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INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DO RNMESTRADO PROFISSIONAL EM EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA
PROFEPT - POLO MOSSORÓ
Mossoró
Concepções Divergentes: o Movimento Escola Sem Partido e as Bases Conceituais
da Educação Profissional e Tecnológica
Geraldo Bruniak/ANPkGeraldo Bruniak/ANPkGeraldo Bruniak/ANPk
DAGMA REGO DE QUEIROZPROF. DR. FÁBIO ALEXANDRE ARAUJO DOS SANTOS
PROF. DR. ALEKSANDRE SARAIVA DANTAS
https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/
INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DO RNMESTRADO PROFISSIONAL EM EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA
PROFEPT - POLO MOSSORÓ
Mossoró
DAGMA REGO DE QUEIROZPROF. DR. FÁBIO ALEXANDRE ARAUJO DOS SANTOS
PROF. DR. ALEKSANDRE SARAIVA DANTAS
Mossoró/RN - 2021
Concepções Divergentes: o Movimento Escola Sem Partido e as Bases Conceituais
da Educação Profissional e Tecnológica
FICHA CATALOGRÁFICABiblioteca IFRN – Campus Mossoró
Autor
Dagma Rego de Queiroz
Prof. Dr. Fábio Alexandre Araújo dos Santos
Prof. Dr. Aleksandre Saraiva Dantas
Projeto Gráfico e diagramação
Israel Sousa da Silva
Revisão de texto
Márcio Vinícius Barreto da Silva
INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DO RNMESTRADO PROFISSIONAL EM EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA
PROFEPT - POLO MOSSORÓ
Mossoró
Concepções Divergentes: o Movimento Escola Sem Partido e as Bases Conceituais
da Educação Profissional e Tecnológica
Queiroz, Dagmá Rego de. Concepções divergentes : o movimento escola sem partido e as bases conceituais da educaçãoprofissional e tecnológica / Dagmá Rego de Queiroz, Fábio Alexandre Araújo dos Santos, Aleksandre
Saraiva Dantas. – Mossoró, RN, 2021. 59 p. : il. color.
Produto Educacional integrante da Dissertação: A educação profissional e tecnológica comocontraposição à ideologia do movimento escola sem partido: uma proposta interventiva comprofessores do IFRN/Campus Mossoró. (Mestrado em Educação Profissional e Tecnológica) – Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte, Programa de Pós-Graduação em Educação Profissional e Tecnológica, 2021.
1. Movimento escola sem partido. 2. Educação profissional e tecnológica. 3. Produto educacional. I. Santos, Fábio Alexandre Araújo dos. II. Dantas, Aleksandre Saraiva. III. Título.
CDU: 377(0.078)
Q3
Ficha catalográfica elaborada pela bibliotecária Viviane Monteiro da Silva CRB15/758
E Não Sobrou Ninguém
Primeiro levaram os comunistas,
Mas não falei, por não ser comunista.
Depois, perseguiram os judeus,
Nada disse então, por não ser judeu,
Em seguida, castigaram os sindicalistas
Decidi não falar, porque não sou sindicalista.
Mais tarde, foi a vez dos católicos,
Também me calei, por ser protestante.
Então, um dia, vieram buscar-me.
Nessa altura, já não restava nenhuma voz,
Que, em meu nome, se fizesse ouvir.
Martin Niemöller, pastor luterano,
que passou sete anos preso em campos
de concentração
Figura 3 – A criação de adão.....................................................................................................15
Figura 1 – A bancada evangélica e a homofobia............................................................;............15
Figura 2 – IV Marcha Nacional Contra a Homofobia..............................................................15
Figura 4 – Inquisição sem Partido.............................................................................................19
Figura 5 – O professor e o jovem inocente...............................................................................19
Figura 6 – Tempos modernos nas escolas..................................................................................20
Figura 7 – Manifestantes do MBL a favor do MESP................................................................21
Figura 8 – Escola sem partido, recatada e do lar.......................................................................22
Figura 9 – A discussão de gênero: o dito, o não dito e o interdito............................................22
Figura 10 – Deputada pede que alunos denunciem professores...............................................23
Figura 11 - Quem defende a liberdade?....................................................................................23
Figura 12 – Paulo Freire, o brasileiro mais citado e referenciado no mundo...........................24
Figura 13 – Paulo Freire, um dos melhores educadores da nossa História...............................24
Figura 14 – Fragmento de Mafalda...........................................................................................24
Figura 15 – Sala de aula............................................................................................................25
Figura 16 – Escola sem Partido.................................................................................................25
Figura 17 – O partido da Escola Sem Partido...........................................................................25
Figura 18 – O conhecimento é uma ponte para acessar novos caminhos.................................25
Figura 19 – Escola sem Partido.................................................................................................25
Figura 20 - O MESP, o militarismo e a religião: retorno ao tradicionalismo...........................25
Figura 21 – Miguel Nagib, fundador do MESP........................................................................25
Figura 22 – O MESP propõe a assepsia política da escola.......................................................25
Módulo II
Figura 1 – Roubaram o giz, professora!....................................................................................31
Figura 2 – Ronai Rocha, educador brasileiro simpático à ideologia do MESP.........................33
Figura 3 – Hannah Arendt e Max Weber...................................................................................34
Figura 4 – Professores e estudantes mobilizados contra o MESP.............................................36
Figura 5 – O movimento estudantil se mobiliza contra as leis do MESP.................................37
Figura 6 – Imagem da Frente Escola sem Mordaça..................................................................37
Figura 7 – Cartaz Carta Aberta.................................................................................................37
Módulo III
Figura 1 – A alienação do trabalho............................................................................................44
Figura 2 – Educação em Marx e Engels: politecnia e emancipação humana...........................45
Figura 3 – A politecnia em Pistrak (1888-1937), educador soviético.......................................45
Figura 4 – Riqueza e Miséria do Trabalho no Brasil: trabalho digital, autogestão e expro-
priação da vida..........................................................................................................................45
Figura 5 - O fetichismo da mercadoria.....................................................................................46
Figura 6 - Alienação do trabalho e fetichismo da mercadoria..................................................47
Módulo I
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 7 – O homem confere qualidades humanas à mercadoria e a mercadoria coisifica
o homem....................................................................................................................................47
Figura 8 – Imagens de meninas em trabalho análogo à escravidão..........................................47
Figura 9 – Antonio Gramsci (1891-1937), o sardo que renovou o marxismo..........................48
Figura 10 – Gramsci, a escola unitária e o trabalho como princípio educativo........................48
Figura 11 – Dermeval Saviani, referência brasileira em educação...........................................49
LISTA DE TABELAS
Módulo I
Tabela 1 – Movimento Escola Sem Partido: origem e conceitos..............................................13
Módulo II
Tabela 1 – Os epígonos e os críticos associados ao MESP.......................................................30Tabela 2 – Aproximações e distanciamentos discursivos entre MESP e PCESP......................38
Módulo III
Tabela 1 – As bases conceituais da EPT....................................................................................43
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO.......................................................................................................................................
INTRODUÇÃO...........................................................................................................................................
MÓDULO I - Movimento Escola Sem Partido: origem e conceitos.....................................
1. Antecedentes e origem histórica do MESP...............................................................................
2. Neutralidade política e imparcialidade ideológica................................................................
2.1. Matemática sem partido..............................................................................................................
2.2. Português sem partido.................................................................................................................
3. A legislação como instrumento de pressão político-pedagógico do MESP................
3.1. A doutrinação é um problema grave?....................................................................................
3.2. A doutrinação esquerdista apontada pelo MESP está de fato acontecendo?........
3.3. Qual é o poder dos professores sobre os alunos?............................................................
3.4. Os professores formam um “exército de militantes”?......................................................
3.5. O Escola Sem Partido é apartidário?.......................................................................................
3.6. As propostas do MESP defendem a pluralidade no ensino?........................................
3.7. É correto impedir a discussão de gênero, como quer o MESP?...................................
3.8. O marxismo é um método de doutrinação esquerdista?...............................................
3.9. Há base para dizer que Paulo Freire faz “proselitismo ideológico” e
“doutrinação marxista”?.......................................................................................................................
3. 10. O marxismo é um método de doutrinação esquerdista?...........................................
3. 11. Resumo do Módulo I.................................................................................................................
4. Referências...........................................................................................................................................
5. Sugestões de vídeos para assistir...............................................................................................
6. Exercícios...............................................................................................................................................
MÓDULO II - Os epígonos e os críticos associados ao MESP................................................
1. O MESP e a questão da ética docente.......................................................................................
2. As demandas do MESP na visão de um defensor.................................................................
3. “Professores contra o Escola Sem Partido”...............................................................................
4. Resumo do Módulo II.......................................................................................................................
5. Referências...........................................................................................................................................
6. Sugestões de vídeos para assistir.................................................................................................
7. Exercícios................................................................................................................................................
MÓDULO III - As bases conceituais da EPT...................................................................................
1. Politecnia e omnilateralidade: o trabalho como princípio educativo...........................
2. A Escola Unitária e o trabalho como princípio educativo.................................................
3. Pedagogia histórico-crítica............................................................................................................
4. Resumo Módulo III............................................................................................................................
5. Considerações finais.........................................................................................................................
6. Referências...........................................................................................................................................
7. Sugestões de vídeos para assistir................................................................................................
8. Exercícios...............................................................................................................................................
9
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14
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59
59
Este e-book apresenta um apanhado histórico acerca do Movimento Escola Sem
Partido (MESP), cujo material foi utilizado na aplicação do meu produto educacional, um
curso de formação pedagógica para os professores do Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte, Campus Mossoró - IFRN/MO. Este produto
educacional é um requisito exigido pelo Programa de Pós-Graduação em Educação
Profissional e Tecnológica (PROFEPT) que foi aplicado aos docentes do IFRN/MO, por
intermédio de um curso de formação pedagógica. O PROFEPT é um mestrado profissional,
ofertado em rede, cujo objetivo é proporcionar formação acadêmica em Educação
Profissional e Tecnológica (EPT) aos profissionais da Rede Federal de Educação Profissional,
Científica e Tecnológica (RFEPCT) e aos demais profissionais que se interessem pela
temática.
A formação, em nível de mestrado, tem como requisito (para a obtenção do título de
mestre) a escrita de uma dissertação e a elaboração de um produto educacional (ou
didático) que abordando a relação da educação profissional com o mundo do trabalho,
objetivando a produção de conhecimentos e a formação continuada dos profissionais da
RFEPCT. Por sua vez, a área de concentração do Profept é em Educação Profissional e
Tecnológica – EPT, compreendendo processos educativos em espaços formais e não
formais relacionados ao mundo do trabalho e à produção de conhecimento, numa
perspectiva interdisciplinar, visando à integração dos campos do Trabalho, da Ciência, da
Cultura e da Tecnologia. Compreende ainda os espaços educativos em suas dimensões de
organização e implementação, com um enfoque de atuação visando a promover a
mobilização e a articulação de todas as condições materiais e humanas necessárias para
garantir a formação integral do estudante.
O programa de mestrado em análise possui duas linhas de pesquisa: 1 – Práticas
educativas em educação profissional e tecnológica; 2 - Organização e memórias de
espaços pedagógicos na educação profissional e tecnológica, sendo nesta primeira linha
que nossa pesquisa e produto educacional estão inseridos .
O e-book está dividida em três módulos, em consonância com o formato do Curso
de Formação Pedagógica “Duelo de Concepções: o movimento Escola Sem Partido e as
bases conceituais da Educação profissional e Tecnológica”. O primeiro módulo aborda a
origem histórica e os conceitos defendidos pelo MESP. O segundo módulo, por sua vez,
aborda os autores associados ao MESP, bem como os críticos do Movimento dentro do
Brasil, mais especificamente o blog Professores Contra o Escola Sem Partido - PCESP. Por
fim, no terceiro módulo, abordamos as bases conceituais da EPT, mais especificamente: a
relação entre a politecnia e a omnilateralidade; a escola unitária e o trabalho como princípio
educativo; a pedagogia histórico-crítica e a EPT.
Nosso intuito, com este material digital, é subsidiar estudantes e demais
pesquisadores que buscam informações concentradas acerca dessa temática. Como
complemento ao texto, colocamos diversos vídeos e exercícios que ajudarão na
compreensão do tema abordado.
APRESENTAÇÃO
9
Com este produto educacional – sob o formato de e-book -, pretendemos
apresentar os aspectos históricos, políticos, sociais e ideológicos do Movimento Escola
Sem Partido(MESP), esclarecendo, ao mesmo tempo, em que se constituiu o Programa
de Mestrado Profissional em Educação Profissional e Tecnológica – PROFEPT.
Ao se constituir em um contraponto ao MESP - que defende o cerceamento à
liberdade de cátedra e a censura à liberdade de expressão - este projeto de pesquisa
pretende contribuir para desmistificar a ideologia conservadora do MESP, recorrendo
para isso a uma investigação dos docentes do IFRN/MO, com base no tema “A Educação
Profissional e Tecnológica como Contraposição à Ideologia do Movimento Escola Sem
Partido: Uma Proposta Interventiva com Professores do IFRN/Campus Mossoró”,
tentando responder ao seguinte problema: como podemos contribuir para a percepção
crítica e autônoma dos docentes do IFRN/Campus Mossoró, face ao ideário do MESP e
seus impactos na proposta de Ensino Médio Integrado?
Em resposta ao problema proposto, este produto educacional visa a contribuir
para uma educação pública de qualidade, laica e socialmente referenciada,
fundamentada nas bases conceituais da EPT, cujo objetivo é articular educação,
trabalho, ciência e tecnologia, mostrando comprometimento com uma formação
omnilateral dos educandos, capaz de desenvolver cidadãos e profissionais críticos-
reflexivos, que tenham conhecimentos técnicos e políticos, empenhados na superação
da sociedade do capital.
Por conseguinte, este produto educacional tem o objetivo de facilitar a
compreensão do MESP e de sua ideologia, que se contrapõe às bases conceituais da
Educação Profissional e Tecnológica brasileira. Neste e-book digital, trazemos à tona
discussões referentes às relações existentes entre o MESP e o Ensino Médio Integrado à
Educação Profissional e Tecnológica, nomeadamente por meio de uma intervenção
pedagógica, envolvendo os docentes do IFRN, campus Mossoró.
Julgamos que esta intervenção pedagógica, ocorrida por intermédio de um
curso de formação pedagógica e continuada, cujo material didático utilizado está
expresso neste e-book, possa ser reproduzida em outras instituições da Rede Federal
de Educação Profissional, Científica e Tecnológica – RFEPCT, e servindo como subsídios
para outros estudos e pesquisas acerca dessa temática.
Em síntese, nosso objetivo é discutir o MESP e sua relação com a educação
profissional e tecnológica, ressaltando alguns aspectos em particular, a saber: os
antecedentes e a origem histórica do movimento; a questão da suposta doutrinação
ideológica e da “ideologia de gênero”; o papel do marxismo como teoria crítica do
MESP; além da definição das bases conceituais da EPT, dentre as quais selecionamos
estas como as mais relevantes para nossa pesquisa e nosso produto educacional:
politecnia e omnilateralidade: o trabalho como princípio educativo; a escola unitária e o
trabalho como princípio educativo; a pedagogia histórico-crítica.
INTRODUÇÃO
10
Em tempos obscuros, como os que nos afligem na presente quadra histórica, são
necessárias coragem para resistir e disposição para lutar, face os imensos e urgentes
desafios que se nos apresentam. Este texto pretende dar sua pequena contribuição
nesse sentido, tentando apressar a vinda de uma sociedade mais livre, menos desigual e
mais pluralista.
11
Movimento Escola Sem Partido: origem e conceitos
Objetivo: Avaliar as possíveis consequências que o ideário do MESP acarretaria para
o Ensino Médio Integrado à Educação Profissional e Tecnológica
Atividades assíncronas: ler os textos, assistir aos vídeos e responder o exercício
Tempo disponível: 06 h
Atividades síncronas: palestras e debates ao vivo, mediante a Plataforma Microsoft
Teams
Tempo disponível: 02 h
© Conteúdo sob licenciamento Creative Commons Atribuição 4.0
1. Antecedentes e origem histórica do MESP
O Movimento Escola Sem
Partido (MESP) tem tido, nos últimos
anos, uma visibilidade acadêmica
substancial, em virtude de suas
propostas de cerceamento da
liberdade de cátedra dos docentes
em todo o país.
Sob as alegações de que os
docentes e a s e sco la s e s tão
realizando doutrinação política e
ideológica, realizando uma espécie
de “lavagem cerebral” em alunos
“indefesos” e “inocentes”, à mercê de
professores “maléficos” e “mal-
i n tenc ionados ”, o MESP tem
mobilizado amplos setores da direita
brasileira - alguns moderados, outros
radicais –, no sentido de aprovarem
legislação restritiva à liberdade de
cátedra e de fala dos professores.
A principal alegação para que
os professores não tenham liberdade
de expressão em sala de aula é que os
alunos são uma “audiência cativa”
dos professores, ou seja, os alunos
não dispõem da opção de não
escutar os professores¹ (CARA,
2016).
O Movimento Escola Sem
Partido (MESP), nascido em 2004,
mediante ação de Miguel Nagib,
Procurador de Justiça do Estado de
São Pau lo , é c l a ramente um
movimento político e educativo de
i n s p i r a ç ã o n e of a s c i s t a ³ . S u a
linguagem remete a uma semântica
de conotação nazi-fascista, ao
comparar professores a “parasitas
ideológicos” que contaminam o
ambiente educacional e que, por isso
mesmo, precisariam ser desinfetados
(ALGEBAILE, 2017, p. 64).
O MESP tem suas inspirações
teóricas e práticas em movimentos
norte-americanos como o Now
Indoctrination e o Creation Studies
Institute³, defensores de uma
concepção ultraconservadora de
mundo, na política e nos costumes. O
primeiro faz uso da mesma pauta
ideológica do MESP para combater as
ideias de esquerda e a liberalização
de costumes e comportamentos
(CREATION STUDIES INSTITUTE,
2021).
1 - Em nossa pesquisa, utilizamos a nomenclatura de "movimento" para denominar o que se convencionou chamar de Escola Sem Partido. Dessa forma, estamos em sintonia com a maioria dos autores que estudam este movimento. Ressaltamos, todavia, que alguns autores, a exemplo de Algebaile (2017), denominam o movimento de "organização", o que de fato acabou ocorrendo a partir de 2015, quando o MESP se tornou de fato e de direito uma organização.
2 - O neofascismo é uma ideologia surgida após a II Guerra Mundial que inclui elementos significativos do fascismo como o nacionalismo, o anticomunismo e oposição ao sistema parlamentarista e à democracia liberal (NEOFASCISMO, 2021).
3 - Instituto de Estudos da Criação é uma instituição que defende o criacionismo, sediada em Dallas/EUA, promotora e realizadora de uma interpretação literal da criação, no livro de Gênesis, como um evento científico e histórico Missão (CREATION STUDIES INSTITUTE, 2021).
3
14
Segundo Teitelbaum (2020a), tais
movimentos resistem às mudanças
cul tura is as quais as soc iedades
capitalistas, sobretudo as desenvolvidas,
passaram a sofrer a partir dos anos 1960 do
século XX, propondo um retorno aos
valores das sociedades tradicionais. Apesar
de se dizerem liberais em matéria
econômica, estes movimentos são
profundamente conservadores em matéria
de costumes e educação.
Em linhas gerais - e com base em
autores como Penna (2018, p. 36) -,
percebemos que o MESP defende quatro
linhas de atuação referentes à educação
brasileira: a) a primeira traduz-se em uma
concepção de escolarização meramente
instrucional, reducionista e mecanicista; b)
a segunda é uma desqualificação do
professor enquanto profissional; c) a
terceira é o uso de estratégias discursivas
neofascistas; d) a quarta é a defesa do
poder total dos pais sobre os filhos.
O segundo, por sua vez, defende a
interpretação literal da Bíblia e se dedica a
combater a Teoria da Evolução⁴ no sistema
educacional nor te-americano. Esse
combate é estendido à diversidade de
gênero e ao multiculturalismo⁵, vistos
como instrumentos de degeneração da
sociedade cristã americana. Defende
também que a educação deve sair da
esfera pública para a esfera privada, a partir
do que é conhecido como homeschooling,
em por tuguês educação fami l i a r
(ESPINOSA; QUEIROZ, 2017; SILVEIRA,
2019).
Ainda segundo Teitelbaum (2020b),
chegam mesmo a cultivar valores e modos
de vida de sociedades pré-capitalistas,
chegando a não aceitar avanços científicos,
como a Teoria da Evolução, as vacinas e os
métodos anticoncepcionais. O MESP
comunga dos mesmos valores dos
referidos movimentos americanos, ao se
proc lamar l ibera l na economia e
conservador em matéria de costumes e
educação.
https://www.fronteiras.com/artigos/o-criacionismo-nao-e-uma-teoria
https://vamoscontextualizar.wordpress.com/2016/07/12/parem-de-nos-matar/
4 - É a mudança das características hereditárias de uma população de seres vivos de uma geração para outra. Este processo faz com que as populações
de organismos mudem e se diversifiquem ao longo do tempo geológico (EVOLUÇÃO, 2021).
5- É um termo que descreve a existência de muitas culturas numa região, cidade ou país, com no mínimo uma predominante.
http://candidoneto.blogspot.com/2014/10/congresso-
eleito-e-o-mais-conservador.html
Figura 2 – IV Marcha Nacional Contra a Homofobia
Figura 3 – A criação de adão
Figura 1 - A bancada evangélica e a homofobia
15
Em resposta a esta situação, esta
pesquisa visa a contribuir para uma
educação pública de qualidade, laica e
s o c i a l m e n t e r e f e r e n c i a d a ,
fundamentada nas bases conceituais da
EPT, cujo escopo é articular educação,
trabalho, ciência e tecnologia, havendo
havendo compromisso com uma
formação omnilateral⁶ dos educandos,
capaz de desenvolver cidadãos e
profissionais críticos-reflexivos, que
tenham conhecimentos técnicos e
políticos, empenhados na superação da
sociedade do capital (MÉSZÁROS, 2005).
6- Refere-se a uma formação humana que desenvolve todas as dimensões e amplas capacidades do ser humano (PEREIRA; LIMA, 2008).
7. Também chamado de “enclosure” ou “fechamento”: era o processo legal na Inglaterra de cercar pequenas propriedades em fazendas maiores, a partir
do século XIII em diante. Uma vez cercada, o uso da terra tornou-se restrito e disponível apenas para o proprietário e deixou de ser terra comum para
uso comunitário. O historiador marxista E. P. Thompson argumenta que "enclosure” foi um caso bastante claro de roubo de classe. Disponível em:
https://en.wikipedia.org/wiki/Enclosure. Acesso em: 15/01/2021.
2. Neutralidade política e imparcialidade ideológica
16
2.1. Matemática sem partido
Ao utilizarmos os dois textos satíricos
que seguem, retirados de Candido
(2016), apresentamos o aspecto surreal e
nonsense que preside as intenções e
alegações do MESP. Com a propaganda
de retirar da escola as ideologias e
influências de esquerda, o que este
movimento quer mesmo é colocar a
escola sob a influência da ideologia e dos
partidos da direita, cerceando o debate,
a liberdade de pensamento e expressão.
Proc lamando a neutra l idade da
educação, os defensores do MESP se
colocam à serviço dos interesses dos
pa r t idos da d i re i t a , imped indo
educadores e educandos de atuarem de
forma autônoma e crítica na sociedade.
O objetivo é ajustá-los melhor à
sociedade do capital, aceitando as
condições de dominação às quais estão
submetidos.
– Bom dia, professor, aqui é Luíza, do
departamento de desideologização de
material didático da editora.
– Bom dia, Luíza. Em que posso ajudar?
– É sobre algumas modificações que
precisamos que sejam feitas no seu livro.
– Mas eu sou professor de matemática,
filha... – Sim, mas tem uns problemas.
– M e u l i v r o é p a r a o e n s i n o
fundamental... – Então, o seu caso é
simples. O senhor vai ver.
– Fale...
– Logo no início, nos exercícios de
adição. Tem o exercício 6 na página 23,
“João não conseguia dormir então
começou a contar os carneirinhos que,
na sua imaginação, pulavam uma cerca”.
– E qual o problema?
– O problema é que os carneirinhos
pulando a cerca são uma crítica velada
aos enclosements ingleses e uma
referência à acumulação primitiva do
c a p i t a l . P ro p o m o s m u d a r pa ra
“franguinhos entrando no navio, que o
pujante agronegócio brasileiro exporta
para a Europa”.
– Ninguém conta frangos para dormir.
– Justo, por causa da ideologia que
sataniza os produtores rurais que põem
comida na nossa mesa. Tem outro, mais
para frente. Na página 32, o exercício 7
diz que “Rita tinha 18 bananas e comeu
7
4”. Bananas é uma referência ao Brasil
como uma Banana Republic, não pode.
– Troca por laranjas.
– Aí seria uma crítica aos prestadores de
serviços financeiros que ajudam o
empresário a escapar do fisco estatal,
impedindo que o Governo tome seu
dinheiro na forma dos impostos.
Trocamos por abacaxis.
– Abacaxis? Ninguém come quatro
abacaxis.
– Sim, também trocamos “comeu 4” por
“vendeu 4 livremente realizando um
justo lucro por seu esforço”.
– As crianças de 8 anos vão entender
isso?
– Vão entender se for explicado, se a
ideologia deixar de ocultar delas como
as relações comerciais fazem justiça a
quem produz.
– Ah, tá! Mais alguma coisa?
– Tem mais umas coisinhas, eu mando
por e-mail. Mas o mais grave é a parte
final do livro. Precisamos marcar uma
reunião para rever os capítulos 7 e 8.
– Divisão?
– Isso. Divisão é um conceito marxista
que não pode ser usado para doutrinar
as criancinhas.
– Mas como as crianças vão aprender
aritmética sem divisão? – Nossos
especialistas estão finalizando uma
proposta.
A ideia geral é mostrar que a
divisão pode ser correta, desde que a
operação reflita que, por exemplo,
R$100 divididos por 100 pessoas resulte
em 99 reais para uma e o real restante
dividido entre as outras 99.
– Mas isso acaba com a Matemática!
– Acaba com a Matemática igualitária e
comunista que imperou até hoje,
professor, e a substitui por uma
Matemática mais justa! Já temos até um
projeto de lei para ser apresentado ao
Congresso, tornando obrigatório o
ensino da Matemática Meritocrática!!
Ensino da Matemática Meritocrática!!
2.2. Português sem partido– Boa tarde, professora, aqui é Luíza, do
departamento de desideologização de
material didático da editora.
– Boa tarde, Luíza.
– A senhora recebeu a nova versão do
livro?
– Sim. Vocês cortaram um capítulo
inteiro, não foi?
– O de “linguagem coloquial”. Nossos
consultores disseram que isso é uma
bobagem sem tamanho.
– Como assim?
– Que a escola tem que ensinar ao aluno
o Português correto e pronto. O resto, eles
aprendem na rua.
– Mas não tem um português correto,
menina. A língua é uma coisa só, um
o r g a n i s m o v i v o … – D e s c u l p e ,
professora, mas isso de língua viva é
conversa dos esquerdistas da univer-
sidade para confundir a cabeça do povo.
– Mas, mas…
– Em todo caso, já foi cortado. Nossos
livros tratam só do português correto, a
norma culta. Meu assunto com a
senhora é outro.
17
– Qual?
– As recomendações de literatura.
– Ora, eu sigo mais ou menos o que o
ENEM pede.
– O ENEM sempre foi feito por
psicopatas de esquerda que querem
doutrinar as crianças. Agora isso vai
acabar e nós queremos nos preparar.
Doutrinar as crianças. Agora isso vai
acabar e nós queremos nos preparar.
– O que você quer que eu faça?
– Volte aos clássicos, professora.
– Ué, e os que estão lá não são?
– Não, só comunistas do século XX.
Queremos que os alunos leiam Camões,
Dom Diniz, os românticos do XIX, no
máximo um Eça.
– Castro Alves e tal?
– Mas sem as coisas abolicionistas, por
favor, porque a gente sabe que aquilo foi
um movimento subvers ivo para
derrubar o Império.
– Machado?
– A Mão e a Luva.
– Mas Memórias Póstumas e…
– De jeito algum. Esses romances mais
realistas dele são absolutamente
imorais e não é função da escola discutir
questões morais. Ou religiosas. Ou
familiares. Para falar a verdade, nem sei
por que colocar literatura no currículo.
Cada família devia poder controlar o que
seus filhos leem.
– Mas aí a educação universal acaba, né?
– Isso de educação universal é outro
mito. A senhora acha que o menino da
favela tem a mesma educação que o
menino rico?
– Claro que não!
– Pois então, a educação nunca foi
universal, seria melhor deixar isso
explícito. Quem tem mais estuda mais,
quem não tem vai trabalhar para ajudar
a família.
– Mas não seria melhor o menino pobre
estudar, para ter mais chance?
– Olha, não vamos polemizar. A senhora
pode mandar uma nova lista de
sugestões de leitura até sexta?
– Mando, sim.
- Lembre-se: nada do século XX.
Século passado só tinha autor
comunista no Brasil.
18
3. Os artifícios de pressão político-pedagógica do MESP
19
Este capítulo foi elaborado com o
objetivo de mostrar as pressões políticas
e ideológicas que o MESP procede sobre
a educação e a escola brasileiras.
Julgamos necessário darmos uma
resposta às agressões dirigidas aos
professores e às escolas pelo MESP. Este
movimento recorre a estratégias de
a taque , t íp i cas de mov imentos
reacionários que querem suprimir a
liberdade de ensino e o pluralismo de
concepções pedagógicas, princípios
caros ao Estado Democrático de Direito,
amparado em nossa Constituição
Federal de 1988.
Nosso intuito é debater e elaborar
respostas legítimas e adequadas às
alegações levantadas pelo MESP. Para
tanto recorremos a Ratier (2016), em um
texto no qual ele coloca as alegações do
MESP em forma de perguntas e as
rebate com argumentação sólida. Com
este capítulo, pensamos em dar nossa
contribuição para a luta contra violações
individuais sofridas por docentes,
estudantes e escolas, procurando
compreender o MESP em seu contexto
pol ít ico e ideológico de ataque
sistemático ao direito à educação de
crianças, adolescentes, jovens e adultos,
e colocarmo-nos na linha de frente da
afirmação e defesa dos princípios éticos,
políticos e jurídicos que dão suporte à
educação brasileira em suas diferentes
etapas e modalidades.
3.1. A doutrinação é um problema grave? Hoje, é impossível saber o quão
grave e disseminada é a doutrinação. O
projeto se baseia em relatos esparsos e
em uma pesquisa de 2008 encomendada
p e l a r e v i s t a Ve j a a o I n s t i t u t o
CNT/Sensus. A reportagem não detalha
a metodologia do levantamento ou a
margem de erro. Apenas diz que são três
mil entrevistados. É muito pouco para
configurar uma tendência.
C o m o f a l t a m e s t u d o s
sistemáticos sobre o tema, não é possível
saber se os resultados seriam os mesmos
se fossem aferidos hoje ou se outro
levantamento chegaria às mesmas
conclusões.
Figura 4 – Inquisição sem Partido
http://www.nanihumor.com/2016/08/escola-sem-partido.html
3.2. A doutrinação esquerdista apontada pelo MESP está de fato acontecendo?
Não há qualquer comprovação.
Ao contrário: uma pesquisa do Instituto
Datafolha, realizada em 2014, mostra
que há mais brasileiros afinados com
ideias defendidas pela direita (45%) do
que à esquerda (35%) em temas relativos
a comportamento, valores e economia.
Em relação a anos anteriores, há um
avanço da direita e um recuo da
esquerda.https://matematicaeafins.com.br/blog/2018/01/13/escola-sem-partido/
Figura 5 – O professor e o jovem inocente
Também há outras lacunas. Qual
seria o resultado se o foco fosse a
presença religiosa nas escolas? Afora
essa suposta pesquisa, o que existe são
os relatos individuais de quem diz ter
presenciado alguma doutrinação.
Embora o Escola Sem Partido diga
receber numerosas denúncias, a página
eletrônica do movimento registra
somente 33 denúncias. O Brasil possui
mais de 45 milhões de estudantes. É
preciso ter dados mais sólidos para
separar casos isolados de tendências,
além de ser necessária uma visão mais
clara sobre se, onde e em quais situações
o problema acontece.
3.3. Qual é o poder dos professores sobre os alunos?
Para o MESP, o poder dos
docentes sobre os alunos é imenso. A
ideia é de que o estudante estaria
“submetido à autoridade do professor”
e que educadores doutrinadores seriam
“ a b u s a d o r e s d e c r i a n ç a s e
adolescentes”.
A imagem de jovens submetidos
e passivos não encontra eco na
realidade das escolas brasileiras. Eles
são questionadores e não aceitam
facilmente o que se diz. Exemplo desse
protagonismo é a recente onda de
ocupações em escolas públicas de
Ensino Médio lideradas por estudantes.
Ao conceber c r ianças e jovens
manipuláveis, o MESP se inspira em
modelos teóricos ultrapassados há no
mínimo 50 anos.
Desde a década de 1960 ,
pesquisas mostram que as pessoas,
mesmo as mais jovens, escutam uma
m e n s a g e m e re fl e te m s o b re o
significado dela. Podem aceitá-la ou
não, depois de relacionarem o que
ouvem a influências da família, de outros
professores, de amigos, da mídia, na
Igreja e em outros grupos sociais dos
20
3.4. Os professores formam um “exército de militantes”?
Esse argumento é frágil, baseado
em apenas uma pesquisa de opinião e,
ainda assim, dependente de uma
associação controversa de ideias. O
Escola Sem Partido se refere aos
educadores brasileiros como um
“exército organizado de militantes
travestidos", com base em pesquisa
encomendada pela revista Veja ao
Instituto CNT/Sensus, em 2008.
N a s o n d a g e m , 7 8 % d o s
professores dizem que à principal
função da escola é “formar cidadãos”.
Para o MESP, isso equivale a doutrinação
ideológica e política de esquerda.
Tal definição não se enquadra nos
múltiplos significados dos termos
formação e cidadania.
Até o momento, as medições
sobre filiação a partidos políticos não
confirmam a tese do MESP. O IBGE
realizou dois levantamentos sobre o
tema. Ambos são bem antigos, de 1988
e 1996 . Na p r ime i r a , 10% dos
professores da Educação Básica dizem
ser filiados a partidos. Era um índice
superior à média brasileira (4%), mas,
ainda assim, muito distante de ser um
exército.https://vermelho.org.br/2016/07/28/escola-tem-que-ter-partido/
Figura 6 – Tempos modernos nas escolas
21
Outro equívoco é atribuir uma
força imensa à escola na formação do
pensamento das pessoas. Estudos
indicam que, na sociedade atual, a
escola perdeu força diante de outros
grupos e instituições.
quais participam.
3.5. O Escola Sem Partido é apartidário?
O MESP se apresenta como
“apartidário” e diz que “não defende e
não promove nenhum tópico da agenda
l ibera l [no sent ido econômico] ,
conservadora ou tradicionalista. Logo,
não é de direita”. Porém, os apoiadores
d o m o v i m e n t o v ê m q u a s e
exclusivamente desse espectro político.
O Movimento Brasil Livre (MBL), um dos
protagonistas dos protestos pelo
impeachment de Dilma Rousseff, se
autodefine como “liberal e republicano”,
e elegeu o MESP como uma de suas
bandeiras em sua marcha ao Congresso
Nacional no ano passado.
https://novaescola.org.br/conteudo/5352/ato-do-escola-sem-partido-reune-apenas-35-pessoas-em-sao-paulo
Fonte: Ratier (2016, p. 27-37).
Figura 7 – Manifestantes do MBL a favor do MESP
22
3.6. As propostas do MESP defendem a pluralidade no ensino?
Nem todas. Uma das principais
ações contradiz esse princípio. O modelo
de notificação extrajudicial, que ameaça
processar educadores que discutirem
sexualidade e gênero, se sustenta no
direito de as famílias escolherem as
ideias com que as crianças terão contato
na escola.
Muitos pais, por convicções
religiosas, são contra esse debate nas
aulas e o movimento invoca a Convenção
Americana sobre Direitos Humanos para
sustentar o direito dos pais a que seus
filhos recebam “a educação religiosa e
moral que esteja de acordo com suas
próprias convicções”. Esse tipo de
tratado internacional não está acima da
Constituição Brasileira, que atesta que o
Estado é laico (ou seja, não deve sofrer
influência de igrejas).
3.7. É correto impedir a discussão de gênero, como quer o MESP?
Esse não é o caminho escolhido
por países em que as crianças têm alto
desempenho. A Unesco, braço da ONU
para Educação, Ciência e Cultura,
r e c o n h e c e a e d u c a ç ã o p a r a a
sexualidade como uma abordagem
culturalmente relevante para ensinar
sobre sexo e relacionamento de uma
forma “cientificamente precisa, realista e
sem julgamentos”.
Figura 9 - A discussão de gênero: o dito, o não dito e o interdito
https://twitter.com/ltdathayde/status/1080939732006252546
Figura 8 – Escola sem partido, recatada e do lar
http://andarilhocanhoto.blogspot.com/2016/08/escola-sem-partido.html
23
Não há base científi c a n e m
qualquer pesquisa afirmando que a
orientação sexual seja influenciável por
alguém. É provável que essa definição se
dê pe la interação entre fa tores
biológicos (predisposição genética,
n íve i s hormona is ) e ambienta i s
(experiências ao longo da vida) ,
conforme assinala Hogenboom (2015).
https://blogdoaftm.com.br/charge-deputada-pede-que-alunos-gravem-videos-e-denunciem-professores/
3.8. O marxismo é um método de doutrinação esquerdista?
N a s c i ê n c i a s s o c i a i s , o
pensamento de Karl Marx é considerado
um dos mais influentes do século 20. Faz
sentido estudá-lo (o que não significa,
necessariamente, adotá-lo), como
reconhecem mesmo seus críticos. Há
várias pessoas que estudam Marx a
fundo que não aceitam suas ideias.
Raymond Aron, um dos maiores
intelectuais franceses do século 20, é
uma delas. Da mesma maneira, estudar
Adam Smith, um dos pais do liberalismo
econômico, não equivale a fazer
doutrinação liberal.
https://mariomarcos.wordpress.com/2018/11/01/duke-na-charge-do-dia/
Figura 10 – Deputada pede que alunos denunciem professores
Figura 11 - Quem defende a liberdade?
24
3.9. Há base para dizer que Paulo Freire faz “proselitismo ideológico” e “doutrinação marxista”?
Não. Essa é uma leitura distorcida
da obra dele. Para o MESP, Paulo Freire
vê o trabalho de ensinar “como uma
simples modalidade de proselitismo
ideológico ao qual ele dá o nome de
conscientização dos alunos”.
Em sua acepção o r ig ina l ,
prosel i t ismo é um esforço para
converter pessoas para alguma causa ou
r e l i g i ã o . O c o n c e i t o d e
“conscientização”, conforme utilizado
por Freire, é o oposto disso: “Ao ouvir
pela primeira vez a palavra percebi
imediatamente a profundidade de seu
s i g n i fi c a d o , p o r q u e e s t o u
absolutamente convencido de que a
Educação, como prática da liberdade, é
um ato de conhec imento , uma
aproximação crítica da realidade”,
explica ele no livro Conscientização –
Teoria e Prática.
Em diversos momentos, Freire
combateu o proselitismo – fosse o da
Igreja ou o da Educação. Outra crítica
que o MESP subscreve se refere à
suposta “doutrinação marxista” de
Freire. Trata-se de leitura distorcida,
como opina Fernando José de Almeida
na biografia de Paulo Freire: “Ele faz
constantes citações de Karl Marx [...] Mas
isso em nada ameaça o firme bloco
ideológico de seu pensamento: o
pacifismo e um socialismo não radical
nem v io lento – à época , muito
abominado por alguns setores da
esquerda”.
Figura 12 – Paulo Freire, o brasileiro mais citado e referenciado no mundo
https://br.pinterest.com/pin/338192253260253474/
http://www.jornalcontato.com.br/home/index.php/o-partido-da-escola-mestre-jc-sebe-bom-meihy/
Figura 13 – Paulo Freire, um dos melhores educadores da nossa História
Figura 14 – Fragmento de Mafalda
25
http://www.nanihumor.com/2016/08/escola-sem-partido.htmlhttp://www.nanihumor.com/2016/08/escola-sem-partido.html
3.10. O marxismo é um método de doutrinação esquerdista?
Nas ditaduras, os debates são
sufocados. Nas democracias, eles são
acolhidos e estimulados – sem restrição.
Se um g rupo de pes soas acha
importante levantar uma discussão e
defender os seus pontos, ele tem todo o
direito de fazer isso.
Certamente o MESP acredita ter
suas razões e ignorá-lo ou desprezá-lo
não é o melhor caminho. Nossa opção
deve ser pelo debate desarmado, focado
em ideias e evidências.
http://www.nanihumor.com/2016/08/escola-sem-partido.html
https://br.pinterest.com/pin/402650022911007288/
https://www.google.com/search?q=escola+sem+partido+charges&tbm=isch&ved
https://i.ytimg.com/vi/U5PaGjCY22o/maxresdefault.jpg
https://p2.trrsf.com/image/fget/cf/940/0/images.terra.com/2019/07/19/1563506875887.jpg
http://www.seuguara.com.br/2018/11/escola-sem-partido-charge-do-agrepinus.html
Figura 18 – O conhecimento é uma ponte para acessar novos caminhos
Figura 21 – Miguel Nagib, fundador do MESP
Figura 22 – O MESP propõe a assepsia política da escola
Figura 15 – Sala de aula Figura 16 – Escola sem Partido
Figura 17 – O partido da Escola Sem Partido
Figura 19 – Escola sem Partido
Figura 20 - O MESP, o militarismo e a religião: retorno ao tradicionalismo
26
3.11. RESUMO DO MÓDULO I
O MESP fez sua estreia no cenário
político e pedagógico brasileira primeira
década do século XXI. Tributário de
movimentos análogos nos EUA, como o
Now Indoctrination, o MESP continua
atuante, embora tenha perdido um
pouco de sua força original. A partir da
eleição de um candidato conservador à
presidência da República em 2018, o
M E S P to m o u u m n o vo f ô l e g o ,
sobretudo em sua defesa da chamada
pau ta de cos tumes . E s te novo
direcionamento, em direção à pauta de
costumes, deveu-se em grande parte à
posição adotada pelo teórico, inspirador
do governo Bolsonaro, o filósofo Olavo
de Carvalho. Embora ultraconservador,
em suas proposições polít icas e
educacionais, ele postula que a escola
deve ser palco de todas as ideologias e
de todos os partidos. Assim, à fórmula
“escola sem partido”, ele propõe “escola
de todos os partidos”, o que veio
enfraquecer a pauta original do MESP, tal
qual proposta por Miguel Nagib
(FERNANDES, 2018).
Em todo caso, ocorreu
apenas uma migração da pauta original
do Nagib para a pauta do Olavo de
Carvalho, segundo a qual a direita deve
pregar abertamente seus valores e suas
concepções políticas e educacionais
dentro das escolas, disputando espaço
com a esquerda. Ou seja, Olavo de
Carvalho não quer uma escola neutra e
imparcial, ela quer uma escola que
p r e g u e e d e f e n d a o s v a l o r e s
conservadores da ultradireita. Nesse
sentido, ele é mais sincero que o MESP
que propunha uma pauta supostamente
neutra e imparcial que não pregaria nem
os valores da esquerda nem direita,
quando, na verdade, todos nós
sabemos, que o movimento era e é
eminentemente de direita. Portanto, em
virtude dessa diferença entre o Olavo de
Carvalho e o MESP, este último deixou de
ter a visibilidade que tinha anterior-
mente. As pautas do MESP, no entanto,
continuam vigentes sob o encargo do
bolsonarismo, mesmo que este adote
outras formas de estratégia de expansão
e veiculação de seu ideário político-
pedagógico, como as redes sociais.
Com base no que vimos nesse
módulo, nosso entendimento é que,
embora momentaneamente o MESP
não ocupe a visibilidade que ocupava
anteriormente, ele continua atuante,
mesmo que sua pauta de valores esteja
sob o encargo de outros movimentos
políticos e sociais, como o bolsonarismo
e seus mov imentos sa té l i te s e
adjacentes. Logo, a pauta conservadora
continuará atuante na condenação do
mundo moderno e de seus valores. Esta
pauta sempre foi e continua contrária
aos direitos dos LGBTQ+ e a discussão
das questões de gênero, ao divórcio e ao
aborto, à Teoria da Evolução, a favor do
encarceramento em massa como
s o l u ç ã o p a r a a q u e s t ã o d a
criminalidade, contrária à descrimina-
lização de drogas psicoativas, a favor da
27
família nuclear burguesa como único
modelo aceitável de família, dentre
tantas outras posições adotadas pelos
conservadores em todos os tempos.
28
REFERÊNCIAS
BUBNIAK, Geraldo. Governo adota novas medidas para combate ao abandono escolar. O secretário de Educação Renato Feder em visita na Escola Estadual São Cristóvão no início do ano letivo. Curitiba, 2019. Disponível em: https://www.presentenaescola.pr.gov.br/Noticia/Governo-adota-n o v a s - m e d i d a s - p a r a - c o m b a t e - a o -abandono-escolar. Acesso em: 20 set. 2021
CANDIDO, Paulo. Conheça o departa-
mento de desideologização de material
didático da nossa editora. In: SOUZA, Ana
Lúcia Silva et al. A ideologia do
Movimento Escola Sem Partido: 20
autores desmontam o discurso. São Paulo:
Ação Educativa, 2016. p. 23-28.
CARA, D. O programa "escola sem partido"
quer uma escola sem educação. In:
SOUZA, Ana Lúcia Silva et al. A ideologia
do Movimento Escola Sem Partido: 20
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FERNANDES, Douglas. O certo é a escola com todos os partidos, diz filósofo Olavo de Carvalho. Blog do Jamildo. [S.l.], 12 nov. 2018. Disponível em: https://jc.ne10.uol. com.br/blogs/jamildo/2018/11/12/o-certo-e-a-escola-com-todos-os-partidos-diz-filosofo-olavo-de-carvalho/index.html. Acesso em: 29 set, 2021.
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FRIGOTTO, Gaudêncio (org.). Escola
"sem" partido: esfinge que ameaça a
educação e a sociedade brasileira. Rio de
Janeiro: UERJ, LPP, 2017. p. 63-74.
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Partido" é desautorização da profissão
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29
MOURA, Fernanda Pereira de. MESP:
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TE I TELBAUM, B . R . Guer ra pe la
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e a ascensão da direita populista.
Campinas: Editora da Unicamp, 2020a.
T E I T E L B AU M , B . R . B e n j a m n i n .
“ D e s t r u i ç ã o é a a g e n d a d o
Tradicionalismo, a ideologia por trás de
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Letícia Duarte. In: El País. Nova York,
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pais.com/brasil/2020-12-12/benjamin-
teitelbaum-destruicao-e-a-agenda-do-
tradicionalismo-a-ideologia-por-tras-de-
bolsonaro-e-trump.html. Acesso em: 04
mar. 2020.
30
SUGESTÕES DE VÍDEOS PARA ASSISTIR
1. Vídeo (2 min): MESP https://www.youtube.com/watch?v=yEJ0I7D-VAI
2. Vídeo (20min): UNICAMP/MESP: https://www.youtube.com/watch?v=_MJqnAfrkz8
3. Vídeo (4 min): Frigotto/MESP: https://www.youtube.com/watch?v=3PBCbmXnTJA
4. Vídeo (5 min): Karnal/MESP: https://www.youtube.com/watch?v=IfIH3WaJPLc
5. Vídeo (10 min) Safatle/MESP: https://www.youtube.com/watch?v=FrZaAIjH3nk
6. Poodcast sobre neutralidade na educação: https://soundcloud.com/
profscontraoesp/pcesp-10-neutralidade-na-educacao
7. Diversos Podcasts realizados pelo Movimento Professores Contra o Escola Sem
Partido (PCESP). Você pode escutar o PCESP pelo Soundcloud, através do link abaixo, no
S p o t i f y , I t u n e s , D e e z e r, e o u t r o s a g r e g a d o r e s d e p o d c a s t s e m :
https://profscontraoesp.org/podcasts/
8. Vídeo muito engraçado sobre o MESP, disponível pelo blog charges.com.br
https://www.youtube.com/watch?v=2F4CwhCyQ2M
EXERCÍCIOS
1. Com base nas leituras realizadas e nos vídeos assistidos no módulo II, escreva uma
pequena síntese e emita sua opinião sobre a origem e os antecedentes históricos do
MESP.
2. Emita sua opinião, com base nas leituras realizadas no módulo II, sobre a
possibilidade da existência de neutralidade política e imparcialidade ideológica dentro
da sala de aula, quando o professor aborda conceitos, temas, ideias, debate e explica
conteúdos diversos. O professor pode exercer o seu direito de opinião acerca de um
tema ou de uma questão abordada? Ou ele deve simplesmente se abster de dar sua
opinião e permanecer calado? Reflita, leia, pesquisa e responda essa questão.
31
Os epígonos e os críticos associados ao MESP
Objetivo: Identificar aspectos relevantes na obra dos epígonos e críticos associados ao
MESP, relacionando-os com o Ensino Médio Integrado à Educação profissional e
Tecnológica
Atividades assíncronas: ler os textos, assistir aos vídeos, responder o exercício e o
questionário
Tempo disponível: 06 h
Atividades síncronas: palestras e debates ao vivo, mediante Plataforma Microsoft
Teams
Tempo disponível: 02 h
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1. O MESP e a questão da ética docente
desse código de ética docente (SILVA et
al., 2020).
Os programas de formação
docente, quer seja para a educação
básica, quer seja para a superior, têm
priorizado o domínio cognitivo e técnico
do exercício do magistério, ignorando
questões do domínio afetivo e ético,
própr ias do cot id iano escolar e
acadêmico.
Diversas áreas profissionais
possuem códigos de ética próprios,
todavia, no que se refere à docência,
quando existentes, eles estão vinculados
às instituições nas quais o professor
exerce sua profissão, diferentemente de
outras profissões, que os têm de forma
própria, sem vínculo com a instituição na
qua l t r aba lham. Em tempos de
compliance , são cada vez mais exigidas
de corporações e profissões condutas
eivadas de forte componente ético e
moral (SILVA et al., 2020).
Dentre os autores que justificam
as demandas do MESP, Ronai Rocha é um
autor que claramente compartilha da
visão de mundo (educação, escola e
sociedade) do MESP – embora de uma
maneira bem mais soft que a maioria dos
fundamentalistas religiosos e políticos
do movimento - uma vez que, depois de
expor e analisar o código de deveres dos
professores, a ser fixado em sala de aula,
defendido pelo MESP, ele chega à
conclusão de que:
os deveres indicados pelo Escola sem Partido são
chocantemente razoáveis. Eles são trivialmente corretos e nos
obrigam a perguntar: qual é mesmo o problema do Escola sem
Partido. [...] Se deixamos de lado os exageros, devemos
reconhecer que, nesses anos que se passaram desde seu
surgimento, a mobilização do Escola sem partido foi no sentido
de fazer com que os professores cumprissem um código de ética
profissional trivial (ROCHA, 2020, p. 30).
V imos que, ao defender a
necessidade de um código de ética
docente , e le jus t ifica a postura
autoritária do MESP, que reclama a
fixação de um rol de deveres a ser
seguido pelos professores e que deveria
ser afixado na porta das salas de aulas.
Evidentemente, a defesa dessa postura
autoritária do MESP por parte do autor
não exime a categoria docente da
necessidade de um código de ética no
exercício de sua profissão. Todavia, a
instituição menos indicada para elaborá-
lo seria o MESP, haja vista sua conduta
persecutória aos docentes brasileiros.
Julgamos que a feitura de um
código de ética docente cabe às
associações e sindicatos docentes, em
parceria com a família, os alunos e a
comunidade escolar. Os governos
federal, estadual e municipal, por meio
de seus respectivos órgãos educativos,
também poderão participar da feitura
8
8 - Compliance é o conjunto de medidas e procedimentos instituídos com o objetivo de evitar, detectar e remediar a ocorrência de
irregularidades, fraudes e corrupção. Adotar posturas éticas está entre as principais preocupações de uma corporação que almeja o
sucesso, seja uma empresa privada, uma empresa pública ou mesmo instituições associativas sem fins lucrativos. Nos últimos anos,
temos visto até mesmo partidos políticos preocupados com o tema (DONELLA, 2019).
http://www.abo-sc.org.br/a-lei-anticorrupcao-e-a-leitura-atual/
Figura 1 – Roubaram o giz, professora!
34
Categorias profissionais como
advogados, médicos, engenheiros
possuem códigos éticos próprios, pois
estão vinculados a autarquias públicas,
como os conselho federais e regionais
de suas respect ivas profissões ,
regulamentadas por leis específicas.
Com raras exceções, os docentes não
possuem um código de ética específico
que trate de sua atuação profissional.
Sabemos que são escassas as
pesquisas dedicadas a estudar os
problemas éticos decorrentes do
exercício da profissão docente. Segundo
Silva et al. (2020), um destes autores
A maioria das categorias profissionais
costuma ter seu próprio código de ética
que regula o exercício do desempenho
profissional.
A pesquisa de Denisova-Schmidt
(2016) destaca a necessidade de um
comportamento ético dos docentes
face às situações concretas do chão da
sala de aula, tais como: não fraudar a
frequência às aulas ou integralização do
conteúdo programático; não realizar a
substituição indevida por colegas, ou
pessoas estranhas, na realização de
aulas, provas ou trabalhos; não receber
propina para facilitar aprovação de
alunos; não permitir a utilização, por
parte dos alunos, de materiais ou
ferramentas não autorizados durante
exames e avaliações.
Revela-se, assim, a necessidade
de uma conduta ética dos docentes,
mesmo quando inexiste um código
escrito regulamentando sua conduta
em sala de aula.
Com relação a códigos de
conduta ética no serviço público federal,
temos a Lei 8.112/1990, que regula o
regime administrativo e disciplinar do
servidor público federal civil. Todavia, é
uma lei ampla e abrangente que não
especifica nem detalha categorias
profissionais em particular. Além dela,
temos o Decreto n. 1.171/1994, que
trata do Código de Ética Profissional do
Ser vidor Públ ico Civi l do Poder
Executivo Federal. Por ser um decreto e
não uma lei, o Código de Ética instituído
pelo Decreto nº 1.171/94 não é aplicável
aos demais entes federados (Estados,
Distrito Federal e Municípios), nem aos
poderes Judiciário e Legislativo, bem
como às Forças Armadas (BRASIL, 1990;
1994).
O Decreto nº 1.171/94 é aplicável
somente aos servidores públicos
ligados ao Poder Executivo Federal
(Administração Direta e Indireta).
Mesmo assim, não especifica a conduta
em particular de categoriais profissio-
nais, como a dos docentes, apenas
e d i t a n d o n o r m a s d e c o n d u t a
generalistas para os servidores públicos
como um todo (BRASIL, 1994).
Via de regra, códigos de ética
docente estabelecem princípios e
padrões para avaliar a conduta dos
educadores, que, em casos extremos,
podem provocar até a exoneração do
profissional e perda de seu certificado
para lecionar. Dependendo da sua
origem, os códigos de ética têm
características diferentes.
Os das instituições governa-
mentais são rígidos e estipulam sanções
aos infratores, mediante medidas
disciplinares para os comportamentos
fora dos padrões estabelecidos no
código. Por sua vez, os das associações
profissionais possuem caráter educativo
e buscam manter um padrão técnico e
acadêmico , não tendo por fim
35
2. As demandas do MESP na visão de um defensor
Ao analisar as demandas do
MESP, Rocha (2020), como que para
ratificar sua afirmação, e ao mesmo
tempo no intuito de angariar adeptos
para sua visão, despretensiosamente
indaga ao leitor: [...] seria então razoável pensar que os simpatizantes do
Escola Sem Partido são apenas extremistas à beira de um
ataque de nervos? Ressentidos com os pequenos avanços e
as inclusões sociais feitas sob o signo da aliança PT-PSDB?
Não há nas colinas do movimento sequer um cisco de
verdade? Não seria prudente, por amor ao debate, seguir a
sugestão de John Mill, que desconfia que uma opinião
dominante ou geral sobre um assunto nunca constitui toda a
verdade? (ROCHA, 2020, p. 30).
Para Rocha (2020), o MESP possui
certa razão em suas afirmações e
preocupações acerca da existência de
doutrinação ideológica e política em
sala de aula. A este respeito, o autor cita,
reiteradamente, um texto do sociólogo
alemão Max Weber, fruto de uma
palestra em 1917, na Universidade de
Munique, intitulado "A ciência como
vocação", cujo trecho podemos ler em
seguida. Diz-se, e subscrevo, que a política não tem
cabimento nos auditórios universitários. Ela não se ajusta
bem aos estudantes [...]. Mas a política também não incumbe
ao professor. [...] A tomada de posição político-prática e a
análise científica das estruturas e dos partidos políticos são
duas coisas muito distintas. Se, numa assembleia popular, se
fala de democracia, não se faz então nenhum segredo da
posição pessoal: pois tomar partido de uma forma clara é aí
o maldito dever e a obrigação. [...] Em contrapartida, utilizar
assim a palavra numa aula ou numa conferência seria um
sacrilégio. [...] O genuíno docente coibir-se-á de forçar, do
alto da cátedra, a qualquer tomada de posição, quer de
expressamente, quer por sugestão – pois esta seria, sem
dúvida, a forma mais desleal, se é que se trata de ‘deixar falar
os factos’ (WEBER, 1917, p. 21).
Este trecho da palestra do
eminente sociólogo alemão é o
referencial teórico mais consistente,
i n v o c a d o p e l o M E S P, c o m o
fundamentação teórica de suas teses,
estando estas ideias presentes em
muitos documentos e material de
propaganda do movimento, divulgados
na internet e na imprensa de modo
geral.
Além de Max Weber, Hannah
Arendt é uma autora resgatada pelo
MESP, a qual, em virtude de sua conduta
liberal e conservadora face à educação,
é i n v o c a d a p e l o m o v i m e n t o
conservador.
https://www.amazon.com.br/Quando-Ningu%C3%A9m-Educa-Questionando-Freire/dp/
8552000172 http://feiradolivrosm.com.br/escritor-homenageado-da-feira-professor-ronai-
rocha-lanca-obra-sobre-etica-e-politica-em-sala-de-aula/
estabelecer sanções administrativas
(SILVA et al. 2020).
Julgamos que a ausência de
códigos de ética para o exercício do
magistério no Brasil deve ser discutida na
comunidade acadêmica e tratada,
também, como um dos conteúdos a
serem abordados na formação de
professores, em suas respectivas
licenciaturas.
Portanto, a existência de um
código de ética pode suscitar reflexões
sobre a prática profissional e a conquista
de uma identidade para a profissão
docente, identificando valores e
princípios que devem orientar o
exercício profissional do magistério.
Figura 2 – Ronai Rocha, educador brasileiro simpático à ideologia do MESP
36
Rocha enxerga na crise iniciada
em “Maio de 1968” a causa primeira e
última das concepções (e valores de vida
e mundo) da política, da economia, da
arte e da educação que questionaram a
sociedade capitalista, seu establishment
e status quo.
Na visão dele, esse alvoroço pelas
questões pol í t icas e soc ia is em
detrimento da prática educativa,
impediu o progresso e o estudo das
teorias educacionais que abordavam as
práticas pedagógicas, didáticas e
metodológicas , impedindo uma
educação pública de qualidade e uma
progressiva equalização social, deixando
de lado o alcance positivo das atitudes
reformistas na educação, o que na visão
do autor é contraproducente, se
queremos uma educação e uma escola
que ensine mais e politize menos.
O sequestro de Hannah Arendt
pelo pensamento conservador – e,
especificamente, no caso brasileiro, pelo
MESP – deveu-se, deveu-se, dentre
outras razões, a um ensaio escrito por ela
em 1954, intitulado “Reflexões Sobre
Little Rock” e outro escrito em 1957, “A
Crise na Educação”.
No texto, ela aborda o caso da
aluna Elizabeth Eckford, de 15 anos, que
no dia 04 de setembro de 1957, na
cidade de Little Rock, capital do Estado
do Arkansas, nos Estados Unidos da
América, teve sua fotografia exposta em
todos os jornais do país ao ser
perseguida e agredida verbalmente por
um grupo de jovens supremacistas
brancos, na Escola Little Rock Central
High School, porque havia adquirido
mediante ação judicial o direito de
assistir aulas em uma escola frequentada
por brancos, o que antes era proibido
pelas leis dos Estados do Sul.
A passagem, até hoje polêmica,
q u e a colocou como uma das inspira-
doras do MESP, é esta que se segue: A minha primeira pergunta foi: o que eu faria, se
fosse uma mãe negra? Resposta: em nenhuma
circunstância exporia meu filho a condições que
dariam a impressão de querer forçar a sua entrada
num grupo em que não era desejado. Se eu fosse
uma mãe negra no Sul, sentiria que a decisão da
Suprema Corte, involuntária, mas inevitavel-
mente, colocara o meu filho numa posição mais
humilhante do que aquela em que ele se
encontrava antes. A minha segunda pergunta foi:
o que eu faria se fosse uma mãe branca no Sul?
Novamente tentaria impedir que meu filho fosse
arrastado para uma batalha política no pátio da
escola. Além disso, sentiria ser necessário o meu
consentimento para quaisquer mudanças
drásticas não importando qual fosse a minha
opinião a esse respeito. Concordaria que o
governo tem uma participação na educação de
meu filho na medida em que essa criança deve
crescer e se tornar cidadã, mas negaria que o
governo tenha o direito de me dizer em que
companhia o meu filho deva receber a sua
instrução. Os direitos de os pais decidirem essas
questões para os filhos até eles se tornarem
adultos só são questionados pelas ditaduras
(ARENDT, 2004, p.261-262, grifos nossos).
Essa sua posição foi duramente
criticada à época e ainda é hoje por
movimentos de direitos civis dos Estados
U n i d o s e d e t o d o o m u n d o
(BURROUGHS, 2015, p. 52). Na visão
dela, a escola seria um lugar indevido
para se iniciar uma reforma do mundo,
pois essa obrigação seria dos adultos, a
ser empreendida na esfera política, entre
cidadãos iguais, não devendo começar a
partir das crianças e dos jovens. http://www.novospensadores.com/o-que-e-politica-de-hannah-arendt-frags-1-2b-e-parte-do-3b/
https://brasilescola.uol.com.br/sociologia/introducao-teoria-max-weber.htm
Figura 3 – Hannah Arendt e Max Weber
37
Para ela, a questão principal deve
ser a igualdade perante as leis do país,
reconhecendo que a igualdade é violada
pelas leis da segregação. Na concepção
dela, são as leis que impõem a
segregação racial entre brancos e
negros. Portanto, o que se precisa
mudar são as leis e não os costumes
sociais dos pais ou as maneiras de se
educar as crianças.
Esta filósofa liberal, que foi aluna
e amante de Martin Heiddeger , acredita
que a educação progressista - e a escola
que esta defende - diminui a autoridade
dos adultos e nega a responsabilidade
destes sobre os filhos, ao delegarem à
esco la a responsab i l idade pe la
educação dos filhos, tese convergente
com o ideário liberal do MESP.
Confundir o mundo dos adultos
com o mundo da escola – levando os
conflitos e valores do primeiro para o
espaço ocupado pelo segundo seria um
passo para politizar a escola, alterando
suas regras, adaptando-a e inserindo-a
no mundo político e conturbado dos
adultos.
Tão logo estes movimentos
políticos chegam ao poder, retiram os
filhos aos pais e tratam de doutriná-los e
“a educação não pode desempenhar
nenhum papel na política porque na
política se lida sempre com pessoas já
educadas” (ARENDT, 1957, p. 3).
Assim, segundo a pensadora
alemã, o educador progressista recusa o
dever de guiar as crianças pelo mundo
da escola, do qual a política e outras
questões mundanas não devem fazer
parte, além de transferir para dentro da
escola (que é o mundo das crianças e
jovens) a tarefa de melhorar o mundo.
Essa tarefa deve pertencer aos
adultos e deve ocorrer fora dos muros
da escola. Seguindo esse raciocínio,
Rocha (2020) diz que as crianças são
transformadas em instrumento da luta
polít ica pelos professores, pelos
sindicatos, por governantes e por juízes,
o que ele considera um equívoco.
As batalhas políticas transferem-
se para o pátio das escolas, chegando ao
ponto em que se solicita às crianças e
aos jovens que mudem e melhorem o
mundo. Desta forma, a educação
progressista pretende ter as suas
batalhas políticas travadas no pátio das
esco las , a l te rando suas regras ,
adaptando-a e inserindo-a no mundo
político e conturbado dos adultos.
(ROCHA, 2020, p. 77).
38
3. “Professores contra o Escola Sem Partido”
Faremos uma apresentação
bastante sucinta do Movimento
Professores Contra o Escola Sem
Partido (PCESP). O (PCESP), que
nasceu como uma reação, uma
resistência à ofensiva empenhada
pelo MESP. Inicialmente surge como
uma página no Facebook em 22 de
agosto de 2015 (PROFESSORES,
c.2004) .
O objetivo dos organizadores
da página era aglutinar pessoas e
divulgar notícias contrárias às
atividades e ações do MESP. O PCESP
surge como oposição e como
resistência à atuação do MESP
(PROFESSORES, c.2004).
O PCESP começou como
umapágina no facebook de reunião e
divulgação de notícias relativas aos
avanços do movimento de mesmo
nome, “Escola Sem Partido”, criado
em 2004 por um advogado chamado
Miguel Nagib. Somos um grupo de
estudantes e professores que se
o p õ e m a o s p r o j e t o s d e l e i
incentivados por este movimento que
tramitam em várias casas legislativas
do país (PROFESSORES, c.2004).
Para combater este etrocesso, a
página e o blog do PCESP informam e
produzem conteúdos de análise e
reflexão sobre o crescimento e
organização do MESP, v isando
fundamentar argumentos para
desconstruir o apoio que eles
conquistaram nos últimos anos. O
email para contato do PCESP é
(PROFESSORES,c. 2004).
É da tomada de consciência
então (por parte de professores e
alunos), das proposições do ESP e da
amplitude de sua atuação que, no
segundo semestre de 2015, se
constitui o PCESP, tendo como um
dos criadores e principal articulador o
professor Fernando Penna, Doutor
em Educação pela Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e
professor adjunto da Faculdade de
Educação da Universidade Federal
Fluminense (UFF).
O primeiro mapeamento dos
projetos de lei do MESP, e similares
no Brasil, foi feito por Fernanda
Moura¹ ² em seu mest rado no
ProfHistória-UFRJ, em 2016. Sua
dissertação consta com levanta-
mento extensivo de projetos de leis do
MESP, apresentados pelo país, visan-
do a investigar o MESP e suas
consequências a educação brasileira
e, em particular, para o ensino de
história. (VIGIANDO, c.2004).
Figura 4 – Professores e estudantes mobilizados contra o MESP
https://sindeducacao.org/nota-pelo-arquivamento-imediato-do-projeto-
escola-sem-partido-em-sao-luis
39
O trabalho da Fernanda Moura,
intitulado "Escola Sem Partido: relações
entre Estado, educação e religião e os
impactos no ensino de história", é uma
das primeiras grandes referências de
pesquisa a respeito do Movimento
Escola Sem Partido no Brasil. Ele pode
ser acessado no Portal da EUDCAPES no
link:https://educapes.capes.gov.br/bitstream/capes/1745
84/2/Disserta%C3%A7%C3%A3o%20Fernanda%20Pereira
%20de%20Moura.pdf.
Ao longo de 2017 e 2018, esse
mapeamento foi atual izado por
Fernanda Moura, Diogo Salles e Renata
Aquino, graças ao financia-mento do
ANDES, do Sinasefe e da Fasubra. A
última atualização no mapeamento, do
início do segundo semestre de 2019,
pode ser visitada no site do PCESP.
Ainda no primeiro semestre de 2020,
foram publicadas atualizações do
mapeamento dos projetos de leis
o r iundos com base nas ide ias
difundidas pelo MESP. (VIGIANDO,
c.2004).
O PCESP estrutura um website
que passa a oferecer seu material fixo, o
qua l busca reun i r pub l i cações
r e l a c i o n a d a s a o s t e m a s d e
enfrentamento ao MESP (doutrinação
ideologia, identidade de gênero,
material didático, etc.). Constitui, assim,
duas frentes virtuais de discurso e ação,
uma no facebook e outra em website.
(PROFESSORES, c2004).
Recentemente, o PCESP avan-
çou em sua organização criando uma
associação chamada Movimento
Educação Democrática (MED). O MED,
segundo a descrição em sua página no
Facebook, para além do enfrentamento
com o ESP, objetiva reunir pessoas e
grupos em todo o território nacional em
prol de uma educação democrática e
em de fesa da esco la púb l i ca .
(PROFESSORES, c.2004).
Todos os projetos colhidos pelo
PCESP foram reunidos em uma pasta
online a fim de que a consulta fosse
ofertada sem depender das páginas
eletrônicos das casas legislativas de
origem. Estes projetos foram reunidos
mediante downloads direto dos sites
das assembléias e câmaras legislativas
https://www.sindmetalsjc.org.br/arquivo/thumb/noticias/0db05fe675a1647828eb_990x500_0_0_1_1.jpg
https://www.anfope.org.br/wp-content/uploads/2018/07/cartaz-carta-aberta.png
Figura 5 – O movimento estudantil se mobiliza contra as leis do MESP
https://liberdadeeluta.org/node/481
Figura 6 – Imagem da Frente Escola sem Mordaça
Figura 7 - Carta em defesa da educação democrática
40
quando disponíveis, contato com as
casas legislativas e parlamentares, e
pela Lei de Acesso à Informação
(12.527/2011). O trabalho é público,
está disponível no site do PCESP na
internet (https://profscontraoesp.org/) e
pode ser citado nos mais diversos
materiais, desde que a autoria seja
mantida (VIGIANDO, c2004).
Fonte: Adaptado de PINHEIRO, 2017.
Tabela 2 – Aproximações e distanciamentos discursivos entre MESP e PCESP
41
4. Resumo do Módulo II
Neste módulo, nós estudamos os
autores associados ao MESP, os críticos e
os defensores. O MESP, como todo
movimento político e pedagógico novo,
necessita se autoafirmar face ao
presente e ao passado. Nesse sentido,
ao mesmo tempo, que invoca autores
do passado, ele também invoca autores
do presente para se contrapor as ideias
vigentes no meio social.
Dentre os autores invocados com
o objetivo de fundamentar seu ideário, o
MESP recorre a Hannah Arendt (2004) e
Max Weber (1917; 2004). A primeira,
com sua concepção de que a educação
possui uma função de conservação do
mundo, de amor ao mundo, e que a
escola não pode ser o local adequado
para disputas que pertence ao mundo
dos adultos, e o segundo, com sua deia
de que o espaço acadêmico não é o local
apropriado para disputas ideológicas e
políticas, fornecem um substrato teórico
para os epígonos do MESP em sua
cruzada contra a discussão e o debate
dentro das escolas.
Na mesma linha de pensamento
dos dois eminentes teóricos alemãs
citados acima, há autores menos
conhecidos do mundo acadêmico,
como o português Armindo Moreira,
com sua concepção de que a finalidade
da escola é única e exclusivamente
instruir e não educar, e o brasileiro Ronai
Rocha , fi lósofo e p rofes so r da
Universidade Federal do Rio Grande do
Sul, crítico da pedagogia libertadora de
Paulo Freire. Rocha atribui ao ideário de
Freire e às teorias crítico-reprodutivistas,
a excessiva politização do ambiente
acadêmico , em det r imento das
metodologias e das práticas de ensino.
Em linhas gerais, todos estes
autores defendem uma concepção de
educação e de escola, supostamente
mais técnica e pedagógica, com menos
ênfase nas discussões teóricas e
políticas as quais eles atribuem a crise da
educação e da escola no mundo
moderno . Em con t rapa r t ida , o
movimento Professores Contra o Escola
Sem Partido, cuja principal atuação dá-
se por meio das redes sociais e da
imprensa, postula que o ambiente
acadêmico não pode estar apartado das
questões políticas e sociais que dizem
respeito à vida dos educandos e
educadores.
42
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Kindle].
SUGESTÕES DE VÍDEOS PARA ASSISTIR
1. A crise na educação por Hannah Arendt. Um breve resumo do livro A Crise na Educação,
de Hannah Arendt, com Daniel Medeiros, professor de Filosofia e... Positivo (5 min.):
https://www.youtube.com/watch?v=896LXQqKvQk
2. Hannah Arendt e a crise na educação com Bruna L./UNICAMP (4 min.):
https://www.youtube.com/watch?v=DVeHfICTzLw
a L./UNICAMP (4 min.): https://www.youtube.com/watch?v=DVeHfICTzLw
4. Hannah Arendt e a crise na educação com Guilherme Freire, pensador católico (12 min.):
https://www.youtube.com/watch?v=jix8oRxogk0
5. Vídeo com Armindo Moreira, autor da obra “Professor não é educador”, considerada a
Bíblia do MESP (8 min.). https://www.youtube.com/watch?v=PRUJ_8RaUKg
6. Doutrinação nas escolas, origens do problema, uma defesa do tomismo católico contra
o m a r x i s m o e o l i b e r a l i s m o , c o m G u i l h e r m e F r e i r e ( 3 1 m i n . ) .
https://www.youtube.com/watch?v=KzXvV9-pomM
7. Podcast do “Professores Contra o Escola Sem Partido” fala sobre a neutralidade na
educação, com a participação de Diogo Salles, Fernanda Moura, Fernando Penna e Renata
Aquino. https://soundcloud.com/profscontraoesp/pcesp-10-neutralidade-na-educacao
8. Podcast do “Professores Contra o Escola Sem Partido” disseca a nova versão de projeto
de Lei do MESP, apresentado na Câmara dos Deputados em 2019, com os participantes
Renata Aqu ino , Fe rnanda Moura , Lu i za B randão e Fe rnando Penna .
https://soundcloud.com/profscontraoesp/extra-7-escola-sem-partido-20
9. Podcast educação democrática – parte 1 (52 min.).
44
1. Diante da temática abordada - o MESP e a EPT, especificamente no âmbito do Ensino
Médio Integrado do IFRN/Campus Mossoró - escreva breves considerações sobre a
possível influência e doutrinação política realizada pelos professores em sala de aula.
- Será que, em uma sociedade aberta e democrática, as escolas e as instituições
educacionais podem (ou devem) ater-se somente ao ensino dos conteúdos programáticos,
previstos no plano de ensino?
- O ensino dos valores, da ética e da cidadania deve ficar fora da sala de aula?
- As discussões e os debates sobre a realidade social, política e econômica não devem
adentrar os portões da escola?
- Há um meio-termo nessa tão difícil e instigante discussão acerca dos valores e das ideias
que podem ou não serem ensinados em sala de aula?
- Afinal, o professor deve ter mesmo liberdade de expressão e opinião diante de “uma
audiência cativa”?
2. Diante do que você leu e assistiu, neste módulo, qual sua opinião sobre a questão ética e
política dentro da sala de aula? Qual o limite do professor, o que ele pode e não pode fazer
dentro da sala de aula?
3. A que você atribui o fato de Hannah Arendt ser invocada como referencial teórico pelo
MESP, quando historicamente seu pensamento sempre foi associado à crítica do
autoritarismo e o repúdio à “banalidade do mal”? Em outras palavras, como se explica que
uma pensadora crítica do autoritarismo seja invocada por um movimento autoritário como
o MESP?
45
Disponível em: https://soundcloud.com/profscontraoesp/pcesp-1-educacao-
democratica-parte-1-o-que-e-uma-boa-educacao
10. Podcast educação democrática – parte 2 (46 min.).
Disponível em: https://soundcloud.com/profscontraoesp/pcesp-2-educacao-
democratica-parte2-democracia-radical
11. Vídeo do Porta dos Fundos sobre o MESP (02 min.).
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=tNxCmR5OWe8
12. Vídeo sobre o MESP (1,5 min).Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=2F
4CwhCyQ2M
As bases conceituais da EPT
Objetivo: Aproximar os docentes dos conhecimentos referentes às bases
conceituais da EPT, avaliando as possíveis consequências do ideário político-
pedagógico do MESP para o Ensino Médio Integrado à Educação Profissional e
Tecnológica
Atividades assíncronas: ler os textos, assistir aos vídeos, responder o exercício
Tempo disponível: 06h
Atividades síncronas: palestras e rodas de conversas, mediante Plataforma
Microsoft Teams
Tempo disponível: 02h
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1. Politecnia e omnilateralidade: o trabalho como princípio educativo
O conceito de omnilateralidade
guarda relação com o de politecnia,
ambos fundamentais para a análise e
compreensão do problema da formação
humana. O elemento que os distingue é
o fato de que a politecnia representa
uma proposta de formação educacional,
aplicável no âmbito da sociedade
capitalista, ar ticulada ao próprio
momento do trabalho abstrato , ao passo
que a omnilateralidade apenas se faz
possível no conjunto de novas relações,
no reino da liberdade, para além da
sociedade do capital, em uma sociedade
futura na qual não haja mais exploração
do homem pelo homem (SOUZA
JÚNIOR, 2009).
A politecnia é proposta para se
realizar já no presente, retirando os
trabalhadores da opressão a que estão
submetidos, a fim de prepará-los para o
mundo do trabalho e para o mundo
acadêmico. A politecnia não almeja
alcançar a emancipação humana,
formação plena do homem livre, mas a
formação técnica e política, prática e
teórica dos trabalhadores no sentido de
elevá-los na busca da sua transformação
em classe-para-si. Assim, sua realização
não exige a ruptura ou superação da
sociedade regida pelo capital. (SOUZA
JÚNIOR, 2009).
Mesmo ciente de que essa
emancipação humana não é possível nos
marcos do capitalismo, ela deve já ser
pensada e iniciada agora, no tempo
presente, no momento presente, mesmo
sob as circunstâncias sociais adversas
existentes para a classe-que-vive-do-
trabalho dentro da sociedade do capital
(ANTUNES, 2009; BOTTOMORE, 2012).
Todavia, a emancipação humana
só será plenamente alcançável em uma
sociedade futura, que já tenha abolido a
exploração e a divisão social do trabalho,
na qual a educação, o tempo livre e a
r i q u e z a e s t e j a m a m p l a m e n t e
disseminados.
https://colunastortas.com.br/o-que-e-alienacao-em-marx/
O diferencial fundamental entre os
dois conceitos é justamente o fato de que a
politecnia representa uma proposta de
educação que pode ser viabilizada nos
marcos da sociedade burguesa, articulada
ao trabalho abstrato que se expressa no
valor de troca das mercadorias, enquanto a
omnilateralidade só se faz possível em uma
sociedade futura, em que não haja mais a
exploração e alienação do trabalho (SOUZA
JÚNIOR, 2009; SAVIANI, 1989). Esta
sociedade futura, foi definida por Marx e
Engels (2007) como sendo aquela na qual
se está para além do reino da necessidade,
e na qual já é possível se adentrar no reino
da liberdade, onde:
[...] cada um não tem um campo de atividade
exclusivo, mas pode aperfeiçoar-se em todos os
ramos que lhe agradam, a sociedade regula a
produção geral e me confere, assim, a possibi-
lidade de hoje fazer isto, amanhã aquilo, de caçar
pela manhã, pescar à tarde, à noite dedicar-me à
Figura 1 – A alienação do trabalho
48
criação de gado, criticar após o jantar, exata-
mente de acordo com a minha vontade, sem que
eu jamais me torne caçador, pescador, pastor ou
crítico (ENGELS; MARX, 2007, p. 38).
As potencialidades de desenvol-
vimento da maquinaria e, em particular,
da automação e da robótica, sob
relações socializadas de produção,
tornando possível, pela primeira vez, um
verdadeiro reino da liberdade fora da
produção material adequado e favorável
àquele desenvolvimento da energia
humana que é um fim em si mesmo
( B OT TO M O R E , 2 0 1 2 ) . Po r t a n to ,
p o l i t e c n i a e o m n i l a t e r a l i d a d e
complementam-se no processo de
formação e emancipação humanas, com
vistas à superação da sociedade do
capital.
Se a omnilateralidade como
formação plena é impossível no seio das
relações sociais capitalistas, é preci-
samente no âmbito da sociedade capita-
lista que a politecnia aparece - e deve ser
instrumentalizada - pela classeque-vive-
do-t raba lho , como proposta de
educação, até o advento da futura
sociedade socialista (ANTUNES, 2009;
SOUZA JÚNIOR, 2009).
A superabundânciadas socieda-
des ricas e desenvolvidas nos mostra as
condições materiais objetivas para a
construção do socia-lismo, não como
uma quimera, mas como um fato
possível e necessário para a humanidade
(SOUZA JÚNIOR, 2009; SAVIANNI, 1989).
A pol i tecnia (ou educação
tecnológica) tem por objet ivo a
f o r m a ç ã o d e u m t r a b a l h a d o r
mul t i la tera l (não confundi r com
polivalente) que abarque todos os
ângulos da prática produtiva moderna,
na qual o educando-trabalhador
domine os princípios e fundamentos
científicos, técnicos e humanísticos que
estão na base da organização social e
produção moderna (ANTUNES, 2009;
CIAVATTA, 2005). .
A o a p r o p r i a r - s e d e s s e s
conhecimentos científicos, técnicos e
humanísticos – proporcionados pelas
ciências sociais e da natureza – os
educandos oriundos da classe-quevive-
do-trabalho estarão em condições
de tentar desenvolver aquelas ativida-
des específicas, necessárias à sua
(MACIEL, 2018). https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=6399936
https://pt.slideshare.net/mcristinabortolozo/educacao-e-compromisso-8430398
http://www.dmtemdebate.com.br/o-mosaico-da-exploracao-do-trabalho/
Figura 2 – Educação em Marx e Engels: politecnia e emancipação humana
Figura 3 – A politecnia em Pistrak (1888-1937), educador soviético
Figura 4 – Riqueza e Miséria do Trabalho no Brasil: trabalho digital, autogestão e expropriação da vida
49
social e político, do qual todo cidadão
deve fazer parte (SAVIANI, 1989).
2. A Escola Unitária e o trabalho como princípio educativo
Toda sociedade precisa produzir
suas condições materiais e culturais de
sobrevivência, recorrendo para isso ao
trabalho para transformar a natureza e
produzir bens e serviços necessários à
vida em comunidade. Portanto, está
claro que há uma relação direta entre o
trabalho e a educação, em todas as
formas de sociedade.
No caso do trabalho como
princípio educativo, a afirmação
também remete à relação entre o
trabalho e à educação, na qual se afirma
o caráter formativo do trabalho e da
educação como ação humanizadora por
meio do ocorre o desenvolvimento de
todas as potencialidades do ser humano
(CIAVATTA, 2009).
Nesse texto, deixamos claro que
nosso campo de discussão teórica é o
materialismo histórico e dialético, no
qual se parte do trabalho como
produtor dos meios de vida, tanto nos
aspectos materiais quanto culturais, de
criação material e simbólica e suas
consequentes formas de sociabilidade.
Independentemente das formas
históricas que assume (escravidão,
servidão, assalariamento), o trabalho
p e r m a n e c e c o m o a a t i v i d a d e
fundamental da vida humana. O que
muda, ao longo da história, são a
natureza do trabalho, os instrumentos
de trabalho, as formas dos homens
interagirem entre si e com a natureza, as
formas de apropriação da riqueza
socialmente produzida (CIAVATTA,
1992).
Com o advento do capitalismo e
das sociedades industriais, a palavra
trabalho adquire um significado de
positividade, sobretudo entre os autores
liberais, como Adam Smith e John Locke.
Em Marx, para quem o trabalho é fonte
de toda a riqueza, ele é positivo e
negativo ao mesmo tempo. Negativo
porque dentro da sociedade capitalista
ele é sinônimo de exploração e
degradação, mas positivo porque é ele
que diferencia o homem dos animais e,
em uma sociedade futura socialista, ele
deve ser instrumento de humanização e
libertação.
Essa separação do trabalhador
dos meios e produtos do trabalho é o
que Marx (2011) chamou de alienação
(ou estranhamento), mediante a qual o
homem não se reconhece no produto
do seu próprio trabalho, pois nem o
fruto do seu trabalho lhe pertence nem
ele mesmo se pertence durante o
processo de produção.
https://racismoambiental.net.br/2016/12/04/nao-fetichismo-da-mercadoria-nao-e-ostentacao-saiba-o
-que-esse-termo-de-fato-significa/
Figura 5 - O fetichismo da mercadoria
50
No Brasil, ao final da ditadura
civil-militar, nos anos 1980, foram muito
discutidas as propostas da educação na
Assembleia Nacional Constituinte
instaurada em 1986, que resultou na
promulgação da Constituição de 1988 e,
poster iormente, na nova Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional
em 1996, a Lei 9.394, de 26 de dezembro
de 1996 (ASSEMBLEIA NACIONAL
CONSTITUINTE 1987, 2020; BRASIL,
1996).
Precisamos, enquanto classe-
que-vive-do-trabalho (ANTUNES, 2000),
nos organ izar, nos mobi l i za r e
empreender lutas objetivas e subjetivas
para apressar o fim da sociedade do
capital.
E o campo educacional é um
campo privilegiado para empreen-
dermos essa luta por novas relações
sociais e humanas de produção da
existência, face uma nova realidade
social, política e econômica.
A defesa da educação politécnica
e unitária pode ser vista embriona-
riamente já no Manifesto Comunista
(2005) , quando este recomenda
“educação pública e gratuita para todas
as crianças, abolição do trabalho das
crianças nas fábricas, tal como é
prat icado hoje . Combinação da
educação com a produção material etc.
(p. 79).
Figura 6 - Alienação do trabalho e fetichismo da mercadoria
http://geomaniacoss.blogspot.com/2014/03/capitalismo-comercial-essa-imagem.html
Figura 7 – O homem confere qualidades humanas à mercadoria e a mercadoria coisifica o homem
Figura 8 – Imagens de meninas em trabalho análogo
à escravidão
http://zeaugustoblog.blogspot.com/2017/04/turma-reconhece-dano-moral-
coletivo-na.html
https://pt.slideshare.net/lbrga/marx-32508965
51
Em O Capital, Marx (2011, p.
366), explicita a ideia de educação
politécnica ou tecnológica, ao dizer que
“o germe da educação do futuro [...]
combinará o trabalho produtivo de
todos os meninos além de uma certa
idade com o ensino e a ginástica,
constituindo-se em método de elevar a
produção social e de único meio de
produzir seres humanos plenamente
desenvolvidos”.
No Brasil, a dualidade estrutural
da educação e sua expressão política
refirmou-se, mais uma vez, nos anos
1990, com a publicação do Decreto n.
2.208/97, que, contrariando a Lei n.
9.394/96, implantou a separação entre
o ensino médio geral e a educação
profissional técnica de nível médio
(BRASIL, 1997).
Nos anos 2000, em condições
políticas adversas, o Governo Lula
promulgou o Decreto 5.154/04, que
revogou o anterior e abriu a alternativa
da formação integrada entre a
f o r m a ç ã o g e r a l e a e d u c a ç ã o
profissional técnica de nível médio
(BRASIL, 2004).
Entendemos, em acordo com
Saviani (1989, p. 15), que a politecnia
desenvolva o “trabalho [...] numa
unidade indissolúvel, os aspectos
manuais e intelectuais, [pois] todo
t r a b a l h o h u m a n o e n v o l v e a
concomitância do exercício dos
membros, das mãos e do exercício
mental, intelectual. Isso está na própria
origem do entendimento da realidade
humana, enquanto constituída pelo
trabalho.”
A introdução do trabalho como
princípio educativo na escola requer um
currículo baseado nas bases científicas e
tecnológicas da escola unitária e
p o l i t é c n i c a , o c o n h e c i m e n t o
humanístico das ciências sociais e a
crítica de como se dá o trabalho no
sistema capitalista, ressaltando-se as
lutas pelo direito ao trabalho e à
educação.
Figura 9 – Antonio Gramsci (1891-1937), o sardo que renovou o marxismo
https://blogdoims.com.br/o-alvorecer-do-fascismo/
Figura 10 – Gramsci, a escola unitária e o trabalho como princípio educativo
https://pt.slideshare.net/mcristinabortolozo/educacao-e-compromisso-8430398
52
3. Pedagogia histórico-crítica
Saviani propõe, no ano de 1979, a
Pedagogia Histórico-Crítica como uma
tentativa de não só criticar, como
também reso lver os problemas
educacionais, orientando “a prática
p e d a g ó g i c a e m u m s e n t i d o
transformador” (SAVIANI, 2010, p. 115).
Concebida como uma pedagogia
dialética justamente porque procura
levar em consideração o movimento da
realidade e suas contradições, é uma
teoria “atenta aos determi-nantes
sociais da educação e que permitisse
articular o trabalho pedagógico com as
relações sociais” (SAVIANI, 2012, p. 118).
Ao analisar as teorias pedagó-
gicas ao longo da história, Saviani
valoriza a importância dos conteúdos
curriculares presentes na Pedagogia
Tradicional, mas critica seu formalismo e
autoritarismo. Segundo ele.
A prioridade de conteúdos é a única forma de
lutar contra a farsa do ensino. Por que esses
conteúdos são prioritários? Justamente porque o
domínio da cultura constitui instrumento
indispensável para a participação política das
massas. Se os membros das camadas populares
não dominam os conteúdos culturais, eles não
podem fazer valer os seus interesses porque ficam
desarmados contra os dominadores, que se
servem exatamente desses conteúdos culturais
para legitimar e consolidar a sua dominação. [...]
sem disciplina esses conteúdos relevantes não são
assimilados (SAVIANI, 1991, p. 66).
Ao mesmo tempo, ele realiza
uma crítica da Pedagogia Nova, na
medida em que não valoriza os
conhecimentos socialmente produzidos
(a cultura), artificializa o ensino ao tentar
transformá-lo em um processo de
pesquisa, além de ter sido responsável
pelo aumento da segregação no
universo escolar, valorizando alguns em
detrimento de outros visto que as
experiências propostas pela Escola Nova
foram restritas a pequenos grupos.
Assim, a Pedagogia Histórico-
Crítica precisa ser radical, mas essa
radicalidade consiste em realizar uma
síntese dialética (uma subsunção que
nega e incorpora ao mesmo tempo as
teorias que a precederam), pois o novo
só pode surgir a partir do velho
(SAVIANI, 2003).
A educação passou a ser vista,
por tanto, como instrumento de
l iber tação. Essa l iber tação seria
garantida a partir do domínio dos
conhec i m en tos h i s to r i c am ente
produzidos pela humanidade (ciência,
cultura, técnica, tecnologia) e da
compreensão e mudança da realidade
social e política (SAVIANI, 2003).
Figura 11 – Dermeval Saviani, referência brasileira em educação
https://ww2.unit.br/enfope2017/speakers/dermeval-saviani/
53
4. Resumo do Módulo III Neste módulo, estudamos as
bases conceituais da EPT, com um foco
mais acentuado sobre os conceitos de
politecnia e omnilateralidade, escola
unitária e trabalho como princípio
educativo e pedagogia histórico-crítica,
os quais constituem a base para a
compreensão do que se ja uma
formação humana integral. Nosso
intento foi aclarar estes conceitos para o
público de docentes que frequentou
nosso curso de formação pedagógica
continuada que teve como material
didático de apoio este e-book que ora
tornamos público.
No âmbito de uma instituição de
EPT, esta discussão sobre as bases
conceituais da educação profissional e
tecnológica é mais que necessária,
sobretudo quando estamos falando do
currículo do ensino médio integrado no
q u a l e s t ã o i n t e r c o n e c t a d a s e
interdependentes as bases científicas e
tecnológicas com a formação geral,
propedêutica e humanística, permitindo
aos educandos uma educação de base
ampliada, de qualidade e socialmente
referenciada.
Esperamos, portanto, que a
le i tura, anál ise e discussão dos
conceitos contidos neste módulo
permitam evidenciar e lutar contra o
dualismo estrutural da educação formal
brasileira, cada dia mais reforçado pelo
discurso da qualificação profissional, da
empregabilidade e da meritocracia, que
destina uma macdonaldização da
educação aos filhos da classe-que-vive-
do-trabalho (SILVA et al. 1996). A
formação educacional precária da
c l a s s e - q u e - v i v e - d o - t r a b a l h o ,
assoberbada de privações e trabalho
árduo, dispondo de pouco tempo livre,
derivada da divisão social do trabalho,
priva os membros desta classe da
aquisição de conhecimentos úteis e
socialmente necessários às lutas por
uma formação omnilateral. O acesso a
uma educação pública, laica e de
qualidade é condição sine qua non para
a assunção e o protagonismo da classe-
que-vive-do-trabalho à condição de
classe dirigente e hegemônica da
sociedade. Por isso que a EPT e o ensino
médio integrado, em particular, são tão
relevantes nessa empreitada por uma
educação e uma sociedade que
permitam o desenvolvimento integral
do ser humano.
54
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Estudar e pesquisar o Movimento Escola Sem Partido (MESP) e suas implicações
sobre a Educação Profissional e Tecnológica (EPT) – tendo por referência teórica o
materialismo histórico-dialético, como referência metodológica o método dialético, a
pedagogia histórico-crítica dos conteúdos, a técnica da análise de conteúdo e o método
da intervenção pedagógica – foi uma tarefa, ao mesmo tempo, árdua e prazerosa, que
exigiu disciplina misturada com amor e sedução por esta temática da qual nos ocupamos
nos últimos dois anos de vida. Como quase tudo na vida, a pesquisa exige do
pesquisador um misto de amor, sedução e encantamento pelo objeto de sua pesquisa,
que ele elegeu e com o qual passa a estar envolvido, a se encantar, a trabalhar na
lapidação e refinamento dela, com o intuito de lhe dar forma adequada.
Diante do prazer e da dor que foi trabalhar com a temática do MESP e sua relação
com a EPT, desejamos que, ao final deste trabalho, ao mesmo tempo penoso e prazeroso,
tenhamos alcançado alguns de nossos objetivos, a saber: refletir sobre o ideário político-
pedagógico do MESP para a educação brasileira, identificar os conhecimentos prévios
dos docentes acerca das bases conceituais da EPT e do ideário político-pedagógico do
MESP, avaliar as contribuições deste produto educacional para a construção de uma
percepção crítica e autônoma dos docentes sobre a EPT, o EMI e o ideário político-
pedagógico do MESP.
Face ao exposto, julgamos que desenvolver um curso de formação pedagógica
direcionado aos docentes, tendo como temática o ideário político-pedagógico do MESP,
com suas implicações sobre o EMI à EPT – relacionando este ideário às bases conceituais
da EPT – constituiu nossa humilde contribuição para um ensino médio integrado que
funcione como travessia rumo à uma educação polítécnica e unitária – que tenha no
trabalho um princípio educativo – e à uma sociedade socialista, onde não haja
exploração e alienação do trabalho humano. Tal é o horizonte que devemos divisar, tal é a
montanha que devemos conquistar. Todavia, estamos cientes de que esta educação e
esta sociedade só virão se lutarmos para transformá-las de desejo em uma realidade
concreta, diante de nosso devir histórico.
Estamos cientes de que este estudo sobre o MESP e a EPT, dadas sua
complexidade, amplitude e heterogeneidade, não conseguiu esgotar – nem foi esta
nossa pretensão – todos os conceitos e concepções acerca dessa temática. Faz-se
necessário que muitos outros pesquisadores se debrucem sobre este assunto e lancem
luz sobre as bases conceituais da EPT e o ideário político-pedagógico do MESP, nos
marcos da educação e sociedade brasileiras.
55
Aos que Vão Nascer - Brecht
I
Realmente, eu vivo num tempo sombrio.
A inocente palavra é um despropósito. Uma
fronte sem ruga
denota insensibilidade. Quem está rindo
é só porque não recebeu ainda
a notícia terrível.
Que tempo é este em que
uma conversa sobre árvores chega a ser falta,
pois implica silenciar sobre tantos crimes?
Esse que vai cruzando a rua, calmamente,
então já não está ao alcance dos amigos
necessitados?
É verdade: ainda ganho o meu sustento.
Porém, acreditai-me: é puro acaso. Nada
do que faço me dá direito a isso, de comer a
fartar-me.
Por acaso me poupam. (Se minha sorte acaba,
estou perdido.)
Dizem-me: – Vai comendo e vai bebendo!
Alegra-te com o que tens!
Mas como hei de comer e beber, se
o que eu como é tirado a quem tem fome, e
meu copo d’água falta a quem tem sede?
Contudo eu como e bebo.
Eu bem gostaria de ser um sábio.
Nos velhos livros consta o que é sabedoria:
manter-se longe das lidas do mundo e o tempo
breve
deixar correr sem medo.
Também saber passar sem violência,
pagar o mal com o bem,
os próprios desejos não realizar e sim esquecer,
conta-se como sabedoria.
Não posso nada disso:
realmente, eu vivo num tempo sombrio!
II
Às cidades cheguei em tempo de desordem,
com a fome imperando.
Junto aos homens cheguei em tempo de
tumulto
e me rebelei com eles.
Assim passou-se o tempo
que sobre a terra me foi concedido.
Minha comida mastiguei entre refregas.
Para dormir deitei-me entre assassinos.
O amor eu exercia sem cuidado
e olhava sem paciência a natureza.
Assim passou-se o tempo
que sobre a terra me foi concedido.
As ruas do meu tempo iam dar no atoleiro.
A fala denunciava-me ao carrasco.
Bem pouco podia eu, mas os mandões
sem mim sentiam-se mais garantidos, eu
esperava.
Assim passou-se o tempo
que sobre a terra me foi concedido.
Minguadas eram as forças. E a meta
ficava a grande distância;
claramente visível, conquanto para mim
difícil de alcançar.
Assim passou-se o tempo
que sobre a terra me foi concedido.
III
Vós, que vireis na crista da maré
em que nos afogamos,
pensai,
quando falardes em nossas fraquezas,
também no tempo sombrio
a que escapastes.
Vínhamos nós então mudando de país mais do
que de sapatos,
em meio às lutas de classes, desesperados,
enquanto apenas injustiça havia e revolta
nenhuma.
E, entretanto, sabíamos:
também o ódio à baixeza
endurece as feições,
também a raiva contra a injustiça
torna mais rouca a voz. Ah, e nós,
que pretendíamos preparar o terreno para a
amizade,
nem bons amigos nós mesmos pudemos ser.
Mas vós, quando chegar a ocasião
de ser o homem um parceiro para o homem,
pensai em nós
com simpatia.
REFERÊNCIAS
ANTUNES, R. Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho.
2. ed. São Paulo: Boitempo, 2009.
ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE DE 1987. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre.
F l ó r i d a : W i k i m e d i a F o u n d a t i o n , 2 0 2 0 . D i s p o n í v e l e m :
<https://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Assembleia_Nacional_Constituinte_de_1987
&oldid=58765346>. Acesso em: 27 fev. 2021.
BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da
educação nacional. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm.
Acesso em: 01 mar. 2021.
BRASIL. Decreto nº 2.208, de 17 de abril de 1997. Regulamenta o § 2 º do art. 36 e os arts.
39 a 42 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da
e d u c a ç ã o n a c i o n a l . D i s p o n í v e l e m :
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D2208.htmimpressa.htm. Acesso em: 01
mar. 2021.
BRASIL. Decreto nº 5.154, de 23 de julho de 2004. Regulamenta o § 2º do art. 36 e os arts.
39 a 41 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da
e d u c a ç ã o n a c i o n a l , e d á o u t r a s p r o v i d ê n c i a s . D i s p o n í v e l e m :
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5154.htm. Acesso em:
01 mar. 2021.
BRECHT, Bertolt. Aos que vão nascer. Tradução de Geir Campos. In: GULLAR, Ferreira
(Organização e Traduções). O prazer do poema: uma antologia pessoal. Rio de Janeiro,
RJ: Edições de Janeiro, 2014. p. 250-253.
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IFRN abre seleção com 200 vagas para cursos técnicos em Mossoró. 2019. Disponível em: http://www.portalacontecern.com.br/site/noticia/ifrn-abre-selecao-com-200-vagas-para-cursos-tecnicos-em-mossoro. Acesso em: 20 set. 2021
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SAVIANI, D. Sobre a concepção de politecnia. Rio de Janeiro: FIOCRUZ/Escola Politécnica
de Saúde Joaquim Venâncio, 1989.
SAVIANI, D. O choque teórico da politecnia. Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro,
FIOCRUZ/EPSJV, v. 1, n. 1, p. 131-152, mar. 2003.
SAVIANI, D. Sobre a concepção de politecnia. Rio de Janeiro: FIOCRUZ/Escola Politécnica
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SAVIANI, D. Escola e Democracia. 25 ed. São Paulo: Cortez: Autores Associados, 1991.
SAVIANI, D. Educação: do senso comum à consciência filosófica. 13 ed. Campinas/SP:
Autores Associados, 2000.
SAVIANI, D. Pedagogia Histórico-Crítica: primeiras aproximações. 11 ed. Campinas/SP:
Autores Associados, 2003.
SAVIANI, D. Interlocuções pedagógicas: conversa com Paulo Freire e Adriano Nogueira e
30 entrevistas sobre educação. Campinas/SP: Autores Associados, 2010.
SAVIANI, D. Escola e Democracia. 42 ed. Campinas/SP: Autores Associados, 2012. (Coleção
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SILVA, Tomaz Tadeu da et al. Escola S.A.: quem ganha e quem perde no mercado
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SOUZA JÚNIOR, J. Omnilateralidade. IN: PEREIRA, I. B; LIMA, J. C. F. (orgs.). Dicionário da
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MACIEL, Antônio Carlos. Marx e a politecnia, ou do princípio educativo ao princípio
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em: https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=6399936. Acesso em 19. jan. 2021.
MARX, K.; Engels, F. Manifesto do partido comunista. São Paulo: Global Editora, 2013.
Edição do Kindle.
MARX, K. O Capital [Livro I]: Crítica da economia política. São Paulo: Boitempo, 2011.
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SUGESTÕES DE VÍDEOS PARA ASSISTIR
1.Vídeo (4 min .) : materialismo histórico-dialético. https://www.youtube.
com/watch?v=pGUhM-i3PK0
2.Vídeo (18 min.): materialismo histórico-dialético. https://www.youtube.
com/watch?v=cKOaLaTJKAU
3. Vídeo (22 min.): Gramsci, Marcuse e o “marxismo cultural”/Sabrina Fernandes/Tese
Onze. https://www.youtube.com/watch?v=crv-p9Rjhbo
4. Vídeo (12 min.): Gramsci para principiantes. https://www.youtube.com/watch?v=c8-
nyW0pZf4
5. Vídeo (5 min): Gramsci e a escola/Antônio Joaquim Severino. https://www.youtube.
com/watch?v=e7tb4ZdBXzE
6.Vídeo (20min): Dermeval Saviani/Pedagogia Histórica-Crítica. https://www.youtube.
com/watch?v=13ojrNgMChk
7. Vídeos: EPT/EMI/politecnia/omnilateralidade
7.1. (4 min.): O que é Educação Omnilateral? https://www.youtube.com/watch?v=6kKl
9AMHYCU
7.2. (4 min.): Ensino integrado, politecnia e educação omnilateral. https://www.youtu
be.com/watch?v=nUpJOWxiveU
8. (28 min.): Entrevista com Dante Moura sobre formação humana integral no ensino
médio. https://www.youtube.com/watch?v=lAcUIA-TQbs
EXERCÍCIOSCom base nas leituras realizadas e nos vídeos assistidos, escreva um pequeno texto e
emita sua opinião sobre:
1. Como seria uma formação humana integral, no âmbito do IFRN, que permitisse uma
educação pública de qualidade, emancipadora, reflexiva e crítica, que não descuidasse
do conhecimento científico e técnico, necessário a uma vida cidadã e ao exercício
prático de uma profissão; em seguida, diga se seria possível promover essa formação
humana integral e, ao mesmo tempo, atender às recomendações do Movimento Escola
Sem Partido.
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