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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE CURSO DE ODONTOLOGIA DAIANI MIANES GOEDERT FABIANA MAFEZZOLI COSTA PERCEPÇÃO DO CIRURGIÃO-DENTISTA EM RELAÇÃO À VIOLÊNCIA DOMÉSTICA INFANTIL NO MUNICÍPIO DE NAVEGANTES - SC Itajaí (SC) 2006

Daiane Goedert - Fabiana Costa - Univalisiaibib01.univali.br/pdf/Daiani Mianes Goedert e Fabiana... · 2009. 2. 6. · Delegacia Estadual de Repressão aos Crimes contra a Criança

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ

CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE

CURSO DE ODONTOLOGIA

DAIANI MIANES GOEDERT

FABIANA MAFEZZOLI COSTA

PERCEPÇÃO DO CIRURGIÃO-DENTISTA EM RELAÇÃO À

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA INFANTIL NO MUNICÍPIO DE

NAVEGANTES - SC

Itajaí (SC) 2006

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DAIANI MIANES GOEDERT

FABIANA MAFEZZOLI COSTA

PERCEPÇÃO DO CIRURGIÃO-DENTISTA EM RELAÇÃO À

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA INFANTIL NO MUNICÍPIO DE

NAVEGANTES - SC

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para obtenção do título de cirurgião-dentista do Curso de Odontologia da Universidade do Vale do Itajaí. Orientador: Prof. Nestor Antonio Schmidt de Carvalho

Itajaí (SC) 2006

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DAIANI MIANES GOEDERT

FABIANA MAFEZZOLI COSTA

PERCEPÇÃO DO CIRURGIÃO-DENTISTA EM RELAÇÃO À

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA INFANTIL NO MUNICÍPIO DE

NAVEGANTES SC

O presente Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial para obtenção de título de cirurgião-dentista do Curso de Odontologia da Universidade do Vale do Itajaí, aos dezessete dias do mês de novembro do ano de dois mil e cinco, é considerado aprovado.

1. Prof. MsC. Nestor Antonio Schmidt de Carvalho__________________________

Curso de Odontologia da Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI)

2. Prof. MsC. Aline Gonçalves da Silva __________________________________

Curso de Fonoaudiologia da Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI)

3. Prof. MsC. Beatriz H. E. Schmitt ______________________________________

Curso de Odontologia da Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI)

4

Dedicamos este trabalho aos nossos

pais e amores que, de uma forma ou de

outra, sempre nos acompanharam com

muita dedicação e carinho desde o início de

tudo.

“Nós somos amados por sermos bons.

Somos bons porque somos amados.”

(Desmond Tutu)

5

AGRADECIMENTOS

A Deus, por ter nos concedido o dom da vida.

Ao nosso orientador, prof. Nestor Antonio Schmidt de Carvalho, cujo

estímulo para a concretização deste sonho foi imprescindível, pela sabedoria de

orientar e pela confiança que em nós depositou.

Aos professores Elisabete Rabaldo Bottan, Nivaldo Murilo Diegoli e Shirlei

Imianowski que, com muita paciência, compreenderam as dificuldades que

permeiam a realização de um trabalho e sempre nos auxiliaram de forma

atenciosa com constante apoio.

Aos nossos colegas, com a lembrança de juntos, árduas etapas termos

transposto.

Aos profissionais entrevistados pela colaboração na execução da pesquisa.

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PERCEPÇÃO DO CIRURGIÃO-DENTISTA EM RELAÇÃO À VIOLÊNCIA DOMÉSTICA INFANTIL NO MUNICÍPIO DE NAVEGANTES SC

Daiani Mianes GOEDERT e Fabiana Mafezzoli COSTA Orientador: Prof. Nestor Antonio Schmidt de CARVALHO Data de defesa: setembro de 2006

Resumo: A violência doméstica infantil constitui um sério problema na atual realidade do

país. Os cirurgiões-dentistas, que são profissionais a serviço da saúde, têm o dever de estarem atentos aos sintomas de violência doméstica para intervir em prol dessas crianças. O objetivo deste trabalho foi constatar a percepção do cirurgião-dentista de Navegantes (SC) em relação à violência doméstica infantil. A pesquisa foi do tipo descritivo. A população-alvo foram os vinte e três cirurgiões-dentistas do município de Navegantes, cadastrados em agosto de 2005 no Conselho Regional de Odontologia de Santa Catarina. O instrumento para coleta de dados consistiu de um questionário auto-aplicável com nove questões dos tipos aberta e fechada, distribuídas em três campos: dados de identificação, conduta frente à situação de violência, capacitação em relação à violência. O projeto foi aprovado pela Comissão de Ética em Pesquisa da UNIVALI, sob o nº470/2005. Os resultados mostraram que os profissionais se julgam capacitados à suspeição ou confirmação de diagnóstico de violência doméstica infantil, no entanto, diante da situação concreta, a maioria não faz o encaminhamento à autoridade competente, optando por conversar com os pais ou responsáveis da criança. Nesse sentido, faz-se necessário que, durante a graduação, sejam oferecidas orientações a respeito da responsabilidade do cirurgião-dentista no diagnóstico e, principalmente, do encaminhamento dessas crianças maltratadas às autoridades competentes. Palavras-chave: diagnóstico, maus-tratos infantis, violência doméstica.

7

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................07

2 REVISÃO DE LITERATURA...............................................................................09 2.1 Violência..........................................................................................................09 2.1.1 O que é violência.........................................................................................09 2.1.2 Sinais e sintomas de violência ..................................................................14 2.1.3 Dados estatísticos ......................................................................................17 2.1.4 Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA............................................21 2.1.5 Suspeita ou confirmação de violência doméstica: o que fazer?.........................22 2.2 Cirurgião-Dentista..........................................................................................23 2.2.1 Cirurgião-dentista como promotor de saúde ..........................................23 2.2.2 Universidade como formadora de opiniões e conhecimentos...............26 3 MATERIAIS E MÉTODOS ..................................................................................28 4 RESULTADOS.....................................................................................................29 4.1 Caracterização dos sujeitos da pesquisa.....................................................29 4.2 Respostas emitidas pelos cirurgiões-dentistas quanto à violência doméstica infantil.................................................................................................31

5 DISCUSSÃO .......................................................................................................36

6 CONCLUSÃO .....................................................................................................43

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.......................................................................44

ANEXO...................................................................................................................47

8

1 INTRODUÇÃO

A violência doméstica infantil constitui um sério problema social que

permeia diversos segmentos socioeconômicos, culturais e étnicos. No decorrer

desses últimos anos, as denúncias em relação à violência infantil têm aumentado

e, mesmo com esses números, sabe-se que ainda há uma outra parte desta

população que, por razões como falta de informação e medo, permanece em

silêncio. No período de 1989 a 1995, foram registrados no Hospital Municipal

Souza Aguiar, no Rio de Janeiro, 188 casos de abuso infantil, sendo que 6,9%

resultaram em óbito da criança maltratada. (CARVALHO et al., 2001)

As crianças são vistas, perante a lei, como indefesas e, em função disso, foi

criado, pela Lei Federal nº 8.069 de 13 (treze) de julho de 1990, o Estatuto da

Criança e do Adolescente com um dos intuitos de proteger a criança e o

adolescente contra qualquer forma de abuso. Este estatuto afirma que a criança

não pode ser objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração,

violência, crueldade e opressão, não devendo ser omitidos qualquer um dos seus

direitos fundamentais.

O cirurgião-dentista, que é um profissional a serviço da saúde, tem o dever

de estar atento, em seu ambiente de trabalho, a qualquer sinal de violência em

uma criança. Este profissional se encontra em uma situação favorável para

detectar esses sinais, pois 65% de todos os traumas físicos associados à violência

doméstica ocorrem na face, na cabeça e no pescoço. No entanto, os registros

efetuados por cirurgiões-dentistas são pouquíssimos. Um estudo desenvolvido na

9

Delegacia Estadual de Repressão aos Crimes contra a Criança e o Adolescente

aponta que, apenas, 0,32% das denúncias foram realizadas por cirurgiões-

dentistas. (CARVALHO et al., 2001)

Os profissionais da Odontologia devem se questionar sobre o que fazer e

como ajudar a diminuir essa forma de violência, e quais são as suas

responsabilidades diante de uma criança que se apresente nessa condição. O

cirurgião-dentista tem a obrigação de assistir estas crianças através da

identificação, diagnóstico e encaminhamento dos casos suspeitos às autoridades

competentes. (CHAIM et al., 2004; MONTE ALTO et al., 1996)

Para atuar como um profissional consciente da obrigação quanto à sua

atuação diante de situações de atendimento de pacientes com suspeitas de

violência doméstica, o cirurgião-dentista deve ser adequadamente preparado.

Porém, na prática, o cirurgião-dentista brasileiro não sai da faculdade com a

capacidade de identificar uma criança que apresente sinais de abuso e, caso

suspeite, não sabe o que fazer. (CHAIM et al., 2004; GURGEL et al., 2001;

VIEIRA et al.,1998)

Frente à importância da temática e à escassez de estudos em nossa

região, desenvolvemos este trabalho com objetivo de constatar a percepção do

cirurgião-dentista de Navegantes (SC) em relação à violência doméstica infantil.

Acreditamos que os resultados desta investigação servirão como um alerta

a esses profissionais que, enquanto promotores de saúde, devem favorecer a

melhoria de qualidade de vida de futuros adultos devolvendo condições essenciais

de sobrevivência, afeto, proteção e respeito.

10

2 REVISÃO DE LITERATURA

2.1 Violência

2.1.1 O que é violência

Segundo Eisentein e Souza (1993) violência pode ser considerada toda

ação danosa à vida e à saúde do indivíduo, caracterizada por maus-tratos,

cerceamento da liberdade ou imposição da força. A criança e o adolescente por

sua maior vulnerabilidade e dependência são vitimas freqüentes de atos abusivos.

Para Mori (1994) a palavra “violência” tem uma conotação negativa porque

é vinculada à noção de ato moralmente reprovável, de tal forma que quem comete

intencionalmente este tipo de ato é obrigado a justificá-lo, mostrando que existem

boas razões em princípios mais fortes que a presunção negativa que temos contra

ele.

A idéia de infância como valor é bem recente, começando a tomar forma e

traduzir-se em leis apenas a partir de meados do século XX, em países como

Suécia, Holanda e Finlândia. (PANÚCIO-PINTO, 2006)

Discussões no Brasil começaram a ser geradas a partir dos anos 70, mas

apenas em 1990 ganha texto jurídico próprio , quando foi promulgada a lei 8069, o

Estatuto da Criança e Adolescente – ECA. De acordo com o ECA, os direitos

reservados à vida, à educação, à saúde, à convivência familiar e comunitária de

crianças e adolescentes devem ser garantidos com “absoluta prioridade”,

11

respeitando sua “condição peculiar de pessoa em desenvolvimento”. (Estatuto da

Criança e do Adolescente, 2003)

De acordo com Panúcio-Pinto (2006), uma criança pode ser vitimada pelos

pais e essa violência, seja ela física, psicológica ou sexual, não é um evento

isolado ou esporádico, mas reflete um padrão de relacionamento entre adultos e

crianças. A violência pode ser sutil, como a simples desvalorização das conquistas

da criança, ou assustadoramente concreta, podendo até levar a óbito. O fato de

ocorrer entre quatro paredes de um lar, no domínio da vida privada, dificulta a

notificação e abordagem aos casos, bem como a proteção a crianças que vivem

em situação de violência.

Segundo Cavalcanti (2003b), abuso infantil é uma forma de violência e

pode ser definido como uma ação realizada pelos pais ou responsáveis que causa

danos físicos ou emocionais a uma criança. O número de casos de crianças

maltratadas é elevado e o cirurgião-dentista encontra-se em posição de destaque

na identificação e notificação desse problema.

Abuso e negligência infantis constituem um sério problema social que

permeia diversos segmentos socioeconômicos, culturais e étnicos. E, a família,

instituição que deveria proteger as crianças e adolescentes, é comumente a

agressora principal nas fases iniciais da vida. (CAMPOS, 2005; CARVALHO et al.,

2001)

A violência contra criança e adolescente é um fenômeno bastante

subnotificado, uma vez que as notificações de agravo por violência ainda não

constituem uma cultura internalizada na sociedade brasileira. No Brasil, são

poucos os estudos que buscam conhecer os reais números da violência contra

12

menores de idade. Apesar de subnotificada, o que se tem observado é que a

incidência de casos denunciados e confirmados vem aumentando a cada ano.

(CAVALCANTI; DUARTE, 2004; SILVEIRA et al., 2005)

A negligência consiste em falha ao cuidar das necessidades de uma

criança, falha raramente proposital, tratando-se de uma inabilidade de

comportamento dos pais, e a violência física é o uso intencional, não acidental de

força física por parte de um parente ou outra pessoa incumbida dos cuidados das

crianças, tendo como objetivo danificar, ferir ou destruir aquela criança. *

Segundo Vanrell (2002), a maior proporção de casos ocorre na faixa etária

de 0 a 6 anos (60%). Nas faixas de idade de 7 a 12 anos (25%) e de 13 a 18 anos

de idade (15%), encontra-se uma diminuição progressiva e compreensível das

agressões. Com relação ao sexo, não se observa nenhuma distribuição

preferencial, encontrando-se valores praticamente idênticos para ambos os sexos,

pelo menos no grupo de 0 a 6 anos de idade. Os casos de cunho sexual são

achados, com maior freqüência, no sexo feminino e nos grupos de 6 a 12 anos e

de 13 a18 anos.

Vanrell (2002), também, afirmou que a condição socioeconômica parece

tampouco influenciar de forma significativa, no entanto há uma distorção, pois os

casos que ocorrem nas classes mais favorecidas na maioria das vezes têm sua

divulgação censurada. Dessa maneira, apenas se registram os casos de

gravidade extrema, ou quando seguidos de morte. Isso é exatamente o contrário

____________

* Informação verbal obtida em palestra proferida pela Profª. Catarina Maria Schmickler, na Universidade do Vale do Itajaí no dia 06/abr./2005.

13

do que acontece com os grupos sociais menos afortunados, os quais ocupam as

manchetes da imprensa oral, escrita e televisiva.

Segundo Gurgel et al. (2001), existem alguns fatores biossociais

relacionados à violência, tais como pais muito jovens, mães solteiras e chefes de

família, usuários de drogas e álcool e pais abusados na infância. E, Kotch et al.

(1995) afirmaram que as crianças maltratadas, são aquelas que nasceram de

parto prematuro, gravidez indesejada, que apresentam deficiências físicas ou

mentais e ainda, de difícil comportamento e/ou hiperatividade. Já os pais

agressores em sua maioria são originários de famílias desestruturadas que

apresentam problemas socioeconômicos, que padecem de distúrbios psiquiátricos

ressaltando os quadros depressivos, doenças físicas e/ou psicológicas. Estes

fatores são passíveis de avaliação pelo dentista através da busca de dados acerca

da história social do paciente pediátrico, durante o exame anamnésico.

Chaves et al. (2003) explicaram que a etiologia da violência doméstica em

crianças é baseada principalmente na interação entre três fatores: atributos da

personalidade dos pais que muitas vezes contribuem para a propensão ao abuso

infantil; características das próprias crianças que aumentam as tendências para

serem maltratadas e a situação do ambiente familiar em que vivem, como por

exemplo, a pobreza, o desemprego, problemas conjugais, uso de drogas e álcool,

o que reflete diretamente na maneira de lidar com as crianças.

Segundo Fischer e McDonald (1998), a violência doméstica infantil podem

ser divididos em: físicos, sexuais, psicológicos, negligência e Síndrome de

Münchausen por Procuração. Essas categorias se superpõem: todas as formas de

14

violência doméstica apresentam componentes emocionais e o abuso sexual é

também categoria de maus-tratos físicos.

A violência através de, principalmente, maus-tratos físicos, psíquicos e

abuso sexual, têm acometido muitas crianças em nível mundial, independente das

camadas sociais, das mais abastadas às mais carentes, deixando de ser tão

somente um problema social, para ser visto como um problema de saúde pública.

A cada ano milhares de crianças são vítimas silenciosas da violência doméstica

praticada pelos pais, familiares, amigos ou vizinhos. (MARTINS FILHO;

CAVALCANTI, 2004)

Segundo Zavras e Pai (1997), a redução do impacto que todas as formas

de violência doméstica podem acarretar ao desenvolvimento físico, mental e

emocional da criança é uma responsabilidade de qualquer sociedade civilizada e

democrática, sobretudo, dos profissionais de saúde.

A complexidade do fenômeno também se reafirma quando olhamos para o

fato de que a pesquisa sobre violência doméstica seja tema de interesse de tantas

e diferentes áreas: psicologia (desenvolvimento, personalidade, cognição), direito,

educação, saúde (pediatria, psiquiatria), serviço social. (PANÚCIO-PINTO, 2006)

A recente compreensão de que a exposição a qualquer situação de

violência oferece riscos para à saúde global dos indivíduos e grupos, fez com que

a violência fosse reconhecida como questão de saúde pública pela Organização

Mundial de Saúde. Não obstante, as formas de intervir e a própria questão da

notificação dos casos constituem-se em polêmicas que vem atrasando a

estruturação das redes de atendimento. O conhecimento e a adesão aos artigos

15

do ECA ocorrem de forma extremamente desigual ao longo do território brasileiro.

(PANÚCIO-PINTO, 2006)

Todas essas questões resultam numa escassez de dados sobre a

incidência real da violência doméstica, além do que é possível inferir que a maioria

das estimativas reflete apenas os casos mais visíveis ou graves de violência

familiar. (PANÚCIO-PINTO,2006)

2.1.2 Sinais e sintomas de violência

O diagnóstico do abuso infantil baseia-se no reconhecimento de

indicadores comportamentais (depressão, distimia, ansiedade, rebeldia,

agressividade e delinqüência - estes devem ser analisados com e sem a presença

dos pais da criança, tendo em vista que podem influenciar na detecção dos sinais

e sintomas) e de indicadores dos sinais e sintomas físicos comuns às crianças

abusadas e negligenciadas. (CARVALHO et al., 2001)

Segundo Cavalcanti (2003b), quando do exame físico, o profissional

deverá estar atento a: couro cabeludo - presença de áreas de alopecia nas

regiões frontal e parietal, decorrente de puxões violentos do cabelo, cicatrizes e

qualquer outro sinal físico que denote violência doméstica; olhos - hematoma

orbitário; e nariz - fraturas dos ossos próprios do nariz, desvio do septo e presença

de coágulos.

O abuso psicológico é caracterizado pela ABRAPIA (1997), como qualquer

atitude de rejeição, depreciação ou desrespeito ao menor. Braham et al. (1994),

afirmaram ser o tipo mais comum de violência, muito embora seja bastante

16

subnotificada, em virtude de um diagnóstico difícil pela ausência de sinais físicos.

Comportamentos significativos, perceptíveis pelo cirurgião-dentista, podem auxiliar

na suspeita de abuso psicológico, como agressividade ou timidez extrema,

atitudes anti-sociais, destrutivas, compulsivas e desenvolvimento de tiques.

Crianças com medo, que não gostam de ficar sozinhas com certos adultos

ou detestam ir a alguma residência em particular ou, pior, afetos exagerados e

excessivos por parte de certas pessoas para determinadas crianças, devem fazer

com que o pediatra ou outro profissional da saúde fique atento e pesquise com um

pouco mais de detalhes as condições de vida familiar ou grupal dos indivíduos

envolvidos no relacionamento. Isso é mais verdade se houver uso de drogas ou

alcoolismo na família. (MARTINS FILHO; CAVALCANTI, 2004)

Esses sinais, às vezes, são difíceis de serem concebidos pelos

profissionais como atos não intencionais, porém, na maioria das vezes a

aparência das agressões é suficiente para convencê-los de que ocorreu um caso

de abuso infantil. Estes sinais podem ser: marcas de mordidas, queimaduras de

ferro doméstico e cigarros, queimaduras por substâncias cáusticas ou venenos,

marcas de estrangulamentos no pescoço, hemorragias na retina, calvície irregular

devido a puxões de cabelo, abrasões ou feridas nas comissuras labiais, contusões

ou fraturas de nariz, fraturas de côndilo causadas por excessivas pancadas na

face, fraturas dentárias, rasgões nos freios linguais ou labiais, lacerações na

língua causadas pelas pancadas forçando a oclusão dentária, entre outras; todas

estas manifestações físicas podem ser facilmente reconhecidas pelos dentistas.

(CARVALHO et al., 2001)

17

Davis et al. (1992) citaram alguns indicadores primários para identificação

de crianças maltratadas: a criança estar suja, queimaduras por ponta de cigarro e

outras, mordidas, marcas de ter sido agarrada, de cinto ou correntes, abrasões e

lacerações em locais incomuns e com histórias improváveis, marcas de

estrangulamento no pescoço, orelhas traumatizadas externamente por beliscões

ou puxões e lesões incomuns na pele, com diagnóstico dermatológico indefinido,

múltiplas fraturas ósseas.

Para Ludwig et al. (1998), das lesões traumáticas inespecíficas, a contusão

é a mais freqüentemente observada. São importantes para a avaliação de

qualquer lesão inespecífica os seguintes itens: a história da lesão, a idade e o

nível de desenvolvimento da criança, a presença de outras lesões – novas ou

antigas e a interação entre os pais e a criança.

Segundo Casamassimo (1986), o abuso sexual, por sua vez, pode ter como

conseqüência, infecções no complexo orofacial, dentre elas estão a gonorréia, o

condiloma acuminado, a sífilis, infecção por herpes tipo II, monilíase e tricomonas

vaginalis, e ainda, a formação de petéquias e eritema no palato, devido à felação.

Um sinal ou sintoma são motivos de alarme; um conjunto de sinais ou

sintomas indicam a possibilidade de violência doméstica. Por conseguinte, o

cirurgião-dentista deverá estar atento a lesões físicas (hematomas, queimaduras,

cortes); aparência descuidada e suja; desnutrição; comportamento extremamente

tenso, agressivo ou apático; isolamento; abatimento; relutância em voltar para

casa; excessiva preocupação em agradar; falta de confiança em adultos; choro

sem causa aparente, entre outros. (ABRAPIA, 1997)

18

No consultório odontológico crianças maltratadas fisicamente apresentam

maior insensibilidade à dor, reagem inapropriadamente aos estímulos, são tímidas

e desatentas. Em relação ao intelecto, apresentam QI menor que as não

abusadas, refletindo no seu desempenho escolar. Socialmente, falam pouco, são

submissas, facilmente irritáveis, apresentando expressões faciais contraditórias ao

que realmente estão pensando. (MOURA et al., 2000)

Existe unanimidade entre os autores em reconhecimento físico de crianças

negligenciadas. Características como: pobre higiene pessoal, desnutrição, alta

incidência de lesões de cárie, dor, infecções e traumas orofaciais não tratados,

aliados à alta incidência de injúrias provocadas devido à falta de cuidado dos pais

são achados freqüentes em crianças vítimas de negligência. (MOURA et al., 2000)

2.1.3 Dados estatísticos

No mundo inteiro, a enorme freqüência da violência doméstica praticada

contra crianças e adolescentes têm mobilizado profissionais de diversas áreas e a

sociedade em geral. A violência praticada contra os filhos pelos pais ou

responsáveis é extremamente comum, assumindo cifras assustadoras nos países

que já se organizaram para o recebimento das denúncias e atendimento dessas

situações. (PANÚCIO-PINTO, 2006)

Um dos primeiros relatos de maus-tratos físicos ocorreu nos Estados

Unidos, em 1874, tendo como agente agressor a madrasta. Este caso foi

encaminhado à Sociedade de Prevenção de Crueldade contra Animais.

19

Posteriormente, no ano seguinte, criou-se a Sociedade de Prevenção de

Crueldade contra Crianças. (CAVALCANTI et al., 2000)

Estudos têm demonstrado que, nos Estados Unidos, os números de casos

registrados são de 7300 casos por dia e que cerca de 1 500 000 sejam vítimas de

violência doméstica. Talvez não seja correto dizer que houve aumento do número

de casos, mas que o aumento da atenção dispensada ao tema nas últimas

décadas, em termos clínicos, sociais, legais e acadêmicos começa a ampliar a

visibilidade sobre a violência doméstica. (PANÚCIO-PINTO, 2006)

Alguns países como Canadá, Austrália e outros da Europa Ocidental têm

investido na discussão. Paradoxalmente, países mais fracos do ponto de vista

econômico, como Rússia, e os países da América do Sul, apresentam pouca

produção bibliográfica sobre o tema. É possível pensar, que do ponto de vista da

cultura, algumas sociedades são mais hierarquizadas, como as latinas ou

orientais. O desafio de sensibilizar quanto à violência doméstica, bem como de

estruturar serviços eficientes em proteger as vítimas é ainda maior em culturas

que atribuem pouco valor à infância e nas quais o disciplinamento corporal é

historicamente valorizado. (PANÚCIO-PINTO, 2006)

Dados estatísticos internacionais mostram que na Espanha, 15 de cada mil

crianças são vítimas de violência doméstica. Países como Inglaterra, França e

Itália registram, anualmente, cerca de 50 mil casos de violência contra menores de

idade. Nos Estados Unidos, em 1998, foram relatados 900 mil casos de violência

doméstica infantil, dos quais 200 mil foram de abuso físico. (MARTINS FILHO;

CAVALCANTI, 2004)

20

No Brasil, o despertar da sociedade para esse grave problema social

ocorreu em meados da década de 80, com a fundação do Centro Regional de

Atenção aos Maus-tratos na Infância (CRAMI), em Campinas, São Paulo, em

1985, e da Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e à

Adolescência (ABRAPIA), no Rio de Janeiro, em 1998, tendo como objetivo

principal a assistência às crianças vítimas de violência. Desde então, outros

serviços somaram-se a estas iniciativas. (CAVALCANTI et al., 2000)

Infelizmente, não dispomos de uma estatística nacional que expresse os

números reais da violência contra a criança. Entretanto, informações fornecidas

por entidades como a Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à

Infância e Adolescência (ABRAPIA - RJ), Amparo ao Menor Carente (AMENCAR -

RS) e Centro Regional de Atenção aos Maus-Tratos na Infância do ABCD

(CRAMI-SP), dentre outras, demonstram que esses números são semelhantes

aos encontrados nos países desenvolvidos. Para se ter uma idéia da situação

brasileira, estima-se que apenas no Estado de São Paulo, ocorram 500 mil

agressões anuais. (MARTINS FILHO; CAVALCANTI, 2004)

A escassez de informações estatísticas e epidemiológicas sobre o abuso

infantil reflete, em parte, a falta de notificação e o temor ante as implicações legais

e a dificuldade em se diagnosticar corretamente casos nos quais se presuma a

existência de violência doméstica. (CAVALCANTI et al., 2002)

Estimativas encontradas na literatura médica indicam que cerca de 10%

das crianças levadas a serviços de emergência por traumas são vítimas de

violência doméstica. Sem a ajuda adequada, 5% delas, provavelmente, morrerão

nas mãos dos agressores. (BRICARELLO, 1999)

21

Através de um estudo de casos relatados nos EUA em 1995, o dentista

aparecia como um excelente diagnosticador de sinais de violência doméstica e

negligência, devido ao fato de que 65% das injúrias resultantes envolviam a

cabeça, a face e a boca. Também fatores como cáries rampantes e má-oclusão

severa devem ser considerados em casos de violência doméstica infantil. (CHAIM

et al., 2004)

O estudo de Carvalho et al. (2001) objetivou avaliar os registros de

ocorrências realizados durante o primeiro trimestre do ano 2000, na Delegacia de

Repressão aos Crimes contra a Criança e o Adolescente (DERCA, Salvador/BA) e

o papel do CD frente a casos de abusos e negligência infantis. Os resultados

foram os seguintes: o abuso físico foi o mais predominante (50,7%) e as lesões na

cabeça e no pescoço foram as mais encontradas dentro do abuso físico (72,73%).

Jesse (1995), justificou este número pelo fato de estas áreas anatômicas serem

mais proeminentes e estarem mais ao alcance dos violentadores no momento da

agressão.

As diferentes perspectivas e os diferentes lugares de realização das

pesquisas indicam o caráter universal do fenômeno. A leitura de trabalhos

produzidos em diferentes países aponta para dificuldades que se repetem também

na realidade brasileira: escassez de dados que subsidiem a estruturação de

serviços eficientes, a proteção de vítimas, a integração dos serviços e o

treinamento pessoal, a produção de conhecimento na área, a sensibilização da

sociedade em geral, entre outras. (PANÚCIO-PINTO, 2006)

22

2.1.4 Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA

Criado pela Lei Federal nº8.069, 13 de julho de 1990, com uma das

intenções de proteger a criança e o adolescente contra qualquer forma de abuso,

podemos retirar alguns artigos extremamente importantes como:

Art. 5º - Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais (....)

Art. 13 – Os casos de suspeita ou confirmação de maus-tratos contra criança ou adolescente serão obrigatoriamente comunicados ao Conselho Tutelar da respectiva localidade, sem prejuízo de outras providências legais (....)

Art. 70 – É dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou violação dos direitos da criança e do adolescente (...)

Art. 245 – Deixar o médico, professor ou responsável por estabelecimento de atenção à saúde e de ensino fundamental, pré-escola ou creche, de comunicar à autoridade competente os casos de que tenha conhecimento, envolvendo suspeita ou confirmação de maus-tratos contra criança ou adolescente: pena – multa de três a vinte salários de referência, aplicando-se o dobro em caso de reincidência. (Estatuto da Criança e do Adolescente, 2003, p. 08; 10; 78-79).

No Brasil, desde a promulgação do ECA muito tem se discutido sobre a

proteção especial e os direitos de crianças e adolescentes em situação de risco.

Além dos riscos que se enquadram na categoria de “sociais” e na verdade

somando-se a eles, estão os riscos pessoais e a violência doméstica se enquadra

como categoria diferenciada. (PANÚCIO-PINTO, 2006)

O cirurgião-dentista, como cidadão e profissional responsável pelo

estabelecimento de atenção à saúde, uma vez prestando atendimento a crianças,

deve estar atento para interceptar qualquer situação suspeita de violência

doméstica, sob o risco de responder legalmente ao não cumprimento do texto do

23

Estatuto da Criança e do Adolescente. Croll et al. (1981) demonstraram que o

cirurgião-dentista, uma vez capaz de identificar a criança maltratada, pode ser o

primeiro profissional a denunciar essa situação.

Em nosso país, o texto é claro. De acordo com o artigo 227 da Constituição

Federal (1988) quem se cala diante do sofrimento de uma criança está

descumprindo a lei, pois:

É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

2.1.5 Suspeita ou confirmação de violência doméstica: o que fazer?

Segundo as recomendações da ABRAPIA (1997), o procedimento a ser

adotado pelos profissionais de saúde diante de suspeita de violência doméstica

em crianças e adolescentes, consta de: notificação - através de ofício, aos

Conselhos Tutelares (CT) ou, na falta destes, comunicado ao Juizado da Infância

e da Juventude; notificação da ocorrência à autoridade policial; solicitação de guia

de encaminhamento da criança a exame de corpo de delito.

Segundo Cavalcanti (2001), diante de violência física, a abordagem de

atendimento deve ser rápida, em caráter de urgência, e incluir: encaminhamento

da criança para o hospital (emergência, serviço de pronto-atendimento); realização

de radiografias do corpo inteiro; confirmar o diagnóstico e constituir equipe

multiprofissional com médicos (pediatra, ortopedista, radiologista e legista),

psicólogo e assistente social; comunicar o fato à autoridade policial, que

24

encaminhará o caso para o Instituto Médico Legal (IML); quando solicitado,

comparecer ao IML; notificar o Conselho Tutelar, Curador de Menores ou o Juiz da

Infância e Juventude.

Segundo Cavalcanti (2001), a denúncia é o caminho recomendado e de

escolha, pois, uma vez que o profissional tome conhecimento do fato e não o

comunique à autoridade competente, incorrerá em ilícito penal. Frente a suspeita

de violência doméstica infantil, a notificação deverá ser feita às seguintes

autoridades: Conselho Tutelar, Curador da Infância e Juventude ou Juiz da Vara

da Infância e Juventude. A denúncia pode ser feita pessoalmente, por telefone ou

por escrito.

2.2 Cirurgião-Dentista

2.2.1 Cirurgião-Dentista como promotor de saúde

É importante que os profissionais de saúde conheçam e considerem a

realidade da vida de seu paciente, orientando os pais e responsáveis sobre a

necessidade de respeitar a criança e o adolescente, até mesmo antes do seu

nascimento. (ABRAPIA, 1997)

Mouden e Bross (1995) demonstraram que o cirurgião-dentista pode ajudar

a proteger a criança de violência doméstica diagnosticando e relatando às

autoridades competentes e aos serviços de proteção à infância os casos suspeitos

de abuso infantil.

25

Segundo Monte Alto et al. (1996), identificar a violência doméstica e

notificá-la às autoridades são obrigações dos profissionais que lidam com crianças

e adolescentes e, em especial, dos profissionais de saúde. Muitas vezes,

omissões freqüentes podem levar uma criança ao hospital, com lesões graves que

poderão ocasionar seqüelas físicas e emocionais, podendo causar até a morte.

Os dentistas, aparentemente, estão menos envolvidos que outros

profissionais de saúde na detecção e tratamento de casos suspeitos de abuso

infantil. Porém, a literatura demonstra que casos de abuso infantil podem ser

primariamente detectados pelo dentista. (VIEIRA et al., 2004)

Segundo Vieira et al. (1998), além de deter uma posição especial na

detecção de vítimas de violência, o dentista, como cidadão e profissional

responsável pelo estabelecimento de atenção à saúde, uma vez prestando

atendimentos a crianças e/ou adolescentes, deve estar atento para interceptar

qualquer situação suspeita de violência doméstica, sob o risco de responder

legalmente ao não cumprimento das deliberações do Estatuto da Criança e do

Adolescente. Paradoxalmente observa-se um descompromisso frente a vítimas

potenciais de violência doméstica, sendo este comportamento reflexo de uma

formação acadêmica deficitária.

Segundo Cavalcanti et al. (2000), a negligência e a agressão infantil podem

ser identificadas no consultório odontológico. Por conseguinte é importante que o

cirurgião-dentista reconheça a possibilidade de violência física e forneça o

tratamento dentário emergencial adequado ao caso, bem como planeje um futuro

tratamento, se necessário. Além do mais, deve informar às autoridades

competentes da suspeita.

26

Segundo Cavalcanti et al. (2002), o exame para revelar maus-tratos ou

abandono começa quando a criança entra na sala de recepção ou na sala do

consultório. Uma vez constatada uma lesão de natureza suspeita, a primeira e

imediata providência do dentista deve ser a proteção da criança.

Cavalcanti (2001) afirmou que nos casos em que houver suspeita de

violência, exames extra e intrabucal devem ser realizados de forma cuidadosa e

completa, no sentido de possibilitar a obtenção do maior número de informações,

permitindo o correto diagnóstico.

O cirurgião-dentista deve habilitar-se para o encaminhamento destas

crianças abusadas aos órgãos competentes, conscientizando-se ainda, a respeito

das conseqüências legais resultante da omissão frente aos casos de violência

doméstica. Dentistas têm oportunidade e obrigação de assistir estas crianças

através da identificação, diagnóstico e encaminhamento dos casos suspeitos.

Quanto mais precoce esta intervenção, maior será a chance de romper o ciclo de

violência doméstica dentro das futuras gerações. (CARVALHO et al., 2001)

Vale salientar que, segundo Atwal et al. (1998), a face é o sítio mais comum

de traumas, seguido da nuca e região das nádegas. É importante salientar que

cerca de 50% dos casos de maus tratos diagnosticados possuem traumas

orofaciais, sendo as fraturas pouco encontradas.

Nesse sentido, se faz necessário capacitar esses profissionais, no decorrer

do curso de graduação, não somente no que diz respeito aos aspectos clínicos,

mas, também, no âmbito da psicologia infantil, quanto à detecção de indícios ou

sinais clínicos mínimos que denotem violência, uma vez que frente a lesões

extensas, o diagnóstico tornar-se-á facilitado. (CAVALCANTI, 2001)

27

2.2.2 Universidade como formadora de opiniões e conhecimentos

Vieira et al. (1998) afirmaram que o cirurgião-dentista brasileiro não sai da

faculdade com a capacidade de identificar uma criança que apresente sinais de

abuso e, caso suspeite, não sabe o que fazer.

Uma pesquisa realizada por Gurgel et al. (2001), detectou carência de

informação durante a graduação, gerando dificuldade de diagnóstico e

insegurança nos procedimentos de denúncia. E ainda que provada a importância

do envolvimento ético e legal do cirurgião-dentista, na redução do impacto físico,

mental e social provocado por todos os tipos de violência contra crianças e

adolescentes, poucos profissionais buscam informações e treinamento específico

no assunto.

Um estudo realizado através de questões abertas com cirurgiões-dentistas

informou que, dos 100% entrevistados, apenas 18,90% responderam ter tido

orientação prévia sobre o assunto na graduação ou após nas disciplinas de

odontopediatria, odontologia legal, cirurgia, odontologia preventiva e social,

psicologia, antropologia e sociologia, o que mostra que as faculdades de

odontologia não têm cumprido seu papel instrutivo e educativo no que diz respeito

às informações e ao preparo de seus futuros profissionais para o reconhecimento

de casos de abuso infantil, além do pleno exercício de sua cidadania e a de seus

pacientes. (CHAIM et al., 2004)

Um assunto tão importante como esse deveria ser integrado aos programas

curriculares da graduação, independente de qual disciplina se responsabilizasse

por essa tarefa; afinal, segundo o Código de Ética Odontológico, no capítulo III,

28

que trata dos deveres fundamentais, no Art. 4º, podemos verificar no inciso III, um

dos principais deveres do cirurgião-dentista é: “zelar pela saúde e pela dignidade

do paciente”, o que indica o compromisso social que temos enquanto classe

profissional, na melhoria da qualidade de vida da população e o compromisso que

as faculdades de odontologia têm na formação de profissionais que carreguem

consigo essa responsabilidade. O profissional não sabe que, além de sua

responsabilidade ética, o não cumprimento de sua obrigação legal pode gerar

punição para si mesmo. (CHAIM et al., 2004)

Dentistas, especialmente odontopediatras, podem habilitar-se para avaliar,

além das condições orais do paciente, sinais físicos e psicológicos indicativos de

violência doméstica, não somente da criança, mas também de seus familiares, os

quais podem contribuir para manutenção de episódios violentos. (GURGEL et al.,

2001)

Vários países já perceberam a importância do profissional de odontologia

no diagnóstico do abuso infantil. Dentre esses, os Estados Unidos são o melhor

exemplo.Lá, diferente da nossa realidade, as faculdades de odontologia abordam

o tópico “abuso infantil” no conteúdo curricular dos cursos de graduação. A

American Dental Association (ADA) inclui em seu código de ética, a

obrigatoriedade da denúncia. (CAVALCANTI, 2003a)

29

3 MATERIAIS E MÉTODOS

A pesquisa foi do tipo descritivo. A população alvo foram os vinte e três

cirurgiões-dentistas do município de Navegantes, cadastrados em agosto de 2005

no Conselho Regional de Odontologia de Santa Catarina. (CRO/SC, 2005)

O instrumento para coleta de dados consistiu de um questionário auto-

aplicável com nove questões dos tipos aberta e fechada, distribuídas em três

campos: dados de identificação, conduta frente à situação de violência,

capacitação em relação à violência (anexo).

Foi realizada uma visita no ambiente de trabalho de cada cirurgião-dentista

explicando a razão do trabalho e que sua participação era livre bem como da

resolução do questionário, onde o entrevistado tinha um prazo de quatro dias para

responder às questões que foram recolhidas após este prazo.

O entrevistado assinou o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

(apêndice A) e foi informado que o seu nome não foi revelado. Esta pesquisa foi

aprovada pelo Comitê de Ética, conforme Anexo B.

Os resultados foram distribuídos em gráficos e foi obtida a freqüência

relativa para cada item do questionário.

Após a tabulação dos dados, foram enviados por correspondência os

resultados da pesquisa para conhecimento dos cirurgiões-dentistas envolvidos.

30

4 RESULTADOS

Foram entrevistados vinte e três cirurgiões-dentistas do município de

Navegantes, cadastrados em agosto de 2005 no Conselho Regional de

Odontologia de Santa Catarina. (CRO/SC, 2005)

4.1 Caracterização dos sujeitos da pesquisa

43

57

0

10

20

30

40

50

60

masculino feminino

%

Gráfico 01: Perfil dos cirurgiões-dentistas entrevistados em relação ao sexo.

61

39

0

10

20

30

40

50

60

70

Particular Pública

%%%

Gráfico 02: Perfil dos cirurgiões-dentistas entrevistados em relação ao tipo de instituição em que realizou a graduação.

31

78

22

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

Menos de 10 anos Mais de 10 anos

%

Gráfico 03: Perfil dos cirurgiões-dentistas entrevistados em relação ao tempo de atuação.

79

174

0

20

40

60

80

100

Part. Part./Pub. Part./Sind.

%

Gráfico 04: Perfil dos cirurgiões-dentistas entrevistados em relação ao tipo de vínculo empregatício.

32

4.2 Respostas emitidas pelos cirurgiões-dentistas quanto à violência

doméstica infantil

22

78

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

Sim Não

%%

Gráfico 05: Distribuição da freqüência relativa dos cirurgiões-dentistas que já atenderam criança com suspeita ou confirmação de violência doméstica.

28

18 18

9 9 9 9

05

1015202530

reprimida

amedrontada

marcas no braço

nervosa

agressiva

agres. fís. no consult.

negliência

%

Gráfico 06: Distribuição da freqüência relativa das manifestações de violência doméstica em crianças observadas pelos cirurgiões-dentistas.

33

60

20 20

0

10

20

30

40

50

60

70

A B C

%

Gráfico 07: Distribuição da freqüência relativa quanto ao tipo de conduta realizada pelo cirurgião-dentista ao identificar um caso de violência doméstica infantil. (A= Conversou com a mãe; B= Recusou o atendimento; C= Comunicou ao Conselho Tutelar)

43

57

0

10

20

30

40

50

60

sim não

%

Gráfico 08: Distribuição da freqüência relativa dos cirurgiões-dentistas que se sentem capacitados para o diagnóstico de crianças maltratadas.

34

Gráfico 09: Distribuição da freqüência relativa dos sujeitos que receberam orientações sobre violência doméstica infantil durante a graduação, segundo o tempo de formado. (A= formados a menos de 10 anos; B= formados a mais de 10 anos)

89

11

100

0020406080100120

sim não sim não

menos 10an. mais 10an.

%

Gráfico 10: Distribuição da freqüência relativa da autopercepção quanto à capacitação para diagnóstico de violência doméstica infantil dos sujeitos que receberam orientações durante a graduação, segundo o tempo de formado.

50

20 35

50

80

65

0

20

40

60

80

100

A B A MAIS B

Sim Não %

35

11

52

511 11

5 5

0102030405060

Clín. Integrada

Odontop.

Odont. Legal

Psicologia

Pac. Esp.

OSP

Estomat.

%

Gráfico 11: Distribuição da freqüência relativa das respostas dos cirurgiões-dentistas em relação as disciplinas da graduação que ofereceram orientação para o diagnóstico de violência doméstica infantil.

20 20

60

0

10

20

30

40

50

60

70

A B C

%

Gráfico 12: Distribuição da freqüência relativa dos sujeitos que responderam quanto à conduta que deve ser realizada ao diagnosticar ou suspeitar um caso de violência doméstica infantil. (A= conversar com os pais/responsáveis; B= comunicar o fato às autoridades competentes; C= conversar com os pais/responsáveis e comunicar o fato às autoridades competentes)

36

77

176

0

20

40

60

80

100

A B C

%

Gráfico 13: Distribuição da freqüência relativa dos sujeitos que responderam quanto a qual autoridade competente eles devem comunicar em caso de violência doméstica infantil. (A= Conselho Tutelar; B= não respondeu; C= não sabe)

Gráfico 14: Distribuição da freqüência relativa das respostas dos sujeitos da pesquisa quanto ao conhecimento das implicações legais nos casos de omissão de suspeita de violência doméstica infantil.

4

96

0

20

40

60

80

100

120

Sim Não

%

37

5 DISCUSSÃO

Este trabalho foi desenvolvido para constatar a percepção do cirurgião-

dentista de Navegantes (SC) em relação à violência doméstica infantil neste

município. Preliminarmente, apresentaremos um panorama da questão no Brasil e

no mundo. Posteriormente, enfocaremos a discussão sobre os dados coletados.

Um dos primeiros relatos de maus-tratos físicos ocorreu nos Estados

Unidos, em 1874, tendo como agente agressor a madrasta. Este caso foi

encaminhado à Sociedade de Prevenção de Crueldade contra Animais. No ano

seguinte, criou-se a Sociedade de Prevenção de Crueldade contra Crianças.

(CAVALCANTI et al., 2000)

No Brasil, o despertar da sociedade para esse grave problema social

ocorreu em meados da década de 80, com a fundação do Centro Regional de

Atenção aos Maus-tratos na Infância (CRAMI), em Campinas, São Paulo, em

1985, e da Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e à

Adolescência (ABRAPIA), no Rio de Janeiro, em 1998, tendo como objetivo

principal a assistência às crianças vítimas de violência. Desde então, outros

serviços somaram-se a estas iniciativas. (CAVALCANTI et al., 2000)

Infelizmente, não dispomos de uma estatística nacional que expresse os

números reais da violência contra a criança. Entretanto, informações fornecidas

por entidades como a Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à

Infância e Adolescência (ABRAPIA - RJ), Amparo ao Menor Carente (AMENCAR -

RS) e Centro Regional de Atenção aos Maus-Tratos na Infância do ABCD

38

(CRAMI-SP), demonstram que esses números são semelhantes aos encontrados

nos países desenvolvidos. Para se ter uma idéia da situação brasileira, estima-se

que, apenas, no Estado de São Paulo, ocorram 500 mil agressões anuais.

(MARTINS FILHO; CAVALCANTI, 2004)

A escassez de informações estatísticas e epidemiológicas sobre o abuso

infantil reflete, em parte, a falta de notificação e o temor ante as implicações legais

e a dificuldade em se diagnosticar corretamente casos nos quais se presuma a

existência de violência doméstica. (CAVALCANTI et al., 2002)

Estimativas encontradas na literatura médica indicam que cerca de 10%

das crianças levadas a serviços de emergência por traumas são vítimas de

violência doméstica. Sem a ajuda adequada, 5% delas, provavelmente, morrerão

nas mãos dos agressores. (BRICARELLO, 1999)

No consultório odontológico crianças maltratadas fisicamente apresentam

maior insensibilidade à dor, reagem inapropriadamente aos estímulos, são tímidas

e desatentas. Em relação ao intelecto, apresentam QI menor que as não

abusadas, refletindo no seu desempenho escolar. Socialmente, falam pouco, são

submissas, facilmente irritáveis, apresentando expressões faciais contraditórias ao

que realmente estão pensando. (MOURA et al., 2000)

Das lesões provocadas em crianças, mais da metade ocorre na região da

cabeça, boca e pescoço, áreas diretamente relacionadas aos cuidados dos

dentistas. Através de um estudo de casos, relatados nos EUA, em 1995, o dentista

aparecia como um excelente diagnosticador de sinais de maus-tratos e

negligência, devido ao fato de que 65% das injúrias resultantes envolviam a

cabeça, a face e a boca. Também fatores como cáries rampantes e má-oclusão

39

severa devem ser considerados em casos de violência doméstica infantil. (CHAIM

et al., 2004; CHAIM; GONÇALVES, 2006)

No Brasil, conforme pesquisas recentes, a maioria dos cirurgiões-

dentistas parece não apresentar condições adequadas para perceber ou

diagnosticar casos de violência doméstica em crianças e adolescentes. (ARAUJO

et al., 2002; CARVALHO et al., 2002; CHAIM; GONÇALVES, 2006; GURGEL et

al., 2001) No grupo de cirurgiões-dentistas investigados, em Navegantes (SC),

57% afirmou que não se julga capacitado para diagnosticar casos de violência

doméstica em crianças (Gráfico 8).

Como argumentaram Cavalcanti (2001) e Vieira (1998), os cursos de

Odontologia devem capacitar os futuros profissionais quanto à detecção de

indícios ou sinais clínicos mínimos que denotem violência. A pesquisa de Carvalho

et al. (2002), com dentistas que participaram do XI Congresso Internacional de

Odontologia da Bahia, apontou que 93,5% dos participantes da pesquisa

afirmaram não ter recebido, durante a graduação qualquer informação sobre o

tema. E, Chaim et al. (2004), quando investigaram cirurgiões-dentistas do interior

de São Paulo, encontraram um reduzido percentual (18,9%) de profissionais que

afirmaram ter recebido orientações sobre violência doméstica infantil, durante a

graduação ou após a graduação. Portanto, a população que investigamos, assim

como em outras regiões brasileiras, ainda, apresenta uma defasagem de

capacitação sobre esta temática.

No grupo avaliado, quanto à capacitação dos futuros profissionais,

observamos que o tempo de atuação interferiu na obtenção de informações sobre

o diagnóstico de maus tratos infantis. No gráfico 9, 50% dos formados a menos de

40

10 anos receberam orientações, enquanto que, dentre os que se formaram a mais

de 10 anos, apenas, 20% afirmou ter recebido estas orientações. De modo geral,

35% dos sujeitos entrevistados receberam alguma orientação durante a

graduação.

Quando procedemos ao cruzamento dos dados referentes à capacitação

recebida durante a graduação e a autopercepção dos sujeitos para o diagnóstico

de violência doméstica infantil, verificamos que um percentual reduzido (11%) não

se julga capacitado. Logo, pode-se inferir que a informação recebida durante a

graduação é fundamental para o diagnóstico dos casos de violência doméstica.

Em nossa pesquisa, questionamos os cirurgiões-dentistas se, durante sua

vida profissional, já haviam atendido crianças com suspeita de violência

doméstica. Vinte e dois por cento (22%) dos entrevistados afirmou já ter atendido

crianças vítimas de violência doméstica (Gráfico 5). Destes sujeitos, apenas 20%

afirmou ter comunicado o fato ao Conselho Tutelar (Gráfico 7).

Carvalho et al. (2001) afirmaram que o cirurgião-dentista deve habilitar-se

para o encaminhamento destas crianças abusadas aos órgãos competentes,

conscientizando-se, ainda, a respeito das conseqüências legais resultante da

omissão frente aos casos de violência doméstica. Portanto, o que se identificou é

que o cirurgião-dentista quase não observa a criança em seu todo, deixando de

suspeitar e confirmar situações de violência doméstica. E quando observa tem

uma atitude muito superficial, acomodada, discreta não assumindo a conduta legal

que a situação exige.

41

Considerando-se o estabelecido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente

(ECA), em casos de suspeita de violência doméstica, a conduta obrigatória é a

comunicação ao Conselho Tutelar da respectiva localidade. Neste sentido,

Carvalho et al. (2001) afirmaram que o cirurgião-dentista deve habilitar-se para o

encaminhamento de crianças com suspeita de violência doméstica aos órgãos

competentes. Portanto, entre os integrantes de nossa pesquisa, que vivenciaram

em seus consultórios situação de violência doméstica, identifica-se um reduzido

percentual de sujeitos que atenderam o disposto legal.

Segundo Medcenter (2006), os dentistas desconhecem, inclusive, as

penalidades que lhe são cabíveis, no caso de não reportarem o fato ao Conselho

Tutelar ou ao Juizado da Infância e da Juventude. É importante destacar-se que o

ECA, no artigo 245, estabelece que a omissão da comunicação dos casos de

suspeita de violência doméstica à autoridade competente implica em pena sob a

forma de multa, que varia de 3 a 20 salários de referência, aplicando-se o dobro

em caso de reincidência. Em nosso estudo constatou-se que 96% dos

profissionais não sabiam dessas implicações legais (Gráfico 14). O

desconhecimento da conduta legal, entre os sujeitos de nossa pesquisa,

independentemente de terem, ou não, atendido crianças com suspeita de violência

doméstica, é significativo, pois, somente 20% informou que a suspeita de violência

doméstica deve ser comunicada à autoridade competente, no caso o Conselho

Tutelar (Gráficos 12 e 13).

Gaio (2004), em seu estudo com fonoaudiólogos, observou que os

entrevistados desconhecem suas obrigações e funções referenciadas no ECA,

com exceção de um que por atuar também no serviço público relatou a questão da

42

obrigatoriedade da denúncia mediante a suspeita ou confirmação de um caso de

violência doméstica.

Segundo Carvalho et al. (2001), o diagnóstico de abuso infantil baseia-se

no reconhecimento de indicadores comportamentais. A ABRAPIA (1997) e Moura

et al. (2000) caracterizaram agressividade ou timidez extrema como

comportamentos significativos, perceptíveis pelo cirurgião-dentista, o que pode

auxiliar na suspeita de abuso psicológico. Martins Filho e Cavalcanti (2004)

afirmaram em seu estudo que os profissionais de saúde devem ficar atentos ao

observarem crianças com medo, e pesquisar com um pouco mais de detalhe as

condições de vida familiar ou grupal dos indivíduos envolvidos no relacionamento.

Ludwig et al. (1998) também encontrou que a contusão (marcas no corpo) é a

lesão traumática inespecífica mais freqüentemente encontrada. Para Moura et al.

(2000) características como pobre higiene pessoal, desnutrição, alta incidência de

lesões de cárie, dor, infecções e traumas orofaciais não tratados, aliados à alta

incidência de injúrias provocadas devido à falta de cuidados dos pais são achados

freqüentes em crianças vítimas de negligência.

No grupo investigado, quando feito o questionamento a respeito das

manifestações de violência doméstica mais observada em crianças, constatamos

características como reprimida, amedrontada, marcas no braço, nervosa,

agressiva, agressão física no consultório e negligência o que vai de encontro aos

achados dos autores citados acima (Gráfico 6).

Carvalho et al. (2001) e Davis et al. (1992) observaram outros sinais que

não foram constatados neste trabalho, como: marcas de mordida, queimaduras de

ferro doméstico e cigarros, queimaduras por substâncias cáusticas ou venenos,

43

marcas de estrangulamento no pescoço, hemorragias na retina, calvície irregular

devido a puxões de cabelo, abrasões ou feridas nas comissuras labiais, contusões

ou fraturas de nariz, fraturas de côndilo causadas por excessivas pancadas na

face, fraturas dentárias, rasgões nos freios linguais ou labiais, lacerações na

língua causadas pelas pancadas forçando a oclusão dentária.

Segundo Casamassimo (1986) o abuso sexual, por sua vez, pode ter como

conseqüência, infecções no complexo orofacial, dentre elas estão a gonorréia, o

condiloma acuminado, a sífilis, infecção por herpes tipo II, monilíase e tricomonas

vaginalis, e ainda, a formação de petéquias e eritema no palato, devido à felação.

Portanto, o profissional de Odontologia tem que se conscientizar e buscar

orientação quanto ao abuso e negligência infantis, para que possa reconhecer os

sinais e sintomas de violência doméstica em crianças, e estar ciente da sua

obrigação em notificar e saber como proceder a denúncia.

44

6 CONCLUSÃO

A cada ano, milhares de crianças são vítimas silenciosas da violência

doméstica, os profissionais de saúde estão legalmente e eticamente envolvidos no

controle da violência infantil. Suas ações não devem ser apenas curativas, mas,

principalmente preventivas, denunciando casos suspeitos.

Por estar em situação privilegiada de diagnóstico, os cirurgiões-dentistas

deveriam engajar-se mais intensamente nesta causa social, a fim de reduzir a

incidência crescente da violência contra crianças e o seu danoso impacto sobre o

desenvolvimento destas.

Em nosso estudo, identificamos que dos cirurgiões-dentistas que

receberam orientação durante a graduação, 89% dos formados a menos de dez

anos e 100% dos formados a mais de dez anos julgam-se capacitados para o

diagnóstico de crianças com suspeita de violência doméstica.

E apesar de apenas 22% dos cirurgiões-dentistas afirmarem já terem

atendido crianças com suspeita de violência doméstica, observa-se que, mesmo

assim, a maioria não faz o encaminhamento às autoridades competentes.

Portanto, identifica-se a necessidade de, através de órgãos competentes

(Universidade, ABO, dentre outras entidades), se ampliar a discussão sobre a

temática e o papel dos profissionais da saúde.

45

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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ANEXO A

QUESTIONÁRIO

Sexo: ( ) Masculino( ) Feminino

Faculdade de Odontologia que se formou: ( ) Pública( ) Particular

Tempo de formado: ( ) menos de 10 anos( ) mais de 10 anos

Local de trabalho: ( ) Clínica Particular ( ) Serviço Público ( ) Hospital

( ) Clínica Universitária( ) Outros. Especificar:_________________________

Município:_______________________________________________________

1- Em sua atuação clínica, teve oportunidade de atender crianças com

características de maus-tratos? ( ) Sim ( ) Não

2- Em caso positivo, favor citar características observadas nas crianças

avaliadas:__________________________________________________________

__________________________________________________________________

__________________________________________________________________

______________________________________________________

3- Qual foi sua conduta? ___________________________________________

_______________________________________________________________

4- Sente-se capacitado para o diagnóstico de crianças maltratadas?

( ) Sim ( ) Não

5- Foi orientado para o diagnóstico de crianças maltratadas? ( ) Sim ( ) Não

6- Se lhe foi oferecida orientação, como aulas ou cursos durante a graduação,

citar a(s) disciplina(s) que ministrou o assunto:

Disciplina (s) de: _________________________________________________

_______________________________________________________________

( ) Não foram oferecidos orientação ou curso ou aulas sobre o assunto durante a

graduação.

7- Se assistiu a curso sobre o assunto após a graduação, citar a entidade ou a

instituição que promoveu:

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Entidade ou Instituição: ____________________________________________

( ) Nunca assisti a curso sobre o assunto.

8-Qual conduta a ser tomada pelo profissional de Odontologia ao diagnosticar um

caso de abuso infantil ou a suspeitar disso?

( ) Isentar-se, já que o problema não lhe diz respeito.

( ) Conversar com os pais ou os responsáveis.

( ) Discutir com os responsáveis a ameaçá-los pelo abuso.

( ) Comunicar o fato às autoridades competentes. Qual(is)?_______________

_______________________________________________________________

( ) Outra atitude. Especificar: _______________________________________

9-Sabe quais são as implicações legais para os cirurgiões-dentistas nos casos em

que há suspeita ou confirmação de abuso infantil? ( ) Sim ( ) Não Em

caso positivo, favor citá-las:______________________________________

_______________________________________________________________

_______________________________________________________________

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MODELO DE DENÚNCIA POR ESCRITO

Cidade, data

Ao Sr. ________________________________(nome da autoridade competente)

_______________________________(nome do profissional) vem, através do

presente ofício, embasado pelos artigos 13 e 245 do Estatuto da Criança e do

Adolescente, notificar a V.Sa. o caso do menor _______________________(nome

da criança) vítima_________________________(suspeita/confirmada) após

exame clínico por mim realizado, de maus-tratos praticados pelo

___________________ (pai, mãe, familiar etc), para que sejam tomadas as

devidas providências legais.

Anexar o laudo médico (em caso de estabelecimento de saúde).

Atenciosamente,

_________________________________________(nome do profissional)