DALI,Salvador - Libelo Contra a Arte Moderna

Embed Size (px)

Citation preview

  • R$

    Salvador DaliLibelo contraa arte moderna

    "Dalf: que fanatica!"(Sigmund Freud)

  • A morte de Dali teve uma repercussao maisprofunda que a de Picasso. Com Picasso, e urnpintor, somente urn pintor, que nos deixava.o caso de Dali e diferente: multid6es e intelec-tuais, profanos e conhecedores juntavam-separa deplorar a partida de urn homem que soubetocar 0 genio de sua epoca, isto e, seus instintos,seu inconsciente, suas aberra
  • obsessoes freudianas. Salvador Dall, celebre porsuas excentricidades, nao se contentou em pintar:quis ser uma testemunha do seculo, sempre emrepresenta
  • Projeto arquitet6nico datado de 1929, epoca em quedefendi 0 genio sublime de Gaudi diante da face protes-tante de Le Corbusier.

    Insisto expressamente em fazer esta comu-nica

  • Quando olho 0 ceu estrelado,acho-o pequeno. Ou fui euque cresci, ou foi 0 universoque encolheu. A menDs queseja os dois ao mesmo tempo.

    ela tern por efeito principal reduzir-nos a coefi-cientes de uma incerteza gastron6mica e super-gelatinosa, proustiana e malsiL Por essa razao eborn e necessario que, de vez em quando, espa-nh6is como Picasso e eu venhamos a Paris paravos deslumbrar, pondo diante de vossos olhosuma poryao crua e sangrenta de VERDADEL .. "

    Foi por essas palavras que comecei minhaja celeberrima conferencia na Sorbonne em 16de dezembro de 1955, e e exatamente da me smamaneira que quero comeyar este libelo em quecada nova linha esta ern via de tornar-se clas-sica, nem que seja pelos rangidos do papel noqual escrevo.

    o golpe de calcanhar categ6rico de minhapena escande como uma perna esquerda 0 zapa-teado* mais altivo, 0 zapateado das mandibulasde meu cerebro!

    OIe!

    >(- 0 dan

  • )Ole! porque os criticos da velha arte modern a- vindos das Europas mais ou menos centrais,portanto de parte nenhuma - se ocupam emcozinhar lentamente no cassoulet cartesiano seusequivocos mais saborosamente rabelaisianos eseus erros de situayao mais truculentamente cor-nelianos de cozinha especulativa.

    as cornudos* ideologicos menos magni-ficos - excetuados os cornudos stalinistas - sacem mimero de dois:

    Primeiro: 0 velho cornudo dadaist a de cabe-leira esbranquiyada, que recebe urn diploma dehonra ou uma medalha de Duro por ter queridoassassinar a pintura.

    Segundo: 0 cornudo quase congenito, cri-tieo ditirambico da velha arte moderna, que seauto-recorneia desde 0 inicio pelo corneamentodadaista. Desde que 0 critico ditirambico secasou com a velha pintura moderna, esta ultimanao cessou de engana-lo. Posso citar pelo menosquatro exemplos desse corneamento:

    * Em frances, cocus. 0 termo deriva-se de coucou, 0 cuco, cujafemea tern 0 habito de par seus ovos no ninho de outras aves.(N.T.)

  • Segundo As PARCAS,Frontao do Partenon.Desde os comec;:os quase divinos do corpo reclinado, 0declinio deste segue uma en costa inclinada.

    Segundo INGREs,A Odalisca.Com Ingres e ainda probo, mas a Revoluc;:aoFrancesa pas-sou, e 0 aparecimento do gosto burgues. Ingres resiste.

    Segundo GIORGIONE,Venus.No Renascimento e ainda belo, embora 0 lado dionisiacoe Gaudiniano da tragedia vital esteja ausente.

    Segundo MANET,Olympia.A coisa vai mal.Com Matisse, sera a apoteose do gosto burgues.

  • INGREs: 0 ultimo pintora saber pintar -foi a probidade de seu desenho.

    Segundo ROUSSEAU, 0 sonho (Yadwigha).Depois do naturalismo, faltava apenas 0 naif, este isola noultimo momento 0 detalhe do nu.

    Segundo PICASSO, Nu deitado.Gravissimo, impassivel algo pior, pura bestialidade.

  • 1) Ie foi enganado pela feiura.2) Ele foi enganado pelo moderno.3) Ele foi enganado pela tecnica.4) Ie foi enganado pelo abstrato.

    Se ele nao desse a seus quadrostitulos tao extravagantes,nao valeria mais a penaocupar-se da pinturado senhor Dali.

    A introdu~ao da feiura na arte modernacome~ou com a adolescente ingenuidaderomantica de Arthur Rimbaud, quando disse:"A beleza sentou-se em meus joelhos e estoufatigado dela". Foi por essas palavras cifradasque os criticos ditirambicos - exageradamentenegativistas, e odiando 0 classicismo como todorata de esgoto que se respeita - descobriram asagita~6es biol6gicas da feiura e seus inconfes-saveis atrativos. Come~aram por se maravilharcom uma nova beleza, que diziam "niio-conven-cional", e ao lado da qual a beleza clcissica tor-nava-se de repente sinonimo de frivolidade.

    Todos os equivocos eram possiveis, inclu-sive 0 dos objetos selvagens, feios como os peea-dos mortais (que eles sao, em realidade). Parafiearem em unissono com os eritieos ditiram-bieos, os pintores passaram a fazer 0 feio.Quanto mais 0 faziam, mais eram modernos.

  • A atualizar;ao das artes de africanos,Iapoes, Ietoes, breWes, gauieses,majorquinos ou cretensesnao Ii senao um efeitoda cretinizar;ao moderna.E coisa de chines, e Deus sabecomo amo pouco a arte chinesa.

    Picasso, que tern medo de tudo, fabricava 0 feiopor medo de Bouguereau".

    Mas ele, diferentemente dos outros, fabri-cava 0 feio de proposito, corneando assim oscriticos ditirambicos que pretendiam reencon-trar a verdadeira beleza. Como Picasso e urnanarquista, ele haveria de dar a puntilla** depoisde ter apunhalado Bouguereau pela metade, e deurn golpe acabar com a arte moderna, fazendos6 ele, num dia, mais feiura que todos os outrosreunidos em varios anos.

    Pois 0 grande Pablo, juntamente com 0angelica Rafael, 0 divino marques de Sade e eu- 0 rinocerontesco Salvador Dali -, tern a mesmaideia do que pode representar urn ser arcangeli-camente belo. Alias, essa ideia em nada difere daque possui por instinto qualquer multidao de rua

    * Adolphe-William Bouguereau (1825-1905), diz 0 Laroussedu XXe siecle. Coberto de diplomas e medalhas de ouro, etido como urn general do estilo porn pier, urn general desa-creditado mas que ainda causa medo. Urn dia Picasso faziaurn de seus amigos admirar sua ultima obra, uma colagemde peda

  • Segundo PICASSO, A mulher com chapeu-peixe.Nao e ta~ belo assim.

    Segundo BOUGUEREAU, Nascimento de Venus.Nao e tao horrivel assim.

  • Picasso quis ser comunista.No entanto continuou sendoo rei de todos nos. Dentro de dez anos,dirao que, enquanto pintor,Picasso nao era tao bom assim,e que Bouguereau nao era tao mau assim.Um dia Picasso me disse:"Seja como for, somos tao bonse uteis quanta os bufoes que os reisda Espanha mantinham em sua cortee cujas opinioes respeitavam".Ao que respondi:"Somos hoje os unicos serespossuidos por uma vontade regia".

    - herdeira da civiliza

  • Considero Picassocomo um pintor muito importante.Tenho quinze telas deleem minha colerao,mas ele nunca pintara um quadroda envergadura da Ceia de Dali,pela simples razaode que nao e capaz de faze-lo.

    Tudo isso teve como fim a falsa explosaocartesian a e escato16gica de Dubuffet*. Mas oscriticos ditirambicos da velha arte moderna con-tinuam e continuarao ainda por muito tempoprostaticos e alegres com a feiura sentada emseus joelhos. Nao se fatigarao dela.

    CHESTER DALE,

    presidente da National Galleryde Washington.

    Os criticos da velha arte moderna foramsobretudo enganados ecorneados pelo "moderno"mesmo. De fato, nada envelheceu mais depressae pior do que aquilo tudo que num momentaeles qualificaram de "moderno".

    Quando eu tinha apenas vinte e urn anos,fui urn dia almo~ar na casa de meu amigo Roussyde Sales em companhia do arquiteto masoquistae protestante Le Corbusier que e, como se sabe,o inventor da arquitetura de autopuni~ao. LeCorbusier me perguntou se eu tinha ideias sobreo futuro de sua arte. Sim, eu tinha. Alias, tenhoideias acerca de tudo. Respondi que a arquiteturaseria "mole e peluda", e afirmei categoricamenteque 0 Ultimo grande genio da arquitetura cha-mava-se Gaudi, cujo nome, em catalao, significa

  • Buffet, mais piegas que Puvis de Chavannes,e apenas mais feio.

    Segundo B. BUFFET,Dais nus de mulher.Nao sera pior, pois Picasso matou tudo isso.

    Segundo PUVISDECHAVANNES,0 pabre pescadar.Buffet pintaria isto daqui a duzentos anos, se tivesse 0talento de Puvis de Chavannes.

  • Dali teve a coragemem plena epoca "moderna"de querer pintar como Meissonnier-e mesmo assim conseguiupintar como Dali!

    "gozar", assim como Dali quer dizer "desejo".Expliquei a ele que 0 goze e 0 desejo sac pr6-prios do catolicismo e do g6tico meditemlneos,reinventados e levados ao paroxismo por GaudLAo me escutar, Le Corbusier tinha 0 aspecto deestar engolindo feI.

    Mais tarde, os muito "modernos" Cahiersd'Art haveriam de desfechar urn ataque de umamediocridade perfeitamente moderna contraGaudL Para defende-Io, escrevi paginas magis-trais, dignas de uma antologia, sobre 0 Modern'Style e as bocas de metro. Nao resisto a vontadede reproduzi-Ias integralmente, tais como apa-receram no numero 3-4 da Minotaure.

    Incompreensao colossal,arrebatadora do fenomeno

    A utiliza

  • Dali dotou a surrealismode uma arma de primeira ordemcom seu metoda paran6ico-critico.

    Pintar, se queres assegurarum Lugarpredominantena Sociedade, e preciso que,desde tua primeira juventude,des um terrivel pontapena perna direita dela.

    julgar por contraste, com urn recuo muito exage-rado, uma epoca relativamente proxima. Dessamaneira, 0 anacronismo, isto e, 0 "concretodelirante" (unica constante vital) nos e apre-sentado (em considera

  • C"-.

    paradoxalmente ainda, de uma daquelas terrifi-cantes e sublimes arquiteturas ornamentais doModern' Style.

    Creio ter sido 0 primeiro, em 1929 e noinicio de La femme visible*, a considerar, semsombra de humor, a arquitetura delirante doModern' Style como 0 fen6meno mais original emais extraordinario da hist6ria da arte.

    Insisto aqui no carater essencialmenteextraplastico do Modern' Style. Toda utiliza

  • Pintor, nao te ocupesem ser moderno.E a (mica coisa que,infelizmente,nao importa 0 que fizeres,nao poderas evitar de ser.

    Eu canto teu desejode eterno limite!

    Aparecimento do Imperialismo canibal doModern'Style

    As causas "manifestas" de produ~ao doModern' Style nos parecem ainda demasiadoconfusas, demasiado contradit6rias e vastaspara que seja 0 caso de defini-Ias na atualidade.Poder-se-ia dizer 0mesmo de suas causas "laten-tes", embora 0 leitor inteligente possa ser levadoa deduzir do que vai ser dito que 0 movimentoque nos ocupa teve sobretudo por finalidade des-pertar uma especie de grande "fome original".

    Da mesma maneira que a determina~ao desuas causas "fenomenoI6gicas", toda tentativa deexplica~ao hist6rica relativa a ele esbarraria nasmaiores dificuldades, e isto principalmente emrazao daquele contradit6rio e raro sentimentocoletivo de individualismo feroz que carac-teriza sua genese. Limitemo-nos hoje, pois, aconstatar unicamente 0 "fato" do aparecimentobrusco, da irrup~ao violenta do Modern' Style,que testemunha uma revolu~ao sem precedentedo "sentimento de originalidade". De fato, 0Modern'Style se apresenta como urn saIto, com

  • tudo 0 que este pode acarretar de traumatismos- os mais crueis - para a arte.

    E na arquitetura que vamos poder admiraro abalo profundo, em sua essencia mais con-substancialmente funcionalista, de todo "ele-mento", mesmo sendo ele 0 mais congenito, 0mais hereditario do passado. Com 0 Modern'Style, os elementos arquitetonicos do passado,alem de serem submetidos a frequente, a totaltritura

  • style puro, dinamico-assimetrico 0), tudo issono tempo e no espayo "debil" de uma unicajanela, isto e, naquele tempo e naquele espayopouco conhecidos e provavelmente vertiginososque, como acabamos de insinuar, nao seriamsenao os do sonho. Tudo 0 que foi naturalmenteutilitario e funcionalista nas arquiteturas conhe-cidas do passado, no Modern' Style nao servesubitamente a mais nada, ou, 0 que nao saberialhe granjear 0 intelectualismo pragmatista, serveapenas ao "funcionamento dos desejos", alias osmais turvos, desqualificados e inconfessaveis.Grandiosas colunas e colunas medias, inclina-das, incapazes de se sustentarem por si mesmas,como 0 pescoyo fatigado das pesadas cabeyashidrocefalas, emergem pela primeira vez nomundo das ondulayoes duras da agua esculpidacom 0 cuidado fotografico da instantaneidade,ate entao desconhecido. Elas sob em por ondas derelevos policromos, cuja ornamentayao imaterialimobiliza as transiyoes convulsivas das frageismaterializayoes das mais fugazes metamorfosesda fumaya, assim como os vegetais aquaticos ea cabeleira dessas mulheres novas, ainda mais"apeteciveis" que a pequena sede causada pelatemperatura imaginativa da vida dos extases

  • florais onde elas se aniquilam. Essas colunas decarne febril (37,5) nao se destinam a sustentaroutra coisa senao a famosa libelula de abdomenmole e pesado como 0 bloco de chumbo maci
  • Portanto, a meu ver (nunca insistirei 0bastante sobre esse ponto de vista), e precisa-mente a arquitetura ideal do Modern'Style queencarnaria a mais tangivel e delirante aspira
  • aModern' Style, Arquitetura fenomenal. Caracte-risticas gerais do fenomeno

    Deprecia

  • .-=---------

    Invenyao da "escultura histerica". - Extaseerotico continuo. - Contrayoes e atitudes semantecedentes na historia da estatuaria (e 0 casodas mulheres descobertas e conhecidas depoisde Charcot e sua escola no Hospicio da Salpe-triere). - Confusao e exacerbayao ornamentalrelacionadas com as comunica

  • a minimo que se podepedir a uma esculturae que ela niio se mexa.

    j6ia - nuvem-chama-borboleta-espelho. Gaudiconstruiu uma casa segundo as formas do mar,"representando as ondas num dia de tempes-tade". Vma outra e feita das aguas tranqiiilas deurn lago. Nao se trata de enganosas metaforas,contos de fadas etc., essas casas existem (Paseode Gracia em Barcelona). Trata-se de constru-yoes reais, verdadeira escultura dos reflexos dasnuvens crepusculares na agua, possibilitada pelorecurso a urn imenso e insensato mosaico mul-ticolorido e rutilante, das irisayoes pontilhistas,escultura da qual emergem formas de agua der-ramada, formas de agua derramando-se, farmasde agua estagnada, formas de agua cintilante,formas de agua frisada pelo vento, todas essasform as de agua construidas numa sucessao assi-metrica e dinamico-instantanea de relevos que-brados, sincopados, enlayados, fundidos pornenUfares e ninfeias "naturalistas-estilizadas" quese concretizam em excentricas convergenciasimpuras e aniquiladoras par espessas protu-berancias de medo, brotando da fachada ina-creditavel, contorcidos ao mesmo tempo portodo 0 sofrimento demencial e por toda a calmalatente e infinitamente doce, s6 comparavel ao

  • dos horriveis floninculos apoteosicos e madurosprestes a serem comidos com a colher - com asangrenta, gordurosa e mole colher de carne emdecomposi
  • dos objetos" justifica igualmente esta conclusao:"A beleza sera comestivel ou nao sera".

    Hoje, vinte anos depois desse artigo daMinotaure, ganhei a batalha Gaudi, pois meusamigos Alfred Barr*, diretor do Museu de ArteModerna de Nova York, e Sweeney, do Museude Arte nao objetiva, reconheceram seu genioescrevendo sobre ele urn livro dos mais impor-tantes. E a admirac;:ao que 0 proprio Le Corbu-sier tern por Gaudi**, ele a transcendeu em suapropria arquitetura, 0 que deve ser visto comoumahonra.

    Mas e mais facil se aproximar do genio deGaudi que do de Rafael, 0 primeiro sendo urn

    ,..Alfred Barr, urn velho amigo de Dali, foi quem 0 decidiua ir aos Estados Unidos. Em La Vie secrete [A vida secreta],Dali escreve a respeito dele: "Seus gestos descontinuos se as-semelhavam aos das aves debicando. De fato, ele debicavavalores contemporaneos e selecionava judiciosamente 0 trigodojoio.",..,..Em 1935,por ocasiao da insurreiyao de Barcelona, 0 corpode Gaudi foi desenterrado e arrastado nas mas por garotos. 0amigo que descreveu a cena a Dali disseque Gaudi estavamuitobem conservado e embalsamado, mas parecia de mau humor.

  • genio cercado pelo trovao dos cataclismos e 0outro urn genio banhado no silencio celeste. 0que e precise ganhar agora e a batalha de Rafael,a mais decisiva e a mais dura de todas. E somentena justa aprecia
  • asseptica e pre- fabricada, nao tiveram que espe-rar 0 fim de sua vida para ver a apoteose do fol-clore mais ingenuo, a ressurrei
  • Partidarios do ultranovo, esnobados pelosnovos-ricos do pseudovelho-velho, os criticosditirambicos foram ludibriados pela tecnica;com 0 Impressionismo, a decadencia da artepict6rica tornou-se ... impressionante.

    Paul Cezanne - urn dos pintores mmsmaravilhosamente reacionarios de todos os tem-pos - era tambem urn dos mais "imperialistas",pois que ria refazer Poussin "segundo a natu-reza", portanto baseado na nova concep

  • Sem uma hesita~ao,sem uma duvida,a pior pintar do mundochama-se Turner.

    capaz de conter - monarquicamente - em seuvolume absoluto os cinco corpos regulares*.

    Os criticos ditirambicos, em completoacordo com a mediocridade dos pintores ceza-nianos, nao souberam senao colocar como impe-rativos categ6ricos as deficiencias, as impericiase as inabilidades catastr6ficas do mestre. Diantedessa derracada total dos meios de expressao,acreditou-se ter dado um passo adiante rumo aliberayao da tecnica pict6rica. Cada fracasso foibatizado de economia, intensidade, plasticidade- e, quando pronunciam esta horrivel palavra"plasticidade", e que os vermes estao ail

    Enfim, enganados mas alegres como dehabito, os criticos ditirambicos, em vez de severem de posse da nobilissima corbelha demayas intactas e divinas - simbolo de uma nova.idade de oura cezaniana -, ficaram simples-mente sozinhos com uma corbelha cheia de suapr6pria merda**. E como, mesmo para tranyarcom dignidade uma simples corbelha, uma certatecnica continua sendo indispensavel, eles con-seguiram apenas confeccionar uma especie de

    ,..Ou seja: 0 cubo, 0 tetraedro, 0 dodecaedro, 0 hexaedro e 0octaedro.** "Em Roma nao havia dificuldade de falar 'merda'. Honicio,o delicado Horacio, e todos os poetas do seculo de Augusto,dizem essa palavra em centenas de lugares de suas obras."(Conde de Caylus.)

  • As crianras nunca me interessaramparticularmente,

    mas 0 que menos me interessa aindasao os desenhos de crianras.

    cesto inteiramente indigno desse nome. Nuncaa expressao de Michel de Montaigne "eagar nocesto e depois coloca-Io na cabe

  • ~ -r

    daquele monumento de iconoclastia que e 0Alhambra de Granada. Depois 0 cubismo empe-nhou-se em fragmentar a materia, utilizandoainda os materiais do "pedreiro neoplat6nico"dos quais Cezanne se servia para manter suascasas em pe. A isto 0 cubismo haveria de acres-centar 0 cimento de Huerta del Ebro em Ara-gon, pois a terra de Aragon e a mais ferozmenterealista e con creta do mundo.

    Nao e dificil, recapitulando, ver que osmateriais utilizados por Cezanne, mais osmateriais fornecidos ao cubismo pela terra deAragon, eram cat6licos por excelencia, e quesomente com eles alguem podia se permitir pin-tar a realidade. Urn certo coquetismo arabe serevelaria, alem disso, perfeitamente adequadopara fragmentar a forma hispano-mouristademasiado seca e descarnada, assim como osimpressionistas haviam decomposto a luz com asutileza umida que cai dos ceus de Delft. Comonao reconhecer tambem essa sutileza nas remi-niscencias e nas saudades maternais e atlantic asde Velazquez, cuja mae era portuguesa, 0 queexplica 0 milagre da pintura do maior de todosos artistas? 0 sexo de Castela sempre molhadopor uma ejacula

  • . ~ ..,,, .'-. ..' .'\t'~ . 'i...- ,,. ...:ML. 0o;t.

    o cubismo, portanto, era e continuarasendo apenas 0 mais her6ico esfon;:o para con-servar a figura (genio e figura ate a sepultura)no momenta em que se adquiria uma plenaconsciencia da nova descontinuidade da materia.Em realidade, tratava-se ainda de objetos, sem-pre de objetos, de objetos concretos e aned6ticosque chegavam a trazer sobre e1es,bem coladas,as etiquetas de sua pr6pria anedota sentimental.As guitarras san de cimento, suas arestas cortamas maos e os rostos com 0 rangido objetivo desuas estruturas. Tamanha objetividade levada aoparoxismo nao cega os olhos dos estetas que, emvez de uma revolta objetiva, creem numa etaparumo ao abstrato.

    Isso tudo e normal, e Picasso confessou-me ,urn dia, na intimidade, que nenhum dos pane-giristas de seu cubismo gris jamais quis saber 0que seus quadros representavam. Assim, dessesmonstruosos academismos nasceram todos osneoplasticismos e, em particular, este exemplodegradante de debilidade mental que pomposa-mente se chamou "abstra(:a.o-cria(:a.o" .

    Ese ouvira 0 Piet, Piet, Piet dos novos aca-demicos modern os. Esse Piet Mondrian, porem,tinha uma fraqueza por Dali. Dizia que ninguemno mundo era capaz, como eu, de colocar uma

    Segundo POLLOCK,Jackson, n 1.Mesma caldeirada de peixe que Monticelli, mas muitomenos suculenta, ate a indigestao.

    ~~; '-:tt..,~.~.. .....'" ~' ~

    ~. ..

    Segundo MONTlcELLl,A fonte.A caldeirada de peixe pela caldeirada de peixe.

  • pequena pedra que projetasse sua sombra noespayO de urn quadro. Quanto a mim, tenhouma fraqueza por Mondrian, pois, adorandoVermeer, encontro na ordem de Mondrian 0asseio da camareira de Vermeer, e mesmo suaretiniana instantaneidade dos azuis e dos amare-los. Mas me apresso a dizer que Vermeer e quasetudo e Mondrian quase nada!

    Criticos completamente cretin os emprega-ram durante varios anos 0 nome de Piet Mon-drian como se representasse 0 sumo de todaatividade espirituaL Citavam-no a proposito detudo. Piet para a arquitetura, Piet para a poesia,Piet para 0 misticismo, Piet para a filosofia, osbrancos de Piet, os amarelos de Piet, Piet, Piet,Piet Piet, Piet, Piet, Piepio, Piedade,Piedo. Pois bem! Piet Piedo - sou eu, Salvador,'que lhes digo - com urn "i" deslocado nao teriapassado de urn peido*.

    Juan Gris, es 0 executor categ6ricodo Discurso sobre a forma cubicade Juan Herrera,o arquiteto de Felipe II da Espanha.o Escorial, como tu, e 0 realismoe 0 misticismo feitos arquitetura.Juan Gris, me agradas muito!Com Seurat, es 0 mais classicodos modernos.

    Uma jota [canyaO popular] aragonesa ternpor refrao estridente este grito visceral, iberico eirracional:

    * "De repente Episternon corne

  • Segundo VERMEER A r -E mais belo d ) lrao de musicab 1 0 que tudo .e 0 do que t d que se disseu 0 0 que acreditamo a seu respeito e mais

    s.Segundo MONDRIAN .Piet "Niet" ) ComposlraO.

  • Eu te amo como se ama a mae,como se ama 0 dinheiro!

    Assim como Voltairecom 0 Bom Deus,eu e Braque nos saudamos,mas nao nos falamos!

    o que mais me agrada em todo 0 pensa-mento de Augusto Comte e 0 momenta precisoem que, antes de fundar sua nova religiao posi-tivista, ele coloca, no topo de sua hierarquia, osbanqueiros, aos quais atribui uma importanciacapital. Talvez esteja ai 0 lado fenicio do meusangue ampurdan [cantao da Catalunha], massempre fui fascinado pelo DurO sob qualquerforma que se apresente. Desde a adolescencia,tendo aprendido que Miguel de Cervantes, ap6ster escrito para a maior g16ria da Espanha seuimortal Dom Quixote, morreu na maior miseria,e que Crist6vao Colombo, ap6s ter descobertoo Novo Mundo, morreu nas mesmas condi

  • ouro, torna-se inteiramente ill1.itil"engajar-se".Urn her6i nao se engaja em parte alguma! Ele e 0contrario do domestico. E preciso realmente teros dentes cobertos de Sartre* para nao ousar falarassim! Portanto, sejamos prudentes, como reco-menda Saint-Granier, se quisermos nos permitirser nietzschianos. Todos os valores concretos dapintura moderna serao sempre traduziveis, noplano material, nesta coisa que eu pessoalmentesempre amei: 0 dinheiro!**

    Em troca, que se tranqiiilizem os criticospuros que sempre desprezaram 0 dinheiro etiveram medo de sujar-se tocando-o: os valoresabstratos que eles defendem na pintura modernase converterao inelutavelmente em dinheiro intei-ramente limpo, totalmente inofensivo e imate-rial. Sera 0 dinheiro puramente abstrato.

    S. S. AMERICAA CAMINHO DE LE HAVRE, ABRIL DE 1956

    * Dali visa provavelrnente aqui urn trocadilho com 0 nome dofil6sofo frances, associado a tartre, 0 t