaele.“Decertodevemosnoseximirdeconteresseentusiasmo,massemesquecerquenossasinstituiçõessãoessencialmentemonárquicas.Aomesmotempofazendo-lheconcessõesadequadas,cabeassumirseucomandoedirecioná-loparaomaior,omaisprementedetodososinteresses,odadefesadoEstado.”26

Davout,queconheceuaameaçasocialdos“partilhantes”,ospartidáriosdapartilhadepropriedadesebens,temconsciênciadequenãosepodempôrarmasnasmãosdetodossemgerarriscosàpazsocial.Até agora, o próprio imperador recusou-se a promover excessiva distribuição de fuzis à populaçãooperáriadeParis.Seascircunstânciasexigemorecrutamentoemmassa,seránecessáriocuidarparaquesejabem-organizadoedisciplinado.

Aceitará o povo esse recrutamento com o entusiasmo que dão a entender os jacobinos? É o quepensamDavouteCarnot.AarregimentaçãodosconscritosedaGuardaNacionalMóveldeuprovadissoemabrilde1815.Empoucassemanas,oimperadorreuniu122milconscritose150milguardas,estesrecrutadosentresolteirosde21aquarentaanos.27

Aemoçãopatriótica

Indiscutivelmente, da primavera ao início do verão de 1815, uma emoção patriótica semanifesta nosdepartamentospróximosdasfronteiras.EmAisne,Ain,Haute-Saône,Marne,Haut-Rhin,MeuseeVosges,osprefeitosredigemrelatóriostriunfalistassobreorecrutamentodeguardasnacionaisqueàsvezessaememcampodecamisa,tamancosoudescalços.Vinteecincomilmilitaresreformadosdepoisde24anosde serviço se oferecempara formar batalhões a fimdedefender as fortalezas.Quinzemil voluntáriosentram para a Guarda Jovem ou o Exército regular. Colegiais de dezesseis anos se organizam emcompanhias de artilharia; outros adolescentes contribuem para a criação de companhias francas:batedoresmontadosdaCôte-d’Or, franco-atiradoresdeMâcon, infantesdeHaute-Saône,caçadoresdeLandesefranco-atiradoresdeMeurtheeMoselle.Suaintençãoéinfundirmedonoinimigo,masàsvezesprovocampâniconapopulação.OscorposfrancosdocoronelViriotcarregamumabandeiranegracomacaveiraeainscrição:“OTerrornosantecede.Amortenossegue.”28

Os homens que não podem partir ajudam na construção das fortificações ou fazem oferendaspatrióticas. Os adquirentes de bens nacionais de Puy-de-Dôme, por exemplo, fornecem cavalosajaezados.Uma“Cornélia”parisienseenviacemfrancos,produtodavendadesuasjoias.Pelaprimeira

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vez,escreveela,“lamenteinãodispordeoutrosornamentossenãoosdemeusfilhos”.29OministrodaGuerratemaíaconvicçãodequeNapoleão,voltandoaserporalgumtempoditadorde

salvação pública, arrastará consigo todo um povo. Davout, em sua vontade de defender a França aqualquerpreço,esquecequenemtodososfrancesesestãodispostosacombater.

Abandeiradarecusa

OministrodaGuerrapodesecongratularpelamobilizaçãodasguardasmóveis,masoquadropintadoporseusagentes indicaqueelaenfrentaamávontadedoshabitantesdeAriège,Gard,Côtes-du-Nord,Haute-Loire, Vienne e Oise, para citar apenas alguns exemplos. Muitos batalhões existem apenas nopapel,eosadministradoresadvertemque“sóseconseguiráalgumacoisapormeioscoercitivos”.Poroutro lado, generais comoBoyer queixam-se de que os homens que se apresentam são “magricelas efracos”.30

Contraadeserção,comoreconheceopróprioDavout,sãonecessáriosmeiosrepressivos.31Aderrotade1814aumentouaindamaisaaversãodosfrancesespeloserviçoarmado.OprefeitodeCorrèze,porexemplo, escreve que a população de seu departamento sempre evidenciou repugnância ao serviçomilitar, e que a ideia de uma guerra empreendida sob maus auspícios fortalece ainda mais essaconvicção.32

Asautoridades locaisdispõemapenasdeforçasreduzidasparaenfrentarosbandosdedesertoreseinsubmissos.33Paraimpedirsuaformação,soldadosgarnisairessãoenviadosàresidênciadasfamíliasdosinsubmissos,ondeficamvivendoàsuacustaeprovocandoanimosidadegeral.Apopulaçãoseune,posicionando-seaoladodosinsubmissoseajudando-osacombaterascolunasmóveisencarregadasdepersegui-los.EmDrôme,porexemplo,guardasnacionaisemilitaresconvocadosrecusam-seapartirem31 demaio e se juntam para atacar os gendarmes despachados contra eles.34 Em Lozère, o prefeito,desesperado,escreveem13dejunhoaoministro,informandoqueumgrupodetrezentosrefratáriosquedesceramdamontanhaestáatacandoossoldados.35

Osconvocadossãodesviadosdeseudever“porcomentáriosalarmantes”,e“asmulheresdocampoéquesãomobilizadas,sobretudoparamantê-losemcasa”.36EmCantal,osmal-intencionados trabalhamativamente para envenenar o espírito público e neutralizam a convocação às armas endereçada àjuventude.Atuamnasombra,sendoimpossívelapanhá-losemflagranteeentregá-losàjustiça.37Emtodaparte os padres e os nobres são acusados de convencer os antigos militares convocados e os novosconscritosaseesconder.

OprefeitodeIndreescrevea20demaioaoministrodoInterior:“OspartidáriosdosBourboninsuflamoshabitantesdocampoasesublevarcontraaquelequelhestira

seusfilhos,seusmaridos,seuspais,eaomesmotempoosexortamasearmarpeloreilegítimo,quelhesdevolveraapazinternaeaprosperidade.EspalhamqueoreitomouLille,quetodooExércitoestácomele,queoimperadorsópodeagoraconvocarosguardasnacionais(queserecusamapartir),queoreiestávoltandoparaaFrançacom112milaliados.38

NoHaute-Loire,ogeneralParolettidenuncia,a10dejunho,asenhoraMontvioldeSaint-Bonnet.EladistribuíaojornalrealistaLeLysaossoldados,prometendotrintatostõesacadaumsevoltasseparaacasadesuafamíliaeservissea“seubomrei”nastropasquelogoseriamrecrutadasemseunome.39

Nas províncias ocidentais, na Guyenne e na Gasconha, no Languedoc e no Midi provençal, ainsubmissão, como em casos anteriores, reflete a rejeição do Estado centralizador como um todo.Tambéméexplicadapelaboadisseminaçãodosagentesrealistas,quedesviamosjovensdasbandeirasdeNapoleão.

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Por toda parte os realistas aproveitam o profundo cansaço da guerra para desencaminhar osconscritos.OsfrancesesaplaudiramavoltadeNapoleão.Eleprometeu-lhesmanterapaz,entendendo-secomosogro,oimperadordaÁustria,etalvezatécomaInglaterra.Masapromessanãofoicumprida.Declaradaaguerra,osfrancesesnãoqueremsaberdopossíveloudospossíveisresponsáveis.Chegadeguerra!Mais pão emenos glória! A partida dos filhos e dos parentes próximos condena a terra doscamponesesàmorte,aoficinadoartesãoaofechamento.Hádécadasospaisenterramseusfilhos.Issonãopodeseraordemnaturaldascoisas.

Certos prefeitos, preocupados com essa questão, advertem: a revolta dos concidadãos sob suaresponsabilidade,diantedeumalutaqueosmobilizahámaisdevinteanos,podelevá-losaumarejeiçãodoregime.40 Seria geral a ameaça?A correspondência que se amontoa na escrivaninha deCarnot, noMinistériodoInterior,permiteavaliá-lo.

aChouans:insurgentesrealistasqueseopunhamaosrepublicanosnaguerracivilconhecidacomoChouannerie,ocorridaduranteaRevoluçãoFrancesaeenvolvendoosterritóriosdonortedoLoire,aBretanha,oMaine,aNormandiaeonortedeAnjou.(N.T.)bDireitodealtaemédiajustiça:nosistemajurídicosenhorialfrancês,osenhoreraoárbitroemtrêsinstâncias:asjustiçasalta,médiaebaixa,segmentadasdeacordocomascausasapreciadas;aRevoluçãoaboliuessesistema,instaurandoajustiçadepaz.(N.T.)

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6.Desencanto

MINISTÉRIODOINTERIOR,21DEJUNHO,MANHÃ

“Poisagoraquegritem‘VivaNapoleão’!”

Antes de partir para o Eliseu, Carnot tomou conhecimento das informações fornecidas por prefeitos,magistrados e generais no comando das divisões militares. Há mais de um mês o clima na opiniãopúblicanãoparadesedegradar.Nasprovínciasfiéisaoregime,comotambémnasquesemprelheforamhostis,oshabitantesparecemesperar ahoradaverdade: aderrota conduziráunsà rebeliãoedeixaráoutrosapáticos.1Osrelatóriosquestionamaguerra,natentativadeexplicarodesencantocomoregime.Em toda parte há queixas contra um conflito prejudicial aos empreendimentos agrícolas, comerciais eindustriaisjáfragilizadospelacrisede1811.Nonorte,inicialmenteemLille,asmanufaturasparamumasapósoutras.As fábricasde tecidos levesdealgodão funcionavamaplenovapor.Desdeo reiníciodaguerra, as encomendas começam a escassear, especialmente no sul da França, onde a guerra civilrecomeçou. Insatisfação dos patrões, queixas dos operários: seus salários estão diminuindo. OshabitantesdeLille,emespecialapopulaçãomaishumilde,fazemvotosdequeNapoleãosejaderrotado.Na verdade, uma vitória significaria um deslocamento mais ao norte da fronteira. Acontece que ocontrabandocomaBélgicarepresenta,paragrandenúmerodehabitantesdessacidadesetentrional,umganha-pãoouumcomplementodesalário.2

EmDunquerque,marinheiroseoperáriosdoportonãoencontrampalavrassuficientementedurasparacriticaroimperador.Consideram-noresponsávelpelodesempregoqueosdeixanoolhodarua.EdefatooconflitocomaGrã-BretanhaimpedeapescadobacalhauemDoggerBank.3

EmRouenenoHavre,comoosnegócioscomaInglaterrasetornaramimpossíveis,oscomerciantesexpressamsuahostilidadeaoimperadorincitandoseusfilhosafazerasdeclaraçõesmaisinjuriosasnoscabarés,difundindoasnotíciasmais tendenciosas.Osoperáriosdesocupadosouvem-nasepassam-nasadiante.EmLaRochelle,oscomerciantestemempelasremessasquechegamdomar.

EmLyon,osfabricantesdeseda,prevendoosefeitosnefastosdaguerraemsuaindústria,deixamosoperários sem trabalho. Zombeteiros, perguntam: “E agora, não vão gritar, como emmarço, ‘Viva oimperador’?”4

NaGironda,oprefeitoinformaqueocomércioestá“gangrenado”,detalmaneiraosnegociantesdeBordéustememqueosbarcosporelesarmadoscaiamnasmãosdosingleses.Aindignaçãoaumentaentreosvinhateirosecomerciantesdevinho.Noanoanterior,osinglesescompravamvinhoaumbompreço,agoraésómarasmo!TodososnotáveisaderemàcausadosBourboneesperamembreveachegadadaduquesadeAngoulême,filhadeLuísXVI.

Emtodoosudoeste,osinglesesnãosãomaistemidos.Muitopelocontrário.ComoconstataoprefeitodeLandes,apopulaçãonãotemespecialreceiodasconsequênciasdeumainvasão,poisnoanoanteriorosingleseserammaiscomerciantesquesoldados.Comobonsnegociantes,pagaramtodososgênerosemespécie.5Osbascos,muitoapegadosasuasmontanhas,considerando-assuaúnicapátria,lembram-sedequeem1814ossoldados ingleseshaviamsecomportadomuitobem,aopassoqueas tropasfrancesaspilhavamqualqueraldeiaencontradanocaminho.6OdelegadoextraordinárioBoissyd’Anglas conclui

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entãoqueumataqueinglêsnafronteiradosPirineusseriaseguidodeumasublevaçãoqueseampliariamuitoalémdoimaginado.7

EmMarselhaeemtodaaProvença,aqueixaéterficadoinutilizadaacolheitadevinho.Comonãoémais possível transportar as barricas por mar, negociantes, carpinteiros, calafates e carregadoresreclamamdeumregimequeosobrigaaprivarsuasfamíliasdonecessário.8AGuardaurbanaestácomosBourbon.Atensãonacidadeéde talordemqueomarechalBruneéobrigadoadeclararestadodesítionofimdomêsdemaio.

Umpatriotismoacabrunhado

No Haut-Rhin, tradicionalmente fiel a Napoleão, o prefeito avisou, um mês antes de Waterloo: oscidadãossobsuagestãoestãoprontosparadefenderapátria,masmudarãodeatitudecaso“seafasteaesperançadeseverchegaraofimossacrifíciossuportadospelopovo”.9A3dejunhooprefeitoreiterasuaadvertência:

“Oestadode incerteza e ansiedadeque seprolongahá tanto tempo, somado aos enormes encargossuportados pelo país, favorece asmanobrasmal-intencionadas.…O espírito público, eu não poderiadissimulá-lo, meu senhor, declina em rápida progressão; há dez dias eu noto um desalento e umarepugnância que inevitavelmente haverão de gerar empouco tempo essamesma resistência da inérciacontraaqualaautoridadeemvãoenvidaesforços.”10

Doubséoutrodepartamentonoqual,entremarçoe junho,oespíritopúblicopassadoentusiasmoàpassividade, para em seguida resvalar para a oposição. A 30 de março, o prefeito registra que adisposiçãodoshabitantesemrelaçãoaoregimeéboanocampo,medíocrenascidadescompopulaçãodenobres.Diasdepois,eledeclaraqueapesardissoconseguirá“tornarqueridaoupelomenosestimadaerespeitadaemtodaparteapaternaldoçuradogoverno”.Em5deabril,notaumamudançanoestadodeespíritodoscamponeses:elesresistem“àsrequisiçõesdestinadasaabastecerapraça-forte, tantomaisque as requisições anteriores não foram pagas”. A 18 de abril, o prefeito, embaraçado, qualifica oespíritopúblicode“bom,masmorno”!

O representante extraordinário Dumolard confessa francamente que, no departamento de Doubs, opatriotismo e a consciência do cidadão não estão “comprimidos, mas acabrunhados, aniquilados”.Persistemgermesdebomsentimento,mas“todossepoupam,sereceiam,trememàideiadecontrariaraspreferências,osinteresses,otratodequalquerindivíduoconsideradopoderoso”.11Dessemodo,concluiDumolard,éprecisorecorrerauma“santaviolência”paraconseguiroquedeterminaopatriotismo.

Oprefeito acaba reconhecendoque tambémestá cadavezmaispreocupadocomaatitudedos seuscidadãos,maisprecisamentedosnotáveisdeBesançon.Aindaontemelessedeclaravamfelizescomareinstauração do Império, hoje estão dispostos a seguir os realistas. Os habitantes dos subúrbios,temendo que as casas próximas às fortificação sejam arrasadas, seguem o mesmo caminho. Nasmontanhas adjacentes, os camponeses revelam-se adversários virulentos do regime, rejeitando asrequisições e o recrutamento da Guarda Nacional. Nos vales, os vinhateiros queixam-se das vendasinsuficientesdevinho.Oprefeitoavisaaoministro,emmaio,queoressentimentodoshabitantesdeseudepartamentogeraumageneralizadadesorganização.12

Oinsultoaosprincípiosde1789

Àsqueixasgeradasemtodososmeiospelosefeitoseconômicosdaguerranosempreendimentosjuntam-se as reclamações políticas.Enem todas são inspiradas pelos realistas.Carnot aindaguarda em seus

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arquivosacartadeumantigoconvencionalcomoele:Laporte,queseretirouparaaprovíncia,pedia-lheque rogasse a Napoleão ouvir “a voz dos veteranos da Revolução” reclamando uma Constituiçãorealmenteliberal.13OnotávellogoficariadecepcionadocomoconteúdodoAtoAdicional.

Aimprensa,agoralivre,reproduzosprotestosdosburguesesque,àimagemdeLaporte,professamoliberalismo.EsquadrinhandooAtoAdicional,LeCenseur, por exemplo, enumera os dispositivos quepermitem ao imperadormanter-se todo-poderoso e voltar a ser, se quiser, um déspota. O panfletárioMayeux afirma que “um soberano que se dá ao direito de aniquilar com uma só palavra o únicoorganismodoEstado[aCâmaradosRepresentantes]capazdeconteroseupodernãopodereinarsobreumpovolivre”.14

Aosolhosdosliberaisedosrepublicanos,oAtoAdicionaléum“insultoaoprincípiodeigualdade”.Segundoeles,todoopovotemodireitodecontribuirpara“aelaboraçãodasleisatravésdemandatárioseleitos”.15 Acontece queNapoleão reservou esse direito a umaminoria de ricos, “raramente osmaisesclarecidos de sua terra, quase sempre osmenos patrióticos. Infelizmente o tempo haverá de provarmuitoembrevequeosquepagammaisimpostosnãosãoosfrancesesgenuínos!”16

Emnome dos pobres que constituem o “QuartoEstado”, como se dizia em 1789, certos jacobinosafirmam que o homem que dispõe apenas de sua força de trabalho tem o mesmo direito de elegerdeputadosqueoproprietáriodeumimensoterritório.Poisnãocompartilhamosdoisomesmointeressemoralquevinculaoshomensàsuapátria?17

A existência de uma aristocracia de pares que zomba da igualdade também provoca comentáriosbeligerantes.Ahereditariedadeeonúmeroilimitadodepares,escreveoprefeitodeLoireaCarnot,“sãoemgeralreprovadospelaopiniãopública,queenxergaaíorestabelecimentodeumanobrezaodiosa”.18

Num panfleto, o cidadão Ponsard critica o imperador: “O senhor quer uma desigualdade que nãopodemossuportar!Filhosprediletos!Nobrezaepopulacho,patrícioseplebeus!Raçashereditáriasporprivilégio.Sucessoresperpétuosdosmaiorescargos,dasmaisimportantesposiçõesdoEstado!”19

ÀsvésperasdeWaterloo,sejadecorrênciadeumaopçãopolítica,sejatraduçãodacriseeconômicaprovocadapelaguerranomundodotrabalho,adesilusãocomoregimeparececompartilhadaportodososfranceses.Sua“resposta”aoplebiscitosobreoAtoAdicionalàsConstituiçõesdoImpérioémaisumaprovadisso.

Em1ºdejunhoosresultadosforamproclamados:1milhãoe500milfrancesesaceitaramoAto,5.700o rejeitaram.Masaabstençãoalcançou índices inéditos, eopoderdessaveznãopôdeadulterá-los.20Dos 7,5 milhões de eleitores existentes nas novas fronteiras da França, 6 milhões (79%) nãoparticiparamdaconsulta.

Éverdadequeos realistasameaçaram“oscréduloshabitantesdocampo”, levando-osacrerqueainscriçãonalistadevotanteslhesvaleriaaproscrição,depoisdavoltadorei.21Masessaspressõesnãoexplicamsozinhasoconsiderávelnúmerodecidadãosquederamascostasàsurnas.Aabstençãoafetaigualmente os notáveis e os camponeses ou operários. Na regiãoOeste, grande número de burguesesliberais,emboranaorigemdomovimentofederalista,votou“não”ouseabsteve.

Napoleão também perdeu grande parte da adesão expressa pelo povo mais humilde quando eleretornaradailhadeElba.NumdepartamentocomooIsère,porexemplo,asautoridadesesperavam60mila80mil“sim”,masoAtoobteveapenas28mil.EmParis,osoperáriosdesprezaramosregistrosabertospara receber seusvotos:dos20mil “sim”, apenas2mil foramexpressospelos trabalhadoresbraçais.Emmenosdedoismeses,umaparteconsideráveldoeleitoradopotencialdeNapoleãodeu-lheascostas.22

Quasesempreinerte,aadministraçãonadafezparalutarcontraocansaçodapopulação,paraopor-seaodeclíniodoespíritopúblicoeinculcarnoscidadãosoespíritodedefesa.

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Avalsadosprefeitos

Já em 20 de março, os generais e notáveis bonapartistas exigiram ruidosamente o expurgo dasadministrações locais.Masanomeaçãode87prefeitoseváriascentenasdesubprefeitos,prefeitosdegrandes cidades e conselheiros-gerais requer tempo. Para não emperrar a máquina administrativa,Napoleãoagiuaospoucos,nomeandodeinícioosprefeitos,cercadequinzediasdepoisdevoltardailhadeElba – prazo bem longo para funcionários cujo trabalho fica suspenso à espera da chegada de umchefe,mas lapso de tempo curto demais para um poder que precisa conhecer a posição política doscandidatosesecertificardeseutalento.

As nomeações de subprefeitos, prefeitos de cidades commais de 5mil habitantes e conselheiros-gerais sofrem o mesmo atraso. Para nomeá-los, os representantes extraordinários enviados peloministro23 cercam-se de prefeitos, generais de divisão e notáveis bonapartistas, muitas vezes oficiaisreformados.Suasreuniõessãonumerosase longas,eosresultados tão tardiosquecertaspropostasdenomeaçãosósãosubmetidasàassinaturadeCarnotdoisdiasdepoisdeWaterloo!24Ébemverdadequemuitos administradores não esperam a nomeação oficial para ocupar o cargo, mas seria possíveldemonstrarozelonecessárioeaautoridadedesejadaquandoafunçãoéexercidasemotítulo?

Emsuamaioria,osprefeitossãohomensqualificadosezelosos.“Elescompetemnadedicaçãoenoesclarecimento”,25escreveocomissárioextraordinárioDumolard.Osaltosfuncionáriosnãohesitamemempreender longas viagens para explicar aos cidadãos as novas instituições, que, segundo um deles,oferecem“todososrecursosdeaperfeiçoamentoereformaquepoderiamserconsideradosnecessáriospeloscritériosdaexperiênciaedascircunstâncias”.26

Apesardaboavontade,contudo,certosprefeitosseconfessam“pordemaisestranhosàregião”queadministram para levar a cabo suamissão.27 Outros, como Fauchet naGironda, Lameth em Somme eBusche emDeux-Sèvres, caem sob forte suspeita de ajudar seus amigos realistas.28 É verdade que opodernomeoumajoritariamentenovoshomensparaasprefeituras,mastambémconservoucercadevinte.

Busche,porexemplo,mantidonocargo,nãoseempenhaem“saudaroretornodoimperador,manipulaodelegadoextraordinárioe impedeosoutroscidadãosde seencontrarcomoemissáriodogoverno”.Busche se faz de surdo às instruçõesministeriais, nummomento emque aVendeia se agita. “NomeiaamigosparacargosdechefiadaGuardaNacional e fechaosolhosàchegada,não longedeNiort,deLaroche-Jacquelin, que vem fazer um levantamento para a causa e, com o dinheiro recebido, compraarmas.”Oprefeitotambémfreiaorecrutamentodefederados,encheoescritóriodestescomseushomenseos transformanumaforçasupletivadaGuardaNacional,queporsuavezéabandonadapelamaioriadoscidadãos.29

Os prefeitos demitidos mantêm “sua infeliz influência e arrojam uma parte da população numalamentávelguerracivilquenãopodesersufocadanaorigemporabsolutacarênciadeforças”.30A18dejunho,diadabatalhadeWaterloo,umcidadãoperguntaaCarnot:ogovernoquersemanteroupretendeentregarasrédeasdoEstadoaLuísXVIII?PorqueaadministraçãocontinuanasmãosdosagentesdosBourbon?31

Emcertosdepartamentos,oscidadãosassistemauma“valsadosprefeitos”.EmAude,porexemplo,osaltosfuncionáriossesucedememtalritmoqueosagentessubalternoschegamaficartontos.32EmLot-et-Garonne,osprefeitosmalassumemocargoejáodeixam,amedrontadoscomasnumerosasameaçasdemorte.33EmGers,ondesedãoconstantesmudançasdeprefeitos,omaisrecentenãoconsegue“tiraraadministraçãodo torpor acarretado invariavelmente pelas administrações provisórias, as interinidadesprolongadasousucessivas”.34

Essaconstantemudançadeprefeitosgeraumvaziodeautoridade.Montauban,porexemplo,sededaprefeituradeTarn-et-Garonne,em3dejunhonãodispõedeprefeitonemdemaire.aOsr.Saunierdeixou

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a prefeitura para se integrar à de Aube quando a administração começava a funcionar bem. Seuafastamentoresultouemtotalparalisação.Osr.deRambuteau,quedeveriasubstituí-lo,foinomeadopelaCâmara dos Representantes simultaneamente ao sr. Bessières,maire de Montauban. A interinidade éexercidaporumConselhodaPrefeiturasemvigoreporadjuntosquelogorenunciam,detalmaneiraénulaaaçãogovernamental.

Omarechal de campoBarrié, comandantemilitar do departamento, é a única autoridade que resta.Claroqueooficial superior temasmelhores intenções, e seu zelonãodeixamargemadúvidas,mas,obrigadoacuidardetudo,eleseassustacomtarefatãoárduanumaregiãodominadapelosrealistas.NemelenemoConselhodaPrefeiturasãocapazesdedizeraquantasandaaarregimentaçãodedoisbatalhõesdeelitedaGuardaNacional.Poroutrolado,emboramaisdemilsoldadosdoExércitoregularestejamemcondiçõesdechegaràsfronteiras,somenteumacentenadelesrealmentepartiu.Osoutrosficaramnoquartel,esperandoordens.

Ossubprefeitos,porsuavez,comfrequênciasãojovenseinstáveisdemais,comoreconheceCarnotàleitura das listas apresentadas por Roederer, representante extraordinário na 7ª Divisão Militar.35Carecemdecompetência,emrazãodotemperamentooudaidade.OsubprefeitodoarrondissementdeBressuire, por exemplo, é um jovem inexperiente que não conhece a área sob sua administração. Omarechaldecampopergunta:“Quebempodeelefazer?”36

OutroexemplodadesorganizaçãoadministrativaéanomeaçãocomosubprefeitaemSoissonsdecertasrta.Delauge,quecausaespécieaoprefeitodeAisne.Comofoipossíveltalcoisanumasociedadeemque a mulher só é considerada boa para procriar e cuidar da casa? Ele não saberia responder, maslamenta, pois certamente se trata de “uma senhorita muito bem-educada, mas não deixa de ser umasenhorita!”37

Sobreosnovos funcionários tambémrecaiàsvezesasuspeitadeestarempredispostosà traição:osubprefeito de Annecy, por exemplo, é grande adquirente de bens nacionais e ganhou somasconsideráveiscomocomérciodearmasemunições.“Certaspessoasnaregiãoaparentementetememqueo desejo de conservar as próprias terras e obter algum apoio do governo piemontês, caso a sorte semostrefavorável,venhaaimpedi-lodeserviraogovernofrancêscomtodooempenhodesejável.”Suafortuna permitiu-lhe fazer a paz com o partido nobre da região, que, segundo se diz, o levara a umadeputação.38

OsubprefeitodeSenlis recusa-seaassinaradeclaraçãode fidelidadeao imperadorenviadapeloshabitantes. O de Lisieux manda retirar a bandeira tricolor do campanário da igreja, “por receio deprovocar distúrbios”, e o de Nogent-le-Rotrou manda afixar uma proclamação de Luís XVIII sob opórticodeumaigreja.39

Mas também há muitos subprefeitos que, fiéis ao imperador, tentam cumprir bem sua função nummomentoemqueseacumulamproblemas.Assim,emGard,agitadopela rebelião realista,o sr.Pierremantém a calma e faz seu trabalho damelhormaneira possível, chegandomesmo a suscitar estima econfiançaemalgunsdeseusadministrados.Osr.Serres,delongadatasubprefeitodoarrondissementdeAllais,é funcionáriohonestoemeticulosoemsuasfunções.Dedicadoao imperador, foiperseguidonavoltadosBourbon.Constantementeameaçadodeperderocargo,“fezapenasoquenãopodiadeixardefazer”.40

Umaadministraçãoassoberbadadetarefasemecanismosdesarticulados

Os prefeitos e subprefeitos tentam abrir caminho num mar de obrigações, nem todas de primeiranecessidade. O prefeito de Haute-Vienne não aguenta mais perder seu tempo resolvendo problemassecundários.Escreveaoministroesedeixalevarporumimpulsodeindignação:

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“Nascircunstânciasemquenosencontramos,quandotodooempenhodaadministraçãosevoltaparaacriação de recursos morais, físicos e pecuniários destinados a garantir a vitória da causa nacional,quando devemos solicitar sacrifícios de todo tipo aos administrados e lutar constantemente contra aopinião, o descuido e amá-fé, aomesmo tempo tratando demobilizar batalhões, além de vesti-los eequipá-los,emboranos faltem todososelementosdeorganização,equando,enfim,osmecanismosdaadministração estão desarticulados e é necessário buscar semdescanso devolver-lhes a atividade queperderamatravésdeumarenovaçãoinesperadae,ousodizer,sobmuitosaspectosintempestiva,nãoseriadeesperarquecadaministroselimitasseaexigirapenasdasadministraçõeslocaisaquelastarefasquetenhamcomoobjetocuidardesse importanteobjetivo?Eunãosaberiadissimularque,deminhaparte,minhasforçasfísicasemorais,assimcomoasdemeusdiversoscolaboradores,nãosãomaissuficientesparaocumprimentodasinúmerastarefasdequenossobrecarregamosacadacorrespondência.”41

OsprefeitosesubprefeitosdevemajudarnaeleiçãodosmaireseCâmarasMunicipaisnoscasosemqueapopulaçãoéinferiora5milhabitantes.Aoperaçãoordenadapelodecretode20deabril,segundoosprefeitos,éocúmulodadesorganizaçãoadministrativa.42

Seas administraçõesdepartamentais estão cheiasdepessoas incapazespara as funçõesquedevemcumprir, pior ainda é a situação nas municipalidades pequenas ou médias. Ao lado de bonsadministradores, quantos jovens travestidos demaires para fugir à conscrição, quantos aventureirostrazendonopeitoumafaixaantesobtidapelademagogiaquepelotalento,quantosbêbadosseminstruçãonemcivismo!Porém,osquemais“desarticulam”osmecanismosdaadministraçãosão,comosempre,osrealistas.

Asfornadasdemairesrealistas

EmMoselle,apopulaçãovotacominteresse,masnemsempresegue“adireçãoadequada”.Osantigosnobres tentam seduzi-la falando de pátria, ou se certificam de sua boa vontade “com empréstimos dedinheiroouserviçosoportunos”.Osqueseopõemaoimperadorsão“mantidosnafunção”.Teme-seque,“se houver uma invasão, em vez de estimular o calor popular, eles tentem reprimi-lo”. Quando oscidadãos“clarividentes”tentam“chamaraatençãodoscamponesesparataisescolhas”,nãodemonstram“aconsistêncianecessáriaparasefazervaler,eseuzelolhescausainconvenientes”.43

Quando percebem que os sufrágios dos camponeses podem escapar-lhes, os realistas se valem desubterfúgios. Em Nièvre, por exemplo, adiam as eleições de domingo para segunda-feira, com acumplicidadedoprefeitoedosecretáriodeprefeitura,“paraqueoscamponesesocupadosna lavouranãoparticipem”.OsnobresouantigosémigrésquetomaramadianteiradasCâmarasMunicipaisfreiamorecrutamentoepermitemqueosjornaisrealistas,comooLeLys,sejamdistribuídosimpunemente!44

Osnobresausentesdesuascomunasfazemcomqueseusdomésticossejameleitosemseulugar.Osaristocratas“quetudofizerampararestabeleceroregimefeudal”impedemaaplicaçãodeleiscontráriasaosseusinteresses,paralisandoassimoentusiasmopopular.45

AsituaçãoétãogravenosudoestequeodelegadoextraordinárioBoissyd’Anglassejulganodeverdelembraraosmairesque,emborasejamnomeadospelopovo,nemporissodeixamdeseragentesdogoverno, e por isso estão obrigados a obedecer aos prefeitos e ao imperador. O comissário ameaçasuspendê-los,senecessário,atéaspróximaseleições.46

Aameaçadedestituiçãodemodoalgumabalaosrealistas,detalmaneiraestãocertosdesereeleger.NacomunadeLicque,porexemplo,emPas-de-Calais,“anomeaçãodomaireseefetuoudamaneiramaisilegaleescandalosa;umcabaré foiabertoaosvotantes,quecaminhavamantecedidosdemúsicaeaosgritosde‘Vivaorei!’.Nofimdascontas,abandeiratricolorfoiretiradadocampanáriodaigreja,eo

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antigomairefoireeleito.”47Asassembleiaseleitoraisàsvezesacabamemrebelião.EmváriascomunasdoJura,nobres,padrese

partidários dos Bourbon, aproveitando-se da oportunidade de tomar o poder, distribuem dinheiro epanfletoseseprodigalizamnasmaisdiversasformasdeseduçãoafimdeorientaraescolhaparahomensdedicadosàcausareal.Umavezreunidasasassembleiaseleitorais,osrealistasprovocamtumulto.Sóaintervençãodoprefeitoedosgendarmesimpedeoderramamentodesanguenascomunasmaisexaltadas.“De todaparte”, escreveo funcionário, “recebo reclamações; se estiveremexatas as informações quepudecolher,amaioriadaseleiçõesrealizadaséirregulareimprestável.”48

Assim,“osmesmoshomensmantêmamesmainfluênciae,comseudespotismointervindodamesmaforma que no passado”, conseguem neutralizar as medidas tomadas pelo governo. Os maires esecretários,cercadosdeconselheirosfiéis,agemcomobementendemenãoprestamcontasdeespéciealgumaaseusadministrados.49

Seráqueporacasoumaadministraçãonãorarodesprovidadepessoalcompetente,àsvezesprivadadearquivospelosfuncionáriosdoregimeanterior,assoberbadadetarefasmúltiplas,minadapelatraiçãoe há trêsmeses em dificuldade para se pôr emmovimento poderia proceder em algumas semanas aorecrutamentode800milhomensdesejadoporNapoleão?

Falta-lhe a força coerciva do governo revolucionário. E o patriotismo da França no ano IIdesapareceu.ParaFantindesOdoards,opatriotismo refugiou-senocampo,e“esse fogosagradoque,paraseudesespero,aindaardenumpequenonúmerodesoldadosapagou-seemtodososoutroscorações.Estamosprontosparaaescravidão.”50AntesmesmodeWaterloo,omilitar,desencantado,previuavoltadosBourbon.

PoisosrealistasnãoselimitamaseapoderardasCâmarasMunicipais.Nosdepartamentosondeestãobemimplantados,suapropagandaminapelaraizopoucoespíritodedefesaqueaindarestanaFrança.Osseguidores fiéisdosBourbon tramam inclusiveoassassinatodo“usurpadorcorso”porelesexecrado.NãoéacoroaqueNapoleãosearriscaaperder,masavida.

aMaire:àfrentedeumamairie,éoprefeitonaacepçãomodernadegestorurbano;nocasofrancês,eleéopresidentedoConselhooudaCâmaraMunicipal.Manteve-seaquiotermoemfrancêsparaestabelecerumadiferençaemrelaçãoaoprefeitodaeranapoleônica–vernotadap.8.(N.T.)

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7.“GuilhotinaparaNapoleão!”

GABINETEDEDESMAREST,CHEFEDAPOLÍCIASECRETA,21DEJUNHO,MANHÃ

Osr.Lespinasseeasra.Penard,agentesrealistas

Aos51anos,Pierre-MarieDesmarestéconsideradoporalguns“umhomemdaordem,defirmeinteirezaeregularidadesensatae laboriosa”;évistoporoutroscomo“umhomemestranhoaqualquercortesia,cheiodeastúciaeinteligência,quenãosemostraavessoaqualquertraição,sabendodespertarsuspeitasealimentar temores”.1Mas todossãounânimesemreconhecero talentoqueeleevidenciaraaodirigirdurante quinze anos o Departamento de Polícia Geral encarregado da polícia secreta. Fouchéacompanharasuaatuaçãoquandoeraadministradormilitareotornoucolaboradorseu.Oministropassoupornãorarosperíodosdedesgraça,masDesmarestmanteve-senocargocontratudoecontratodos.

Como faz todos os dias, na manhã de 21 de junho de 1815, Desmarest examina os relatórios deatividadedosseusagentes.Asinformaçõesdizemrespeitoaosfuncionáriossobsuspeitadeagirafavordorei.DesmarestencontraentreelesosnomesdeDavid,empregadonoMinistériodaGuerra,Magnan,comissáriodepolícia,Rabillon,empregadodeescritórionaprefeituradeSeine,Rouille,empregadodaadministraçãogeraldosCorreios,eDuperron,tenentedeinfantaria.2

Outronome,odasra.Nicolas,retémporummomentosuaatenção.EladirigeumestabelecimentoparameninasnaruaSaintMaur,recebendoapenasalunascujospaissãofiéisseguidoresdeLuísXVIII.Emplenasaladeaula,adiretorafazasdeclaraçõesmaisdepreciativassobreoimperadoreoshomensdequeele secerca.Segundoela,anosatrás, eleshaviamorganizadooTerror, econtinuamespalhandoomedoentreoshomensdebem.AdamaredigepanfletoscontraNapoleão,utiliza-oscomotextodeditadoetransformasuasalunasemcopistas!Osexemplaresquesaemdassalasdeaulasãoentreguesnaslojasdo bairro para difusão. A sra. Nicolas, pondera Desmarest, é coisa pouca, deve ser entregue aoscuidadosdoshomensdeRéal,ochefedepolíciadeParis.3

MaispreocupanteéapresençanacapitaldeumnúmerocadavezmaiordeindivíduosconhecidosdoDepartamentodeDesmarestcomoagentessecretosdorei.QueestariamtramandoossenhoresLespinasseeAltmernonúmero59docaisValée?Umainfinidadedeindivíduosbateconstantementeàsuaporta,esuaresidênciadefatopareceumcovildeintrigas.Debure,antigoguarda-costasdoreiquevoltouaParisdepoisdeacompanharLuísXVIIIatéafronteira,estariacheiode“másintenções”,segundoosdelatoresdapolícia.

Asra.Penardmantémumasaladeleituranaruad’Argenteuil,estandosobsuspeitadeseragentedeligação entreParis eGand, ondeo rei se exilou.Monin, antigoguarda-costas, acabade chegar de lá.Disfarçadodevendedorambulante,eleespionaedivulganotíciasfalsas.Asra.FerranddelaBasterne,antigaagentedorei,parecetervoltadoàativa.Aresidênciadasra.Potin,naruadoTemplo,éumantrodechouans.OmaisjovemdosCadoudalpareceterencontradorefúgioali.

OsagentesdeDesmarestinformamtambémquecontinuamembuscadeLambertdePreissac,BassignyedocoronelVenevelle.EstánosplanosadetençãodamulherchamadaGombaut,quevendejornaisaostranseuntesnasTulherias.Eladecertoestánocentrodaorganizaçãodifusoradospasquinsqueinundamodepartamento.4

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Napoleão,discípulodeRobespierre

EmParis, comoemqualquergrandecidade francesa, apolícia seprodigaliza embatidasnasgráficasclandestinas,mastambémnasimprovisadasvendasdacalçada.Sãoapreendidosmilharesdeexemplaresdepanfletos,pasquins,poemasecançõessatíricas,livrosejornaisrealistas.Contudo,acadasemana,oconfiscodenovoslotesdessestextos“incendiários”mostraqueafonteestálongedesecar.

Os vendedores de rua apregoam “folhas volantes” que os partidários do rei afixam nos muros,entregamnasmãosdoscuriososoudistribuemnasportasde igrejas,dissimulando-asentreaspáginasdosmissais.5Em20dejunho,ocidadãoPrinettedenunciaàpolíciaumvendedordelinhoemusselina.Eledistribuicançõescontrao imperadoremSaint-Nom-la-BretêcheeemSeine-et-Oise, edivulgaumfolhetoanunciandoaperdade60milhomenseadeserçãodeváriosregimentosdedragõesecaçadoresmontadosquesepassaramparaoserviço“dosoberanolegítimo”.6

Os realistas também utilizam os correios para enviar “seus escritos malévolos”. Desmarest éinformado a esse respeito. O general de exército que comanda a 20ª Divisão Militar, por exemplo,notificaqueosmensageirosprovenientesdePariseBordéusentregamnascaixaspostaisdePérigueuxgrande quantidade de pacotes endereçados a cidadãos de todas as classes. Segundo o militar, essapropagandasurteefeitomaléficosobreasmentalidades,emespecialnocampo,“poisnemtodomundoécapazderaciocinarcomclareza”.7

São os partidários de Luís XVIII que garantem a melhor propaganda de suas declarações eproclamaçõesafixando-asnosmurosdascidadesenasárvoresàbeiradasestradas.Àsvezesopoderimperiallhesfacilitaatarefa.OprefeitodeDrôme,porexemplo,mandouimprimireafixar,porordemde Fouché, a declaração do conde de Lille, em 15 de abril,8 acompanhada de comentários críticos.Infelizmente, os cidadãos nada entenderam, e “a crítica”, escreve o prefeito, “sutil demais para opopulacho”, levou a que se acreditasse no pronto retorno do rei! Os antigos militares e os guardasnacionaisaproveitaram“paraadiaraindamaisseualistamentonoExército”.9

Os jornais realistas, como Le Lys ou Le Journal Universel, editado em Gand, comentam asproclamaçõesreais.Osredatores,jornalistasformadosduranteaRevolução,sabemmuitobemarranharcom sua pena a pele deministros e cortesãos. Suas análises dos decretos e textos de propaganda dogoverno,irônicasearrazoadas,prendemaatençãodosleitores.

Parafazerfrenteaessasmanobras,apropagandaoficialopõeNapoleão,oreiescolhidopelopovo,aLuís XVIII, o rei estabelecido por um punhado de aristocratas, e o Ato Adicional proposto à Cartaoutorgada.Ela afirma tambémqueNapoleão, saídodas fileiras doshomens livres, trabalha comelespela manutenção da liberdade.10 Empenhado na glória, na honra e na independência da França, oimperadorlutaparaimpediravoltadosBourbon,responsáveispelaantigaescravidão.

Os jornais realistas retrucamque, sobosouropéisdemonarca liberaldeque se revesteNapoleão,houvee aindaháumditadormilitarqueenganaos francesesquanto a suasverdadeiras intenções.Em1799Bonapartelouvavaaliberdade,masadestruiuaodesfazerarepresentaçãonacional.Feitocônsul,dizia-se liberal, mas proscreveu os ideólogos. “Buonaparte” prometia o fim do feudalismo, masNapoleão impôs déspotas ao povo. Hoje, o usurpador corso acrescenta um Ato Adicional àsConstituiçõesqueelemesmoviolouedepoisdestruiu.

OAtoAdicional,lê-seemNainJaune,11éumacópiaservildocontratoqueNapoleãorasgoudiantedetodomundo.Nãopassade“umcontextodescaradonoqualNapoleãoconseguiuintroduzirduasoutrêsinstituiçõesfeudaisqueentregamaFrançaasuaindignaaristocraciadepares!”

Os realistasnão insistemmuitonadesigualdade representadapelacriaçãodospares,preferindosealongarnotemadaliberdade.OredatordeNainJauneconcluiumlongoarrazoadoaesserespeitocomumapergunta:“QuempoderiafalardeliberdadeseLuísXVIIInãotivessetrazidoaliberdadecomapaz?

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LuísXVIIIqueraliberdade,éelequemaconfere.”OapelodoreiaoExércitoarremataacomparaçãoentreoregimebenéficodosBourboneaditaduramonstruosadocorso:“Vós,soldados,tendesamigos,parentes,umamãe,enãoossacrificaisàfatalglóriadeumestrangeiroquesóégrandegraçasaosvossossacrifícios,ecujapúrpuraimperialfoiaospoucosmanchadapelovossosangue.”

Aos bonapartistas que acusam o rei de estar sendo reconduzido ao país por estrangeiros e “tentarsublevarcontrasuapátriaospovosdaEuropa,trazendooferroeofogo,adevastaçãoeamorte”,12osrealistasrespondemque“osaliadosvêmdevolveràFrançaoseureilegítimo”.Eainda:“SeBuonapartenãotivessevindoconspurcarnossosolo,estaríamosempazcomaEuropa.”13

De1799a1814,os realistas escreverama lendanegradeNapoleão.Eagora continuama fazê-lo,afirmando mais uma vez que as mãos do jacobino Buonaparte, discípulo de Robespierre e dos quepromoveramosmassacresdesetembrode1792,estãomanchadasdosanguedosfranceses.“ElereduziuaFrançaàcondiçãodepaísselvagemecausouamortedeváriosmilharesdehomens.Viveuehaverádemorrercomoumambicioso,conquistador,ávidodepoder,intolerantediantedequalquercontrariedade,inimigoda liberdade, incapazde terboa-fée lealdade.Buonapartepartiunoanopassadoenganandoanação e as potências aliadas com uma falsa abdicação e um falso juramento. Buonaparte volta nosenganandocomafirmativasfalsaseesperançasmentirosas.”14

Napoleãofaladehonraeglória.Nãoseriaocasoderenunciaraumsistemadeglóriaestéril,baseadonumalegislaçãocontráriaàmoraleàprosperidadedospovos?“Tratemosdebuscarumaglórianacionaleumaglóriaútil”,escreveumrealista,“noaperfeiçoamentodocultivodenossasterras,namelhoriadenossa indústriamanufatureira, na ampliação de nossas relações comerciais; e, se for necessário entãoempreender uma guerra justa para fazer respeitar as nossas leis e a nossa independência, tambémhaveremosdeempenharnossaglórianodesprezopelavida.”15

Elesestãoemtodaparte

OsrelatóriosdosagentesdeDesmarestconfirmamaadvertênciadosprefeitosemsuacorrespondênciaaCarnot:osrealistasestãoematividadeportodaparte.16SeuspartidáriospercorremdearmasempunhoasmatasdaVendeiaeplantamseusestandartesnasterrasdealuviãodoLanguedoc.

NaDordonha,porexemplo,omairedeMontplaisantestáindignado:osagrupamentossediciosossemultiplicameosgendarmesnada fazem,nãoobstanteosnumerosospedidosde intervenção feitosporele.17 Omaire de Agde, por sua vez, é interpelado por uma multidão que, desfilando atrás de umabandeirabranca,comopenacho realnoschapéus,clama:“Vivao rei,guilhotinaparaNapoleão!”EmHérault,osrealistas,queabundam,esperam“osresultadosdaguerra”;“aomenorsinal,nãoserámaispossívelopor-lhesresistência”.18

EmMontauban,osantigosvoluntáriosreaisportamumarosabrancaemsinaldeadesão,eumterçodapopulaçãoosimita.Oprefeitolamentaque“cadaqual,semsepreocuparcomobemgeraldaFrançanemcomaprosperidadedeseuchefe,cuideapenasdeatenderàdeterminadafacçãopolítica,aseusódiosparticulares. A diferença de religião fornece novo alimento às paixões já por demais exaltadas damultidão”.19 Em Gard, a situação é ainda pior, pois aos partidos “católicos, protestantes, realistas ebonapartistas que agitam e perturbam o departamento juntam-se as agremiações de anarquistas erevolucionários”.20

PortrásdecadaaçãoempreendidapelosrealistascontraasautoridadeslocaisestãoosCavaleirosdaFé.21 Esta ordem, fundada em 1810 por Ferdinand de Bertier, é hierarquizada em “associações decaridade”, “escudeiros” e “cavaleiros”. Todos prestam juramento de defender o trono e o altar.CombatendoemnomedeLuísXVIII,elespretendemcriarumasociedadeimpregnadadaféedominada

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pelaIgrejacatólica.Emcadadepartamento,aordemcongregaoscavaleirosem“pavilhões”,cujaação,controladapor“senescais”,obedeceàsordensdeumconselhosupremo.OsegredoabsolutodequesecercamosCavaleirosdaFépermite-lhesescaparàpolícia.Aindahojeédifícilreconstituirsuasredes.Paris,BordéuseToulouseparecemconstituirosprincipaiscentrosdeação,eospavilhõesmaisativosaparentemente se encontram no Haut-Languedoc, na Provença, no Franco-Condado e no oeste daArmórica.

Os Cavaleiros da Fé se escondem por trás de associações com as mais diversas denominações:Gabinete Literário ou Sociedade do Castelo. EmBordéus, organizam-se em companhias francas e sepreparam para exercer atos de força. Em Toulouse, seu comitê organiza já emmaio um batalhão devoluntários reais que logo passariam a ser chamados de “verdetes”. Eles podem ser encontrados emNîmesouAvignon,e,daGuyenneaoLanguedoc,comenta-seque40milhomensesperamumsinalparaasublevação.22

Nosul,osrealistaschegaraminclusiveainstaurargovernoeadministraçãoparalelos,emcontatocomLuís XVIII e o duque de Angoulême, filho mais velho do conde de Artois. De Barcelona, onde serefugiou,oduquedeAngoulêmenomeiacomissárioscivisemilitaresque,chegadoomomento,deverãotomarolugardasautoridadesimperiais.CarnoteDesmarestestãoperfeitamenteapardisso.23

NaProvença,umcomitê real apoiadoemantigas companhias francasque sobrevivemsecretamenteprepara-separaformarumgovernorealprovisórioafimdeadministrarMarselhaeaProvença.24

“Ascoisastomamumrumopreocupante”

NasmontanhasaoredordosdepartamentosdeIsèreeCantal,“ascoisastomamumrumopreocupante.Ospadres estão muito agitados; vários indivíduos que apareceram em Lozère são suspeitos de portarmensagens dos realistas”.25 O prefeito de Saint-Flour, em Cantal, denuncia as ações dos mal-intencionados,“que,trabalhandonasombracomgrandeatividade,envenenamoespíritopúblico”.26NoHaute-Loire, o maire de Sauges, baseando-se em rumores provenientes de Puy, comunica aosconcidadãosqueosgeneraisdetiveramNapoleãoequeosBourbonforamrestaurados.Loucodealegria,eledispensaosalunosdocolégio,distribui-lhespenachosbrancoseforma-osparadesfilarnasruasaosgritosde“Vivaorei!”.27EmForez,ocondeHippolyted’Espinchal,à frentedeummilhardehomens,ocupaacidadedeChevrièreseexpulsadeChazellesosgendarmesqueguardamacidade.A20dejunho,d’Espinchal intima o prefeito a cumprir seu dever, reconhecendo os direitos “de nosso amadosoberano”.28

EmMontélimar,umcondeeumcoletordeimpostosconvidamoshabitantesaportaropenachobrancoeadançarafarândolagritando“Vivaorei!”.Duranteamanifestação,osrealistasprometem“degolarosliberaiseosbonapartistas”assimqueParistivercapitulado.Oquenãodeveriademorar,afirmam,pois“100milcavaleiros,cadaumlevandonaselauminfante,seaproximamdeParis”.29

Aviolênciaverbal tambémcorre solta, comoemValence,ondeapolícia encarcera indivíduosqueinsultamapessoadoimperadoredaquelesqueocercam.Osr.Jesset,porexemplo,éacusadode“crimedepalavra”quepermitepresumirsuafiliaçãoaopartidorealista.30Elepercorreacidadeafirmandoque“Napoleãoestáfodido”equesuamãeéuma“grandeputasustentadaporumnobremalvado,esógeroubastardos!”31

Àsvezes são refeitas as alianças.Éoque acontecenoFranco-Condado, ondeo antigoprefeito deDoubs,ocondedeScey,estimulaosrealistas,apresentando-secomocomandantedorei.Elemandaqueos párocos imprimam e distribuam boletins realistas. Antigos cúmplices do generalMalet, os padresLemareeLafoncolaboramcomele.Aqueleé jacobino,este,realista.Ambosseempenhamemuniros

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respectivosamigosparacriaruma“federaçãorealista”32noFranco-Condado.EmVienne,comoemoutroslugares,“padresenobres,quesãovistosemtodaparte,alimentamseus

anseiosetalveztracemprojetosdevingança”.Osseguidoresdorei,naexpectativadeempunhararmas,apropriam-se do espaço público, substituindo a bandeira tricolor pelo emblema do rei. Durante aRevoluçãoelescortavamasárvoresdaliberdade,mashojeseusgestos“iconoclastas”voltam-separaasestátuasdoimperador,mutiladasoulambuzadasdepreto.33

Ninguém escapa às suspeitas: em Dijon, o prefeito insinua que seu antecessor mantém com oprocurador imperial um comitê que estabelece relações de bonapartistas a serem exilados.34 No Jura,“alguns homens das classes outrora privilegiadas tentam reprimir o impulso patriótico não com atosostensivos,mascomafirmaçõesinsidiosasecondutassub-reptícias”.35

Quinhentosmilfrancosparaorei

Os realistas progridem em toda parte. No norte, “amaioria das povoações da fronteira é fortementeinfluenciadapeloshomensdaCasaReal”.Easautoridadesconstatamque“oespíritodedesobediênciaecontrarrevoluçãoestáemgeraldisseminadonaregiãosituadaentreLilleeDunquerque”.36OsmairesdeHazebrouck, Armentières, Bailleul e Aire mandam mensagens a Gand para informar ao rei que umainsurreiçãoestáparaeclodir.Quinzemilhomensencontram-searmados.Osmairesentregamaoreimeiomilhãode francos, resultadodeumasubscrição.37EmCalais,nobrescomoocondedeCastéja, antigosubprefeito,mantêmacesaachamadorealismo.38

O rio Somme é inundado de letreiros escritos à mão exortando a não pagar os impostos, adesobedeceràsordenscivisemilitares.Osmagistradosaderemaosrealistaseapolíciasabemuitobemquenodiadoplebiscitoosjuízesdotribunalcivilredigiramaportasfechadasaatadevotação,paraquedelaconstassemapenasdoissufrágios,“odojuizdeinvestigaçãoeodoescrivão”.39OcondedeBriberspercorreodepartamento,anunciandoaiminentechegadadosexércitosaliados.Aomesmotempo,paraarregimentarosliberais,disseminaadúvidaquantoàsintençõesconstitucionaisdeNapoleão.40

Os departamentos próximos da capital não são poupados: em Seine-et-Marne, os homens queespalham “maus boatos” são tão numerosos “que aqueles que colaboram com o governo encontramdificuldade para não se ver desvirtuados”.41 Em Domont, em Seine-et-Oise, realistas se manifestamostentandoabandeirabrancaeclamando“VivaLuísXVIII!”.42Emtodoodepartamento,os“sediciosos”divulgam falsas portarias do conde de Lille43 e proclamações liberando os soldados e proibindo opagamentodas taxas.VersalheseSaint-Germain,particularmente, revelam-seantrosdepartidáriosdosBourbon.

Seminaristasquepregamoassassinato

OsadministradoresdaDireçãoGeraldeCultosfazemaamargaconstataçãodequeemtodaparteocleroapoia os realistas. Redigindo seu relatório, os funcionários se esforçam por encontrar departamentosonde os padres “pensem bem”. Como não conseguem, limitam-se a assinalar as regiões nas quais oseclesiásticos,semchegarasepronunciarfrancamentepelaordematual,evidenciamumcomportamentoque não requer “qualquer medida repressiva”. Quase todos os padres têm uma mentalidade nadatranquilizadoraedemonstrammásinclinações.Recusam-searecitarasoraçõespúblicaspelaproteçãodo imperador.Osseminaristasmuitasvezessão“fanáticos”queseengajamcomovoluntários reaisou“pregamoassassinatoeaguerracivil”.44

É o que acontece no Marne, em Sainte-Menehould, onde padres apoiados pelos realistas dizem

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abertamentequemelhorseriamarcharcontraoinfametiranodoque“sereunircontraosaliadosquevêmnoslibertar”.45Ocleroregularimitaoclerosecular.EmCantal,porexemplo,asautoridadesavisamquecertospadres,“osagentesmaisativosemaisperigososdofanatismopolíticoereligioso”,são“seguidoscegamentepelasreligiosasbeneditinaselazaristas”.46

Tudopareceprontoparaumasublevaçãogeralque,antecedendoachegadadosaliados,garantaaoreiseutronoeàFrançasuaintegridade.Arevoltasepreparanooesteenosul,eatéemParishácidadãosquedesejamabertamenteamortedoimperador.Algunssedeclaramdispostosaeliminá-lo.

Matadoresàsdezenas

Em21de junho, já lá sevãoquinzediasdesdequeos agentesdeDesmarest eos inspetoresdeRéalentraramemalerta.Elesidentificaramváriosprojetosdeassassinatodoimperador.

Desde queNapoleão tomou o poder, os realistasmostraram que sabem se adaptar à proibição detiranicídioestabelecidapela Igreja.Em1800,explodiramumabombaàpassagemdeBonaparte, eem1804,umdeseuschefes,Cadoudal,tentou“sequestrá-lo”,eufemismoparaassassiná-lo.

O homicídio do imperador foi e continua a ser uma condição prévia de todos os preparativos desublevaçãoeprojetosde tomadadopoder.Desmarest sabedissomuitobem.Portanto, é comextremaatençãoquelêosrelatóriosdosseusagentes,fazendoatriagementreosindivíduosquerealmentecausampreocupaçãoeaquelescujasdeclaraçõesdevem-seantesaoexcessodebebidasalcoólicas.

EmqualcategoriaincluiravendedoraderoupaselençóisPicard,naruadofaubourgSaint-Martin?Seria uma dessasmulheres do povo que se exaltam ao falar? Casada com um soldado, ela prometeuvestir-sedemilitare,munidadeduaspistolas,seaproximardeNapoleãoparamatá-lo.Acomerciantejuraqueestádispostaasacrificaraprópriavida“paralivraromundodeumbebedordesangue,deumRobespierre”. Acrescenta que vai trucidar o marido se ele não compartilhar suas convicções.“Aparentemente”,indicaodelatordapolícia,“elaesperaqueomaridorecebaumpagamento,alheserfeitopelorecrutaporelesubstituídoparatentarexecutaresseplano.”Muitoconhecidanavizinhançadesuaresidência,assimcomoemLaVillette,amexeriqueiraéconsideradacapazdosmaioresexcessos.47

Poroutrolado,quevalorpodemterasinformaçõesfornecidasporumdelatorafirmandoquerealistasdeLyonconseguiramconvencersoldadosdo10ºRegimentodeInfantariadeLinha,chegadosdosul,aatirar no imperador assim que tiverem oportunidade?48 Desmarest desconfia, pois “a temporada dascartas anônimas” está aberta hámuito tempo e a delação se transformou no passatempo favorito dosfranceses.Váriosdepoimentos indicam,contudo,queos regimentosprovenientesdosuloudo lestedaFrançasãoautênticosviveirosdeassassinos.

Um mês antes, um relatório da polícia indicava que certos indivíduos tinham se introduzido nosregimentos que acompanhavam Napoleão de Grenoble a Paris, “na esperança de envolver algunsmilitaresnaexecuçãodeumatentadoàvidadoimperador”.Desdeentão,umdeles,Arnaud,conhecidocomoLatour,vemsendodiscretamentevigiado.49

Depoisdasespadas,avassoura:osenhorFrançoisBurgetépadreemLoches,um“fanáticoradical”quedeclaroudopúlpitosuaaversãoaoimperadoredeixousuaparóquiaparasedirigiraParis.Desdeodia19demaioéprocuradoemvãonacapitalpelapolícia,50consideradopersonagemperigoso.

JosephPech,nobretesoureirodoscomboiosmilitaresdoreiJosephnaEspanha,frequenta inimigosdo regime, faz declarações depreciativas sobre o imperador e é tido como mal-intencionado. TendopartidodeBordéusa7deabril,eleseescondeemParisdesde20demaio,etodososinspetorestrazemno bolso suas coordenadas: “Cerca de 45 anos, altura de aproximadamente 1,60metro, pele morenaamareladaebiliosa,narizlongomasachatado,corpulênciacomum,olharincerto,inquietoesombrio.”51

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A8dejunho,oprefeitodeTarn-et-GaronneinformaquecertoJaffard,membrodeumdosbandosqueassolaramo sul em1799, voltou à ativa.Agentemilitantedos realistas, ele se comprometeu a atentarcontraaprópriapessoadeNapoleão.52

Não faltamcandidatosparamandaro soberanodestaparamelhor:Lefèvre,diretordosCorreios, éconsiderado “um homem capaz de imitar osDamien eRavaillac”.Quanto ao financistaDumond, nãohesitouemoferecerumpreçopelacabeçadoimperador.53

Finalmente,apolíciaestápreocupadacomaconivênciaentrerealistaseagentessecretosprussianos.DoisdiasantesdeWaterloo,a16de junho, foi lançadaumaordemdeprocuradecertoBlankenstein,intrigante, sorrateiro e hábil, e seu compatriota Hamburger. Eles dispõem de um fuzil com o qualcertamentesepropõemarepetiratentativafracassadade1811.54

Todasessasdenúnciasdizemrespeitoa indivíduossemligaçãodiretacompersonalidades realistasimportantes.Masacoisaédiferentecomacartaadvertindoapolíciadeque1.500jovenssepreparampara atentar contra a vidadeNapoleão eparticipar deumgolpedeEstado.Os conjuradosmoramnacapital e em Versalhes. Afirma-se que mandaram fazer uniformes e que seus chefes seriam o sr. deMahoney, o sr. deBeaumont, sobrinho do arcebispo, o sr. deRoquelaure, o sr. deNicolas e o sr. deMontmorency.Apolícianãosabe,masesteúltimoocupaposiçãoimportantenaOrdemdosCavaleirosdaFé.55

Todosesseshomensestãoenvolvidosnagrandeconspiração tramadapelos realistasedirigidaporumaassimchamada“ComissãoExtraordináriadeGoverno”.Apolíciasócomeçouarastreá-laa15demaio,evematomarciênciadetodooseualcanceapenasem21dejunho,noexatodiaemqueNapoleãovoltadeWaterloo!

PreparativosrealistasparaumgolpedeEstado

Em15 demaio, a polícia é alertada pelos “discursos repreensíveis” deBarbier, primeiro-vigário daigreja de Saint-Germain-des-Prés e pregador reputado. Os policiais observaram suas atividades edecidiramdarumabatidanopresbitério.DescobriramumitineráriodeParisaGand,localdoexíliodeLuísXVIII.Neleestãoassinaladoscastelosecasasqueserviriamdeparada.OplanofoipreparadoporHarel, um dos vigários da igreja de Saint-Germain-des-Prés. O sacerdote também confeccionoudocumentos e carimbos que liberam a passagem pelos postos de controle da gendarmaria. O senhorGaultierdeClaubry,médico,estavaincumbidodedistribuí-losaosagentesdorei.

Nodocumentoapreendido,ospoliciaisencontramosnomesdomarquêsdeRavenel,deBayard,mairedePlainville,edosr.esra.deRouvroy,proprietáriosdocasteloquelevaseunome.Nestapropriedade,ospoliciaisdescobremjornais,panfletoseumaagendadeendereçosdaqualconstaonomedosr.delaVillette,queresideemBourg-l’Évêqueeéotesoureirodarederealista.56

Esseitinerário,denominado“Correspondência”pelosrealistas,permitiuqueosespiõesdeLuísXVIIIcirculassemcomfacilidadeelevassemaoreiasinformaçõescolhidasporseusseguidoresinfiltradosnosministérios.Desdeoiníciodacampanhamilitar,assim,LuísXVIIIeosaliadostomaramconhecimentodosefetivosdoExércitofrancês.57Valendo-sedaCorrespondência,oreipôdedarsuasordensereceberospareceresdoscomitêsrealistasdeParis.

Os monarquistas constitucionais se reagrupam num desses comitês sob a direção de Pierre-PaulRoyer-Collard,ex-professordefilosofianaSorbonne,eFrançois-PierreGuizot,ex-secretário-geraldoMinistériodoInteriornaépocadaRestauração.Elesseencarregamdemediratemperaturadaopiniãopública para o soberano.Morin, amigo do conde de Sémalé, à frente da polícia do rei, dirige outrocomitê,quetratadeneutralizarapropagandabonapartistaepreparaaopiniãopúblicaparaumaeventual

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sublevação.AComissãoExtraordináriadeGovernoestánocentrodetodaaorganizaçãorealistanacapital.Tem

entreseusmembroshomenscomoBarthélemydeSémonvilleouDuBouchage,sendodirigidadesde1ºdejunhopelomarechalMacDonald,duquedeTarente.Omarechal,queaderiurecentementeàcausadeLuísXVIII, tem como missão derrubar o governo e instalar nele outro, que exerça provisoriamente aautoridade do rei, contando para isso com a ajuda de mil homens. O marechal deverá dissolver asCâmaras,restabeleceraCartaoutorgadaem1814elevarossediciososajulgamentodeumacomissãomilitar.QuesehaverádefazercomNapoleão?Nadaéditoaesserespeito.

Oplanonãoémuitooriginal.ConsistenumacópiadosprojetoselaboradospelosrealistasduranteoConsuladoeo Império,eque inspiraramogolpede forçaabortadodogeneral republicanoMalet,em1812.

Hyde de Neuville é nomeado agente de ligação entre a comissão e o rei. Ele é perfeitamenteconhecido dos organismos de polícia. Combateu nas fileiras da contrarrevolução desde 1789 e ficoufamosoporseusatosespetacularescontraoregimeimperial.Em1800,cobriucomumpanopretoaportadaigrejadaMadeleinepararecordaramortedeLuísXVI.58

UmpequenoexércitoprontoparaatacarParis

Ainvestigaçãoédupla,poisosagentesdeRéal,ochefedepolíciadeParis,defatoconseguemsuperarotrabalhodoshomensdeDesmarestnavigilânciaeno fichamentodosconspiradores.Hácercadedoismeses, explica Réal, seus delatores avisaram que os realistas tinham “projetos e um objetivo maiscerteiro”.Eledecidiu,assim,“introduzirentreossupostos líderesdossediciosos”umhomemde todaconfiança,59“capazdebemidentificareseguirosmeandrosdeumaconspiração,casoelesexistam”.Oespiãoinfiltradoconfirmaraquehaviaumaconjura.

Paraqueapolícianãoosperceba,ossuspeitosmarcamencontroemdiferenteshorasenos lugaresmaisdiversosdacapital:aomeio-dia,napassagemdel’Orme;das13hàs14h,noterraçodaImperatriz;e às 15h, na passagem do Panorama ou na extremidade do terraço dos Feuillants, no Jardim dasTulherias. Os indivíduos assim reunidos tomam o cuidado de nunca passar de três a cada encontro.Chegamembuscadeinformaçõesouparatrazê-las.Avisadosdessamovimentaçãoporseusagentes,ospoliciaisobservamosconjuradosepassamasegui-los.

Descobremassimumdepósitodearmaseumagráficadeonde saemasconclamaçõeseos “textosincendiários”.Osinspetorestambémseapoderamdacorrespondênciaentreosrealistasdacapitaleosdaprovíncia,porumlado,e,poroutro,dascartasdeeparaLuísXVIII.OshomensdeRéalreconstituemassimasredesdosamigosdorei.Sabem,porexemplo,queemBordéusosagentesdoreisãoosirmãosGombeaudeRozac.Umdeleséoantigoguarda-costasdocondedeArtois,ooutro,umnobreservindoaodiretordospajensdorei.

O delator informa que, para levar a cabo o golpe de Estado, o “comitê” dispõe de um pequenocontingente armado. Ele se compõe de guardas nacionais pertencentes à 10ª Legião e jovens quetrabalham nos escritórios dos ministérios, especialmente o das Finanças e o da Guerra. Eles serãoreforçados pelos 1.500 cavaleiros procedentes da Normandia, segundo correspondência enviada aDesmarestem31demaio.OutrosinsurretosdeverãotomarVersalheseSaint-Germain.

Ospoliciaiscomeçamafazerumalistadosprincipaischefesdaconjuração.Emborapareçamignoraro papel representado pelo marechal MacDonald, eles identificam um dos membros da ComissãoExtraordinária de Governo: o filho do marquês de Bouillé, escolhido por Luís XVI em 1791 paraorganizara fugadafamília real.Ele temcomosubordinadomaisdiretoumhomem“ativoeviolento”:

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CharettedeFresnière,parentedeCharettedelaContrie,oilustrechefedaVendeiafuziladoem1796.Omarquês de Caligny, ajudante de campo do marechal Sérurier, governador dos Inválidos, éespecificamenteincumbidoderecrutarveteranos.Outrooficialrealista,RodriguèsdeCoursol,residentenosInválidos,lhedáapoio.CertoLassuvisitacomfrequênciaaVendeiaparaestabeleceracoordenaçãoentreomovimentoparisienseeesselocal.Lavallière,oficialdaGuardaNacionaleantigo“vendeano”,tambéméqualificado comoagente “muito ativo”.Antigosoficiais doExércitoReal e até doExércitoImperial recrutam em Paris e nos subúrbios homens destinados a engrossar as fileiras do pequenoexército.

RéalnãoadverteNapoleãosobreospreparativosdessegolpedeEstado,programadoparaocorrerporvoltade23dejunho.Porquenãoterátransmitidoasinformaçõesdequedispunha?Acasoesperariapassarprimeiroumpente-finoque,permitindo-lhecapturartodososconjurados,irárepresentartambéma glória de ter se saídomelhor que Fouché e Desmarest? Ou teria sido apanhado de surpresa pelosacontecimentos,queseprecipitamentre20e24?Elesóentregaseurelatórioaogovernonodia24dejunho.60

Assim, enquantoNapoleão e seusministros se preparampara enfrentar a oposição daCâmara dosRepresentantes,osrealistasafiamseuspunhaisparaeliminaroimperadoretomaropoder.Aditaduradesalvaçãopúblicaeorecrutamentoemmassaseriamboasrespostasparaoperigoexternoqueagravaaameaça realista, mas a desmoralização do Exército, a inércia, o quase derrotismo dos franceses e adesorganizaçãoadministrativatornamdifícilsuaoperacionalização–emaisquealeatórioseuresultado.

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TARDEDE21DEJUNHO

Repetiro19debrumário,o14dejulhoouo10deagosto?

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8.LaFayetteeabandeirade1789

DOPALÁCIODOELISEUAOPALÁCIOBOURBON,PORVOLTADOMEIO-DIA

PasseiocomarainhaHortense

Aos 32 anos, Hortense de Beauharnais, filha da imperatriz Josefina, tem um encanto que sensibilizaNapoleão.As fofocasdacortechegaram inclusiveaespalharquea rainhaeraamantedele.Em1810,quandoomaridodeHortense,LuísBonaparte–irmãodeNapoleãoereidaHolanda–,perdeuotrono,pordecisãodoimperador,elamanteveotítuloesuacasa.Oencantodarainhatambémenvolveuoczar,que em 1814 a recomendou à benevolente atenção de Luís XVIII. Quando voltou da ilha de Elba,NapoleãocensurouvivamenteacunhadaporteraceitadodoreiotítulodeduquesadeSaint-Leu.Afinalperdoada,arainhaHortensemovimentaacortenaausênciadeMariaLuísa.

À espera de queNapoleão a receba,Hortense solicita uma entrevista com a sra. Bertrand. Esta arecebeacompanhadadamãe,asra.deDillon,edomarido,ogeneralBertrand,marechaldopaláciodoEliseu.Ogeneral, ainda extenuado por sua viagemcomo imperador, evidencia uma calmaque não écompartilhada por sua mulher. Esta se exalta ao falar do apoio que o monarca sem dúvida algumaencontrará“nopovotãofanáticoemseuentusiasmoporele”.1

–Acausado imperador está perdida– responde-lhe friamente a rainha. –Ela dependia davitórianumabatalha.Masele estáenganado, se se julgacapazde recuperaroentusiasmoqueoconduziuatéParis.Osfrancesessãotãoinconstantes!Bem-sucedido,eleteria todomundoaseulado;malsucedido,nãoterámaisninguém!

–Mascomopodepensarassim?–retrucaogeneral.–AcasoaFrançaseriacapazdeabandonaroimperador? É impossível! Ela já deixou bem claro que o quer, que ele lhe é necessário! Nós fomosderrotados, é verdade, mas o Exército possui muita dedicação e coragem, o povo demonstra que émovido pelo mesmo sentimento. Quem haveria de pensar em distinguir seus próprios interesses dosinteressesdoimperador?

Arainharesponde:– Aqueles que julgam que só do imperador se busca vingança, achando que, apartando-o, será

possível obtermelhores condições dos aliados, não se dão conta de que omaior objeto de ódio é opoderiodaFrança,enãoaglóriadeseulíder.Emvezdeunirforçasaoredordele,emvezdeimitarospovosantigos,cujacoragemserevelavaaindamaiordepoisdeumaderrota,haverãodedebaterideias,princípios,etudoestaráperdido.

– Ah, senhora, não lhes dê ouvidos – intervém o marechal. – O povo e o Exército acaso teriamdeixadode ser aparte sadiae fortedanação?Euconfiomaisnos sentimentosenaenergiadosmeuscompatriotas,porém,seestiverenganado,seaFrançaseperder,abandonandooimperador,euhavereidemeafastarcomele,compartilhareiseudestino,qualquerqueseja.

–Aprecio tãonobressentimentos–diz-lhea rainha.–Masreceioquesejampartilhadospormuitopoucos.

ComoNapoleãoaindaestivesseocupadodemaispararecebê-la,arainhadespede-sedosBertrandedeixaopalácio.Otempoestátãobelo,eelasesentetãooprimidaque,emvezdesubirnacarruagem,

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decidetomararfresco,voltandoapépelosjardinsdosChamps-Elysées.Arainhacaminhaentreasra.deDilloneasrta.Cochelet,sualeitora,semprestaratençãoàpaisagem.ParecemeditarsobreodestinodaFrançaeoseuprópriofuturo.

As trêsmulheres se encaminham para a praça daConcórdia quando, de repente, virando a rua deMarigny,asrta.Cocheletnotaumadamadegrandeelegânciaparadapertodasentinela,juntoàgradedojardim.Elasedirigeaelecomveemência,fazendogestoslargos.Aleitoradarainhachamaaatençãodesua senhora para a cena que transcorre a poucos passos. No momento em que as três mulheres seaproximam,ouvemadamadizeraosoldado:

– O senhor está sendo enganado, ele está perdido, não tem mais a menor chance, abandonou oExército,nãohámaisesperançaparaele.OsaliadosestãoavançandoeaúnicasalvaçãosãoosBourbon.

– Deixe-me tranquilo com os seus Bourbon. De minha parte, não vou abandoná-lo! – responde osoldado.

–Ah,meuDeus!–exclamaarainha,afastando-se.–Serápossívelquesechegueapontodequerersubornarosguardasquecuidamdoimperador?Ah,bemosinto,éaindamuitopiorenfrentaroódiodecertosfrancesesquetemerairadetodaaEuropaunida.

ChegandoàpraçadaConcórdia,arainhaentranacarruagemevoltaaseusaposentosnasTulherias.Éesperada por algumas pessoas. Chegam notícias da Câmara dos Representantes. E são ruins. Todoscontraemosemblante,àexceçãodogeneralLaBédoyère,cujostraçosconservamumenérgicoorgulho.

“Acasopreferequeoimperadortomeafrentedeumaditadura?”

ApoucospassosdasTulherias,Antoine-ClaireThibaudeaucaminhaemdireçãoàCâmaradosPares.DerepentemudaderumoesedirigeaoMinistériodaPolícia,afimdeconsultarseuamigoFouchéesaberdesuasintenções.

Aoscinquentaanos,ThibaudeauéumdossobreviventesdaConvenção.“Jacobinoempoado”,comoochamaoimperador,aliou-seaNapoleãonaépocadoConsulado.Oprimeiro-cônsulnomeou-oprefeitoedepoisconselheirodeEstado.Oimperadorcongratulou-sepelassuasqualidadesdeadministrador.AovoltardailhadeElba,Napoleãonomeou-oparaaCâmaradosPares.

Thibaudeau tembonsmotivos para acreditar queFouché, seu antigo correligionário naConvenção,prepara-separaagir contrao imperador.Oministroo recebeemseugabinete,ondeestáconversandocomLaFayette. Fouché convenceu firmemente omelindroso personagem de que, ao voltar a Paris, amaior preocupação deNapoleão seria livrar-se daCâmara dosRepresentantes.É necessário portantoagircomrapidezparaqueosdeputadospreservem“umainfluênciasalutarsobreodestinodapátria”.2

Thibaudeau examina La Fayette e constata mais uma vez a dificuldade de reconhecer o esbelto eelegante marquês de outros tempos no homem corpulento que tem à sua frente, vestido como ricofinancistaeapoiando-senumadiscretabengala.

ThibaudeaueLaFayettetrocamalgunscumprimentos,eentãoFouché,dirigindo-seaomarquês,diz:–Muitobem,general,estamosentendidos.Nãopodemosperderumsómomento.–Sim,sim–respondeLaFayette–,fiquetranquilo.VouimediatamenteàCâmara.Tendosaídoogeneral,Thibaudeauinterrogaoministro:–Querdizerentãoquejátomouseupartido?–É necessário. Está tudo perdido. Se nada fizéssemos, eles fariam comque fôssemos divididos e

dizimadoscomocarneiros.–Mascomo?–Sim,nuncahouvedebandadaigual.Nãotemosmaisexércitos.Dentrodeseisouoitodiasoinimigo

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podeestaremParis.– O exército não foi totalmente dizimado. Ainda é possível juntar seus destroços, ainda restam

recursos.–Não.ÉoquereconhecemnopróprioEliseu.Vocênãofazideiadodesânimoquedemonstram;temos

deacreditarneles.–Oimperadortambém?–Ele estámuito abatido, irreconhecível. Espera…e não temmais esperanças.Quer…e não quer

mais…Éumacabeçasemrumo.–Evocêpretendeinterditá-lo?– Não desejo que todos venhamos a perecer com ele. Ora ele quer falar às Câmaras, ora quer

dissolvê-las. Que poderão dar-lhe as Câmaras? Se tentar dissolvê-las, será a guerra civil. A manhãinteirafuiprocuradoporrepresentantes.Játomaramsuadecisão,queremacabarcomisso.

– Você sabe minha opinião a respeito do imperador – responde Thibaudeau. – Sabe que não sounenhumfanático.Atristesituaçãoaquenosreduziu,sejaounãoculpadele,nãomedeixapropriamenteentusiasmado.Masseráqueteremosavançadoalgumacoisaseacabarmoscomele?Quempoderáservirdeelementocatalisador?

–AsCâmaras,aFrança.–Tristeperspectiva!Vocêbemsabe.–Haveremosdenosapresentardiantedoinimigo.Elenãopoderámaisatirar-nosBonapartenorosto.

Seráumgrandeobstáculoamenos.Negociaremosemnomedopaís,defenderemosnossosdireitos.–Voltaremosacairnocírculoviciosoemqueacoalizãojánosencerrouem1814.– Acaso prefere que o imperador tome a frente de uma ditadura, expondo-nos a uma guerra de

extermínio,enterrando-noscomele?–perguntaoministro.–Porsinal,issoseriaimpossível.Ninguémquermaissaberdisso.Osmilitaresquesetinhamalinhadoaelepor treinamentoounecessidadeestãofartos.ACâmaradosRepresentantesvai sedeclarar.Éprecisoqueo imperadorabdique,ouentãoasCâmarasirãodepô-lo.

–Etudoissoparaacabarcomumamiserávelparódiade1814!– Com certeza é uma grande desgraça. E de quem é a culpa? Nós já prevíamos, não queríamos

Bonaparte.EusemprelhedissequeporcausadeleteríamosdeaguentaraEuropainteira.QuediferençaseentrenóseelahouvesseapenasosBourbon!

–Houveemtudoissoumaconvergênciadefatalidadesinevitáveis.OsBourbon,afinaldecontas,vãovoltar.Quebelafigurairemosfazer–observaThibaudeau.

–Éoqueveremos;vamosdisputaroterrenopalmoapalmo.Vamosapresentarnossascondições.Eutenhocertasinformações…Nãoperdiasesperanças.

–Poisainformaçãoqueeutenhoéque,senãoinspirarmosmaismedoaoinimigo,eleéquevaiditarasleisenosimporosBourbonsemqualquercondição.

–Temosdeagircomrapidez–concluiFouché.3Depois de se despedir do ministro, Thibaudeau decide buscar informações na Câmara dos

Representantes.A sessãoaindanão teve início, e ele aproveitapara conversar comváriosdeputados.Ouvindo-os,convence-sedequeacausadoimperadorestáperdida.Fouchépreparouparaosoberanoumaarmadilhaquelogoiráapanhá-lo.

A poucos passos deThibaudeau, um jovem se agita.Abel-FrançoisVillemain deixou de lado seuslivrosdepoesialatinaeveioaopalácioBourbonouvirosdeputados.

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NaCâmara,seguindoospassosdeumjovemprofessor

Professor de literatura francesa e versificação latina na EscolaNormal,Abel-FrançoisVillemain temapenas25anos,masseu talento jáéreconhecido.SeuElogiodeMontaignegranjeou-lheoprêmiodeeloquênciadaAcademiaFrancesa.Igualmenteapaixonadopelapolíticaepelaliteratura,AbelháalgunsdiasassisteatodososdebatesdopalácioBourbon.Hojeestáacompanhandoumdeseusparentes,eleitodeputadopelospatriotasdeLorient.Osdoisesperamviverumdiamemorável.4

Enquantoesperamoiníciodasessão,vagampeloscorredores,ondeguardas,jornalistasecuriosossemisturam aos grupos de deputados. A desgraça nem sempre é compassiva: Villemain só ouve ao seuredordeclaraçõeshostisao“homemqueéamaiorvítima,mastambémamaiorcausadodesastre”.

Abel se espanta: “Tudo que poderíamos imaginar escondido por trás das paredes do Eliseu, asprimeirasfalasdedesesperoqueescapamdabocadosajudantesdecampo,atécertascoisasdosdebatesdo Conselho, uma ameaça de indignação ou alguma confissão de desânimo quemal saiu da boca doimperador”,5tudoéimediatamentereproduzidonaCâmara,edeláseespalhacomonumraioportodaacapital. Parece que todos os incidentes dessa agonia política, mesmo os mais secretos, sãoantecipadamenteadivinhadosouvazadosàmedidaqueocorrem.

A chegada deLaFayette interrompe as reflexões do jovem.Com a pressa permitida por uma leveclaudicação,ogeneraldirige-seaogabinetedopresidentedaCâmara,etopacomLanjuinaiscorrigindooserrosdeortografiadasatasdasessãoanterior.6

“Deixe de lado essas erratas”, diz o general, “temos outras coisas para discutir. Trate de abririmediatamenteasessãoemeconcedaapalavra.”

Emboraaindasejaapenas12h15,LanjuinaisatendeaoduplopedidodeLaFayette:semmaisdemoraacompanhaogeneral,representantedeSeine-et-Marne,atéasaladesessões.

Durantealeituradasatas,Villemainconstataqueasalaétomadaporumburburinho,umsobressaltocomonuncaviu.Seuparenteodeixounumabanqueta,e,“numconstantevaivémdeentradasesaídas”,ele ouve palavras e expressões como Eliseu, golpe de Estado, ditadura e também, como em 1814,abdicação. Uma iniciativa como aquela, pensa Villemain, decerto é para os deputados o desenlacenaturaldesituaçõesdesesperadas.

Abelvênumdosladosdosemicírculoumgrupodedeputadosquefala,gesticulaeparecepreocupadocomouvidosindiscretos.Aliseencontram,segundolhedizem,osr.Flaugergues,deputadoporAveyron,que votou em1814 pela deposição do imperador, e o general Sébastiani, o protótipo do vira-casaca:bonapartista em 1813, realista em 1814, ele acaba de aderir a Napoleão, mas já se prepara paraabandoná-lo de novo. Estão acompanhados de dois protegidos de Fouché: Antoine Jay, deputado ehomemdeletras,eoadvogadoJacquesAntoineManuel.Esteencantaosdeputadoscomseutalentodeorador.E,emcasodenecessidade,saberávaler-sedeleparamanipulá-los.

Calmoedigno,sentadoentreeles,LaFayettedirige-lhesapalavracomumpapelnamão.Derepente,levanta-se.OpresidentedaAssembleiaacabadechamá-loàtribuna.Imediatamentesefazsilêncio.

OpontíficedaRevoluçãoeaAssembleiasoberana

Vendoo general, os deputados se julgamdiante da “Revolução personificada, que sai do túmulo e seapresentapálidaeenrugadanatribuna”.7

Hácercade27anos,quaseexatamente,8LuísXVIapresentavaseuplanodereformasaosdeputadosdaprimeiraAssembleiaNacional,emVersalhes.Nofimdasessão,oreideuordemdedispersaratravésdeseumestredecerimônias,eMirabeaurespondeu,orgulhoso,queanaçãoreunidanãopodiareceber

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ordens.Porsuavoz,aFrança,enfrentandoomonarca,declarava-sedetentoradasoberania.Arevoluçãojurídicainiciadanocomeçodemaiode1789chegavaaseutermo.A14dejulho,arevoluçãopopulardava-lhecontinuidade,etrêsdiasdepoisLaFayette,nomeadocomandanteemchefedaGuardaNacional,recebiaoreiemParis.

Talcomoontem,hojetambéméparaumarevoluçãojurídicaqueLaFayette,deputadoporSeine-et-Marne, convidaos representantesdopovo.As conversasque acabade ter comFouché eRegnault deSaint-Jean-d’Angély confirmaram seus temores: Napoleão está decidido a dissolver as Câmaras, senecessário pela força.9 Cumpre impedi-lo, por motivos ao mesmo tempo diplomáticos, militares econstitucionais.10

Será impossível, pensaLaFayette, entrar ementendimentocomos aliados enquantoNapoleão,porelesdeclaradoforadalei,mantiveropoder.Paranegociardamelhormaneirapossível,éprecisoestaremposiçãodeforça.Napoleão,falandoderecrutamentoemmassa,naverdadetemearmaropovo,poisestariaassimabrindomãodedominá-lo.UmgovernoprovisórionomeadopelaCâmaranão teriaessetemor.Congregandotodasasforçasdanação,eleserácapazde“mantercomosaliadosadignidadedapátriaedefenderobstinadamente,diantedeles,osdireitosdanação”.AFrança,voltandoasersenhoradoprópriodestino,poderáentãodotar-selivrementedenovasinstituições.11

OsdeputadosliberaistambémdesconfiamqueNapoleãopretendevestiracouraçadoditadormilitar.SuaapreensãoalimentaoplanodeFouché.Oministroseesforçaháalgumashorasparaaumentaressetemor.Confirmou-lhesas intenções liberticidasdosoberano,perguntando:“Acasoaceitarãoavoltadatirania?”

Fouché voltou-se então para os bonapartistas, levando-os a temer a extrema fermentação entre osdeputadosdaoposição.Disse-lhes que a únicamaneira de salvarNapoleão era reagir comviolência,mostrarforçaeameaçarusá-laparadissolveraCâmara.Assim,jogandofogoàpólvora,oministrodaPolíciapreparouamaioriadosrepresentantesparaaderiraodiscursodeLaFayetteafimdeescaparàameaçadosbonapartistas.12

OministropodecontarcomoapoiodeBarras:esteconvencional,omaisnotávelartesãodaquedadeRobespierreem9determidor,chegouaotopodasinstituiçõesdeEstadoduranteoDiretório.No18debrumário foiafastadoporBonaparte.Entendendo-secomFouché,entrouemcontatocomosdeputadosque conhece de longa data, recomendando-lhes que incitassem seus colegas a declarar aCâmara “emsessão permanente”. Essa declaração seria ilegal,mas permitiria aos deputadosmanter-se em sessãoenquantocontinuassepesandosobreelesaameaçadeumaditadura.

Ogeneraldirige-se,portanto,arepresentanteseleitosque,comonanoitede19debrumário,espiampelajanelaobrilhodasbaionetas:

“Senhores, nomomento emque, pelaprimeiravez emmuitos anos, levantoumavozqueosvelhosamigos da liberdade haverão de ainda reconhecer, sinto-me chamado a lhes falar dos perigos para apátria,quesóossenhoresterãoagoraopoderdesalvar.

“Boatossinistrosvinhamsendodifundidos; infelizmenteseconfirmaram.Chegouomomentodenosunirmos em torno do velho estandarte tricolor, o de 1789, o da liberdade, da igualdade e da ordempública; é o único que devemos defender contra as pretensões estrangeiras e as tentativas internas.Permitam a um veterano dessa causa sagrada, senhores, que sempre se mostrou estranho ao espíritofaccioso,propor-lhesalgumasresoluçõesprévias,cujanecessidade,espero,saberãoapreciar.

“Artigo1º.ACâmaradosRepresentantesdeclaraqueaindependênciadanaçãoestáameaçada.“Artigo2º.ACâmarasedeclaraemsessãopermanente.Qualquertentativadedissolvê-laécrimede

alta traição; qualquer responsável por semelhante tentativa será considerado traidor da pátria eimediatamentejulgadocomotal.

“Artigo3º.OExércitoregulareaGuardaNacional,quecombateramecombaterãoaindapeladefesa

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daliberdade,daindependênciaedoterritóriodaFrança,mostraram-seàalturadapátria.“Artigo 4º. O ministro do Interior é convidado a reunir o estado-maior geral, os comandantes e

majores da legião daGuardaNacional parisiense, para comunicar osmeios de entregar-lhes armas emobilizarnomaisaltonívelessaguardacidadã,cujopatriotismoeempenhomaisquecomprovadoshá26anosrepresentamumaabsolutagarantiadaliberdade,daspropriedades,datranquilidadedacapitaledainviolabilidadedosrepresentantesdanação.

“Artigo5º.OsministrosdaGuerra,dasRelaçõesExteriores,daPolíciaedoInteriorsãoconvidadosacomparecerimediatamenteàAssembleia.”13

Odiscursoéhábil.Voluntariamentebreve,eleantesincitaoataquequeadefesa,propondoarmasparalevar a cabo a ação. Já nas primeiras palavras, La Fayette assume o tom de pontífice daRevolução.Transporta os deputados para 1789, que continua a ser o momento sagrado de todos os patriotas.Napoleão, cujo nome La Fayette ostensivamente deixa de pronunciar, afirma ter trazido à França aliberdadedentrodaordem;ogenerallembra,assim,queabandeiratricolor,queaindanãoostentavaaáguiadoditador,desdeoiníciogarantialiberdadenasegurança.

O general convida a Câmara a seguir o exemplo da Assembleia Nacional Constituinte, suaantecessora, apropriando-se da soberania que lhe é delegada pelo povo. Mantendo-se em sessãopermanenteeconvocandocomolheaprouverosministros,paradar-lhesordens,aCâmaraconstitui-sesimplesmenteemestadoderevolução.14Oimperadornãosóperdeumapartedesuasprerrogativasdesoberano,comoainda,casoserecuseacumpriravontadedosrepresentantes,serádeclaradotraidorepostoforadalei.15

Os deputados, entusiasmados, aplaudem.HenriVerdier de Lacoste, que representava aGironda naConvenção,pedeapalavra:

“As circunstâncias são graves”, diz ele, “boatos sinistros e a volta do chefe de Estado à capitalexigemqueconheçamosplenamenteaverdade.Exijoqueosministrossejamouvidosemcomitêsecreto.Em tal momento de crise, é preciso esclarecer o povo francês; e para isso é indispensável que osministrosnospermitamconheceraverdade.”

A proposta reforça o Artigo 5º das resoluções apresentadas por La Fayette. Sem mais demora,Lanjuinais propõe que a Câmara se pronuncie sobre os três primeiros artigos, que são adotados semmodificaçõesporunanimidade,àpartealgumasabstenções.

Um deputado exige que no Artigo 4º a expressão “é convidado a reunir” seja substituída por“reunirá”.MerlindeDouai,presentenaqualidadedeministrodeEstado,aproveitaparatomarapalavra:

–Odebatesobrepalavrasvaiesfriarodebate:deveficarclaroqueoministrodoInteriorreunirá.Alémdisso,proponhooadiamentodoArtigo4º,poisaCâmaranãotemconhecimentodanaturezadoscomunicadosquelheserãofeitos.

Apropostaéaprovada.Osbonapartistasrespiramaliviados,poisoministrolançaoprimeirojatodeágua fria no incêndio que acabava de ser ateado. O adiamento do Artigo 4º joga para adiante amobilizaçãodaGuardaNacionale,provisoriamente,privaaAssembleiadeumaforçaarmadaqueseriaaúnicacapazdeseoporaoprojetodeNapoleão:voltaraestabeleceraditaduradaforça,comaajudadospoucosmilharesdesoldadosdequedispõenacapital,paraemseguidaimpor-seàAssembleiacomoúnicorecurso.

AGuardaNacional–nembonapartistanemrevolucionária

AGuardaNacionalparisienseéumamilícia formadaporproprietáriose comerciantes.Aexemplodaburguesiadaqualprovém,nãoérealmentebonapartistanemrevolucionária,nemmesmocompletamente

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liberal. A Guarda Nacional aceita tanto Napoleão quanto Luís XVIII, desde que a monarquia sejamoderada.

QuandoNapoleãovoltoudailhadeElba,elasofreuapenasumexpurgolimitado.NelapermanecemrealistascomoAclocque,quesaudouLuísXVIIIquandoosoberanopartiuparaoexílio.Hojeeleafirmaque“Veillonsausalutdel’Empire”(ZelemospelasaúdedoImpério)éumhinoincendiário,proibindoque seus músicos o toquem. Sem chegar a ser seguidores fiéis de Luís XVIII, outros integrantes nãoescondem sua hostilidade aNapoleão.Em16de abril, quandoo imperador passara em revista os 48batalhõesdegranadeirosecaçadoresnoCarrousel,cincolegiões,especialmenteasdosbairrosricosdaregiãooestedeParis,preferirammantersilêncio,emvezdegritar“Vivaoimperador!”.

Acadacerimônia,Napoleãodirige-seaosguardaschamando-osde“soldadosdaGuardaNacional”,oqueprovocacomentários.Mas seNapoleãoenxerganelauma forçamilitarde reserva,o fato équeaGuardaNacionalserecusaaserarregimentadanoGrandeExército.16

Comandante de direito da Guarda Nacional, Napoleão escolheu o conde de Mathieu Dumas paraexercerseucomandoefetivo.DesdeaGuerradaIndependênciadosEstadosUnidos,Dumas,deorigemnobre,éamigodeLaFayette,queofezseuajudantedecampo.AmbosfugiramdaFrançaem1792.Devoltadesseperíodocomoémigré eeleitodeputadodoConselhodosQuinhentos,Dumasempenhou-seporviaslegaisemlevarLuísXVIIIaotrono.Masemvão.SeveioasealiaraNapoleão,comotantosoutrosnobres,averdadeéquenuncaperdeuaesperançadeverosBourbonreinandonovamente.

OArtigo4ºpodetersidoadiado,masosrepresentantesaindaassimjulgamcontarcomacolaboraçãodeDumasedegrandepartedoshomensqueelecomanda.ÉoqueodeputadoDupinlembraaosqueporacaso têm alguma dúvida: “Aqui não há nada a temer”, proclama, “pois estão cercados da GuardaNacional,quetemconhecimentodaresoluçãotomadapelaCâmaraeafarárespeitar.”

“DentrodealgunsmomentosaCâmarapoderáserdissolvida”

Osrepresentantescontinuamdebatendo.Ainiciativatomadaosexalta,otemordeumgolpedeforçaosaproxima. Ao deputado Lacoste, segundo o qual “as circunstâncias são graves e circulam boatossinistros”, faz eco à voz de um deputado cujo nome não ficou registrado nas atas das sessões:“Senhores”,dizele,“dentrodealgunsmomentosaCâmarapoderáserdissolvida.”

Chegouahora,prossegueele,de“mostrarcoragem”e“apoiaraspropostasdeLaFayette”.Éprecisomanter a união e “não desanimar enquanto não tivermos obtido as informações que nos parecemurgentes”.Osrepresentantesqueremmuitomaisqueumsimplescomparecimentodosministros.Projetamuma reformadas instituições, resgatandoo tomquase religiosodospatriotasde1789,que juravamnasaladoJeudePaumenãosesepararsemdarumanovaConstituiçãoàFrança.

Os representantes decidem comunicar suas decisões aos franceses por meio de cartazes. É umamedidahábil,propostapelodeputadoDubois,talvezobedecendoaoressentimentodesseantigodelegadode polícia cuja reintegração aoConselho de Estado foi rejeitada porNapoleão.Ao assegurar amaisampla difusão possível das medidas tomadas pela Câmara, os representantes se previnem contra“relatóriosmentirososepérfidos”.Esobretudoseapresentamcomodepositáriosdasoberanianacional,prestandocontasdesuasdecisõesaoseleitores,seusmandatários,osúnicoscomdireitodesancioná-las.

Porfim,aCâmaraenviaumamensagem“aosdoisramosdaautoridaderepresentativa”,parainformá-los das suas decisões. Por “dois ramos” entendam-se a Câmara dos Pares, por um lado, e por outroNapoleão,colocando-seosoberanoempédeigualdadecomasduasAssembleias.17

IncitadossecretamenteporFouchéeàsclarasporLaFayette,osrepresentantestomaramainiciativadeatacar.Numarevolução,issoémeiocaminhoandadoparaosucesso.

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9.Fascinadopeloabismo

PALÁCIODOELISEU,13h

“Sefornecessário,abdicarei”

NoEliseu,Napoleão continua indignado.Que os representantes ajam comobemquiserem, ele não osteme,eafirma:“Oquequerquevenhamafazer,sereisempreoídolodopovoedoExército.Bastadizerumapalavra,eserãotodosaniquilados.”

E então o imperador começa a sonhar em voz alta. Acompanhado da antiga Guarda Imperial, eleatravessaaregiãodeChampagne,detém-seemSoissonseLaon,esperaqueoinimigopasseàsuafrenteparaatacá-lopeloflanco…

Entrandonasala,Regnaultotrazdevoltaàrealidade,aoinformá-lododiscursodeLaFayetteedavotaçãonaCâmara.

“Eu bem achava que devia ter despachado toda essa gente antes da minha partida”, diz ele comdesprezo.“Agora,acabou,elesporãoaFrançaaperder!”1

OrdenarumgolpedeforçajustificadopelodesrespeitoàConstituiçãoporpartedaAssembleia?Elenovamenteétomadopeladúvida.InterrogaDavoutcomoolhar.OministrodaGuerra,queantespregavaaviolência,achaquejápassouomomentodeentraremação.

“A resolução dos representantes é inconstitucional, mas é um fato consumado”, diz Davout. “Nãodevemos nos iludir quanto à possibilidade de repetir o 18 de brumário nas atuais circunstâncias. Deminhaparte,eumerecusariaaserinstrumentodetaliniciativa.”2

Aovoltardoexílio,Bonapartetinhaoperfildeumsalvador,comoháquinzeanos.DesdeWaterloo,perdeuessestraços.Éissoquenãolhepermitelivrar-sefacilmentedosdeputadosinfiéis,tantomaisqueinvocamcontraeleasoberanianacional.

Davout, entendendo-o muito bem, reage ao mesmo tempo como político e militar. Ele sabe que acorrelaçãodeforçasnãoémaisfavorávelaoimperador.SeestetivesseadiadooudissolvidoaCâmaralogo ao chegar à capital, teria a seu favor a legalidade e a força: as poucas tropas de que dispunhapodiamocuparoscentrospolíticosnevrálgicosecalartodaaoposição.Surpreendidos,osrepresentantesficariam imobilizados.MasNapoleão não foi capaz de exercer sua vontade, e agora os deputados játinhamse investidoda legalidadeparaentraremação,deumaforçapara triunfar.MinistrodaGuerra,Davout sabeperfeitamentequeogovernonãopode contar comasguardasnacionais.Quanto a apelarparaopovo,para“acanalha”,nempensanisso.

Napoleão suspende a sessão, acrescentando: “Vejo que Regnault não me havia enganado. Se fornecessário,abdicarei.”

Dando-secontada imprudência,elecaiemsi, recuaeafirmaqueantesde tomarpartidoéprecisoentenderemquepodedartudoisso.

Váriosministros aconselhamque ele compareça àCâmara, sempompanemescolta, para falar dosriscoscorridospelapátriaeconvidartodososfrancesesaseunircontraoinimigocomum.Oimperadornãoaceitaessainiciativa,contráriaàsuadignidade.

PassaentãoaditaraRegnaultaspoucaslinhasqueleránaCâmaradosRepresentantes;Carnotfaráo

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mesmonaCâmaradosPares:3“O imperador chegouàs11h.ConvocouoConselhodeMinistros; anunciouqueo exército francês,

depoisdeumanotávelvitórianasplaníciesdeFleurus,ondeaelitedoexércitoprussianofoiesmagada,travouumagrandebatalhadoisdiasdepois,aquatroléguasdeBruxelas:oexércitoinglêsfoiderrotadodurantetodoodiaeobrigadoacederseucampodebatalha.

“Seis bandeiras inglesas haviam sido tomadas, e o dia estava decidido quando, à noite, elementosmal-intencionadosespalharamoalarmeeprovocaramumadesordemqueapresençadeSuaMajestadenão foi capaz de corrigir, porque já era noite. Seguiram-se desastres que não foi possível conter. OexércitosemobilizousobasmuralhasdeAvesnesePhilippeville.SuaMajestade foiparaLaon,ondedeuordensa fimdequeumrecrutamentoemmassadosguardasnacionaisdodepartamentocortasseocaminhodosfugitivos.VeioemseguidaaParis,paraconferenciarcomosministrosarespeitodosmeiospararestabeleceromaterialdoExército.

“A intenção de Sua Majestade é entender-se igualmente com as Câmaras quanto às medidaslegislativas exigidas pelas circunstâncias. Sua Majestade cuida no momento das propostas a seremlevadasàsCâmaras.”

Na boca do imperador, o desastre transforma-se em peripécia. Será que espera assim enganar osdeputados? Ditando semelhante fábula a Regnault, o imperador não estaria optando pela cegueira?Durantetodoodia,eleparecefascinadopeloabismoquehaverádeengoli-lo.

PALÁCIOBOURBON,13h30

Garantiradivulgaçãodassessões

A convite do presidente, Regnault lê na Câmara o comunicado do imperador. Os deputados malconseguem acreditar no que ouvem. Os militares que chegaram à capital acompanhando Napoleãodescreveram-lhes uma catástrofe sem precedente. Napoleão agora aminimiza, botando-a na conta domedodisseminadoporalgunsmal-intencionadosedocairdanoite.Certosdeputadosaindaselembramdopânicoqueem1792desestabilizaraasfileirasdosvoluntáriosnacionais,levando-osatéamatarumgeneral.Masaquiloeracoisadejovenssoldadossemexperiênciadefogo.OexércitoarregimentadonomonteSaint-Jeaneraformadomajoritariamenteporveteranoseacabavadeobterbrilhantesêxitos.Quempodeacreditarquesoldadossecomportaramcomogarotosapanhadosemflagranteroubandomaçãs?

Regnault sente a Câmara tão incrédula que solicita completar as informações transmitidas lendo oBulletindelaGrandeArméequeacabadeserinseridonoMoniteur.Osdeputadosseperguntamsenãoestariamzombandodeles.O jornal já está à vendanos corredores, por que diabos precisariamqueolessemparaeles?Por sinal,quemnãosabequeoBulletinmanipula averdade?“MentirosocomoumBulletin!”,costumamdizerosprópriossoldados.

Os representantes exigemmais uma vez a presença doministro daGuerra e dos demaisministros.Enquanto isso,votamcontraa leituradoBulletin edispensamRegnault, declarandoque irãopassar àordemdodia.

Investidosdenovaautoridade,osrepresentantessentemnecessidadedeorganizarmelhorsuassessõese,antesdemaisnada,garantirsuacorretadivulgaçãoparaosfranceses.

Comrazão,osdeputadosnãoconfiammuitona imprensaoficialemmatériade reproduçãofieldosseus debates. Assim, discutem, sem chegar a um acordo imediato, a possibilidade de contratartaquígrafos.Valendo-sedeumaescritasimbólica,elestinhamemoutrostemposregistradocomrapideze

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fidelidadeafaladosconvencionais.4Osveteranosdasassembleiaspolíticastambémconhecemanecessidadedeorganizarosdebates.A

situação revolucionária aumenta o entusiasmo dos deputados, que, disputando a palavra, podem gerarcacofonia.

Dumolard,antigodeputadodaAssembleiaLegislativa,propõequesefaçacomonaépoca:quemquerfazerumaperguntanãosedirigeaoministro,masaopresidente.ConsultadaaAssembleiaeconsideradaaperguntaadequada,opresidenteaformula.Oobjetivoéimporordemàsessão,mastambémconvémconferir-lhealgumsentido.Aoadotaralgoquepodeparecerumcerimonialinútil,aCâmarafarácomqueosministrossintamquesãorecebidoscomoagentesdoPoderExecutivo,equeopovosoberanolhesfalapelabocadopresidente.

AsseguraraliberdadedaCâmara

Às15h,aCâmaraestranhaaausênciadosministrosporelaconvocados. JayeManuel,oshomensdeFouché,intervêm.OprimeirofoiprofessordosfilhosdoministrodaPolícia.Homemcultivado,Jayéumacanhado que prefere escrever a falar. Manuel é exatamente o contrário: notável poder de oratória,“grandepresençadeespíritoecoragematodaprova”.5

Jaysolicitaqueoutramensagemsejaenviadaaosministrosparaquetomemconhecimentodequesãoesperadosafimdeprestaresclarecimentos imprescindíveis.Aexecuçãodessaordeméconfiadaàsuaresponsabilidade.Apropostaévivamenteapoiadaeasmensagenssãoenviadas.

Manuel,porsuavez,exigeacriaçãodeumacomissãocommembrosescolhidospelos67deputadosque integramoComitêdeConstituição.Acomissãoserá incumbidaderecebereestudarasmedidasaserempropostaspelosdeputadosquedeliberamsobreosgrandes interessesdaFrança.Abreviadososdebates,asresoluçõespoderãosertomadascommaisrapidezeeficácia.

Atentativademanipulaçãoparecetransparente:ManuelnaverdadeestáconvidandoaCâmaraaabrirmão de seu poder de decisão para transferi-lo a um comitê, embrião de um governo. Chovem “Não!Não!”detodososlados.

Convocar osministros para explicar a situação, responder às perguntas dos deputados e prever odesenrolar das sessões são medidas sensatas, mas quem pode saber se a Câmara preservará sualiberdadecasonãoestejaprotegidaporumaforçaarmada?ApesardaamizadeentreDumaseLaFayette,osdeputadosestãonovamentepreocupados.

O general Sébastiani propõe aos chefes de legião da Guarda Nacional que cada ummobilize umbatalhãoemarmasparacuidardasegurançadarepresentaçãonacional.OdeputadoLefebvreinformaqueissojáfoifeito:aComissãoAdministrativadaCâmara,daqualémembro,acabadeordenaraogeneralDurosnel,comandanteadjuntodaGuardaNacional,quemobilizequinhentosgranadeirosparacercaropalácioBourbon.

Outromembro da comissão anuncia que umbatalhão já está a postos.Na verdade, o representanteDelessert,quechefiaa3aLegiãodaGuardaNacional,apressou-seareunirseushomenseosconvenceudequepesavaumaameaçasobreaCâmara.Assiméqueelessãodispostosdiantedasgradesdopalácio,dearmaempunho,cartucheiracheia.6

São16h.Davoutnãoseenganara:acorrelaçãodeforçasmilitaresalterou-seemfavordaCâmara.Duashorasantes,nomomentoemqueLaFayetteconcluíaseudiscursoeaAssembleiaaderiaàsua

posição,Villemain, o jovem conferencista, perguntava-se, ouvindo os deputados, o que aCâmara dosParesfarianacrisedeclarada.ContariatambémelacomumLaFayettenaliderança?OurepresentariaumobstáculoparaamoçãodaCâmaradosRepresentantes?

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AspessoasquerodeiamDavoutnãosepreocupavammuitocomaquestão.Masofatoéquemuitosmembros da Câmara dos Pares se acotovelavam nos corredores ou na tribuna reservada do palácioBourbon.Éaíqueumamãotocaseuombro,perturbandoasreflexõesdojovemprofessor.Umavozlhemurmuraaopédoouvido:“Venhaveracontinuação.”

Minutos depois, o condedePontécoulant o conduz aopaláciodeLuxemburgo.Antigogirondino, ocondeépardaFrançaenãotrazpropriamenteoimperadornocoração.7

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10.Asalvaçãodopovo

PALÁCIODELUXEMBURGO,13h30-16h

“Mastudoissoésériomesmo?”

Da tribuna, o jovemVillemain observa aCâmara dos Pares. Fica impressionado com “o aspecto nãoexatamentetranquilo,masdesolado,daCâmara,comagrandequantidadedeassentosvazios”.Aguerraexplicamuitasdasausências,poisamaioriadospareséformadapormarechaisegenerais.Osoutrossãoministros,altosfuncionários,oficiaisdacorteimperialaosquaissejuntamdoismanufaturadores.

Preocupado coma reconciliaçãonacional,Napoleãonão afastara as personalidadesquehaviam semostrado hostis a ele. Dos 117 pares com assento no Luxemburgo, 27 tinham votado, em termosultrajantes,peladeposiçãodo imperador,em1814,ouocupadoassentosnaCâmaradosParesdeLuísXVIII.“QuantosbonsamigosdaRevoluçãoedoimperador!”,ironizaVillemain.1

Ochanceler-moreministrodaJustiça,Cambacérès,presideasessão.Pedeaosparesquevoltemaseuslugaresefaçamsilêncio,eentãomandaleraatadasessãodavéspera.Nelaérelatadoumincidentereveladordascríticasendereçadasao regime imperial.OgeneraldeLatour-Maubourg,pardaFrança,queixou-se veementemente do adiamento da monarquia constitucional prometida e inaugurada porNapoleão. O nobre, ligado a La Fayette, criticou os exílios, os sequestros de bens e as detençõesdeterminados pelos prefeitos em vários departamentos. Insatisfeito com uma resposta que desfiava oshabituais lugares-comuns sobre a gravidade da situação e as necessidades políticas,Latour-Maubourginsistiuegeroufatosnovos.Entretanto, sobaalegaçãodequeaquestãonão interessavaaninguém,odebatefoiadiado.2

Feitaaleituraeaprovadaaata,CambacérèspassaapalavraaCarnot,quefazaleituradodiscursodeNapoleãoàsduasCâmaras.

Oestranhorelatório,detãonegligenteinverossimilhançaelidocomtãopoucafirmezapeloministrodo Interior, deixa os pares incrivelmente inquietos, constata Villemain. Eles se levantam, conversam,parecemseperguntarsetudoaquiloérealmentesério.SerápossívelqueohonradoeausteroCarnot,ex-relator do ComitêMilitar, que foi o organizador da vitória, confira hoje sua voz e sua autoridade arelatosamorfosapontodeconstituirum insultoà razãopública, aobomsensodeumpaísaoqual sepretendeimportantosnovossacrifícios?3

Apátriaemperigo,aindependêncianacionalameaçada

Nessemomento,oportadordamensagemdaCâmaradosRepresentantesentranasala.Cambacérès,quesepreparaparapartiremdireçãoaoEliseu,voltaasesentarepedeaThibaudeauqueleiaamensagem.Um burburinho toma conta da Assembleia. Concluída a leitura, enquanto o chanceler-mor se retira,entregandoapresidênciaaocondedeLacépède,Thibaudeauexpõeseupontodevista.

Até agora partidário de uma ditadura de salvação pública estabelecida com a concordância dasCâmaras,Thibaudeaupassaarejeitá-la,temendoqueNapoleãovenhaainstaurá-lasemoconsentimento

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dosdeputadosedospares.Elereconhecequeosrepresentantesdopovo,diantedoperigoiminentequeameaçaapátria,estãodandoumbeloexemploàCâmaradosPares.Entretanto,receandoalgumapressãoexterna sobreaAssembleia,ThibaudeausolicitaqueaCâmara seconstituacomocomitêsecreto paraexaminaroquefazerarespeitodamensagemdosrepresentantes.4

OcondedeLatour-Maubourgficaindignado:–Porqueumcomitêsecreto?Nãovejonecessidade.Éprecisoquenossadeliberaçãosejapública,

paraque,publicamentemanifestados,nossossentimentosemrelaçãoàpátriasejamconhecidosdetodaanação.

A Câmara apoia essa proposta. O conde de Pontécoulant, que se afastara de seu jovem amigoVillemainparasentar-secomoscolegas,pedeapalavra.Mas,apesardesuareconhecidaoposiçãoaoimperador,elemanifestapreocupaçãocomalegalidade:

“O imperador está neste momento em Paris”, diz ele. “Considero portanto que seria grandeinconveniênciaconvocarosministrosaestaCâmara.Seriainclusivequestãodesaberse,mesmoausenteoimperador,nãohaveriaalguminconvenientenessainiciativa.Nãomeparecequesedevaaceitaressaparte da resoluçãodos representantes…Nas atuais circunstâncias, tão graves e imperiosas, propostasdessealcancedevemserconfiadasaumacomissão,deacordocomoregulamento.”

Umhomemdeaspecto imponenteegravidadesimplesse levanta.Villemainobservaesse rostoquetem“expressãoaomesmotempodesinceridadeesoberba”.Paraojovem,ocondedeBoissyd’Anglas,queagora tomaapalavra,éumherói.Em1794,elecontribuiuparaaquedadeRobespierre.Em1ºdeprairialdoanoIII(21demaiode1795),quandoestavanapresidênciadaConvenção,eleenfrentaracomsangue-frioossans-culottes,aquelhetraziamnapontadalançaacabeçadodeputadoFéraud.Em1814,ocondevotoupeladeposiçãodeNapoleão.Dirigindo-seaoscolegas,eledeclara:

“Quando a pátria está em perigo e a independência nacional é ameaçada, não é omomento de sepreocupar com formasque sópodemser aplicadasem temposnormais.Solicitoqueamensagemsejaimediatamentelevadaemconsideração.”

OcondeValence intervém.Éumhomemrespeitado.CombateuemValmyem1792,naEspanhaem1809enoanoanteriororganizouaresistênciaaoinvasornoFranco-Condado.ElerejeitaapropostadeBoissyd’Anglas:

“Temostemposuficienteparatomarumadecisão.Oimperadorvaireunirseusministrosemconselho,e,como levaremosquatrooucincohorasparaconhecero resultado,épossívelquenesse ínterimumacomissãoexamineamensagemenoscomuniqueseupontodevista.”

Carnotaprovaamedida,quepodeimpedirumavotaçãoprecipitada.Boissyd’Anglasvoltaaoataque:“Seria mesmo necessária uma comissão para expressar nosso sentimento e fazer declarações

semelhantesàsqueestãocontidasnamensagemdaCâmaradosRepresentantes?”Eleinsiste:“Ossenhoresdeclaramqueaindependênciadanaçãoestáameaçada.“Os senhores declaram que estão em sessão permanente e que qualquer um que tente dissolver a

Câmaraseráumtraidordapátria.“Ossenhoresdeclaramqueastropasregulareseasguardasnacionaismostraram-seàalturadapátria.“Parece-meque,parataisdeclarações,seriaperfeitamenteinútilainterferênciadeumacomissão.”NicolasMarieQuinettetambémintervém.Convencionalregicida,elefoicapturadopelosaustríacose

maistarde,em1795,trocadopelafilhadeLuísXVI,aatualduquesadeAngoulême.QuinettedevetudoaNapoleão:suafunçãodeprefeito,seuassentonoConselhodeEstadoeseutítulodebarãodeRochemont.Semremorso,eleabandonaoimperador,juntando-seaBoissyd’AnglaseaosseguidoresdeLaFayette.

“ACâmaradosRepresentantesdeclarou-seemsessãopermanente”,começaele.“Estaresoluçãodeve

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serapoiadaeconsolidadapordeliberaçãoequivalentedaCâmaradosPares.”Depoisdeumavotaçãonaqualse rejeitaacriaçãodeumacomissão,osparesdiscutemartigopor

artigo a declaração da Câmara dos Representantes. O primeiro artigo é rapidamente aprovado. Osegundo,a respeitodeumasessãopermanentedaCâmara,dá lugaraumconfrontooratóriodegrandevivacidade.

“Quemnosameaça?Quem?Acasoseriaogoverno?”

Aexemplo dos representantes, os pares também têm consciência de estar promovendo uma revoluçãoinstitucional.Alguns sentem escrúpulos de se opor a um homem ao qual tudo devem.Querem, assim,justificar-se.Pontécoulantfaz-seseuintérprete.

Ummomentoantes,eleaindaestavapreocupadocomalegalidade,masei-loagoraaexplicarqueadeclaraçãodosrepresentantes,apesardeirdeencontroaoAtoAdicional,nãodeixadeserpositiva,poisé determinada pelo perigo extremo em que se encontra a pátria. A sessão permanente das Câmaras,explicaelecomahabilidadedeumjesuíta,éindispensávelparaasalvaguardadoregimeconstitucional,aintegridadedasleisedoterritóriofrancês.

Todos os artigos da declaração, acrescenta o conde, constituem a base sobre a qual repousa a“salvação do povo”.5 O que significa que a ditadura de salvação pública exigida por Napoleão já éexercidapelos“representanteseletivoseosrepresentanteshereditários”danação.Aexplicaçãocausaalívio na Assembleia, que aprova em votação o Artigo 2º e o Artigo 3º, prestando homenagem aoExércitoregulareàGuardaNacional.

Valence não se dá por vencido. Obstinado, volta à carga. Decididamente, ele não compartilha aopiniãodoscolegas.AonovodireitoqueasCâmarasagoraameaçamcriareleopõeodireitodoregimeimperial.ApoiadopelocondeÉlizabeth-PierredeMontesquiou-Fezensac,umdosmaisfiéisseguidoresde Napoleão,6 Valence volta a tratar do Artigo 2º, que acrescenta à sessão permanente o imediatojulgamento de todos aqueles que pretendem dissolver as Câmaras. O militar reformado insiste nagravidadedeumdispositivopenalvotadoemregimedeurgênciasemaparticipaçãodostrêspoderes,nemas formascomunsdedeliberaçãoesanção.7Diantedeumaviolaçãodo regulamentoporpartedaCâmara,parece-lheindispensávelrecorreraumacomissão.

Pontécoulantintervémindignado:“Sãoos senhores que violamo regulamento ao recuar constantemente de umadecisão tomadapela

Assembleia.Adesignaçãodeumacomissãofoirejeitada.”ComoosparesimplicitamenteatacamNapoleão,Valencetentaforçá-losasedesmascarar.Pergunta-

lhes:–Os senhores pretendemdeclarar traidor da pátria quemquer que tente dissolver a representação

nacional.Quemnosameaça?Quem?Acasoseriaogoverno?–ÉacanalhaincitadapelosinimigosdaFrança–respondePontécoulant.Eocondesedeclaradispostoaseroacusantepúblicodequalquerministroqueapresenteumdecreto

dedissolução!–Qualcanalha?Quaisinimigos?–voltaaperguntarValence.Pontécoulant, querendo bancar o procurador, perde o sangue-frio. Boissy d’Anglas vem em seu

socorro:–Éindecentevoltarquatrovezesàmesmaproposta–dizele.–Peçoquepassemosaosvotos,eque

aquelequeaindavenhaaentravaradecisãodaAssembleiasejachamadoàordem.OsparesacabamaprovandoporvotoumaresoluçãoconcordecomadaCâmaradosRepresentantes,

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comexceçãodoArtigo5º,deconvocaçãodosministrosàAssembleia.Aoatentargravementecontraoregimeimperial,osparesfingemcompartilharosescrúpulosdelegalidadedePontécoulant!

TendoaCâmaradecididoenviaradeclaraçãoaoimperadoreaosrepresentantesdopovo,asessãoésuspensa.São4hdatarde.

NasruasaoredordopaláciodeLuxemburgoedopalácioBourboncomeçaajuntar-seumamultidão,eosexemplaresdoMoniteurrelatandoabatalhadomonteSaint-Jeancirculamdemãoemmão.Cadaumfaz seu comentário. É verdade que houve uma derrota, mas, afinal, é perfeitamente possível que adebandadadoexércitotenhasidoprovocadaporboatosmal-intencionadosdetraidores.Porsinal,nemtudoestáperdido,poisoimperadornãoanunciouqueoexércitovoltaaserarregimentadonafronteira?QueaCâmaradosRepresentantes lhedêosmeiosnecessáriospararetomara luta,eaguerra iniciadasobmausauspíciosterminarácomavitóriadenossosexércitos!

PormaisqueosrealistasdistribuampanfletosprevendoofimdoImpério,ninguémqueracreditar.Ostranseuntesdãodeombrosemsinaldedesprezoerasgamopoemaqueafirma:

DufierNapoléon,Exécronslamémoire.CettepunitionEstleprixdesagloire.b8

VillemaineoscidadãosquesaemdastribunaspúblicasdaCâmaraentendemperfeitamente,todavia,queospares,aexemplodosrepresentantes,recusam-seacontribuirparaumnovoplanodecampanhadoimperador. Alguns se destacam da multidão e se dirigem ao palácio do Eliseu, na esperança de verNapoleão.

aSans-culottes: literalmente,“semculotes”, semoscalções típicosdanobreza;essa foiadenominaçãodadapelosaristocratasaartesãos,trabalhadores ou pequenos proprietários que participaram da Revolução Francesa, sobretudo em Paris; os sans-culottes defendiam oaprofundamentodasreformaspolíticaseaçõesdenaturezapopular.(N.T.)b“DoaltivoNapoleão/Execremosamemória./Essapunição/Éopreçodesuaglória.”(N.T.)

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11.“Seeuquiser,dentrodeumahoraaCâmaranãoexistirámais”

PALÁCIODOELISEU,17h-19h

“FalemdointeressedaFrança”

Comasmãoscruzadasnascostas,Napoleãocaminhaporseugabinete.Estáfurioso.Osrepresentantesforam muito audaciosos! Arrogam-se direitos sobre seus ministros! Convocam-nos como se fossemservosobrigadosainformá-loseobedecer-lhes!

“Proíbo-os de sair do lugar!”, exclama para osministros, que ali permanecem imóveis, sem nadaousardizernapresençadosoberano,que,pálidodecólera,parecedispostoaqualquercoisaparareagiraoinsulto.

MashábarulhodebotasaoredordopalácioBourbon,guardastomamposiçãodiantedoSenaejáseouvemconclamaçõesàdeposiçãonasCâmaras.

Napoleãohesita.Maisumavez,odilema:sufocararebeliãoounegociar.Aospoucosaindignaçãosevaieeleétomadopeloabatimento.Queseja!OsministroscomparecerãoàsCâmaras,nãocomoagentesdo Poder Executivo, obedecendo a uma intimação, mas como portadores de uma nova mensagemimperial. Serão portanto acompanhados por um delegado extraordinário, incumbido de representar oimperadoreresponderemseunomeaosdeputadoseaospares.Aleiopermite.

Para essamissão, o imperador escolheLucienBonaparte.Napoleão confiamais nele que em seusministros. Sabe que o irmão, político hábil, é capaz de lutar encarniçadamente contra o infortúnio.Durantemuito tempo afastado do poder, Lucien deseja “recuperar-se de um longo jejum de ambiçãoacumulada”.1

Ahistóriaserepete:no19debrumário,Bonapartenãosoubeexpressar-seanteumaAssembleiaemfúria, e Lucien a enfrentou. Sua firmeza diante dos deputados salvou a situação. Nesse 21 de junho,Napoleão, em nome da própria dignidade, recusa-se a comparecer às Câmaras, e mais uma vez ésubstituído por Lucien. Uma coisa é falar a soldados em posição de sentido, outra bem diferente éconvencerumaAssembleiaindócil.

AescolhadeLucienpararepresentá-lopareceaoimperadorumasábiadecisão.Narealidade,éumaresoluçãoexecrável,poismergulhaosdeputadosnopiordospesadelos:emmeioaorufardetamboreseaos soldados mirando as baionetas, eles enxergam o fantasma deMurat; voltam a vê-lo entrando noConselho dosQuinhentos, em 19 de brumário, e ordenando aos granadeiros: “Botem essa gente parafora!”Por trásdeMuratestavanessediaohomemqueNapoleão lhesenviahoje.Comoosdeputadosdeixariamdesentirvertigemà ideiadequeLucienBonapartenaverdadeantecedeo irmãoemalgunsminutos?Debotasecapacete,Césarprepara-separaimpor-lhessuatirania.

Inconscientedareaçãodedefesaquevaiprovocar,Napoleãodirige-seaosministros,recomendando:“IdeefalaidointeressedaFrança,quedevesercaroaosseusrepresentantes.Aoretornardes,tomarei

adecisãoquemeforditadapelodever.”

“Sereiacasoummiserávelchefedepartido?”

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NapoleãoconvidaLucienaficareoconduzporumbrevepasseioentreasárvoresdojardim.Porcimadopequenomurolimítrofe,osirmãosveemamultidãoreunidanaavenidaMarigny.GritoseaclamaçõessãoouvidosquandoNapoleãoaparece:“Vivaoimperador!Armas!Armas!”

Lucien:–Muitobem!Está ouvindoopovo?Umapalavra, e os inimigosdo imperador serão sufocados.O

mesmoseverificaemtodaaFrança.Poderá,poracaso,entregá-losàsfacções?Napoleãosaúdaamultidãoeresponde:–Sereiacasomaisqueumhomem,para trazermildeputados transviadosdevoltaàunião,queéa

únicacoisaquepodenossalvar?Sereiacasoummiserávelchefedepartidoparaprovocarinutilmenteuma guerra civil? Não, não! Jamais! No brumário, tínhamos de desembainhar a espada pelo bem daFrança; pelo bem da França, devemos hoje atirar longe essa mesma espada. Vá, tente convencer asCâmaras.Estouaoladodelas;muitopoderiasemelas,pelomeuinteresse,masnãoseriacapazdesalvara pátria.Vá, proíbo-o sobretudode falar, ao sair, a esse povoquemepede armas.PelaFrança, tudotentarei;masnãoquerotentarnadapormimmesmo.

OsolhosdeLucienenchem-sedelágrimas.Ummomentoderealemoçãoouimagemidealizadaparailustraromitonascentedoespíritodesacrifíciodoimperador?PelaprimeiraveznavidaLuciendizterse ajoelhado, “admirando do fundo do coração aquele pai da pátria traído, incompreendido porrepresentantestransviados”.2

Napoleãorejeitaaguerracivil,massedizcapazde,comumsógesto,ergueropovodePariscontraosoponentes.Seriaverdade?Seriaeledefatoesemcontestaçãoo“imperadordossubúrbios”?

OsinfantesfederadosdeParis

Há trabalhadores por toda parte em Paris, empregados nas manufaturas, artesãos, companheiros quetrabalham com seus mestres nas lojas ou oficinas e ajudantes à beira da indigência. Eles sãoparticularmentenumerososnosfaubourgsSaint-AntoineeSaint-Marceau.Paraamaioriadeles,NapoleãoéoherdeirodaRevoluçãojacobina.Sans-culottes do ano II, eles derramaram sangue por ela e ainda estão dispostos a defendê-la a

qualquer pretexto. Na avenida Marigny, ao mesmo tempo que gritam “Viva o imperador!”, insultamaquelesqueaindaconsideramprepostosdoAntigoRegime:“Abaixoospadres!”3

Ostrabalhadoresmanuaisgostamdoimperadorpelotrabalhoasseguradoepelopãovendidoapreçobaixo.Maisaindaqueosoutrosfranceses,mostram-sesensíveisàglóriamilitar.Ecomonãohaveriamde ser, numa cidade constantemente atravessada por desfiles militares, cheia de colunas e arcos detriunfo,templosdeguerraeobras-primaspilhadasnospaísesconquistados?EmParis,muitosvoluntáriosse adiantaram ao chamado de alistamento, dando testemunho do atrativo exercido pela profissão dasarmas.Devoltaàvidacivil,elespropagamocultodoimperadornacapital.4

Nobreemilitar,Napoleãocompartilhaospreconceitosdaselitesemrelaçãoà“classeoperáriadopovo”.5 “Seu pé vacila no terreno da igualdade.”6 Para ele, o operário existe apenas à medida quepertenceaumaentidadecoletiva:opovoeoestadodepobrezanoqualseencontranãosãoumfenômenosocial,masumfatonaturaldesejadopelaProvidência.Opovoéincapazdereflexãopolítica.Senãosetomar cuidado, ele resvala inevitavelmente para a sedição e a anarquia.7 Essa visão da classetrabalhadoraexplicaemgrandepartearecusadoimperadordeserem1815“OReidaJacquerie”.a

Paraevitarorecomeçodasinsurreições,NapoleãoBonapartemuitocedodotou-sedeumaparelhodevigilânciaerepressão:“moscas”ouespiõesinfiltradosnasoficinas, livretd’ouvrierbemanutençãodovetode associação.Enãohesitou em recorrer àGuarda Imperial para sufocar a revolta deCaen, em

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1812.8Invariavelmente,oimperadorfaziacomqueasmedidascontraostrabalhadoresparecessemvotadasà

suarevelia,e,assumindoaposturadevingadordosfracoseoprimidos,conseguiramanter-sefirmenoapreçopopular.Éoqueatestamnumerosasmanifestaçõesemmaiode1815.

Omovimentodefederaçãosurgidonaprovínciaganhouacapital.9Apartirde6demaio,aoladodassociedadespolíticasdeburguesesejovensfuncionáriosliberais,surgeumafederaçãooperária.10Em11demaio, operários dos faubourgs Saint-Antoine e Saint-Marceau comunicam aos concidadãos que setinhamconfederadoparadefenderapátriaequeestãodispostosaaceitaremsuasfileirastodosaquelesque,emcondiçõesdeportararmas,nãopertençamàGuardaNacional.11Suapalavradeordemé:“Vivaanação, a liberdade e o imperador!” Sua carta de adesão, provavelmente redigida pelo antigoconvencionalThuriot, temtudoparaassustarosnotáveis.Elapromete levaro terroraos traidoresqueacasopretendammaisumavezaviltarapátria.

Em14demaio, trabalhadoresdosdois faubourgsdesfilamdaBastilha àsTulherias.Entre eles, osveteranosinterpelamNapoleão:

–Nós não gostamos dos reis impostos pelo inimigo…Vós sois o homemda nação, o defensor dapátria, e preservareis os direitos do povo…Amaioria de nós fez sob as vossas ordens a guerra daliberdadeeaguerradaglória.Apátriadeveentregararmasàquelesquederramaramsangueporela.Dai-nos,Sire,armasemseunome.

Napoleãoresponde-lhes:– Soldados federados, eu voltei sozinho porque contava com o povo e com o Exército. Vocês

justificaram minha confiança. Aceito sua oferta. Vou dar-lhes armas. Soldados federados, há homensnascidosnasaltasclassesdasociedadequedesonraramosanguefrancês,oamordapátriaeosentimentodahonranacional,sentidosinteiramentepreservadosnopovoenoExército.Ficomuitofelizemvê-los,tenhoconfiançaemvocês.Vivaanação!

O relatório do comissário de polícia do faubourg Saint-Marceau frisa que a manifestação, bem-organizada,nãoregistraranenhumexcesso.Terminaracommuitabebida,tendoasautoridadesfornecido6milgarrafasdevinhoaosmanifestantes.12

Antecedidoda“Marselhesa”ede“Ah!Çaira”,codiscursodeNapoleãoinvectivandomembrosdas“classes altas” e prometendo armas aos operários não pode deixar de preocupar os burgueses. E noentantoéumdiscursocomportadoedemagógico,poisNapoleãonão temamenor intençãodearmaropovodossubúrbios.

A 15 de maio, Napoleão decreta a formação de uma força de infantes federados à razão de umregimentoporarrondissement;cadaregimentodeveterdoisbatalhõesecongregar720homens,comumatropa totalizando 17.800 homens. Os infantes federados não serão armados, vinculando-se, notreinamentoenoserviço,àslegiõesdaGuardaNacional.Seuchefe,ogeneralDarricau,éumvieuxdelavieilledeumdosmais fiéisseguidoresdeNapoleão.Em1793,eleestavacomBonapartenocercodeToulon.Acompanhou-o à Itália e aoEgito, combateunoGrandeExército e participouda expedição àEspanha.BarãodoImpério,Darricauestáinsatisfeitocomareputaçãodejacobinismodasuatropa:emartigo publicado peloMoniteur, ele afirma que seus homens não são “clubistas”,e mas soldados querespeitamadisciplinamilitar.

Ossolavancosdobonapartismopopular

OapreçopopularporNapoleãopareceprometerumrecrutamentorápido.Masissonãoacontece.Apenas5milinfantesseapresentam,easautoridades,preocupadas,julgamquenãosealcançariaototalprevisto

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de17.800homens.13Para isso, comitês formados em cada arrondissement fazem listas de trabalhadores aptos a portar

armas. Comitês secundários criados em cada um dos bairros do arrondissement se incumbem dasconvocações.Oscomissáriosdepolíciaquesupervisionamorecrutamentomostram-setãopreocupadoscom o resultado que recomendam que os membros dos comitês sejam escolhidos entre os chefes deoficinamais estimados ou entre as pessoas influentes do bairro. O comissário de Saint-Thomas, porexemplo,escrevea20demaio:

“Previstaparaestamanhã,às10h,naminhacasa,reuniãoparaestabelecerasmaneirasmaisrápidasde iniciar um alistamento voluntário. Tenho para mim que optaremos por visitar oficinas e casas detrabalhadores para exortá-los a se alistar. Precisamos de pelo menos 1.400 homens. Quero crer queencontraremosgrandedificuldade.”

OcomissáriodepolíciaNoël,porsuavez,informa:“23demaio.BairrodeMail.FuiontemcomummembrodacomissãoàsoficinasdosCorreiosonde

jánoshavíamosapresentado semsucesso.Consegui fazer comquealguns trabalhadoresdecidama seengajar. Fui também à oficina dos irmãosErard,mas não pude convencer nenhumdos operários a sealistar.”

A5de junho,ocomissáriodobairroFeydeauedeMont-Blanc informaque,apesardasprementesexortações,poucosoperáriostinhamseapresentadoparaformarumbatalhãodeinfantes.14

Portodaparte,asautoridadesafixamcartazesexortandooalistamento,distribuempanfletosdecasaemcasa,andarporandar,convidandoosmoradoresasejuntaraosinfantesfederados,masosoperáriosnãoseapressamapreencherasfileirasdosbatalhões.

Algunspatrões,semamenorvontadedequeseusoperáriosseausentemparaotreinamento,proíbem-nosdeseengajar.15Aantigaaristocraciatambémcontribuiparaofracassodorecrutamento,pressionandoseus fornecedores. Antigos nobres, carolas e fanáticos, segundo o comissário da ilha Saint-Louis,exercem uma influência que ele tenta reprimir. Carregadores de água e comerciantes varejistas, porexemplo,recusam-seasealistartemendoperderonegócio.16

Essetipodepressãonemsemprefoinecessário.ExisteemParis,comoemoutraspartesdaFrança,umrealismoplebeu.Denunciadoem1815,comojáforaem1814,pelas“moscas”dapolícia,eletambémexplicaafraquezanuméricadoengajamento.

Nobres se engajam nos batalhões de federados,mas para vigiá-los oumanipulá-los.Damasmorraonde está encarcerado, por exemplo, o sr. de Vitrolles, agente de Luís XVIII, ordenou que o sr. deMonjardet solicitasse o posto de chefe de estado-maior do bravoDarricau.Não se sabe que tipo deapoiolhevaleuaobtençãodeumpostodequeseserveparacomprometeraformaçãoeofornecimentodearmasdosinfantes.17

Por sinal, nem todos os antigos sans-culottes apoiam o imperador. Alguns deles ainda criticamBonaparte por ter fechado, em 1796, o Clube do Panthéon, onde se reuniam os babouvistas, ou termandadoexecutaroudeportar jacobinosem1800,ou,duranteo Império,por terdobradoasgreves.18Aindahoje,bastaqueosoperáriosserecusematrabalhar,pornãoteremsidointegralmenteremuneradospelospatrões,paraqueapolíciaintervenhaeosobrigueavoltaràssuasbancas.19

A repugnância de certos operários a se engajar também pode ser explicada pelo fato de que osbatalhões de infantes federados não têm existência autônoma, estando vinculados à Guarda Nacionalquantoaotreinamentoeaoarmamento.

Finalmente,oentusiasmodemuitosoperáriospeloimperadoresfriaemvirtudedoAtoAdicionalàsConstituições do Império. Os operários esperavam que Napoleão não se apresentasse comomonarcamoderado,mascomoditador,impondosualeiaosaristocrataseseusaliados.Mostramquenãotinhammaisconfiançanoimperadorabstendo-semaciçamentenoplebiscito.20

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As abstenções, somadas ao fracasso do recrutamento dos batalhões de federados, permitem umareavaliaçãodobonapartismopopular surgidonaprimaverade1815. Indiscutivelmentemuito forte emParisemmarço,eleperdeintensidadeemjunho,comalgumasvariaçõessegundoosbairros,ascamadasdasociedadeeosofíciosexercidos.

Nanoitedodia21,apolíciaavaliaem6milos indivíduosreunidosjuntoàsgradesdopaláciodoEliseu.Onúmeroéimpressionante.Masamultidãonãoaumentara,talvezatétivessediminuídodesdeamanifestaçãododia14demaio.21Poroutrolado,6milpessoasrepresentamapenas7%dosoperáriosdeParis,emenosde2%,selevarmosemcontamulheresecrianças.22

Diminuição da confiança no imperador? A classe operária parisiense está dividida: aqui, homensdispostos a combater e morrer pelo herdeiro da Revolução; mais adiante, indivíduos afetados pelocansaçoeafaltadeiniciativaquetambémacometemosoutrosfranceses.

aJacquerie:nomedadoàinsurreiçãocamponesaocorridanonortedaFrança,em1358,duranteaGuerradosCemAnos,contraasituaçãodecorrente da ausência de poder ulterior àPesteNegra; o campo estava àmercê de bandos de renegados emercenários saqueadores; arevoltafoiesmagadaemmenosdeummês,comamortedecercade20milhomens.(N.T.)bLivretd’ouvrier:cadernetadooperário,tipodedocumentooficialinstituídopeloConsuladoem1803,cujousofoigeneralizadoporNapoleão,parapermitiràsautoridadescontrolarhoráriosedeslocamentosdostrabalhadores.(N.T.)c“Ah!Çaira”:cançãorevolucionáriaquesepopularizounaFrançanadécadade1790,tendocomotítuloerefrãoumaexpressãoquesignifica“vaidarcerto”.(N.T.)dVieuxdelavieille:“veterano”,alguémda“velhaguarda”,denotandoexperiênciaeconfiança;aexpressãofoiconsagradaaindanaprimeirametadedoséculoXIXparadesignarosintegrantesdaGuardaImperialcriadaporNapoleãoBonaparte.(N.T.)eClubistas:referênciaaosmembrosdoClubedosJacobinos,doqualfaziamparteRobespierre,DantonetantosoutroslíderesrevolucionáriosadeptosdapolíticadoComitêdeSalvaçãoPública,em1793.(N.T.)

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12.Oimperadoremprocesso

PALÁCIOBOURBON,18h-20h

“Faz-senecessáriaumagrandeunião…”

Às18h,quandoaCâmaradosRepresentantesvoltaasereunir,océuestátãoescuroqueopresidente,Lanjuinais,solicitaqueseacendamduastochas.CaminhandoàfrentedeFouchéedosoutrosministros,Lucienentranasala.OuniformedaGuardaNacionalquetrajachocaosdeputados,queinterpretamissocomoaconfirmaçãodosboatosouvidosnoscorredoresdopalácio.Ogolpedeforçaestápróximo.DevoltaaoEliseu,certosrepresentantesdescrevemamultidãoqueaplaudeoimperadoreafirmamqueumbatalhãodeinfantesfederadosmarchaparaopalácioBourbon,seguidodeumdestacamentodaGuardaImperial.Maisumavezofantasmade19debrumárioassombraaAssembleia.1

Luciensobeàtribunaefalacomvozcalma:– Senhores representantes – começa ele –, nomeado delegado extraordinário de Sua Majestade

Imperialparaviraovossoencontro,comoobjetivodetomarconvoscomedidasdeprudência,depositonamesa amensagemdeSuaMajestade e solicito que se disponhama formar umcomitê secreto paraouvirosministros.

A convite do presidente, os espectadores se retiram e as portas são fechadas.2 Lucien lê então amensagem:

Senhorpresidente,DepoisdasbatalhasdeLignyemonteSaint-Jean,etendoprovidenciadooagrupamentodoexércitoemAvesnesePhillipevilleparaadefesadasfronteirasedascidadesdeLaoneSoissons,dirigi-meaParisafimdeacertarcommeusministrosasmedidasdedefesanacionalemeentendercomasCâmarasquantoaonecessárioparaasalvaçãodapátria.

FormeiumcomitêcomoministrodasRelaçõesExteriores,ocondeCarnoteoduquedeOtrante [Fouché]para retomareacompanharnegociaçõescomaspotênciasestrangeiras,comoobjetivodeconhecersuasverdadeirasintençõesepôrfimàguerra,casosejacompatívelcom a independência e a honra da nação.Mas se faz necessária uma grande união, e eu conto com a cooperação e o patriotismo dasCâmaraseseuapreçoporminhapessoa.

Envio ao recinto da Câmara, como comissário, o príncipe Lucien, acompanhado dosministros das Relações Exteriores, da Guerra, doInterioredaPolíciaGeral,paralevarapresentemensagemeforneceroscomunicadoseinformaçõesdequeaCâmarapossaprecisar.3

Davout, Carnot e Caulaincourt sucedem-se na tribuna, fornecendo informações sobre as tropas, osrecursosdointerioreasnegociações.Emsuapoltrona,Lucienparecemergulhadoempensamentos.Estáconvencido de que, ao enviar seus ministros e um delegado extraordinário ao recinto das Câmaras,Napoleão,“porassimdizer,jáabdicoudopoder”.4

Oburburinhoque toma conta da reuniãovemafastá-lo de seus pensamentos.Muitos representanteslevantam-separaquestionarosministrosquesemantiveramcalados.Osdeputadosestãoindignadoscomisso. Emmeio ao tumulto, um colaborador próximo de Fouché, o representante Lacoste, ex-chefe dedivisãodosArquivosdaPolícia,fazaperguntaqueestáemtodasasbocas:

“Osenhornosfaladeindependêncianacional,nosfaladepaz;masquenovasustentaçãopoderádarasuasnegociações?Quenovosmeiosdecomunicaçãotememseupoder?Sabeperfeitamente,comonós,queaEuropadeclarouguerraexclusivamenteaNapoleão!Agoraentãoseparaanaçãodoimperador?”5

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“Casoserecuse,adeposição”

Semesperararesposta,Jayintervém,declarandoemtomtrágico:“Nãovoudissimularoperigoaquemeexponhoseapropostaquevoufazernãoforapoiadaportoda

aCâmara.MasaindaquedevesseteromesmodestinoqueosantigosdeputadosdaGironda,nãohavereide recuar perante meu dever. Antes de expor minha proposta, peço ao presidente que interpele osministros para que declarem com franqueza se consideram a França capaz de resistir aos exércitoscombinadosdaEuropa,eseapresençadeNapoleãonãoéumobstáculoinvencívelparaapaz.”6

Oatordesempenhamelhorseupapelporqueoautordapeçaestápresenteparaintervir,senecessário.Semdartempoparaqueoscolegasrespondam,Fouchélevanta-seedeclaraque“osministrosnadatêmaacrescentar aos seus relatórios”.Oferece assim a Jay aquilo de que precisa para ir adiante semmaisdemora.

Orepresentantedescrevenumlongodiscursoasituaçãodosfranceses:àpartesuasdivisões,afirma,estão todos convencidos, desde a publicação do Ato Adicional, da impossibilidade de alcançar aliberdade sobo comandodeumchefemilitar.Em seguida, odeputadopintaoquadrodeumexércitoesgotado,dizimado, sem forçaspara fazer frenteaosaliados.Claroque, se tiveremdecombater, seussoldados haverão de fazê-lo com coragem, e o farão comhonra e glória,mas a França, esgotada porlongasguerrasedilaceradapelalutadospartidos,acabarápresadaspotências.Paraconcluir,Jaylembramais uma vez que os aliados lutam exclusivamente contra Napoleão. Não caberia esperar que aabdicaçãoouadeposiçãodeBonapartesuspendaamarchadosexércitoscoligadosparaParis?

Depoisdeseraplaudidopelamaioriadosdeputados,Jayvolta-sebruscamenteparaLucien:“Evós,príncipe,quedemonstrastesumnobrecaráternaboaenamáfortuna,lembrai-vosdequesois

francês,lembrai-vosdeque,emcircunstânciastãograves,nadaémaisimportantequeoamoràpátria!Voltai ao vosso irmão e dizei-lhe que a Assembleia dos representantes do povo espera dele umaresoluçãoquelhesejamaishonrosaqueasmuitasvitóriasqueilustramsuaglóriamilitar.Dizei-lheque,abdicandodopoder,elepodesalvaraFrança,queporelefeztãograndesetãopenosossacrifícios,queseudestinoo chamaeque talvezdentrodeumdia,dentrodeumahora,nãohajamais tempo.PeçoanomeaçãodeumacomissãoaserincumbidadeconvidarNapoleãoaabdicareanunciar-lheque,casoserecuse,aAssembleiadeterminarásuadeposição.”7

A retórica é perfeita, passando do convite à ameaça e percorrendo toda a gama do trágico e dopatético,atéaquedafinal,ressoandocomoadescidadeumcutelo.Osdeputadoshesitavamemdesferirogolpedecisivo,masagoraaplaudemJayportertidoacoragemdefazê-lo.

“Estãoconvidandoanaçãoaabandonarseuimperador!”

Indignado como ataquepessoal ao irmão, e aomesmo tempo insultado e preocupado comapossíveldeposiçãodoimperador,Lucienvoltaàtribuna.ComumtalentoqueéreconhecidoporLaFayette,elerefutapontoapontoasafirmaçõesdeJay.

A situação do país? É muito melhor do que afirma o deputado. A nação emmassa está unida aoimperador, no coração e na vontade. Será fácil reprimir as tentativas tresloucadas de um punhado dedescontentesquerastejamnadesgraçaesemostraminsolentesnaprosperidade.OexemplodaVendeiasubmetida pelo general Lamarque é suficiente para pôr cobro ao exagerado alarme em que se tentaafundaraAssembleia.

“Quanto ao estrangeiro”, pergunta o príncipe, “que confiança podeis ter em suas declarações,constantementedesmentidaspelosfatos?Afirmamestarcombatendoexclusivamentecontraoimperador.

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Queridículo!ÉparainvadiraFrança,parapartilharsuasprovínciasqueaspotênciassejuntaramesearmaram.Elassabemqueenquantocontinuarnotronoparaondefoiconduzidopelodesejounânimedanaçãooimperadorjamaisconsentiráemsemelhanteaviltamento.”

Oexércitonãoperdeuacoragem.Nosprimeirosmomentosdeconsternação,seus insucessos foramsuperestimados,eLuciensustentaque,juntando-seossoldadosconvocados,oshomensdeGrouchy,osconscritos a serem recrutados e os que ainda se encontram nos quartéis, assim como os guardasnacionais, estará formado um exército demeiomilhão de homens dispostos a rechaçar o inimigo doterritórionacional.

Os cálculos do príncipe são tão hipotéticos quanto os do irmão. Lucien vale-se do mesmoprocedimento que Saint-Just utilizara em 1794 na tribuna da Convenção: arredondar o número demobilizadosparatorná-lomaisimpressionanteepudesseconvencer.8

“Eurepito”,afirmaopríncipeparaconcluirseudiscurso,“quenãoéNapoleãoqueaEuropapretendeatacar, mas a nação francesa. Estão convidando a nação a abandonar seu imperador! Ela seria entãoconduzidaaotribunaldospovosparaserseveramentejulgadaporsuainconstânciaeleviandade!Não,jamaissuahonraseráassimcomprometida.”9

OsdeputadoscomeçavamaquestionarofundamentodapropostadeJay,masasúltimaspalavrasdopríncipedirimemsuasdúvidas.Comefeito,elassãoincrivelmenteinoportunas,poispõememdúvidaafirmezadanação.LaFayetteapressa-seaintervir.

“Écaluniosaaafirmaçãoqueseacabadefazer.ComoseousaacusaranaçãodetersidolevianaepoucoperseveranteemrelaçãoaoimperadorNapoleão?ElaoseguiunasareiasdoEgitoenosdesertosdaRússia,emcinquentacamposdebatalha,emseusdesastresenassuasvitórias,efoiporqueoseguiuquepranteamosagoraosanguede3milhõesdefranceses!”10

OsrepresentantesmalacabaramdeaplaudirLaFayette,eLucienretomaapalavra.PropõeàCâmaraquecrieumacomissãoparacooperarcomoConselhodeMinistrosnabuscadasmedidasdesalvaçãopúblicaexigidaspelascircunstâncias.11Cedendoumpouco,LuciententaevitarquesevoteumamoçãoexigindoqueNapoleãoabdique.Masemvão.

VoltamaselevantarvozesparacriticarNapoleãoeexigirqueeleentregueacoroa.Manuel,seguidopor vários deputados aliados de Fouché, apoia a moção de Jay e insiste enfaticamente no risco deconfundirapátriacomumhomem.MasamaioriaaindaserecusaaatravessaroRubicãonapresençadopúblico,quevoltouaassistiraosdebates.Umacoisaéfazerumarevolução jurídicapeloverbo,outrabemdiferenteélançar-senumaempreitadaquepodelevaraumarevoluçãoarmada.

OsrepresentantesdescartamapropostadeJay,adotandoadojovemadvogadoliberalBérenger.EstacriaumacomissãodecincomembrosincumbidosdeseentendercomacomissãoqueaCâmaradosParescertamente iránomear.Asduascomissões irãose juntaraoConselhodeMinistrosdo imperadorparareunir sem demora todas as informações sobre a situação da França e propor os possíveismeios desalvação pública.Os representantes desviam em proveito próprio a proposta apresentada por Lucien,conduzindoaAssembleiaparaumaposiçãodeforça.

ApedidodeGarnierdeSaintes,opresidente,Lanjuinais,eosquatrovice-presidentes,Flaugergues,LaFayette,Dupontdel’EureeGrenier,sãoeleitosmembrosdacomissão.

Às 20h30, Lucien entra no Luxemburgo para ler a mensagem do imperador. Uma hora depois, aCâmaradosPares, “arrastando-senocaminhodaCâmaradosRepresentantes”,12 aceita a formaçãodeumacomissãocompostapelosgeneraisDrouoteDejean,porAndréossy,Boissyd’AnglaseThibaudeau.

Osrepresentantesesperavamrefazero14dejulho,masestãoàvésperadeum10deagosto.Aquedadotronoimperialacabariaporocorrer,abrindocaminho,comoem1792,paraumaConvençãoNacionaldestinadaatransformarradicalmenteasinstituições?

InformadadaagitaçãonopalácioBourbonedasquestõesqueelasuscita,a rainhaHortensedebate

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com seus amigos o destino reservado a Napoleão. Será ele obrigado a abdicar? E acaso haverá deaceitarissosemlutar,outentará,comonoanoanterior,pôrfimàvida?

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13.Acorrupçãodopoder

DOSAPOSENTOSDARAINHAHORTENSEAOSJARDINSDOELISEU,18h-23h

“Eugostariaqueoimperadorconvocassetodaapopulaçãoàsarmas!”

NosaposentosdarainhaHortensenasTulherias,adiscussãoestánoaugequandochegamosamigosdaprincesa, comasúltimasnotíciasdaCâmara.Eleshaviamdeixadoas tribunasnomomentoemqueosrepresentantesdecidiamdeliberaremsegredo,masapalavra“abdicação”,segundodizem,jácirculavanasgalerias,chegandoaoaugeapreocupaçãoquantoaodestinoreservadoaoimperador.

LaBédoyèrenãoseaguentamais.Anteoanúnciodeumapossívelabdicação,exclama:–Esperoqueoimperadornãodêouvidos,umasegundavez,ainsinuaçõestãopérfidas.Elashaveriam

depôraperder,juntocomele,aprópriaFrança.–OsenhorquerqueaCâmaraodeponha?–perguntaarainha.–ACâmarajamaisseriacapazdechegaraesseacúmulodeindignidade–afirmaogeneral.–Ainda

hánelaautênticospatriotasquebemconhecemopoderdoimperadorsobreasmassaseoquesepodeesperardelas,quandoelequiserconvocá-las!Basta-lhedizerumasópalavra.

–Épossível– retrucaa rainha–,maso imperador jamaisdesejaria agravar a situaçãodaFrança,aprofundandosuasdivisões.

–Eugostaria, senhora– recomeçaLaBédoyère–,queo imperadorestivessebemsegurodanossadedicaçãoedadedicaçãodanação,eque,fortalecidopelaconfiançaqueeladepositanele,convocassetodaapopulaçãoàsarmase fechasseasCâmaras, senão foremcapazesdeentender suas intençõesenossas necessidades, se não se congregarem francamente ao redor dele. Napoleão deve armar-se daditadura.Osbonsfrancesesodesejamdofundodocoração.ElepoderáassimaniquilarostraidoresqueconspiramcomosBourboneessaoposiçãomedíocrequenãoentendequeamaiornecessidadedeumanação é sua independência. Quando o inimigo se aproxima – conclui La Bédoyère –, trata-se decombater,enãodediscursar.

– O senhor esquece – diz a rainha – que há um ano só fazemos discutir? Que homens de talento,munidostalvezdeboasintenções,trabalharamcomconstânciaparadesvirtuarasintençõesdoimperador,quenãoforamcapazesdeentender?Eletalveztenhacometidooerrodenãoexplicá-lasosuficiente.Éexclusivamente por instinto que o povo conta com ele, pois há um ano se vem fazendo tudo paraconvencê-lo de queo imperador é inimigodessa liberdade cujo nome está em todas as bocas, e vejaquantoécruelsuaposição!Omaisínfimoato,aindaquenecessário,queviessejustificaressascalúnias,em vez de servi-lo, haveria de privá-lo talvez de seu derradeiro apoio: o apreço damultidão.Dessemodo,opovohaveriadedesconfiardequemquerqueatentasseagoracontrasualiberdade.

–Haveremosdeconquistara liberdade–objetaLaBédoyère–quandoassumirmosocomandoemnossaprópriacasa,enãoéhoradefalardissoquandoestamosapontodenosentregardemãosepésatados a déspotas estrangeiros. O imperador entendemelhor que ninguém esse risco, e foi para delepreservar a França que, depois do seu fracasso, apelou para o patriotismo de todos e pediu aosdeputadosoconcursodetodasasforçasnacionais!

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–Elascertamenteaindasãoconsideráveis–reconhecearainha.–Sóadivisãopoderáneutralizá-las;masnemtodoogênioenemtodaaboavontadedoimperadorsãocapazesdefazerfrenteàcegueiradomomento.

–Poisbem,senhora–prevêLaBédoyère–,seaabandonarmos,sesepararmosnossosinteressesdosseus, a França estará perdida; o Exército, privado do seu comandante, será desmoralizado,desencorajado,divididocomoumapartedanação!Essa forçapopular, tão ameaçadora,desmaiará aover que lhe falta sua bandeira; os aliados avançarão sem resistência, virão impor os Bourbon pelasegunda vez, e naturalmente não faltará reação: teremos todos os abusos contra os quais a nação serevoltou por tanto tempo, a ocupação estrangeira com todos os males que uma conquista e umarestauraçãopodemtrazeraomesmotempo.

Comoosdemaisconvidadosdarainha,asrta.Cochelet, leitoradaprincesa,ficaapavoradacomasprevisões. Ela espera que os franceses queiram defender-se,mas infelizmente os homens enérgicos ededicadosaopaís,comoLaBédoyère,sãobemraros!

A rainha, por suavez, convencidadeque suapresençapode reconfortar o imperador, decide ir aoEliseu.1

“Osconselhosdoressentimentooudoegoísmo”

EnquantoacarruagemdarainhasedirigeaopaláciodoEliseu,Lavalette,odiretordosCorreios,voltaparacasa.Elepassaraodiainterrogandoamigoseconhecidos.Entretodoseles,segundoescreveemseucadernoderecordações,encontraraapenas“omaisprofundoabatimentoouumaextravagantealegriaquetentavamesconderdemimcompavoresfingidoseumsentimentodepiedadepormimqueeutratavaderepelir com a maior indignação”. Decididamente, não se pode esperar nada da Câmara dosRepresentantes.Elaqueraliberdadedeexpressão,masprefereaBonaparteosestrangeiros,osamigosdosBourbon.

Porsinal,todosdãoouvidos“aosconselhosdoressentimentooudoegoísmo”.Unsesperamescapar“emmeioaotumultoeporsuaescuridão,outrosjulgampodertirarpartidodascircunstâncias”.Enfim,amaioria,“fiando-seloucamentenafaladosestrangeiros”,continuaconvencida“dequeosBourbonnãovoltarãoaParis,oudequepelomenosorei,certodesuafraquezaedesuaincapacidadedegovernar,enfrentará freios e entraves que não lhe permitirão entregar-se à vingança nem afastar-se daConstituição”.2 Fouché aumenta ainda mais essa cegueira garantindo-lhes secretamente que saberápressionaroreiparaquealiberdadesejasalvaguardadaepreservadademaneiraduradoura.

LavalettenãoesconderaseupessimismoaosbonapartistasdaCâmaradosPares.Disse-lhesquenãoteriammaissalvaçãoequeemfunçãodissoprecisavamtomarumadecisão.TendosidoproscritospelosBourbonaoaceitarsernomeadosparaaCâmaraporNapoleão,resta-lhesapenasdarmostradecoragem,caindo“comelegância”.

Mascomoconvencervelhosaindamaisassustadoscomaadversidadeporquehaviamseacostumadoaosconfortosdavida?Sóumdosparespodeserconsideradoexceção:Sieyès.OabadequedesferiuosprimeirosgolpescontraarealezaepermitiuaBonapartetomaropodermanifestaenfaticamenteseuódioàservidãocomqueosBourbonameaçamaFrança.

Abdicaroudissolver

NoEliseu,arainhaHortensecaminhapelosjardinsàesperadequeoimperadorareceba.Vendo-oviremsuadireção,étomadaporforteabalo.Napoleãoprocuradisfarçarsuaperturbação.Pergunta:

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–Quevosdisseram?–Quevossobreveiooinfortúnio,Sire.Osoberanoficaemsilêncioporalgunsinstanteseemseguidaconvidaarainhaaacompanhá-loatéo

gabinete.Senta-seàsuaescrivaninha,abrecartas,atira-assemler.Umcriadovemavisarqueo jantarestáservido.Sóentãooimperadorlembra-sedapresençadacunhada.

–Provavelmentejájantastes–dizele.–Gostaríeisdemeacompanhar?3A princesa o segue, ficando sozinha com Napoleão. Ele parece exausto e absorto em meditação

profunda.Seupensamentoflutua,horaeleafirmaquereradiaroudissolveraCâmararebelde,orafaladeacabarcomtudoeabdicarsemmaisdemora.

Hortenserecomenda-lhequeescrevaaoczarouaoimperadordaÁustriaparasolicitarqueorecebamegarantamsuasegurança.

–Eujamaisescrevereiameusogro–exclamaNapoleão.–Foielequemmeprivoudeminhamulheredemeufilho.Écrueldemais!Alexandreéapenasumhomem.Seestoureduzidoaessasituação,prefirorecorreraumpovo,àInglaterra.4

A conversa toma um rumo banal até a chegada da mãe do imperador. Aos sessenta anos, LetíciaBonaparte impressiona pela regularidade dos traços e o ar de nobreza que se irradia de toda a suapessoa.Seusbelosolhosnegros,comlongoscíliosesobrancelhasfinasebemarqueadas,dãoinvejaàsjovensdacorte.ArainhaHortensedespede-se,enquantoNapoleãoconduzamãeeoirmãoJosephaosjardinsdopalácio.Lucienvaiaoseuencontro.

Acompanhado de Caulaincourt, ministro das Relações Exteriores, e Maret, duque de Bassano, opríncipeconfirmaaoimperadoraalternativadiantedaqualosituamasCâmaras:abdicarouserdeposto.Lucienpropõeoutra:abdicaroudissolver.Desuaparte,optapeladissolução:

–ACâmara dosRepresentantes – diz ele – pronunciou-se demaneira clara demais para que hajaalgumaesperançadeconvencê-la.Dentrode24horasaautoridadedaCâmaradevesersuspensa.

MareteCaulaincourtsãodeopiniãocontrária:énecessáriocederàsexigênciasdosdeputados,casocontrárioo imperadorcorreo riscode serdeposto, eo reideRoma, seu filho, terá todaachancedesucedê-lo.

–Elesnãoteriamcoragem!–exclamaNapoleão.–Éosenhorquenãotemcoragem–retrucaLucien.–Eujádisseevoltoadizer:sóháumasolução,a

dissolução!AConstituiçãodáessedireitoaoimperador.SeaCâmaraseopuser,estarásedeclarandoclaramente

rebeldeàlei,esuadissoluçãoseráaindamaislegítima.AGuardaNacional?Nãoviráemsocorrodosrepresentantes,afirmaLucien.Oscomerciantesquea integramnão têmamenorvontadedeexporsuasmulheresesuaslojasaoshorroresdeumaguerracivil.

Não cabemais deliberar, chega a hora de agir. Napoleão tergiversa. Parece abatido e incapaz detomar uma decisão. São quase 11h da noite quando Lucien deixa o irmão para ir às Tulherias.CambacérèsestáalireunidocomosministroseosdelegadosdasCâmaras.

BenjaminConstant vem então ao encontro do imperador.Apenas há trêsmeses o escritor e grandepensador político depositou em Luís XVIII suas esperanças de uma monarquia parlamentar.Decepcionado, aderiu a Napoleão, que o associou à redação do Ato Adicional às Constituições doImpério.

“EunãovolteiparainundarParisdesangue”

BenjaminConstantconsideraqueoimperadornãotemcomoescaparàabdicação.Savary,inspetor-geral

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da gendarmaria, de volta da Câmara dos Pares, compartilha de sua opinião. Dissolver, afirma ele,pressupõe uma força armada. A que está ao dispor de Napoleão é insuficiente. Como os deputadosnegam-lhe os homens e o dinheiro necessários para dar prosseguimento ao combate, resta-lhe apenaspermitirquesedilacerementresi.Essascabeçasexaltadasacasoseachamemmelhorescondiçõesqueele de dissolver a pressão inimiga? Pois queNapoleão os tome ao pé da letra e os deixe plantados,abdicando.5

“Dentro de oito dias”, conclui Savary, “os estrangeiros chegarão, mandarão fuzilar alguns deles,enviarão outros para o exílio e porão fim a essamiserável comédia.Vós, Sire, ireis para aAméricadesfrutarcomalgunsservidoresfiéisorepousodequeprecisais,dequetodosprecisamos.”6

Benjamin Constant explica que, se a abdicação não atende aos interesses de Napoleão, elacorrespondeaosdaFrança.Oimperadorrecusa-seaouviressetipodeargumento.Comefeito,consideraseu destino indissociável do destino da França. Sua espada serve à defesa do país e à sua própriaproteção. Privá-lo dela, no momento em que a coroa lhe é arrancada e os inimigos se aproximam,condenaaFrançaaperecer.

“Não se trata da minha pessoa, mas da França”, insiste ele. “Querem que eu abdique! Acasocalcularamosdesdobramentosinevitáveisdessaabdicação?Éaomeuredor,emtornodomeunomequese congregamas tropas; privá-lasdemimédissolvê-las.Se eu abdicarhoje, dentrodedoisdiasnãotereis mais um exército… Esse exército não ouve as vossas sutilezas. Acaso julgam que axiomasmetafísicos,declaraçõesdedireitoediscursosdetribunaserãocapazesdeimpedirumadebandada?

“Rejeitar-me no momento em que eu desembarcava em Cannes é algo que eu teria entendido;abandonar-mehoje,eunãoentendo…Nãoéquandoosinimigosestãoa120quilômetrosquesederrubaimpunementeumgoverno.Acasosejulgapossívelretrucaraosestrangeiroscomfrases?

“Semetivessemderrubadoháquinzedias,teriasidoumatodecoragem,masagoraeuestouentreosalvosdeataquedoestrangeiro,eportantofaçopartedoqueaFrançadevedefender.Aomeentregar,elaprópriaseentrega,confessasuafraqueza,admitesuaderrotaeestimulaaaudáciadovencedor…Nãoéaliberdadequemedepõe,masomedo,ummedodequehaverãodeseaproveitarvossosinimigos.

“Equedireitoafinal temaCâmaradeexigirminhaabdicação?Eladeixasuaesfera legal,não temmaisumamissão.Meudireito,meudeverédissolvê-la.”

O imperador temconsciênciadeque semelhantedecisãopodedividir apopulaçãoe enfraqueceroExército. Este, no entanto, talvez encontre reforços. Basta que Napoleão apele para “essa classeveementeenumerosa,fácildesublevarporquenãotempropriedadesefácildeconduzirporquenãotemluzes”.

“ComoseoacasoquisessereforçaremNapoleãoosentimentodosrecursosquelhesãoprometidosporessaresoluçãodesesperada”,relataBenjaminConstant,“ecoamnaavenidaMarignygritosde‘Vivaoimperador!’,emitidosporumamultidãodehomens,emsuamaioriadaclasseindigenteetrabalhadora.Alguns,jurandodefenderoimperador,tentamescalaromuroparairaseuencontroecercá-lo.”7

O imperador repete a Benjamin Constant o que dissera horas antes a Lucien: ele não cumulou dehonrariasedinheirooshomensemulheresquecercamopalácio.Deixa-ostãopobresquantooshaviaencontrado.Sóoinstintodenecessidadeosguia,eavozdopaísfalapelavozdeles.SeNapoleãopedir-lhes,elesvarrerãodeumsógestoaCâmararebelde.Masavidadeumhomemnãovaleessepreço.“EunãovolteidailhadeElbaparainundarParisdesangue”,concluioimperador.8

Napoleãomanifestaentãoodesejodeabandonar tudoepartirparaoexílio.Emquepaís terminarásua vida? Na Inglaterra? Nela, diz ele, sua estada seria “ridícula ou preocupante”. Ainda que lápermanecessetranquilo,ninguémhaveriadeacreditar.Emcadanevoeiroveriamumdisfarcedesuavoltaaocontinente.Àprimeiraimpressãodeumtrajeverdedesembarcandonolitoral,unsfugiriamparalongedaFrança,outrosporiamaFrançaforadalei.Elecomprometeriatodomundo,edetantodizerem“Ele

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estávoltando”,atentaçãodevoltarefetivamentehaveriadeinvadi-lo.MaisvalepartirparaaAmérica.Lápoderávivercomdignidade.

Nessemomento, o financistaOuvrard, convidado a comparecer ao palácio, apresenta-se diante deNapoleão.9 O soberano logo trata de interrogá-lo: poderia o negociante obter-lhe uma ordem depagamentode14milhõesnaAméricasetentrional?Emtroca,dar-lhe-á1milhãoe400mil francosderendavinculada a suas terrasou àsde sua família.Depoisde longoperíodode conflitos, as relaçõesentreoimperadoreofinancistacorremtranquilas.

Ouvrard é sensível à confiançamanifestada porNapoleão em seumomento de desgraça. Prudente,contudo, o homemde dinheiro nãomistura sentimentos e negócios.Recusa-se a atender ao pedido doimperador,movidopelotemordequeotítulooferecidosejacontestado,commedodeatentarcontrasuaprópriafortunaeofuturodeseusfilhos.Napoleãonãosedeixailudirpelosargumentosexpostosporumhomem que ostenta de maneira insolente seu luxo e sua riqueza. Mas como poderia mostrar suaindignaçãonoexatomomentoemquecontacomeleparasalvaguardaregerirsuaprópriafortuna?

Tendodespachadoofinancista,Napoleãorefleteemvozalta.Afinal,queteriaatemerseficassenaFrança?Quesoberanopoderiapersegui-losemprejudicarasimesmo?EledevolveraaosreisdaPrússiaumapartedeseusestados.Quantasvezesoczarnãolheapertouamão,chamando-ode“grandehomem”?QuantoaoimperadordaÁustria,acasoteriaprazerousesentiriahonradocomashumilhaçõesdogenro?Unseoutrosdesejariamproclamardiantedetodomundoqueagiramexclusivamentepormedo?

“No fimdas contas, verei”, acaba ele por dizer. “Não quero combater com as forças expostas.Euestavaconseguindocombinarnossosúltimosrecursos:souabandonadocomamesmafacilidadecomquefui recebido! Pois bem, que tratem de apagar, se for possível, essa dupla mancha de fraqueza eleviandade!Quepelomenossejacobertadeluto,deglória!Quesefaçapelapátriaoquenãosequermaisfazerpormim…Maseunãooespero.Hoje,aquelesqueentregamBonaparteafirmamqueéparasalvaraFrança.Amanhã,aoentregaraFrança,provarãoquequiseramapenassalvarsuascabeças.”10

Aborrecimentoeascodegovernar

Aosedespedirdo imperador,BenjaminConstantestáconvencidodequeele logoabdicará.Napoleãoafirmaqueo farápor espíritode sacrifício.Mais ponderado, o escritor identificaomal que corrói oimperadoreolevaadesistir:adoençadopoder.

Opodercorrompeuoimperadorapontodetorná-locego.Eledesdenhoudoshomensqueaceitavamacorrentar-seaele.Pormuitotempojulgou-osincapazesdeserevoltar.Dando-secontadoseuerro,égrandesuasurpresaporteravaliadomalhomensquejulgavaemcondiçõesdedominarparasempre,detalmaneirasemostravamdóceis.Rebeldes,aindaassimossúditoscontinuammedíocresaosseusolhos,e,vendo-os impacientesde tomaropoderquedetém,o imperadorosdesprezaaindamais.Sãode talordemoaborrecimentoeoascodegovernar,segundoBenjaminConstant,queolevamasedespreocupardoprópriofuturo.QueimportasepermaneceránaFrançaousepartiráparaoexterior?

DesdequeeleretornoudailhadeElba,oscolaboradoresmaispróximosobservaramodesinteressequemanifestapeloprópriodestino.Eleinterrompeasconversasmaisimportantesparacuidardecoisasquenãolhedizemrespeito.Jánãodominacomoemoutrostemposasdistrações,osonoeocansaço.Suacapacidade de concentração parece chegar ao fim. Ele semanifesta a respeito de perigos a que estáexposto“comoumhomemqueconsideraquenãovalemaisapenaesconder-se;enoentantosabemelhorqueninguémque,parapreservardefensorescorajosos,éessencialconvencê-losdequeadefesanãoéperigosa”.

“Emumapalavra”,concluiBenjaminConstant,“dir-se-iaque,aosevincularnovamenteaotronoda

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França, ele quisera apenas demonstrar quanto lhe era fácil transtornar simplesmente por sua presençanossavelhaEuropa,modeladademaneira tãopedante por governos rotineiros.”11 Sua volta do exílioseriaapenasasupremavaidadedeumhomemhabituadoajogaravida,afortunaeodestinonumsimpleslancededados?

Aomesmo tempomegalômanoe conscienteda futilidadedaglória, convencidode seromelhornojogodopoder,econtudodecididoaabandoná-lo,Napoleão,enojadodoshomens,parecebuscaralívioerepousonoabandonodesimesmo.

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14.Atentaçãodosuicídio

DASTULHERIASAOPALÁCIODOELISEU,23h-3h

“Suaabdicaçãoénecessáriaparaobemdapátria”

Apesar do avançado da hora, as grandes artérias da capital ainda estão cheias de uma multidãoheterogêneadeoperários, artesãos e soldadosde licença.Osvendedores ambulantes fazema festa.A“Suzon”,numtrajedemoletomdelistrasvermelhasebrancas,serveaospassantesocafécomleitequejorradastorneirasdeferrobrancosustentadasnoombro.“Aguardentedevinho…Vidaeanimaçãoaumsoldoocopinho!”“Olhaaboaaguardenteparaalegrarocoração!Olhameubarzinho!Olhaabebida!”Debaixodasuatenda,ovendedorconvidaàdegustação.Maisadiante,umcomercianteoferecepãezinhosdeGonesseelaranjasquedizteremchegadodePortugal.

Masanoiteestámenosparafestaqueparaesperaangustiada.Oscuriososolhamcomansiedadeascarruagensquepassamescoltadasporcavaleirosdesabreempunho.Emtornodosmonumentospúblicos,homens armados vão e vêm numa ronda incessante. Todas as administrações regionais da capital sãovigiadas e os postos de guarda ao redor do palácioBourbon são reforçados.Nos salões do faubourgSaint-GermainenoscafésdoPalais-Royal todasasconversastratamdapossibilidadedeumgolpedeforça.Quemdaráoprimeirolance?Oimperador?Osrepresentantes?

O palácio das Tulherias está quase deserto quando, às 23h, os membros das comissões dasAssembleiaseosministrossereúnemnasaladoConselhodeEstado.Nototal,21pessoassentam-seaoredordeumamesapresididapelochanceler-morCambacérès.Faceaface,osseguidoreseosopositoresdomonarca.Oclimadeprudênciamalchegaaserperturbadopelomurmúriodasconversas.Oshomensali presentes preparam-se para “repetir a frio o drama representado com paixão na Câmara dosRepresentantes”.1

Thibaudeau convida-os a adotar como princípio de toda a discussão que tudo será sacrificado àsalvaguarda da pátria, exceto a liberdade constitucional. Combatida pelos ministros, apoiada por LaFayette,apropostaéadotadapormaioriadeumvoto.Primeiroconfronto,primeiraderrotadeNapoleão.AideiaenunciadaporThibaudeauencerraemsimesmaaabdicaçãodoimperador.

Osministrosexaminamemseguidaasmedidasaseremtomadasparaasalvaçãopública.Apresentamprojetosarespeitodasfinanças,dorecrutamentodoExércitoedosrecursosdedefesa.Osmembrosdogoverno não se cansam de debatê-los, detendo-se apenas para votar as propostas. Agem como se areuniãonadativessedeextraordinário,comoseasrelaçõesentreoExecutivoeoLegislativoestivesseminalteradas.Osministros temem,naverdade,omomentoemqueumdeputadovenhaafazeraperguntaquepersegueatodos:Napoleãoseráconvidadoaabdicar?

Comoosministrosabordamaquestãodeumaeventualpaz,umrepresentantepedequeasCâmarasnomeiemdeputadosparanegociarcomoadversário,jáqueeleserecusaatratarcomNapoleão.Fouchéapoia a solicitação. Os outros ministros objetam que semelhante medida equivale à deposição doimperador.

Apropostaéaprovadaporamplamaioria,mascomumaressalva:osnegociadoresserãonomeadospelasduasCâmarascomaprovaçãodeNapoleão.Ninguémseilude.Aoseapropriardodireitorealde

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negociar com o estrangeiro, as Câmaras, através de seus delegados, declaram o chefe de Estado sobtutela.Umapazsemoimperadoréumapazcontraoimperador.Porquenãodizerascoisasfrancamente?ÉdissoqueseincumbeLaFayette.

Tomando a palavra, o general dá seu consentimento a todas as medidas de defesa, e em seguida,passandoaoproblemadapaz,pergunta:

“JánãoestáclaroquetodapazemesmotodanegociaçãoseráimpossívelenquantoNapoleãoestiveràfrentedogoverno?”

Murmúriospercorremaassistência,eosministrosficamindignadosporouvirLaFayetterepetirasafirmaçõesfeitashorasantespelorepresentanteJay.

“Se os ministros tivessem considerado verdadeiro o que acaba de afirmar o sr. de la Fayette”,intervémLucienBonaparte,“teriamsidoosprimeirosasolicitá-loaoimperador.”

Ogeneral,pegandoabolanoar,retruca:“Issoéqueéfalarcomoumfrancês,euadotoaideiaeatransformoemmoção.Proponhoirmostodos

aoencontrodoimperadorparadizer-lheque,combaseemtudoqueaconteceu,suaabdicaçãotornou-senecessáriaparaobemdapátria.”

LucienBonapartedeclara:“Oimperadorestáprontoparafazerossacrifíciosexigidospelasalvaçãodapátria,masomomento

de lançarmãodesserecursodesesperadoaindanãochegou.Pelopróprio interessedaFrança,convémaguardaroresultadodaspropostasaseremfeitasaosaliados.”

FlaugergueseLanjuinaisinsistemparaqueamoçãodeLaFayettesejavotada.Cambacérèsrecusa-seesuspendeasessão.

São3hdamanhã.OConselhosedissolve,levandoconsigoofimpróximodoImpério.Aosair,FouchémurmuranoouvidodeThibaudeau:“Temosqueacabarcomissohoje.”2Não longe

dali,BenjaminConstantanotaemseudiário,antesdesedeitar:“Ofimseaproxima.Umatotaldebacle.Nãohámaisexército,nemcanhões,nemmeiosderesistência.Sessãodosrepresentantes.LaFayette.ACâmara. Fria. Ela não terá como se salvar por seu consentimento nem por sua independência.…Oimperador mandou me chamar. Continua calmo e espirituoso. Vai abdicar amanhã, creio. Essesmiseráveisserviram-lhecomentusiasmoquandoeleesmagavaaliberdadeeoabandonamquandoelearestabelece.”3

Noitedeangústiaseincertezas

Durante horas Napoleão medita sobre a ressurgência da epopeia e o fracasso sofrido. “Amigos einimigos,bem-intencionadosecruéis”,estãotodoscontraele.OimperadorcontinuasódiantedosdoisgrandespartidosquelheforamapresentadosdesdesuavoltaaParis.

Aseulado,aespadadaglória,deUlmeAusterlitz.Deixá-laembainhadaéentregá-ladebandejaaumbandode“medíocres”que,vendendobarato a liberdadee a independênciadaFrança, empanarão suaglória.Desembainhá-laéaviltarseugumenaguerracivil.

Hádoisdiassuamenteéconstantejoguetedeperguntaserespostas,sempreasmesmas.4Entrandoemluta,elecomprometesuahonraemaculasualenda“nacloacadesangue,crimeseabominaçõesdetodotipo,acumuladossobreelepeloódio,ospanfletoseospasquins”.Paraaposteridadeeahistória,elesetransformanoNero,noTibériodasuaépoca.

Sepelomenospudesseaestepreçosalvarapátria!Masécertoqueteriaêxito?Nemtodososperigosvêmdefora,asdissensõesinternaslhessãobemsuperiores.Nãofaltaminsensatosdispostosasedeixarconvencerdequeo imperadorsópensaemsimesmo,emsuasvantagenspessoais.Comomostrar-lhes

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queelecombateexclusivamentepelapátria?Maisumavezeleéchamadodedéspotaetirano,acusadodeviolarojuramentoqueacabadefazer.

Quem pode garantir que, emmeio à guerra civil que se anuncia, ele não será abatido por um braçofrancês?Queserádanaçãoaosolhosdetodomundoenaestimadasgeraçõesmaisdistantes?Poissuaglóriaestáligadaàdele.

Nessanoitedeangústia,asincertezasvoltam,invadindopermanentementesuamente.Elesedispõeatudoabandonar,enoinstanteseguintelhevoltaavontadederesistir.Sonhaemmaisumavezconvocaros6milhomensdaGuardaImperialdequedispõeemParis,engrossarsuasfileirascomapartedaGuardaNacionalquesemantevefieleosfederadosdossubúrbios.Vê-setransferindoocorpolegislativoparaTours ou Blois e reorganizando em Paris os restos do exército. Ditador, ele trabalhará sozinho pelasalvaçãodapátria.

Masocorpolegislativoobedecerá?Elepodeobrigá-lopelaforça.Mas,nessecaso,“queescândaloequecomplicaçãoamais”!Desdeodia20dejunhooimperadorquestiona:opovoabraçarásuacausa?Opróprio Exército continuará fiel? Numa crise que sempre recomeça, não irão se apartar dele? Nãotentarãosair-sebemàsuacusta?Aideiadequesemeletodoperigoseriaafastadoeapazsetornariapossível não serve de pretexto para abandoná-lo? “As conveniências que cada um encontrou no anoanteriorcomosBourbonnãoservirãohojedeestímulodecisivoparamuitagente?”

DesdeavoltaaParis,Napoleãocontinuapesandoospróseoscontras.Convenceu-sedequenãoterácomoresistir“àcoligaçãoexterna,aosrealistas internos,à infinidadedeseitasqueserãocriadaspelaviolaçãodocorpolegislativo;àquelapartedamultidãoqueprecisaserpostaemmarchaàforça;enfim,àcondenaçãomoralque,noinfortúnio,nosatribui todososmalesqueseapresentam”.Resta-lheapenas,portanto,aalternativadaabdicação.

Masacadavezosonhodeumavitóriapossívelretorna.Seocorpolegislativonãoabrirdissidência,tudoépossível.Esquecendoaomesmotempoarejeiçãodaguerraporumapartedaopiniãopúblicaeodespreparomilitar doshomens aosquaisdeve recorrer,Napoleãovê surgir em sua imaginaçãonovasfortificações ao redor de Paris. Em menos de quinze dias a capital transforma-se numa praçainexpugnáveldefendidaporseushabitantes,pelaGuardaNacionaleosfederados.Oimperadorreúne80mil soldados e repete com eles as proezas da campanha da França.Em1814, apelidado “O100MilHomens”pelosadversários,eledividiuederrotouumaumosnumerososexércitosdacoligação,graçasaosmovimentosrápidosdeumpunhadodeguerreiros.Quelhesejamfornecidossoldadosentusiastasevelozes,eeledeterámaisumavezoavançode ingleseseprussianossobreParis!Orecrutamentoemmassaentãoserápossível.

“Oapeloànação,amagnitudedoperigo,oardorgeneralizado,agrandezadoespetáculo”haverãodeatrair “multidões de todas as partes para a capital”.Quatrocentosmil homens logo estarão em pé deguerra.Comoastropasaliadasnãopassamde500mil,acoisairásereduziraumsócombate,noqualomedo estará de ambos os lados em confronto. O adversário hesitará e a confiança dos franceses noimperadoraumentará.

Naimaginaçãodomonarca,1799renascemaisumavez.TrocandoomantoimperialpelouniformedogeneralBonaparte,eleinstauraumaditaduramilitardesalvaçãopública.Umaelitecomprometidacomacoisapúblicaoapoiaemostraaoscidadãosanecessidadedesacrificaro interessepessoalpelobemcoletivo, pelo Estado-nação baseado nos princípios de liberdade e igualdade. Negligenciando onacionalismo a que sua política deu origem na Europa, Napoleão está convencido de que a chamarevolucionária, incendiandomaisumavezospovos,oajudaráavencerossoberanoscoligadoscontraele.

Tudo é possível.Masos representantes sustentam sua rebelião, e tudo se torna incerto.Diante dosliberais da Câmara, ele é tomado de um ódio e uma indignação que se transformam em fúria.Mente

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superiorcapazderespiraroqueestánoaremseutempo,Napoleãosabequeosnotáveisdesejamumgovernorepresentativo.Masseriaesteomomentodefalararespeito,emesmodetentarcriar“essenovograudecivilização”,5enquantooinimigoseaproxima?Umaditaduradesalvaçãopúblicaseriadelongepreferível.

Será que a rejeitariam? Que seja. Ele se tornará o “grande homem” tão louvado pelo Século dasLuzes.Abdicará, preocupado antes de tudo empoupar os súditos dos sofrimentos físicos e das doresmoraisdeumaguerracivil.E iráentãoentrarparaahistóriacomoummártirmovidopeloespíritodesacrifícioàcoisapública.

Abdicar,repetirahumilhaçãosofridaem1814,mergulharnadesonra?Não.Antesmorrer.Viriaentãoàsuamenteaideiadepôrfimaseusdias?

Àbeiradoabismo

Noiníciodejunhode1815,quandoNapoleãosepreparavaparaentraremcampanha,CharlesLouisdeGassicourt, farmacêuticodo imperador, foraconvocadoaoEliseu.O imperador faloudagravidadedaguerra iniciada,dospossíveisrevesesaosquaisnãogostariadesobreviveredarecusaemaceitarumeventualcativeiro.Assim,ordenaraaGassicourtquepreparasseumadoseinfalíveldeveneno,alojando-anumajoiaquesópudesseserabertapelopróprioNapoleão.Dessemodo,osoberanoteriasempreaoseualcanceapossibilidade,perfeitamenteoculta,desesuicidar.

Perturbado com semelhante ordem, o farmacêutico tentara dissuadir o imperador. Falou-lhe sembuscar dissimular a violenta emoção de que era tomado. Napoleão o ouvira,mas tinha reiterado suaordem! Gassicourt voltara então ao laboratório para preparar o veneno, acomodando-o numa joiaentregueaNapoleãonavésperadapartidaparaoscamposdebatalhadeLignyeWaterloo.

Nanoitede21para22dejunho,GassicourtédespertadoporumemissáriodoEliseu,solicitandoqueacorra à cabeceira do imperador. Napoleão tentara se matar. Tendo ingerido o veneno, ele searrependera,epedequeoajudeaneutralizarosefeitos.

Comoscabelosempéeocorpobanhadoemsuorfrio,ofarmacêuticoestáaterrorizado.Mastentafazer com que o paciente vomite. Gassicourt obriga então Napoleão a beber abundantemente paraprovocarnovosvômitos, lavandoassimoestômagoe impedindoaassimilaçãocompletadadroga.Asmedidastomadasdeixamoimperadorforadeperigo.

Noentanto,Gassicourtcontinuapreocupadocomaspossíveissequelasdatentativadeenvenenamento.Informadodequeoimperadorqueixa-sededoresestomacais,eleseapavoracomaideiadeque,apesardoscuidadostomados,umapartedovenenonãotenhasidoeliminada.Em1821,quandoNapoleãovemamorrer de uma lesão do estômago, Gassicourt julga-se responsável. “Não foi possível extrair certaquantidadedoveneno”,teriaditoele;“comisso,maiscedooumaistarde,amorteeracerta.”6

Quepensardesserelato?SeGassicourtconfiaseusegredoaogeneralbarãoThiébault,nemporissoeledeixadeseroúnicoatertestemunhadoatentativadesuicídio.Aconteceque,paraopolicial,comopara o historiador, um só testemunho de nada vale.Além disso, parece difícil aceitar que uma drogaapresentadaporseuinventorcomo“infalível”nãotenhatidoefeitomortalimediato.

De qualquer maneira, os mais próximos do imperador, especialmente Marchand, seu camareiro,constataram–oquenãodeixadeserperturbadorededarcréditoàtesedosuicídio–que,aodespertar,Napoleãonãoaparentavaseuestadonormal.

Indubitavelmente,anoitedeangústiacorroeraaenergiamoraldosoberano.“Eu não tinhamais”, explicaria ele próprio, “o sentimento do sucesso definitivo. Já não eramais

minha confiança inicial: fosse porque a idade a que a sorte costuma ser favorável começava a me

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escapar, fosse porque, ameus próprios olhos, emminha própria imaginação, asmaravilhas daminhacarreirajáestivessemcomprometidas–ofatoéqueeusentiaquemefaltavaalgo.Nãoeramaisaquelasorte vinculada aosmeus passos que se comprazia emme satisfazer, era o destino severo ao qual euaindaconseguiaarrancar, comoqueà força, alguns favores,dosquais elenoentanto logo sevingava;poisénotávelqueeunãotivesseentãonenhumavantagemquenãofosseimediatamenteseguidadeumrevés.

“E todos esses golpes, devo dizer, atingiram-me sem propriamente me surpreender. Eu sentiainstintivamente um desenlace desafortunado. Não que isso tenha influenciado minhas decisões e asmedidasquetomei.Masdentrodemimaindaassimprevaleciaessesentimento.”7

Napoleãonãoteria,apesardetudo,tentadoabreviarosofrimentomoralexperimentadonanoitede21para22dejunho?Atentativanãoteriasidoaprimeira.

Condenadoaviver

Bonapartetinhaapenasdezesseteanosquando,jovemoficialemValence,sentiufortedesejodemorrer.Queestavaelefazendonestemundo?Comoamorteéinevitáveleossofrimentosdavida,grandes,porquenãoseaniquilar?Sejátivessepassadodossessentaanos,pensava,elerespeitariaopreconceitodeseuscontemporâneoseesperariacompaciênciaqueanaturezacumprisseseucurso.Entretanto,comonãosentia mais nenhum prazer em viver “em meio a homens distantes da natureza, covardes, vis erastejantes”,tudosendoparaelesofrimento,porquenãopôrfimaseusdias?8

Bonaparte era nesse momento um jovem exilado sem grandes recursos, um pequeno nobre semqualquerapoionumofícioondemuitossãonecessáriosparafazercarreira.Temendojamaissercapazderealizarseussonhos,receandoficareternamenteprisioneirodeumamediocridadequeoenojava,comopoderia ele esquivar-se à grande onda sentimental que, proveniente da Alemanha e da Inglaterra,submergiaentãoaFrança?

ODicionáriodaAcademiaFrancesadátestemunhodarecrudescênciadofenômenoaoregistrar,em1779,apalavra“suicídio”,quevinhasubstituirtermoseperífrasescomo“occisão,mortevoluntária”ou“homicídiodesimesmo”,paradesignarumatoatéentãoexcepcional.

Meroepisódio,essatentaçãodamortenumjovemqueignoraqueocansaçodavidaéumatodefénavida, a prova de que é considerada “uma festa única para a qual não fomos convidados, uma mesaesplendidamenteservidadaqualfomosexpulsosapesardesentirfome”.9

Passadaacriseda juventude,BonaparteadotouaopiniãodeRousseau,paraquemosuicídioéumroubocontraogênerohumano.Promovidoageneralefeitoprimeiro-cônsul,Bonaparteaproveitou-sedeumaoportunidadequelheeraoferecidanocampodeBolonhaparaensinaraseussoldadosodesprezopelosuicídio.Amortedeumgranadeiroquesematarapordecepçãoamorosahaviadesencadeadoumaondade suicídiosnoExército, eBonaparte tratarade intervir.Explicara, numaordemdodia, queummilitardevesabervenceradoreamelancoliadaspaixões,equesuportarcomfirmezaasverdadeiraspenas da alma constitui um ato tão corajoso quanto se manter firme sob a metralha de uma bateria.“Entregar-se sem resistência, matar-se para fugir à dor é abandonar o campo de batalha sem tervencido.”10

A chaga de juventude, que ele julgava curada, voltou a se abrir em 1814.Durante a campanha daFrança,NapoleãorevelouaobarãodeBaussetque,duranteoscombatesemArcis-sur-Aube,elefizeradetudoparaencontrarumamortegloriosa,expondo-sesemhesitaràsbalasquechoviamaoseuredor.Mas se arrependera, convencido de que buscar amorte por desespero é uma covardia. “O suicídio”,concluíra,“nadatemavercommeusprincípiosnemcomaposiçãoqueocupeinocenáriomundial.”11E

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noentanto…Nanoitede12para13deabrilde1814,NapoleãoconvocaCaulaincourtàsuapresença.São3hda

manhã,eoministrovênapenumbraqueoimperador,deitado,entrega-lheumacarta.Comavozfraca,osoberano diz: “Abrace-me, dentro de pouco tempo não estarei mais aqui. Leve então minha carta àimperatriz.Guarde as dela coma pasta na qual se encontrampara entregá-las ameu filhoquando foradulto…Ah!,comoédifícilmorrer,comosomosdesgraçadosporterumaconstituiçãoqueprolongaofimdeumavidaporcujofimanseio.”Eleéinterrompidopelovômito.

Napoleãoenvenenara-se.OimperadorconfessaaCaulaincourtqueingeriraovenenoquetrazianumsaquinho pendurado ao pescoço. É umamistura de beladona e heléboro-branco. Formulado durante oTerror, foi usado por Condorcet para se matar. No momento de partir para a Rússia, o imperadorordenaraa seucirurgião,Yvan,queopreparasse, comoobjetivodeutilizá-loparanãocairvivonasmãosdoinimigo.

Despertado,YvanacorreàspressasàcabeceiradeNapoleão.Eleéasegundatestemunhaaconfirmaratentativadesuicídio.Oimperadorpedequelhedêumvenenomaiseficaz.Ocirurgiãoserecusa,ficaapavorado e depois se acalma, obrigando o doente a vomitar. Já fora de perigo, o imperador, Yvan,pálidocomoamorte,odeixa,paranuncamaisvoltaravê-lo.12Comodizelepróprio,Napoleãoéumhomemcondenadoaviver.

EmSantaHelena,Napoleão,refletindosobreosuicídio,escreveria:“Ohomemque,sucumbindoaopesodosproblemasatuais,buscaamorte,cometeumainjustiçaconsigomesmo,obedecepordesesperoefraquezaaumafantasiadomomento,aelasacrificandotodaaexistênciaaindaporvir.”Entretanto,numdiaemquelhepesaoexíliopordemaisprolongado,eleconfessaaoduquedeRovigoqueàsvezestemvontadedeabandonarseuscompanheirosdeinfortúnio.“Nãodevesermuitodifícil”,diz.“Bastaqueeumedeixearrebatar,elogoestareilongedevocês.”

As tendências suicidas deNapoleão estão bem comprovadas para que aceitemos a hipótese de umenvenenamentovoluntárionanoitede21para22de junhode1815.Comacabeçacheiadedúvidaseresoluçõesabortadas,Napoleão,“essemonumentodavontade”,estáapontodemergulharnovazio.

Passada a crise, no entanto, cabe perguntar se Napoleão de fato estaria decidido a abdicar, comoafirmariaumanodepois.Odiaquecomeçaolevaaumderradeiroconfronto.Seriaeleagoraotipodehomemquefoge?Comonumcampodebatalha,tudovaidependerdogolpedevistaedomomento.

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QUINTA-FEIRA,22DEJUNHO

“Ofereço-meemsacrifício…”

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15.“Sozinho,nadaposso”

PALÁCIODOELISEU,9h

PobreFrança!

Tendo se levantado às 9h, Napoleãomais uma vez calcula suas chances de enquadrar a Câmara dosRepresentantes.Eentãocontaevoltaacontaroshomensdequedispõeparaumgolpedeforça:os5.300homens da Guarda Imperial, os 6 mil infantes e cavaleiros da força regular, as oito companhias deveteranos, os setecentos gendarmes, as companhias de artilharia da Marinha, os dois batalhões demilitaresreformados,os3.500federadosfardadosearmados…

Sim,tudoissoconstituiforçasuficienteparasubmeterosrepresentantes.Masaobrandircontraelesomachadodeguerraeleirremediavelmenteseprivadoapoiodosnotáveisnecessáriosparamobilizaropaís.Issoparanãofalardofatodequeagirassimlevadiretamenteàguerracivil.

Eleéapanhadonointerminávelvórticedodilema.AotomarconhecimentodasmedidasadotadasnasTulherias,nãoconsegueacreditarnaresoluçãodosdeputadosdeforçá-loaabdicar.

O conde de Lavalette vai ao seu encontro, fornecendo-lhe as informações de que dispõe sobre oestadodeespíritodosrepresentantesdopovo.Eelasnãosãoboas.SegundoodiretordosCorreios,nadamais resta aNapoleãoalémdeapeardo trono semdemora.O imperadorouve-ocomar sombrio.Dáimpressãodetercontrolesobresimesmo,mas“aagitaçãodesuaalmaetodoohorrordesuaposiçãotransparecemnoseurostoenosseusmovimentos”.

–Eusei–diz-lheLavalette–queVossaMajestadeaindapodedesembainharaespada,mascomquemecontraquem?Acoragemfoiesmagadapeloabatimento,oexércitoaindaestánamaiordesordem.NadasepodeesperardeParis,eogolpedeEstadode18debrumárionãopodeserrepetido.

–Essepensamentoestálongedaminhaalma–responde-lheNapoleão.–Nãoqueromaisouvirfalardemimmesmo.MaspobredaFrança!”1

Nessemomento,SavaryeCaulaincourt solicitamaudiência.Confirmama irritaçãodosdeputadosetambémexortamNapoleão a renunciar a umpoder que asCâmaras estão interessadas em lhe tomar–maisdoquesepreocupamemarmar“anaçãoparaadefesacomum”.

Napoleão reiteraoque lhesdissenavéspera: “Sozinho, nadaposso; sedeixaremque eu sucumba,veremos. De minha parte, tomei a decisão. Mandei expedir comunicados à Câmara e espero suaresposta.”2

O imperador de fatomandara avisar aos deputados que aceitava a nomeação pelaCâmara de umacomissãoincumbidadetratardiretamentecomaspotênciascoligadas.Alémdisso,informaraqueestavadispostoasesacrificarsesuapresençanotronoimpedisseaaberturadasnegociações.3

Concessãoimportante.Elajátrazemsiaabdicação,masofatoéqueNapoleãoaindatergiversa.

Quantoshomensparadeteroavançoinimigo?

Nessemomento,éanunciadaachegadadosr.deVatry,ajudantedecampodopríncipeJérôme.Enviado

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por seu chefe a Paris para prestar contas da situação do exército, o oficial dirigiu-se inicialmente àCâmaradosPares.Informadodesuapresençanacapital,oimperadordeu-lheordemdeiraoEliseu.

Oajudantede campoacabade atravessarosdestroçosdoexército.Estáportanto emcondiçõesdefazerumresumodosrecursosqueaindarestamaosoberano.Oimperadorointerroga:quantoshomenspoderãoserdispostosemlinha?Arespostaédesesperadora:nãomaisque25mil.Oimperadorrecusa-seaacreditar.Aestimativaparece-lhemuitobaixa.Eleconvidaoajudantedecampoarefletirmelhorecalculardelápisepapelnamão.4

Osoberano,porsuavez,calculadenovooscontingentescomosquais julgacontar.Acrescentandoaos 25 mil homens que o oficial viu batendo em retirada na direção de Avesnes os soldadosarregimentadosporSoult,oscavaleirosdeDejeaneosdoiscorposdeexércitodeGrouchy,asforçasaseremopostasaosaliadoselevam-sea60milhomens!

QueDavoutseapresseairaoencontrodosdeputadosparalhesdarumanotíciaquedeveinfundir-lhescoragemdenovoealterarseuestadodeespíritoemrelaçãoaoimperador!

MaisumavezosnúmerosapresentadosnemdelongelevamemcontaadesmoralizaçãodoExército.Napoleão ignora igualmenteo alcanceda traiçãodosgeneraisque acorremaParispara conhecer seunovo senhor: Luís XVIII ou seu primo, o duque de Orleans. O imperador só seria informado dafermentaçãonoExércitoedaagitaçãopersistenteentreseuschefespelacartaquelheéescritanomesmodiaporSoult.

PALÁCIOBOURBON,9h

“Osaliadosjamaisnegociarãoenquantooimperadorestiveràsuafrente”

Reunidaporvoltadas9h,aCâmaradosRepresentantes5evidenciainicialmente“aspioresdisposições”.6OsagentesdeFouchéportodaparteincitamosdeputadosaexigiraabdicação.

Às 9h30, na ausência de Lanjuinais, o sr. Bedoch, um dos secretários, assume a presidência daCâmara.Procurador-geraleconselheirodeEstado,eleéumhomemdecoragem:restauradoLuísXVIII,Bedochdefenderacomaudáciaaliberdadedeimprensaameaçada.

Váriosdeputadospedem-lhequeabraasessãosemmaisdemora.Comoaindanãoforamconcluídosaredação das atas da reunião anterior e o relatório daComissão Extraordinária reunida nas Tulherias,Bedochpropõequeseadoteoutraordemdodia.Osdeputadosseopõem.

Gritosecoamdetodaparte:–Comissão!Comissão!Temosdeouviracomissão!OdeputadoLacostemostra-seindignado:–EstãoadiandoomomentodeatenderàvontadedaCâmara,perde-se tempoparaos interessesda

pátria!O general Grenier, relator da comissão, finalmente sobe à tribuna. Aproximando-se dos cinquenta

anos,omilitarimpressionapelosserviçosprestados.Soldadodorei,aderiuàRevoluçãoeparticipoudetodasascampanhasdaRepública.NoConsuladoenoImpério,combateuemtodososcamposdebatalhadaEuropa.

GrenierexpõeinicialmenteopedidoparaqueasCâmarasescolhamemsuasfileirasosintegrantesdeumaembaixadaaserincumbidadenegociarcomaspotênciasestrangeiras.Adiantando-seàchegadadamensagemimperial,eleanunciaaconcordânciadoimperadorcomanomeaçãodessesembaixadores.Ogeneral tambémcomunicaadecisãodo imperadorde se sacrificar, caso representeumobstáculopara

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qualquernegociaçãovisandoasseguraraindependênciadopaís.OassentimentodeNapoleãoaodesejomanifestadoporLaFayetteaindaéapenascondicional.Mas

comeleseredobraoardordosdeputadosnosentidodeexigiraabdicaçãodosoberano.7GrenierpassasemmaisdelongaaosegundotemadedeliberaçãodaComissãoExtraordinária,dizendo

respeitoaoconviteparaqueosministrosdeEstadoproponhamàsCâmarasmedidasdesalvaçãopública.O deputado Leyraud8 toma bruscamente a palavra. No ano anterior, ele recebera Luís XVIII com

entusiasmo.Chegarainclusiveacomporumacançãoemsuahomenagem,porelemesmointerpretadanumbanquetedeguardasnacionais.Odeputadosonhaemapresentar-secomodefensordasliberdadescontraaditaduradaespada.

“EnóstambémrefletimossobreascircunstânciasdifíceisemqueseencontraaFrança.Oresultadodos últimos acontecimentos dilacerou os corações, e nos perguntamos por quemeios conseguiríamossalvarapátria.Apropósitodasmaneirasderechaçarasforçasdaspotênciascoligadasetentarreagir,devemosprocederaumlevantamentodosrecursosquenosrestamenosdebruçarsobrenossasituaçãointerna.Secalcularmosasforçasdosexércitosinimigos…”

Os deputados expressam sua irritação e interrompem o orador com violento clamor. Eles queremintimar o imperador a abdicar, e eis que um importuno tenta desviá-los de sua preocupação. QueNapoleão desça do seu trono, e os representantes do povo saberão perfeitamente tomar as medidaspoliciaisededefesanecessárias!

Crochon,representantedoEure,propõequesemmaisdemoraaAssembleiaenvieumadelegaçãoaosaliados. A negociação a ser empreendida irá se basear numa solene declaração de paz ao mundo.Ouvindo-o, os representantes julgam estar voltando cerca de 25 anos atrás.Ao afirmar que “a naçãofrancesarenunciaparasempreatodaguerraofensivaedeambição”,CrochondefatoestáusandoquaseosmesmostermosoutroraempregadospelaAssembleiaConstituinte.

Um obscuro deputado, Antoine Duchesne, traz a Assembleia de volta à realidade do momento.Querendo demonstrar que a salvação da pátria exige a renúncia de Napoleão à coroa imperial, eledescrevelongamenteocaosemqueoimperadormergulhouanação,aqual,jáagoradesunida,revela-sesemforçasdiantedosaliados:

“Nossosdesastressãograndes,nãopodemosnegar.Sãoatestadospelaprópriapresençadochefedenossosexércitosnacapital.Seaenergiadanaçãonãotemlimites,omesmonãosepodedizerdeseusrecursos. Disseram-nos que eles equivalem aos que ela tinha em 1791. Quisera Deus que isso fosseverdade!Massãodemasiadososmotivosparaqueeunãocompartilhedessaopinião.Falam-nostambémdeimitarosespanhóis,quederamtãograndeexemplodeespíritonacional,umsentimentotãoprofundodaprópriaindependência.Mas,infelizmente,nossasituaçãoatualnãoémuitodiferente?Porinfortúnio,nãoéverdadequenaFrançanãoprevaleceamesmaunanimidadedesentimentos,unanimidadequeseriaaúnica…”

Eleéinterrompidopormurmúrios.Erecomeça:“NãocreioportantoqueaCâmaraestejaemcondiçõesdepropornegociaçõesàspotênciasaliadas.

Nospróprioselementosquenosforamfornecidosestáaprovadequeelesconstantementerecusaramaspropostas que lhes foram feitas, afirmando que jamais negociarão enquanto o imperador estiver à suafrente.”

Napoleãosobsursis

Regnault de Saint-Jean-d’Angély entra então na sala e se aproxima de Lanjuinais, que reassumira apresidênciadasessão.Diz-lheaopédoouvidoqueantesdas15ho imperadorenviaráàCâmarauma

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mensagemparalevaracabosuasintenções.Apromessaéouvidaporváriosdeputados,queprotestam:–QueremfazeraAssembleiaperdertempo–clamaumdeles.–Exijoquenosreunamosemgabinete–dizoutro.–Não,não…Nãosairemosdaqui…Nadademeios-termos–exclamamosdeputados.Duchesneretomaapalavra:–Precisaríamostercertezadeencontrarnodesenvolvimentodasforçasdanaçãoumadefesaforteo

suficiente para apoiar nossas negociações e cuidar com êxito de nossa honra e nossa independência.Essesdois recursosnãonosdão certezadeque seríamos capazesdepreservar nossas liberdades.Ascircunstâncias ainda podem trazer para perto da capital os exércitos vitoriosos, e então, sob seusauspícios,voltarasurgiraquelaantigafamília…

–Jamais,jamais!–gritamnaplateia.– Estou expressando francamente meu pensamento – afirma Duchesne. – Quais seriam as

consequênciasdessesacontecimentos?Sópodemostomarumadecisão,convenceroimperador,emnomedasalvaçãodoEstado,nosagradonomedeumapátriaquesofre,adeclararsuaabdicação.

–Sim,éisso,apoiado,apoiado!–gritam.Lanjuinais restabelece a calma e pede aos representantes que esperem a chegada da mensagem

imperial.O general Solignac, deputado porMillau, levanta-se. Ele é mais conhecido como especialista em

golpesdeEstadodoqueem táticamilitar.NaRepública,participoudosgolpesde13devindemiário(setembro-outubro),de18defrutidor(agosto-setembro)ede18debrumário.Porsinal,estáacostumadoa considerar a caixa do Exército parte integrante do seu patrimônio, o que em dado momento levouNapoleãoarebaixá-lodesuapatente.Ogeneralpropõequesenomeieumadelegaçãodecincomembrosparairaoimperadorfalar-lhedaurgênciadeumadecisão.

SeriaumaafrontaaNapoleão.Osdeputadosbemosentem.Algunscercamogeneral,recomendandoque,porescrúpulooutemordairavingadoradomonarca,eleaguardeachegadadamensagemimperial.Solignacconsente,propondo-seaemendarseutexto.Aplateiadivide-se,eamaioriaseopõeaqualqueremenda.Solignacaceitaumcompromisso:

“Senhores”, diz aos representantes, “todos queremos salvar a pátria,mas será quenãopoderíamosconciliaressesentimentounânimecomodesejohonrosodequeaCâmarapreserveahonradochefedeEstado?”

Nenhumdeputado ficachocadocomo fatodeumcrápulaexpulsodopostopormalversaçãovenhafalardahonradosoberano.Todosaprovamoqueelediz.

“Se eu estivesse pedindo que esperássemos até esta noite ou até amanhã, poderiam objetar-mealgumasconsiderações,masumahora…”,acrescentaogeneral.9

Submetida a votação, a proposta é aceita. Como se se tratasse de um condenado, a Assembleiaconcedeagraçadosursisàquelequeaindaontemafaziatremerdemedo.Umahoralheéconcedidaporespecial favor, para que tome sua decisão e dê a conhecer, como não duvidam os deputados, suaabdicaçãoespontânea!

Aomeio-diaasessãoésuspensa.Nasaída,LaFayetteabordaLucienBonaparte,queseencontranaCâmaranaqualidadedecomissáriodogoverno.

–Digaaoseuirmãoquenosmandeaabdicação;casocontrário,lhemandaremossuadeposição.–Eeu–retrucaLucien–voulhesmandarLaBédoyèrecomumbatalhãodaGuarda.10MerabravatadogeneralLaFayette:aameaçaéinútil,poisFouché,seumentor,queraabdicaçãodo

soberano, e não sua deposição, que poderia desencadear um movimento popular. Mas não faltamdeputados tentados pela medida. Alguns, tendo entreouvido as palavras de La Fayette, aplaudem-no.

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Villemainconstataque“nenhumaintençãocontrária,nenhumadeclaraçãodepesareresistênciaemfavordeNapoleãorestanestaAssembleiaparaaqualentraramtantoshomensoutroraligadosàRevoluçãoedepoisaoImpério”.11

Umatendênciacoletivaarrastatudo;paracomeçar,osindivíduosquevãomudandoaosabordasortedeseusenhor.Emseusencarniçadosataquesàpessoadoimperador,elesparecem“cãesdisputandoumcadáver”.12Mas nem todos os deputados têmmotivações tão sombrias.Alguns deles consideram comtoda sinceridadequeo interessepúblico impõequeo futurodaFrança seja separadodo futurodeumhomemque não se encontramais em condições de defendê-la.13Ainda assim, hesitam em enviar umadelegação ao monarca para comunicar-lhe a vontade imperativa da Câmara, de tal maneira estãoconscientesdequeseráparaeleumaafronta.Solignacnãotemessesescrúpulos.Juntamentecomalgunsdos colegas, ele se prepara para sair, conquistar o Eliseu e se vingar daquele que o puniu por suasfalcatruas.

Asessãotemprosseguimento,eosrepresentantesouvemoministrodaGuerra,queveiofalar-lhesdasituaçãodoscontingentesarmados.

Umaforçaarmadarespeitável

“Senhores”,começaDavout,“recebemosontemnotíciasdoexército.Asinformaçõesquenoschegaram,apesardenãooficiais, levavam-nosacrerquenossosdesastresnãoeramtãoconsideráveisquantosepoderiatemer.Hojeessasinformaçõesadquiriramcaráteroficialmaispositivo,easeurespeitopossoempenharminhahonradiantedaCâmara.

“UmoficialdaordenançadopríncipeJérôme,partidodeAvesnesa21dejunho,encontrouocaminhocoberto de soldados. Nele devem se encontrar pelo menos 20 mil homens arregimentados. AlgunsoficiaisdaGuardaencontraramnocaminhoveículoscomfuziseemseguidaarmarampelomenos5milsoldados.Detodocantoforamreunidoscanhões,caixasdemunições,veículos.

“Por toda parte emissários causavam alarme, anunciando o inimigo. O comandante De La Fèremandouprendertodoaquelequeespalhasseboatosperniciosos.

“AGuardafoimobilizadaemAvesnes.“EisumtrechodeumdespachododuquedaDalmácia:14‘Osenhormarechalescreveunodia20,de

Rocroy,dizendoque,comosbatalhõesdePhilippeville,reuniu2milhomensdavelhaguardaemuitosoutrosdestacamentos.’

“O marechal Grouchy informa que derrotou, no dia 18, os restos do exército prussiano. AscomunicaçõescomomarechalSoultestavamlivres.

“Outro oficial não viu nenhum inimigo entre omarechal e a fronteira. Não resta dúvida de que osenhormarechalláestácomseucorpodecavalaria.

“Assim,aindadispomosdeumexércitode60milhomensnafronteiradonorte.Podemos,alémdisso,enviar para lá 10mil homens, com cavalaria e peças de canhão.Acrescento que, se aCâmara tomarmedidasenérgicasedeclarartraidordapátriatodoguardaoutodomilitarqueabandonarabandeira,umamuralha muito forte poderá se opor à invasão estrangeira, e será possível contar com um exércitosuficientemente respeitável para sustentar as negociações comum inimigoque já demonstrouquenemsemprecumprefielmentesuaspromessas.”15

Davout não tenta esconder a gravidade da situação.Entretanto, querendo demonstrar que ela não édesesperadora,jogacomasinformações.Emboradiminuaonúmerodesoldadosencontradonocaminhopelo ajudante de campo (são 25 mil homens, em vez de 20 mil), o príncipe os apresenta como“arregimentados”,oqueaindaestálongedaverdade.Recorrendoaumasomadenúmerosmuitasvezes

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imprecisos,omarechal insisteemestabelecerem60milo totaldoshomensdisponíveisparaconteroinimigoepermitiroiníciodenegociações.

Claroestáqueoministronãomencionaoestadodeesgotamentofísicoemoraldastropas.Finalmente,seforemdarouvidosaopríncipe,osdeputadospodemteraimpressãodequeoinimigoaindanãoestáemsolonacional.Acontecequehámaisde24horasosrepresentantesforaminformadospelosprimeirosmilitaresachegaraParisdequeasfronteirasforamvencidaspelosingleseseprussianos.

Umdeputado, decerto alarmadopela contradição entre as afirmações dopríncipe deEckmühl e asinformaçõesdequedispõe,interrompederepenteoministro,perguntando:

–Gostaria que oministro se dispusesse a dizer àCâmara se é verdade que o inimigo posicionoutropasligeirasnasproximidadesdacidadedeLaon.

–Essesrelatossãofalsos–respondeDavout–,assimcomoosdisseminadosontem,segundoosquaiseu estavamobilizando tropas paramarchar contra esta Assembleia; afirmação odiosa que está sendorepetidahoje.Senhores,eudeclaroaqui,nestemomento,pelaminhahonra,quetodosessesboatossãofalsos.

SeefetivamenteosprimeirosvestígiosdoavançodosaliadosaindanãochegaramaLaon,ofatoéqueDavoutnãopodeignorarquehá24horasosinglesesestãoemPhilippevilleeosprussianosemAvesneseLandrecies.16

Odeputadoprotesta:–OscomunicadosquesãomandadostardiamenteàCâmara…Osoutrosdeputadosquequeremouviroministroclamam:–Ordem!Ordem!Osr.Lanjuinaischamaodeputadoàordemepedequeopríncipeprossiga.– Os comunicados que acabo de fornecer à Câmara – retoma o ministro – não são tardios nem

ardilosos,eunãoseriacapazdisso;euosrecebihápouco,eosr.RegnaultdeSaint-Jean-d’Angélyestavapresentenomomentoemquechegaramosdespachos.

DepoisdeumaobservaçãododeputadoFlaugerguessobreodireitodos representantesdopovodecensurarcoletivamenteumministro,asessãoésuspensa.

São11damanhã.17

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16.Osacrifício

PALÁCIODOELISEU,11h-12h

“Comoqueremviolentar-me…”

QuandochegaramaopaláciodoEliseu,Solignaceseuscolegasexplicamaosoberanoque“aCâmaraficaprofundamentecomovidaporserobrigadaaimporasimesmaumaseparaçãotãodolorosa,masnãopodedeixardelhepedirquesesacrifiquemaisumavezparasalvar,atravésdenegociações,aquiloquejánãoépossíveldefenderpelasarmas”.1

Napoleãosabequeopedidoénaverdadeumultimato.Senãoreceberrespostadentrodeumahora,aCâmarahaverádedeclararsuadeposição.Lucienoconfirma,poisparecequeeletambémfoiprevenidopormissivasanônimas.2

Masoimperadorrecebebemosdeputados.Diz-lhesque,aovoltaràFrança,pretendiaapenaslibertara nação.Acrescenta que se aAssembleia dispuser demeios para alcançar esse resultado, não tem amenor intenção de impedi-la, mas quer saber em que consistem esses meios. No entanto, Napoleãogaranteaosdeputadosqueestáparaenviaraosrepresentantesumanovamensagemqueiráatenderaseusreclamos.3

Apósapartidadadelegação,RegnaultdeSaint-Jean-d’AngélyprestacontasaoimperadordasessãodaCâmara.OministrofrisaqueodiscursodeDavoutfoimalrecebidopordeputadosimpacientesporouviroanúnciodaabdicação.Avisaque,seestanãosederlogo,osdeputadosirãovotaradeposição.Portantotempocontida,araivadeNapoleãoexplode.Elecaminhaparabaixoeparacima,vaidoseugabineteaopatamardaescadadojardimeproclama:

“Como querem violentar-me, não abdicarei! A Câmara não passa de uma mistura de jacobinos,cérebrosinflamadoseambiciososquequerempostosedesordem.Eudeveriatê-losdenunciadoànaçãoetratadodeexpulsá-los.Masotempoperdidopodeserrecuperado…”

“Elaexigequeeumesacrifique,eeuconsinto…”

Tendorecuperadoacalma,oimperadorvoltaaouvirRegnault.Aeventualidadedadeposiçãoassustaoministro.ElaprivariaNapoleãodesuacoroa,aomesmotemporetirandoaseufilhoodireitodesucedê-lo.Maisumavez,assim,oministropreconizaumaprontaabdicação:

–Senhor,nãoprocureis,euvospeço, lutarpormais tempocontraa invencível forçadascoisas.Otempo está passando, o inimigo avança. Não permiteis que a Câmara e a nação vos acusem de terimpedidoapaz.Noanopassado,vósvossacrificastespelasalvaçãodetodos…

–Minhaintenção–respondeoimperador–nuncafoirecusar-meaabdicar.Euerasoldado,voltariaasê-lo.Masqueroquemedeixemmeditarempazaesserespeito.Diga-lhesqueesperem.4

O príncipe Joseph e Caulaincourt apoiam Regnault:5 Napoleão deve acatar o desejo dosrepresentantes.BassanoeCambacérèscalam-se.Fouchémantém-seimpassível.

Carnot implora ao imperador que, ao abdicar, “não entregue a nação, ao abdicar, à vingança dos

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émigrés”,declarandoque“sócabeesperarsalvaçãocomaajudadeumatentativafirmee,senecessário,terrível”.6

Eacrescenta:“Não deis exemplo de desânimo nem sinais de debandada. Reassumi vosso comando militar e

declaraiapátriaemperigo.Convocaitodaanaçãoasedefender.”7Significaisso,maisumavez,pregarogolpedeforçaeainstauraçãodeumaditaduraprovisóriade

salvaçãopública.Napoleãohesita.Ofantasmadaguerracivilvoltaaseapresentaraele:aGuardaImperial,marchandosobreopalácio

Bourbon,inevitavelmenteiráseconfrontarcomumadaslegiõesdaGuardaNacionalqueláseencontramdesdeavéspera.Sangueseráderramado.

Oimperadorserecompõee,dirigindo-seaosministrosepríncipes,diz:“Senhores, sozinho, nada posso. Afastar todos de mim é pô-los a perder. Eu convoquei esta

Assembleia para que elame infundisse força; em vez disso, suas divisões acabam deme privar dospoucosrecursosdequeeuaindadispunha.Foiconvencidadequeeurepresentavaoúnicoobstáculoàconclusãodeacertoscomosquaiselaéludibriada.Otempoécurtodemaisparaquesetenhaesperançadeesclarecê-la.Elavoltouseuolharparaoutroponto.Exigequeeumesacrifique,eeuconsinto,poisnãovimàFrançapara alimentar adiscórdia interna.O tempo,que tudoanalisa,provaráquais sãoasintençõesdaquelesqueacabamdedestruirosrecursosqueaindanosrestam.”8

OpríncipeLucien tentapelaúltimavezconvencero irmão.Aúnicarespostaaserdadaacovardesque,paraencontrarapaz,estãodispostosaaceitartudoéinstaurarumaditadura:

–Nãotivestesmuitosmotivosdevosarrependerporteresseguidomeuconselhoem18debrumário–dizele.–Opaísnosaprovouevosaclamou.Masnãoémenosverdadeque,legalmente,nãotínhamosodireitodetomarmedidasqueconstituíamnadamaisnadamenosqueumarevolução.Quediferençahoje!Vósdispondesdetodosospoderes.OestrangeiromarchasobreParis.Nuncaumaditadura,umaditaduramilitar,foitãolegítima.9

–MeucaroLucien–respondeNapoleão–,éverdadequeno18debrumáriosótínhamospornósasalvaçãodapátria…Hoje,temostodososdireitos,masnãodevofazerusodeles.

A“Declaraçãoaopovofrancês”

O imperador volta-se para Fouché e, “com um sorriso amargo”, recomenda-lhe: “Escreva a essessenhores que fiquem tranquilos; eles serão atendidos.” O duque de Otrante, sem parecer notar o tomempregadopelosoberanoecomardequemobedece,apanhaumafolhadepapeldamesadoConselhoeredigeumacartaaodeputadoManuel.10

Napoleão retira-se com o irmão Lucien para um pequeno compartimento conhecido como Sala dePrata.Opríncipetomadapenae,nãosemalgumareticência,escreveoquelheditaoimperador:

DeclaraçãoaopovofrancêsAodarinícioàguerraparasustentaraindependêncianacional,eucontavacomaconvergênciadetodososesforços,detodasasvontades,eoconcurso de todas as autoridades nacionais. Tinhamotivos para esperar o sucesso e havia enfrentado todas as declarações das potênciascontramim.

Ascircunstânciasparecem-memudadas.Ofereço-meemsacrifícioaoódiodosinimigosdaFrança:queelespossamsersincerosemsuasdeclaraçõesderealmentetersevoltadoapenascontraaminhapessoa.Minhavidapolíticaterminou,eeuproclamomeufilho,comotítulodeNapoleãoII,imperadordosfranceses.

Osministrosatuais11 formarãoprovisoriamenteoConselhodeGoverno.Meu interessepormeu filho leva-meaconvidarasCâmarasaorganizarsemdemoraaregênciacomumalei.

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Uni-vostodospelasalvaçãopúblicaeafimdecontinuaraserumanaçãoindependente!12

Nasalaao lado,Carnot inclinaacabeça.Uma lágrimacorre-lhepelo rosto.Estariachorandopelohomemqueseentrega?OupelaFrança,arrastadaporeleemsuaqueda?13

Comoomessiascrucificado

Há 24 horas a palavra “sacrifício”, que acaba de ser inscrita na Declaração, não sai da boca doimperadoredosquelheestãomaispróximos.Muitorepetidojánaépoca,o termoapareceaindahojenostextosdosqueseencarregamdeescreveralendanapoleônica.

Sacrifício?Não podemos deixar de notar que,mais ainda que em 1814,Napoleão é impulsionadonessesentidopelaconjunçãoentrederrotamilitarefracassopolítico.Épegonomecanismodeumjogoqueelemesmopermitiulhefosseimpostopelanecessidade.Déspota,sefazsoberanoliberalparanãoficaratrásdapolíticaadotadaporLuísXVIIIetambémparaconquistaraconfiançadosnotáveis.Apartirdomomentoemqueestesorejeitam,eosseguidoresfiéis,perdendoaconfiança,caemnaimobilidade,oimperadormártirnãopodedeixardeaceitaracoroadeespinhosquelheéentregue.

Para além das duas abdicações que ele se torna o primeiro soberano europeu a aceitar,NapoleãopretendeinscreversuarenúncianacontinuidadedeumdestinocompletamentevoltadoparaadefesadaFrança.Ontemelearriscavaavidaesalvaguardavaaespadadaindependênciadopaís.Hoje,quebradaaespada,eleasustémpeloverbo.Otextoqueditaaoirmãoeaoqualdáotítulode“Declaraçãoaopovofrancês”éantesumaexortaçãoqueumarenúncia.Ele,outroradesignadopelosbispos“oheróieleitoenominado pelo Altíssimo”,14 entrega aos franceses, como um messias crucificado, uma mensagemredentora:suasalvaçãovirádauniãoedavontadequedemonstraremdesedistanciardospérfidosque,atirando-oaochão,queremabateraFrança.

A “Declaração”, texto extremamente rico, traz em si outra imagem do imperador. Mais que ummonarcadedireitodivinoque,abdicando,aindamanifestasuaautoridadeedánovafeição“aocarátermortal do absoluto do poder”,15 o texto revela um Napoleão magistrado popular obrigado pelascircunstânciasaabandonarocargo.Aabdicaçãodeummonarcaabsolutodedireitodivinoficamarcadacomosinetedatraiçãoedadesonra.Seutrononãoémaisumapropriedadedequepodedisporaseubel-prazer,masumquartelquenãopodeabandonarsemcometeramaiordascovardias.Omagistradoque renuncia ao cargo depois de ter sido várias vezes consagrado pelo povo, ao contrário, alcança agrandeza.Aglória,comefeito,estágarantidaaocônsulqueabremãodasinsígniasdopoderefaz“votospelapátria,emvezdelançarsobreelaocombustíveldadiscórdia”.16

Masestariaosacrifíciointeiramenteconsumado?Noprimeiroditadoquefez,Napoleãonãomencionaraofilho.Lucien,CarnoteRegnaultobservaram

que,aocontráriodoqueaconteceraem1814,quandoeleabdicouincondicionalmente,nadaoobrigavaagora a “renunciar, em favor de seus herdeiros”, ao trono da França. Pediram-lhe então que fizesseacompanhar a abdicação de uma cláusula preservando os direitos do filho a sucedê-lo. A medida,disseram eles, permitiria afastar os Bourbon. “Os Bourbon!”, respondeu Napoleão. “Pois bem! Pelomenosestesnãoficarãosobotacãoaustríaco.”

Omonarcanãoseilude:aabdicaçãoemfavordofilhoéumatolice.Osinimigosseaproximam,ecomelesvemLuísXVIII,aopassoqueaquelequefoireideRomatornou-searquiduqueaustríaco.DesdequeMaria Luísa, sua mãe, o levara para Viena em 1814, ele é praticamente um prisioneiro político naÁustria.Emtermosimediatos,portanto,seufilhonãotemnenhumachancedesetornarimperador.Mascomoestarãoascoisasdentrodealgunsanos?

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A abdicação condicional preserva o futuro do herdeiro. Nomomento, priva osmembros das duasCâmaras de qualquer esperança de paz.Eles sabemmuito bemque, para os aliados, não há qualquerdiferença entreNapoleão I eNapoleão II.A consumação do sacrifício é assim retardada e talvez atéquestionadasinedie.

A abdicação condicional não seria uma derradeiramanobra do partido bonapartista liderado pelocardeal Fesch, tio deNapoleão, e os irmãos domonarca, Lucien, Joseph e Jérôme?Mais uma vez ofantasmadogolpedeEstadode18brumárioressurgepararondaraimaginaçãodeliberais,republicanoserealistas.

Mártir,messias,novoegloriosoCincinato,ouCésarmaquiavélico?Urgenteélevara“Declaração”àsduasCâmaras.SeráporironiaqueNapoleãoincumbeFouchédamissãocomosrepresentantes?Aovê-lo sair do Eliseu, seguido de Decrès e Caulaincourt, um indivíduo grita na multidão: “Lá vão ocarrasco,oconfessoreocarcereiro!”17

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17“EntregomeufilhoàFrança”

PALÁCIOBOURBON,PALÁCIODOELISEU,12h-15h

“Apertarecruzarosnósnocorpodogiganteabatido”

Aomeio-dia,osrepresentantescomeçamachegaraopalácioBourbon.1Enquantoesperamoreiníciodasessão,conversamruidosamente.Manuelécercadoporumgruponumeroso.Odeputadoanunciaquenosminutosseguintesaabdicaçãoestaránogabinetedopresidente.

Eseacoisatodanãopassassedeumaderradeiraastúciadoimperadorparaganhartempo?Osboatosmaispérfidoscirculampelasala.Opresidentetentaacalmarosrepresentantes,pedequevoltemaseusassentoseordenaaosoficiaisdiligênciasparaaevacuaçãodoscorredoreslaterais,ondeseintroduziramelementosestranhosàCâmara.

–SolicitoumaexceçãoparaossenhoresoficiaisdaGuardaNacional–intervémogeneralSolignac.–ParatodosaquelesqueportemouniformedaGuardaNacionaldeserviço–acrescentaodeputado

Arnault.A proposta é aceita. Ela homenageia a força armada cidadã, além de tranquilizar os deputados,

permanentementepreocupadoscomaeventualidadedeumgolpe.Faz-sesilêncioquandoéanunciadaaentradadeFouché,duquedeOtrante,docondeCarnot,deCaulaincourt,duquedeVicence,edeDavout,príncipedeEckmühl.

Depoisdelembrarqueoregulamentoproíbequalquermanifestaçãodeaprovaçãooudiscordância,opresidentelêa“Declaração”doimperador.Emseguida,dáapalavraaFouché.

“Senhores”,dizoduquedeOtrante,“chegouomomentoemqueaCâmaradosRepresentantesdevesepronunciardiantedanaçãoedaEuropaporsualiberdade,suaindependênciaepeloêxitodosprincípiospelos quais a nação derrama seu sangue e se entrega a sacrifícios há 25 anos. Não é diante de umaAssembleia composta de franceses que eu julgaria necessário recomendar a consideração devida aoimperadorNapoleãoelembrarossentimentosquedeveinspiraremsuadesgraça.Osrepresentantesdanação não irão se esquecer, nas negociações que estão para se iniciar, de determinar os interessesdaquelequedurantelongosanospresidiuosdestinosdapátria.ProponhoportantoàCâmaraquedeliberequeumacomissãodecincomembrossejaimediatamentenomeada,queelasejaincumbidadeprocuraraspotênciasaliadasparatratardosinteressesdaFrançanascircunstânciasenaposiçãonovasemqueelase encontra, e apoiar seus direitos e a independência do povo francês. Solicito que essa comissão,designadahoje,possapartiramanhã.”

Para que Napoleão beba o cálice da amargura até o fel, o próprio Fouché entrega o soberano àproteção “de homens que, durante catorze anos, ele viu se arrastarem a seus pés, e que considerarevoltosos!”2

NapoleãomalentregouàAssembleiaseuatodefalecimentopolítico,eFouchéjáoenterra.Emsuahomilia, oministro presta-lhe homenagem, aomesmo tempo lembrando, pérfido, os sacrifícios queosfrancesespadeceramsob seu reinado.Quantoa reconhecerNapoleão II e instauraruma regência,nempensar.FouchécontacomseusamigosnaCâmaraparaimpedirqueoimperadorseeternize.

OrepresentanteDupin,3docírculodeFouché,levanta-seprecisamenteparadarsuacontribuiçãoao

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monumentodetartufismoimaginadopeloministro.“Senhores”,dizele,“aabdicaçãodoimperadoreranecessária;elaégrandeegenerosa,emereceque

semanifesteagratidãonacional.OsacrifícioquenestemomentofazoimperadorNapoleãoprova,comefeito, que ele buscava a glória e a felicidade do povo francês; e hoje, para que esta glória e estafelicidadenãosejamcomprometidas,paraqueaindependêncianacionalnãosejaatacada,eleacabadesesacrificar.Eledevolveaopovofrancêsospoderesquelhehaviamsidoconfiados.Vossomaiordeveré, portanto, aceitar essa abdicação em nome da nação que representais. Eu vos proponho a seguintedeliberação:

“ACâmaradosRepresentantes,considerandoqueasalvaçãodopovoéasupremalei,declara:“Artigo1º.Emnomedopovofrancês,aCâmaradosRepresentantesaceitaaabdicaçãodeNapoleão.“Artigo 2º.ACâmara dosRepresentantes declara-seAssembleiaNacional.Deputados partirão em

seguidaemdireçãoaoquartel-generaldosaliadosparaestipularosdireitosdaindependêncianacionaleparticularmenteainviolabilidadedapessoadeNapoleão.

“Artigo 3º. Será indicada uma Comissão Executiva de cinco membros, três deles nomeados pelaCâmaradosRepresentantesedoispelaCâmaradosPares.

“Artigo4º.Essacomissãonomearáemseguidaumgeneralíssimo,eosministroscontinuarãoemsuasfunções.

“Artigo 5º. Uma Comissão Especial será incumbida de preparar os trabalhos de uma novaConstituição,quedeverágarantirnossas instituiçõesnacionais.Elaconstituiráasbasesdopactoedascondiçõesnasquaisotronopoderáserocupadopelopríncipequeopovotiverescolhido.”4

ComoobservaVillemain,tudoépensado,tudoéexpressivonessacurtaalocuçãofeitapara“apertarecruzarosnósnocorpodogiganteabatidoeimpedi-lodequalquernovosolavancoequalquertentativadefuga”.

Oorador,aomesmotempoquereconheceagrandezaeagenerosidadedogestodeNapoleão,tomaocuidado de declará-lo completo e irrevogável. Sua propostamodifica a abdicação, que deixa de serapenasumatoabsolutodosoberano,parasetornar“umcontratoinviolável”entreNapoleãoeaFrança.5

O segundo artigo, transformando a Câmara em Assembleia Nacional, detentora única do poder,assinalaocompletorompimentocomaordemdinásticadoImpério.Oartigoseguinteampliaaindamaisessaseparação.Oanúnciodenegociaçõesdiretascomoadversárioemnomedanação,acriaçãodeumgovernoprovisórioeaformaçãodeumaComissãoEspecialparaprepararaentronizaçãodeummonarcacujonomeaindanãoépronunciadosãooutrastantasmedidasdestinadasadescartaraproclamaçãodeNapoleãoIIcomoimperadoreainstauraçãodeumaregência.

Dupin erra ao tentar explicar um projeto cuja habilidade foi secretamente reconhecida pelosdeputados.Acabairritando.Eéobrigadoasecalar.

OdeputadoMourgueaproveitaparatomarseulugarnatribuna.“Ontemeraodiadaprudência,hojeéodaação.Oinimigoavança,osdiscursosgastamapaciência,

detêmomovimento:chegadediscursos!”Muitas vezes os que preconizamo laconismo falam com abundância.Mourgue não escapa à regra,

estendendo-se em pontos de vista perfeitamente alinhados com os de Dupin. Depois de prestarhomenagem ao imperador, “colocado sob a salvaguarda da honra nacional”, e de solicitar umatransformação da Câmara em Assembleia Nacional, ele faz um pedido original: incumbir a GuardaNacional, sob o comando supremo de La Fayette, secundado pelo marechal Oudinot, de proteger aCâmara.

Étentarjuntaroscontrários.Oudinotéconsideradoumrealista,assimcomoomarechalMacDonald,recomendadoporMourguecomogeneralíssimodosexércitosdeterraemar.Essaprimeiraportaabertaàrestauração dos Bourbon ainda não é aceita por grande parte da Assembleia, que manifesta sua

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desaprovação. O antigo convencional Garrau lembra a todos o Artigo 67 do Ato Adicional àsConstituiçõesdo Império.O artigoproíbe àsCâmarasproporo restabelecimentodosBourbon.Dupintentaretomarapalavra,maséimpedido.

AslágrimasdeRegnault

Regnault de Saint-Jean-d’Angély dirige-se, por sua vez, aos representantes com uma emoção quemalconsegue disfarçar. Por alguns momentos, seus olhos ficam cheios de lágrimas e, com a gargantaapertada,eleparadefalar.

Éprecisopreservaraomáximo,dizele,aorganizaçãopolíticaeadministrativa,assimcomoaformaexistentedegoverno.Tudoquetendeaquebrarosinstrumentoscriadosparasubstituí-losporoutrospodeatiraropaísnolabirintodatotaldesorganização.

Entretanto,paraatenderaodesejolegítimodaquelesqueconsideramaindareduzidodemaisocampodasliberdades,elesugerequeaCâmaraconvoqueumacomissãoparareverasConstituiçõesimperiais.

O fiel seguidordeNapoleãoparece empenhado emcombaterDupin eMourgue,masde repente sealinhaàssuasposições.SeriaRegnaultguiadopela“convicçãodeumaimperiosanecessidade”?Deixar-se-ialevarpelo“entusiasmodotalentoquequeragradaraoauditório”,6ouestariaseguindooconselhodeFouché,de“contemporizarparanadacomprometer”?7

Regnault reconhece que a Comissão Executiva proposta por Dupin compensará a ausência deautoridadeposterioràabdicaçãodoimperador.EleexortaaAssembleiaaconstituí-la,paraoporvivaresistênciaaos inimigos–eaossediciososdispostosaapoiá-loseabrir-lhespassagem.Aoaprovaracomissão, Regnault admite a possibilidade de um novo contratomonárquico que pode selar o fim deNapoleãoII.

Estariaoministropreocupadoemfazercomqueesqueçamsuamudançadeposição?DerepenteelepassaadescreveremtermosprópriosasituaçãoemqueseencontraNapoleão,afimdemexerbemfundoosentimentodosrepresentantes:

“Há um momento apenas, tínheis à vossa frente um homem que haveis proclamado grande. Essehomem será julgado pela posteridade. Ele fora investido pelo povo do poder soberano; e acaba deentregá-losemreservas,semcondiçõespessoais.”

Regnault detém-se, comavoz alteradapela emoção.A sala continuamergulhadanomaisprofundosilêncio.Passadoummomento,oministrorecomeça:

“CreioqueaCâmaradeveaseurespeitofazer-seintérpretedossentimentosquelhesãodevidos,equeanaçãocontinuaráaterporele…”

“Sim,sim,apoiado”,gritamnaplateia.Regnaultprossegue:“Talvez,inclusive,sejaaquiomomentodevosrevelaroqueaconteceunointeriordeseugabinete.

Ontem, senhores, quando o abordei, declarei-lhe que nada se comparava à fidelidade que lhe haviajurado,masque,respondendoàsuaconfiança,deviadizer-lhequeelenãotinhamaiscomodefenderaindependênciaeosdireitosdanação;reiterei-lheque,comoministro,morreriajuntoaoseutronoparadefendê-lo,masque, como representantedopovo, imbuídodosdeveresqueessa condiçãome impõe,tinhaparacomaminhapátriaodeverdelhefalaralinguagemimperiosamenteexigidapelasalvaçãodoEstado.Cabe-meportanto,senhores, tendocumpridoodeverdehomemdeEstado,cumpriraquelequemeéimpostopelocoração.Peçoaordemdodiasobreaspropostasquevossãofeitas.PeçoqueodianãoseencerresemqueoConselhoExecutivosejanomeado.Epeçoqueasecretariaseencarreguedeprocurar o imperador para lhe manifestar a gratidão do povo francês pelo sacrifício que julgou

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necessáriofazerpelaindependêncianacional.”Dupin propunha que se aceitasse a abdicação de Napoleão num estilo de secura próxima de um

registrode tabelião,masRegnaultsevaledoregistroafetivo.Ouvindo-o,dir-se-iaqueNapoleãoeosrepresentantes trocavam congratulações: a abdicação engrandece o imperador e sua glória repercutenaquelesqueaaceitam!

A Câmara decide por unanimidade enviar o presidente e a secretaria para falar com Napoleão emanifestar-lhe,emnomedaFrança,agratidãoeorespeitocomosquais“elaaceitaonobresacrifícioqueelefezemnomedaindependênciaedafelicidadedopovofrancês”.

AodeixaropalácioBourbon,ogrupoécobertodeinsultospelospopulares.“Olhemcomoestãocompressadeselivrardaqueleaquemdevemsuascordaseequipamentos!”,gritaalguém.8

OAiglonasempreesquecido

Nodecretodeenviodeumadelegaçãoaoimperador,aCâmaraincluianomeaçãodeumacomissãodecincomembros,trêsdosquaisescolhidosentreosrepresentanteseosdoisoutros,entreosintegrantesdaCâmaradosPares.Elaseráprovisoriamenteinvestidadopoderdegovernar.Osministroscontinuamemsuas funções, sob a autoridade da comissão. Uma mensagem é enviada à Câmara dos Pares paracomunicar-lheasdecisõesdaCâmaradosRepresentantes.NemumaúnicapalavraéditaarespeitodoConselhodeRegência.NinguémfaladoAiglon.Decididamente,oreideRomaéumpríncipefacilmenteesquecido!9

O Poder Executivo caiu das mãos de Bonaparte, e os deputados dele se apoderam. Ainda ontemqueriam apenas a ampliação do Poder Legislativo. Agora investem no campo do Executivo. Algunsdeputadossequestionam:aoretomaroprincípiodacentralidadedoLegislativo,nãoestariamvoltandovinteanosatrás?NãoestariamretornandoàépocaemqueaConvenção,reunindoemsimesmatodosospoderes,designavanoseupróprioseioumComitêdeSalvaçãoPúblicaincumbidodegovernaraFrançacomaajudadosministros?

Depois de viva discussão, a Câmara decide que os deputados designados membros da comissãoperderãoprovisoriamenteseusmandatosderepresentantes.Poroutrolado,aCâmaraconfiaàcomissãoatarefadenomearosplenipotenciáriosqueiráenviaraosaliados.

O deputado Lacoste causa um momento de preocupação na Câmara: diz ter recebido uma cartaanunciandoachegadade10milsoldadosaParis.Tumultonasala.Pergunta-se:“Queestánosdizendo?Quesignificaisso?Acartaéassinada?Porquem?”

Pelamilésimavez,ouvem-seaspalavras“18debrumário,18debrumário!”OministrodaGuerrarestabeleceacalmaaoafirmarqueomovimentoéprotagonizadoportropasque,

acampadasàbeiradoSomme,foramconvocadasporordemsuaasedirigiràcapital.Davoutpromete:“Senhores, enquanto eu estiver no comando, nenhum francês precisará temer uma traição.”A cena dátestemunhodapersistentepsicosedosrepresentantesemrelaçãoaoCésardeposto.Eleschegamatemê-lomuitomaisqueaosinimigosqueseaproximamdacapital.

OministrodaGuerra, ajudadopelogeneralMouton-Duvernet epelodeputadoFlaugergues, trazosdeputados de volta à dura realidade: o inimigo se aproxima, os soldados desertam, os efetivos sedesfazem,aguerradeveserdeclaradanacional,paraquetodososfrancesessejamsoldados.Apropostaéaprovada.RestatomarasmedidasnecessáriasparaefetivaroimprovávelrecrutamentoemmassatãodesejadoporNapoleão.

Passaumpoucodas15hquandoasessãoésuspensa.ACâmaraaguardaoretornodeLanjuinaisdoEliseuearespostaàmensagemenviadaàCâmaradosParessobreacriaçãodaComissãoExecutiva.

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“Euabdiqueiexclusivamenteporele”

“FoiumespetáculoimponenteachegadadosnoverepresentantesdopovoimbuídosdorespeitodevidoaumaAssembleiaNacional, que vinham anunciar àquele que, depois de ter dominado os soberanos docontinente,aindacomandavaoExércitofrancês,suaGuardaeumagrandeforçanosarredores,queelenãoeramaisimperadorequeanaçãoretomavaogoverno.”10

Omarquês de la Fayette, que em suasMemórias se apresenta como o duelista que dá a estocadavitoriosanoadversário,descreveumacenabemdistanteda realidade.Osdeputados,pormaisqueseapresentem como depositários da soberania nacional, não se impõem propriamente perante o Césardeposto.

Até o último momento Napoleão se empenha em demonstrar-lhes que continua a ser o monarca.Começaporsubmetê-los,desdearecepção,àetiquetaemvigorhámaisdedezanosnacorteimperial.Nosalãoondeos recebe,ouvecomatitudecalmaeumportecheiodenobrezaaspoucaspalavrasdehomenagem a ele endereçadas por Lanjuinais. Elas não parecem tocá-lo. Sua resposta estala como ochicotecastigandoocourodosculpados.

“Agradeço-lhe pelos sentimentos expressados”, diz ele aLanjuinais. “Desejo queminha abdicaçãorepresenteafelicidadedaFrança.Masimaginoquenãoseráassim.EladeixaoEstadosemchefe,semexistênciapolítica.OtempoperdidonoempenhodederrubaramonarquiapodiatersidoempregadoparadeixaraFrançaemcondiçõesdeesmagaroinimigo.RecomendoàCâmaraquetratelogodereforçarosexércitos.”

Emseguida,semdeixaraatitudedeaparenteserenidade,Napoleãofazadvertênciasquemaispodemserencaradascomoordensdoquecomoconselhos:

“Quemquerapazdeveprepararaguerra;nãodeixemestagrandenaçãoàmercêdosestrangeiros.Tomemcuidadoparanãotersuasexpectativasfrustradas:éaíonderesideoperigo.Emqualquerposiçãonaqualmeencontre,estareisemprebemseaFrançaestiverfeliz.RecomendomeufilhoàFrança.Esperoqueelanãoesqueçaqueeuabdiqueiexclusivamenteporele.Etambémfizessegrandesacrifíciopelobemdanação.Somentecomminhadinastiaelapoderáserlivre,felizeindependente.”11

O lembrete sobreodestinoque sedeve reservar a seu filho e à suadinastia ressoa comoameaça.EnquantoNapoleãoIInãoforproclamadoimperador,aabdicaçãoénulaesemefeito.

Napoleão cala-se. Os deputados choram. Acaso se deixariam levar pela emoção do momento?Estariamvertendo lágrimas sobre seus próprios destinos, como tantas vezes fazemos vivos diante daagoniadosentesqueridos?

Elesvieramassistiraosúltimosinstantesdopríncipe,eeisqueomoribundolevanta-separafustigá-los e ameaçaroshomens ávidosde se apropriar do seupatrimônio.Decididamente, os representantescontinuamencontrandopelocaminhoofantasmade18debrumário.

Lanjuinais despede-se do imperador comunicando-lhe que, como a Câmara votou apenas eespecificamenteaabdicação,eletem“odeverdeprestar-lhecontadodesejodeSuaMajestade”.12

RegnaultdeSaint-Jean-d’Angély,quesejuntaraàdelegação,aproxima-sedeNapoleão“paraassumirdiantedeleahonradetersuscitadoessahomenagemdegratidãonacional”.Comextremafrieza,diz-lheoimperador:“Seadecisãoeravossa,devíeisterlembradoantesdemaisnadaqueotítulodeimperadornãoseperde.”13

Semcumprimentá-lo,Napoleãodá-lheascostas.

aAiglon:filhotedeáguia,apelidodadoaofilhodeNapoleão.(N.T.)

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18.Oodiosojugoestrangeiro

PALÁCIODELUXEMBURGO,14h30-17h

“Tudoissoémentira…Estãosendoenganados”

NatribunadaCâmaradosPares,ocondeLacépèdeabreasessãoàs14h30edáapalavraaoministrodoInterior. Carnot lê a “Declaração” do imperador. Num plenário meio vazio, o jovem Villemain seespanta:nemumprotesto,nemumarrependimentonumaAssembleiaapesardetudocompostadehomensquetudodevemaoimperador.

Comosesetratassedotextomaisbanaldomundo,Lamethsolicitaquesejaentregueaumacomissão,esuapropostaéaceitasemquequalquerdosmembrosdaCâmaraselevanteparamanifestarseupesar.

Carnot retomaapalavrapara lerocomunicadodoministrodaGuerra sobrea situaçãodasForçasArmadas. Arrola os dados sobre as baixas inimigas, indica os recursos que restam ao governo,exagerando-os: congratula-se, assim, pelos 50 mil homens trazidos por Grouchy e os soldadosarregimentadosporSoult.

Derepente,umhomemlevanta-senomeiodaplateia,ocorporetesadopelaviolênciadomovimentoqueoanima.Comoscabelosruivosdagrenhaedabarba,eorostobrancodemandíbulascrispadas,oindivíduoé aprópria expressãoda raivaeda indignação.Comumavoz surdaqueaospoucos sevaielevando,elerelataabatalhaperdida.

NosilênciodasalaosespectadoresveemacargadoscouraceirosdogeneralMilhaud,osartilheirosinglesesabatidosjuntoaosequipamentos,aondadefogoabrindoamplasbrechasnaslinhasfrancesas,osgranadeirosdaGuardaabaladospeloataqueimpetuosodoinimigo,achegadadascolunasprussianas,aausênciadeGrouchyefinalmentearetirada,depoisdeumsobressaltodesesperadodedefesa.

Ohomemdetém-seporummomento.Passaosolhospelaplateiaesuavozsefazouvirdenovonosilênciodasala:

“Épurainvençãoafirmarqueentre50mile60milhomensestãoouserãoreunidosemRocroyouemalgumoutroponto.JáserámuitoseomarechalGrouchyconseguirconservar12milou15milhomens.

“Comissoealgunsdestroçosmais,comguardasnacionaisincumbidos,comojásedisse,dedeterosfugitivos,seráacasopossível,depoisdetamanhadispersão,naausênciadoimperador,tendoaartilhariasidotomada,oferecerresistênciasériaaoinimigonocaminhoparaParis?

“Estamoshojederrotadosdemaisparatravarbatalha.Eisoverdadeiroestadodecoisas.Desespera-meterdedizê-lo.HápoucotempoWellingtonestavananossadianteiraemNivelles,diantedeBruxelas,com80milhomens,artilharianumerosa,regimentosdecavalariaintactoseumaconfiançanosucessoquejamaistiveraantes.Osprussianos,inicialmentemenosmaltratadosdoqueseafirmouefortalecidospelavantagem recém-conquistada, avançam com dois grandes corpos expedicionários sem esperar outrosexércitosemseuencalçooupelosflancos.UmaprimeiraondaestaráàsportasdeParisantesdeseteouoitodias.

“Noatual estadodecoisas,nãopodeispensar emmaisnada senãonapaz.Permitiu-seque fôsseissurpreendidospordoisexércitosconsideráveis.Nãotendestempoparavosmobilizar,recomporvossomaterialevosreposicionaremlinha.Nãosetrataapenasdeumcampodebatalha,masdeumImpério

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perdido;eudigoascoisascomosão,paraquehajaproveitoeninguémsejaenganadonadesgraça.Sobratempoapenasparanegociar.Éprecisofazerapaz:nãotemosforçasparamaisnada.”1

OmarechalNeyenfrentounãopoucosdesastres emuitoscombatesde retaguarda.NacampanhadaRússia,foiumdosúltimosaatirarcontraosrussos.Elevoltaasesentar,percorrendoasalaemtodasasdireçõescomumolhartristeeorgulhoso.Umlongosilênciodeestupefaçãosegue-seaodiscursodaquelequeaderiuaNapoleãodepoisdeterprometidoaoreientregá-lonumajauladeferro.ACâmaraéentãopercorrida pormurmúrios.As palavras do príncipe daMoscóvia, segundo alguns, dão testemunho da“aflitiva desordem de uma alma desesperada”.2 Para outros, são exageradas, desmobilizadoras epérfidas.3Eseopríncipetivesserazão?

Discussãoemtornodeumcombate

DurantequasemeiahoraecoamnaCâmaradosParesaspalavrasdeconfrontoentreosqueaceitamorelatóriodeCarnoteosqueorejeitam.OgeneralLatour-Maubourgreconhecequeotextoapresentadopelo ministro da Guerra “nada tem de muito autêntico; que nele são citados elementos de exatidãoinsuficientementecomprovada,cartasdeoficiaisquenãopuderamacompanhartodoomovimentododianemoalcancedasperdas”.OgeneralchegaasolicitarquesefaçaumaacusaçãocontraCarnotcasosecomprovequeoministroqueriaenganaraCâmara.

Carnotprotesta:acartaqueacabade leréassinadapeloministrodaGuerra,eas informaçõesquecontémforamfornecidaspelosrelatóriosvindosdosexércitos.OcondedeFlahaut,umdosajudantesdecampodoimperador,apoiaoministro:

“Estacartaestádeacordocomaverdade”,dizele;“foiredigidacombasenomeurelatório.Nodia18,omarechalGrouchyobteveumagrandevantagemederrotouoexércitoprussianosobocomandodomarechalBlücher;devehaver40milhomenssobsuasordens.”

O marechal Ney sustenta “tudo que falou”, frisando que “disse apenas o que viu”: as forças àdisposiçãodeGrouchychegamapenasaalgunsmilharesdehomens.

OcondedePontécoulantpedequeseencerreumadiscussãodolorosaparatodos.Masvoltaalançarodebatedizendo:

“Notoqueopríncipe,emsuadiscussão,aparentementecriticavaasoperaçõesdomarechalGrouchy.Eu tenho a honra de ser seu parente, e sou por isso chamado a defender sua reputação. Omarechalcombateucomobom francês, comobom soldado, como bomgeneral.Causa espécie que se achemnodireitodecensurarocomportamentodessegeneralsemconhecimentopositivodosfatos.”

OpríncipedaMoscóvianãorecua:“NãoqueroincriminaromarechalGrouchy.Elenãotinhacomotomarainiciativadasmanobras,esou

oprimeiroareconhecerquecumpriuseudevercomobomfrancêsecomogeneral,masafirmoquenãopodehaveratualmente40milhomenssobsuasordens.”

Odebatenãoacaba,eaAssembleiaétomadapelocansaço.Opresidentesuspendeasessão.O jovemVillemaindeixaa sala evai sentar-senumcantoafastadodo JardimdoLuxemburgopara

pensar tranquilamentesobreoqueacabadeouvir.Comocoraçãoapertado,escreve,eleencrava“nossulcosde[sua]jovemmemóriaessaspalavrasdeheroicolutoeindignaçãoquepercebeamargascomoamorte”.Emseguidaperambulaporalgunsmomentospelasalamedas.Sobasárvoresquetestemunharamtantasjornadasrevolucionárias,eleseespantacomatranquilidadeeabelezadodiadeverão.Agoraquetestemunhao fimdeum Império, entendemelhoroque tantasvezes leunos livrosdehistória sobre aquedadosimperadoresromanosderrotadospeladeserçãodeumgeneralecondenadosporumdecretodoSenado.4

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Às15h30asessãoéreiniciadaeVillemainretornaàsalaondeestãoreunidosospares.

“SolicitoquedeclaremosseéNapoleãoIIqueestamosproclamando…”

OpresidenteprocedeàleituradamensagemdaCâmaradosRepresentantesquelhecomunicaoenviodeumadelegaçãoaoimperadorearesoluçãoquecriaumaComissãodeGoverno.

Thibaudeautomaapalavraeconstataque,adiantando-seosrepresentantesàCâmaradosPares,resta-lhe apenas aderir a uma resolução que, no fim das contas, preserva a liberdade e a independêncianacionais.

Apósbrevediscussão,PontécoulantsubmeteoseguintetextoàaprovaçãodaCâmara:“ACâmaradosPares adere à deliberação da Câmara dos Representantes e ao mesmo tempo se declara cheia deadmiraçãopelamaneiragenerosacomooimperadorterminousuavidapolítica.”

Masquantahipocrisia,pensaLaBédoyère.OcondedePontécoulant,aosereferiràúltimaparteda“Declaração aos franceses”, esquece deliberadamente que a abdicação está subordinada aoreconhecimento de Napoleão II. O jovem general levanta-se com ardor e põe em pauta a questãoembaraçosaqueninguémquerformularnemouvir:

“SolicitoquedeclaremosseéNapoleãoIIqueestamosproclamando,ouseéumnovogovernoquequeremosadotar.FoipelofilhoqueNapoleãoabdicou.Qualéentãoessenovogovernoquesepretendeinstaurar? Devemos nos lembrar, senhores, do governo provisório [de 1814] e de seus desastrososdesdobramentos.

“Seráprecisoqueosanguefrancêsvolteaserderramadoparaficarsobojugoodiosodoestrangeiro,para curvar a cabeça sob um governo aviltado, para ver nossos bravos guerreiros submersos nahumilhaçãoenaamarguraeprivadosdaexistênciadevidaa seus serviços,a suas feridas,àglóriadanação?

“Seránecessáriodeixarbemclaraaformadegovernoquesepretendeadotar.Oimperadortratoudefazê-lo.Suaabdicaçãoé indivisível.Seránulaseseu filhonão for reconhecido.Pelomenos,essaéaminhaopinião.”

OcondedeBoissyd’Anglaslevanta-separaseoporàspalavrasdogeneral.Emsualongaexperiênciade assembleias revolucionárias, ele aprendeu a manter a calma para melhor pressionar e vencer umadversário:

“Apropostadooradorprecedentenãoépolítica,maséintempestiva”,dizele.“Nomomento,trata-seapenasdecuidardaresoluçãoencaminhadaparadeliberação.Oimperadorfezpelapátriaomaisnobredossacrifícios.Elenosconduzamedidaspolíticasdamaiorimportância,impossíveisdedecidiraquieagora.Invocoaordemdodia.”

OcondedeSégurtomaapalavra.Noanoanterior,elevotarapeladeposição,mashojenãovacilanoapoioaNapoleão.DeclaraàAssembleiaqueapropostadeLaBédoyère,apesarde intempestiva,nãodeveserrecusada.Econvidaoscolegasarejeitarprejulgamentosesobretudoanadadescartar.

Thibaudeau volta a intervir. Como revolucionário intransigente quanto a um eventual retorno dosBourbon,eledizque“nemanação,nemogovernoprovisórioqueformaremos,nemninguémnestemundosonhaemreintroduzirogovernoopressivoeaviltantesobcujopesogememosduranteumano”.Econcluiexigindo que a ordem do dia deixe “as coisas inteiras, para dar a entender que estamos dispostos arechaçarumgovernorejeitadopelanaçãoequeninguémquer”.

LaBédoyèreexigiaumarespostaclara,eThibaudeau,velharaposapolítica,lhedáumarespostanomínimoambígua.AmençãoimplícitaaoArtigo67doAtoAdicional,quepregaoódioaosBourbon,nãotemnecessariamentecomodesdobramentológicoaproclamaçãodeNapoleãoII.

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SemprestarmaisatençãoaosquestionamentoseobservaçõesdeLaBédoyère,osparesaprovamemvotação a proposta do conde de Pontécoulant. Mais uma vez seguem as iniciativas tomadas pelosrepresentantes. Depois de tomar conhecimento de um relatório tranquilizador sobre a situação doExército e de ouvir a mensagem dos representantes declarando uma guerra nacional, os pares sedispersamporvoltadas17h.Asessãoseráretomadaàs20h.5

“DesdequeBonapartenãovoltedenovo,inopinadamente!”

AodeixaraCâmara,Thibaudeaurefletesobreosacontecimentosdodia.Voltaasever,horasantes,numintervalodassessões,indoaoencontrodoimperadornumadelegaçãocomLacépèdeeValence.

NapoleãopareciaabatidoaoouvirLacépèdeproferirumadessasfrasesquesempreprovidenciaemqualquersituação.EleseeximiudefalardoreideRoma.Oimperadorlogotratoudelembrar-lhe,“comazedume e num tom exaltado”, que sua abdicação se dava em favor de seu filho. Se asCâmaras nãoquisessemouvi-lo,elehaveriaderecuperarseusdireitos.QuepretendementãoosparesdaFrança?–perguntaraele.AvoltadosBourbon?Quesepreparementãoparaderramarlágrimasdesangue!AcasoesperamconvenceroduquedeOrleansasetornarrei?Osinglesesnãoqueremsaberdisso.Dequalquermaneira,oduquerecusaráotronoporreceiodeserconsideradousurpador,àfaltadeumaabdicaçãodosBourbon.

AosedespedirdeNapoleão,LacépèdeeValencechoraram.Thibaudeau,porsuavez,nãosedeixoulevarpelaemoção.Afinal,Bonaparteconstruiuumacarreiragloriosaeconquistouaimortalidade.Masnós,aFrança,aRevolução,pergunta-seThibaudeau,quepoderemosganhar,queserádenós?6

SabendoqueFouchéestáportrásdasdecisõestomadaspelasCâmaras,Thibaudeaudecidevoltaraseencontrar com o ministro a fim de obter respostas para as perguntas que o assediam. Oministro daPolíciaorecebe,eThibaudeaulogoperguntacomveemência:

–ComoéquenãodefendeuNapoleão?Earegência?Logovocê,quefoitãocalorosopartidáriodela!–Émuito simples, os tempos são outros.Quando não restoumais dúvida de que as potências não

queriamsaberdeBonaparte,aindanoCampodeMaio,equeseelequisesseabdicarteriasidopossívelnegociararegência.Oexércitoestavaintacto,nãoconhecíamososegredodenossasforças.Hojeacoisaémuitodiferente.

–Entendo.Entretanto,nãoeramotivoparaque,pornossaprópriaconta,abríssemosmãodaregência.Seriaomomentodecedernessaquestãoquandonãosetivessemaisalternativa.

–Nãotemostempoaperder.Osacontecimentosavançamdepressa,nãonosdeixemossurpreender.Deresto,foioqueaCâmaraquis.

–Vocêlevou-aaquerer.–Achamesmo?–EusouRegnault,umcalorosobonapartista.Nãodeixadeserastucioso.–Edaí?–Nãooacusodeumcrime.Depoisdeabandonaropai,asCâmarasdecertonãotêmvontadedese

imolarpelofilho.Encaro tudo issocomomeradisputadepalavras.Oprocessofoi julgadoeperdido.Restaapenas lutarporgastosecustosmaioresoumenores.Comovê,eunãopoderiasermais franco.Nemsedêaotrabalhodebancaroespertocomigo.Estouprontoparatudo.

–Nãoqueroseresperto,mastampoucomesintotãoinclinadoacomporquantovocê–retrucaFouché.– Vamos disputar o terreno palmo a palmo. Sem chegar a nos agarrar à regência, vamos propô-la.Veremosoquequeremaspotências.

–Podetercerteza.BemsabequeelastrarãodevoltaosBourbon.

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–Quandotodasaschancestiveremsidoesgotadas,sefornecessáriopassarporisso,veremosemquecondições.Aindaépossívelsalvarosprincípioseoshomens.

–Certamente.MasosBourbonvoltarãofuriososeávidosdevingança.Potênciassãointermediáriosmuito suspeitos. Para convencê-las, seria necessária uma grande energia. E por toda parte só vejodivisões,ouçoapenasogritode“Salve-sequempuder!”.QuepodemosesperardepoisdoataquequenosdesferiuomarechalNey?Eleveionosempurrarparaasforçascaudinasprevistaspeloimperador.

– Ney perdeu a cabeça e nem por isso perdeu grande coisa.Mas o que diz é pura verdade, nãodevemosnosiludir.Oexércitoestáemdebandadaedesfeito.Sãoasforçascaudinas!Quemnoslevouaesseponto?Bonaparte.Odiabodessehomemnos será fatal atéo fim.Devemosorganizar logonossogoverno provisório, enviar negociadores e juntar os destroços do exército para retardar o máximopossívelamarchadoinimigoeprotegerParis.

–Muitobem.–DesdequeBonapartenãovoltedenovo,inopinadamente!–Masoquetemequeelefaça?–Mais um de seus caprichos. Há um punhado de loucos sempre o incitando. Lucien, Savary, La

Bédoyère,fanáticoscapazesdetudopeloseuídolo,Bassano,Roederer,Ségur,Boulay,Defermon.Possomesentirseguroquantoaosrepresentantes,masquantoaospares…

–Fique tranquilo,não serádifícil contê-los.Nopequenogrupode seguidores fiéis, amaioria sóodemonstra por respeito humano.Há 24 horas venho observando toda essa gente. Se lhes oferecermossegurançanofuturo,haverãodesemostrarmansoscomocordeiros.

–EquemseránomeadopelaCâmaradosParesparaogovernoprovisório?–Nãosei.Ascoisasandamtãorápidoquenemtemostempodenosacertar.–Nadadebonapartistas…HomensdaRevolução…Você.ACâmaradosRepresentantesdeuumbom

exemplo.–Eu?–perguntaThibaudeau.–Nãoquerosaber.Nãomesintosuficientementeflexívelparanegociar

amáacomodaçãonumasituaçãoruim.Enemécertoqueaconsigamos.NegociaravoltadosBourbon!Éamaior desgraça que poderiame acontecer. Entre eles e eu, eterna incompatibilidade…Assim comoentreeleseaFrança.Épossível,provável,queeununcavejaissochegaraofim.

–Pensandoassim,sónosrestariajogarachaveporbaixodaportaenosabrigardebaixodascobertas.Masalguémtemdefazeralgumacoisa.

–Você,Carnot,queestánalinhadefrente.Forçouoimperadoraabdicar,cabe-lheagoratomarseulugar.Cumpraoseudever,everemoscomoconseguirásesair.Eunadatenhoavercomtudoissoqueaconteceu.Eficariamuitocontrariadosevissemeunomemisturadoatudoqueestáporvir.

–Masnãoficarácontrariadodetirarproveito.–Grandevantagem, realmente!Nãoo censuropor entrar nogoverno: suaposiçãoo exige, éo seu

dever! Faça o que estiver ao seu alcance para salvar pelo menos os princípios e os interesses daRevolução.Quantoaoshomens,nãoseisepoderãocontarcomalgumasegurança.Massepuderagircomliberdade,nãocreioqueeupermaneçasobogovernodosBourbon.

–Seelesvoltarem,seráexclusivamentesobacondiçãodequeaspessoaseaspropriedadessejamrespeitadas.

–Assimseja!–concluiThibaudeau.

Fouché,dasatisfaçãoàdecepção

Foirezadaamissa.Naverdade,oquesepoderiaacrescentaràsúltimasfalasdeFouché?O“homem-

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serpente” pretende lutar palmo a palmo para salvar, além dos homens, os princípios quemarcaram aprimaveradesuavidapolítica.Tambémquer,comotantosoutros,salvaraprópriapeleesuariqueza,facilitandoavoltadosBourbon.

Eleobteveaabdicaçãodoimperadoremmenosde48horas.Esecongratulaportê-lofeitoemtãopoucotempo.Masaabdicaçãoécondicional.QuefazerparaafastarofilhodeNapoleão?

Pasquier,oex-chefedepolíciadeParis,vemaoseuencontroelhepergunta:–Quepretendefazerquantoàcondiçãoarespeitodofilho,quemaisumavezelepretendeimporà

França?Nãoseráaosenhorqueteremosdedizeroquantoelaéperigosa.Precisamosantesdemaisnadaédepaz,esópodemosencontrá-la,sejaexternaouinternamente,comacasadosBourbon.

–Eacasoimaginaquenãoosei,tantoquantoosenhor?–respondeFouché.–Masfomosapanhadosdesurpresa.Elefoiesmagadocomtantarapidezquenãonosdeutempodeprepararnada.Entretanto,nãoépossívelfazercomqueaspessoasmudemdeideiaassim,dodiaparaanoite.Porsinal,precisamospouparoexército,quenãodeveserassustadoedevemostentarmanteraonossolado,poisaindaécapazde causarmuitomal. Seme fizeremo favor de nãome apressar demais, tudo se arranjará damelhormaneiraeparasatisfaçãodetodomundo.

FouchémanuseiaascordinhasquemovimentammaisdeummanequimnaCâmaradosRepresentantes.Esepreparaparausá-lasnaconquistadopoder.Jádeuorecadoaseusamigosdeputados:nanomeaçãodos três membros da Comissão de Governo, nem um só voto deve faltar à sua candidatura e às deLambrechtseFlaugergues,criaturassuas.Lanjuinais?Quesejaafastado,espalhando-sepeloscorredoresqueéindispensávelàpresidênciadaCâmara.LaFayette?QuesejaapresentadoaosbonapartistascomoinimigodeNapoleão,aosrealistascomorepublicanoeaosliberaiscomoaliadodeLuísXVIII.

Certodavitória,oministroexultaantecipadamente:“Como vê, estou em excelente posição de força”, diz ele a Pasquier, “pois nada émelhor que um

podercoletivoàdisposiçãodeumhomemsó.”7Pasquieroconvidaaagircomrapidez.Fouchéreiteraquenãosedevematropelarascoisas.Senão

puderdispordotempodequeprecisa,afirma,tudoserápostoaperder.Oministrodespede-sedePasquierejunta-se,nosalãoaolado,acercadesessentapessoasporele

convidadas.OdeputadoGourlayaproxima-sedeleelhesopraaoouvidoosresultadosdaeleiçãoparaaComissãodeGoverno.Aoreiniciarasessão,osrepresentantesvotaram,porvoltade16h30:noprimeiroturno,Carnotrecebeu324votos,numtotalde504sufrágiosexpressos,Fouché,293,ogeneralGrenier,204, La Fayette, 142, MacDonald, 137, Flaugergues, 46, Lambrechts, 42. Como Grenier não obtevemaioriaabsolutanoprimeiroturno,foinecessárioumsegundo.Finalmente,foieleitoterceiromembrodacomissão.

Fouché está desapontado com esse sucesso apenas parcial. Terá de contar, na comissão, com doisseguidores fiéis ao imperador, um dos quais, Carnot, não é facilmente manejável. Fouchémantém-seimpassível.Ojogocontinua,apartidadesloca-seagoraparaopaláciodeLuxemburgo.

Osamigossedespedem.SuascarruagenscruzamnasruasdePariscomtranseuntesaindasoboefeitodanotíciadaabdicaçãodoimperador.

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19.Osparisienseseaabdicação

RUASDEPARIS,NOITEDE22PARA23DEJUNHO

Parisindignada,Parisquesemanifesta

AodeixaraCâmaradosPares,LaBédoyèrevaiaoencontrodarainhaHortenseparacomunicar-lhesuacontrariedade. Cruza no caminho com Ida Saint-Elme, que conheceu nas fileiras doGrande Exército.MariaVersfelt,seunomeverdadeiro,éumadessasmulhereslivreseindependentesqueseescondemsoba farda para acompanhar o amante aos campos de batalha. Ligada ao marechal Ney, Ida o seguiu àBélgicaeassistiuàbatalhadeWaterloo.

Forade si,LaBédoyère fala simplesmente emsequestraro imperador, conduzi-lo atéoExército eimporleisa“essessenhores,osmodernosromanos”.Ogeneral,quesegundoIdanãoentendenadadassutilezas da política, enxerga em Napoleão exclusivamente o homem dos soldados. Acima de tudomilitar, o general tem do imperador uma visão fanática de seguidor religioso. Na exacerbação desentimentos quemanifesta pelo gênio deposto, ele não deixa de ter seu encanto. Sim, decididamente,pensaIda,“nadaémaisbeloqueLaBédoyèredefendendoacausadoimperador”.Despedindo-sedela,ogeneralpromete,comexpressãodecidida,desafiartodosaquelesquetraíremNapoleão.1

Na entrevista com a rainha Hortense, La Bédoyère continua a manifestar seu inconformismo porNapoleãonão ter se apresentadodiantedosdeputadosaindacobertodapoeirados combates.Emsuaintençãodesepararoimperadordanação,osrepresentantesnãoentendemqueosacrificamsemsalvaropaís.“Todososfranceses”,repeteogeneral,“devemunir-seàáguiaimperial,fazer-sesoldadose,maisumavezconduzidospelogêniodoimperador,encher-sedaquelavelhaenergiaquegarantiuotriunfodanossaRevolução.”Seissonãoacontecer,osBourbonvoltarão,ecomelesostributos,asvingançaseashumilhações.2

LaBretonnièrecompartilhaaemoçãodogeneral.Durantetodoodia,oestudanteficouplantadodiantedopalácioBourbonoudopaláciodoEliseu.Sentadonumcafé, folheia interminavelmenteos jornais.Está impaciente.Numdiacomoeste,oMoniteurUniverselpodiapelomenospublicarumsuplementoparadarasinformaçõesdodia.

Aspáginasde1a3 informamsobreassessõesde21de junhonaCâmaradosRepresentantesenaCâmara dos Pares.Na página 3 são publicadas a ordem do dia daGuardaNacional e a relação dasdoaçõesparaseustrajes.Mastemalgumsentido,nummomentoemqueapátriaestáemperigo,reservartrêscolunasdapágina4paraorelatórioqueosr.CastellanapresentouaoInstitutosobreummétododeencáusticaoupinturaaóleodeolivaemgravuradecera?

OJournaldesDébatsestampanaprimeirapáginanotíciasdoexércitodaVendeiaepassaadescreverabatalhadeWaterloo,concluindocomumrelatodassessõesdaCâmaradosRepresentantesnodia21dejunho. O Journal de Paris também só oferece notícias velhas. Mas na última página o olhar de LaBretonnièreéatraídopeloresumodasessãodotribunalpenal.Nele,ossenhoresLeNormanteBocquettinham sido julgados, na véspera, acusados de atentar contra a vida do imperador. A absolvição foisentenciada depois de um vibrante arrazoado no qual o advogado provou que a denúncia decorriaexclusivamente de excesso de zelo dos gendarmes e do Ministério Público. Sinal de mudança dos

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tempos:adefesaproclamouemaltoebomsomodireitosoberanodopovodiantedosrepresentantesdogoverno.

Decididamente,pensaLaBretonnière,sómesmopelobocaabocasepodesaberoqueacontecenacapital. Corre que Napoleão errou redondamente ao voltar a Paris para se entender com osrepresentantes.Melhor teriafeitoseficassecomseuexército,eagoraaderrotadeWaterloo tornou-seirreparável.

AotomarconhecimentodaspressõesexercidaspelasduasCâmarasparaobteraabdicação,osamigosdeLaBretonnière ficam indignados. Juram,comoele, fazeracaveiradeLaFayette.Ogeneralnobre,afirmaLaBretonnière, tomou“umadecisãoestúpida”aoousarexigiradestituiçãodomonarca.Comohomens “velhos na idade e na experiência”, pergunta-se o estudante, são capazes de acreditar que acoligação volta-se apenas contra a pessoa de Napoleão? Ao obrigá-lo a abdicar, eles derrubam asbarreirasqueseparamaFrançatricolordaFrançadosmonarcasabsolutos!3

Não,não,nadade abdicação!Éumaperfídia,pensamo jovemestudante e seus amigos.Porqueoimperadordeixou-sederrubarpelasCâmaras,emvezdedissolvê-las?Osministrossãotraidores.Nãoteremos o rei de Roma e seremos obrigados a suportar a vingança dos Bourbon. Viva o imperador!Devemosnosreunir,percorrerasruas,nosmanifestarruidosamenteafavordeNapoleão.

AParisnoturnaatravessadapelosestudantesofereceumespetáculocontrastante.Aqui, indiferença,adiante,gritosevivasaoimperador.Nosteatros,quandocaiopano,umpúblicopouconumerosodirige-separaasaídasempedir,comodecostume,queosatoresentoemumacançãonacionalista.NoPalais-Royal, alguns debatem as cotações da Bolsa, indo e vindo diante do CaféMontansier, que acaba defechar.Maisadiante,soboperistilo,gruposseformam,eaGuardaNacionaltratadedispersá-los.

NaponteauChangeenocaisdaGrève,ondecostumamsereunirostrabalhadoresdesempregados,ospoliciais identificam elementos suspeitos. Aproximam-se e os ouvemmanifestar o receio de que embreveosBourbonestejamdevolta.NoJardimdasTulherias,umprovocadorostentaumaflordelisnochapéu. Ameaçado de agressão, foge. Numa sala da rua de Grenelle, federados ouvem e aplaudemdiscursospatrióticos,edepoisseretiram“semperturbaratranquilidade”dobairro.4

Emcompensação,os informantesdapolíciaavisamqueumcortejovemdescendodossubúrbios.Àfrentede5mila6milmanifestantescaminhamosfederados,combandeirastricoloresdesfraldadasea“Marselhesa” nos lábios. Vivas se ouvem de todos os lados. Trezentos deles dirigem-se à praçaVendôme.Ajoelham-sediantedacolunaemhomenagemaoGrandeExércitoejuramdefenderNapoleãoatéamorte.5

Osgritosdas ruasmalconseguematravessarasparedesdoLiceuNapoleão.Numdosdormitórios,ÉmileBarry,filhodeumrepresentantedopovo,sonhaquejáéamanhã.Comoutrosalunosderetórica,elejurouescapuliraoalvoreceràvigilânciaobsessivadodiretor,osr.deWailly,eàtutelarigorosadochanceler-mor Lebrun, grão-mestre da universidade. Desde que tomaram conhecimento da notícia daabdicação, Émile e os outros alunos de retórica só pensam emmatar aula por tempo indeterminado.Pretendemcolocaraliberdadereconquistadaaserviçodacausapatriótica:abertasasportasdoLiceu,irão rumar para os subúrbios, chegar à barreira da Itália e alcançar as fortificações que estão sendoconstruídas ao redor da capital! Que venham pás, picaretas e carrinhos de mão: eles vão suar e seesfalfar quanto puderem para colaborar com a defesa de Paris. Que venham os fuzis para combateringleseseprussianos!6Estanoite,osalunosdoLiceuNapoleãosonhamcomaglória.

Osfrancesesnuncaterãoenergiapararomperascadeias?

A abdicação provoca ao mesmo tempo medo e esperança em todos os que torcem para que, com a

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derrocada,venhaofimdeumaditaduraàqualjásehaviamresignadoeserestabeleçaumaordemsocialmaisdeacordocomseusantigosprivilégios.Dissodátestemunhooclimareinantenosaposentosdasra.de Montcalm, antibonapartista convicta. Há vários dias a marquesa se questiona que decisão tomar.Ficará emParis para salvar seus bens da pilhagem que sempre acompanha o desfecho funesto de umcerco, ou fará as malas para acompanhar a irmã e se afastar do ogro corso e do delírio das duasCâmaras?

Que é que estão esperando os generais que se declararam contra o imperador, comoMacDonald,Oudinot e Gouvion Saint-Cyr,7 para se unir aos realistas, proclamar a deposição, tomar a frente dosacontecimentoseevitaradesordem?

“Seriamuitomaishonrosoqueosfranceseschamassemdevoltaoseurei,emvezderecebê-lodosestrangeiros”, escreve a marquesa em seu diário. “O partido dos Orleans e sobretudo o partidorepublicanodominamasduasCâmaras,nadasepodeesperardelas.Seráentãoqueosfrancesesnuncaterãoenergiapararomperascadeias?”

Amarquesa surpreende-se com a aparente aceleração do tempo.Apenas uma hora atrásNapoleãoreinava,eei-loagoraforçadoaentregaracoroaaumbandodeliberaisquepassamagovernarporele.

“ComoosdeputadosforamcapazesdeouvirsemprotestosodiscursodeRegnault?”,pergunta-seela.“EleteveacoragemdefazeroelogiodeNapoleão,estequelevoumilharesdeindivíduosàmorteparadepoispôr-seasalvodetodoperigoemostrar-seincapazdepreservarcomumaguerradeguerrilhaououtrosrecursosareputaçãoconquistadacomasvitórias.OprópriomarechalNeyatribuiuintegralmenteaBonaparteadestruiçãodoExército.EfoiaumchefeassimqueaCâmaraagradeceucomsuavotação!”

Nesseiníciodenoite,amarquesaouveoclamordosmanifestantes.Aoadormecer,pensaque,comosempre,bastaumpunhadodeagitadoresasoldoparamobilizarumpovoatéagoraapático.8

Aabdicaçãotemcaradesubterfúgio

Acertadistânciadopalacetedamarquesa,obarãodeBaranteescreveàsuamulher.9Aindanavéspera,elelheexplicavaqueNapoleãoaessaalturanãotinhaexército,“poislevarasuasforçasaoextermíniodemaneirapavorosa”.ElenãotinhamaisesperançadeverasCâmarasdeixaremdeladoacovardiaparatomarpartido.Eeisqueagorasedavaumareviravolta.AsCâmarasfinalmenteforçaramNapoleãoaseretirar,emboracomalgumadificuldade.Comonoanoanterior,emFontainebleau,Napoleãoinicialmenterecusou-seaabdicar,contandocomoapoiodecertoscolaboradoresnodesejodeperdertudoparanãoceder.

Orelatodasituaçãofeitopeloduquemisturarealidadeeboatos:“Finalmente”, escreve o barão, “recebemos esta manhã uma espécie de abdicação condicional,

misturadaaincríveissolicitaçõesdehomensedinheiro.10Apesardefracaepressionada,aCâmara,nãoo julgando suficiente, cogitou o problema da deposição, mas o partido jacobino e imperial levavavantagem.11Tomou-seentãoadecisãodeesperaraabdicação,quechegouporvoltade14h,trazidapelosministros.

“Ele proclamava o filho. Nessa altura, belo discurso do sr. Dupin, simpatizante dos Bourbon porabstração,semmencioná-los;revoltadosjacobinosedosmilitares.Regnaultsubiuàtribuna;defendeuaregência,faloucomexpressivoenternecimentodasdesgraçasevirtudesdograndehomem.Emmeioaoalarido, baixou-se um decreto de redação ambígua, aceitando a abdicação e instituindo um governoprovisório.Ecomeçou-seentãoadartréguasaojacobinismoeaosentimentodedefesa.

“O imperador cerca-se do populacho no Eliseu, confraterniza com os federados, dá curso ao zelodesesperado dos militares, de tal maneira que esta noite sua abdicação tem cara simplesmente de

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subterfúgio,deumardilparaganhartempo,afimdetentaralgumacoisa.“A Câmara”, escreve o aristocrata, não sem certo exagero, “assumiu coloração absolutamente

jacobina.Tudovaidependerdogovernoprovisório.Fouché foinomeado,oqueéaperfeição;Carnottambém,oqueéocontrário.Osoutroshaverãodesê-loantesqueeuchegueaofimdestacarta.Nãovaisernadafácildesalojaressesujeito.Impossívelconvencê-loaabrirmãodealgumacoisa;elequervivere reinar. Dentro de dois dias, contudo, os aliados dirão o que pretendem fazer com ele. Essa fúriamoribundadojacobinismovaiimpedirqualqueracerto,eoreivoltarápelasmãosdosestrangeirosoudareação.

“A Guarda Nacional e os recursos de Paris estão em ordem. A cidade está tranquila, exceto nasimediaçõesdoEliseuedasCâmaras.Espera-sequetudoaconteçatranquilamente.Masoimperadordebomgradorecorreriaaumapolíticadeterraarrasada.”

ObarãonãoéoúnicoemParisaacreditarqueaabdicaçãoéumestratagema.

“Acanalhadosrealistas”

Emseusgabinetes,ospanfletáriosrealistasseagitam.Afiamsuaspenasparaadvertirosleitoressobreoardil do “usurpador”. Um deles redige um texto a que dá o título de “A abdicação de Bonaparte”.ComeçaseulibelobotandonabocadeNapoleão:“Minhacarreirapolíticaacabou,proclamomeufilhoimperador”,paraemseguidaexplicar:12

“Eisoqueissosignificaembomfrancês:eubemquegostariadepermanecernolugarqueacabodeusurpar, pois nãoohavia retomadoparadeixá-lo tãodepressa.Mas anovaprovade incapacidade ecovardia que acabo de dar é forte demais. Vejo-me forçado a apresentar minha abdicação. Agora énecessário ceder às circunstâncias. Eu serei capaz de retomar o poder: o encaminhamento que dou aminhaabdicaçãomedeixaesse recursoemantémaesperançadosmeuspartidários.Nadaarrisco:aoentregarotronoaomeufilho,preservotodaaminhaautoridadenofuturo.Retiro-menomomento,maséparavoltardepois.”

Orelatorafirmaentãoqueaabdicaçãonãopassadeumaartimanhadosbonapartistasparaenganarosaliados,eacabachamandooimperadordeincompetenteecovarde.

OsrealistasnãoselimitamainvestircomapenacontraomoradordoEliseu,juntando-setambémaosfinancistasecomerciantesquepartemparaoataquecontraaBolsa.Nessanoite,umparisienseescreveaumamigo,oficialdoExércitodoNorte:“Acreditaqueosjurosaumentaramcincofrancos?Éacanalhados realistas que está comprando, na expectativa de voltar a ver, como mostra uma caricatura, seuexecrávelreinagarupadeumcossacoeesmagandooscadáveresdosdefensoresdapátria.”13

Maisoumenosàmesmahora,Fouché,jáemacordocomosrealistasdocomitêlegitimista,ordenaatransferênciaparaaprisãodaAbadiadeumdosseuschefes,EugènedeVitrolles.Detidoem4deabrilquando tentava sublevar o sul, ele foi esquecido durante muito tempo numa prisão de Toulouse. OministrodaPolíciapretendelibertá-loparaquesejaseuintermediáriocomLuísXVIII.

PALÁCIODELUXEMBURGO,NOITEDE22DEJUNHO

Salvardonaufrágioaindependêncianacional,asleisealiberdadecivil

Villemain atravessa os corredores do palácio à espera de que tenha início novamente a sessão daCâmara.Umacenadahistóriada Inglaterraoobceca.Elevolta aver em imaginaçãoumdeputadodaCâmaradosComunsalertandoosconcidadãos:ofantasmadaescravidãoseaproximaemmeioàstrevas,

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eoruídodesuascorrentesnãoésuficienteparapôrdesobreavisoosdistraídosquenãooveem.Poisomesmofantasmanãoestariabatendonaportadosfranceses?

Villemain tem um sobressalto. Uma sombra aproxima-se. Ele reconhece Pontécoulant, que lhe diz:“Muitobem,aprecioessaconstânciapolíticanasua idade:ohomemnãoviveexclusivamentedepão,masdetudoaquiloqueaquiembaixoconsideramosapalavradaverdade.Comotambémpretendoficaratéoreiníciodasdeliberações,queserãograves,ofereço-lhehospitalidade.”

Pontécoulant leva-o a um compartimento vizinho.Enquanto faz uma colação, o ex-prefeito deDyleexplicaaojovemprofessordaSorbonnequeodesastreeraprevisíveldesdeavoltadeNapoleãodailhade Elba. Ele estava evidente em toda parte, no esgotamento das forças, no desânimo dos espíritos e“nessavertentedanecessidadequepodeserencontradaemdeterminadasépocasequenenhumesforçodogênioseriacapazdesuperar”.

Oantigoconvencional,tendodenunciadoasmanobrasde“FouchédeNantes”14emfavordosrealistas,reconhece contudo que a volta dos Bourbon transformou-se no “aspecto de longe mais provável, erelativamenteomelhor”.

“QuevoltemportantoosBourbon”,acrescenta,“equedurem,seconseguirem!Paraisso,contudo,queapliquemaCartademaneiramaisdecididaquenomomentoemqueapromulgaram!”

Ante as torrentes revolucionárias, Pontécoulant enfrentou mais de um naufrágio. Embora nunca oconseguisse completamente, sempre tentou salvar da catástrofe a independência nacional, as leis e aliberdadecivil.Oex-prefeito esperaqueavoltadosBourbonocorradessavezcompazcivil, comamanutençãodasliberdadeseasalvaguardadoespaçodepoderconquistadopelosdeputados.

DepoisdepreverqueoegoísmoeasquimerasdopartidobonapartistairiamatrasaravoltainevitáveldosBourbon, o par da França despede-se do jovem amigo. “Deixe-me sonhar sozinho com tudo issoduranteumahora”,diz-lhe,“poistemosdemalharoferroenquantoestáquente;eestanoitetereigolpesadesferireaaparar,quandoforreabertaasessão.”

Até agora os pares seguiramos representantes; esta noite, querempassar da retaguarda aos postosavançados do combate político. Pontécoulant pretende ser o herói de uma sessão que já considerahistórica.15

Umcomplôbonapartista?

Para Pontécoulant, a última frase da “Declaração ao povo francês” é reveladora das intenções doimperador.Aoescreverquesóasuadinastiapodepermitirqueanaçãovivalivre,felizeindependente,NapoleãofazumapeloaopovoeumaameaçaàsCâmaras.

É necessário responder-lhe, pensa Pontécoulant, que sua dinastia não existe mais. Morreu no anopassado,comoTratadodeFontainebleau.Eleentãorenunciouparasempre“àcoroaparasieparaseusdescendentes”. Se chegou por ummomento a se apoderar de novo dela, foi exclusivamente “por umaespéciedeusurpaçãoe transgressãodos seuspróprios compromissos”.Aabdicaçãocondicional,umamaneiradeafamíliaBonaparteseperenizar,nãodeveseraceita.

Pontécoulant está convencido de que entre Lucien, Joseph, Jérôme Bonaparte e seu tio, o cardealFesch, se trama um complô.Que lhes importa, pensa Pontécoulant, a enorme catástrofe que se abateusobreaFrançaseoregime,quelhesassegurafortunaehonrarias,forpreservado.Afastadosdogovernoprovisório, eles pretendem instaurar um Conselho de Regência para ocupar seus lugares e continuargovernandoaFrança.

SeafamíliaBonaparteescolheuopaláciodeLuxemburgoparalevaracaboseuempreendimento,foiporque aCâmara dos Pares temmais bonapartistas que aCâmara dosRepresentantes.OsBonaparte,

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pensaPontécoulant,pretendemcomissoqueosparesreconheçamaabdicaçãocondicional.Fortalecidosporessadecisão,elespassarãoapressionarosrepresentantes.Emcasoderecusadosdeputados,oclãdosBonaparte, segundo está convencido Pontécoulant, porá emmarcha o exército, os federados e “apopulaçãoparisiense”.Elesimporãopelaforçaoquenãoalcançarampelapersuasão.

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20.OreideRomaéfrancês?

CÂMARADOSPARES,21h-2h

“QueaCâmarareconheçaNapoleãoII…”

Às 21h, quando o presidente abre a sessão, Pontécoulant e seus amigos estão convencidos de que ospróximosdebatesserãodecisivosparaofuturodaFrança:

“Comenta-se”, escreve ele, “que a decisão daCâmara dos Pares determinará o comportamento deNapoleão;seeletiveraseuladoaCâmaraAlta,estádecididoarecorrernovamenteàespadaparaimporascondiçõesdesuaabdicação.Estaráempauta,portanto,umaquestãodevidaoumorte.ACâmaradosParespoderáatrairsobreopaísaguerracivil,acrescidaàguerraestrangeira,casosedeixelevarporummomentodefraquezaoudedúvida.Éprofundaaemoçãoentreospares,reinaumsilêncioimpressionanteemtodaasala,parecequeassistimosaumadaquelasgrandessessõesdasnossasprimeirasassembleias,nasquaiseramdecididosodestinodoEstado,otriunfoouoaniquilamentodospartidos.”1

O presidente começa por registrar o encontro entre a delegação da Câmara e o imperador. Malterminou, lembrandoasúltimaspalavrasdeNapoleão–“Abdiqueiexclusivamentepormeufilho”–,eLucientomaapalavra:

“Trata-seagoradeevitaraguerracivil”,dizele,“desaberseaFrançaéumanação independente,umanaçãolivre.Oimperadormorreu,vivaoimperador!Oimperadorabdicou,vivaoimperador!Nãopodehaveraçãorealentreo imperadorquemorreouabdicaeseusucessor.Essaéamáximasobreaqualrepousaumamonarquiaconstitucional.Todainterrupçãoéumaanarquia.”2

Naverdade,Luciendesviaemproveitodamonarquiaimperialaaclamaçãoqueseouviaàmortedeumrei.“Oreiestámorto,vivaorei!”–clamava-seemVersalhesparaindicarqueocorpodosoberanopodiadesceràterra,massempresubsistiaocorpoimaterial,ocorpomísticoque,peranteDeus,uniaamonarquiaaseussúditos.Oprimeirodescendentemasculinodafamíliareal recebiacomacoroaessesegundocorpo,eninguém,nemmesmooreiquemorriaouabdicava,podiamudarisso.

Decertoquerendoimpressionar,LucienconfundedeliberadamenteamonarquiadedireitodivinodosBourboncomamonarquiadedireitoconstitucionaldosBonaparte.3

Naesperançadeobteraadesãodospares,opríncipelembra-lhesemseguidaoAtoAdicionaleseujuramentoaNapoleão.Mas logoperdeas esperanças.Àparte algunsaplausos, aCâmara recebecomfriezapalavrasporsobasquais,naopiniãodealguns,estáaambiçãodopríncipe.“Ahereditariedademonárquicaeareligiãodojuramentoligadaàhonrapúblicadanaçãosãodefatocoisasimportantes”,observaVillemain,“maselasaindanãoseenraizaramsuficientementeemproveitodosBonaparteparaexercerinfluênciasobreospareseosdemaisfranceses.”4

LucienBonaparteéfrancês?

PontécoulantintervémcomprotestosdefidelidadeaNapoleão,aquem“devetudo”.Emseguidadesfereoprimeirogolpe.Evitandoresponderdiretamenteàpropostadopríncipe,elearejeitacomumaquestão

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deforma.“Se bem entendi, querem que adotemos uma proposta sem deliberação, o que vai de encontro às

regras,àsobrigaçõesdaCâmara.”Logoemseguidaocondedesfereoutrogolpecontraoadversário,perguntandocomquedireito faz

umapropostatãoexorbitante:“Opríncipeéfrancês?Nãooreconheçocomotal.Certamenteoconsiderofrancêspelossentimentos,

pelotalento,pelosserviçosprestadosàliberdadeeàindependêncianacional.Gostariadeadotá-locomofrancês,masele,queinvocaaConstituição,nãotemumtítuloconstitucional.Éprínciperomano,eRomajánãofazpartedoterritóriofrancês.”

Quemnãoaplaudiriaumadefiniçãodeidentidadefrancesabaseadanaqueforaadotadaem1789?Emcompensação,areferênciaaotítulodeLuciencomopríncipedeCanino,em1810,éumgolpebaixo5quedesonraocondedePontécoulant.Apesardeterumadesignaçãohonoríficaromanaedetervivido,porvontadedoirmão,longedoterritórionacionalaté1815,Luciensemprefoiecontinuaaserumpríncipefrancês.OpróprioPontécoulant o reconhecera como tal, ao apoiar doismeses antes umapropostadopríncipenaCâmaradosPares.

Indignado,opríncipelevanta-separaresponder.Pontécoulantoobrigaasesentar:“Respondereismais adiante, príncipe, respeitai a igualdade de que tantas vezes deu o exemplo.O

preopinante pediu algo inadmissível”, prossegue ele. ”Não podemos aprová-lo sem desistir daconsideraçãopública,semtrairnossosdevereseapátria,cujasalvaçãoestáemnossasmãos.”

Pontécoulant,porsuavez,declaraquenãopodeaceitarqueseproclameNapoleãoII.Nãoimportandoseurespeitoesuadedicaçãoaoimperador,nãohaverádereconhecercomoreiumacriança,nemjamaispoderáaceitarcomosoberanoumindivíduoquenãoresidenaFrança.

Sem citar explicitamente a família Bonaparte, Pontécoulant explica que, se Napoleão II fosseproclamado, nãodemorariam a recorrer a qualquer senatus consultum considerado fundamental paradeclararestrangeiroecativoonovoimperador,para invalidararegênciae instituiroutra,provocandoassimumaguerracivil.

Dessemodo,Pontécoulantconvidaosparesadeliberar sobreaquestãooupassaràordemdodia.“Falam-nos deminoria sediciosa”, conclui. “Mas onde está ela? Seríamos acaso sediciosos, nós quequeremos a paz? Reluto em acreditar que umaminoria posterga resolução capaz de fechar a porta aqualquernegociaçãoequetendeanoslevarareconhecercomosoberanoumindivíduoquenãoresidenaFrança.”

O príncipe Lucien entende perfeitamente que, por trás das sutilezas do par da França sobre aidentidade nacional e a legitimidade do jovem príncipe como governante, está antes de mais nada apreocupaçãodeimpedirainstauraçãodeumaregênciaquefossecontroladaporeleepelosmembrosdesuafamília.

Lucien,paracomeçar, respondeàacusaçãocontrasua identidadefrancesa.“Senãosoufrancêsaosseus olhos, sou-o aos olhos da nação inteira.” O mesmo se poderia dizer a respeito do filho doimperador,oreideRoma,jáagoraduquedeReichstadt,exiladoemSchönbrunn.

Lucienretomaentãooprimeiroargumentoparadefendersuaproposta:“Apartirdomomentoemqueabdica,Napoleãoésucedidopelofilho.Nãohádeliberaçãoa tomar,

mas uma simples declaração a ser feita. O imperador abdicou em favor do filho.Nós aceitamos seusacrifício.Cabeagorapôraperderoresultado?Nãopedimosaopiniãodosestrangeiros.AoreconhecerNapoleão II, fazemos o que devemos fazer, convocamos ao trono aquele que a ele é chamado pelaConstituiçãoepelavontadedopovo.”

Boissyd’Anglasobjetaque,estandoofilhodeNapoleãonocampodosinvasoresdaFrança,nãopodeserproclamadopelosrepresentantesdopovonempelospares.Enquantooinimigonãotiverdevolvidoo

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rei deRoma, “a dignidade nacional impede que a coroa fique depositada emmãos inimigas”.Boissyd’Anglasconclui implorandoaoscolegas:“Nãopodemosnosdividir,éaúnica forçaquenos resta:ereconheçamosapenas,nomomento,opoderdenossasAssembleiasNacionais.”6

“Sósepodemouvirvozesservisebaixas?”

ParaLaBédoyère,semelhantepropostaéomesmoqueumatraição.Elenãoconseguemaisconter-se,eapaixãoqueosacodereflete-senotranstornodeseustraços.“Seurostoétomadoporsombriairritaçãoeseus olhos azuis reluzemde indignação.”Ele é a própria imagemde “uma natureza generosa e suavearrebatadapeladoreperturbadapelaviolênciaqueseimpõe”.7Suaatitudechamaaindamaisatençãoporcontrastarcomadenumerosospares,conduzidospelaidadeàsportasdosono.

“Repitooquejádisseestamanhã.Napoleãoabdicouemfavordofilho.SeaCâmaradosPareseadosRepresentantesnãoproclamaremNapoleãoII,aabdicaçãoseránula,totalmentesemvalor.”

Eentão,criticandooscovardeseinfiéis:“Pude ouvir certas vozes ao redor do trono do soberano ditoso. Elas se afastam agora, que ele

encontraoinfortúnio.HápessoasquenãoqueremreconhecerNapoleãoII,poispreferemreceberaleidoestrangeiro,dandoaeleonomedealiados.

“A abdicação de Bonaparte é indivisível. Se não quiserem reconhecer seu filho, ele devedesembainhar a espada, cercado pelos franceses que derramaram sangue por ele e que ainda estãocobertosdeferimentos.

“Eleseráabandonadopelosvisgeneraisqueotraíram.“Oimperadornãopodenegar-seànação.Abandonadoumaprimeiravez,seráqueoabandonaremos

umasegunda,nósquejuramosdefendê-loaténoinfortúnio?“Porém,casoseproclamequetodofrancêsqueabandonarsuabandeiraserácobertodeinfâmia,tendo

sua casa arrasada, sua família proscrita, então não haverá mais traidores, nem essas manobras queprovocaramasrecentescatástrofesepelasquaishaveráalgunsresponsáveissentadosaquientrenós.”

Aodizeressaspalavras,oolhardeLaBédoyèredetém-senomarechalNey.Vozesseelevamparavaiaroorador.Ondeéqueessejovemmilitarpensaqueestá?Numcorpoda

guarda?Acasoimaginaquefalaasubordinados?Seudiscursoéescandaloso,suaspalavras,ultrajanteseprovocadoras.Queopresidenteofaçacalar-se!

“Ouçam-me!”,gritamaisumavezLaBédoyère. “Acaso sedecretouqueneste recinto só sepodemouvirvozesservisebaixas?”Suasúltimaspalavrasperdem-senotumultodequeétomadaaAssembleia.

OcondeCornudetdesChaumettes intervém.Eleé tidonaCâmaracomomoderadoeconciliador.Oconde lembra que, se as atas registrarem a reivindicação do príncipe Lucien, essa precaução serásuficiente para consagrar os direitos de Napoleão II. Entretanto, acrescenta, o príncipe está fora daFrança e cativo. Em tal circunstância, a segurança pública e a independência nacional exigem ainstauraçãodeumgovernoprovisórioafimdetomarasindispensáveismedidasdesalvaçãopúblicaeencetarnegociaçõescomoinimigo.

“Nossosbravosmilitaresirãoclamar‘VivaNapoleãoII!’”

Prontocontra-ataquedosbonapartistas.OsacrifíciodeNapoleão,explicaocondeSégur,nãodeveserem vão. Cabe que o governo provisório negocie em nome de Napoleão II e assuma a condição deregência.Porsinal,seráamelhormaneiradetestaraboa-fédosaliados,queafirmamqueNapoleãoéo

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únicoobstáculoparaapaz.Maret,secretáriodeEstadoeduquedeBassano,apressa-seaapoiaraproposta:“Um representante declarou que não reconheceria um príncipe ausente, que não obedeceria a um

soberanoqueestáforadaFrança.Poisbem,essepríncipenãoreinará,masseupoderseráexercido.OcasoestáprevistonaConstituição.”

Quandoopríncipemorreouestáausente,explicaele,instaura-seumaregência,esearegênciaestiverausente,estabelece-seentãoumConselhodeRegência.Queremsubstituí-loporumgovernoprovisório,mascomquedireitohaveráeledereinar?–perguntaMaret.Emnomedequemexerceráopoder?Seaspropostasdepazforemrejeitadas,sefornecessáriorechaçaroestrangeiro,qualseráogritodeguerraearregimentaçãodoExército?Eopróprioduqueresponde:

“Paramimnãorestadúvidadequenossosbravosirãoclamar‘VivaNapoleãoII!’”Vãoaderiraessenomeparaelesvinculadoatantaslembrançashonrosas.

“Por quem a nação fez tantos sacrifícios? Por elamesma, sem dúvida, mas também pelo governoconsagradopor1milhãoe500milvotos,assimcomopelaaclamaçãounânimedetodaanação.”

Osdoispartidoscontinuamaseenfrentarpormuitotempoainda.Os bonapartistas, com Ségur, Bassano, Roederer e o príncipe Joseph, lutam palmo a palmo,

acrescentandoaosargumentosconstitucionaisemilitaresjáapresentadosmotivosdeordemdiplomática:emnomedequemsehaverádeenviaraoinimigoadelegaçãoincumbidadenegociarumaeventualpaz?Ao proclamar Napoleão II, não estaria estabelecido um vínculo com a Áustria? Essa potência acasopoderia ver os franceses como inimigos, “quando adotarmos como soberano o filho do seu sangue?”,perguntaocondeRoederer.

Para fazer frente à táticadosbonapartistas,Cornudet,Lameth,Quinette eThibaudeaupreconizamauniãomaisestreitacomaCâmaradosRepresentantes.

UmaComissãodeGovernoénomeada,dizemeles,suaformaéadotadapelasduasCâmaras,trêsdeseusmembros são imediatamente designados pelaCâmara dosRepresentantes, só resta àCâmara dosParesconcluiranomeação.Comqueautoridadeogovernoprovisórioassimformadoexerceráopoder?CabeàCâmaradosRepresentantesdizê-lo,asseguraPontécoulant.

A sessão se arrasta. Há muito já soou a meia-noite quando Flahaut volta a perguntar: “Napoleãoabdicou,estápoliticamentemorto,porquenãohaveriaseufilhodesucedê-lo?”

OministrodaMarinha,Decrès,intervémbrutalmente:“Acasoéesteomomentodesepreocuparcompessoas,quandoapátriaestáemperigo?”,pergunta.

“Nãopodemosperderumsóinstantequantoàsmedidasexigidasparasuasalvação.Peçoqueadiscussãosejaencerrada.”

Adotada a proposta, a Câmara procede à nomeação dos dois membros que devem completar aComissão Provisória de Governo. Caulaincourt, duque de Vicence, é eleito no segundo turno deescrutínio.LegitimistaeamigodeFouché,oministrodasRelaçõesExterioreseex-embaixadornaRússiatambémdevesuanomeaçãoaos laçosdeamizadecomoczar.Osegundomembroeleito,comdiscretoapoiodeFouché,éobarãoQuinette.Lucienéderrotado.Obtémapenasdezoitodossetentavotos.Issosignificaquegrandepartedosseguidores fiéisdeNapoleão,cujoapoioeraesperadopelopríncipe,oabandonoupelocaminho,aderindoaograndepartidodos“vira-casacas”.

O fracassodeLucienépraticamente total: a regênciaparecedefinitivamentedescartada.ACâmaradosRepresentantesterádedizeramanhãseaComissãoProvisóriavaiounãoexercersuaautoridadeemnomedeNapoleãoII.São2hdamanhãquandoasessãoéencerrada.

PALÁCIODOELISEU,FIMDATARDE

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“SóaabdicaçãopodesalvaraFrança”

De volta da Câmara dos Pares, onde leu a “Declaração ao povo francês”, Carnot presta contas aoimperadorda“dolorosamissão”dequeforaincumbidopelosoberano.Depoisdeouvi-lo,Napoleãofazsilêncioporumlongomomentoeemseguidalhediz,emtomafetuoso:

“SenhorCarnot,euoconhecitardedemais.”Enquantoatravessaojardim,oministrodoInteriorquestiona-se:aditaduradesalvaçãopúblicaeo

recrutamentoemmassateriamsalvadoanação?Agorajánãopensaassim.Paraoministro,contudo,aindanãochegouahoradearrependimentoseremorsos.Umanovamissãoo

espera.Naverdade,Carnotconsidera-sepresidentededireitodaComissãodeGoverno:poisnãofoioprimeiroasereleitopelaCâmaradosRepresentantes,ecomomaiornúmerodevotos?Eleseapressaentãoavoltaraoministérioafimdeseprepararparaareuniãododiaseguinte.

Aovoltaraseusaposentos,Napoleãonãotemmaisilusõesquantoaoseudestino.Teráagoradesepreparar para o exílio. O imperador solicita então a Decrès, ministro da Marinha, que ponha à suadisposiçãoasduasfragatasaolargodeRochefort,queestãoprontasparazarpar.DecrèsrespondequeprecisaprimeiroreceberordensdaComissãodeGoverno.Esópoderáfazê-loem23dejunho,quandoacomissãofinalmente forpromulgada.8AspalavrasdoministrodaMarinhaconscientizamo imperador,casoaindafossenecessário,sobreaperdadeumpoderquenodiaseguinteninguémmaisdeterá.Parisvaidormirsemumgovernooficial.

Concluídasuamissão,terminadasuaprodigiosacarreira,Napoleãoestáquasesó.Oshomensqueocercavam, agitados pela preocupação exclusiva do repouso a qualquer preço, o abandonaram.Permanecemnopalácioalgunsservidoresfiéis.Oimperador“pareceinsensívelecomoqueindiferenteàdedicaçãoquelhemanifestam”.9

Quandoestáparasedeitar,NapoleãointerrogaMarchandsobrearepercussãodesuaabdicaçãoemParis.10

“Sire”, responde o valete, com amais profunda tristeza e amais viva emoção, “ninguém entende;estãoespantadosqueVossaMajestadenãodissolvaaCâmaraequenãoadoteaditaduraemmomentotãograve.

“Paris está assustada coma aproximaçãodo inimigo, não confia nos homens que estão à frente dogoverno,etodasaspessoascomquemmeencontreihojedizemquesesentementreguesdemãosepésatados.

“Oministroéacusadodetraição,estãotodostãoirritadosqueparecemquerervítimas,ebastaumapalavradeVossaMajestadeparaque sedisponhamaencontrá-lasnoMinistério enaCâmara.Todos,Sire,estãoconvencidosdequenãosereceberáoreideRoma,edequeseráprecisosofreravingançadosBourbon.”

“Só a abdicação pode salvar a França”, explicamais uma vez o imperador, “ante o abandono dasCâmaras;agirdemaneiradiferentedoqueestoufazendoseriaprovocarumaguerracivilporcujosanguederramadoeuteriademecensurar.Nãooquero.”

Ànoite,umpoucodepoisde2h,o imperadorédespertado. Informam-nodo fracassode seu irmãoLucien e de La Bédoyère de fazer com que a Câmara dos Representantes proclamasse seu filho.11Indignado,Napoleãoprofere gritos de raiva contra os patifes daCâmara.Afinal, antes de conciliar osono,juraasimesmomobilizardentrodealgumashorasseuspartidáriosparaquevoltemàcarga.

Enquanto bonapartistas, amigos de Fouché e liberais disputavam uns com os outros na Câmara,combateaindamaisdecisivo sedesenrolava200quilômetrosaonortedacapital.BombardeadapeloscanhõesdogeneralZiethen,apraçadeAvesnescaiunasmãosdosprussianos.

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21.Ocortejodosvencedores

NOCAMPODOSALIADOS,ODIA22DEJUNHO

TomarParisomaisrápidopossível

ObtidaavitóriaemWaterloo,osaliadosmaltiveramtempoderespirar.Chegaramàfronteiraemmarchaforçada. Os prussianos atravessam-na no dia 20, os anglo-holandeses no dia 21. Os dois exércitosacampamentreoEscaldaeoSambre.

Os52milanglo-holandesesocupamGommegnies,BavaieLeCateau-Cambrésis,ondeWellington,ovencedor de Waterloo, monta seu quartel-general. O corpo comandado por Frederico, príncipe dosPaísesBaixos,ocupaValencienneseLeQuesnoy.

O primeiro corpo prussiano investe contra Avesnes. Os 1.700 homens, entre guardas nacionais eveteranos,quedefendemapraçasofremdurante24horasobombardeiodeseisobuseseoitocanhões.Oprincipaldepósitodepólvoradafortalezaéincendiado,explodeeprovocaadestruiçãodegrandepartedacidade.Nodia22elaserende.ElementosdoprimeirocorpojáavançamnadireçãodeLaCapelleepatrulhamoOise.

O4ºcorpo,sobasordensdeVonBülow,marchadeLandreciesparaGuise,esuavanguardachegaaHannapes.O3ºcorpo,comandadoporVonThielmann,avançadeCharleroiparaBeaumont.O2ºcorpo,destinado a atacar as fortalezas, se dispersa: duas brigadas com cavalaria bloqueiamMaubeuge, umabrigadamarcha sobre Landrecies, outra sobre Givert e Philippeville. Omarechal Blücher monta seuquartel-generalemCatillon-sur-Sambre.Nototal,osprussianosalinham66milhomens.

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2.Ainvasão:situaçãoem22dejunho

Wellington eBlücherdecidemconcederumdiadedescanso a seushomens.Precisammobilizar osretardatários e esperar abagagemdeixadapara trás.Osdois comandantes aproveitamparapassar emrevistaoplanode invasãoelaboradonodia20emBruxelas.ElessabemqueossoldadosdeGrouchyacampamumpoucomaisaleste,emRocroi,equeosderrotadosdeWaterloorecuamparaLaon.

OsgeneraisaliadosdecidemenviarparaLaonapenasumdestacamento,afimdeenganarosfrancesesquanto a suas verdadeiras intenções. De fato, os dois comandantes não pretendem atacar Laon, maschegaraParisomaisrápidopossível,paraseanteciparaGrouchy.PlanejampercorreramargemdireitadoOise: os ingleses porCambrai, Péronne,Ham eCreil; os prussianos, por Saint-Quentin,Chauny eCompiègne.OsdoisexércitosatravessarãooOiseemCompiègne,Pont-Sainte-MaxenceeCreil.

Astropasaliadaspoderãomarcharcommaisrapideznadireçãodacapitalsenãoforemincomodadaspelosadversários.WellingtoneBlücherconsideramquenomomentoosfrancesesnãotêmcondiçõesdeatacá-los. Livres de toda movimentação tática, os soldados aliados alcançarão seu objetivo em bomestado físico.Terãopercorridouma regiãoque, não sofrendo requisiçõesdoExército francês, poderáfornecer-lhesasprovisõesnecessárias.1

MarcharprontamentenadireçãodeParistambémdeverápermitiraosingleseseprussianoschegaràcapitalantesdosdemaisaliadosdacoligação.DuzentosecinquentamilrussosaindaestãoacampadosnasproximidadesdeFrankfurt.Osaustríacos,dispondode180milhomens,malcomeçamaatravessarapontedeBasileiaparaseespalharpelaBorgonha.TudoindicaquePariscapitularáantesquerussoseaustríacos cheguem ao Mosa ou ao Marne. Castlereagh, ministro inglês das Relações Exteriores, eFredericoGuilhermeIII,reidaPrússia,estarãoportantoemposiçãodeforçanasnegociaçõesdepazqueinevitavelmenteirãointroduzirmodificaçõesnaatafinaldoCongressodeViena.

Naverdade,de1ºdenovembrode1814a9dejunhode1815todaaEuropamundanaediplomática

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reuniu-seemVienapararemodelaromapapolíticodocontinenteedesuaspossessõesdealém-mar.AsgrandespotênciasqueparticiparamdasextacoalizãocontraaFrançalogoentraramemacordonosentidode juntar aBélgica àHolanda sob a autoridade deGuilherme I deOrange.À sombra do soberano, aInglaterraesperaassumirocontroledeAnversedafozdoEscalda,indispensáveisaoseucomércio.NaItália, a Áustria assumiu o controle da Lombardia e do Vêneto, enquanto arquiduques austríacos seinstalavam emFlorença, Parma eMódena, e o Piemonte era devolvido ao rei da Sardenha.A Suíça,acrescidadeGenebra,foideclaradaneutra.ANoruega,retiradaàDinamarca,foivinculadaàSuéciaemagradecimentopelaajudadopríncipeBernadotteàcoligação.

3.AmarchadosaliadosparaParis

As divergênciasmanifestaram-se nomomento de decidir o destino da Polônia e de Saxe, sendo aprimeiracobiçadapelaRússiaeosegundo,pelaPrússia.AlarmadoscomaspretensõesdoczaredoreidaPrússia,aInglaterra,aÁustriaeLuísXVIII,representadoporTalleyrand,aliaram-sea3dejaneirode1815para fazer-lhes frente.A fimde obrigar aPrússia a desistir deSaxe,2 Talleyrand concordou emtrazê-laatéasmargensdoReno,conferindo-lheassimumafronteiracomumcomaFrança.Alémdisso,aPrússiaconservouaregiãosetentrionaldeSaxeeaPomerâniasueca.Eentregouamaiorpartedesuaspossessões polonesas àRússia, pois o czar pretendia transformá-las num reino daPolônia, justapostomasnãointegradoaoImpérioRusso.

Comoreiníciodaguerra,novasreivindicaçõesterritoriaisvêmàtona.ParapreservaraindamelhorseusinteressesnaBélgica,aInglaterrapretendeobterumaretificaçãodasfronteirasdonortedaFrança.Paraimpedirqualquerfuturainvasãofrancesadoreinoholando-belga,oduquedeWellingtonelaborouumsistemadefortificaçõesquedeveprivaraFrançadeváriosdistritos.

A Prússia exige uma fronteira maior com a França e apoia as pretensões dos pequenos príncipesalemães sobre as terras doReno.AÁustria, protetora daBaviera, daSuíça e doPiemonte, quer umaampliação dessas potências na região de Alsácia, Basileia e Savoia. Com isso poderá retificar suaspróprias fronteiras nas regiões de Inn, dosAlpes e doPó.O czarAlexandre, quenodia 21de junho

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outorgaumaConstituiçãoaoreinodaPolônia,pretendeimporàEuropaseuprojetodeSantaAliançadosreiscontraqualquertipodemovimentorevolucionário.

Umaçoitadorconvicto

Divisão entre os soberanos europeus quanto aos resultados da guerra travada em comum, dissensõesentreoscomandantesdeseusexércitos.BlüchersonhaemseroprimeiroaentraremParis,dominaracidadeesubmetê-laàpilhagemeaofogodepoisdemandarfuzilarNapoleão.Wellingtonestádecididoaadiantar-seaelenacapitalparanelaexercersozinhoaautoridadeeinfluenciarodestinodaFrança.Masreceiaqueumamarcharápidademaisprejudiqueoabastecimentodesuastropase,emconsequência,suaordemeadisciplina.

Aos 46 anos, o vencedor deWaterloo é aomesmo tempo temido, respeitado e admirado por seushomens.MuitosfizeramcomeleascampanhasdifíceisevitoriosasdePortugaleEspanha.Elestememeveneram esse aristocrata de rosto alongado e pele pálida, nariz aquilino e olhos azuis, dotado de umsangue-frio e de uma coragem fora do comum.Os soldados, “recrutados para beber”, como a eles serefereseucomandante,puderamsentirnapeleaimportânciadadisciplinanafilosofiadecomandodeseugeneral.

Napoleãoconquistaseushomenspeloverboeafamiliaridade.Wellingtonnuncafazdiscursosdiantedas tropas e raramentevisita seus acampamentos.O imperador francêspuxa aorelhados soldados, oduque manda açoitar seus guerreiros à menor infração. Seu exército tem uma unidade de carrascostreinadosparachicotear,enforcarefuzilar.Masosoldadoque,orgulhosodeservir,pertenceaoexércitodeWellingtonpodevangloriar-sedeserumprofissionaldaguerrabravoecompetente.3

O duque cuida nosmínimos detalhes do bom abastecimento de seu exército, para que ele, no seupróprio dizer, tornado “terrivelmente ruim” pelamistura de soldados britânicos, belgas, holandeses ehanoverianos,nãosedispersenoscamposemsaquesevisitasatabernas.

A proclamação que a 22 de junho ele dirige aos franceses dá testemunho, é verdade, do carátermoderadodaocupaçãoquepretende impor aopaís;mas atesta sobretudo a preocupaçãode assegurarumaboaalimentaçãoaseushomens.Escreveele:

“Faço saber aos franceses que entro em seu país à frente de um exército já vitorioso, não comoadversário(excetodousurpador, inimigoevidentedogênerohumano,comoqualnãopodemosterpaznemtrégua),masparaajudá-losasacudirojugodeferroqueosoprime.

“Emconsequência,deiasseguintesordensaomeuexército,eexijoquequalqueratodeinfraçãomesejadadoaoconhecimento.

“Osfrancesessabem,todavia,quetenhoodireitodeexigirquesecomportemdemaneiratalquemepermitaprotegê-losdaquelesquepretendamfazer-lhesmal.

“Énecessário,assim,queatendamàsrequisiçõesqueserãofeitasporpessoasautorizadas,emtrocade recibos em boa e devida forma; e que semantenham em suas casas tranquilamente, sem qualquercorrespondênciaoucomunicaçãocomousurpadorinimigo,nemcomseusseguidores.

“TodoaquelequeseausentardeseudomicíliodepoisdaentradanaFrançaetodoaquelequeestiverausente, a serviçodousurpador, serãoconsideradospartidáriose inimigos;e suaspropriedades serãodestinadasàsubsistênciadoexército.”4

A 20 de junho, o exército foi avisado numa ordem do dia: está entrando num território que deveconsideraramigo,sendooreidaFrançaumaliado.Nadadevesertomadosempagamento.Aquelesquesecomportaremdeoutramaneiraserãoseveramentepunidos.5

Naverdade,aspopulaçõesfrancesasrecebemosinglesescommuitomenostemorqueaosprussianos,

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consideradosautênticossaqueadores.

Medodosprussianos

Asedarcréditoaostextosdecertosingleses,acampanhamilitarmaispareceumaincursãoturísticaemterras exóticas. O oficial Alexander Cavalié Mercer, anotando com minúcia tudo que vê, ficaparticularmenteimpressionadocomosagricultores.“Sãoproprietáriosdepequenasterras(talvezapenasalgunsacres)”,escreveele,“fraçõesdasgrandespropriedadesvendidasemlotesduranteaRevolução.Elesmesmosascultivam,comaajudadafamília,eporissosãoconsideradosagricultorespelogoverno.Sãoobrigadosainscreverestapalavrajuntamentecomoseunúmero(elessãotodosnumerados)emsuascarroças.”

O jovem oficial considera que os camponeses são de uma “raça simples, prestativa, mas muitoignorante”.Seudialetoépraticamenteincompreensível.Algunsdosquevêmaserquestionadosporeleafirmam nada conhecer do que acontece pelo mundo. Sabem que a França está em guerra com aInglaterra,aPrússiaeaRússia,enadamais.NuncaouviramfalardeWellington,deNelson,nemdeLuísXVIII.

–Eporacasoconhecem“Buonaparte”?–perguntaoinglês.–Não,senhor,nãoconhecemos–respondemeles.–ENapoleão?–Ah,masclaro,senhor,esseéoimperador,nãoémesmo,senhor?Paramuitoscamponeses,Napoleãoéohomemqueosforçaapagarimpostoseobrigaseusfilhosair

paraaguerra.Quantoaosconflitosdoimperadorcomospaísesestrangeiros,nãoconhecemgrandecoisae nem de longe se perguntam por quemotivo os ingleses estão no território nacional.6Mas sabem osuficienteparaqueasimplesmençãoaosprussianososfaçatremer.

O tenente-coronel Jackson confirma que os camponeses lembram-se, aterrorizados, da ocupaçãoprussianade1814.Osprussianosmuitasvezesentravamemaldeiascompletamenteabandonadaspelosmoradores. A soldadesca pilhava, arrebentava as barricas nas adegas, destruía móveis e colchões,incendiavaascasas.Afastando-sedasestradasprincipais,ossoldadosprussianosseespalhavampeloscampos, pisoteando ou queimando as plantações de trigo. Quando os agricultores se queixavam, osoficiaisrespondiamqueseushomensestavampagandoaosfrancesesnamesmamoeda,poisossoldadosdeseuimperadoremoutrostemposhaviamsaqueadoaPrússia.7

À pilhagem sucediam-se as requisições. O ocupante privava os agricultores de seus meios desubsistência, de seus animais de tração, seusmeios de transporte e dos cocheiros que os conduziam.Enquantoospaisdefamíliacalculavampedaçoapedaçoaquantidadedepãoaserembebidanasopadamanhãoudanoite,milharesdeestrangeiroscomiamebebiamàlarga,jogandoforaalimentosebebidasquenãotinhammaiscondiçõesdeingerir.Eaindaeraocasodesedarporfelizquandoossoldadosnãodesonravamasmoçasesenhoras!

Anovainvasãoprovocauminíciodeêxodo.Masnemtodososcamponesesfogem.Aideiadevoltaravivero infernodaocupaçãoosdeixa tãoparalisadosquantoaterrorizados.Elesnãopensamempartirnememresistirquandotêminícioosdesmandosdosprussianos.Apenassuportam,edepois,quandonãoaguentam mais, pedem que “sejam queimados, degolados, mas que tudo isso acabe!” Às vezes oscamponeses acusam: o responsável por tantos males é o imperador, com seu insaciável apetite deconquistas!8

Os aldeões acaso veriam em Luís XVIII um salvador? Os oficiais ingleses afirmam que eles nemsequersabemdesuaexistência.Aafirmaçãoéexagerada,eemsuamaioriaoshabitantesdasfronteiras

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estãoconvencidosdequeoirmãodeLuísXVIporáfimaseussofrimentos.

COMLUÍSXVIII,NAESTRADADEGANDAGRAMONT

Oreiem“veículosdoestrangeiro”9

ExiladoemGand,orei,temendoemdadomomentoaofensivadeNapoleão,preparou-separavoltaràestrada e se afastar da fronteira francesa.TranquilizadopelavitóriadeWaterloo, ele cumprimentouovencedor emobilizou as energias de seus seguidores para preparar o retorno a Paris. Na capital, osrealistastentamatrairparaoseucampoosdeputadoshesitantes,entrandoemcontatocompessoasquefrequentamos corredoresdopoder.Fazemde tudopara reinstaurar o rei e levá-lo a entrar na cidadeantesdosaliados.Seoconseguirem,alegitimidadedeLuísXVIIInãoseráquestionadapelossoberanoseuropeus, e o monarca disporá da autoridade necessária para evitar os horrores de uma invasãoestrangeiraegarantiraindependêncianacional.

Anteofracassodamanobra,LuísXVIIIdecidevoltaraoseureinodepoisdosingleses.Masnãosemdebates. Políticos como omarquês de Jaucourt, o barãoLouis, Chateaubriand eGuizot lembram que,agindodessamaneira,oreicomprometesuacausa:estáferindooorgulhonacionaleesfriandoaafeiçãoqueosfrancesesacasotenhamporele.Talleyrand,queficoulongedeGand,compartilhadessaopinião.

Luís XVIII tem consciência de que sua chegada à França depois dos estrangeiros confirmará umaassociaçãoalgoservilcomacoligaçãovitoriosa.Mastambémsabequeotempourgeeque,sequisergovernar omais rápido possível, precisa voltar a Paris aomesmo tempo que os aliados. Presente nacapital,eleterárecursosparasufocarasintrigasdospartidáriosdoduquedeOrleans.Finalmente,umavez instalado nas Tulherias, o rei poderá se opor aos abusos que os prussianos ameaçam cometer nacapital.

Osingleses,convidando-oamarcharcomeles,sãoosúnicosquerealmenteapoiamsuavoltaaotronodaFrança.LuísXVIIIviveudurantemuitotemponaInglaterraefezamizadecomoregente,ofuturoJorgeIV. O ministro das Relações Exteriores, lorde Castlereagh, também estima o soberano francês,considerando-oomaisqualificadoparaestabeleceremanterapazentreosdoispaíses.

Noentanto,ogovernoinglês,cauteloso,prefereesperarparasemanifestaroficialmente.Wellingtonnão evidencia a mesma reserva. O duque respeita um rei que soube conhecer e apreciar quandorepresentava a Inglaterra emParis, em 1814. Seus sentimentos em relação aLuísXVIII, sua ambiçãopessoaleosinteressesdoseupaísexplicam,juntos,seuapoioaoBourbon.

Wellingtonesperaqueapresençadoreiaseuladopermita-lheconseguirarendiçãodaspraças-fortesegarantiroabastecimentodesuastropas.ChegaraParisacompanhadodeLuísXVIIItambémsignificagarantir melhor controle da cidade e fortalecer sua posição, assim como a de seu governo, no jogodiplomático que irá começar. Finalmente, LuísXVIII comprometeu-se, emmaio de 1814, a honrar oscréditosdeparticularesinglesesqueestãoemlitígiohádécadas,eWellingtonesperalevarabomtermonegociaçõesiniciadasquandoeleeraembaixadoremParis.

Navésperade sua entradanaFrança, o comandante emchefedos exércitos anglo-holandeses tomatodas asmedidas necessárias para que LuísXVIII atravesse a fronteira. Escreve ao duque de Feltre,ministrodaGuerradorei,quechegouomomentodeSuaMajestadepôr-seemmovimento.Recomenda-lhequesedirijaaMonspassandoporGramont,emandaprepararnessacidadeasinstalaçõesparaoreiesuacorte.Aomesmotempo,WellingtonpedeaoduquedeBerry,filhomaisnovodocondedeArtoisesobrinhodorei,quesejunteaele.Finalmente,mandaentregararmasaumdosagentesdoreiemYpres.

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“Todosmeparecemfavoráveisàsuacausa”

A22dejunho,às8hdamanhã,LuísXVIIIdeixaGandemdireçãoaMons.NanoitedomesmodiadormeemGramont. Informado da partida do rei,Wellington escreve ao duque de Feltre para explicar-lhe asituaçãodosexércitosaliadosefalardaajudaqueesperadosoberano:

“Mantemos bloqueadas as praças deMaubeuge e Landrecy, pelos prussianos; e deValenciennes eQuesnoy,pornósmesmos.TenhotrêsdivisõesdeinfantariaemBavayequatrodivisõesentreBavayeaqui,alémdastropasutilizadasnobloqueio.Todomundointerromperáoavançoamanhãparapermitirachegadadoquenosénecessário,etalvezSuaMajestadepossachegarcomastropasquemarcharãodeBavayedasimediaçõesdeQuesnoydepoisdeamanhã.

“Sua presença é muito importante. Todos me parecemmuito favoráveis à sua causa. Encontramosbandeirasbrancasemmuitoslugares;ecomotodasaspraçassãoocupadasporguardasnacionais,seriamuito conveniente que se começasse a trabalhar para dispor de uma ou duas delas. Dizem-me que apopulação de Cambray é excelente. A guarnição é pequena, não mais que 2 mil homens. Se SuaMajestadepuderdispordessapraça,permanecerianelaatéofimdasoperaçõesmilitares.Se issonãoocorrer,énecessárioqueoreimantenha-senasproximidadesdoquartel-general.Aderrotadoexércitoinimigoestámaisdecididadoquesesupunha.Ossoldadosdelesretiram-seaosbandos.Oscavaleirosesoldadosdocomboiovendemseuscavalosnaregião,osfuzileirosabandonamsuasarmasevoltamparacasa.Disseram-mehojequehámaisde2milfuzisnaflorestadeMormal.”10

ParaWellington, comodiz ele próprio, não semcerta arrogância, está tudodecidido, e ele volta àFrança à frente de um exército já vitorioso. Mas Wellington é prudente demais para não temer umderradeirosobressaltodeNapoleão,decujaabdicaçãoaindanãotemconhecimento.11

SeuexércitoeodeBlücherestãoa200quilômetrosdacapitalquando,em23dejunho,osdeputadospreparam-separaoúltimodebateafimdedecidirseoreideRomadeveounãoserlevadoaotronodeseupai.

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SEXTA-FEIRA,23DEJUNHO

NapoleãoII,imperadorinterino

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22.Maquinaçõesdohomem-serpente

MINISTÉRIODAPOLÍCIA,6h-10h

Complôaoalvorecer

OsolmalnasceueFouchéjásereúnecomoscolaboradoresmaispróximos.TodoselessãodeputadosnaCâmaradosRepresentantes.1Asameaçasdo imperadorduranteanoitechegaramaseusouvidos,eeles temem uma última manobra de Napoleão e seus seguidores. Ela decerto consistiria em obter,simultaneamenteàproclamaçãodeNapoleãoII,ainstauraçãodeumConselhodeRegência.NasmãosdotioedosirmãosdeNapoleãoI,esseconselhoiriaseapropriardopoderdaComissãodeGoverno.PortrásdosparentesdoimperadorhaveriaNapoleão.

Todosconcordam:nãoseriaprudentenempossívelimpediroreconhecimentodeNapoleãoIIsemseexporàiradoExércitoeàrevoltadeumapartedapopulaçãodeParis.NapoleãoIIseráproclamado,portanto,massemregência.AComissãodeGovernoqueFouchépretendecontrolaraseubel-prazerirámonopolizarassimoPoderExecutivo.

Paraalcançarseuobjetivo,osseguidoresdeFouchédecidemdeixarqueosbonapartistasexponhamsuaspropostasparaemseguidaopor-seaelas,menosnoempenhodeconvencerdoquedefazercomqueodebatesearraste,paradaraosdeputadosaimpressãodequeseencontramnumimpasse.Manuel,queéumoradorhábil, intervirá fazendoumapropostaque,assemelhando-seaumcompromisso,permitiráaFouchélevartodasasvantagensnessejogopolítico.2

Osorleanistas sentem-se então confiantes.Contamcompartidários naCâmara, eFouché aindanãodescartouapossibilidadedelevarLuísFilipeaotronodaFrança.QuantoaosseguidoresdeLuísXVIII,Fouché trata de acalmar sua impaciência sem lhes revelar a pretendida manipulação. E justamentePasquier,queestáentreospartidáriosdoexiladodeGand,solicitaumencontrocomFouché.Em1814,quandoerachefedepolíciadeParis,PasquiertraiuNapoleão,oquenãooimpediudevoltaraoferecerseusserviçosaoimperadorem1815.Decepcionadoporseverdesempregado,eleaderiuaospartidáriosdosBourbonfavoráveisaumamonarquiaparlamentar.

“Meupoderlimita-seaevitaromal”

Pasquier vem informar-se sobre as medidas tomadas por Fouché para fazer frente às iniciativas dosbonapartistas.Oministrocomunica-lheseusmotivosdepreocupação.ACâmaraéformadaporumlodoopaco,comcomportamentodifícildeseprever.Detalmaneiraqueoprojetomaisbem-arquitetadoparaarrebanhar todo o apoio necessário pode acabar fracassando por nada. Fouché não o esconde aointerlocutor:osrealistas,comsuavontadedeagiromaisrápidopossívelemfavordeLuísXVIII,podemacabartransformando-senogrãodeareiaquevaiemperraramáquina:

“AcasosepodesaberoqueviráaacontecernumaAssembleiamalorganizadacomoesta?”,perguntaele.“Ummovimentodeeloquência,algumcansaçoeodesejodeacabarcomasituaçãopodemocasionar,quando menos se espera, uma declaração contrária às intenções da maioria. Quais seriam as

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consequênciasdesemelhantedeclaração?ElacertamenteuniriaoExércitoemtornodeNapoleão II,enadapoderiasermaisgrave.”

Fazendoouvidosmoucos,PasquierincitaFouchéafazercomqueLuísXVIIIsejaproclamadoomaisrápidopossível,pois:

“SevoslimitardesnomomentoaimpediroatodereconhecimentodeNapoleãoII,aindaassimcaberátemê-lo.”

Fouchéretruca:“EucertamentetenhocréditosuficientenessaAssembleia,masnãotivetempodeprepará-laparauma

transiçãotãobrusca.Fuiapanhadodesprevenido.Sequisesseconduzi-lalongedemais,depressademais,elapoderiaacabarmeescapandocompletamente.VejacomonomearamCarnotontem.Nomomento,meupoderlimita-seaevitaromal,aimpediroperigomaispremente;nessesentido,nadanegligenciei,deiasdevidasinstruçõesaosamigosmaiscertosecapazes.

“Felizmente há entre eles um homem do maior talento, com o qual posso contar. Esse homem éManuel.Acasooconhece?Ninguémmaisqueele teriachancedemudaros rumosdeumaassembleia.Aindahápouco eu lhedizia que é absolutamentenecessário impedir a qualquer custoqueos direitosdessa criança sejam reconhecidos. Eleme disse que ficasse tranquilo e respondeu a todas asminhasperguntas.

Pasquierresponde-lhe:“Eunãoconheçoosr.Manuel,mascomquempodeiscontarnoExército?”Fouché informa que Grouchy e seu exército entraram na França, mas são seguidos de perto por

prussianos e ingleses. Tentando tranquilizar Pasquier, ele afirma que o general logo estará tomandoposiçãoemfavordasmudançasefetuadas.

AindamaisimportantequeadecisãodeGrouchyéadeDavout.AcontecequeoministrodaGuerra,comotantosoutrosmilitares,continualigadoàfamília imperial.Esquivando-sedequalquerperguntaaesserespeito,Fouchédesviaorumodaconversa:

“QuandopoderemosnoscomunicarcomessaspessoasemGand?”,pergunta.“Elessão tão inábeis!Acasonãodeveriamterentradoemcontatocomigo?Devemestarapardasminhasintenções.Elasdevemterchegadoaelespormaisdeumavia.”3

A preocupação do ministro é fingida. Ele esconde do interlocutor que Vitrolles, o agente maisimportantedorei,aguardanaantessala.Fouchéesperausá-locomointermediáriocomLuísXVIII.

“Eunãoacreditavanoqueestavaouvindo”

Depois de se despedir dePasquier, Fouché recebeVitrolles.É frio o encontro entre o carcereiro e oantigo preso: aquele faz alguns cumprimentos demera polidez, da boca para fora, e o chefe realistarespondecom“agradecimentosmuitosuperficiais”porterrecuperadoaliberdade.Emseguida,Fouchéentranoassunto:

“Osenhoriráaoencontrodorei”,dizoduquedeOtrante,“elhediráqueestamostrabalhandoaseuserviço, e ainda que não fosse o mais diretamente possível, acabaremos por chegar a ele. Nessemomento, teremosdepassarporNapoleão IIeprovavelmentepeloduquedeOrleans;masno fimdascontaschegaremosaele.”

Vitrollesnãoacreditanoqueestáouvindo:–Mas como é que chegou a esse ponto? – retruca, com vivacidade. – Já não considera que essa

desgraçadacoroadaFrançafoisuficientementearrastadanalama?Queragoratransferi-ladeumacabeçaparaoutra?Equecabeças!

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–Nãovoudizer-lhe–retomaFouché–queéexatamenteoqueeudesejava,maséoqueprevejoquevaiacontecer. Jádesfizumpoucoa soberaniadeNapoleão II.Tentávamosontemdecidiremnomedequemseriamintituladososatospúblicos.Carnotdizia:“Masémuitosimples,emnomedeNapoleãoII.”“Não se trata disso”, respondi-lhe; “é preciso que sejam efetuados em nome do povo francês.” E oimbecilaplaudiu.

Vitrollesficadetalmaneiraabaladopelasúltimaspalavrasdointerlocutorqueacabapornãooouvirmais.Recompondo-se,eleexplicaaoduquedeOtrante:

–Conversandocomosenhor,chegoàconclusãodequeoreiestácercadodeservidoresemmelhorescondiçõesdeservi-loemsuasquestõesexternas.Masnãocontacomninguémaquiparainformá-lodascoisasmais importantesparaele.Eubemmeprontificariaaficar;masantesde tomaressadecisãoeuapresentariatrêscondições.Aprimeiraéagarantiaparaminhacabeça;faziapartedomeudeverarriscá-laemToulouse;4masnomomento,livreparapartir,seriamaisqueumatolice.AsegundacondiçãoparaqueminhaestadaaquisejadealgumautilidadeparaSuaMajestadeéqueeudisponhaderecursosparamecomunicarcomoreiedesalvo-condutosparaenviar-lhemensagens.Finalmente,emterceirolugar,acertezadevê-loumavezpordia,poissemissominhasinformaçõesseriamincompletas.Evejabem,meucarosenhor,seminhapresençaaquipodeserútilaorei,aindaoseriamaisparaosenhor.Aconfiançadopríncipecomissoseveriaaumentada,eeupoderiafazervalerjuntoaeleafranquezadesuasintençõesearetidãodesuasiniciativas.

AosorrisozombeteiroqueaparecenoslábiosdeVitrolles,Fouchérespondeemtomdetroça:–Caramba!Nãodeixadeserumaideia.Osenhorestaraquiémuitobom.Essespobresrealistazinhos

deParis ficarãoencantados.Paraeles,osenhorseriacomoumabandeirabranca tremulandonapraçaVendôme.Respondendoasuascondições,eudiriaquesuacabeçaestaránamesmavaraqueaminha;seeu conseguir salvar uma delas, garantirei também a outra. Mas vou logo avisando que a minha estárazoavelmente ameaçada.Todosos celeradosdoExército, osFlahaut, osExelman, jurarampregar-meumaboapeça.Noquedizrespeitoaossalvo-condutos,voumandarentregar-lhecinquenta,paraquefaçaousoquebementender; e quanto a encontrá-lo, não será umavez,mas duas ou três vezes por dia, aqualquermomento,aqualquerhora,quandoosenhorbemquiser.5

Fouchéexpõeemseguidaadificuldadedesuaposição,encontrando-seentremilitares,6bonapartistas,realistaslegitimistaseorleanistasque,formandoumaespéciedeterceiropartido,consideramacoroaaoalcancedamãodeLuísFilipe.ObarãodeVitrollesnãosedeixailudir,poissabequeFouchénaverdadeéumjogadorvaidoso,quesentemaisprazernumapartidaàmedidaqueaconsidere“dignadeleporsuaimportância,porseusriscosepeloalcancedoqueestáemjogo”.7

Aosairdoencontro,Vitrolles está convencidodequeFouché,preocupadoempreservar seu lugar,entraráemaçãoparadevolveracoroaaLuísXVIII.Senecessário,obarão,paraobrigá-loaisso,dispõeemParisdeumexércitodealgunsmilharesdehomens.Feisthamel,majordosfederados,éumdeseusintegrantes.

O marechal MacDonald, o marechal Oudinot, Sémonville, d’André, Royer-Collard e Hyde deNeuville tambémforamincumbidosporLuísXVIIIdeagirnacapital.Aspalavras tranquilizadorasdeFouché não servem propriamente para acalmá-los: como os aliados se aproximam de Paris, elesconsideramqueoreideveserproclamadoantesqueosexércitosestrangeirosentremnacapital.AssimcomoVitrolles,estãodispostosaumgolpedeforça,considerandoqueestáemjogoaindependênciadosoberano,eportantotambémadaFrança,alémdesualiberdade.

PALÁCIODASTULHERIAS,11h

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“Dou-lheomeuvoto”

Ànoite,FouchérecebeuacartadeCarnotconvocando-oàsededoMinistériodoInterior.JogouacartanolixoetratouderedigirumacircularsolicitandoatodososcomissáriosquefossemàsTulherias,para“constituir-se”.8Elescomparecem.IgnorandoaconvocaçãoredigidaporCarnot,desdelogoidentificama ascendência doministro sobre aAssembleia.A atitude deCarnot é desconcertante: ao responder àconvocaçãodocolega,elepõeemjogootítuloeafunçãodequesejulgainvestido.

Reunidososcomissários,CarnotvaiseinformarcomFouché:–Quequerdizercomconstituir-se?–Antesdemaisnada,elegernossopresidente–responde-lheFouché.–Dou-lheomeuvoto.–Eeulhedouomeu–respondeCarnotporpolidez.A votação é efetuada. Fouché sai vencedor, com três votos em cinco. Oministro da Polícia teria

votadonelemesmo?QuestionadoporThibaudeau,Fouchérespondecomumaenormegargalhada.9AcomissãoelegeentãoBerliercomosecretário.ConselheirodeEstado,eleéconhecidoportersido

umconvencionalregicida.Masséna,príncipedeEssling,énomeadoparaocomandodaGuardaNacionalde Paris: o general Andréossy, para o da 1ª DivisãoMilitar; e o general Drouot, para o da GuardaImperial.

Massénaestácomasaúdepordemaisabalada“paraenfraquecerseuegoísmoeinspirar-lhedúvidasnadedicação”.10Comotantosoutrosnáufragosdavelhice,eleserecusaacomprometersuashonrariasesuafortunaapoiandooimperador,aquem,porsinal,sealioudabocaparafora.Fouchéficaaindamaissatisfeito com a nomeação dessa gloriosa relíquia, porque isso lhe permite afastar La Fayette, quepoderiaapresentar-lhemuitosproblemasnocargo.Onovopresidentedeixouclaroqueoilustregeneralseriamaisútilcomoplenipotenciárionasnegociaçõescomosaliados.

Andréossy,ex-chefedoestado-maiordeBonapartenoEgito,desde1802levouumavidadediplomataentre Londres, Viena e Constantinopla. Fouché pode contar com sua obediência. Entre os trêspromovidos,ogeneralDrouot,quejácomandavaaGuardaImperialemWaterloo,éoúnicoseguidorfieldoimperador.

Caulaincourt, Fouché e Carnot, não podendo exercer seus postos no ministério enquanto foremmembros da comissão, são substituídos por homens que exercem suas funções em caráter interino.Bignon,quejáésubsecretáriodeEstadoparaRelaçõesExteriores,torna-seministro.PeletdelaLozère,que desempenhou funções noMinistério da Polícia Geral, assume a titularidade da pasta. O generalCarnot-Feulins, deputado na Câmara dos Representantes e irmão de Lazare Carnot, é proposto comoministro do Interior pelo general Grenier e por Fouché. O duque de Otrante alega a necessidade demanterumentendimento íntimoentreacomissãoeoministério.Agindoassim,Fouché tenta sobretudoassumirumaaparênciadeimparcialidade.11

ÉumamanhãbemcheiaparaFouché: emquestãodepoucashoras, ele secertificaradoapoiodosrealistas,passaraapernaemCarnot,iludiraLaFayetteeseapropriaradoPoderExecutivoquecaíradasmãosdoimperador.Resta-lhelevarManueleseuscomparsasainterpretaratragicomédiadeumpoderusurpadodeNapoleãoIIcomamesmarapidezcomquelhefoiconcedido.

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23.Osinteressesdeumhomemeosdapátria

PALÁCIOBOURBON,11h30

“TemosumimperadornapessoadeNapoleãoII”

OsrepresentantescomeçampordebaterquestõesmuitodistantesdaspreocupaçõesdosbonapartistasoudosamigosdeFouché:asubstituiçãodeCarnot-FeulinsnocargodesecretáriodaAssembleia,aleituradasmensagensenviadasàCâmaraeacriaçãodeumapublicaçãooficialintituladaLogoTachigraphique.ElepermitiráàCâmarapublicarporcontaprópriaasatasmaisexataspossíveisdeseusdebates.Muitosrepresentantes queixam-se dos jornalistas que, a exemplo dos que trabalham no Journal de Paris,falseiamosdiscursospronunciadosnaCâmara.1Mascomoevitarqueoórgãooficialnãosetransformenojornaldeumamaioria?

O debate é tão útil para a liberdade de imprensa quanto para o bom funcionamento do regimeparlamentar,aindanainfância.Masseriaomomentoadequadoparalevá-loaefeito?

Bérenger, jovem deputado e advogado em Valence, traz a Assembleia de volta aos problemas domomento.Napoleãoabdicara,aComissãodeGovernoosubstituíraprovisoriamente,masdeveriamseusmembrosdesfrutardomesmoestatutoqueochefedeEstadoesedeclarar isentosderesponsabilidadeporseusatos?Bérengernãoconsideraisso,afirmaele,poissetratademagistradoseleitos.PedeassimqueaAssembleiadeclarearesponsabilidadecoletivadosmembrosdacomissão.

A proposta mira diretamente Fouché. Se for aceita, levará os membros da comissão a vigiar seupresidenteedeixardeacompanhá-loemsuasvotações,temendosersancionadosporumdeseuserros.Fouché,entretanto,confianaforçadeseupartidonaCâmaraparaseoporvitoriosamenteaesseataquedisfarçado.2

Naverdade, seu amigoDupin rejeita a proposta deBérenger e pedequeosmembrosda comissãoprestemjuramentodeobediênciaàsleisedefidelidadeànação.“Dissodepende”,dizele,“asalvaçãodopovofrancês”,quesetornou“nossasupremalei.”

Mas perante quem haverá a comissão de prestar juramento? Defermon, ex-conselheiro de Estado,aproveitaaoportunidadeque lheéoferecidadedefenderosdireitosdopríncipe imperial.Aofensivadosbonapartistasteminício.Duracercadeumahora,semintervençãodaclienteladeFouché.

Defermonconstatainicialmenteque,antesdequalquerjuramento,osdeputadosprecisamdizerquemserá o homem em torno do qual pretendem que funcione o sistema constitucional. Um único nome seimpõe. “Entre os representantes”, afirmaDefermon, “não há quemnão pense: temos um imperador napessoadeNapoleãoII.”

Oorador é interrompidopelos aplausos dos bonapartistas.Ele prossegue frisandoqueos inimigosexternosnãozombarãomaisdosesforçosdanaçãoquandoconstataremqueaConstituiçãoéa“estrelapolar”dosfranceses,tendocomopontofixoNapoleãoII.“ComoseríamosvistosaosolhosdaEuropaedanação”,perguntaele,“senãoseguíssemosfielmentenossasleisfundamentais?NapoleãoIreinoucombasenessasleis.NapoleãoIIé,portanto,nossosoberano.”

Defermonénovamenteinterrompidoporruidosasmanifestações.Passadosalgunsminutos,odeputadovoltaatomarapalavraafirmandoque,fortementeescoradosnaConstituiçãoepronunciando-seemfavor

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dochefeporeladesignado,osrepresentantestranquilizarãoatodos.IrãomostraràGuardaNacionalquerejeitamLuísXVIII; e aoExército, que as instituições imperiais serão para sempre preservadas.NãorestarámaisdúvidaquantoàpreservaçãoconstitucionaldadinastiadeNapoleão.

Osbonapartistasmanifestamseuentusiasmolevantandoochapéuegritando“Vivaoimperador!”.AaclamaçãoérepetidanastribunasenoscorredoresporalgunsoficiaisdoExércitoregularedaGuardaNacional.3

AcargavitoriosadosbonapartistasérepentinamenteinterrompidaporBérenger,queinsisteemexigirumavotaçãosobrearesponsabilidadedosmembrosdacomissão.Quepoderiaacontecer,perguntaele,seumdeles,eximindo-sedocumprimentododever,perdesseaconfiançadaAssembleia?

“Oimperadormorreu.Vivaoimperador!”

Mudandodeassunto,BoulaydelaMeurtheintervém.Aqueleque,nodizerdeFouché,éumdos“adeptosmais exaltados de Bonaparte” retoma a argumentação apresentada na véspera por Lucien Bonaparte,explicandoque,pelaConstituição,Napoleão II é imperador.AAssembleiaestariaperdidaeaFrançasucumbiriaseofatoforpostoemdúvida.Nãopodehaveramenordúvidaaesserespeito.

“Oimperadormorreu.Vivaoimperador!”,dizele.“NapoleãoIdeclarousuaabdicação,eossenhoresa aceitaram; por isso, pura e simplesmente, pela força das coisas, por uma consequência irresistível,Napoleão II é o imperador dos franceses. Os senhores não podem sequer deliberar, nossas leisfundamentaisdecidiramoproblema.Sóaextinçãodadinastiapoderiainterromperessamarchanatural.

“De resto, ontem eu não tinha a menor dúvida de que todos sabiam que Napoleão II era nossosoberano,pois,aoserfeitaapropostadedeclararvagootrono,ossenhoresareprovaram.”

Depois de apelar para a razão dos deputados, Boulay de la Meurthe tenta sensibilizar sua fibrapatriótica:

“Senhores,seotronofosseconsideradovago,poderíamosapostarnaperdatotaldaFrança,elanãodemorariaaencontraromiseráveldestinodaPolônia…”

Umdeputadogrita:“EdaEspanha!”“As potências aliadas”, recomeçaBoulay de laMeurthe, “haveriamde partilhar nossasmais belas

províncias, e, se destinassem aosBourbon um recanto do Império seria na esperança de se apropriardessaúltimaporção.”

DepoisdevilipendiarosBourbon,Boulayde laMeurtheacusaosorleanistas,queagemnasombraparatentarseapoderardotrono:

“Voubotarodedonaferida.ExisteumafacçãodeOrleans…Sim,eusei”,dizentão,dirigindo-seaum deputado que tenta interrompê-lo, “por mais que me interrompam, estou falando com base eminformações seguras. Sei que essa facção é puramente realista. Sei que seu objetivo secreto émantercontatos atémesmo entre os patriotas.De resto, não é certo que o duque deOrleans queira aceitar acoroa,ou,casoaaceitasse,seseriaapenaspararestituí-laaLuísXVIII…”

“Possogarantirpositivamenteoqueacabadedizer”,clamaumrepresentante.OataquecontraosorleanistasprovocataltumultoqueBoulaydelaMeurtheéobrigadoaforçaravoz

parasefazerouvir:“ProponhoqueaAssembleiaproclameNapoleãoIIimperadordosfranceses”,dizele.Muito bonito proclamar Napoleão II, mas é preciso que ele esteja na França. O ex-convencional

Pénières-Delzors, autor daobservação, convida entãoos plenipotenciários a solicitar aos aliadosquedevolvamoimperador-menino.AoaceitaravoltaàFrançadopríncipeedesuamãe,acrescentaele,aÁustriaestarádandogarantiasdepaz.Poisopríncipeimperialnãoémaisqueumsímboloparamuitos

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bonapartistas?Nenhumdeles apoia a proposta de Pénières-Delzors. É então que se levanta o generalMouton-Duvernet,deputadodoAltoLoire.

Porquemossoldadosderramamseusangue?

Aos45anos,omilitarferidoemArcoleefeitobarãoporsuasproezasmilitaresnaEspanhanãocostumamedirpalavras.Jáestáimpacientecomessasdiscussõesquenãoacabam.Ascoisassãomuitosimples:avontadedanação,avontadedossoldadoséterumgovernonacional,enãoumgovernoestrangeiro!EessegovernosópodeserorganizadoemtornodeNapoleãoII.

O experiente soldado resgata o tom do voluntário nacional que fora em 1791 para dizer que aosimplesnomedeNapoleãoIIosfranceseshaverãodeselevantarparadefenderapátria!

Omarquês deMalleville quebra o entusiasmo patriótico do general observando que, ao aceitar aabdicaçãodeNapoleãoI,osdeputadosnãoacataramformalmenteseusucessor.

Ouvindo essaspalavras,Regnault deSaint-Jean-d’Angélydáum salto.AComissãodeGoverno sódeveesópodeagiremnomedeNapoleãoII,dizele,“casocontráriooExércitonãosabemaisaquemobedecer,sobquaisbandeirascombateráeporquemderramaráseusangue”.

“Pelanação!”,gritamnasala.Regnaultreconheceque,sendonacional,oExércitofrancêsnãolutaporumhomem,masporseupaís,

masessepaís,acrescenta,temumaConstituição,eessaConstituiçãoexigeumchefe.Emseunomesãofeitasasleis;emseunomeossoldadoscombatem;emseunomeosnegociadorestratamcomaspotênciasestrangeiras.

Regnault adverte os representantes: “Asmás intenções se agitam, as facções podem se irritar e ossenhorespõememdúvidaadeliberaçãotãoútiletãosábiaquetomaramnasessãodeontem.Proponhoque proclamemNapoleão II imperador dos franceses e que todos os atos públicos e privados sejamredigidosemseunome.”

Emnomedanação!

AintervençãodeRegnaultsurpreende,embaraçaecansamaisdoqueempolgaumaAssembleianaqualcircula, segundo observa Villemain, um vento de liberdade. O jovem percebe que o empenho desubmissão e a pompa cortesã do ministro chocam “o sentimento de igualdade rude e zombeteiro,principal formada liberdade”entreos franceses.Aoperguntar exaltadoemnomedequemoExércitodeve combater, Regnault esquece a França para lembrar o trono, esquece a nação para lembrar umafamília.4

Teminícioocontra-ataque.OsbonapartistasinvocamaConstituição,osamigosdeFouché,anação.Aqueles agarram-se a um texto que consideram sagrado, e portanto imutável; estes invocam a naçãosoberana.EstatranscendeaConstituiçãoredigidaemseunome;elafazedesfazleis,concedeetomadevoltaaautoridadequedelega.

OdeputadoDupinobservaquedepoisdaderrotaoimperadorentendeuquenãopodiamaisserútilaoseupaís.Caberia então esperar de uma criançao quenão se podemais esperar de umherói?Em talcircunstância,seránecessáriomuitomaisqueumaaclamaçãoeumímpetodeentusiasmoparadeliberar!

“É preciso salvar a pátria, conter o impulso do estrangeiro, assumir o controle em casa”, clama odeputado. “É preciso salvar a pátria pormeios dignos de nós…Que podemos opor ao empenho dosinimigos?Anação,éemnomedanaçãoquelutaremos,quenegociaremos,édelaquedevemosesperara

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escolhadosoberano,éelaqueantecedequalquergovernoeaelesobrevive.”“Édelaquedevemosesperaraescolhadosoberano”:estaspalavraspronunciadasnofimdodiscurso

abrem o alçapão sob os pés do príncipe imperial e autorizam implicitamente a entrada em cena doBourbon.

“EporquenãoaRepública?”,perguntaBorydeSaint-Vincent,dissimulandoapreocupaçãoportrásdatroça.

DupindescedatribunamurmurandoumversodeCorneille:“OpiordosEstadoséoEstadopopular.”5EledeixaaCâmara indecisa.“Dáparaveroqueelenãoquer,desconfiardoquequer,maselenãoécapazdesuscitaradesõesquandoseuprópriovotonãoparececlaro.”6

Otempopassa.Jálásevaimaisdeumahoraqueosdeputadosdebatememvão.OsbonapartistasnãosecansamdeexigiraproclamaçãodeNapoleãoII,eosseguidoresdeFouchédeseoporaela.Algunsrepresentantes, vencidos pelo cansaço, propõem o adiamento das propostas até agora apresentadas.Afinal,afirmaodeputadoDuchesne,seránecessárioesperarparaverseaÁustria,finalmenteentendendoseusprópriosinteresses,nosdevolveopríncipeesuamãe!NomomentoemqueaAssembleiapareceapontodesedissolver,Manuelpedeapalavra.

“Preservemosopassado,nãoalienemosofuturo”

“Afigurajovemebela,aatitudesimplesedecidida”,7aclarezadalinguagemeafacilidadedeelocuçãodojovemadvogadodeAixprontamenteencantamoauditório.

Manuel volta sua atenção em primeiro lugar para o príncipe herdeiro. Depois de falar de suaesperança de que os aliados venham a distinguir o destino do rei de Roma do destino de seu pai, odeputado reconhece que o filho de Napoleão deve herdar o trono. Nem a Constituição nem ascircunstânciasautorizamasubstituiçãodeseunomeporalgumoutro.

Mas falta uma condição para que seja possível governar, lutar e negociar em seu nome: aunanimidade.AssimcomoaCâmara,aFrançaestádividida,eadesuniãopareceimpediraproclamaçãodeNapoleãoII.

Manuel passa então em revista os diferentes partidos em confronto, questionando-se sobre asrespectivasposiçõesdeforça:

“Na verdade”, explica, “os partidos não são tão numerosos nem tão fortes quanto se supõe. Quepartido poderíamos temer efetivamente? O partido republicano? Nada nos permite pensar que essepartidoaindaexista,sejaemcabeçasdesprovidasdeexperiência,sejanasquevieramaamadurecerpelaexperiência.

“Seria então o partido de Orleans? Esse partido, certamente, pelas garantias que oferece aosprincípios e aos homens da Revolução, parece apresentar mais chances que qualquer outro para aliberdadeeafelicidadedopovo.Ouentãoopartidorealista?NaCâmara,todosorechaçam,emgeraldeacordoquantoaodestinoqueprometeriaàFrança.Masnãosepodedissimularque,especialmenteentreaqueles que não sabem elevar-se acima de seus interesses particulares, os realistas contam comnumerosos sectários que a eles se vincularam, em certos casos, por lembrança, por sentimento, porhábito;emoutroscasos,poramoràpaz,aobem-estareaosprazerestranquilos.”

Manuel consegue o milagre de satisfazer todo mundo. Contenta os bonapartistas, lisonjeia osorleanistas,reconheceasolidezdosrealistas.Ojovemdeputadoconvidatodosaesquecerohomem,afamília,adinastiaantigaou recentequedefendemparapensar apenasno interessequea todosune:ointeressedapátria.Oquenãosignificaqueosdeputadosdevamabrirmãodapossibilidadedeseguirdiferentescaminhosparasalvá-la:

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“Porquenãohaveríamosdepreservar,nessaquestão,possibilidadesdeescolhatãoabsolutasquantonossadedicaçãoàsuacausasagrada?Senhores,demosontemumgrandepasso.Sabemosacasoseseráobastante,sepodeserconsiderado,jánãodigosuficientementeirrevogável,mascompletoobastanteparagarantirtudoaquiloquedesejanossapátria?Deixemosqueotempoentreemaçãoeosacontecimentossedesdobrem;preservemosopassado,nãoalienemosofuturo.”

Nomomento,tantoanecessidadequantoaConstituiçãoimpõemaproclamaçãodeNapoleãoII:“Paraqueadiar?Paraver seo iníciodasnegociações lhe será favorável?Devemosesperarqueo

seja;masseassimnãofor,comoestaisdecididosanãocolocarosinteressesdeumhomemacimadosinteresses da pátria, tereis sempre a possibilidade, pormais apegados que estejais aNapoleão II, desacrificarvossosdesejosmaiscarosàsalvaçãodoEstado.Atéentão,seránecessáriounirtodaaFrança,unirosamigosdapátriaemtornodeumaopiniãofixaedeterminada.”

Impossívelsermaisclaro:NapoleãoIIéumimperadorinterino.OpoderestánasmãosdaComissãodeGovernoformadapor“homensexperientesecapazes”.SegundoManuel,elesdefendemogovernodaFrançadaquelesquepretendemtutelarumsoberanoaindanamenoridade.

OsdeputadosentendemqueManueltememmenteosirmãoseotiodeNapoleãoI.Ooradoronega:“Não acusonemapontoninguém,mas exijo umagarantia; e quando a nação concorda em fazer novosesforçoseaceitarnovossacrifíciospelapreservaçãodesuaConstituiçãoeadinastiadeNapoleão,seránecessáriopelomenosquetenhatodasasgarantiasquantoàmaneiracomoseudestinoserátraçadosobestenome.”

Assim,Manuelpropõequeaordemdodiabaseie-se:“1º.NofatodequeNapoleãoIItornou-seimperadordosfrancesesemconsequênciadaabdicaçãode

NapoleãoIeporforçadasConstituiçõesdoImpério.“2º.NofatodequeasduasCâmarasquiseramepretenderam,pelodecretocomdatade22sobrea

nomeaçãodeumaComissãodeGovernoProvisório,fornecerànação,nascircunstânciasextraordináriasemque se encontra, asgarantiasdequeprecisapara sua liberdadee sua tranquilidade,medianteumaadministraçãoinvestidadetodaaconfiançadopovo.”

Apropostaéaprovadaporunanimidade.ACâmara,afirmaFleurydeChaboulon,sedeixaenganarporinexperiência.“Elatememseuseiohomensdegrandecapacidadeesagacidade.MasamaiorpartedeseusmembrosjamaisintegrouumaAssembleia.Elasedeixousubjugarpelobrilhodaeloquência,commaisfacilidadeaindaporquenãoexistenelaqualquerideiapreestabelecida,nenhumavontadedominantecapazdeservircomocondutoreguia.”8

FouchélevaamelhoreNapoleãosaiperdendo:seufilhonuncapassarádeumpríncipedassombras,umsoberanoprovisório,umimperador inpartibus.OntemFouchécortavaacabeçarealdeLuísXVI,hoje não joga a cabeça imperial no cesto, mas a lobotomiza, privando Napoleão de sua vontade dehomemesoberanodenomearumsucessor.

Tragicomédia: o fim da sessão é marcado por vivas ao imperador da parte de bonapartistas,inconscientesdeteremsidoenganados.

“EstabelecemosoconfrontoentreoAntigoRegimeeasConstituiçõesdoImpério”

“Depois dessa ilusória unanimidade acarretada pela mágica ordem do dia de Manuel”,9 o duque deOtrante,instaladonapresidência,sente-semaisàvontade.Dirigindo-seaosseuspartidários,eleafirma,zombeteiro:

“Muitobem!Acoisanãopoderiaestarmelhor:estabelecemosoconfrontoentreoAntigoRegimeeasConstituiçõesdoImpério.Esperoquelogovenhamosaverfrenteafrenteosrespectivosadvogados,e

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que de tudo isso saia algo mais de acordo com as necessidades e as luzes do século. Manuel saiugrandemente honrado, e a Câmara dos Representantes também, ao votar como um só homem.MuitasvezeséesteograndepapeldasAssembleias.”10

LaFayette, por sua vez, não esconde sua alegria.Escreve a uma amiga que o grande objetivo dosirmãosdeNapoleãomalogrou.“Queriammanteropoder.Maselefoitransferidoparaasmãosdeumacomissãoeletiva.”11

Osrealistas tambémsecongratulampeloresultadodavotaçãonaCâmara.ObarãodeBarante,queentendeuperfeitamenteosentidodamanobradeFouché,escreveque“acoisaestámelhordepoisdedoisdiasbemtempestuosos”.OsadeptosdoImpérioforamlogrados.“Temosumgovernoprovisório,enãouma regência, transição indispensável à preparação da Câmara dos Representantes para a ideia dosBourbon.”Emboraseregozijeporembrevevoltaraverosoberanolegítimo,BarantetemequeaadesãoaLuísXVIIIaindasuscitemuitasdificuldades.Escreveele:“Sómesmovendoasconvulsõesderaivaque a palavra, que a simples ideia de Bourbon provoca nos generais e na metade da Câmara dosRepresentantes”,eestácertodequehaverá“tempestadenaCâmaranodiaemquetiverdedaràluzosBourbon”.Masissonãoirádurar,prevêele:“TendopartidoBonaparte,aexaltaçãojacobinaeimperialrecuará,transformando-seembomedeclaradomedodareação.”OreideveráotronoaFouché.Barantereconhece:oministrofoideumaadmirávelhabilidade,masestáenganadoseseacreditacapazdeimporaoreicondiçõespordemaisdurasparasuarestauração.12

OjogodeManuelaindapassatotalmentedespercebidodecertosbonapartistas.DissodátestemunhoorelatodogeneraldeLascours:malsaiudaCâmara,elefazumavisitaàsrta.Cochelet,leitoradarainhaHortense,paracomunicar-lhesuaalegriapelavitóriaobtidapelosseguidoresdoimperador.

ACâmara,relataele,nãofoiunânime…Felizmente,congratula-seosr.deLascours,Manuelestavapresente.Deumsógestoeleresolveutodasasdificuldadesqueseapresentavamcomumacapacidadedepersuasãoeconvicçãoquea todosmobilizou,efoiemmeioaaclamaçõesqueNapoleãoIIveioaserreconhecidopelaAssembleia.Maravilhado,ogeneral exclama: “Esse sucessoequivale aumabatalhavencida,poisasseguraumImpério!”13

ÀTARDE,NOJARDIMDASTULHERIAS

Nadadecerimôniasnemdeaparato…

A certeza da chegada dos aliados seguidos pelo rei Luís XVIII enche de alegria o coração da Parisrealista.OestudanteLaBretonnièreconstataissocomtristezaaopercorrerofaubourgSaint-GermaineoJardimdasTulherias.Esseslugaresvoltamaadquirirsuafisionomia“aristocrática”.

Umamigoseu,HippolyteBordet,chegaesbaforidodaCâmara.Abordando-o,transmitesemrodeiosainformação:osrepresentantesacabamdeproclamarNapoleãoIIimperador.LaBretonnièreseregozija.Bordet,queintegrouasfileirasdopessoaldoreiecontinuafervorosopartidáriodeLuísXVIII,dáumagargalhadaeafirma:“NapoleãoIInãoseráumgrandeobstáculoàvoltadorei.Dentrodeoitodiaseleestaráentrenós!”

LaBretonnièrerecusa-seaacreditar.Maséobrigadoaadmitirque,nashorasenosdiasseguintes,aproclamaçãodeNapoleãoIInãosurtegrandeefeitonacapital.Nadadecerimôniasnemdeaparatoparaanunciá-la.

“OpobrereizinhodeRoma”,concluiLaBretonnière,“vêsuarealezasertransferidaparaaCâmaracomamesmasolenidadedeumaemendasobreotabacoouapotassa!”14

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NOPALÁCIODOELISEU

“Apressem-seachegaraalgumporto”

OdiscursodeManuelfoi tãoastuciosoqueRegnaultdeSaint-Jean-d’Angély,aexemplodogeneraldeLascours,deixou-seconvencer.EleacorreuaoEliseuparatransmitiroqueconsideraumaboanotícia.ArainhaHortenseestápresente.Elarelataque,àperguntadeNapoleão,“Muitobem!QueestãofazendonaCâmara?”,Regnaultresponde:

–Émuitoboaadisposiçãogeral.NapoleãoIIfoiproclamadocommuitoentusiasmo.–Masoqueestãofazendo?–interrompeNapoleão,quenãoseiludequantoaodestinoreservadoa

seufilho.–EstãodebatendoosartigosdaConstituição.– Ah! – exclama o imperador, levantando-se com ímpeto. – Estamos de volta ao Baixo Império:

debatesnomomentoemqueoinimigoestáànossaporta!ArainhaHortense,porsuavez,sópensanumacoisa:salvaro imperador.Elaovêdiscutircomos

irmãos sem chegar a uma decisão e sabe que quantomais esperarmenos ele será senhor do própriodestino.Porsinal,Napoleãopareceindiferenteaisso.Essaatitudedeixaaprincesadesolada.ÉoqueelaconfidenciaaMadameMère.LetíciaBonaparteaestimulaafalaraesserespeitoaoimperador.

“Sire”,diz-lheela,“osfrancesesnãosãomaisdignosdevossapreocupação,poisvosabandonaram.Pensaiapenasemvósmesmo.Nãopercaisumsómomentonabuscadevossasegurança.

“SeoptardespelaAmérica,apressai-vosademandarumportoantesqueosinglesessejaminformadosdosacontecimentos.SeforaÁustria,estabeleceiimediatamentevossascondições.Osoberanohaverádese lembrarque sois seugenro.Quantoaos ingleses, seria conferir-lhesdemasiadaglória, e eles iriamencarcerá-lonaTorredeLondres.OimperadordaRússia15éoúniconoqualpodeisconfiar.Foiumdosvossosamigos,élealegeneroso.Escrevei-lhe,elehaverádesemostrarsensível.”

Napoleão ouve-a calmamente e, sem responder, pergunta-lhe sobre seus projetos: “Pretende partirparavossapropriedadenocampopertodeGenebra?”

A rainha não consegue dissimular certa irritação por se ver assim tratada como criança. “Ah!Nãoestoupreocupadacomigo,Sire”,exclamaela,“masapenascomVossaMajestade.Apiordasalternativasquerecomendoseriapreferívelàinatividadeemquevosvejo.”16

Emboraserecuseadebatercomarainhasobreo localdeseuexílio,Napoleãoé levadoarefletir,depois dos conselhos que dela recebe. Ele estava decidido a partir para a Inglaterra, mas agora seperguntaseaAméricanãoseriadestinomaisseguro.

NOPALÁCIODELUXEMBURGO

Réquiemparaosbravos

NopaláciodeLuxemburgo,aCâmaradosParesouveogeneralDrouot.Eleéaprópriaencarnaçãodameritocracia republicana.Origináriodeumafamíliadecamponesespobres,ogeneraléumautodidataquepassounoexamedeadmissãoàEscolaPolitécnicaeavançounacarreirasemcontarcomhonrariasnemriqueza.EmWaterloocomandavaaGuardaImperial.Seudepoimentosobreabatalhacontradiz,semdesigná-loexplicitamente,orelatodomarechalNey.

Drouotdescreveacoragemdossoldados,oderradeiroesforçoparavencerosinglesesearesistência

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opostaaosprussianos,quederepenteseapresentaramnocampodebatalha.Elerelataacargaimpetuosadoscavaleiros ingleses, rompendoas linhaseprovocandoaretirada,massedefrontandocomosdozebatalhõesdaGuarda,queentramemcombateencarniçado.

ACâmaraescutaDrouotmergulhadaemsilêncio religioso.Masocomoventediscursoconcluicomumamancada:

“Se empenharmos nesta grande crise a energia necessária”, afirma Drouot, “este mais recenteinfortúnio servirá apenas para engrandecer nossa glória. E que sacrifício haveria de custar aosverdadeiros amigos da pátria, nummomento em que o soberano, que um dia proclamamos e no qualinvestimostodaaconfiançanacional,acabadefazeromaisgenerosoeomaiordossacrifícios?

“Depois da batalha de Cannes, o Senado romano aprovou em votação agradecimentos ao generalvencido,poisnãodesistiradasalvaçãodaRepública,e tratousemdescansode lhe fornecerosmeiosnecessáriospararepararasperdascausadasporsuaobstinaçãoeseuserros.Numacircunstânciamenoscrítica,osrepresentantesdanaçãoacasosedeixariamabater,esquecendoosperigospúblicosemtrocadeinúteisdebatesinternos,emvezdepensarnaquiloqueseriaasalvaçãodapátria?”17

CompararNapoleãoaocônsulVarron,únicoculpado,segundo“ojulgamentodahistória”,daderrotainfligidaporCartagoàslegiõesromanas,énomínimoinadequado.InformadodaintervençãodeDrouot,o imperadorexclama:“PobreebravoDrouot,sempre inocente!FalardocônsulVarronaosereferiramim!QueinabilidadediantedeumaAssembleiafrancesa!EusounaverdadeAníbal,masumAníbalsemexércitoesemasilo,tendoospróprioscartaginesescomoimplacáveisinimigos.”18

AgafedeDrouotpassadespercebidadaCâmaradosPares,quemandaimprimirseisexemplaresdodiscurso. Após intervenção de Thibaudeau, é votada e aprovada resolução semelhante à de Manuel.Assim,oenterrodoImpérioacompanhaaoraçãofúnebredoGrandeExército.

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24.Queserádoimperador?

COMISSÃODEGOVERNO,TARDEDE23DEJUNHO

“Osinimigosdopainuncasãoamigosdofilho”

AComissãodeGovernoreúne-semaisumavezparaanomeaçãodosplenipotenciáriosquedevemiraoencontrodosaliados.LaFayette,Voyerd’Argenson,Sébastiani,PontécoulanteLaforestsãonomeados;BenjaminConstantédesignadosecretário.

Emgrausdiversos,todossãocapazesdeseadaptaraumarestauraçãodosBourbon.LaFayettealiou-se aLuísXVIII em1814, e não lhe será difícil repetir o gesto, embora deva suportar os ataques dosrealistasempenhadosemsevingardoenvolvimentodogeneralnaRevolução.QuandoNapoleãovoltouda ilha de Elba, Voyer d’Argenson ofereceu apoio ao rei. Assim como Benjamim Constant, ele estádisposto a aderir novamente aLuísXVIII, se o rei concordar em reformular aCarta em sentidomaisliteral. Em troca da manutenção de seu título e de sua função, Pontécoulant consentirá em ajudar oBourbonarecuperarotrono.Laforest,amigodeTalleyrand,professaopiniõesextremamenterealistas.OgeneralSébastiani,enfim,rompeuem1814comNapoleãoparaobterfavoresdeLuísXVIII.Esópensaemvoltarafazê-lo.1

Fouché pode ficar tranquilo: a predisposição favorável dos plenipotenciários a uma segundaRestauraçãoe,nocasodealguns,arecenteouantigainimizadeemrelaçãoaoimperadorgarantemquenão irão defender a causa deNapoleão II, ou que irão fazê-lo demaneira pouco firme. Informado damissãoedosnomesdosplenipotenciários,oimperadorconstata isso:“Seéverdadequeas instruçõesdadasvãonosentidodaminhadinastia,seriaocasodeescolheroutroshomens”,dizele.“Osinimigosdopainuncasãoamigosdofilho.”2

BenjamimConstantéoúnicodosplenipotenciáriosamanterrelaçõescomosaliados.EmboraVoyerd’Argensoneseusamigostenhamexperiênciadiplomática,otalentodelesnesseterrenonãolhespermitesustentardebatesdemaiorenvergadura.QuantoaLaFayette,quesevangloriadeterderrubadoNapoleãoexclusivamentecomsuaeloquência,eleestácegodemaispelavaidadeparasercapazdedesmontarasarmadilhasadversárias.

Desse modo, os plenipotenciários estão longe de se equiparar à inteligência e habilidade de umTalleyrand.FoioquepretendeuFouché,comosempreconsiderandoquetudotemdecomeçareacabaremsuaprópriapessoa.3Comgrandehabilidade, o presidente da comissãodestacouopatriotismoe apreocupação de independência nacional dos homens que escolheu, a fim de que fossem aceitos peloscolegas,emespecialporCarnot.

Apesardisso,obonapartistaBignon,provisoriamente incumbidodapastadasRelaçõesExteriores,empenha-se emdar instruções a seus negociadores, todos opostos à proclamaçãodeNapoleão II.Eleexplicaquesetratadapátria,cujasalvaçãoestávinculadaàindependêncianacionaleàintegridadedoterritórionasfronteirasde1814.Aindependêncianacionalsóécompletaàmedidaqueosprincípiosqueanimamasinstituiçõesestiveremimunesaosataquesestrangeiros.Ahereditariedadedotrononafamíliaimperialéumdessesprincípios.Pararespeitá-lo,BignonrecomendaquesebusqueoapoiodaÁustria.Esta, segundo ele, não pode admitir que um Bourbon seja rei na França enquanto outro Bourbon,

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FerdinandoIV,recuperaemNápolesotronoperdidopelopríncipeMurat,cunhadodeNapoleão.Nofimdas contas, o amor do imperador da Áustria pelo neto deve levá-lo a aceitar o ponto de vista dosnegociadoresfranceses.Asinstruçõesdoministroprovisórioacabarãonacestadelixo!

Blücher pretende mandar fuzilar Napoleão, como está autorizado no decreto de banimento doimperador pelo Congresso de Viena. Mas Bignon o ignora. Ele recomenda que se recorra “àgenerosidade pessoal dos soberanos para se conseguir uma residência que possa satisfazer aoimperador”.4

MINISTÉRIODASRELAÇÕESEXTERIORES,FIMDATARDE

“SeeuestivessenolugardeNapoleão,haveriademandá-lospassear”

Quepode esperarFouchéde umanegociação comos aliados?Thibaudeauquer se tranquilizar a esserespeito.VaientãoaoMinistériodasRelaçõesExteriores,ondeopresidentejantacomosmembrosdaComissão de Governo, osministros e os plenipotenciários – que nessamesma noite irão partir paracumprir suamissão.Os rostos e as falasdos convivas têmuma serenidadeeumaalegriaquechocamThibaudeau,aindamaisporquecontrastamcomagravidadedascircunstâncias.Fouchéopercebe.Trataentãodetomá-lopelobraçoeoconduzàsuacarruagem,ondeosdoistêmumalongaconversa.Aindaconsternadocomoespetáculoaqueacabadeassistir,ThibaudeauperguntaaFouché,comamargaironia:

–Nossosplenipotenciáriosacasosedirigemaumafesta?Ondeestãoindo?Quevãofazer?Oqueestáachandoaesserespeito,quaissuasexpectativas?

–Elesvãoseencontrarcomsoberanos–respondeFouché.–Estãoinstruídosaexigiraindependêncianacional,aintegridadedoterritórioe,antesdemaisnada,umarmistício.Estepontoéomaisimportante.Se o conseguirmos, deteremos os ingleses e os prussianos. Tenho motivos para crer que obteremoscondiçõesmaisfavoráveisdaÁustriaedaRússia.

–Umarmistício!Nãovaiconsegui-lo.Vocêmesmonãohaveriadeconcedê-lo,seestivessenolugardossoberanos.ElesqueremchegaraParis.SóDeussabeseosplenipotenciáriosconseguirãoencontrá-los,ondeequando.BlüchereWellingtonavançam,tudoserádecididoantesdoiníciodenegociações…Amenosquesetomemmedidas,assimcomoafirmedecisãodelhesfazerfrente!

–Certamente.Todasasmedidasforamtomadas.ÉoquesepodeconstatarpelaspropostasfeitashojeàsCâmaras.

–Integridadedoterritório?Perfeitamentecompreensível.Nãocreioqueascoisascheguemapontodeumapartilhadoterritório.Independêncianacional!Quesignificaisso?Quandoelaéexigida,éporquejánãoexistemais,oujánãosetemmaisaforçaouavontadededefendê-la.

–Éodireitodeescolhermosnossogoverno.–Supondo-sequeelafosseconcedida,oquenãocreio,quegovernohaveríamosdeescolher?–Éoqueveremos.–Issonãosignificanada.NapoleãoII,Orleans,aRepública,tudoissoserveapenasparadistrairos

tolos. Se as potências concederem algum direito, será apenas para que o usemos de acordo com aconveniênciadelas.

–Elasoreconheceramematossolenes.– Sim, como em 1814, para depois ignorá-lo solenemente. Reconheceram-no antes da batalha de

Waterloo, aodeclarar que exigiriamgarantias equenãopodiamcontemplarmelhorperspectivaque arestauraçãodosBourbon.Masdepoisdabatalha…

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–NossosplenipotenciáriosdeveminsistiremsuaexclusãoenosdireitosdeNapoleãoII.–Pareceoutrapessoafalando!Depoisdetudoquevocêfezparaafastá-lo!–Bemseiqueissonãoseráobtido.Masnãohámalnenhumemcomplicaranegociação.Trata-sede

umadeferênciacomaÁustria.Nãosedevetomaraúltimapalavracomopontodepartida.–Essasartimanhasdenadaservem,nãoestamostratandocomimbecis.–OutracoisaéqueaspotênciastragamdevoltaosBourbonsemimpornenhumacondição,equesó

aceitemosrecebê-losmediantecertasestipulações.–Trateentãodeassumirumaatitudedefirmeza,arregimentandooExército,reunindodepressatodos

osrecursos,mostrando-sedecidido,preparadoparaocombate.Casocontrário,seusnegociadoresserãoobjetodetroça.BlüchereWellingtonvãopassar-lhesaperna.Eoimperador?

–Suasegurançaesuainviolabilidadedevemserestabelecidas.–Issonãoquerdizernada.ElenãopodepermanecernaFrança.Paraondeiria?Queserádele?–Olocaldesuaresidênciaseráfixadopelaspotências.–Oquesignificaqueeleseráentregueaelas.–Faremoscomoem1814.–Em1814eletratoudepotênciaparapotência.–ElequerirparaosEstadosUnidos.–Como?–Pediuduasfragatas,easterá.–Eosingleses?–Elesnãoseoporão.Foipedidoumsalvo-conduto.–Eseelesseopuserem?–Negociaremosoutrolugar.–Seestivessenolugardele,seiperfeitamenteoquefaria.–Oquê?–Haveriademandá-losandaretomariaaminhadecisão.5Thibaudeau não se ilude, portanto: a negociação não passa de uma grande comédia cujo texto foi

escritoparaserignoradoporatoresquenãoentendemparaondeestãosendoconduzidospeloautor.Esterepresentanosbastidoresumapeçacompletamentediferente.

AnegociaçãopermiteaFouchéganhartempo.Eleaindahesitaentreospretendentesaotrono.Precisasaber qual deles convémaos aliados, podendo aomesmo tempooferecer-lhe as garantias que espera:manutençãodoliberalismopolítico,salvaguardadesuaposiçãoedesuasituaçãopessoal,proteçãoparaas pessoas e os bens dessa “turba de altos funcionários,marechais e generais”6 que lhe deram cartabrancaparanegociar.

Trêscandidatosàcoroa seapresentam:Napoleão II,LuísXVIIIeoduquedeOrleans,queFouchéjulgaencontrar-seemmeioaosexércitosinvasores.Ofilhodoimperador?Éumpeãonotabuleiro,umpeão com a função de influenciar os aliados em sua escolha, para depois influenciar o pretendenteescolhido.

Luís XVIII ou Luís Felipe de Orleans? Este último está mais de acordo com os princípiosrevolucionários aos quais Fouché ainda se apega. Ele dá, assim, instruções secretas aosplenipotenciários para que apoiem a candidatura do duque de Orleans caso considerem que ela temchancedeseraceitapelosaliados.

Naverdade,opresidentedaComissãodeGovernoacreditamaisnoapoiodossoberanosestrangeirosaLuísXVIII.Naincertezaquantoàsintençõesdosaliados,contudo,Fouchéprecisamostrar-seprudente,nãodesprezandonenhumdosmeiosdisponíveispara“voltaraoporto”.7Assiméquenessamesmanoite

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ele escreve a Luís XVIII e ao duque de Orleans. As cartas são encaminhadas ao campo inglês porGaillard.Ohomemdeconfiançaleva-ascosturadasnocoletedopaletó.8

Quanto aNapoleão,Fouché sabequeos inglesesnão estãomuito inclinados a lhe conceder salvo-conduto. Trata então de fornecê-lo ele próprio. A armadilha na qual o imperador deve cair já estámontada,easfragatasancoradaspararecebê-loeaoseuséquitonãopassamdeiscas.9

“Nostraíram…Estamosperdidos”

Apesar de todas as precauções, Fouché ainda teme o homem que abateu. Preocupa-se, antes demaisnada,comasreaçõesdoExército,queaindaconsideraemcondiçõesdereergueroimperadordeposto.

O moral dos soldados e oficiais, contudo, só piora. Frieza, desânimo e defecção caracterizam amaioria dos militares que se encontram em Paris.Muitos abandonaram suas unidades para flanar nacapital,comosetudoestivessefindo.

O trabalho nas fortificações avança sem convicção, e o marechal Lefebvre fica indignado.EncontrandoThibaudeau,elesequeixa:“Meucaro,nostraíram,fomosentregues,estamosperdidos.”Nomomento em que o inimigo logo estará às portas de Paris, o marechal Masséna afirma aos guardasnacionaisquesuamissãoprimordialé…manteraordempública!Omarechaldeclaraaoscolaboradoresmais próximosque se recusa a sustentar umcercoque exponha seu castelo e seupalacete às chamas.Quasetodososmarechaisegrandepartedosgeneraisassumemamesmaposição.10

Oúnicocorpodecerta formaconsiderávelqueaFrançapodeoporaos invasoreséodeGrouchy,comandante em chefe doExército doNorte, com cerca de 30mil homens.Tudo omais não passa deescombros.Entretanto,aoseranunciadaaabdicaçãodoimperador,adesordemeadeserçãoseagravam,nãopoupandosequerastropasdeGrouchy.

MasDavout,ministro daGuerra, faz o que está a seu alcanceparamanter a ordemnas fileiras doExército.Anuncia-lheaabdicaçãocomcuidado,apresentandooaugustochefenotérminodesuacarreiracomoomaisheroicoemseusacrifício,depoisdetertentadotudopararestabelecerapaznapátria:“Elerenunciaaosupremocargo”,escreve,“edessamaneiraforçaosinimigosamostrarseforamsincerosemsuasdeclarações,esefoidefatoexclusivamenteàsuapessoaquedeclararamguerra.”

Para que o sacrifício deNapoleão não seja inútil,Davout convida os soldados a combater: “Se aEuropaconsentircomapaz,aFrançahaverádedevê-laaNapoleão;senossosinimigosforampérfidos,bravosguerreiros,opondeumabarreirainexpugnávelaseusesforços.Umagrandenaçãoquedefendesuaindependêncianãopodesersubjugada.”

Oministroconcluicomumaexortação:“Napoleãofaztudoaquiloquedependedele;sacrifica-senoaltardoódiodeseusinimigosparapouparovossosangue;estaisempreprontosparaderramá-lopelapátria.”

A 23 de junho, o ministro conclui suamensagem ao Exército comunicando-lhe que a Câmara dosRepresentantes proclamou Napoleão II, conferindo-lhe os direitos que lhes são transferidos pelaabdicaçãodopai.11

Davout escreve também a Soult, general de brigada do Exército, recomendando que impeça quequalquerdestacamentodaGuardafaçaemdireçãoaParismovimentossuscetíveisdecausarospioresefeitos. “Divulgue a todos”, recomenda, “que a abdicação do imperador é absolutamente voluntária editada pelos nobres sentimentos que o tornaram tão caro ao povo francês.Amelhor demonstração deapreçoqueosbravospodemdar-lheémanter-sefiéisaessasmesmaságuiasqueaindasãonossosignodearregimentaçãoecontinuarademonstraraboadisposiçãoquesempreosanimou.”

Emvão.Os soldados daGuarda abandonamas fileiras protestando contra a traição, juntam-se aos

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militaresquevoltamparacasaouafluemparaacapital,segundodeclaram,paraserúteisaoimperador.Soult,porsuavez,vale-sedopretextodaabdicaçãoparademitir-se.“Rogo-lhequeconsidereminha

missãocumprida”,escreveeleaDavoutem23dejunho.“Nãotenhomaiscondiçõesdedarcontinuidadeameusserviços.”

OpaláciodoEliseuatacadoaqualquermomento…

Fouché teme a reação do Exército e se preocupa ainda mais com a atitude dos federados. Já os vêarrastando a população dos subúrbios e incitando o imperador a assumir a vanguarda. Por mais queremunerecontramanifestanteserepitaparasimesmoqueopovoreunidoaoredordoEliseuéformadoapenasporexaltadosoubandidosasoldodoprefeitoRéal,12ofatoéquenãoconseguesetranquilizar.

Paradirimiroperigo, sóháumasaída:obrigarNapoleãoa seestabeleceraalgunsquilômetrosdeParis, à espera de sua partida da França. Para isso, Fouché decide jogar com o temperamentodesconfiadodeNapoleão.FazcomquecheguemaoEliseunotíciasoficiosasadvertindocontraprojetosde assassinato do imperador, e se vale disso como pretexto para reforçar a guarda do palácio.13 Eleprovoca comoção noEliseu ao enviar um emissário do generalHulin para avisar que o palácio seráatacadoaqualquermomento.Todospassamaesperar,masnadaacontece.

ÉfácilsequestrarouassassinarNapoleão.Opalácio,quedezdiasantes“maleracapazdeconteraávida multidão de ambiciosos e bajuladores”, esvaziou-se de repente e já não passa de uma “vastasolidão”.Foiabandonadoportodososhomens“semfé,semhonra,atraídospelopodereafastadospeloinfortúnio”.Algunsvelhosgranadeirosaindamontamguarda,eumúnicovigiaposta-seàportadaquele“queemoutrostemposcontousobsuasbandeirasmilhõesdesoldados”.14

Osquecercamosoberanotêmmedoeoexortamapartir.Éprecisoagircomrapidez,osaliadosseaproximameLuísXVIII,segundosediz,prepara-separasejuntaraeles.

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25.OsonhodocidadãoBonaparte

MONS

“PríncipedeTalleyrand,osenhornosabandona?”

Namanhãdodia23,TalleyranddeixaBruxelasechegaaMonspassandoporHalparaevitaroscamposdebatalha.ChegaàcidadeonderesideLuísXVIIIàs18h.Hásemanasoreideu-lheordemdejuntar-seaele.Prudente,Talleyrandesperouadecisãodasarmas.

RepresentandooreinoCongressodeViena,Talleyrandsaiudeláreconhecidocomohábildiplomata.Deviasesentirsatisfeito,masestáfurioso.Tentouimpediraviagemdoreinacompanhiadosingleses,masfracassou.Talleyrandesperavaserouvidopelosoberano,masvaiencontrá-loescutandoseuspioresinimigos: o duque de Blacas, conselheiro íntimo do rei, e o conde de Artois, seu irmão. Os dois seodeiam,massepõemdeacordonahoradeseoporàpolíticaliberalpreconizadaporTalleyrandparaamonarquiarestaurada.

Talleyrandtemohumordeumreique“julgasuaautoridadeignorada”.ComoChateaubriandoinciteapedirumaaudiênciaaLuísXVIII,eleserecusa:“Jamaistenhopressa”,afirmaele.“Omomentochegaráamanhã.”1

Hámuitotempooreieseuministrosedetestam.Aindajovens,haviamdisputadoasgraçasdasra.deBalbi. Políticos, rivalizaram, no início da Revolução, para ocupar o papel principal na França. NoImpério,Talleyrandespionouopretendenteàcoroa,tentoumandarsequestrá-loeemseguidaempenhou-seemcomprarsuarenúnciaaotrono.Em1814osdoisentenderamquetinhamuminteresseemcomum:aquedadeNapoleão.

Talleyrand deixa a paixão na porta de qualquer negociação. Por sua vez, o rei distingue, entre oshomensaoseuredor,osquesãofiéis,muitasvezessemexperiência,eosúteis,experientes,maspoucoconfiáveis.Talleyrandéumdestes.Trataentãodeusá-lo,cuidandoinvariavelmentededeixarbemclaraparaoseuministroadistânciaqueossepara.2

O rei convida o príncipe para cear. Os dois não chegam a trocar duas palavras. O soberano,suspendendo essa atitude de desprezo, concede pouco depois uma audiência a Talleyrand. Esterecomendaqueelenãosigaosaliadosatéacapital,masquesedirijaaumacidadecomoLyon,livredequalquerameaçaestrangeira,paraláestabelecerseugoverno.Einsiste:queoreisóvolteaParisquandoacidadeestiver“livredossediciososedequalquerforçaestrangeira”.3

Passando a tratar de política interna, Talleyrand recomenda ao rei que reconheça publicamente oserroscometidosduranteaRestauração,quealienaramumapartedaopiniãopública.Distantedequalquerespírito de revanche e vingança, o soberano deve empreender decididamente uma política liberal:liberdadesindividuais,liberdadedeimprensa,independênciadoJudiciário,responsabilidadesolidáriadosministros,separaçãodospoderes.

LuísXVIIIouve,masnãoquersaberdenada.Oministroseexalta,ameaçademitir-seepartirparaumaestaçãodeáguasnaAlemanha.Obtémapenasoafastamentodeseurival,ofavoritoBlacas.

Namanhãseguinte,às8h,oreiprepara-separaentrarnumacarruagemedirigir-seaoquartel-generaldeWellingtonemCateau.Aoseracordado,Talleyrandrecebeainformaçãocomsobressalto.Veste-seàs

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pressas,apoia-se,aocaminhar,nobraçodeRicé,umdeseuscolaboradoresmaispróximos,emurmura:“Manipulado!Traído!”Chegandoaopaláciodorei,vêacarruagemsaindopelaportaprincipal.Ricéfazsinalparaqueococheirosedetenha.Oreiseinforma.

–Sire,éosr.deTalleyrand.–Eleestádormindo–retrucaosoberano.–Ei-lo,Sire!Fingindoespanto,osoberanointerrogaseuministro:“PríncipedeTalleyrand,osenhornosabandona?

Aságuasvãolhefazerbem.Nãodeixedenosdarnotícias.”Tailleyrand não cairia por muito tempo no desfavor do rei. Mas o desentendimento, apesar de

passageiro, vem carregado de consequências. Ele revela as hesitações do rei quanto à política a seradotadaemrelaçãoaossúditoseàspressõessobreeleexercidaspeloselementosmaisreacionáriosdeseuséquito.Pormaisqueestejaprevenidohámuitotempodasiniciativasdesajeitadasdoirmão,elenãoconsegueescapar.Amanhãviráavingançaouaindulgência?Oesquecimentodasafrontaspassadasounovamenteoderramamentodesangue?Pazouguerracivil?

Nacapital,aclamaçõesdeunsevociferaçõesdeoutrosacabamporceder.Reinaacalma.Pelomenoséesteoconteúdodosrelatóriospoliciaisqueosjornaisparisiensescomeçamadifundir.

PARIS,GRÁFICADOJOURNALDEPARIS

OcrimedeAdélaïdePetit

NagráficadoJournaldeParis,tipógrafoseimpressoresaguardamdiantedesuasmáquinas.Aediçãodosábado, 24 de junho, está quase fechada, faltando apenas o relatório da chefatura de polícia sobre ascondições na capital. Quando ele finalmente chega, o revisor examina a prova com os tipógrafos,cortandoaquiealiparaganharalgumaslinhasnasinformaçõesgerais.

Segundoorelatóriopolicial,anoitefoicalma.AGuardaNacionalnãoencontroudificuldadesparafecharasaladosfederadosnaruadeGrenelle;apenasalgunsoperáriosaindadavamvivasa“NapoleãooGrande!”.NoPalais-Royal,apolícia temiaa repetiçãodasmanifestaçõesocorridasnavéspera,nasquais“moçasdepoucavirtude”sehaviammisturadoaosagitadores.Masnadaaconteceu.ComocorreraoboatodequesediciosospretendiamtomarospostosdaGuardaNacional,váriosindivíduos“dejuízoaparentementeperturbado”foramdetidos.

Naverdade,apolíciadescobriuumcomplôparatomararsenais,armarossubúrbios,marcharparaoEliseuedevolveraNapoleãoacoroaimperial.Ànoite,aGuardaNacionalcercouaregiãodapraçadoTronoedeteveduzentaspessoas.4Opúblicodenadasoubera.

Orevisornemtemtempodesequestionarquantoaosmistériosdadesinformaçãoministerial.Precisaencontrar espaço para o relatório da polícia. Pretendia anunciar os ensaios de Washington ouL’Orpheline de Pennsylvanie pela companhia dos atores do Ambigu. A peça foi concebida paraespicaçar a curiosidade do público. No momento em que os franceses lutam por sua independência,“convém”,escreveuoredator,“lembraressepovoquetantossacrifíciosfezparaconquistaraliberdadeeessesfrancesesgenerososquecontribuíramdeformatãodenodadaparaadefesadecausatãobela”.Tantopior.Oanúncioserápublicadonaediçãodedomingo.Viráacopladoaumartigosobreachegadaàcapitaldeumamultidãodeferidosdeguerra.SetecentascamasadicionaisforaminstaladasnohospitalHôtel-Dieupararecebê-los.

Comonosepisódiosanteriores,o jornalnadadirá sobreoêxododemilharesdehomens,crianças,

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mulheresevelhosfugindodoinimigoqueseaproxima.Osrefugiadoscomeçamaatravessarossubúrbiosdacapitalcomseusanimaisesuascharretescheiasdosbensmaisvaliosos.5

Paraa composiçãodaediçãodominical, o revisor terámaisumavezde jogar com letras e linhas.Muitas informações precisam ser acomodadas. É o caso do julgamento de Adélaïde Élizabeth Petit,jovem de boa família que há doismeses estrangulou o filho recém-nascido.O julgamentomobiliza aopinião pública.E o redator do jornal pretende dedicar duas colunas inteiras ao processo, que acabaabsolvendoaassassinaemvirtudedesuas“qualidadesmoraisreduzidas”.Afimdeabrirespaçoparaojulgamento,seránecessáriocondensarasinformaçõessobreodestinodoimperador.6

Antesdeacionarasmáquinas,orevisordáumaderradeiraolhadanaúltimapágina.Eficatranquilo:acotaçãodos jurosnão foi esquecida.Ontem, ela caírapara55 francos, ao ser anunciadaa abdicação;agoravoltaasubirpara59francos!

PALÁCIODOELISEU

“PorquenãoaAmérica?”

Antesdesedeitar,Napoleãorefletesobreseuiminenteexílio.Seriaocasodeanteciparapartida?Éoque lhe recomendaRovigo.Durante todo o dia, o duque não se cansou de repetir-lhe que Fouché sevaleria das vantagens de sua posição para arruiná-lo. “A morte do imperador é necessária para asegurançadavidadeFouché”, avisou. “OpresidentedaComissãodeGovernoconhecemuitobemasrevoluçõesparaseexporaumpossívelretornodeNapoleãoaopoder.”Outraspessoasdeseucírculolhe confirmaramque, senecessário,Fouché seriaperfeitamente capazde entregá-lo aos inimigosparasalvaraprópriapele.

Um incidente comprova a intenção do ex-ministro da Polícia demanter o imperador à suamercê.Antecipando-seàpartidadosoberano,RovigovaibuscardinheironaTesourariadaCoroa.Malrecebeasomasolicitada,echegaaordemdebloquearqualquercréditoenão liberar fundoalgumemfavordequemquerqueseja.7

Napoleãoagoraestáconvencido:precisapartir,erápido.Mascomquedestino?AInglaterra?Nofimdanoite,Lavalette,queacreditanagenerosidadedopovoinglês,aconselhara-oasolicitarhospitalidadeàGrã-Bretanha.MasogeneralFlahautde laBillarderie reiterouaadvertênciada rainhaHortense:asinstituições inglesas são excelentes para os britânicos, mas os estrangeiros não são autorizados adesfrutardesuasvantagens.Oimperadorencontraráapenasopressãoeinjustiçanessepaís.Anaçãonãoserá consultada sobre o tratamento a lhe ser dispensado, e, em vez de encontrar proteção, ele serásubmetidoaospioresinsultos.

E a América, mais exatamente os Estados Unidos? Lavalette objetou que seria imitar o generalMoreau,opiorinimigodoimperador,queforamortonocampodosadversáriosdaFrança.8MasemboraogeneraltenhadeixadoamigosnaAmérica,seriaesterealmenteumargumentoparanãobuscarasiloali?Transformado no cidadão Bonaparte, o imperador desfrutaria na América de uma liberdade todaespecial,numcontinentebemàsuamedida.“Láépossívelpercorrermilquilômetroseserigualatodomundoemqualquerlugar.Qualquerumpodeperder-senamultidãocomobemlheaprouver,semnenhuminconveniente,comseuscostumes,sualínguaesuareligião.”

Napoleãocomeçaasonhar:instaladonaAmérica,mandaráchamarosamigosmaispróximos,quesetransformarãononúcleodeumapátrianova.“Antesquesepasseumano,osacontecimentosdaFrançaeda Europa haverão de agrupar a seu redor milhões de indivíduos, em sua maioria dispondo depropriedades,talentoeinstrução.”9Estádecidido:eleiráparaapátriadeBenjamimFranklin.Porsinal,

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osEstadosUnidos,lutandoentre1812e1814contraoimperialismoinglês,nãoempreenderamomesmocombatequeaFrançanapoleônica?

O imperador trata, portanto, de reiterar suas ordens a Decrès: que as fragatas Saale eMéduse,ancoradasemRochefort,estejampreparadasparalevantarâncora.OministrodaMarinha,maisumavez,responde que só entrará em ação depois de receber o aval da Comissão de Governo, vale dizer, deFouché.

Semmais esperar, o imperador prepara-se para partir. Reúne toda a sua correspondência com ossoberanosealgumascartasautógrafasqueem1814escaparamàsbuscas.OrdenaaFleurydeChaboulonquequeimeaspetições,cartasemensagensrecebidasdesdesuavoltadailhadeElba.

Fleury de Chaboulon está empenhado em destruir os arquivos quando Napoleão, passando pelogabinete onde ele se encontra, tira-lhe bruscamente uma carta dasmãos. Ela traz a assinatura de umduque.Depoisdelê-la,oimperadoradevolveaFleury,sorrindo:

“Nãoqueimeesta,guarde-aconsigo.Sevieraserincomodado,elaseráumaexcelenterecomendação.Oduquenãoseeximirádejuraraosoutrosqueconservouporelesumacastafidelidade,equandosouberqueosenhortememmãosaprovamaterialdequesepuseraameuspés,equeeunãoquissaberdelenemdeseusserviços,haverásecolocardequatroparaservi-lo,temendoqueosenhorabraaboca.”

Osoberanoestágracejando,pensaFleurydeChaboulon.Percebendoquenãooconvenceu,Napoleãoreiteraseuconselho:

–Não,estoudizendo.Nãoqueimeestacartanemasdeoutraspessoasdeigualtendência:eudou-asaosenhorparaquelhesirvamdesalvaguarda.

–Mas,Sire–objetaFleurydeChaboulon–,sereiacusadodetê-lasroubado.–Secriaremcaso–diz-lheoimperador–,osenhorosameaçarádemandá-lasimprimirnaíntegra,e

elessecalarão:euosconheço.Napoleão não esperou a hora de ser abandonado para perder as ilusões quanto a juramentos e

promessasdefidelidade.Sabehámuitotempoqueosqueocercamfazempartedomundodasmarionetesmanipuladaspordiferentessenhores,aseubel-prazer.

Oimperadorvoltaaseusaposentos.Nessanoite,ovaletenãoconstataqualqueragitaçãoespecialnoimperadordeposto.

MasNapoleão,monarcasemcetronemcoroa,aindareinadurantemuitotemposobreaFrança.Paraamaioriadosfranceses–semmuitasinformações,emvirtudedademoradascomunicações–,Napoleãocontinuaaseroimperador.OshabitantesdeBaiona,porexemplo,sótomamconhecimentodaabdicaçãoem29dejunho,eosdeDigne,em2dejulho.

DastorresdeNotre-Dameaoscampanáriosdasigrejasdecidadesealdeias,élongoovooderecuodaáguia.ElaéacompanhadapelavozdeNapoleão.Coma“Declaraçãoaosfranceses”,aáguiafaladosacrifícioaceito,daconcórdiadesejadaedaredençãogarantida.Eaindapodeserouvidaemmeioaorufardostamboresdosinimigos,aosgritosdevingançadosrealistaseaosurrosdeterrordosseguidoreschacinadosdoimperador.

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Epílogo

NapoleãodeixaParisem25dejunho,emdireçãoaocastelodeMalmaison.ArainhaHortenseorecebe,eelelápermaneceaté29dejunho.Durantecincodias,FouchéeaComissãodeGovernooexortamairparaRochefort.Talcomopediu,aSaaleeaMéduseestãoàsuaespera.Entretanto,semsalvo-condutoinglês,Napoleãorecusa-seapartir.

Logoo inimigoestácercandoacapital, ea29de junhoo imperadorpropõeàcomissãoassumirocomandodoExército.Afirmaquedeterá as tropas inimigas, dando tempoaogovernoprovisórioparanegociar com as potências. Cumprida suamissão, promete exilar-se para sempre. Proposta rejeitada:“Acaso estará zombandodenós?”, perguntaFouché.E acrescenta: “Jánão sabemos comoele cumpresuaspromessas?”

Napoleão conforma-se em ir para Rochefort. Sem passaporte, o porto é para ele uma prisão, e aSaale,umcárceremantidopelaesquadrainglesaancoradaaolargodailhadeAix.Assoluçõesquelhesãopropostasparaescaparimplicamabandonarosqueoacompanham,eeleasrejeita.Aarmadilha,emgrandepartemontadaporFouché,vaise fechando:Napoleãovê-seobrigadoaesperarqueosaliadosdecidamseudestino.

A 13 de julho, ele decide pedir asilo à Inglaterra. Escreve ao regente que, encerrada sua carreirapolítica,elevem“comoTemístoclessentar-seàcasadopovobritânicoesubmeter-seàproteçãodesuasleis”. No dia seguinte, sobe a bordo do Bellérophon. Napoleão julga embarcar com destino à Grã-Bretanha;transferidoparaoNorthumberland,elecomeçaumaviagemqueolevaráaofimdomundo.

Em7dejulho,osaliadosentraramemParis;dissolvidoogovernoprovisório,oreifoirestauradoeformou-se um ministério Talleyrand-Fouché.1 Na Áustria, a imperatriz Maria Luísa escreveu ao pai:“SoubecomgrandealegriaqueoreiLuísXVIIIretornouàcapital,oquemetranquilizouarespeitodeuma quantidade de boatos tolos que circulavam…”2 “Boatos tolos?” A proclamação de seu filhoimperador!

Entrejulhoesetembro,bandosderealistasentramemconfrontonosuldaFrançacomosbonapartistaseossobreviventesdojacobinismo,massacradosàscentenasemMarselha,AvignoneNîmes.OmarechalBruneeogeneralRamelsãoassassinadosporeles.

O Terror legal acompanha o Terror branco, sucedendo-o. No caminho entre Waterloo e Paris, ogeneralLaBédoyèrepreviraqueseriafuziladoseNapoleãoabdicasse.Condenadoàmorte,eleprópriocomanda o pelotão de fuzilamento pelo qual é abatido. Os generais Faucher, Mouton-Duvernet e omarechalNeytambémsãofuzilados.

A20denovembro,depoisqueosegundoTratadodeParisreduziuaFrançaasuasfronteirasde1790,opaíséobrigadoapagarpesadíssimaindenizaçãodeguerraeamanterdurantetrêsanosumaforçadeocupaçãode150milhomens.Aderrotaabate,humilha,divide,machucaocorpoeaalmadaFrança.Masengrandeceoimperadorvencido.

Acorrentado à rocha de Santa Helena, Napoleão ganha o perfil de um messias. Militares e civisfazem-se seusapóstolos.OMemorial é suabíblia, a “Declaraçãoaopovo francês”,o testamentoqueveneram.AexemplodeLaBretonnière,quesefezpoeta,osseguidoresdonovocultocantamavidaeosacrifíciodeNapoleão.Edivulgamsuamensagem,naqualestãoinscritososprincípiosuniversalistasde1789.

Osapóstolos transformam-seemcruzados.PercorremàscentenasoscaminhosdoVelhoedoNovo

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Mundo,pregandodearmasempunhoaliberdadedospovoseaemancipaçãodasnações.LutamaoladodeBolívarpelaindependênciadaAméricaLatina,misturam-seaosinsurretosnapolitanosepiemonteses,oferecemsuaespadaaos liberaisespanhóis, suavidaaosgregos revoltados.Em1830,participamdasbarricadasparisienses,apoiamospatriotasbelgasesocorremospoloneses.3Agememmemóriadeseuchefe, considerando-o herdeiro daRevolução emártir que se sacrificou para nãomais se derramar osanguefrancês.

Napoleãorealmentetinhaoutraescolhasenãoabdicar?Emmarçode1815,opovooaplaude.Suavoltadoexíliopareceumasegundarevoltaquepõeem

causaalegitimidadedosBourbon,aomesmotempoqueexpulsaumaaristocraciaimbecil.Resultadodeummovimentopopular emilitar, a nova revoluçãomobiliza umcortejodemanifestantes queparecemsaídosdiretamentedascidadesedasaldeiasde1789.Oscamponeses, sem terrasouproprietáriosdealgumasparcelas,avançamladoaladocomoperárioseartesãosquetêmcomoriquezaapenasosbraçosea família.Estão todosexasperadoscomosexcessose a arrogânciadeumaaristocraciaqueameaçarestabelecer, coma ajuda do estrangeiro, os privilégios, os direitos senhoriais e os dízimos. “Volto aencontrar”, constata Napoleão, “tão universal e violento quanto no início, o ódio aos padres e ànobreza.”4

Membros da burguesia acompanham e tentam organizar o povo das cidades e do campo. Em suamaioriasãopequenospatrõesque,aoladodeseusassalariados,manuseiamagarlopaeomartelo,arodadotearea lançadeira,ouatendememsuaslojasportrásdobalcão.Funcionários,agentesechefesdeescritóriodosministériosedasadministraçõeslocaistambémsejuntamaeles.

Amaioriadosproprietáriosedosnotáveisfogedeles.Nãoéentrecomerciantesebanqueiros,entrehomensdenegócioseespeculadoresqueachegadadeNapoleãoprovocaalegriaeentusiasmo.5Nessesentido,1815lembramais1793que1789:paravenceroinimigointernoeoadversárioexterno,sóumapartedaburguesia,formadadejacobinosebonapartistas,consideraindispensávelaajudadopovo.Nocontextodeumaditaduradesalvaçãopública,essespequenosnotáveisdispõem-seaassociarmedidassociaisàdefesanacional.Aseusolhos,Napoleão,maisqueummonarca,éummagistrado,ohomemdasalvaçãopública.

Porsinal,opróprioimperadorsustentaessaambiguidade.NoiníciodosCemDias,porexemplo,dáaentender várias vezes que se tornara novamente jacobino. EmLaffrey, vale-se da palavra “cidadãos”parasereferiraoscamponesesesoldadosdequesecerca.Promete,porfim,engabelarpadresenobres.6

Esse vocabulário aterroriza os burgueses liberais. Para eles, omovimento popular é anarquia, e aditadura de salvação pública, um empreendimento demagógico.O paradoxo é que os notáveis dão ascostasaomonarcanoexatomomentoemqueeleos tratamaiscomoassociadosdoquecomosimplesintermediáriosdopoder.

Osdeputadosliberais,porsuavez,nãoveememNapoleãoummonarcaconstitucional,masumCésar,umadversáriodaliberdade.ÀsvezesmaisinteressadosnainstauraçãodeumParlamento“àinglesa”doque na organização da defesa nacional, os representantes do povo preparam-se, depois de algumasprotelações,paraestenderamãoaosrealistas.Eteriamoutrasaída?Elesencontram-senumisolamentoaindamaiorqueodoimperador.Nãotêmaapoiá-losnemopovonemoExército.EaGuardaNacional,por mais que deixe clara sua hostilidade a Napoleão, não está muito disposta a investir contra asbarricadas.

Masarevoluçãopopular,jacobinaepatrióticade1815éparalisadaporsuasprópriascarências,maisdoquepelaaçãodosburguesesliberaisouadesconfiançadaquelequelevouaopoder.

Carência territorial: desde o início as regiões em que os bonapartistas e jacobinos são influentesocupamapenasumespaçoreduzido,emgrandeparte,aocentroeaolestedaFrança.Aguerraoreduzaindamais.Os franceses aspiram à paz, o Império volta amergulhá-los no horror dos combates, sua

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vontadededefesadefinha,seupatriotismosedesgastaeseuapegoaoimperadorenfraquece.Emjunhode1815, a zonade fidelidade já recobre apenas28departamentos situados entreAngoumois eBerry,BourbonnaiseBorgonha,NivernaiseOrléanais,umapartedoDelfinado,ChampagneeLorena.7

Emcompensação,aquelesqueseopõemàRevoluçãode1815continuamfortesemvastasextensõesdeterrasmuitopopulosas,nasquaisomovimentoantifeudaleanticlericalpraticamentenãotevequalquerressonância:onorte,inclusiveaPicardia;ograndeoeste,incluindoNormandia,MaineeAnjou;amaiorparte de Aquitânia, Maciço Central, Languedoc e Provença. Presente nessas regiões desde 1792, acontrarrevoluçãorealistadeuprosseguimentoàsuadisseminaçãoduranteoImpério.

OpróprioNapoleãodeuaseuspiores inimigosmeiosdemantervívidoo realismo,aopraticaraté1814umapolíticadeamplaanistiaemrelaçãoaosémigrésedevolver-lhessuaspropriedadesaindanãovendidascomobensnacionais.8Aquieali,oscamponesesqueavançaramumpoucocomaRevoluçãode1789 voltam a adquirir o hábito de baixar a cabeça e obedecer, como dizem, ao “nosso senhor”. ARestauração amplia ainda mais os terrenos de enraizamento do realismo. Finalmente, o expurgoincompletodasadministraçõeslocais,naépocadosCemDias,permiteamuitosnobresconteraaçãodejacobinosebonapartistas.

Ascarênciastambémdizemrespeitoàorganização,aosresponsáveiseseguidoresdomovimentodeapoioaNapoleão.Pormaisqueasfederações,aexemplodosclubesesociedadespopularesde1793,congreguempequeno-burgueses,militares e um amplo leque das classes trabalhadoras, o fato é que arede por elas montada através da França são menos densas que a dos jacobinos no ano II. Seusseguidores são muito menos numerosos que as centenas de milhares de militantes que povoavam osclubes e sociedades populares na época de Robespierre.9 Finalmente, faltam líderes e militantesexperientes.

AculpaéaomesmotempodaRevoluçãoedoimperador:aquela,entre1794e1799,dizimouaelitesans-culotteoujacobina,esteconcluiuotrabalhoderepressão,eliminandodirigentescujaausência,em1815,tornaimpossível,oumuitodifícil,umaeventualmobilizaçãogeraleaformaçãodeumgovernodesalvaçãopública.

Desse modo, o Napoleão autocrata de antes de 1814 enfraquece antecipadamente o movimentobonapartistade1815,eoNapoleão liberalde1815, recusando-seaseapoiarnummovimentode tipojacobino,geraparasimesmoeparaseuregimeascondiçõesqueoimpedemderepetir1793.10

EmsuasMemórias,BenjamimConstantprestahomenagemaoespíritodesacrifíciodeNapoleão.Paraele,omonarca,“contandocomosdestroçosdeumexércitoaindainvencíveleumamultidãogalvanizadapelosomdoseunome”,preferiuabrirmãodopoder“adisputá-lopelomassacreeaguerracivil”.Oescritorconcluifrisandoque,nessaoportunidade,osoberano“mostrou-seàalturadaespéciehumana”.11

BenjamimConstant e os historiadores que há dois séculos ecoam suas palavras desconhecem umaverdade:Napoleãoabremãodeumasoluçãoquenãochegaaserumasaída.12Elenãotemmaisdinheiropara dar prosseguimento à guerra pormuito tempo. Faltam-lhe soldados, e os que ainda tem sob seucontrole estão em suamaioria desmoralizados.Os bonapartistas ligados aos jacobinos não são afinalnumerososobastantenembem-organizadospara lhepermitir, sedesejar, sacudir a inércia egerarumentusiasmonacional redentor.13Napoleãonadamais pode fazer alémdedesencadear umaguerra civilperdidadeantemão.Estácondenadoaabdicar.

Odesenlacefataldoseuempreendimentojáestápresentenomomentoemquedesembarcanolitoralfrancêsemmarçode1815.Apanhadoentreairresistívelinvasãodecentenasdemilharesdeestrangeiroseafragilidadedoapoiointerno,Napoleãopodeefetivamenteganharumaouduasbatalhas,masnofimsuaderrotaestágarantida.Fouchéocompreendeuprontamente.

Se tudodevia serabandonadoeperdido,nãohácomodeixarde reconhecerque“aempreitadaeramais sedutora que sólida”.14 Ela fascina pela vontade de forçar o destino emostrar-semais exaltado

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quandovencidoecaídoporterradoquecomovencedoredepé.15Aempreitadatambémseduzpelosurgimentodesse“fantasma”que,personificandoaRevolução,faz

“tremeroVelhoMundo”elevajáagoraosreisa“reinardesconfortavelmente,tendonohorizontearochadeSantaHelena”.16

Nessesentido,aabdicaçãoestámenosenvoltanocrepúsculodeumdeussacrificadodoquena luzdoshomensquerompemcadeias.

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Anexo:Ovoodaáguiaaoinverso

EmnomedeNapoleãoI,imperadordosfranceses

EnquantoemParisosdeputadosaindadebatemseosatosoficiaisserãoredigidosemnomedanaçãoouno deNapoleão II, a vida pública continua a se desdobrar no interior, sob a égide deNapoleão I.Oanúnciooficialdaabdicaçãodosoberano,naverdade,chegacomatrasodeumaquinzedias.

Nesse sentido, o mapa que traçamos com informações recolhidas nos arquivos da Secretaria deEstadoedaPolíciaGeralrevelaaexistênciadepelomenosduasFranças.AonortedeumalinhaquevaideRennesaMetz,ascidadesdeprefeituraousubprefeitura tomamconhecimentodanotícianomesmodia,ou,nomáximo,passadosdoisdias.AlgumasemdecorrênciadaproximidadedeParisedoenviodecavaleiroslevandoainformaçãoaosexércitosemcaráterdeurgência.ÉocasodeChâteau-Thierryedascidadesepovoadosdascercanias.

O general Morand recebe a notícia no dia 22 à noite e a transmite ao inimigo, solicitando ainterrupçãodoscombates.Amaioriadascidadesdeveserrapidamenteinformadaatravésdosveículospúblicos que, partindo de Paris, podem se valer de uma boa rede de vias de comunicação fluvial outerrestre. Rouen é informada em um dia,1 Caen, Le Havre, Rennes e Tours,2 em dois dias. Outraslocalidades,comoLille,MetzeLyon,3sãocomunicadasportelégrafoaéreoeretransmitemainformaçãoparaEstrasburgoouBelfort.4EstafetastambémpartemdeLyonemdireçãoaSaint-Étienne,GrenobleeMarselha.5

AmaiorpartedascidadesdaregiãodeLanguedoc-Roussillon6éinformadadaabdicaçãoporveículopúblicooupelocorreio,comcincoasetediasdeatraso.Toulouse,informadadepoisdeapenastrêsdias,divulgaanotíciaaoseuredor.7EmBordeaux,a24dejunho,oprefeitoaindatemcomoúltimanotíciaabatalhadeWaterloo.Recomendaaosmairesdodepartamentoqueoponhamresistênciaaosboatos.Elesdevem informar aos cidadãos sob sua responsabilidade que só a traição explica a debandada de umapartedoExército.OprefeitoafirmaqueantesdabatalhadomonteSaint-JeanNapoleãoobtiveraduasvitóriasconsecutivassobreosingleses,conquistandodelesseisbandeiras.OmagistradoesclarecequeoExército se reorganiza emAvesnes ePhilippeville, e queo imperador está apontode tomarmedidasenérgicas,comaajudadasduasCâmaras.8

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4.Oanúnciodaabdicação

Oanúnciodaabdicaçãochegaàsregiõesmontanhosascomatrasodeseteaquinzedias.NaregiãodeCantal,Aurillacsóficasabendododesastrea27dejunho.9NosBaixosAlpes,oshabitantesdeDignessó são informadosda “Declaração ao povo francês” e da formaçãode umgovernoprovisório a 2 dejulho!Eaindaassimsetratadeumrecordederapidez,poistrêsmesesantesacidadehaviaesperado25diasparatomarconhecimentodaentradadeNapoleãoemParis,depoisdoretornodailhadeElba.10

Oanúnciooficialdaabdicaçãoàsvezeséretardadopelasautoridadescivisemilitares,temendoumaguerracivilemsuascidades.EmLyon,umacartaredigidaa25dejunhoporumparticularnosinformaqueasautoridadesesperaramváriashorasparatransmitiramensagemimperial.DesdeavoltadailhadeElba,observaoautordacarta,oprefeitoeogeneralnocomandodapraçaobservaramomaiorsilêncioarespeito de todos os despachos telegráficos recebidos, falando apenas dos êxitos obtidos peloimperador.11EmQuimper,acartadoduquedeOtrante,comdatade24dejunho,dandoconhecimentodo“terrívelrevésedograndesacrifício”sóépublicadaa4dejulho.12

Os bonapartistas informados da queda do imperador passam do desespero à raiva. Em Lyon, sãorasgadososcartazesinformandosobreavoltadeNapoleãoaParisesuaabdicação,redigidosemestilocalmo e moderado. “Um populacho assustador, do qual faziam parte até alguns militares, percorreudiferentesbairrosemmeioavociferações.AGuardaNacionalsoubeseimpor.”EmChâteau-Thierry,osmilitaresdesertamgritando:“Acabou-seoimperador,acabaram-seossoldados.”13

A24dejunho,ocondedeMontholoninformaqueossoldadosfogem,voltandoparacasaaomesmotempoquesaqueiamecometemumainfinidadedeatosdeviolência.Àsvezes,sãounidadesinteirasquese evaporam na natureza, como no caso do 11º de Caçadores.14 Por toda parte os guardas nacionaisabandonamasbandeiras.15EmSoissons,ogeneraldebrigadatentaacalmarosmilitaresmandandoafixaraproclamaçãodeNapoleãoII.16Todososchefesderegimentosãoconvidadosalê-loparaseushomens.

“Emvão”, contao soldadoCanler, “o coronel, querendoestimularnossoentusiasmo,gritava ‘Viva

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NapoleãoII!’Oregimentotambémgritou‘VivaNapoleãoII!’.Mashavia tristezanosrostos,epareciaquenastrocasdeolharesestavaapergunta:queserádenóssemnossoimperador?”17

5.Otelégrafoem1815

EmPérigueux,ocondeLucotte,generaldeexércitonocomandoda20ªDivisãoMilitar,informadoda“terrívelnotícia”,mandacobrirosmurosdacidadecomumaproclamaçãoconvocandoàsarmas.“Nãoseremosrussos,nemprussianos,nemingleses,nemalemães!”,escreveele.“Preferimosmorrerdearmasem punho que deixar de ser franceses. Nada mais de partidos nem de vingança. Estejamos unidos esalvemosapátria!”18

Nas cidades do Oeste e do Sul, a notícia da abdicação logo provoca confrontos entre realistas ebonapartistas.EmRennesaagitaçãoéextrema;osfederadosexpressamseuinconformismo,enquantoosadversáriosdãovazãoàalegria.OficiaiscirculampelacidadeparaarrancaroscartazesanunciandoqueNapoleãodeixoudeserimperador.“Odespachotelegráficoéforjado”,afirmam.Pormedodequesejadestruído, eles reinstalam em seu lugar o busto deNapoleão que a administraçãomunicipalmandararetirar.Aidaquelesqueseopuserem!19

NoHavre,cortejosrealistasebonapartistaspercorremacidadeeentramemconfronto.OsBourbonsãoaclamadosemBourse.20EmCaen,manifestanteslutamgritando“Vivaoimperador!”ou“VivaLuísXVIII!”.21EmSaint-Valéry-en-Caux,Honfleur e nosmunicípios próximos, bandeiras brancas tremulamnasjanelas.EmDieppeeCalaisteminícioaguerradasbandeiras,sendoatricolorexibidanasvarandasdeunseabranca,nasdeoutros.22

OprefeitodeToursescreveaoministrodoInteriora25dejunho:

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“Tenho a honra de informar a Vossa Excelência que no dia de ontem o boato da abdicação doimperadorespalhou-sepelacidade,masopartidorealistaquedisseminouanotíciaafaziaacompanhardecircunstânciasfavoráveisaosinimigosdogovernoedesalentadorasparaosamigosdapátria;dessemodo,ospartidáriosdosBourbonquiseramprovocaraopiniãoeabalá-la, insinuandosurdamentequeLuís XVIII fora proclamado. Essa gente pôs em ação todas as suas manobras secretas, e em poucosinstantessósefalavaemToursdavitóriadacausareal.”23

Oprefeito garante ter tomado asmedidas necessárias para que a situação não degenere e a ordempública seja mantida. O mesmo não ocorre no Sul, onde a notícia da abdicação, em cidades comoMarselha,provocarecrudescimentodeconfrontosemassacredebonapartistas.24

NapoleãoqueriapreservaraFrançadaguerracivil.Masesta,jápresente,amplia-seconstantementeàmedidaqueanotíciadesuaabdicaçãopercorreoterritórionacional.

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Notas

Prefácio

1.P.FleurydeChaboulon,Mémoirespourserviràl’histoiredelavieprivée,duretouretdurègnedeNapoléonIeren1815,Londres,C.Roworth,1820,v.2,p.198s.EssasmemóriasmereceramanotaçõescríticasdeNapoleãoemSantaHelena(verareediçãodaBibliothèquedesIntrouvables,Paris,2007).

2.ArchivesNationales(AN),F74280,“Proclamationdu7edeligne,signéeLaBédoyère”.3.ServiceHistoriquedel’ArméedeTerre(Shat),MR718,fl.30MssKellermann.4.Marbot,generalbarãode,MémoiresdugénéralbarondeMarbot,Paris,MercuredeFrance,1983,t.II,p.431.5.H.deMauduit,HistoiredesderniersjoursdelaGrandeArmée,ouSouvenirs,documentsetcorrespondancedeNapoléonen1814et1815,Paris,Dion,1854,t.II,p.360.

6.Ibid.,p.487.7.I.Saint-Elme,Souvenirsd’unecourtisanedelaGrandeArmée,Paris,Tallandier,2004,p.742.8.A.Thiers,HistoireduConsulatetdel’Empire,Paris,Paulin,1845,t.XX,p.313.9.Rússia,Suécia,Inglaterra,PaísesBaixos,Prússia,Áustria,Piemonte-Sardenha,Saxe,Baviera,Baden-Würtemberg,Suíça,Nápoles,EspanhaePortugal.

1.“QueserádestapobreFrança?”

1.JosephBonaparte,seuirmão,arainhaHortênsia,suacunhada,Savary,duquedeRovigo,inspetordagendarmaria,ocondedeLavalette,diretordosCorreios,eCarnot,ministrodoInterior.

2.M.Ourry,LaFamillemélomane,comédieenunactemêléedecouplets,Paris,sra.Masson,1812.3.M.DieulafoyeM.Gersin,L’Intrigueimpromptue,ouIln’yaplusd’enfants,comédiavaudeville,1815.4.BibliothèqueHistoriquedelaVilledeParis(BHVP),Ms1013,fl.129e130.5.BHVP,Ms1013,fl.122.6.EdgardQuinet,numartigointitulado“L’Abdication”,publicadonaRevuedesDeuxMondes,1861,p.527,escrevequeoEliseufoiescolhidoparatranquilizarosqueestavampreocupadosquantoàsintençõesdomonarca.

7.SegundoH.-M.Williams,inM.BretondelaMartinière(org.),RelationdesévénementsquisesontpassésenFrancedepuisledébarquementdeNapoléon,le1ermars1815jusqu’autraitédu20novembre,Paris,Dentu,1816,p.154.

8.OmédicoDubois,queexaminouváriasvezesoimperador,constatouseudeplorávelestadodesaúde.VerVeron,Mémoiresd’unbourgeoisdeParis,Paris,LibrairieNouvelle,1856,p.99.

9.Waterloo.10.Outrosmemorialistas,comoLouisMarchand,situamessasfrasesnomomentoemqueNapoleãotomabanho.11.SegundoomarquêsdeNoailles(LecomteMolé.Savie.Sesmémoires,Paris,Champion1922,t.II,p.228),odeputadoDefermon,

presente,teriaadvertido:“Podemosesperargrandesresoluções,amenosquetomemossemdemoraainiciativa.”12.P.FleurydeChaboulon,Mémoirespourserviràl’histoiredelavieprivée…,op.cit.,v.2,p.209-10.13.A.-M.,condedeLavalette,MémoiresetsouvenirsducondedeLavalette,Paris,MercuredeFrance,1994,p.350;Marchandescreve

emsuasMémoiresdeMarchand:premiervaletdechambreetexécuteurtestamentairedel’empereur(Paris,Tallandier,2003)queocondefoiconvidadoaacompanharoimperador.

14.ObarãoFain,emsuasMémoiresdubaronFain,premiersecrétaireducabinetdel’Empereur(Paris,Plon,1908,p.288),informaqueoimperador,habituadoasebanharváriasvezes,sempretomavabanhosmuitoquentes.

15.G.Peyrusse,1809-1815.MémorialetarchivesdeM.lebaronPeyrusse,trésoriergénéraldelacouronnependantlesCent-Jours,Carcassonne,Labau,1869,p.312-3.

16.A.Thiers,HistoireduConsulatetdel’Empire,op.cit.,t.XX,p.332.17.MaréchalL.Davout,Souvenirsmanuscrits,apudH.Houssaye,1815,v.3,Lasecondeabdication;Laterreurblanche,Paris,Perrin,

1893-1905,p.15.18.A.-J.-M.-R.Savary,duquedeRovigo,MémoiresduducdeRovigopourserviràl’histoiredel’empereurNapoléon,Paris,Bossange,

1828,t.VIII,p.139.

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19.FoioqueoabadeSieyèssussurrouaoouvidodeLanjuinais.FeitopardaFrança,oabadehaviamuitoeraoespecialistaemeutanásiadosregimespróximosdeexpirar.Em1789,comseupanfletoQu’est-cequeletiersétat?,eledesferiuumgolpedemisericórdianoAntigoRegime,eem1799provocouumgolpedeEstadoquelevouBonaparteaopoder.VerC.-F.barãodeMéneval,NapoléonetMarie-Louise:souvenirshistoriquesdemr.lebarondeMéneval,anciensecrétaireduportefeuilledeNapoléon,premierconsuletempereur,anciensecrétairedescommandementsdel’impératricerégente,Paris,Amyot,1845,t.II,p.463.

20.L.Marchand,Mémoires…,op.cit.,p.227.21.SobreaassessoriaministerialdeNapoleão,veroexcelentetrabalhodeI.Woloch,NapoléonandhisCollaborators:theMakingofa

Dictatorship,NovaYork,W.W.Norton&Company,2001.22.SeunometambéméescritonaformaRegnaud;adotamosaortografiadamaioriadosdocumentosoficiaisedoMoniteur.

2.Ohomem-serpente

1.E.laBretonnière,Macédoine,souvenirsduQuartierLatindédiésàlajeunessedesécoles.Parisàlachutedel’EmpireetpendantlesCent-Jours,Paris,L.Marpon,1863,p.67e109.OLiceuImperialéoatualLiceuLouis-le-Grand.

2.P.Foucher,SouvenirsdePierreFoucher,1772-1845,Paris,Plon,1999,p.167.3.R.Rémond,LaviepolitiqueenFrancedepuis1789,t.1,1789-1848,Paris,A.Colin,1965,p.244s;M.Duverger,Constitutionsetdocumentspolitiques,Paris,PUF,1992,p.134s.

4.E.laBretonnière,Macédoine,souvenirsduQuartierLatin…,op.cit.,p.241.5.E.leGallo,LesCent-Jours,essaisurl’histoireintérieuredelaFrancedepuisleretourdel’îled’Elbejusqu’àlanouvelledeWaterloo,tesededoutoradoemLetras,Paris,Alcan,1923,p.431.

6.J.Chaumié,“LesgirondinsetlesCent-Jours”,AnnalesHistoriquesdelaRévolutionFrançaise,1961,n.205,p.329-65.7.JosephBonaparteconsidera-o“homemdebem,devisãocurta,umCatãoburguêseeternojoguetedosintrigantesdetodosostiposepartidos”.VerC.-F.,barãodeMéneval,NapoléonetMarie-Louise:souvenirshistoriques…,op.cit.,t.III,p.395.

8.VerJ.-D.Lanjuinais,Réflexionspatriotiquessurl’arrêtédequelquesnoblesdeBretagnedatédu25octobre1788,textoimpresso,s.l.;ePréservatifcontrel’avisàmescompatriotes,avecdesobservationssurl’affaireprésentéparunmembredesétatsduDauphiné,textoimpresso,s.l.n.d.

9.VerLanjuinais,NoticehistoriquesurJ.-D.Lanjuinais,Paris,Doudey-Dupré,1832,p.8.10.MensagemdaCâmaradosRepresentantes,7jun.11.E.leGallo,LesCent-Jours:essaisurl’histoireintérieuredelaFrance…,op.cit.,p.466.12.Ibid.,p.475.13.Ibid.,p.476.14.DepoisdainvasãodaFrança,noverãode1792,ogeneralDumouriezéescolhidoparasubstituirLaFayettenocomandodoExército;este

últimojáestavasobsuspeitaporterdefendidooreiem1791,depoisdafugaparaVarennes,edetermandadoatirarcontraopovo,queexigiaadeposiçãodomonarca.Numdecreto,aAssembleiaoacusadeconspirarcomoinimigo,preparandooutrafugadafamíliareal,edeterminasuadetenção.

15.G.duMortier,marquêsdelaFayette,Mémoires,correspondanceetmanuscritsdugénéralLaFayette,publiésparsafamille,Paris,Fournier,1837,t.V,p.451.VertambémP.Chanson,LaFayetteetNapoléon,unduelhistoriqueignoré,Lyon,ÉditionsdeLyon,1958,p.288s.

16.ÉatesedefendidaporStefanZweignabiografiaquelhededicou.17.S.delaRochefoucauld,duquedeDoudeauville,MémoiresdeM.delaRochefoucauld,ducDoudeauville,Paris,Lévy,v.10,1863,

p.261.18.E.deWaresquiel,Cent-Jours,latentationdel’impossible,mars-juillet1815,Paris,Fayard,2008,p.481.19.A.Thiers,HistoireduConsulatetdel’Empire,op.cit.,t.XX,p.319.20.M.Vovelle,“Présentation”,inJ.Fouché,MémoiresdeFouché,présentéesparM.Vovelle,Paris,ImprimerieNationale,1992,p.19.21.H.Houssaye,1815,v.2,Lapremièrerestauration:leretourdel’îled’Elbe,Paris,1899,p.580s.22.E.deWaresquiel,Cent-Jours,latentationdel’impossible…,op.cit.,p.409s.23.R.delaCroix,duquedeCastries,Louis-Philippe,Paris,Tallandier,1980,p.104.24.PalavrasdeJonville,enviadoporBlacas,confidentedeLuísXVIII,paravigiarLuísFilipe;apudE.deWaresquiel,Cent-Jours,la

tentationdel’impossible…,op.cit.,p.412.25.B.Capefigue,LesCent-JoursparM.Capefigue,Paris,Langlois,v.2,p.245-6.26.H.Carnot,MémoiressurLazareCarnotparsonfils,Paris,Hachette,1907,v.2,p.462.

3.Declararapátriaemperigo

1.L.Carnot,Mémoireauroiparmr.lelieutenantgénéralCarnot,derniergouverneurd’Anvers,Paris,1814,p.20s.2.Em1814,essemito,aindamuitovivo,inspiroualgunsprefeitos.Elesexigiramorecrutamentoemmassa“parapreservaraordemsociale

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aglóriadonomefrancês”.VerJ.Hantraye,LescosaquesauxChamps-Élysées:l’occupationdelaFranceaprèslachutedeNapoléon,Paris,Belin,2005,p.47-8.

3.P.FleurydeChaboulon,Mémoirespourserviràl’histoiredelavieprivée…,op.cit.,p.211-4;Carnot,MémoiressurLazareCarnot…,op.cit.,v.2,p.510-1;MaréchalL.Davout,Mémoiresmanuscrits,apudH.Houssaye,1815,v.3,Lasecondeabdication,op.cit.,p.17.

4.A.-A.Ernouf,Maret,ducdeBassano,parlebaronErnouf,Paris,Perrin,1884,p.659.5.P.FleurydeChaboulon,Mémoirespourserviràl’histoiredelavieprivée…,op.cit.,p.213.6.Ibid.,p.213-4.7.H.Houssaye,1815,v.3,Lasecondeabdication,op.cit.,p.21-2.8.AexpressãoédeC.vonClausewitzinCampagnede1815enFrance,Paris,ChampLibre,1973,p.173.9.Certosautores,comooconded’Ornano(MarieWalewska,l’épousepolonaisedeNapoléon,Paris,LesÉditionsComtales,1947),situamnessemomentoumencontrodeNapoleãocomacondessaWalewskaeAlexandre,filhodosdois.Trata-sedeumaconfusãocomumencontroqueocorreuantesdapartidadeNapoleãoparaaguerra.AanálisedodocumentoeodepoimentodePh.Poirson(queteveacessoaosarquivosdefamíliadosWalewski)evidenciamoerro;verWalewski,filsdeNapoléon,Paris,Balzac,1943.

4.Ofuneraldaglória

1.G.Barral,L’ÉpopéedeWaterloo,narrationnouvelledesCent-JoursetdelacampagnedeBelgiqueen1815composéed’aprèsdesdocumentsinéditsetlessouvenirsdemesdeuxgrandspères,officiersdelaGrande-ArméeetcombattantsdeWaterloo,Paris,Flammarion,1895,p.287.

2.T.Puvis,“Souvenirs,1813-1815”,RevueHistoriquedesArmées,n.3,1979,p.119;J.-B.Lemonnier-Delafosse,SouvenirsmilitairesducapitaineJean-BaptisteLemonnier-Delafosse,Paris,LeLivreChezVous,2002,p.222.

3.Idem.4.CoronelTrefcon,CarnetdecampagneducolonelTrefcon,Paris,E.Dubois,1914,p.193.5.J.TyrbasdeChamberet,Mémoiresd’unmédecinmilitaire:auxXVIIIeetXIXesiècles,Paris,Christian,2001,p.167.6.G.Barral,L’ÉpopéedeWaterloo…,op.cit.,p.285.Acontecedeosmilitaresfrancesesmataremseusprisioneiros.Àsvezesoexemploédadopeloschefes:J.TyrbasdeChamberet(Mémoiresd’unmédecinmilitaire…,op.cit.,p.164)afirmatervistoopríncipeJérômedarumtirodepistolanacabeçadeumprisioneiroquenãoseafastaradepressaquandoeleseaproximava.

7.OssaquesepilhagenscomeçaramàsvezesantesmesmodeWaterloo;verasMémoiresdogeneralRadet,Saint-Cloud,Belin,1892,p.338.

8.J.-B.Lemonnier-Delafosse,Souvenirsmilitaires…,op.cit.,p.230;J.TyrbasdeChamberet,Mémoiresd’unmédecinmilitaire…,op.cit.,p.168.

9.Idem.10.CapitãoH.deMauduit,HistoiredesderniersjoursdelaGrandeArmée…,op.cit.,t.II,1854,p.499s.Oautorcitaorelatórioentreguea

Napoleãoem22dejunhosobreaagitaçãoentreosgenerais.11.MarechalE.deGrouchy,Mémoires,Paris,Dentu,1874,t.IV,p.345-7.12.CapitãoH.deMauduit,HistoiredesderniersjoursdelaGrandeArmée…,op.cit.,t.II,p.498.13.S.LarréguydeCivrieux,Souvenirsd’uncadet(1812-1823),Paris,Hachette,1912,p.173.VertambémH.Biot,Souvenirs

anecdotiquesetmilitaires,1912-1932,Paris,EmilePaul,1904,p.264.14.GeneralL.-F.FantindesOdoards,JournaldugénéralFantindesOdoards,Étapesd’unofficierdelaGrandeArmée,1800-1830,

Paris,Plon,1895,p.439.15.Umaestimativadosefetivoséfornecidaem23dejunhopelogeneraldebrigadadoExército:50milhomensestãoemcondições

operacionais.Comosquartéis,oefetivochegaa100milinfantese20milcavaleiros(AFIV1937/296).EmSantaHelena,valendo-sedosdadossobreefetivosdisponíveisem26dejunho,Napoleãovoltariaaafirmarqueasituação,emboracrítica,nãoeradesesperada.Masnãofaladolamentávelestadomoraldatropa.VerCorrespondancedeNapoléonIerpubliéeparordredeNapoléonIII,Paris,BibliothèquedesIntrouvables,v.13,2006,p.203.OgeneralG.Gourgaudafirmaqueem26dejunho71milhomensestavamapostos,queduzentoscanhõespodiamfacilmenteserorganizadosequeemjulhoocontingentepoderiaterchegadoa130milhomens(Campagnede1815ouRélationdesopérationsmilitairesquionteulieuenFranceetenBelgiquependantlesCent-Jours,Londres,Ridgway,1818,p.114s).OtenenteJ.-M.Chevalier,emSouvenirsdesguerresnapoléoniennes(Paris,Hachette,1970),estimaem65miloshomensreunidosemLaon,afirmandoigualmente,semavaliarseuestadomoral,queseaFrançaquisesserechaçariaoinimigo.

16.J.-P.Bertaud,Larévolutionarmée,lessoldatscitoyensetlaRévolutionFrançaise,Paris,RobertLaffont,1979.17.J.-R.Poirier,Invasionde1815.LesiègedeMézièresen1815,Paris,H.Charles-Lavauzelle,1894,p.66.18.H.Carnot,MémoiressurLazareCarnot…,op.cit.,p.515.

5.“Àsarmas,cidadãos!”

1.Vermapa,p.268.Temendoaconscrição,oschouansvoltaramapegaremarmasnofimdeabrilde1815.

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2.AN,F79685,Nord,20jun.3.NósconcluímosainvestigaçãodeH.Houssaye(1815,v.2,op.cit.)examinando,alémdosrelatóriosenviadosaoministrodaGuerra,osqueforammandadosaoministrodoInteriorpelasautoridadescivisemilitaresdetodososdepartamentosetodasasdivisõesmilitares.

4.LaRoche-sur-Yon.5.AN,F79711,Haute-Vienne.6.AN,F1cI26/131,13mai.MensagemanônimaaoministrodoInterior.7.OtextofoipublicadonosuplementodoJournaldelaCôted’Or,n.28,nofimdeabril,constandoinAN,F79649.8.ErrodeFremiet,queconfundeorecrutamentodevoluntáriosde1792comorecrutamentoemmassade1793.9.AN,F1cI26/87.10.Aexpressãoéusadanosrelatóriosdosprefeitosecomissáriosextraordinários,nascartasemensagensdassériesAFIV,FicIeF7do

ArquivoNacionalpornósexaminados.11.SobrePariseosinfantesfederados,verp.122.12.OprefeitodeCantalchamaaatençãoparaofatonachegadadasdelegaçõesdafederaçãodeLyonaAurillac(AN,F79639,Cantal,6

jun).13.R.S.Alexander,BonapartismandRevolutionaryTraditioninFrance:TheFéderésof1815,Cambridge/NovaYork/Melbourne,

CambridgeUniversityPress,1991;vertambémacontribuiçãodeP.Lévêque,“LaRévolutionde1815”,inLesEntretiensd’Auxerre,LesCent-Joursdansl’Yonne:AuxOriginesd’unBonapartismeLiberal,colóquiosobacoordenaçãodeL.Hamon,Paris,MaisondesSciencesdel’Homme,1988,p.51s.

14.Ver,porexemplo,opactodaconfederaçãodoPérigordde24demaiode1815,AN,AFIV1937.15.AN,F79640,Charente,18abr.16.AN,F79659,Haute-Garonne,25abr.17.AN,F79650,Cêtes-du-Nord.18.OcalendáriorevolucionárioadotadopelaConvençãoem6deoutubrode1793tinhaduploobjetivo:exaltaraRepúblicaelimitarareligião

católica,suprimindoocalendáriogregoriano.Napoleãoaboliuocalendáriorevolucionárioem9desetembrode1805.19.AN,F79700,Seine,2mai.20.AN,F1CI26/131,13mai.21.AN,F1a554,Vesoul,13mai.22.VeracontribuiçãodeP.Levêque,“LaRévolutionde1815,inLesEntretiensd’Auxerre,LesCentJoursdansl’Yonne…,op.cit.,p.60s.23.AN,F1a554,Lons-le-Saulnier,22abr.24.AN,F79650,cartadoprefeito,11mai1815.25.AN,F79689,Puy-de-Dôme,26-31mar.26.AN,F79680/H236.27.Naverdade,amaioriadosburguesesobrigadosaprestaresseserviçocomprousubstitutos.R.Dupuy,LaGardeNationale,Paris,

Gallimard,2010,p.312s.28.AN,F79680,Meurthe,13jun.29.H.Houssaye,1815,v.2,op.cit.,p.635.30.AN,AFIV1935,quartapasta,quadro,19mai.31.AN,F73646,cartadopríncipedeEckmühlaoministrodoInterior,21mai.32.AN,F79642,Corrèze,cartadoprefeitoaoministrodoInterior,20abr.33.AN,F79709,Vaucluse,27abr.34.AN,F79653,Drôme,31mai.35.AN,F79675,Lozère,13jun.36.AN,F79689,Puy-de-Dôme,cartadoprefeito,10mai.37.AN,F79639,Cantal,Saint-Flour,28mai.38.AN,F79666.39.AN,F79669,Haute-Loire,10jun.IgualtentativadecorrupçãonaGironda,emLandesenoBaixoPirineu(F79689,BaixoPirineu,9mai).40.AN,F79685,Nord,8abr.

6.Desencanto

1.AN,F1a555,14ªDivisãoMilitar,4mai.2.AN,F1a556,correspondênciadocomissárioextraordinário,14abr.VerE.LeGallo,LesCent-Jours,essaisurl’histoireintérieuredelaFrance…,op.cit.,p.343.

3.ApudE.LeGallo,ibid.,p.345.4.Ibid.,p.356.5.AN,F79668eF1a555,correspondênciadocomissárioextraordinário,14mai.6.AN,ibid.,19mai.

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7.AN,Fla555,11ªDivisãoMilitar(Gironda,Landes,Pirineus),carta,15mai.8.E.LeGallo,LesCent-Jours,essaisurl’histoireintérieuredelaFrance…,op.cit.,p.354s.9.AN,F79694,cartaaoministrodoInterior,24mai.10.E.LeGallo,LesCent-Jours,essaisurl’histoireintérieuredelaFrance…,op.cit.11.AN,F1a554,18abr.12.AN,F73734eF79652.VertambémC.Fohlen(org.),HistoiredeBesançon,Paris,NouvelleLibrairiedeFrance,1964,p.294s.13.AN,F1cIII26/96.14.J.-F.Mayeux,Àl’Empereursurl’impossibilitédeconcilierl’ActeAdditionnelauxConstitutionsaveclamajesté,l’independanceet

lebonheurdupeuple,Paris,Babeuf,1815.15.L.Dubroca,Cinquièmecahier.Levieuxrépublicain.Catéchismepolitiqued’unpeuplelibrequiveutsolidementfondersaliberté

etd’unprincequiveutrégnerparlapuissancedel’opinionpublique,Paris,textoimpressopeloautor,1815,apudE.LeGallo,LesCent-Jours,essaisurl’histoireintérieuredelaFrance…,op.cit.,p.235.

16.Prissette,Nonourejetmotivédel’ActeAdditionnelauxConstitutionsdel’Empire,Paris,ImprimeriedeRenaudière,1815,p.21.17.Ibid.,p.23.VertambémJ.-A.Faubert,Leprintempssacréde1815.Auxhommeslibres,Paris,mai1815,exigindoquetodososcidadãos

tenhamodireitodevotarnasassembleiasprimárias.18.AN,F79669,correspondência,3mai.19.Ponsard,ObservationàNapoléonsurl’ActeAdditionnel,6mai1815,apudE.LeGallo,LesCent-Jours,essaisurl’histoireintérieure

delaFrance…,op.cit.,p.233-7.VertambémAN,F79689/21,PuydeDôme.20.ApesquisadohistoriadorLangloisdemonstrouqueoplebiscitodoanoVIIIforafraudadoparadiminuironúmerodeabstenções.Ver“Le

plébiscitedel’anVIII”ou“Lecoupd’Étatdu18pluviôseanVII”,AnnalesHistoriquesdelaRévolutionFrançaise,1972,n.207,p.43-65,231-46e391-415.

21.AN,F79693,cartadoprefeitodoBaixoRenoaoministrodoInterior,23mai1815.22.F.Bluche,LeplébiscitedesCent-Jours,Genebra/Paris,Droz/Minard,Champion1974,p.125s.23.E.LeGallo,LesCent-Jours,essaisurl’histoireintérieuredelaFrance…,op.cit.,p.278.24.AN,F1a553,1ªDivisãoMilitar,Aisne,Eure-et-Loir,Loiret,Oise,Seine,Seineet-Marne,Seine-et-Oise.Alistada2ªDivisãoMilitar

(Ardennes,Maine,Mosa)éentregueaogabinetedoministroem19dejunho,eada7ªDivisãoMilitar(Hautes-Alpes,Drôme,Isère,Mont-Blanc),em10dejunho;verF1a554.

25.AN,F1a554,carta,24abr.26.AN,F79689/28,Puy-de-Dôme,3mai.27.AN,F79706,Tarn-et-Garonne,13jun.Vertambémorelatóriode5demaiodocomissárioextraordinárioda8ªDivisãoMilitarsobreo

prefeitodeBouches-du-Rhône,F1a554.28.E.LeGallo,LesCent-Jours,essaisurl’histoireintérieuredelaFrance…,op.cit.,p.272.29.AN,F79703,correspondência,19mai.30.AN,F79671,Nantes,correspondência,22mai.31.AN,AFIV1934.32.AN,F1a555,10ªDivisãoMilitar,correspondência,17mai.33.AN,F79674,correspondência,24mai.34.ApudE.LeGallo,LesCent-Jours,essaisurl’histoireintérieuredelaFrance…,op.cit.,p.273.35.AN,F1a554,7ªDivisãoMilitar.36.AN,F79703,Deux-Sèvres,13mar.37.AN,F1a553,1ªDivisãoMilitar,21jun.38.AN,F1a554,nota,25abr.39.ApudH.Houssaye,1815,v.2,op.cit.,p.506.40.AN,F1a555,cartadobarãod’Alphonse,28abr.41.AN,F79711,correspondência,24mai.Aleide30deabrildeterminaaeleiçãodemairesnosmunicípiosdemenosde5milhabitantes.

Nosmunicípiosdemaisde5milhabitantes,osmairessãonomeadospelochefedeEstado.42.AN,F79652,2mai.43.AN,F79683,18mai.44.AN,F79683,Nièvre,26mai.45.AN,F79695/187,Rhône.46.AN,F1a555,cartaaCarnot,13mai.47.AN,F79687,30mai.48.AN,F79668,22mai.49.AN,F79674,cidadãoLarrieu,dodepartamentodeLot-et-Garonne,aCarnot,17jun.50.GeneralL.-F.FantindesOdoards,Journal…,op.cit.,p.428.

7.“GuilhotinaparaNapoleão!”

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1.EmartigopublicadonoGlobe(20abr1833),C.-A.Sainte-Beuverefleteaprimeiraopinião;eH.Forneron,asegunda,emsuaHistoiregénéraledesémigréspendantlaRévolutionfrançaise,Paris,Plon,1884.VerP.Lafue,Desmarest,policierdel’Empereur,Paris,Colbert,1943.

2.AN,F76627/fl.543.F76627/fl.459.F76627/fl.556.F76629/fl.812.3.Asra.Nicolasnãoéaúnicaaagirassim.E.LeGallo(LesCent-Jours,essaisurl’histoireintérieuredelaFrance…,op.cit.,p.346)mencionaocasodeumpensionatodemoçasemEsquermes,pertodeLille,mantidoporantigasreligiosas,noqualumdosexercíciosescritosdasalunasconsistiaemcopiarasdeclaraçõesdorei.

4.AN,F76627/528,559,560,512,515,381,330.F76628/588,595,686.5.AN,F76627/432.6.AN,F79702.7.AN,F76627/455.8.LuísXVIII.9.AN,F79653,Drôme,17mai.10.VerLeJournalGénéraldeFrance,especialmenteed.29mar;eJ.-P.Bertaud,Quandlesenfantsparlaientdegloire.L’Arméeau

coeurdelaFrancedeNapoléon,Paris,Aubier,2006,p.376s.Emmeioàinfinidadedepanfletosbonapartistaspublicadosem1815,enãoraroanônimos,veremespecial:Lecrigénéraletlevoeudesfrançais,Avons-noustort,avons-nousraison?,LaconfessiondeNapoléonaugrandarchitectedel’Univers,deMarcel,Ouvrezlesyeux,français!Trente-sixchandellesetlenezdessus,vousn’yverriezpasplusclair,LegrandsecretpolitiqueetmilitairedelaFrance.

11.LeNainJaune,GazetteFrançaise,10mai1815,p.3.HáváriosNainJaune,nemtodosrealistas.12.Anônimo,Couragefrançais!Toutvabien;eanônimo,Lesvoeuxsincèresdesfrançais.13.PanfletocirculandoapartirdePariseapreendidoemHaute-Marneem6abr.AN,F79678.14.Anônimo,Questionsd’uncitoyen,1815,p.11.15.Ibid.,p.21.16.ConsultamostambémaquiasubsérieF7,paraobterinformaçõescomplementaresàsfornecidaspelaexcelentetesedeE.LeGallo.Les

Cent-Jours,essaisurl’histoireintérieuredelaFrance…,op.cit.17.AN,F79651,11jun.18.AN,F79663,1ºmai.19.AN,F79706,16maie8jun.20.AN,F1a555,relatóriodobarãod’Alphonse,8mai.21.G.deBerrierdeSauvigny,LecomteFerdinanddeBertier(1782-1864)etl’énigmedelacongrégation,Paris,LesPresses

Continentales,1948.22.Essenúmeroprovavelmenteéexagerado.M.Capefigue,LesCent-Jours…,op.cit.,v.2,p.82.23.AN,F1a555,9ªDivisãoMilitar,6jun.E.LeGallo(LesCent-Jours,essaisurl’histoireintérieuredelaFrance…,op.cit.,p.376)

informaqueoduquedeAngoulême,ementendimentocomLuísXVIII,conseguiudogovernodaEspanhaocomandodeumcorpoespanholparaentrarnaFrança.TambémsolicitouoembarqueparaMarselhadedoisregimentosespanhóissobocomandodomarquêsdeRivière.

24.G.deBertierdeSauvigny,LecomteFerdinanddeBertier…,op.cit.,p.171s.25.AN,F79675,14jun.26.AN,F79639,29abre28mai.27.E.LeGallo,LesCent-Jours,essaisurl’histoireintérieuredelaFrance…,op.cit.,p.363.28.H.d’Espinchal,Souvenirsmilitaires,1792-1814,Paris,Sociétéd’ÉditionsLittérairesetArtistiques,t.II,1901,p.359.29.AN,F79653,5e6mai.30.Oscrimesdeopinião,frequentesnoConsuladoenoiníciodoImpério,nemsempresignificamadesãoaLuísXVIII.Refletemaomesmo

tempoaimpregnaçãodeformasdepensamentoherdadasdaépocamonárquica(osofrimentolevaainsultarosdetentoresdopoder)eumamentalidaderevolucionária(odetentordaautoridadeserátantomaisofendidoquantomenoslheéreconhecidoumcarátersagrado).VerR.Allen,LestribunauxcriminelssouslaRévolutionetl’Empire,1792-1811,Rennes,PUR,2005,p.220s.

31.AN,F79653,14jun.32.E.LeGallo,LesCent-Jours,essaisurl’histoireintérieuredelaFrance…,op.cit.,p.353.33.AN,F79710,2mai.34.AN,F79649,8abr.35.AN,F79652,4mai.36.AN,F79685,8abre5mai.37.E.LeGallo,LesCent-Jours,essaisurl’histoireintérieuredelaFrance…,op.cit.,p.347.38.AN,F79687,30mai.39.AN,F79704,11e18mai.40.E.LeGallo,LesCent-Jours,essaisurl’histoireintérieuredelaFrance…,op.cit.,p.347.41.AN,F1cIII,Seine-et-Marne,6e19abr.42.AN,F79702,16jun.43.LuísXVIII.Afontedessasinformaçõesencontra-seemAN,AFIV1935,cartadocomissárioextraordinário,18mai1815.44.AN,AFIV1935,26mai,DirectionGénéraledesCultes.

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45.AN,F1cI26/470.46.AN,F79639,Cantal,correspondência,23abr.47.AN,F76626/207.48.AN,F76627/477.49.AN,F76627/557.50.AN,F76627/280.51.AN,F76627/290.52.AN,F79706.53.AN,F76629/870.54.AN,F76629/833.55.AN,F76628/689,31mai.56.AN,F76627/512eF76627/493.57.E.Waresquiel,Cent-Jours,latentationdel’impossible…,op.cit.,p.376.58.E.LeGallo,LesCent-Jours,essaisurl’histoireintérieuredelaFrance…,op.cit.,p.330.59.ProvavelmenteogeneralreformadoBeaufort.60.AN,AFIV1934,terceirapasta/14.

8.LaFayetteeabandeirade1789

1.Srta.Cochelet,leitoradarainhaHortense,MémoiressurlareineHortenseetlafamilleimpériale,Paris,Ladvocat,t.III,1842,p.127s.VertambémpríncipeNapoleão(org.),MémoiresdelareineHortense,Paris,Plon,1927,t.III,p.18s.

2.A.Thiers,HistoireduConsulatetdel’Empire,op.cit.,t.XX,p.325.3.A.-C.Thibaudeau,MémoiresdeA.-C.Thibaudeau,1799-1815,Paris,Plon,1913,p.506-8.4.A.-F.Villemain,Souvenirscontemporainsd’histoireetdelittérature,Paris,Didier,1855,t.II,p.269.5.Ibid.,p.270-1.6.H.-M.Williams,RelationdesévénementsquisesontpassésenFrance…,op.cit.,p.157.7.F.-R.deChateaubriand,Mémoiresd’outre-tombe,Paris,Flammarion,1982,t.II,p.611.8.Em23jun1789.9.G.duMortier,marquêsdeLaFayette,Mémoires,correspondanceetmanuscrits…,op.cit.,t.V,p.455.10.P.Chanson,LafayetteetNapoléon…,op.cit.,p.288.11.G.duMortier,marquêsdeLaFayette,Mémoires,correspondanceetmanuscrits…,op.cit.,t.V,p.316e459.12.P.Chanson,LafayetteetNapoléon…,op.cit.,p.287.13.LeMoniteurUniversel,n.173,22jun1815,p.711-2;LeJournaldesDébats,22jun1815,p.1-4.14.A.ThiersfrisaesseaspectoemHistoireduConsulatetdel’Empire,op.cit.,t.XX,p.341.15.A.-C.Thibaudeau,Mémoires…,op.cit.,p.510.16.L.Girard,LaGardeNationale,1814-1811,Paris,Plon,1964,p.42s;R.Dupuy,LaGardeNationale,1789-1812,Paris,Gallimard,2010,

p.312s.17.LeMoniteurUniversel,op.cit.,n.173,p.712;JournaldeParis,22jun1815,p.3-4.

9.Fascinadopeloabismo

1.P.FleurydeChaboulon,Mémoirespourserviràl’histoiredelavieprivée…,op.cit.,p.215.2.MarechalL.Davout,Mémoiresmanuscrits,apudH.Houssaye,1815,v.3,Lasecondeabdication,op.cit.,p.31.3.LeMoniteurUniversel,op.cit.,n.173.4.Verp.231.5.A.Thiers,HistoireduConsulatetdel’Empire,op.cit.,t.XX,p.326.6.LeMoniteurUniversel,op.cit.,n.173,p.712-3.7.A.-F.Villemain,Souvenirscontemporains…,op.cit.,p.284s.

10.Asalvaçãodopovo

1.A.-C.Thibaudeau,Mémoires…,op.cit.,p.496.

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2.A.-F.Villemain,Souvenirscontemporains…,op.cit.,p.285.3.Ibid.,p.287.4.LeMoniteurUniversel,op.cit.,n.173,p.712.5.Ibid.,p.711.6.Deumagrandefamíliadanobrezafrancesa,ocondefoinomeadocamareiro-mordaFrançaem1810,esuamulherfoiincumbidadecriaroreideRoma.

7.A.-F.Villemain,Souvenirscontemporains…,op.cit.,p.290.8.BHVP,Ms1013,fl.132.

11.“Seeuquiser,dentrodeumahoraaCâmaranãoexistirámais”

1.A.-F.Villemain,Souvenirscontemporains…,op.cit.,p.292.2.L.Bonaparte,LavéritésurlesCent-Jours,Paris,Ladvocat,1835,p.56-61.3.L.Marchand,Mémoires…,op.cit.,p.231.4.J.-P.Bertaud,Quandlesenfantsparlaientdegloire…,op.cit.5.Aexpressãoerausadanaépoca.6.H.Carnot,MémoiressurLazareCarnot…,op.cit.,p.512.7.VeraesserespeitoD.Cohen,Lanaturedupeuple:lesformesdel’imaginairesocial,XVIIle-XIXesiècles,Paris,ChampVallon,col.LaChosePublique,2010.

8.G.Lavalley,Napoléonetladisettede1812:àproposd’uneémeuteauxhallesdeCaen,Paris,A.PicardetFils,1896.9.K.Tonneson,“LesféderésdeParispendantlesCent-Jours”,AnnalesHistoriquesdelaRévolutionFrançaise,n.249,1982,p.393s.10.ArchivesdelaPréfecturedePolicedeParis(APP),Aa330,fl.47.11.APP,Aa331.12.APP,Aa330,fl.2.13.K.Tonneson,“LesféderésdeParispendantlesCent-Jours”,op.cit.,p.405.14.APP,Aa330fls.8,9e56.CabecompararaessesrelatóriospessimistasosdofaubourgSaint-Germain,ondeumamanufaturadetabaco

fornecenumerososvoluntários,verAa330,fl.27.15.APP,Aa330,fl.51.16.APP,Aa330,fl.31.TambémseconstatamuitaindolênciaedespreocupaçãodosoficiaisdaGuardaNacionalnoempenhodo

recrutamentoeorganizaçãodosbatalhões.17.J.-P.-G.Viennet,SouvenirsdelaviemilitairedeJean-Pons-GuillaumeViennetdel’AcadémieFrançaise,Moulins,Crépin-Leblond,

1929,p.140.18.Ver,porexemplo,ainvestidade8dejunhode1809contraosoperáriosquetrabalhavamnapontedeIenaeospedreirosdoArcodo

Triunfoqueserecusavamatrabalharmaisparaganharmais,invocandoaqualidadedevida(AN,F13/206).Outroexemplo:agrevedoscarpinteirosdoArcodoTriunfo,em18demarçode1810,exigindoaumentosalarial(AN,ibid.).

19.ÉporessemotivoqueosoperáriosdasoficinasdearmasdaruadeCharonneseinsurgemem5dejunhode1812.VerBHVP,Ms1013,fl.126.

20.F.Bluche,LeplébiscitedesCent-Jours,op.cit.,p.119.21.BHVP,Ms1013,fl.144.J.Thiry,inLesCent-Jours(Paris,Berger-Levraut,1943),estimaem12milonúmerodemanifestantesem14de

maio.22.Apopulaçãooperáriaéestimadaem90milindivíduos,eem350mil,contandoasmulhereseascrianças.ApopulaçãototaldePariséde

aproximadamente600milhabitantes.Semquererestabelecercomparaçõesarriscadas,tãodiferentessãoascircunstânciaseoqueestáemjogo,cabelembrarasestimativassobreosparticipantesdasjornadasrevolucionárias:maisde10milem14dejulhode1789,20milem20dejunhode1792e80milem2dejunhode1793.

12.Oimperadoremprocesso

1.Anônimo,EsquissehistoriquesurlesCent-Jours,etfragmentsinéditsrelatifsauxséancessecrètesdesChambres,àlamarchedugouvernementprovisoireetauxnégociationsd’Haguenau,Paris,BaudoinFrères,1819,p.39.

2.LeMoniteurUniversel,22jun,p.713.3.CorrespondancedeNapoléonIerpubliéeparordredeNapoléonIII,op.cit.,p.299.4.L.Bonaparte,LavéritésurlesCent-Jours,op.cit.,p.56.5.P.FleurydeChaboulon,Mémoirespourserviràl’histoiredelavieprivée…,op.cit.,p.220.6.Anônimo,EsquissehistoriquesurlesCent-Jours…,op.cit.,p.40.7.Ibid.,p.44.

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8.NoanoII,oExércitocontava800milhomens.OamigodeRobespierrearredondaototalpara1milhãoafimdeimpressionaraomesmotempoosfranceseseseusinimigos.

9.Anônimo,EsquissehistoriquesurlesCent-Jours…,op.cit.,p.44-6.10.Ibid.Asedarcréditoaogeneral,onúmerodemortossuperaodosefetivosreunidosdesde1799(2milhões).Hoje,ototaldebaixasé

estimadoem900milhomens.11.OrelatodoEsquissehistorique(op.cit.),favorávelaLaFayette,afirmaqueLuciensecaladepoisdaintervençãodogeneral.Seguimos

aquiorelatodasessãoconstantedolivrodeLucienBonaparte(LavéritésurlesCent-Jours,op.cit.,p.56).12.A.-C.Thibaudeau,Mémoires…,op.cit.,p.511.

13.Acorrupçãodopoder

1.Srta.Cochelet,MémoiressurlareineHortense…,op.cit.,p.131-5.2.A.-M.,condedeLavalette,Mémoiresetsouvenirs…,op.cit.,p.351.3.Srta.Cochelet,MémoiressurlareineHortense…,op.cit.,t.III,p.20.4.MémoiresmanuscritsdeMme.deX,apudH.Houssaye,v.3,op.cit.,p.46.5.A.-J.-M.-R.Savary,duquedeRovigo,MémoiresduducdeRovigo,op.cit.,t.VIII,p.143s.6.A.Thiers,HistoireduConsulatetdel’Empire,op.cit.,t.XX,p.363.7.B.Constant,MémoiressurlesCent-Joursenformedelettres,Paris,BéchetAîné,1820-22,t.II,p.137-9.8.Ibid.,p.140.9.OuvrardprovocousobretudoumacrisefinanceiraquequasecausouodesmoronamentodoImpérioem1805,àsvésperasdeAusterlitz.Oencontrodosdoisem21dejunhode1815érelatadonasMémoiresdeG.-J.Ouvrardsursavieetsesdiversesopérationsfinancières,Paris,Moutardier,1826,t.I,p.208-9.

10.B.Constant,Mémoires…,op.cit.,t.II,p.143e144.11.Ibid.,p.142-3.

14.Atentaçãodosuicídio

1.A.-C.Thibaudeau,Mémoires…,op.cit.,p.511.2.Anônimo,EsquissehistoriquesurlesCent-Jours…,op.cit.,p.48;P.FleurydeChaboulon,Mémoirespourserviràl’histoiredelavieprivée…,op.cit.,p.224-5;A.-F.Villemain,Souvenirscontemporains…,op.cit.,p.297-8;A.-C.Thibaudeau,Mémoires…,op.cit.,p.511.

3.B.Constant,LettresàMme.Recamier,Paris,C.Klincksieck,1977,nota3,p.168.4.Napoleãodescreveuem1816seuestadodeânimonosdiasqueseseguiramaWaterloo(verE.delasCases,MémorialdeSainte-Hélène,Paris,Gallimard,BibliothèquedelaPléiade,1977-78,t.I,p.463s).Orelatoéfeitonummomentoemqueoimperadoraindatemfrescanamemóriaalutaíntimaqueviveu.NósoreproduzimosaquisemignorarqueNapoleão,comoqualquermemorialista,jogacomaslembranças,especialmenteafimdechamaratençãoparaseudesejodesesacrificar.Teráelerealmentepensadoemutilizarosfederados,indodeencontroàdecisãotantasvezesreafirmadadenãoseroreidaJacquerie?Seassimfoi,porquemotivoogeneralGourgaud,quetambémouviuaconfissãodeNapoleão,nãoomencionaemLacampagnede1815…(op.cit.,p.143)?Poroutrolado,Napoleãocertamenteavaliamelhorem1816queumanoantesaascendênciarealistasobreos“cidadãosvira-casaca”eainstabilidadedamultidão.

5.Ibid.6.GeneralbarãoThiébault,MémoiresdugénéralbaronThiébault,Paris,LeLivreChezVous,t.II,p.282-3.7.NapoleãoemLasCases,SantaHelena,apudA.Dansette,Napoléon:penséespolitiquesetsociales,Paris,Flammarion,1969,p.426.8.A.Palluel,Dictionnairedel’empereur,Paris,Plon,1969,p.1056.9.P.Morand,L’artdemourir,seguidodeLesuicideenlittérature,Paris,1933,p.37.10.M.Monestier,Suicides:histoire,techniquesetbizarreriesdelamortvolontairedesoriginesànosjours,Paris,LeChercheMidi,

1995,p.38.11.A.Dansette,Napoléon…op.cit.,p.425.12.J.-M.DesCilleuls,“Yvan,chirurgiendeNapoléon”,extraídodosArchivesdeMédecineetdePharmacieMilitaires,v.CIII,n.6,1935,

p.1026s.

15.“Sozinho,nadaposso”

1.A.-M.,condedeLavalette,Mémoiresetsouvenirs…,op.cit.,p.194.2.A.-J.-M.-R.Savary,duquedeRovigo,MémoiresduducdeRovigo…,op.cit.,p.145.

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3.AinformaçãoéfornecidaindiretamenteporP.FleurydeChaboulonemsuasMémoires…,op.cit.,p.226.4.A.-J.-M.-R.Savary,duquedeRovigo,MémoiresduducdeRovigo…,op.cit.,p.145-6.5.SeguimosaquiorelatodasessãopeloMoniteurUniversel,n.174,23jun1815,p.715s.6.Ibid.7.A.-F.Villemain,Souvenirscontemporains…,op.cit.,p.299.8.CâmaradosRepresentantes(1814-48),Auxélecteursdel’arrondissementdeGuéret:biographiedeM.Leyraud,Guéret,1846,p.1s.9.LeMoniteurUniversel,23jun1815,p.716s.10.H.deGallier,“LucienBonaparte”,RevuedesRevues,15abr1904,p.481;A.-F.VillemainescreveemseusSouvenirscontemporains…

(op.cit.,p.301)queLaFayette,sucedendoSolignacnatribuna,afirmacomautoridade:“Quefiqueregistrado:seNapoleãonãosedecidirporsimesmo,vouproporsuadeposição.”OrelatodoMoniteurUniversel(n.174,23jun1815)omiteessaousadiadogeneral.

11.A.-F.Villemain,Souvenirscontemporains…,op.cit.,p.301.12.R.Margerit,Waterloo:18juin1815,Paris,Gallimard,1964,p.463.13.A.-F.Villemain,Souvenirscontemporains…,op.cit.,p.301.14.OmarechalSoult.15.LeMoniteurUniversel,n.174,23jun1815,p.716.16.C.vonClausewitz,Campagnede1815enFrance,op.cit.,p.183e189.17.RespeitamosaquiohoráriofornecidonorelatodasessãopeloMoniteurUniversel,op.cit.,p.717.

16.Osacrifício

1.A-J.-M.-R.Savary,duquedeRovigo,MémoiresduducdeRovigo…,op.cit.,p.147.2.PelomenoséoqueafirmaAugustePetiet,adidodoestado-maiordeDavout,queatribuiumadessascartasaFouchéemseusSouvenirsmilitairesdel’histoirecontemporaine,Paris,Dumaine,1844,p.225.

3.A-J.-M.-R.Savary,duquedeRovigo,MémoiresduducdeRovigo…,op.cit.,p.148.4.P.FleurydeChaboulon,Mémoirespourserviràl’histoiredelavieprivée…,op.cit.,p.227.5.Davout,convencidoporFouché,dáamesmaopinião.6.Montholon,Récitsdelacaptivitédel’empereurNapoléonàSainte-Hélène,Paris,Paulin,1847,t.I,p.7.7.H.Carnot,MémoiressurLazareCarnot…,op.cit.,p.513.AocontráriodeH.Houssaye(1815,v.3,op.cit.,p.59),consideramosqueosdepoimentosdeMontholonedofilhodeCarnotsãocomplementares.OministrodoInterior,obcecadodesdeseuMémoireadresséauroienjuillet1814(Paris,Vauguelin,1815)comavoltadosultracontrarre-volucionáriosaopoder,incitamaisumavezoimperadoraumaditaduramilitarprovisória.

8.A-J.-M.-R.Savary,duquedeRovigo,MémoiresduducdeRovigo…,op.cit.,p.153-4.Marchand,emseusMémoires…(op.cit.,p.230),dáoutraversão:“Sãounsloucos,dizNapoleão,eLaFayetteeseusaliadosunstolos,politicamente:queremminhaabdicaçãoetrememdemedodequeeunãoaaceite.Havereideaceitá-laeaomesmotemporesponsabilizá-lospelosmalesqueseabaterãosobreaFrança.Queremqueeuabdiqueemfavordemeufilho,oqueéumabsurdoquandoosinimigosestãoàsportasdePariseosBourbonvêmatrásdeles.Unidos,poderíamossalvar-nos;divididos,nãotemosrecursos.”

9.H.deGallier,“LucienBonaparte”,RevuedesRevues,op.cit.,notamanuscritadopríncipe;J.Thiry,LasecondeabdicationdeNapoléonIer,Paris,Berger-Levrault,1945,p.53.

10.P.FleurydeChaboulon,Mémoirespourserviràl’histoiredelavieprivée…,op.cit.,p.229;A.-F.Villemain,Souvenirscontemporains…,op.cit.,p.302-3.

11.Emumprimeiromomento,NapoleãojuntavaaosministrosseusirmãosLucieneJoseph.ComoMaretobservassequeaCâmaratomariaissocomoprovocação,oimperadorriscouseusnomes.

12.P.FleurydeChaboulon,Mémoirespourserviràl’histoiredelavieprivée…,op.cit.,p.229-30;L.Bonaparte,LavéritésurlesCent-Jours,op.cit.,p.108s;L.Marchand,Mémoires…,op.cit.,p.230;A.-J.-M.-R.Savary,duquedeRovigo,MémoiresduducdeRovigo,op.cit.,p.154;A.-F.Villemain,Souvenirscontemporains…,op.cit.,p.303.

13.H.Carnot,MémoiressurLazareCarnot…,op.cit.,p.514.14.J.-P.Bertaud,Quandlesenfantsparlaientdegloire…,op.cit.,p.226.15.J.LeBrun,Lepouvoird’abdiquer:essaisurladéchéancevolontaire,Paris,Gallimard,col.L’EspritdelaCité,2009,p.251.16.L.Bonaparte,LavéritésurlesCent-Jours,op.cit.,p.114-24.OpríncipeLucienapresentanessemomentoamonarquiaimperialcomoum

corpomísticoque,aexemplodaqueledarealezadosBourbon,nuncamorre.“Oimperadorestámorto,vivaoimperador!”,disseele.Algunsanosdepois,mudariadeopinião,confessandoseuerroeapresentandooirmãocomomagistradoeleito,como“reidopovo”.

17.I.Saint-Elme,Souvenirsd’unecourtisane…,op.cit.,p.743.

17.“EntregomeufilhoàFrança”

1.ReproduzimosorelatodasessãovespertinapeloMoniteurUniversel,n.174,23jun1815,p.717-9.

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2.A.-C.Thibaudeau,Mémoires…,op.cit.,p.513.3.Pairaumasuspeitadeorleanismosobreesseadvogadoquejáemabrilseopunhaaojuramentoaoimperador.ElesedefendedaacusaçãoemsuasMémoiresdeM.Dupin,Paris,Plon,t.I,p.17.

4.MoniteurUniversel,op.cit.,p.717.5.SegundoVillemain,DupinteriasidoinclusiveastuciosooupérfidoosuficienteparaafirmarnoArtigo1oqueaCâmaraaceitava“puraesimplesmente,semqualquercondição,aabdicaçãodeNapoleão”,oqueeraoexatocontráriodotextodoimperador,vinculandoaabdicaçãoàhereditariedadedacoroa.

6.ÉaopiniãodeVillemainemseusSouvenirscontemporains…,op.cit.,p.355.7.SegundoH.Houssaye,1815,v.1,LesCent-Jours,op.cit.,p.65.8.I.Saint-Elme,Souvenirsd’unecourtisane…,op.cit.,p.743.9.Jáem1812osministros,informadospelogeneralMaletdosupostofalecimentodosoberano,nãotinhampensadoemsalvaguardarosdireitosdoreideRomacriandoumConselhodeRegência.Questionadosobreaomissão,umdirigenterespondera:“OreideRoma?Ah!Nesseaíninguémnuncapensa!”Oquediziatudoquantoàconfiançanaperenidadedasinstituiçõesimperiais.

10.G.duMortier,marquêsdeLaFayette,Mémoires,correspondanceetmanuscrits…,op.cit.,t.V,p.456.11.A.-F.Villemain,Souvenirscontemporains…,op.cit.,p.362;P.FleurydeChaboulon,Mémoirespourserviràl’histoiredelavie

privée…,op.cit.,p.233.12.Anônimo,EsquissehistoriquesurlesCent-Jours…,op.cit.,p.51.13.P.FleurydeChaboulon,Mémoirespourserviràl’histoiredelavieprivée…,op.cit.,p.234.Oautorafirmaemnotaquenadeliberação

nãolhehaviasidoatribuídootítulodeimperador:eleforachamadoapenasdeNapoleãoBonaparte.

18.Oodiosojugoestrangeiro

1.A.-F.Villemain,Souvenirscontemporains…,op.cit.,p.308s;LeMoniteurUniversel,op.cit.,p.719.Ojornalseequivocaquantoaoiníciodasessão,afirmandoqueocorreuàs5h30.

2.A.Thiers,HistoireduConsulatetdel’Empire,op.cit.,t.XX,p.385.Drouot,umdosquetêmestaopinião,aproximou-sedomarechalparacensurá-loporsuasafirmativas“commodosgravesedoces”.

3.NeyestásempresejustificandopeloserrostáticosdequeéacusadoporNapoleão.Pensandoemseexilar,opríncipefoiem21dejunhoaoencontrodeFouchéparapedir-lhepassaportes,quelheforamfornecidos.FouchélheteriaditadoocomportamentoqueveioaassumirnodiaseguintenaCâmara?Époucoprovávelqueoorgulhosomilitartenhaaceitadodesempenharpapeldecoadjuvante.ComoassinalaVillemain:“Suaspalavras,arrancadascomtorturadofundod’alma”,eram“visivelmentesinceras.”Thibaudeauasconsidera,aocontrário,palavrasdeumhomemqueperdeuacabeça.VerA.-C.Thibaudeau,Mémoires…,op.cit.,p.518.

4.A.-F.Villemain,Souvenirscontemporains…,op.cit.,p.315.5.Ibid.,p.317s;MoniteurUniversel,op.cit.,p.720.6.A.-C.Thibaudeau,Mémoires…,op.cit.,p.514-5.7.E.-D.Pasquier,Histoiredemontemps,mémoiresduchancelierPasquier,Paris,Plon,1893-95,t.III,p.253.

19.Osparisienseseaabdicação

1.I.Saint-Elme,Souvenirsd’unecourtisane…,op.cit.,p.743.2.Hortense,rainhadaHolanda,Mémoires,Paris,MercuredeFrance,2006,p.428.3.E.LaBretonnière,Macédoine,souvenirsduQuartierlatin…,op.cit.,p.271-2.4.AN,AFIV1934/28,BulletindelaPréfecturedePolicedeParis.5.AN,F73200/4.6.E.-L.-F.Bary,Cahiersd’unrhétoriciende1815,Paris,Hachette,1890,p.135-6.7.EletambémserecusouasejuntaraLuísXVIIIemGand,aguardandoqueosacontecimentosseesclarecessem.8.MarquesadeMontcalm,Monjournal,1815-1818,pendantlepremierministèredemonfrère,Paris,Grasset,1935,p.69s.9.P.Brugière,barãodeBarante,SouvenirsdubarondeBarante,del’AcadémieFrançaise,1782-1866,organizadoporClaudedeBarante,Paris,Calmann-Lévy,1892,t.II,p.152s.

10.Existeaícertoexagero.11.Oautor,favorávelaFouché,nãoentendebemamanobradoministro.12.L’AbdicationdeBonaparte,panfletoanônimode1815.NaBibliotecaNacionalencontra-setambémumapeçadeteatropublicadaem

1815eintituladaBuonaparteoul’abusdel’abdication,piècehistorico-héroïco-romanticobouffonneencinqactesetenprose,ornéededanses,dechants,decombats,d’incendies,d’évolutionsmilitairesetc…Oautor(A.Martainville)apresentaumNapoleãoque,maltendodeixadoopoder,jápensaemreconquistá-lo.

13.ApudR.Margerit,Waterloo…,op.cit.,p.477.14.PontécoulantevocaaíamissãodeFouchéemNantes,emmarçode1793.Nela,Fouchélançaraumaproclamaçãoexortandoa“vingara

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pátria”pelarevoltadaVendeia.15.EmseusSouvenirshistoriquesetparlementairesducomtedePontécoulant(ancienpairdeFrance),extraitsdesespapiersetde

sacorrespondance,1764-1848,Paris,1893,ocondeapresenta-secomcertoexagerocomooatorprincipaldanoitede22dejunho.

20.OreideRomaéfrancês?

1.CondedePontécoulant,Souvenirshistoriquesetparlementaires…,op.cit.,p.397.2.Seguimos,quantoaestasessão,orelatodoMoniteurUniversel,n.175,sábado,24jun,p.721s.3.Posteriormenteelereconheceriaseuerro;verL.Bonaparte,LavéritésurlesCent-Jours,op.cit.,p.113s.4.A.-F.Villemain,Souvenirscontemporains…,op.cit.,p.333.5.OcolégioeleitoraldeSeinelevantouseissemanasantesamesmaobjeção,privandoopríncipedodireitodevoto.Opríncipenãoousoureclamar.VerP.DuvergierdeHauranne,Histoiredugouvernementparlementaire,1814-1848,Paris,MichelLévyFrères,1870-72,t.III,p.71.

6.A.-F.Villemain,Souvenirscontemporains…,op.cit.,p.336-7.7.Ibid.8.A-J.-M.-R.Savary,duquedeRovigo,MémoiresduducdeRovigo…,op.cit.,p.158.9.C.-F.,barãodeMéneval,NapoléonetMarie-Louise,Souvenirshistoriques…,op.cit.,p.531.10.L.Marchand,Mémoires…,op.cit.,p.231.11.E.-D.Pasquier,MémoiresduchancelierPasquier…,op.cit.,p.255.

21.Ocortejodosvencedores

1.C.vonClausewitz,Campagnede1815enFrance,op.cit.,p.183e189;L.Navez,Lacampagnede1815,t.II,DeWaterlooàParis,Bruxelas,1912,p.15-6.

2.LuísXVIII,saxãoporpartedemãe,interessava-separticularmentepelodestinodessepaís.3.J.Keegan,L’Artducommandement,Alexandre,Wellington,Grant,Hitler,Paris,Perrin,2010,p.201s.4.A.W.,duquedeWellington,TheDispatchesofFieldMarshal,theDukeofWellington,DuringhisVariousCampaignsinIndia,Denmark,Portugal,Spain,theLowCountries,andFrance.From1799to1818,Londres,Murray,1838,v.12,p.494-5.

5.A.W.,duquedeWellington,AntonyBrett-James(org.),WellingtonatWar,1794-1815:ASelectionofhisWartimeLetters,Londres/NovaYork,MacmillanandCo./St.Martin’sPress,1961,p.312.

6.A.C.Mercer,JournaldelacampagnedeWaterloo,Paris,B.Giovanangeli,col.ÉditionduGrenadier,2007,p.137-8.7.B.Jackson,Lieutenant-colonelBasilJackson.WaterlooetSainte-Hélène:notesetsouvenirsd’unofficierd’état-major,Paris,Plon,1912,p.123s.

8.J.Hantraye,LescosaquesauxChamps-Elysées,op.cit.,p.58s.9.Àacusaçãodapropagandarealista,referindo-seaNapoleãocomoumcorsosanguinárioquenemsequererafrancês,osbonapartistasrespondemdenunciandoosBourbon,quevoltaramnascarroçasdoestrangeiro.Sobreessaguerradepalavras,verE.deWaresquiel,L’Histoireàrebrousse-poil:lesélites,laRestauration,laRévolution,Paris,Fayard,2005,p.157.

10.A.W.,duquedeWellington,TheDispatchesofFieldMarshal…,op.cit.,p.491-6.11.Elesóvemasabê-loem24dejunho,aoleroJournaldel’Empire;verE.deWaresquiel,Cent-Jours,latentationdel’impossible…,

op.cit.,p.446.

22.Maquinaçõesdohomem-serpente

1.A.-C.Thibaudeau,Mémoires…,op.cit.,p.520.2.P.FleurydeChaboulon,Mémoirespourserviràl’histoiredelavieprivée…,op.cit.,p.245.3.E.-D.Pasquier,MémoiresduchancelierPasquier…,op.cit.,t.III,p.255-7.4.Atéserdetidoem4deabril,Vitrolles,ajudantedocondedeSaint-Aulaire,animavaemToulouseomovimentoderesistênciarealista.5.E.-F.-A.d’Arnaud,barãodeVitrolles,inE.Forges(org.),MémoiresetrelationspolitiquesdubarondeVitrolles,1815-1830,Paris,Charpentier,t.III,1884,p.43-5.

6.Réalavisaem23dejunhoquemilitaressepreparamparaincendiarosquatrocantosdacapitalparaqueNapoleãonãodeixeopoder.AN,F73200/4.

7.E.-F.-A.d’Arnaud,barãodeVitrolles,Mémoiresetrelationspolitiques…,op.cit.,p.48.8.AN,Afiv1933,atasdassessõesdaComissãodeGoverno.

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9.Carnot,filho,contaahistóriadeoutramaneiraemsuasMémoiressurLazareCarnot…(op.cit.,p.517):“Aoentrarnasala,eantesmesmoquetodossesentassem,ogeneralGreniertomouapalavra:‘Senhores’,disseele,‘devemosnosconstituirprontamente.Proponhoqueosr.duquedeOtrantesejanomeadopresidente.’Caulaincourtaprovou.Quinetteinclinou-sesemnadadizer.Tendoseexpressadoamaioria,Carnotnemchegouavotar.”

10.A.-C.Thibaudeau,Mémoires…,op.cit.,p.520.11.ÉaopiniãodofilhodeLazareCarnot,verH.Carnot,MémoiressurLazareCarnot…,op.cit.,p.518.

23.Osinteressesdeumhomemeosdapátria

1.UtilizamosnestecapítuloorelatodoMoniteurUniversel,n.175,24jun1815,p.722s.2.J.Fouché,MémoiresdeFouché,op.cit.,p.456.3.EstaúltimainformaçãoéfornecidaporA.-F.Villemain,Souvenirscontemporains…,op.cit.,p.377.4.Ibid.,p.379-80.5.A.Dupin,MémoiresdeM.Dupin,op.cit.,t.1,p.18.6.A.-F.Villemain,Souvenirscontemporains…,op.cit.,p.382.7.A.Thiers,HistoireduConsulatetdel’Empire,op.cit.,t.XX,p.326.8.P.FleurydeChaboulon,Mémoirespourserviràl’histoiredelavieprivée…,op.cit.,p.250.9.A.-F.Villemain,Souvenirscontemporains…,op.cit.10.Ibid.,p.387.11.G.duMortier,marquêsdeLaFayette,Mémoires,correspondanceetmanuscrits…,op.cit.,t.V,p.524.12.P.Brugière,barãodeBarante,SouvenirsdubarondeBarante,op.cit.,p.157-8.13.Srta.Cochelet,MémoiressurlareineHortense…,op.cit.,p.140.14.E.LaBretonnière,Macédoine,SouvenirsduQuartierLatin…,op.cit.,p.273-4.LaBretonnièreengana-seaoafirmarqueodomingofoi

odiadaproclamação.15.SabemosdaadmiraçãodoczarpelarainhaedaestimaqueelatinhaporeledesdequeLuísXVIII,apedidoseu,afizeraduquesade

Saint-Leu,em1814,comumapensãode400milfrancos.16.Hortense,rainhadaHolanda,Mémoires,op.cit.,p.434-5.17.A.-F.Villemain,Souvenirscontemporains…,op.cit.,p.370.18.Ibid.,p.371.

24.Queserádoimperador?

1.A.-C.Thibaudeau,Mémoires…,op.cit.,p.521.2.P.FleurydeChaboulon,Mémoirespourserviràl’histoiredelavieprivée…,op.cit.,p.259.3.E.-D.Pasquier,MémoiresduchancelierPasquier…,op.cit.,p.263.4.Angebert,RecueildesActesduCongrèsdeVienne,Paris,Amyot,1863-64,t.IV,p.1458.5.A.-C.Thibaudeau,Mémoires…,op.cit.,p.521-524.6.J.Fouché,MémoiresdeFouché,op.cit.,p.458:“Eusóconseguiracalaraquelaturbadealtosfuncionários,marechaisegeneraisgarantindo-lhe,porassimdizer,sobreminhacabeça,suasegurançapessoaleadesuafortuna.Foiassimqueobtive,porassimdizer,cartabrancaparanegociar.”

7.Ibid.,p.459.8.Ibid.,p.457-8.9.Verp.301-2.10.A.-C.Thibaudeau,Mémoires…,op.cit.,p.525.11.L.Davout,CorrespondancedumaréchalDavout,princed’Eckmühl:sescommandement,sonministère,1801-1815,Paris,Plon,

1885,t.IV,n.1761,p.570.12.J.Fouché,MémoiresdeFouché,op.cit.,p.455-6.13.E.-D.Pasquier,MémoiresduchancelierPasquier…,op.cit.,p.265.14.P.FleurydeChaboulon,Mémoirespourserviràl’histoiredelavieprivée…,op.cit.,p.253.

25.OsonhodocidadãoBonaparte

1.F.-R.deChateaubriand,Mémoiresd’outre-tombe,op.cit.,t.I,p.1496.

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2.E.deWaresquiel,Talleyrand:leprinceimmobile,Paris,Fayard,2003.3.Ch.-M.deTalleyrand,Mémoirescompletsetauthentiques,Paris,Bonnot,1989,t.III,p.195.4.S.Durand,MémoiressurNapoléon,l’impératriceMarie-LouiseetlaCourdesTuileriesavecdesnotescritiquesfaitesparleprisonnierdeSainte-Hélène,Paris,Ladvocat,1828,p.275.

5.OdoutorF.-L.PoumièsdelaSibourieéumdosraroscontemporâneosafalardoêxododecamponesesanteoavançodosprussianos.VersuaobraSouvenirsd’unmédecindeParis,Paris,Plon,1910,p.160.

6.JournaldeParis,24-25jun;vertambémGazettedeFrance,24jun.7.A.-J.-M.-R.Savary,duquedeRovigo,MémoiresduducdeRovigo…,op.cit,t.VIII,1828,p.159-62.8.A.-M.,condedeLavalette,Mémoiresetsouvenirs…,op.cit.,p.353-4.9.Em1816,NapoleãodescreveaLasCasesnestestermososonhoalimentadoumanoantes;veroMémorialdeSainte-Hélène,op.cit.,t.1,p.647-8.

Epílogo

1.Obrigadoadeixaroministériosobpressãodosdeputadosultrarrealistasrecém-eleitos,FouchéénomeadoembaixadoremDresden,em15desetembrode1815.Nofimdedezembrode1815,excluídodaleideanistia,édemitido.ErraentrePragaeLinzemorreemTrieste,em26dedezembrode1820.

2.A.Castelot,Marie-Louise:impératricedemalgréelle,Paris,Perrin,1998,p.244.3.W.Bruyère-Ostells,LaGrandeArméedelaliberté,Paris,Tallandier,2009.4.FragmentosdasmemóriasdeMolé,RevuedelaRévolution,1888,t.XI,p.89.5.B.Constant,MémoiressurlesCent-Jours,Paris,J.-J.Pauvert,1961,p.392.6.P.Lévêque,“LaRévolutionde1815”,inLesEntretiensd’Auxerre,LesCentJoursdansl’Yonne…,op.cit.,p.51s.7.Aos25departamentosnosquaisBluche(LePlébiscitedesCent-Jours,op.cit.)constatouqueo“sim”noplebiscitosuperavaamédianacional,cabeacrescentar,comoassinalaP.Lévêque(“LaRévolutionde1815”,op.cit.,nota52),osdepartamentosdeIsère,AineRhône,queforneceram90%a100%docontingentedeguardasnacionaisvoluntários.

8.J.-P.Bertaud,LesroyalistesetNapoléon,Paris,Flammarion,2009,p.203s.9.VeraesserespeitoJ.Boutier,P.BoutryeS.Bonin,Lessociétéspolitiques,inAtlasdelaRévolutionFrançaise,t.VI,publicadopelaÉcoledesHautesÉtudesenSciencesSociales,Paris,1992.

10.P.Lévêque,“LaRévolutionde1815”,inLesEntretiensd’Auxerre,LesCentJoursdansl’Yonne…,op.cit.,p.70.VernomesmocolóquiooscomentáriosdeM.Agulhon,p.184s.

11.B.Constant,MémoiressurlesCent-Jours,op.cit.,p.141.12.Ibid.,p.186s.13.VeremLesEntretiensd’Auxerre,op.cit.,osdebatesentreH.Hamon,M.Agulhon,F.Blucheetc.,p.80s.14.E.Quinet,Histoiredelacampagnede1815,Paris,M.LévyFrères,1862,p.339.15.V.Hugo,Lesmisérables,Paris,FranceLoisirs,1999,t.I,p.412.16.Ibid.

Anexo

1.AN,AFIV1935.2.AN,F73734,AFIV1935,F7.3.AN,F73734,AFIV1934.4.AN,AFIV1934.5.AN,F79669,F79667,F79653.6.Angoulême,F9640,Aurillac,F79639,Mont-deMarsan,F79668,Bayonne,F79689,Perpignan,F79691,Tulle,F79642,Mantauban,F70706,Périguex,AN,IV1938.

7.CharlesdeRémusatestimaemdoisoutrêsdiasotempoqueumanotícialevavaparachegardeParis:Mémoiredemavie,Paris,Plon,1958-67,t.I,p.209.

8.AN,F79661Gironda.9.AN,F79639.10.AN,F1cIIIBaixosAlpes8.11.AN,AFIV1934/9.12.Dr.H.Voisin,DelapremièreabdicationdeNapoléonIerjusqu’àlafindesCent-Joursàtraverslesproclamationsetlesaffiches,

Lille,Lefebvre-Ducrocq,1920,p.54s.13.AN,AF1935/20.

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14.AN,AFIV1937/298.15.AN,AFIV1937/296.16.Ibid.17.L.Canler,MémoiresdeCanler,ancienchefdesûrete,Paris,MercuredeFrance,1986,p.38.18.AN,AFIV1938.19.AN,AFIV1935/20eF73734.20.AN,F73734.21.Ibid.22.Ibid.Entreoutroscaminhos,édeCalaisquechegaaLondresanotíciadaabdicação.Nasegunda-feira,dia27,aimprensainglesadivulga

ainformaçãocomalgunsdetalhesereflexões.OsjornaisjulgamqueNapoleãoestá“presonopaláciodoEliseu”.

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Listademapas

1.Parisem1815

2.Ainvasão:situaçãoem22dejunho

3.AmarchadosaliadosparaParis

4.Oanúnciodaabdicação

5.Otelégrafoem1815

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Índiceonomástico

Aclocque,André-Arnoult,guardanacional,1AlexandreI,czar,1,2Altmer,agenterealista,1André,AntoineBalthazarJoachim,barãode,cheferealista,1Andréossy,Antoine-François,condede,general,pardaFrança,1,2-3Angoulême,LouisAntoinedeBourbon,duquede,1,2nAngoulême,Marie-Thérèse-CharlottedeFrance,duquesade,1,2Arnault,Antoine-Vincent,deputado,1Autichamp,CharlesMariedeBeaumontde,chefenaVendeia,1

Babeuf,FrançoisNoël,conhecidocomoGraco,político,1,2Balbi,AnneNompardeCaumont,condessa,conhecidacomosra.de,1Barante,ProsperBrugière,barãode,1,2BarèredeVieuzac,Bertrand,conde,deputado,1,2,3Barras,Paul,visconde,político,1Barrié,barão,marechaldecampo,1Bassigny,agenterealista,1Bayard,André,mairedePlainville,1Beauharnais,Hortensede,rainha,1,2-3,4,5,6-7,8,9,10-11,12,13Beauharnais,Josefinade,imperatrizdaFrança,1Beaumont,sr.de,cheferealista,1Bedoch,PierreJoseph,deputado,1-2Bérenger,Thomas,deputado,1,2-3Berlier,Théophile,conselheirodeEstado,1Berry,CharlesFerdinandd’Artois,duquede,1BertierdeSauvigny,Ferdinandde,cavaleirodaFé,1Bertrand,ÉlisabethFrançoise,1,2Bertrand,HenriGatien,conde,general,1,2,3Bessières,François,deputado,1Bigarre,AugusteJulien,condede,general,1Bignon,LouisPierreÉdouard,condede,ministro,1,2BigotdePréameneu,FélixJulienJean,deputado,1Blacas,PierreLouisJeanCasimir,duquede,1,2Blankenstein,agenteprussiano,1Blücher,GebhardLeberechtvon,príncipedeWahlstatt,marechal,1,2,3,4-5,6,7,8-9Bocquet,réu,1Boissyd’Anglas,François-Antoinede,condede,delegado,1,2,3-4,5,6,7Bonaparte,Jérôme,reidaWestfália,1,2,3,4,5,6,7nBonaparte,Joseph,reidaEspanha,1,2,3,4,5,6,7,8,9,10,11n,12n,13nBonaparte,Letícia,1,2Bonaparte,Lucien,príncipe,1,2,3,4,5-6,7-8,9,10,11,12,13,14-15,16,17,18,19-20,21-22,23,24n,25nBonaparte,Luís,reidaHolanda,1Bordet,Hippolyte,1BorydeSaint-Vincent,Jean-Baptiste,deputado,1Bouchage,FrançoisJosephdeGratet,viscondede,agenterealista,1Bouillé,François-Claude-Amour,marquêsde,1

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BoulaydelaMeurthe,AntoineJacquesClaudeJoseph,conde,ministro,1,2,3-4Bribers,condede,1Brune,GuillaumeMarie-Anne,marechal,1,2Brunswick-Wolfenbüttel,Charles-Guillaume-Ferdinandde,generalprussiano,1Bülow,FriedrichWilhelmvon,generalprussiano,1Burget,François,padre,1Busche,Antoine,prefeito,1

Cadoudal,Georges,chefechouan,1Cadoudal,Josephde,chouan,1Caligny,Bernard-Henri-LouisHue,marquêsde,1Cambacérès,Jean-Jacques-Régisde,ministro,1,2,3-4,5,6,7,8Carnot,Lazare,conde,ministro,1-2,3,4,5,6-7,8,9,10,11,12-13,14,15,16,17,18,19,20,21,22,23,24,25,26,27,28,29,30,31,32,33,34-

35,36,37n,38n-39nCarnot-Feulins,Claude-Marie,general,1Castéja,AndrédeBiaudos,condede,ex-subprefeito,1Castlereagh,RobertStewart,visconde,ministro,1,2Caulaincourt,ArmandAugustinLouis,duquedeVicence,marquêsde,1-2,3,4,5,6,7-8,9,10,11,12,13,14,15nChappe,Claude,cientista,1Chaptal,Jean-Antoine,ministro,1CharettedeFresnière,chefedaVendeia,1CharettedelaContrie,François-Athanasede,chefedaVendeia,1Chastellux,Georginede,1Chateaubriand,FrançoisRenéde,literato,1,2Chénier,André,poeta,1Cochelet,LouiseParquin,conhecidacomosrta.,leitoradarainhaHortense,1,2,3Collot,general,1Compans,JeanDominique,general,1Condorcet,Nicolasde,político,1Constant,Benjamin,escritorepensadorpolítico,1,2,3-4,5,6-7,8-9CornudetdesChaumettes,Joseph,condeepardaFrança,1,2Crochon,Alexandre,Romain,deputado,1

Damien,Robert-François,criminoso,1Darricau,Augustin,general,1,2David,funcionário,1Davout,LouisNicolas,duquedeAuerstaedt,príncipedeEckmühl,marechal,1-2,3,4,5,6,7,8,9,10-11,12,13,14,15-16,17,18,19,20-21,

22nDebure,ex-guardadorei,1Decrès,Denis,almirante,ministro,1,2,3,4,5,6Defermon,Jacques,conselheirodeEstado,deputado,1,2,3nDejean,JeanFrançoisAimé,pardaFrança,1,2Delauge,srta.,subprefeita,1Delessert,Benjamin,deputado,1Desmarest,Pierre-Marie,chefedapolíciasecreta,1-2,3,4,5-6,7-8Dillon,LauredeGirardin,sra.de,1,2Drouot,Antoine,generalepardaFrança,1,2-3,4-5,6nDubois,Antoine,médico,1nDubois,LouisNicolas,deputado,1Duchesne,AntoineLouisHippolyte,deputado,1,2,3Duhesme,GuillaumePhilibert,conde,general,1Dumas,Mathieu,general,1,2Dumolard,Joseph,Vincent,deputado,1,2-3,4,5Dumonceau,Jean-Baptiste,general,1Dumond,financista,1

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Duperron,tenente,1Dupin,André,deputado,1,2-3,4,5,6,7nDupontdel’Eure,Jacques,Charles,deputado,1Durosnel,AntoineJeanAuguste,general,comandanteadjuntodaguardanacional,1Duthilt,Pierre-Charles,capitão,1-2

Espinchal,Hippolyted’,conde,cheferealista,1

FantindesOdoards,Louis-Florimond,coronel,1,2Fauchet,JosephJeanAntoine,prefeito,1Feltre,HenriJacquesGuillaumeClarke,duquede,ministro,1FerranddelaBasterne,sra.,agenterealista,1Fesch,Joseph,cardeal,1,2FlahautdelaBillarderie,CharlesFrançois,conde,general,1-2,3,4,5,6Flaugergues,PierreFrançois,deputado,1,2,3,4,5,6-7FleurydeChaboulon,PierreAlexandreÉdouard,barão,secretáriodeNapoleão,1,2,3,4-5Fouché,Joseph,conde,duquedeOtrante,1,2,3-4,5-6,7-8,9,10,11,12-13,14-15,16,17,18-19,20,21,22,23,24,25,26,27,28,29-30,31,

32-33,34-35,36,37,38,39,40,41-42,43-44,45,46-47,48-49,50,51-52,53,54-55,56,57,58n,59n,60nFredericoGuilhermeIII,reidaPrússia,1Frémiet,Louis,fiscaldecontribuições,1-2,3n

Gaillard,MauriceAndré,homemdeconfiançadeFouché,1GarnierdeSaintes,Jacques,deputado,1Garrau,Pierre-Anselme,deputado,1Gassicourt,CharlesLouisde,farmacêuticodoimperador,1-2Gaudin,MartinMichelCharles,duquedeGaëte,ministro,1GaultierdeClaubry,Henri-François,médico,1Gombaut,sra.,vendedoradejornais,1GombeaudeRozac,irmãos,agentesrealistas,1Gourlay,Jean-Mariede,deputado,1Grenier,Paul,general,deputado,1,2,3,4,5nGrouchy,Emmanuel,marquêsde,marechal,1,2,3,4,5,6,7-8,9-10,11,12,13GuilhermeIdeOrange,reidosPaísesBaixos,1Guizot,François-Pierre,político,1,2

Hamburger,agenteprussiano,1Harel,Maximilien-Marie,vigário,1Hébert,Jacques-René,político,1HydedeNeuville,Jean-Guillaume,barão,cheferealista,1,2

Jackson,Basil,oficialinglês,1Jaffard,agenterealista,1Jaucourt,Arnail-François,marquêsde,1Jay,Antoine,deputado,1,2,3-4,5-6,7Jesset,agenterealista,1Joubert-Bonnaire,Joseph-François,deputado,1

Kellermann,FrançoisChristophe,duquedeValmy,marechal,1

LaBédoyère,CharlesAngéliqueFrançoisHuchetde,general,1-2,3,4,5,6-7,8,9-10,11,12,13-14,15,16LaBretonnière,Émile,estudante,1-2,3-4,5,6,7nLaFayette,GilbertduMotier,marquêsde,general,1,2,3,4,5-6,7-8,9-10,11,12,13-14,15,16-17,18,19,20,21-22,23-24,25,26-27,28,29,

30,31,32,33,34,35-36,37n,38n,39n,40nLaVillette,sr.de,agenterealista,1Lacépède,BernardGermain,condede,1,2,3-4Lacoste,HenriVerdierde,conde,deputado,1,2,3,4,5

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Lafon,abade,1Laforest,condede,plenipotenciário,1Lamarque,JeanMaximilien,general,1Lambrechts,CharlesJosephMathieu,deputado,1-2Lameth,AlexandreThéodoreVictor,condede,prefeito,1,2,3Lanjuinais,JeanDenis,presidentedaCâmaradeRepresentantes,1,2,3-4,5,6,7,8,9,10,11,12,13,14,15,16nLaporte,FrançoisSébastienChristophe,ex-convencional,1LarréguydeCivrieux,Silvain,oficial,1Lascours,RenauddeBoulogne,barãode,general,deputado,1,2Lassu,agenterealista,1Latour-Maubourg,Charles-CésardeFay,condede,general,1-2,3Lavalette,AntoineMarieChamans,condede,diretordosCorreios,1,2-3,4-5,6,7nLavallière,oficial,agenterealista,1LeNormant,réu,1Lebrun,Charles-François,grão-mestredauniversidade,1Lefebvre,François-Joseph,duquedeDantzig,marechal,1Lefebvre,Paul,deputado,1Lefèvre,diretordosCorreios,1Legouvé,Gabriel-Marie,poeta,1Lemare,Pierre-Alexandre,padre,1LepeletierdeSaint-Fargeau,Félix,deputado,1Lespinasse,agenterealista,1Leyraud,André,deputado,1Louis,Joseph-Dominique,barão,1LuísFilipe,duquedeOrleans,1,2,3,4,5nLuísXVI,reidaFrança,1,2,3,4,5,6,7,8,9,10,11LuísXVIII,reidaFrança,1,2,3-4,5,6,7-8,9,10,11,12-13,14-15,16,17-18,19,20,21-22,23,24,25,26,27,28-29,30,31,32,33,34-35,36,

37,38,39,40,41,42,43,44-45,46,47,48,49,50,51n,52n-53n,54n,55n,56n

MacDonald,ÉtienneJacquesJoseph,duquedeTarente,marechal,1,2,3,4,5,6Magnan,comissáriodepolícia,1Mahoney,sr.de,cheferealista,1Malet,Claude-François,general,1,2,3nMalleville,Jacques,marquêsde,1Manuel,JacquesAntoine,deputado,1,2-3,4,5,6,7,8,9,10,11-12,13-14,15,16Marchand,LouisJoseph,primeiro-camareirodeNapoleão,1,2,3nMaret,Hugues-Bernard,duquedeBassano,secretáriodeEstado,1,2,3,4nMariaLuísa,imperatrizdaFrança,1,2,3,4,5Masséna,André,príncipedeEssling,marechal,1,2Mayeux,ex-convencional,panfletário,1Mercer,AlexanderCavalié,oficialinglês,1MerlindeDouai,PhilippeAntoine,ministro,1,2Metternich,Clement-Wenceslas,ministroaustríaco,1Milhaud,Jean-Baptiste,general,1Mirabeau,HonoréGabrielRiquetti,condede,político,1,2,3Mollien,NicolasFrançois,conde,ministro,1Monjardet,sr.de,agenterealista,1Montcalm,marquesade,1Montesquiou-Fezensac,Élizabeth-Pierrede,condede,deputado,1MontvioldeSaint-Bonnet,sra.,agenterealista,1Morin,agenterealista,1Mourgue,JeanScipionAnne,deputado,1-2Mouton-Duvernet,RégisBarthélemy,general,1,2,3Murat,Joachim,reideNápoles,1,2,3

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NapoleãoII,reideRoma,imperadordaFrança,1,2,3,4,5,6,7-8,9,10-11,12,13,14,15,16,17,18-19,20,21-22,23-24,25,26,27,28,29,30,31

Ney,Michel,príncipedaMoscóvia,marechal,1,2,3,4-5,6,7,8,9,10,11,12nNicolas,sr.de,cheferealista,1Nicolas,sra.,diretoradeumaescolademoças,1-2,3n

Oudinot,NicolasCharlesMarie,marechal,1,2,3Ouvrard,Gabriel-Julien,financista,1,2n

Paroletti,GaétanCamilleThomas,general,1Pasquier,Étienne-Denis,ex-chefedepolícia,1-2,3-4Pech,Joseph,tesoureiro,1PeletdelaLozère,Joseph,altofuncionário,1PeletduMorvan,general,1Penard,sra.,agenterealista,1Penières-Delzors,JeanAugustin,deputado,1Peyrusse,GuillaumeJoseph,barão,1Picard,sra.,vendedoraderoupa,1Pierre,subprefeito,1Ponsard,cidadão,1Pontécoulant,LouisGustavePoncetde,conde,pardaFrança,1,2,3-4,5,6-7,8-9,10,11-12,13,14,15nPotin,sra.,agenterealista,1Preissac,Lambertde,agenterealista,1Prinette,cidadão,1

Quinette,NicolasMarie,barão,deputado,1,2,3n

Rabillon,empregadodeescritório,1Rambuteau,Claude-PhilibertBarthelot,condede,deputado,1Rapp,Jean,general,1Ravaillac,François,criminoso,1Ravenel,marquêsde,1Réal,Pierre-François,chefedepolícia,1,2,3-4,5,6nRegnaultdeSaint-Jean-d’Angély,Michel,ministro,1,2,3,4-5,6,7-8,9,10-11,12,13,14,15,16,17,18nRicé,colaboradordeTalleyrand,1Robespierre,Maximiliende,político,1,2,3,4,5,6,7,8,9nRodriguèsdeCoursol,agenterealista,1Roederer,PierreLouis,comissárioextraordinário,1,2Roquelaure,sr.de,cheferealista,1Rousseau,Jean-Jacques,homemdeletras,1Rouvroy,sr.de,agenterealista,1Rouvroy,sra.de,agenterealista,1Roy,Antoine,deputado,1Royer-Collard,Pierre-Paul,filósofo,1,2

Saint-Elme,Ida,mulher-soldado,1Saint-Hubert,cheferealista,1Saunier,SébastienLouis,prefeito,1Savary,Anne-Jean-Marie-René,duquedeRovigo,inspetor-geraldagendarmaria,1,2,3,4,5nScey,Pierre-Georges,condede,1Sébastiani,Horace,general,1,2,3Ségur,Louis-Philippe,condede,1,2,3,4Sémalé,condede,1Sémonville,Barthélemyde,cheferealista,1,2Serres,sr.,subprefeito,1

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Sérurier,Jean-MathieuPhilibert,marechal,1Sieyès,EmmanuelJoseph,abade,pardaFrança,1,2,3nSolignac,Jean-Baptiste,general,deputado,1-2,3,4,5nSoult,NicolasJean-de-Dieu,duquedeDalmatie,marechal,1,2,3,4,5,6-7Suchet,LouisGabriel,duquedeAlbufera,marechal,1,2Suzannet,cheferealista,1

Talleyrand-Périgord,Charles-Mauricede,príncipedeBénévent,1,2,3,4,5,6,7-8,9Texier-Olivier,Louis,prefeito,1Thibaudeau,Antoine-Claire,pardaFrança,1-2,3,4,5-6,7,8,9,10,11,12,13,14,15,16,17nThiébault,Paul,general,barão,1Thielmann,JohannAdolf,barãovon,generalprussiano,1Thuriot,JacquesAlexis,ex-convencional,1Trefcon,ToussaintJean,coronel,1

Valence,Jean-BaptisteCyrusdeTimbrunedeThiembronne,condede,1,2-3,4-5Vatry,AlphéeBourdonde,ajudantedecampo,1Venevelle,coronel,1Versfelt,MariaverSaint-Elme,IdaVillemain,Abel-François,conferencista,1-2,3,4-5,6,7,8,9,10,11,12,13,14,15nVitrolles,Eugèned’Arnaud,barãode,cheferealista,1,2,3-4,5nVitrolles,Thérèsede,1Voyerd’Argenson,Marc-RenédeVoyerdePaulmyd’Argenson,conhecidocomo,deputadoeplenipotenciário,1-2

Wailly,Étienne-Augustinde,diretordoLiceuNapoleão,1Wellington,ArthurWellington,duquede,1,2,3,4-5,6,7,8-9,10,11,12

Yvan,Alexandre-Urbain,cirurgiãodoimperador,1

Ziethen,HansJoachimvon,generalprussiano,1

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Títulooriginal:L’Abdication(21-23juin1815)

Traduçãoautorizadadaprimeiraediçãofrancesa,publicadaem2011porFlammarion,deParis,França

Copyright©2011,Flammarion,Paris

Copyrightdaediçãobrasileira©2014:JorgeZaharEditorLtda.ruaMarquêsdeS.Vicente99–1º|22451-041RiodeJaneiro,RJtel(21)2529-4750|fax(21)[email protected]|www.zahar.com.br

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Todososdireitosreservados.Areproduçãonãoautorizadadestapublicação,notodoouemparte,constituiviolaçãodedireitosautorais.(Lei9.610/98)

GrafiaatualizadarespeitandoonovoAcordoOrtográficodaLínguaPortuguesa

Capa:SérgioCampanteImagemdacapa:©TheBridgemanArtLibraryProduçãodoarquivoePub:SimplíssimoLivros

Ediçãodigital:abril2014ISBN:978-85-378-1211-2