Daniela Claudi

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    UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS UNISINOSUNIDADE ACADMICA DE PESQUISA E PS-GRADUAO

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM HISTRIANVEL MESTRADO

    DANIELA DA COSTA CLAUDINO

    ARQUEOLOGIA NA ENCOSTA CATARINENSE:

    EM BUSCA DOS VESTGIOS MATERIAIS XOKLENG

    SO LEOPOLDO2011

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    Daniela da Costa Claudino

    ARQUEOLOGIA NA ENCOSTA CATARINENSE:

    Em Busca dos Vestgios Materiais Xokleng

    Dissertao apresentada como requisito parcialpara a obteno do ttulo de mestre pelo Programade Ps-Graduo em Histria da Universidade doVale do Rio dos Sinos - UNISINOS

    Orientador: Dr. Pedro Igncio Schmitz

    So Leopoldo2011

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    Catalogao na publicao por:Berenice Rodrigues Ferreira/Bibliotecria

    CRB9/1160

    C615 Claudino, Daniela da CostaArqueologia na encosta catarinense: em busca dos

    vestgios materiais Xokleng / Daniela da Costa Claudino. --

    So Leopoldo, RS, 2011.237 f.

    Dissertao (mestrado) Universidade do Vale do Rio dosSinos, 2011.

    Orientador: Prof. Dr. Pedro Igncio Schmitz

    1. Arqueologia. 2. Arqueologia Santa Catarina. I. Ttulo.

    CDD: 930.1

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    Daniela da Costa Claudino

    ARQUEOLOGIA NA ENCOSTA CATARINENSE:Em Busca dos Vestgios Materiais Xokleng

    Dissertao apresentada como requisito parcialpara a obteno do ttulo de mestre pelo Programade Ps-Graduo em Histria da Universidade doVale do Rio dos Sinos - UNISINOS

    Aprovado em____de________de 2011:

    BANCA EXAMINADORA

    _____________________________________________________________________

    Dr. Pedro Igncio Schmitz, Orientador - UNISINOS

    ______________________________________________________________________Prof. Dr. Jairo Henrique Rogge - UNISINOS

    ______________________________________________________________________Prof. Dr. Marcus Vinicius Beber - UNISINOS

    _____________________________________________________________________Profa. Dra. Neli Galarce Machado - UNIVATES

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    Dedico este trabalho aos Xokleng, grupo

    indgena perseguido e dizimado no perodo

    de colonizao do interior catarinense; e aos

    moradores e entrevistados de Rio Fortuna e

    Santa Rosa de Lima pela receptividade e

    disponibilidade em contar suas histrias.

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    AGRADECIMENTOS

    A concretizao deste trabalho s foi possvel porque muitas pessoas contriburampara isso. Dentre elas, destacam-se duas fundamentais: meu orientador, Dr. Pedro Igncio

    Schmitz, que sempre demonstrou serenidade, compreenso e generosidade diante dosimpasses decorridos nesta pesquisa; e meu querido e amor Thiago Vieira Torquato, que emtodos os momentos esteve ao meu lado, principalmente, quando me faltaram pacincia efora para prosseguir nesta caminhada.

    Confesso que esses dois anos de mestrado tornaram-se rduos. Foram demarcadosentre trabalho, viagens semanais, estudo e pesquisa. Por isso, retribuo em gratido a todos osmeus familiares que compreenderam minha ausncia durante esse perodo: AriltonClaudino, Regina da Costa Claudino, Amanda da Costa Claudino, Camila da CostaClaudino, Manoel Alfredo Torquato, Izabel Vieira Torquato, Alcione Vieira Torquato,

    Luciano Nascimento, Llian Torquato Balduno e Francelino Balduno.Agradeo a Dra. Deisi Scunderlick Eloy de Farias que me apresentou o temaestudado nesta dissertao e, tambm, a todos os integrantes do GRUPEP-Arqueologia/UNISUL, em especial, Raul Novasco pela confeco dos mapas, e GeovanMartins Guimares pelo auxlio nas entrevistas.

    Aos entrevistados, Sr. Roberto Irineu da Silva, Sr. Paulo Bloemer, Sr. AntnioAssing, Sr. Adolfo Schmoeller, Sr. Arventino Backes, Sr. Huberto Boeing, Sra. LciaBoeing Backes, Sr. Benoni Rech, mais uma vez, expresso minha gratido, pelo tempodespendido e pela calorosa receptividade. E tambm, aos funcionrios do IPHAN deFlorianpolis - SC; da Cria Diocesana de Tubaro - SC; e do Arquivo Pblico de Santa

    Catarina pela ateno disponibilizada a este trabalho.A todos os professores do Programa de Ps-Graduao em Histria da UNISINOS,

    principalmente, Dra.Eliane Cristina Deckmann Fleck, Dra. Maria Cristina Bohn Martins, Dra.Elosa Ramos, Dra. Ana Silvia Scott, Dr. Luiz Fernando Medeiros Rodrigues, Dr. PauloRoberto Staudt Moreira que me facilitaram o contato com outras fontes de pesquisahistrica.

    Enfim, a todos integrantes do Instituto Anchietano de Pesquisas: Ivone Verardi pelocarinho e educao que sempre demonstrou pessoalmente e pelos e-mails remetidos; MarcosVincius Beber pelos cafs e pelas prosas; e Jairo Henrique Rogge pelas sugestes na

    pesquisa.Aos colegas do mestrado pelo companheirismo nas disciplinas e nas aflies. Suelen Dias, Rosangela Maria Martins Rodrigues, Paulo Cezar Rodrigues, Janana

    Tedesco, Eduardo Milani, Emlio Chiarelli e Anderson Souza pela ateno e apoio.Por fim, a Capes pela bolsa de estudos, sem este incentivo financeiro seria

    impossvel realizar este mestrado.

    A todos, meus sinceros agradecimentos.

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    RESUMO

    O objetivo central desta dissertao foi estabelecer uma comparao do modelo de ocupaoestvel Xokleng, proposto por Farias (2005), com os stios arqueolgicos identificados nomunicpio de Rio Fortuna SC. Este modelo presumiu que os Xokleng tiveram estabilidadeterritorial na encosta catarinense. No entanto, as fontes histricas e arqueolgicasapresentaram dados divergentes. De um lado, documentos e entrevistas confirmaram apresena dos Xokleng. De outro, stios arqueolgicos caracterizaram grupos caadores-coletores ligados a Tradio Tecnolgica Umbu. De fato, os 66 stios identificados atravsda bibliografia e da pesquisa de campo, demonstraram ocupao contnua. Porm, nenhumdeles apresentou vestgios materiais descritos nos documentos histricos, pelo contrrio, aspontas de projtil confeccionadas em pedra prevaleceram nessas ocupaes. Por isso,caracterizamos a cultura material dos stios arqueolgicos e dos assentamentos Xokleng

    informados pela etnohistria. Estabelecemos semelhanas e diferenas entre estes dados.Visualizamos o contexto arqueolgico na rea da pesquisa, e nos municpios prximos.Avaliamos a contribuio da metodologia da histria oral para as pesquisas arqueolgicas.E, por fim, tentamos compreender a relao entre os Xokleng e a Tradio Umbu.Empregamos como metodologias o levantamento bibliogrfico, levantamento documental,histria oral e pesquisa de campo. Como nem todos os dados foram passveis de comparaoe outros no foram compatveis com o modelo Xokleng, procedemos elaborao de duashipteses na tentativa de fornecer pistas para futuras pesquisas. A primeira prope umaassociao entre grupos caadores-coletores antigos e pequenos grupos Xokleng advindosdo planalto catarinense; e a segunda, leva em considerao a primeira suposio. Neste caso,sugere que o processo de colonizao iniciado por volta de 1850, no Vale do Rio Itaja, teria

    ocasionado uma segunda migrao da encosta norte para a encosta sul, resultando emalteraes culturais.

    Palavras -chave:Encosta catarinense. Stios arqueolgicos. Caadores-coletores. Xokleng.Histria Oral.

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    ABSTRACT

    The principal aim of the dissertation is to compare the model of a stable Xokleng settlementpresented by Farias (2005) with the archaeological sites identified in the municipality of RioFortuna-SC. The mentioned model proposes that the Xokleng had a territorial stability onthe slope of the highlands of Santa Catarina. However, the historical and archaeological datadiverge: while the documents and interviews confirm their presence, the archaeological sitescharacterize a hunter and gatherer culture of the Umbu technological tradition. In fact the 66sites identified in the bibliography and field investigation prove continued occupation. But,no site presented the materials reported by the written documents; on the contrary, lithicarrow points predominate in the archaeological sites. As a consequence, we are conducted tocharacterize independently the two sets of data: the material culture of the archaeologicalsites, and the settlement of the Xokleng as it is reported by documents. We explore the

    similarities and differences of the two sets, visualize the archaeological composition in thearea and in the bordering municipalities, appreciate the contribution of oral history, andthen, try to understand the possible relation of the Xokleng and the Umbu tradition. That for,we used the methodologies of bibliographic and documental investigation, oral history, andfield work. Not all the data of the two sets permitted a comparison, so we elaborated adouble hypothesis. The first proposes an association of the ancient hunters and gatherers ofthe Umbu tradition with migrating Xokleng groups. The second accepts the mentionedassociation and aggregates a migration from the Itajai valley to the new habitat when thevalley was colonized par German immigrants. So the culture of the migrants differs from theformer local indigenous dwellers.

    Key words: Highlands of Santa Catarina. Archaeological Sites. Hunter and Gatherer.Xokleng. Oral History.

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    LISTA DE FIGURAS

    Figura 1 - Galeria soterrada, identificada na propriedade do Sr. Lindolfo

    Schueroff.................................................................................................................. 26Figura 2 - Principais caractersticas geomorfolgicas do municpio de Rio

    Fortuna..................................................................................................................... 27

    Figura 3 - Vista parcial da Unidade geomorfolgica Serras do Leste Catarinense

    em Rio Fortuna......................................................................................................... 28

    Figura 4 - A seta em vermelho indica a unidade geomorfolgica Serra Geral, j a

    seta em amarelo corresponde unidade Patamares da Serra Geral......................... 29

    Figura 5 - Localizao da Bacia Hidrogrfica do Rio Tubaro............................... 31Figura 6 - Clima do municpio de Rio Fortuna........................................................ 32

    Figura 7 - Caractersticas das formaes florestais no municpio de Rio Fortuna... 34

    Figura 8 - Ponta de projtil do stio SC-TUB-16..................................................... 51

    Figura 9 - Lascas em quartzo stio SC-TUB-20....................................................... 51

    Figura 10 - Ponta de lana, coleo particular do Senhor Loureno Gil................. 56

    Figura 11 - Lascas completas confeccionadas em quartzo...................................... 65

    Figura 12 - Pontas de projtil e pr-formas confeccionadas em quartzo................. 65

    Figura 13 - Fragmentos de bordas com decorao plstica corrugado-ungulado.... 65

    Figura 14 - Fragmentos com pintura interna engobo branco, vermelho e

    vermelho sobre engobo branco................................................................................ 65

    Figura 15 - Na mancha 1 do stio SC-RFT-01 possvel verificar em destaque,

    evidenciar os materiais lticos em quartzo (vermelho) espalhados pela mancha

    (azul)........................................................................................................................ 74

    Figura 16 - Mancha 7 do stio SC-RFT-01 datada em C14, possui colorao

    cinza escura.............................................................................................................. 74

    Figura 17 - Abertura da segunda etapa de escavao do stio SC-RF-11................ 77

    Figura 18 - Carvo evidenciado na mancha 1 do stio SC-RFT-11......................... 77

    Figura 19 - Flechas tradicionais............................................................................... 89

    Figura 20 - Lana dos Xokleng................................................................................ 89

    Figura 21 - Batismos de crianas indgenas identificado na Cria Diocesana de

    Tubaro..................................................................................................................... 100

    Figura 22 - A delimitao em vermelho evidencia o suposto local do assassinato

    do sogro de Ireno Pinheiro, Geraldo Eising. Coordenadas UTM: 22J

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    078399\6887300....................................................................................................... 107

    Figura 23 - Local indicado pelo Sr. Roberto Irineu da Silva sobre um

    acampamento Xokleng que Ireno Pinheiro teria atacado na Comunidade de Rio

    Perdido, municpio de Santa Rosa de Lima............................................................. 110Figura 24 - Sondagem realizada no local indicado pelo Sr. Roberto....................... 111

    Figura 25 - Sondagem realizada na mancha escura identificada a

    aproximadamente 300 metros do local indicado...................................................... 111

    Figura 26 - Gruta encontrada 20 metros da mancha escura..................................... 111

    Figura 27 - Pontas de projtil associados mancha escura no solo, encontradas

    por Sr. Huberto Boeing............................................................................................ 112

    Figura 28 - O circulo em vermelho indica o local da mancha e a seta no fundo daimagem localiza a casa do Sr. Huberto.................................................................... 113

    Figura 29 - Local da mancha indicada pela Sra. Lcia Boeing................................ 114

    Figura 30 - Estrutura arqueolgica indicada pelo Sr. Benoni Rech......................... 115

    Figura 31 - Ponta de projtil encontrada pelo Sr. Benoni Rech............................... 115

    Figura 32 - Suposto local de ocorrncia de vestgios arqueolgicos....................... 116

    Figura 33 - Mancha escura no solo ao lado da estrada de acesso a Comunidade

    de Rio Chapu.......................................................................................................... 117

    Figura 34 - Localizao da mancha 1 indicada por Sr. Adolfo Schmoeller.......... 118

    Figura 35 - Perfil da mancha 1 indicada pelo Sr. Adolfo Schmoeller..................... 118

    Figura 36 - Localizao da mancha 2 - indicado por Sr. Adolfo Schmoeller.......... 118

    Figura 37 - Localizao da mancha 3 - indicado por Sr. Adolfo Schmoeller.......... 118

    Figura 38 - Artefatos bifaciais coletados por Sr. Adolfo Schmoeller em torno das

    3 manchas identificadas em sua propriedade........................................................... 118

    Figura 39 - Artefatos bifaciais coletados por Sr. Adolfo Schmoeller em torno das

    3 manchas identificadas em sua propriedade........................................................... 119

    Figura 40 - Artefatos polidos coletados por Sr. Adolfo Schmoeller nas manchas

    identificadas em sua propriedade............................................................................. 119

    Figura 41 - Mancha escura indicada por Sr. Antnio Assing.................................. 120

    Figura 42 - No detalhe, a colorao escura da mancha identificada na

    propriedade do Sr. Antnio Assing.......................................................................... 120

    Figura 43 - Planta geral do modelo de padro de assentamento proposto por

    Farias para os Xokleng da encosta catarinense........................................................ 127

    Figura 44 - Croqui esquemtico da cabana grande.................................................. 128

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    Figura 45 - Croqui do abrigo temporrio................................................................ 129

    Figura 46 - Croqui do forno subterrneo.................................................................. 130

    Figura 47 - Planta do acampamento central............................................................. 131

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    LISTA DE MAPAS

    Mapa 1 - Mapa de localizao da rea da pesquisa................................................. 22

    Mapa 2 - Localizao dos municpios que contemplou o levantamento

    bibliogrfico dos stios arqueolgicos...................................................................... 45

    Mapa 3 - Localizao dos stios arqueolgicos mapeados pela equipe do

    GRUPEP-Arqueologia no municpio de Rio Fortuna Estado de Santa Catarina..... 68

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    LISTA DE TABELAS

    Tabela 1 - Stios arqueolgicos mapeados no municpio de Tubaro...................... 49

    Tabela 2 - Stios arqueolgicos mapeados no municpio de Orleans....................... 51Tabela 3 - Stios arqueolgicos mapeados no municpio de Urussanga.................. 53

    Tabela 4 - Stios arqueolgicos mapeados no municpio de Gro Par................... 54

    Tabela 5 - Stios arqueolgicos mapeados no municpio de Brao do Norte.......... 57

    Tabela 6 - Stios arqueolgicos mapeados no municpio de Pedras Grandes.......... 58

    Tabela 7 - Stios arqueolgicos mapeados no municpio de Gravatal..................... 59

    Tabela 8 - Stios arqueolgicos mapeados no municpio de So Bonifcio............ 61

    Tabela 9 - Stios arqueolgicos mapeados no municpio de So Martinho............. 63Tabela 10 - Stios arqueolgicos mapeados no municpio de Santa Rosa de Lima. 66

    Tabela 11 - Stios arqueolgicos mapeados no municpio de Rio Fortuna.............. 69

    Tabela 12 - Tabela de comparao entre modelo etnohistrico e etnogrfico

    Xokleng e os vestgios arqueolgicos...................................................................... 134

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    LISTA DE GRFICOS

    Grfico 1 - Estruturas arqueolgicas identificadas na encosta sul catarinense

    atravs do levantamento bibliogrfico..................................................................... 48Grfico 2 - Formas bsicas do material ltico coletado em superfcie do stio SC-

    RFT-01..................................................................................................................... 75

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    SUMRIO

    1 INTRODUO................................................................................................... 16

    2 O AMBIENTE..................................................................................................... 21

    2.1 LOCALIZAO DA REA DA PESQUISA.................................................. 21

    2.2O AMBIENTE NO TEMPO.............................................................................. 22

    2.2.1 Geologia.......................................................................................................... 23

    2.2.2 Geomorfologia............................................................................................... 25

    2.2.3 Hidrografia.................................................................................................... 30

    2.2.4 Clima.............................................................................................................. 32

    2.2.5 Vegetao....................................................................................................... 33

    2.3. DISCUSSO.................................................................................................... 41

    3 A ARQUEOLOGIA REGIONAL COM ENFOQUE EM RIO FORTUNA

    SC.......................................................................................................................... 42

    3.1 OS STIOS PESQUISADOS NA BIBLIOGRAFIA....................................... 43

    3.1.1 Municpio de Tubaro.................................................................................. 48

    3.1.2 Municpio de Orleans.................................................................................... 51

    3.1.3 Municpio de Urussanga............................................................................... 53

    3.1.4 Municpio de Gro Par............................................................................... 54

    3.1.5 Municpio de Brao do Norte....................................................................... 57

    3.1.6 Municpio de Pedras Grandes...................................................................... 58

    3.1.7 Municpio de Gravatal.................................................................................. 59

    3.1.8 Municpio de So Bonifcio.......................................................................... 60

    3.1.9 Municpio de So Martinho......................................................................... 62

    3.1.10 Municpio de Santa Rosa de Lima............................................................. 66

    3.1.11 Municpio de Rio Fortuna.......................................................................... 673.2 DISCUSSO..................................................................................................... 78

    4 OS XOKLENG SEGUNDO AS FONTES ESCRITAS E ORAIS.................. 81

    4.1 OS XOKLENG SEGUNDO AS FONTES ESCRITAS.................................. 81

    4.1.1 O Contato entre ndios Xokleng e Colonos Europeus em Santa

    Catarina.................................................................................................................. 94

    4.1.2 A Insero de Crianas e Jovens Xokleng na Sociedade Catarinense..... 99

    4.2 OS XOKLENG SEGUNDO FONTES ORAIS NA REA DA PESQUISA... 1034.2.1 Os Xokleng Segundo as Fontes Orais.......................................................... 105

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    4.2.2 Stios Arqueolgicos Identificados Atravs das Entrevistas .................... 109

    4.3 DISCUSSO..................................................................................................... 120

    5 O MODELO XOKLENG PARA A ENCOSTA DE SANTA CATARINA... 125

    5.1 MODELO XOKLENG ..................................................................................... 1255.2 OS DADOS ARQUEOLGICOS ................................................................... 131

    5.3 DISCUSSO..................................................................................................... 133

    6 CONCLUSO..................................................................................................... 144

    REFERNCIAS..................................................................................................... 149

    APNDICE A Transcrio da entrevista realizada com o Sr. Roberto

    Irineu da Silva......................................................................................................... 159

    APNDICE B Transcrio da entrevista realizada com o Sr. PauloBloemer.................................................................................................................... 160

    APNDICE C Transcrio da entrevista realizada com o Sr. Antnio

    Assing....................................................................................................................... 161

    APNDICE D Transcrio da entrevista realizada com o Sr. Adolfo

    Schmoeller................................................................................................................ 162

    APNDICE E Transcrio da entrevista realizada com o Sr. Arventino

    Backes....................................................................................................................... 163

    APNDICE F Transcrio da entrevista realizada com o Sr. Huberto

    Boeing....................................................................................................................... 164

    APNDICE G Transcrio da entrevista realizada com a Sra. Lcia

    Boeing Backes.......................................................................................................... 165

    APNDICE H Transcrio da entrevista realizada com a Sr. Benoni

    Rech.......................................................................................................................... 166

    APNDICE I Croquis dos stios identificados atravs das entrevistas......... 167

    ANEXO A Lista de Mamferos da Mata Atlntica........................................... 168

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    1 INTRODUO

    Para a realizao deste trabalho, contamos com o auxlio logstico, financeiro e

    cientfico do Grupo de Pesquisas em Educao Patrimonial e Arquelogia - GRUPEP-

    Arqueologia, coordenado pela Dra. Deisi Scunderlick Eloy de Farias vinculado

    Universidade do Sul de Santa Catarina UNISUL; do Instituto Anchietano de Pesquisas

    IAP vinculado Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS, coordenado pelo Dr.

    Pedro Igncio Schmitz; e do Centro de Pesquisa Ambiental e Arqueolgica CEPAARQ.

    A regio onde ocorreu o estudo desta dissertao representa uma amostra da

    problemtica que envolve a ocupao pr-histrica da encosta sul catarinense. No municpio

    de Rio Fortuna, em meio Floresta Ombrfila Densa, stios arqueolgicos encontrados em

    pequenas plantaes; colees de pontas de projtil; histrias de roubo, perseguio e

    matanas de ndios Xokleng; confundem-se com a histria da populao local.

    Embora o foco da pesquisa seja a ocupao pr-histrica, este emaranhado de

    informaes, histricas e arqueolgicas nos levou a criar uma interface entre Histria e

    Arqueologia.

    De um lado, a partir da perspectiva histrica, relatos escritos e orais comprovam que

    esta regio foi territrio histrico dos ndios Xokleng. De outro, a partir da perspectiva

    arqueolgica, ocupaes pr-histricas mapeadas in locoe identificadas na bibliografia, so

    representadas pelos seguintes tipos de stios arqueolgicos: Lticos - Materiais lticos

    dispersos superficialmente, tpicos da Tradio Tecnolgica Umbu; Lticos com manchas

    escuras no solo Materiais lticos ligados Tradio Tecnolgica Umbu e associados a

    estruturas de combusto ou fundos de cabanas;Manchas - Caracterizam-se pela presena de

    estruturas de combusto ou fundos de cabanas.

    At o presente momento, esses elementos materiais no foram passveis deassociao com os grupos Xokleng identificados historicamente. Assim, os vestgios

    encontrados nos stios arqueolgicos, teoricamente no teriam pertencido a esse grupo.

    A princpio os 66 stios mapeados - 54 levantados bibliograficamente e 12 mapeados

    por esta pesquisa em Rio Fortuna e Santa Rosa de Lima representam, grupos caadores-

    coletores ligados a Tradio Tecnolgica Umbu. Apenas 4 dataes em C14 foram

    realizadas para essas ocupaes. Duas pelo projeto AMA: Arqueologia da Mata

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    Atlntica1e outras duas por este trabalho. O SC-RFT-01apresentou uma data de 1180 a

    970 A.P. - Cal (Beta-235320); j o SC RFT-11 equivaleu a 920 a 730 A.P. - Cal (Beta-

    242801); O stio de Santa Rosa de Lima apresentou a data de 990 a 780 A.P. - Cal (Beta-

    265887); e o stio Adolfo Schmoeller I foi datado em 920 a 700 A.P. - Cal (Beta-265886).Essas ocupaes pr-histricas so consideradas relativamente recentes para grupos

    caadores-coletores, se comparadas com as datas obtidas pelo projeto Tai, no Vale do Rio

    Itaja encontros de antigos caadores com as casas subterrneas desenvolvido na poro

    setentrional da encosta de Santa Catarina. Nesta regio, dois stios a cu aberto foram

    datados, um em 8000 A.P. e outro em 4000 A.P. (SCHMITZ et al., 2009).

    Arqueologicamente, a encosta catarinense vem sendo pesquisada h pelo menos 40

    anos. Arquelogos como Piazza (1966), Eble (1973 apudFarias, 2005) e Rohr (1979-1982)elaboraram os primeiros estudos quanto aos vestgios presentes nesta regio. Contudo, essas

    pesquisas no tiveram como prioridade compreender de forma mais minuciosa a ocupao

    neste ambiente.

    O primeiro trabalho que se props a entender a ocupao Xokleng de forma mais

    aprofundada foi a dissertao de mestrado de Lavina (1994). Neste trabalho, a partir de

    documentos e relatos histricos, o autor criou um modelo etnogrfico para o grupo. O

    pesquisador concluiu que os Xokleng estavam fortemente condicionados s variaes

    ecolgicas, que, por sua vez, favoreciam o nomadismo. Assim, este grupo teria circulado,

    em seu territrio, em um movimento pendular estacional entre a Floresta Ombrfila Densa e

    a Floresta Ombrfila Mista, consumindo os recursos oferecidos por cada um destes

    ambientes.

    Posteriormente, Farias (2005) em sua tese de doutorado contraps ao modelo de

    Lavina (1994), sugerindo uma ocupao mais estvel para o grupo Xokleng na regio da

    encosta. Este modelo constitudo por um assentamento de mdia mobilidade, onde a

    encosta catarinense no seria um local de transio, mas, um local de habitao permanente.

    Construiu-se, assim, uma hiptese: os grupos estabelecidos em umterritrio com maior oferta de recursos possuiriam um assentamentocentral mais duradouro e utilizariam todo o territrio para captar alimentose matria-prima, construindo pequenos acampamentos. Para isso,poderiam abrir na floresta diversas picadas que os levariam at os locaismais propcios caa e a reas com recursos vegetais importantes na dietado grupo. Essas picadas, possivelmente, abrigariam espcies vegetaismanejadas que proviam os grupos durante as caminhadas. Ento,

    1Projeto acadmico coordenado pela Dra. Deisi Scunderlick Eloy de Farias com apoio financeiro doCNPq.

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    possua alta diversidade biolgica, fator esse, que favoreceria a grupos caadores-coletores

    generalistas.

    A Arqueologia Regional com Enfoque em Rio Fortuna SC encontra-se no

    terceiro captulo, onde realizamos um levantamento bibliogrfico que reuniu 216 stiosarqueolgicos de Rio Fortuna e dos municpios vizinhos, tais como: Tubaro, Gravatal,

    Orleans, Urussanga, Gro Par, Brao do Norte, Pedras Grandes, Santa Rosa de Lima, So

    Bonifcio e So Martinho. Nosso objetivo foi identificar a dinmica ocupacional pr-

    histrica na rea da pesquisa e de suas adjacncias. Diante de tantos stios arqueolgicos,

    destacamos dois pesquisados por Farias (2009) em Rio Fortuna. O primeiro, SC-RFT-01,

    possui algumas intervenes arqueolgicas; composto por oito manchas associadas a

    material ltico confeccionado principalmente em quartzo. E o segundo; o SC-RFT-11, estsendo escavado sistematicamente; constitudo por duas manchas muito prximas. Estas

    no possuam presena de lticos em superfcie (FARIAS, 2009).

    No quarto captulo enfocamos Os Xokleng segundo as fontes escritas e orais, no

    qual providenciamos uma reviso da literatura que trata dos Xokleng, com o objetivo de

    enfocar a cultura material desse grupo nos primeiros anos de contato com o colonizador

    europeu. A metodologia que se destaca neste captulo a Histria Oral. Entrevistamos 8

    moradores, que, atravs de suas narrativas, nos contaram sobre o contato entre ndios

    Xokleng e imigrantes alemes, destacando a atuao dos bugreiros, homens contratados para

    afugentar e matar indgenas que viessem a causar transtornos ao processo colonizador.

    Procuramos, nos relatos orais, caracterizar a cultura material Xokleng e tambm mapear

    stios arqueolgicos indicados pelos prprios entrevistados. Recorremos, ainda, a uma

    pesquisa feita nos documentos da Cria Diocesana de Tubaro-SC, revelando-nos que

    crianas indgenas foram batizadas e, provavelmente, inseridas na sociedade brasileira.

    O modelo Xokleng para a encosta de Santa Catarina trata-se do ttulo no captulo

    cinco, onde descrevemos sobreo experimento entre o modelo de ocupao estvel proposto

    por Farias (2005) a partir dos dados arqueolgicos. Mediante este confronto, elaboramos

    duas hipteses para a ocupao da encosta pelos Xokleng e para a presena de stios

    arqueolgicos relacionados a grupos caadores-coletores da Tradio Tecnolgica Umbu.

    A primeira hiptese considera uma associao entre antigos caadores-coletores e

    Xokleng. Pequenos grupos Xokleng advindos do Planalto teriam entrado em contato com

    grupos caadores-coletores estabelecidos na encosta. Com isso, o Xokleng teria assumido

    caractersticas biolgicas e culturais dos primeiros moradores e vice-versa. Esta suposio

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    explicaria, por exemplo, a cultura material da rea pesquisada, confirmando-se atravs das

    pontas de projtil.

    A segunda hiptese est em acordo com a proposio anterior, onde se confirma que

    grupos J teriam, inicialmente, migrado do Planalto, associando-se a antigos caadores-coletores da encosta. Mas, o processo de colonizao iniciado por volta de 1850, no Vale do

    Rio Itaja, teria ocasionado uma segunda migrao, procedente da encosta norte para encosta

    sul. Em consonncia a esse hiptese, antes da chegada dos imigrantes em Santa Catarina, os

    Xokleng, que habitaram tanto a encosta norte quanto a encosta sul apresentavam grandes

    semelhanas na cultura material, condizentes com as pontas de projtil identificadas por

    Schmitz et al. (2009) no Vale do Rio Itaja. Por conseguinte, essas duas hipteses podero

    servir como eixos norteadores para futuras pesquisas.

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    2 O AMBIENTE

    Este captulo tem como proposta apresentar o contexto geogrfico e biolgico da

    regio pesquisada. Compreendemos o ambiente como uma importante ferramenta Arqueologia. Figuti (1993) nos esclarece ao afirmar que os grupos pr-histricos viviam

    integrados ao meio ambiente e possuam uma percepo aguda dos recursos naturais, lhes

    proporcionando uma interao dinmica eficiente com o meio. Farias (2005) acrescenta que

    os dados sobre ambiente devem ser utilizados, entre outros fatores, para inferir os hbitos

    alimentares. A pesquisadora ressalta que grupos, adaptados ao ambiente, constroem

    processos mentais de aproveitamento e otimizao, refletindo nas relaes estabelecidas

    entre eles, criando um saber ecolgico.Essas argumentaes justificam a importncia de conhecermos o contexto das

    ocupaes humanas pr-histricas, uma vez que essas possibilitam interpretaes sobre a

    dinmica cultural dos grupos. Ou ainda, nas palavras de Hodder (1988, p.17): A partir del

    momento en que se conoce el contexto de un objeto, este ya no es completamente mudo. Su

    contexto nos ofrece las claves de su significado.

    2.1 LOCALIZAO DA REA DA PESQUISA

    A rea de estudo est inserida no municpio de Rio Fortuna, sul de Santa Catarina,

    em direo s encostas da Serra Geral. Est a 280752 de latitude sul, e 490619 de

    longitude norte, e a 130 metros acima do nvel do mar. Limita-se ao norte com Santa Rosa

    de Lima; ao sul, com Brao do Norte, Gro-Par e Armazm; a leste, com So Martinho; e a

    oeste com Urubici e Gro-Par (BLOEMER, 2008, p. 30). Segue abaixo mapa de

    localizao (Mapa1).

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    Mapa 1 - Mapa de localizao da rea da pesquisaFonte: Elaborado pela autora, 2010.

    2.3O AMBIENTE NO TEMPO

    De acordo com Lorscheitter (1997 apudKNEIP, 2004), o clima do sul do Brasil no

    enfrentou grandes perodos de seca nos ltimos 5.700 anos A.P. devido ao efeito de

    sucessivas repeties do fenmeno El Nio. Avalia, ainda, que as freqncias climticas

    observadas na atualidade, foram estabelecidas por volta de 3.000 anos A.P.

    Fazendo uma associao entre os dados acima e as dataes radiocarbnicas

    realizadas na encosta catarinense (FARIAS 2006, 2008), que variam de 1180 a 700 anos

    A.P., conclumos que as formaes biogeogrficas atuais correspondem s mesmas

    encontradas pelos grupos pr-histricos. Portanto, as informaes ambientais presentes neste

    captulo podem ser extrapoladas para construo de um contexto arqueolgico, facilitando a

    compreenso da dinmica desses grupos com o ambiente.

    A seguir apresentaremos os diversos aspectos ambientais da rea em estudo.

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    2.2.1 Geologia

    Geologicamente a rea da pesquisa est situada na borda leste da Bacia do Paran.Possui ocorrncia das Formaes Rio do Sul e Rio Bonito, alm do Complexo Tabuleiro e

    da Sute Intrusiva Pedras Grandes. Sintetizamos abaixo, as caractersticas geolgicas da

    rea.

    O Super Grupo Tubaroda Era Paleozica, perodo Permiano Mdio Superior e

    Inferior caracterizado por arenitos. Esta unidade constitui uma estratigrafia que pode ser

    dividida em dois grupos: um inferior Itarar e um superior Guat (DIAS et al., 2005).

    Uma das formaes que compe o Grupo Itarar

    2

    e que ocorre na regio aFormao Rio do Sul. Constituda de uma intercalao rtmica de siltitos e folhelhos

    cinza-escuro e cinza-claro, com laminao fina, plano-paralela e fissilidade elevada.

    Disseminados caoticamente nesta seqncia vrvica ocorrem seixos pingados. freqente,

    na sua poro basal, a presena de camadas areno-conglomerticas que, quando

    intemperizadas, confundem-se com rochas alteradas do embasamento. Tambm h espessas

    camadas de diamectitos, com abundante matriz argilosa, de colorao cinza escura ou

    esverdeada que englobam seixos ou blocos de rochas granticas (SANTA CATARINA,

    1989).

    O Grupo Guat3 representado nesta rea pela Formao Rio Bonito. Formada

    por uma poro basal arenosa, uma mediana argilosa e outra superior arenosa que se

    caracteriza por conter os principais leitos e camadas de carvo (SANTA CATARINA,

    1989).

    A Formao Rio Bonito subdividida em trs membros: Triunfo, Paraguau e

    Siderpolis. O Membro Triunfo constitui a poro basal, representado por arenitos

    esbranquiados, finos a mdios, localmente grossos, moderadamente selecionados, com

    matriz argilosa. Intercalam siltitos e folhelhos de colorao cinza-escuro (SANTA

    CATARINA, 1989).

    J o Membro Paraguau caracterizado por uma sedimentao peltica, constituda

    de intercalao rtmica de siltitos e folhelhos com intercalaes de camadas de arenitos

    2 De acordo com Santa Catarina (1989, p. 24), o Grupo Itarar compreende uma seqnciasedimentar de idade Permo-Carbonfera, cujos depsitos refletem influencias glaciais em seus

    diferentes ambientes deposicionais.3O grupo Guat tem sua constituio determinada por arenitos intercalados por camadas de carvo efolhelhos carbonosos. Ocorrem tambm siltitos de cor cinza esverdeada com bioturpao (PERIN,2007).

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    muito finos, quartzosos, micceos, com laminao paralela e ondulada. Apresenta tambm

    freqentes bioturbaes (SANTA CATARINA, 1989).

    Quanto ao Membro Siderpolis, esse constitui um espesso pacote de arenitos, com

    intercalaes de siltitos, folhelhos carbonosos e carvo. Na sua poro basal e mdia,geralmente, os arenitos so de colorao cinza-amarelada e textura mdia, localmente

    grossa. So moderadamente classificados como gros arredondados a subarredondados de

    quartzo e, raramente, feldspato. As camadas apresentam espessuras variveis, desde alguns

    centmetros at mais de um metro (SANTA CATARINA, 1989).

    De acordo com o Santa Catarina (1989), o Complexo Tabuleiro composto por

    associaes granito-gnissicas e de migmatitos de injeo de mdio grau metamrfico,

    polideformado, cujos principais domnios apresentam forte foliao de alto ngulo em zonade ocorrncia. Em Rio Fortuna esse complexo representado pela Faixa Granito-Gnissica

    Santa Rosa de Lima-Tijucas.

    Esta faixa corresponde a granito-gnssicos de vrias composies. Ocorre

    continuamente por cerca de 150 km. De Orleans at Tijucas os afloramentos esto

    distribudos em uma largura mdia de 10 km e, entre os municpios de Anitpolis e So

    Bonifcio chegam a 35 km. O granito mais jovem stricto sensu de cor cinza

    esbranquiada. Exibe evidncias significativas de deformao, apresentando achatamento

    dos minerais flsicos (SANTA CATARINA, 1987).

    Nesta regio aparece tambm aSute Intrusiva Pedras Grandes,formada por um

    conjunto de rochas granticas homogneas. Sua composio varia de granitos a

    granodioritos, localmente quartzomonzonitos a quartzodioritos, com cores variando de

    rosadas a cinza. Apresentam diversas texturas e granulaes (SANTA CATARINA, 1987).

    Fazendo uma associao dos dados arqueolgicos s informaes geolgicas,

    constatamos que os grupos pr-histricos que ocuparam a rea da pesquisa, exploraram

    localmente os recursos minerais e rochosos.

    A anlise ltica do stio arqueolgico SC-RFT-014demonstrou a predominncia do

    quartzo. Cerca de 80% da coleo ltica foram confeccionadas a partir desta matria-prima.

    Esta preferncia deve estar relacionada alta disponibilidade deste mineral, presente na

    forma de seixos na parte mdia dos vales e em afloramentos, comuns em toda a extensa

    faixa de granitides das Serras do Leste Catarinense.

    Segundo Prous (2004), quando a utilizao do quartzo por grupos pr-histricos est

    associada a ambientes de relativa abundncia, comum observar nas colees lticas o

    4Ver descrio do stio no captulo 3.

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    desperdcio deste mineral, que inicialmente descartado, mas, que posteriormente poderia

    ser reutilizado a partir do lascamento bipolar, tcnica que, segundo o autor, seria ideal para

    este tipo de matria-prima e de economia.

    Constatamos esta realidade nas indstrias lticas analisadas, j que as formas bsicasdos quatro stios apresentaram uma mesma ordem de ocorrncias: lascas bipolares seguidas

    de detritos.

    O arenito botucatu e o arenito silicificado tambm se fazem presentes. So

    abundantes na forma de seixos no leito dos rios e podem ser encontrados tambm nos

    depsitos fluviais que formam as plancies nos vales maiores. So transportados vale abaixo

    pelo trabalho erosivo dos rios que percorrem reas sedimentares da Bacia do Paran,

    prximas linha de escarpa da Serra Geral. Aparecem tambm em menor escala, rochasbsicas (PERIN, 2007).

    O arenito silicificado possui boa qualidade para o lascamento, pois apresenta fratura

    conchoidal, com gumes cortantes. So rochas silicosas, basicamente constitudas de gros de

    quartzo e minerais acessrios5, cuja presena depende de fatores como a rea-fonte e

    condies ambientais (ARAJO, 1992, p. 63-64).

    O slex tambm foi utilizado, porm, em menor quantidade. De acordo com Perin

    (2007), no foi identificado nenhum afloramento com essa matria-prima na rea da

    pesquisa, embora possa existir.

    Podemos verificar que a escolha de matria-prima no est apenas ligada sua

    abundncia, mas tambm facilidade de acesso, qualidade do lascamento e tambm ao

    custo de aquisio, uma vez que o arteso no precisaria percorrer longas distncias para

    obt-la.

    2.2.2 Geomorfologia

    As formas e a gnese do relevo constituem o objeto de estudo da geomorfologia. O

    relevo o piso sobre o qual se distribuem os recursos naturais e conseqentemente os locais

    de assentamento das populaes humanas. As condies geolgicas e geomorfolgicas do

    ambiente interferiam diretamente no cotidiano dos grupos pr-histricos, como no modelo

    de subsistncia, na tecnologia, na matria-prima, na escolha do territrio e nos locais de

    assentamento (PROUS, 1992).

    5Os minerais acessrios podem ser: Feldspato, zirco, turmalina etc (ARAJO, 1992, p. 64).

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    Utilizando como parmetro a formao geolgica e geomorfolgica da regio,

    comum haver ocorrncias de grutas e cavernas que na pr-histria eram utilizadas pelos

    grupos humanos como abrigos ou espao de rituais.

    Alguns desses espaos foram averiguados na regio, porm, nenhum materialarqueolgico foi identificado. No entanto, h vrios relatos, de que esses locais foram

    utilizados como esconderijo pelos Xokleng no perodo de contato com os colonos europeus

    (Figura 1).

    Figura 1 - Galeria soterrada, identificada na propriedade do Sr. Lindolfo SchueroffFonte: Registrado pela a autora, 2009.

    A geomorfologia da rea da pesquisa composta por Embasamentos em Estilos

    Complexos - Serras do Leste Catarinense -, Bacias e Coberturas Sedimentares - Depresso

    da Zona Carbonfera Catarinense, os Patamares da Serra Geral e Serra Geral (Figura 2).

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    Figura 2- Principais caractersticas geomorfolgicas do municpio de Rio FortunaFonte: http://www.ibge.gov.br/home/clima/default_prod.shtm#MAPASAcesso: 21/01/2010.

    As Serras do Leste Catarinense se estendem desde as imediaes de Joinville at a

    regio ao sul de Tubaro, formam uma seqncia de elevaes dispostas de forma paralela

    e/ou sub-paralela. As cristas so orientadas no sentido NE-SW, seguindo as antigas zonas defraturas do embasamento ou falhas mais jovens, propiciando uma eroso diferencial

    (HERRMANN et al., 2004).

    Os vales profundos e encostas ngremes separadas por cristas marcam a paisagem

    (SANTA CATARINA, 1986). O embasamento rochoso composto por granitos intrusivos e

    gnaisse-migmatito, elaborando formas de relevo arredondadas, com cristas menos

    proeminentes. Tambm h um padro de fraturamento menos denso e rochas vulcnicas

    extrusivas, do Paleozico, que ocorrem na forma de derrames, recobrindo as elevaesgranticas, a exemplo do Morro Cambirela com altitude em torno de 900m (HERRMANN,

    1999 apudHERRMANN et al., 2004, p. 164) (Figura 3).

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    Figura 3-Vista parcial da Unidade geomorfolgica Serras do Leste Catarinense em Rio FortunaFonte: Registrado pela a autora, 2009.

    Nos trabalhos de mapeamento arqueolgico realizados no local da pesquisa

    possvel identificar nitidamente um padro de ocupao do ambiente. Este padro sofre

    influncia direta da geomorfologia, pois, a maioria dos stios arqueolgicos esto

    implantados nas cristas menos proeminentes do relevo arredondado, e sempre prximos aos

    locais com gua corrente. Alm de protegidos contra as cheias dos rios em perodos mais

    chuvosos, esses lugares possibilitam um acesso rpido gua e aos animais.

    De acordo com Perin (2007), a Depresso da Zona Carbonfera Catarinense

    ocorre no municpio de Rio Fortuna em uma faixa que acompanha a escarpa da Serra Geral,

    no sentido Sudoeste a Nordeste. Seu relevo se caracteriza por dois traos: o primeiro, ao

    norte de Siderpolis. O relevo colinoso e ocorre de vales encaixados e vertentes ngremes,

    fator que favorece o intemperismo e os movimentos de massa. J o segundo, aparece na

    direo sul de Siderpolis, sendo que este adquire formas cncavas e convexas (SANTA

    CATARINA, 1986).

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    OsPatamares da Serra Geral6apresentam relevo suave ondulado sob a forma de

    colinas e vales fluviais, associados ocorrncia de morros testemunhos dispersos e

    presena de cristas simtricas, com altitudes variando entre 250 e 700 metros acima do nvel

    do mar. Representa testemunhos do recuo da linha da escarpa a qual se desenvolveu nasseqncias vulcnicas e sedimentos de cobertura da Provncia Paran (SANTA

    CATARINA, 1986). Em Rio Fortuna sua ocorrncia bastante descontnua, presente em

    locais muito prximos da linha de escarpa de Serra Geral (PERIN, 2007).

    ASerra Geral corresponde borda do Planalto dos Campos Gerais constituda de

    rochas vulcnicas efusivas da bacia do Paran, como basaltos e lentes de arenitos

    interderrames. representada por terminais escarpados, festonados e profundamente

    dissecados pela eroso fluvial deixando, nas vertentes abruptas, um sucessivoescalonamento de patamares estruturais. Os terminais escarpados apresentam testemunho do

    recuo da linha de escarpa, que se interdigitam com a Zona Carbonfera Catarinense. No

    extremo sul de Santa Catarina, os Patamares da Serra Geral, que constituem uma unidade de

    relevo, formada por rochas sedimentares gondunica, cujas formas alongadas e irregulares

    avanam sobre a Plancie Costeira (ROSA, 1991 apudHERRMANN et al., 2004, p. 164)

    (Figura 4).

    Figura 4- A seta em vermelho indica a unidade geomorfolgica Serra Geral, j a seta em amarelo corresponde unidade Patamares da Serra Geral

    Fonte: Registrado pela a autora, 2009.

    Alm de um divisor de guas e de biomas, a Serra Geral foi um importante divisor

    territorial dos grupos pr-histricos. De acordo com dados etnohistricos e etnogrficos, no

    6Nos setores sudeste e sul, os Patamares da Bacia do Paran correspondem borda do Planalto dasAraucrias, identificados por Justus, Machado e Franco, em 1986, com os nomes de Serra Geral e

    Patamares da Serra Geral. Essa borda representada por terminais escarpados, festonados eprofundamente dissecados pela eroso fluvial, que deixou, nas vertentes abruptas, um sucessivoescalonamento de patamares estruturais (Disponvel em http://coralx.ufsm.br/ifcrs/relevo.htm.Acesso em: 21\01\2010).

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    perodo de ocupao pelo colonizador europeu, a Serra Geral dividia o territrio de duas

    importantes etnias indgenas, os Xokleng a leste, ocupando a encosta, e os Kaingang a oeste,

    no planalto catarinense.

    A geomorfologia e a altitude do terreno apresentam forte variao em pequenasdistncias. O centro do municpio de Rio Fortuna est a aproximadamente 150 metros do

    Nvel Mdio do Mar (NMM), j os locais de implantao dos stios lticos no municpio,

    encontram-se a oeste do centro da cidade, em uma altitude que varia de 250 a 400 metros do

    NMM. Como podemos perceber, a altitude do terreno vai aumentando no sentido oeste,

    atingindo seu pice na escarpa da Serra Geral com 1.460 metros do NMM. A implantao

    dos stios neste local pode estar relacionada s caractersticas morfolgicas do terreno, visto

    que este um fator de grande influncia na composio e distribuio da fauna e flora daregio.

    A identificao de padres de ocupao do territrio pode auxiliar nas interpretaes

    quanto relao desses antigos grupos com o ambiente e com outros grupos humanos.

    2.2.3 Hidrografia

    A Bacia Hidrogrfica do Rio Tubaro nasce junto encosta da Serra Geral,

    formada pelos rios Rocinha, Bonito, Oratrio, Capivaras e Hiplito, sendo seus afluentes os

    rios Brao do Norte e Capivari. Sua rea de drenagem de 5.640 km2, desemboca na Lagoa

    de Santo Antnio, localizada no municpio de Laguna (SANTA CATARINA, 1997). De

    acordo com Santa Catarina (2002), o limite da Bacia Hidrogrfica do Rio Tubaro

    composto por um total de 18 municpios: Lauro Muller, Orleans, So Ludgero, Brao do

    Norte, Gro Par, Rio Fortuna, Santa Rosa de Lima, Anitpolis, So Bonifcio, So

    Martinho, Armazm, Gravatal, Capivari de Baixo, Tubaro, Treze de Maio, Pedras Grandes,

    Jaguaruna e Sango (Figura 5).

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    Figura 5- Localizao da Bacia Hidrogrfica do Rio TubaroFonte: Santa Catarina (2002).

    Dentre os rios localizados em Rio Fortuna que compem a sub-bacia do Rio Brao

    do Norte, destacam-se o seguintes: Brao do Norte, Fortuna, Claro, Bravo, Branco, Caf,

    Otlia, Faco, dos Bugres, Chapu, Espraiado, Areo e Azedo.

    Alm destes rios, a composio hidrogrfica da rea pesquisada repleta de

    pequenos crregos e arroios. Esta alta distribuio hidrogrfica fez com que a regio tenha

    sido ocupada por grupos pr-histricos de forma homognea.

    Percebemos uma ligao entre os recursos hdricos e a implantao dos stios

    arqueolgicos, uma vez que as distncias entre um e outro variam aproximadamente de 20 a

    250 metros.

    2.2.4 Clima

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    O municpio de Rio Fortuna encontra-se na transio entre dois climas

    predominantes no estado, que so o Sub-quente/Super-mido e o Mesotrmico Brando(Figura 6).

    Figura 6 - Clima do municpio de Rio FortunaFonte: http://www.ibge.gov.br/home/clima/default_prod.shtm#MAPASAcesso: 21/01/2010.

    Segundo o IBGE (2010) o municpio de Rio Fortuna abrange regies com clima

    temperado Sub-quente - mdia entre 15 e 18C - e Super-mido, sem perodos de seca.

    Com umidade relativa do ar de 87,18% e ndice de precipitao chuvosa anual de 1.904,00

    mm.

    A regio recebe massas de ar carregadas de umidade. Estas se condensam e

    precipitam em copiosas chuvas, mantendo elevada a umidade relativa do ar durante todo o

    ano (IBGE, 1990). Essa regularidade de chuvas, alm de promover maior continuidade da

    paisagem, favorece a estabilidade das populaes humanas, visto que no h longos

    perodos de seca que alterem a fisiologia da floresta.

    Nessas reas, a grande freqncia de temperaturas elevadas no vero, torna esta

    estao quente, com mdias no ms de janeiro entre 26 a 24C, enquanto que as raras

    ocorrncias de mnimas dirias prximas a 0C tornam o inverno ameno, com temperaturas

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    mdias de 15C. Tais condies so devidas a um conjunto de fatores ligados a latitude e

    proximidade com o nvel do mar (IBGE, 1977).

    A ocorrncia do clima mesotrmico brando se deve ao seu posicionamento em

    latitude subtropical, constantemente sujeita invaso de massas frias de origem polar,enquanto em outros estados, como o Paran, esse clima encontrado em locais de grande

    altitude; em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul seu aparecimento se verifica ao nvel do

    mar (IBGE, 1977).

    No inverno o clima bastante ameno e possui pelo menos um ms com temperatura

    mdia inferior a 15C. No so comuns as grandes quedas de temperatura;

    consequentemente, o ndice mdio de ocorrncia de geada gira em torno de 15 dias ao ano.

    O inverno pouco intenso, enquanto o vero considerado quente, uma vez que nestaestao, embora as mximas dirias e mdias mensais sejam inferiores s do clima

    subquente, a mdia mensal de janeiro - seu ms mais quente - mantm-se acima de 22C

    (IBGE, 1977).

    2.2.5 Vegetao

    A vegetao predominante na regio em estudo caracterizada pela Floresta7

    Ombrfila Densa. Mas, um levantamento botnico8 preliminar realizado pela equipe do

    GRUPEP-Arqueologia em 2009, foi identificada a presena de espcies tpicas da Floresta

    Ombrfila Mista, como o gnero Ilex sp. (erva-mate). Essa informao corrobora com a

    idia de rea de ectono (KLEIN, 1978), conseqncia da proximidade com a linha de

    escarpa da Serra Geral. Diversos estudos apontam reas de ectono como locais favorveis

    ocupao humana, visto que essas regies permitem um fcil acesso diferentes micro-

    7 De acordo com IBGE (1992, p. 11), o termo floresta semelhante ao que no senso comumdenomina-se como mata. Cientificamente, significa um conjunto de sinsias dominado porfanerfitos de alto porte, com quatro estratos bem definidos como herbceo, arbustivo, arvoreta,arbreo. Alm destes parmetros, acrescenta-se o sentido de altura, para diferenci-las das outrasformaes lenhosas campestres. Assim, uma formao apresenta dominncia de duas subformas devida: fanerfitos e macrofanerfitos, cujo porte situa-se entre 20 a 30 metros de altura.8Para a realizao desse levantamento, foram realizadas entrevistas com moradores da comunidade

    de Rio Faco, municpio de Rio Fortuna, a fim de identificar reas com vegetao preservada; emseguida delimitaram-se duas reas de 20 x 20 metros; por fim, coletou-se, dentro do quadrante, umrepresentante de cada espcie de vegetal. O material foi identificado taxonomicamente pelo Msc.Jasper Jos Zanco curador do HerbrioLaelia purpurata UNISUL (FARIAS, 2009).

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    ambientes, com caractersticas faunsticas e botnicas capazes de suprir as necessidades do

    grupo durante todo o ano (Figura 7).

    Figura 7- Caractersticas das formaes florestais no municpio de Rio Fortuna

    Fonte: http://www.ibge.gov.br/home/clima/default_prod.shtm#MAPASAcesso: 21/01/2010.

    Farias (2005), observa que o conjunto de formaes florestais e ecossistemas

    associados que incluem Floresta Ombrfila Densa, Floresta Ombrfila Mista, Floresta

    Ombrfila Aberta, Floresta Estacional Semidecidual, Floresta Estacional Decidual, os

    manguezais, as restingas, os campos de altitude e os brejos interioranos e encraves florestais

    do Nordeste compe o Bioma da Mata Atlntica, presente em 17 estados brasileiros.

    Segundo Klein (1978, p. 29), a rea da Ombrfila Densa9, ocorrente no sul do

    Brasil, estende-se ao longo da costa, ocupando as plancies quaternrias do litoral e

    principalmente as encostas da Serra do Mar e Serra Geral.

    Na maioria das vezes, caracteriza-se por estratos superiores, contendo grandes

    rvores que variam de 25 a 30 metros altura. So perenifoliadas10e densamente dispostas,

    9Esta Regio Florestal tem recebido diversas denominaes desde Martius. Na primeira metade dosculo passado ele a definiu como Srie Dryades. Entre as designaes mais comuns destacam-seestas: Floresta Pereniflia Higrfita Costeira, Floresta Tropical Atlntica e Mata Pluvial Tropical. Adesignao Floresta Ombrfila Densa de Ellenberge Mueller-Dombois (1965\6), mas sua

    conceituao muito antiga. Desde Schimper (1903), que a designou de Floresta Pluvial, temevoludo conceitualmente, passando por Richards (1952) e vrios autores posteriores a ele. Em 1973,foi includa no sistema de classificao fisionmico-ecolgica da vegetao mundial adotado pelaUnesco (IBGE, 1990, p. 118).

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    com brotos foliares desprovidos de proteo seca e s baixas temperaturas (IBGE, 1990).

    Ainda quanto s peculiaridades dessa vegetao, o IBGE (1991, p.16) publicou as seguintes

    informaes:

    (...) caracterizada por fanerfitos, justamente pelas subformas de vidamacro e mesofanerfitos, alm de lianas lenhosas e epfitos emabundncia que a diferenciam das outras classes de formaes. (...) acaracterstica ombrotrmica da Floresta Ombrfila Densa est presa aosfatores climticos tropicais de elevadas temperaturas (mdias de 25 C) ede alta precipitao bem distribuda durante o ano (de 0 a 60 dias secos), oque determina uma situao bioecolgica praticamente sem perodobiologicamente seco. Dominam nos ambientes desta floresta os latossoloscom caractersticas distrficas e raramente cutrficas, originados de vriostipos de rochas desde as cratnicas (granitos e gnaisses) at os arenitos

    com derrames vulcnicos de variados perodos geolgicos (IBGE, 1991,p. 16).

    Klein (1980 apud IBGE 1990, p.119) menciona a importncia fisionmica de

    epfitos e das lianas e ressalta a dominncia de bromeliceas (Vrisea vagans, V.

    altodasserrae, Aechnea cylindrata, A. caudata e Nidularium innocentii), das cactceas

    (Rhipsalis haulletiana, Rh. elliptica e Rh. pachyptera), e das orquidceas (Cattleya

    intermedia, Epidendrum ellipticum, Oncidum longipes, Pleurothallis grobii e Laelia

    purpurata). Esta ltima tem mais de 300 variedades e de alto valor ornamental. Nopassado, foi largamente exportada para a Europa e, hoje, considerada espcie em perigo de

    extino. Dentre as lianas, tem-se o cip-buta (Abuta selloana), cip-pau (Clytostoma

    scuiripabuluem), unha de gato (Doxantha unguis cati), cip-escada-de-macaco (Bauhinia

    microstachya) e cip-cravo (Cynnanthus elegans) e dentre as arceas destacam-se os

    gneros Philodendron e Anthurium. Tambm h ocorrncia de pteridfitas terrestres

    herbceas, principalmente aspidieas e polipodiceas e, sobretudo, pteridfitas arborescentes

    das ciateceas (gneros: Cyathea, Nephaelea e Alsophiila) que podem formar densos

    agrupamentos nos ambientes midos da floresta.

    O prolongamento deste tipo de floresta at Torres e Osrio, no Rio Grande do Sul,

    resultou na ausncia, em toda a faixa costeira, de um perodo biologicamente seco e de

    ocorrncia de mdias trmicas em geral superiores a 15 C. Convm salientar que, nas

    baixadas da poro setentrional da regio, registram-se mais de seis meses ao ano com

    mdias trmicas iguais ou superiores a 20 C (IBGE, 1990).

    Trata-se de um tipo de vegetao que apesar de estar inserida na zona extratropical,

    identificada pela reduo de espcies tpicas e providas de endemismos. Esses aspectos so

    10Plantas que no perdem suas folhas durante as estaes do ano.

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    caractersticos de florestas tropicais e podem ser observados no prolongamento da faixa

    florestal que acompanha a costa brasileira desde o Estado do Rio Grande do Norte (KLEIN,

    1978).

    Segundo o IBGE (1990), a diversificao ambiental resultante da interao demltiplos fatores um importante aspecto desta regio fitoecolgica, com influncia sobre a

    disperso e crescimento de vrias formaes, garantindo ao ambiente florestal e as

    populaes humanas que dele dependem, diferentes recursos naturais ao longo do ano. Cada

    formao florestal contm inmeras comunidades e associaes, constituindo complexa e

    exuberante coleo de formas biolgicas.

    (...) a Floresta Ombrfila Densa classe de formao mais pujante,

    heterognea e complexa do Sul do Pas, de grande fora vegetativa, capazde produzir naturalmente, de curto a mdios prazos, grandes volumes debiomassa. A acentuada concorrncia pela ocupao do espao reflete ocarter helifito de grande nmero de espcies, que buscam posicionarcopas nos estratos superiores da floresta. Este fato contribui para a criaode ambientes propcios ao desenvolvimento de inmeras formaes devida, de variadas espcies ombrfitas ou escifitas, integrantes dosestratos inferiores, que do contedo e vida interior floresta (IBGE,1990, p. 118-119).

    De acordo com as pesquisas realizadas nas dcadas de 1970 e 1980 pelo projeto

    RADAMBRASIL, a Floresta Ombrfila Densa est dividida em cinco formaes que

    obedecem hierarquia fisionmica das estruturas florestais; so elas: Floresta Ombrfila

    Densa Aluvial; Floresta Ombrfila Densa das Terras Baixas; Floresta Ombrfila Densa

    Submontana; Floresta Ombrfila Densa Montana; e Floresta Ombrfila Densa Altomontana.

    Dessas apenas a Sub-Montana e Montana ocorrem na rea da pesquisa.

    A Floresta Ombrfila Densa Submontana, ocupa os dissecamentos de relevo

    montanhoso e dos planaltos com solos medianamente profundos. Caracteriza-se por uma

    formao florestal que apresenta fanerfitos com alturas uniformes. A submata integrada

    por plntulas de regenerao natural, com poucos nanofanerfitos e camfitos, alm de

    palmeiras de pequeno porte e lianas herbceas.

    Esta formao possui ectipos que variam de acordo com o posicionamento dos

    ambientes. Assim, o tempo que as plantas tropicais levaram para ocupar as atuais posies

    no Centro-sul foi suficiente para o estabelecimento das adaptaes em ambientes

    semelhantes (IBGE, 1991).

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    Das espcies caractersticas dessa sobressaem principalmente: a caria-preta (Ocotea

    catharinensis), a laranjeira-do-mato (Sloanea guianensis), a peroba-vermelha

    (Aspidosperma olivaceum) e,em toda regio o palmiteiro (Euterpe edulis).

    O palmiteiro Euterpe edulis, ganha destaque neste tipo de formao devido a suagrande contribuio para alimentao humana, pois produz um palmito comestvel. Alm

    disso, encontrado em abundncia na regio e possui um curto ciclo de vida, o que

    possibilita uma recuperao populacional relativamente rpida, aps um perodo de intensa

    retirada do palmito, que necessariamente leva morte da planta.

    O palmiteiro Euterpe edulis propiciava aos grupos pr-histricos instalados na

    Floresta Ombrfila Densa Submontana, grande abundancia e regularidade de alimento

    (palmito), que alm de carboidratos, fornece protenas, clcio, vitamina C e do Complexo B.As espcies seletivas higrofitas, so preferencialmente encontradas no incio da

    encosta: o leiteiro (Brosimum lactescens), o guamirim-ferro (Calyptranthes lucida), o

    guamirim-choro (Calyptranthes strigipes), a estopeira (Carineana estrellensis), o

    guamirim-araa (Myrcia glabra), baguau (Talauma ovata), o sangueiro (Pterocarpus

    violaceus), o cedro (Cedrela fissilis), a canela-brana (Nectandra leucothyrsus) e o

    garapuruvu (Schizolobium parayba). Como espcies seletivas xerofitas, e, portanto, mais

    comuns no alto das encostas, ocorrem: a cupiuva (Tapirira guianensis), a canela - amarela

    (Ocotea aciphylla), o garaparim (Vantanea compacta), a pindaiba (Xylopia brasiliensis), o

    pau-mandioca (Didymopanax angustissimum), a baga-de-pomba (Byrsonima ligustrifolia).

    Do estrato das arvoretas temos como mais importantes: pau-de-facho (Aparisthmium

    cordatum), a cortia (Guatteria australis), a cutia (Esenbechia grandiflora), o seca-ligeiro

    (Fera glabrata) e o racha-ligeiro (Coccoloba warmingii) (KLEIN, 1978).

    A Floresta Ombrfila Densa Montana est presente no sul do Brasil em reas

    correspondentes de 500 a 1500 metros de altitude. A estrutura vegetal mantida at o cume

    dos relevos dissecados, quando solos delgados ou litlicos influenciam no tamanho dos

    fanerfitos, que se apresentam menores (IBGE, 1991).

    Como espcies caractersticas da Floresta Ombrfila Densa Montana ocorrem as

    seguintes: o tanheiro (Alchornea sidifolia), o pequia (Aspidosperma ramiflorum), o racha-

    ligeiro (Goccoloba warmingii), a garuva (Cinnamomum glaziovii) e o pau-leo (Copaifera

    trapezifolia).

    Outro tipo de formao ocorrente a Floresta Ombrfila Mista. Na rea aparecem

    representantes da flora tropical (afro-brasileira) e temperada (austro-brasileira) com marcada

    relevncia fisionmica de elementos Coniferales e Laurales: o denominado Planalto

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    Meridional Brasileiro. Definido pela rea de disperso natural do pinheiro-brasileiro ou

    pinheiro-do-paran, aAraucaria angustifolia(IBGE, 1990).

    Segundo o IBGE (1990), a origem da Araucria e de outros elementos caractersticos

    dos pinhais sul-brasileiros tem sido objeto de interessantes hipteses; algumas delasfundamentam-se em conhecimentos paleogeogrficos e paleobotnicos (IBGE, 1990).

    Discute-se que os ancestrais da Araucaria angustifolia tiveram ampla disperso e

    desenvolvimento no perodo cretceo, h cerca de 90 milhes de anos, antes da migrao

    continental.

    Com a deriva continental moldou-se a atual configurao dos continentes,ocorrendo dobras e fraturas das plataformas continentais, originando-se

    cadeias de montanhas e bacias hidrogrficas. Ocorreram flutuaesclimticas e mutaes vegetais que desenvolveram adaptaes aosdiversos ambientes. No continente sul-americano desenvolveu-se a srieColumbidae que posteriormente, por diferenciao, deu origem Araucaria angustifolia (no Brasil) e Araucaria araucana (no Chile).Outra srie originou as sete espcies de Araucria atualmente existentesna Austrlia(VELOSO, 1962 apudIBGE, 1990, p.121).

    A densidade dos pinheiros varia consideravelmente nas diferentes reas, chegando

    por vezes, a mais de 200 rvores adultas por hectare. A composio deste tipo de vegetao

    sugere uma ocupao recente, a partir de refgios alto-montanos, apresentando quatroformaes diferentes: Aluvial, em terraos antigos situados ao longo dos flvios;

    Submontana, de 50 at 400 metros de altitude; Montana, de 400 at 1000 metros de altitude;

    e a Alto-montana, quando situadas a mais de 1000 metros de altitude. Dessas, apenas a

    Montana e Alto-montana caracterizam a rea da pesquisa (IBGE, 1990).

    Os terrenos entre aproximadamente de 500 e 800 metros de altitude esto

    enquadrados na formao Montana (LEITE; SOHN apud IBGE, 1990, p.123), que se

    caracterizam por um clima sem poca seca.

    As espcies freqentes das sub-matas dos pinhais so as seguintes: asLauraceas dos

    gnerosOcotea, NectandraeCryptocarya, alm de outras latifoliadas de menor expresso

    fitofisionmica e, sobretudo, econmica. O estrato das arvoretas visivelmente

    caracterizado pelas Aquifoliceas, predominando muitas vezes a erva-mate (Ilex

    paraguariensis). Outras espcies muito comuns so: a cauna (Ilex brevicuspis), a

    guaatunga (Casearia decandra), o vacunzeiro (Allophylus edulis) e o vacunzeiro mido

    (Allophylus guaraniticus). Nos locais mais altos e midos, so muito frequentes duas

    espcies de Ciatiaceas, aDicksonia sellowiana e aNephelea setosa. Quase toda a regio

    da Floresta Montana Mista, est infestada por densas touceiras da Bambsea: taquara-lisa

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    (Merostachys muitiramea), que caracteriza visivelmente o interior da floresta em vastas

    reas, sobretudo onde predomina a imbuia (KLEIN, 1978).

    A rea mais tpica da Floresta Ombrfila Mista, a Alto-Montana aquela das

    altitudes superiores aos 800 metros. Seu clima o mais frio da regio e com ndices degeada noturna. Caracteriza-se pela ausncia de perodo seco e ocorrncia de um longo

    perodo de frio.

    No sul do Brasil ocorre principalmente na borda oriental do Planalto Meridional,

    Serra do Mar: no Paran e parte de Santa Catarina; Serra Geral no Sul de Santa Catarina e

    no nordeste do Rio Grande do Sul. Frequentemente, nesta formao, a Araucaria

    angustifolia, predominante nesta formao, est junta com Podocarpus lambertii, Drimys

    brasiliensis, Ilex microdanta, I. brevicuspis, I. theezans,das Aquifoliaceas; Siphoneugenareitzii e Myrceugenia euosma, das Mirtaceas; Weinmannia humilis das Cunoniaceas e

    Mimosa scabrella (bracatinga) das Leguminosas (KLEIN, 1978).

    Por apresentar semente comestvel (pinho) com grande biomassa, a Araucaria

    angustifoliadesde a pr-histria at os dias de hoje uma importante fonte de carboidratos

    para as populaes locais. Na pr-histria, o territrio que apresentava este recurso, era

    disputado e defendido com veemncia, pois a araucria possua um importante papel na

    subsistncia dos grupos pr-histricos da regio.

    Estima-se a existncia de cerca de 20 mil espcies de plantas vasculares na Mata

    Atlntica, o que corresponde a cerca de 30% da riqueza da flora brasileira, detendo o

    recorde de plantas lenhosas por hectare (458 espcies).

    Essa biodiversidade da composio florstica aliada s variaes geomorfolgicas e

    climticas ao longo do territrio dominado pela Mata Atlntica, possibilitou que uma grande

    diversidade de animais ocupasse esse espao, sendo muitos destes, endmicos, ou seja,

    exclusivos da Mata Atlntica. As pesquisas realizadas nessa formao florestal apontam

    para a presena de 250 espcies de mamferos; deste total 55 espcies so endmicas; 1020

    espcies de aves, 188 endmicas; 197 de rpteis, 60 endmicas; 340 de anfbios, 90

    endmicas e 350 de peixes, 133 endmicas (RBMA, 2010) (Anexo 1).

    A fauna foi um importante elemento para a estabilidade dos grupos pr-histricos. A

    diversidade faunstica possibilitou a caa de diferentes animais pertencentes a nichos

    ecolgicos distintos. Um exemplo o comportamento alimentar de grupos indgenas

    descritos em vrios relatos etnogrficos. Neles, destaca-se a diversidade de animais

    consumidos, que poderiam variar desde mamferos de grande porte como a anta e o veado

    at larvas de insetos.

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    A composio ambiental da rea da pesquisa - vegetao, clima, relevo, geologia e

    hidrografia apresenta em alguns locais, uma disposio irregular dos recursos naturais,

    criando reas chamadas de ecozonas, que se caracterizam por algum elemento fsico ou

    biolgico que as diferencia do seu entorno. Essas condies poderiam ter influenciado osgrupos pr-histricos a certa estabilidade territorial, consistindo no deslocamento do grupo

    em busca de diferentes recursos no seu prprio territrio.

    A estratigrafia dos stios arqueolgicos escavados por Farias, visualmente apresenta

    uma camada de ocupao contnua, porm, de acordo com as caractersticas ambientais

    discutidas at o momento, os grupos reocupariam constantemente esses locais, que por

    estarem implantados nas cristas menos proeminentes do relevo, ficariam menos expostos a

    eventos naturais, como enchentes, capazes de criar camadas estreis entre uma ocupao eoutra.

    De acordo com Farias (2005) este ambiente diversificado teria propiciado aos grupos

    pr-histricos e histricos um espao de relativa abundncia. Esta observao no nos

    impede de pensar que essas mesmas populaes tenham se adaptado ou modificado o

    ambiente de acordo com sua experincia e organizao social11.

    2.3 DISCUSSO

    Como podemos perceber neste captulo, o ambiente na rea da pesquisa composto

    por algumas caractersticas ambientais como clima, relevo e formao florestal (ectono)

    que sofrem um alto gradiente de oscilao. Essas alteraes decorrem principalmente das

    variaes de altitude do terreno.

    De acordo com Rosa (2009), ambientes de maior heterogeneidade espacial

    apresentam maior diversidade biolgica, em conseqncia da variedade de micro-hbitats,

    que, por sua vez, proporciona uma gama maior de micro-climas e refgios para animais de

    grande porte. importante lembrar que a diversidade biolgica no implica necessariamente

    em abundancia de espcimes, seu conceito indica a variedade de espcies capaz de ser

    demonstrada quantitativamente (ROSA, 2009).

    11Esta considerao segue a premissa do adaptacionismo, que tende a enfatizar a flexibilidade dareao humana frente ao ambiente (MORAN, 1994; MORAN; OSTROM, 2009).

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    Durante as pesquisas realizadas no foi identificado nenhum stio arqueolgico com

    presena de vestgios faunsticos, essa caracterstica devido principalmente s condies

    de solo e clima da regio. A falta destes vestgios dificulta concluses quanto s estratgias

    de subsistncia utilizadas pelos grupos (generalistas ou especialistas).Estudos zooarqueolgicos em stios de caadores-coletores realizados por Rosa

    (2009) e Jacobus (2007), entre outros, apontam os caadores-coletores aplicando estratgia

    de captao de alimento mais generalista quando comparados a outros grupos. De acordo

    com tais estudos, grupos caadores-coletores exploravam o ambiente de maneira muito mais

    ampla, consumindo animais de diversos filos e espcies. Essa caracterstica de explorao

    do ambiente condizente com a descrio ambiental realizada nesse captulo, que aponta

    um alto grau de diversidade biolgica, sendo a cultura caadora-coletora plenamenteadaptada ao ambiente da encosta catarinense.

    O prximo captulo apresentar o levantamento bibliogrfico realizado no municpio

    da pesquisa, bem como, nos municpios vizinhos. Este estudo objetivou compreender a

    dinmica ocupacional pr-histrica do ambiente pesquisado, atravs da identificao dos

    diferentes tipos de stios arqueolgicos.

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    3 A ARQUEOLOGIA REGIONAL COM ENFOQUE EM RIO FORTUNA SC

    As pesquisas arqueolgicas na encosta catarinense no so recentes, h pelo menos40 anos esta regio vem sendo estudada por pesquisadores como Piazza (1966), Eble (1973

    apud Farias 2005), Rohr (1979-1982), Lavina (1994), e mais recentemente, Farias (2005) e

    Schmitz et al. (2009).

    Esses primeiros pesquisadores, principalmente os ligados ao PRONAPA12(Programa

    Nacional de Pesquisas Arqueolgicas), no tinham como objetivo compreender de forma

    mais detalhada a ocupao pr-histrica deste ambiente. Porm, no nos restam dvidas, de

    que esses primeiros trabalhos foram fundamentais para a construo da problemticaocupacional da regio em estudo.

    Contudo, a encosta catarinense s foi objeto de um estudo mais aprofundado na

    dcada de 1990, quando Lavina (1994) criou, a partir de documentos e relatos histricos, um

    modelo etnogrfico para o grupo Xokleng. Em suas consideraes, o pesquisador ressaltou

    que este modelo poderia ser usado ou testado em stios arqueolgicos contemporneos

    colonizao europia, como tambm em pr-histricos. Ele concluiu, a partir do seu modelo,

    que os Xokleng estavam condicionados s variaes ecolgicas, que, por sua vez,

    favoreciam ao nomadismo. Assim, este grupo circulava em seu territrio histrico em um

    movimento pendular estacional entre a Floresta Ombrfila Densa e a Floresta Ombrfila

    Mista consumindo os recursos oferecidos por cada um destes ambientes.

    Somente 11 anos depois, Farias (2005) contraps esse nomadismo, sugerindo um

    modelo13mais estvel para os grupos na regio da encosta. A autora apresentou um esquema

    de assentamento com mdia mobilidade, levantando a hiptese de que a encosta no seria

    12

    No ano de 1964 foi realizado um seminrio organizado pela Universidade Federal do Paran(financiado pelas CAPES e Fulbright Commision) que reuniu todos os pesquisadores em arqueologiado Brasil. O objetivo do encontro foi discutir diversos temas ligados arqueologia brasileira que iamdesde atributos para anlise cermica at problemas relacionados com a prpria arqueologianacional. Deste encontro surgiu idia de criar o Programa Nacional de Pesquisas Arqueolgicas, oPRONAPA. O programa durou cinco anos, de 1965 at 1970, foi coordenado por Bety Meggers eClifford Evans, patrocinado pelo Conselho Nacional de Pesquisas, pelo Smithsonian Institution emcolaborao com a secretria do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional, contou com uma equipede 11 professores das universidades e museus do Brasil (BROCHADO 1968, p. 3-4). SegundoBarreto (1999-2000, p. 37), foi a partir da dcada de 1960 que a arqueologia brasileira passou a tercaracterstica acadmica, uma vez que as pesquisas realizadas entre meados do sculo XIX at adcada de 1950 estavam ligadas a questes pontuais, como construo dos sambaquis costeiros,

    artificiais ou naturais e a cronologia do povoamento de grupos pr-coloniais no Brasil (DIAS, 2003,p. 8).13Os grupos Xokleng e seus respectivos modelos sero discutidos de forma mais aprofundada noquarto e quinto captulo.

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    apenas um local de transio entre o planalto e o litoral. Assim como o modelo de Lavina

    (1994), esta proposta foi apoiada em inmeros relatos etnohistricos produzidos a partir da

    colonizao europia na encosta.

    Efetivamente, as pesquisas arqueolgicas na rea em estudo vem sendo realizadas h5 anos. Na encosta sul com o GRUPEP-Arqueologia\UNISUL coordenado pela Dra. Deisi

    Scunderlick Eloy de Farias, atravs do projeto14AMA: Arqueologia na Mata Atlntica, e na

    encosta norte com Instituto Anchietano de Pesquisas\UNISINOS coordenado pelo Dr. Pedro

    Igncio Schmitz, com o projeto: Tai15, no Vale do Rio Itaja encontros de antigos

    caadores com as casas subterrneas.

    O desenvolvimento da Arqueologia nesta rea deve-se tambm arqueologia de

    contrato

    16

    , estimulada pelo governo federal atravs do PAC (Programa de Acelerao doCrescimento).

    3.1 OS STIOS PESQUISADOS NA BIBLIOGRAFIA

    14A proposta principal do projeto foi realizar uma pesquisa detalhada da encosta, com o objetivo deevidenciar elementos da cultura material que comprovassem a ocupao pr-colonial permanente econstante. Segundo Farias (2009) na primeira fase da pesquisa foram mapeados vrios stios lticosligados Tradio Umbu e aos grupos ceramistas do litoral e do planalto. No entanto, no foipossvel esclarecer aspectos cronolgicos e culturais. J na segunda fase, continuou-se mapeandonovos stios arqueolgicos, localizados em Rio Fortuna, Gro Par, Laguna, Armazm, Jaguaruna,Tubaro e demais municipios da AMUREL (Associao dos municpios da regio de Laguna).Houve um aprofundamento da pesquisa com a escavao de stios situados em compartimentosdiferenciados dessa regio. Em locais com stios preservados realizaram-se os seguintesprocedimentos: quadrculas de 1m x 1m, com profundidade suficiente para se encontrar a camada

    estril. Outro dado importante foi a datao em C14, uma vez que a identificao de estruturas decombusto possibilitou a retirada de material adequado para esse tipo de anlise (FARIAS,2009).Este projeto mapeou mais de 69 stios arqueolgicos na regio da AMUREL; grande partedeles sero descritos neste captulo.15Neste projeto, Schmitz e et al. (2009) estudaram no municpio de Tai 26 stios arqueolgicosligados a caadores-coletores com pontas de projtil. Desses, 25 esto a cu aberto, 1 possui umconjunto de 12 casas subterrneas e com um suposto montculo funerrio. Dois dos stios a cuaberto foram datados, um em 8.000 anos A.P. e outro em 4.000 anos A.P. No conjunto de casassubterrneas, dois foges obtiveram aproximadamente 1.200 anos A.P., um terceiro em 1.300 anosA.P., e uma casa subterrnea alcanou a data de 650 anos A.P. Este projeto alm de estudar osistema de assentamento na rea e suas respectivas cronologias se pergunta a respeito dosignificado que possa ter a associao de elementos tradicionalmente ligados a culturas e populaes

    diferentes, discorrendo sobre outras situaes em que supostos antepassados dos J Meridionaisesto associados com distintas populaes ceramistas ou pr-ceramistas (SCHMITZ et al., 2009, p.185).16De Masi (2003), Farias (2005), Geoarqueologia (2007); Lavina (2003; 2006) e Scientia (2007).

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    O levantamento bibliogrfico contemplou stios mapeados em Rio Fortuna e nos

    municpios vizinhos, como Tubaro, Gravatal, So Martinho, Brao do Norte, Urussanga,

    Orleans, Pedras Grandes, Gro Par, Santa Rosa de Lima e So Bonifcio (Mapa 2).

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    Nosso objetivo foi visualizar a dinmica ocupacional pr-histrica da encosta sul

    catarinense. As informaes foram retiradas do Cadastro Nacional de Stios Arqueolgicos

    do IPHAN, dos relatrios de pesquisa acadmica, principalmente do projeto AMA, e daarqueologia de contrato. Reunimos 216 stios arqueolgicos que se apresentaram com as

    seguintes caractersticas:

    a) Abrigo sob rocha17:Formaes naturais que supostamente foram ocupadas por grupos

    pr-histricos da regio em estudo. Em nenhum dos abrigos mapeados foi identificada ou

    informada a presena de vestgios arqueolgicos.

    b) Casa subterrnea18: Corresponde a depresses cavadas no solo em formato oval ou

    circular. Essas ocupaes apresentaram dois padres: casas isoladas associadas a lascas,pontas de projtil, ncleos e afloramentos em quartzo; e casas agrupadas e conectadas a

    lascas, artefatos bifaciais e fragmentos cermicos.

    c) Cermico19: Representa ocupaes pr-histricas identificadas no vale do Rio Capivari.

    Porm, nos relatrios analisados no encontramos nenhuma descrio que pudesse

    caracterizar este stio arqueolgico. Por j termos percorrido esta regio, acreditamos tratar-

    se de stios com cermica da Tradio Taquara.

    d) Cermico Guarani20: Relacionado s ocupaes Tupi-Guarani no mdio curso do Rio

    Capivari, especificamente no municpio de So Martinho. O material arqueolgico foi

    coletado em superfcie e nas sondagens. Em menor quantidade apareceu o ltico, j os

    fragmentos cermicos, que representaram a maioria dos vestgios, caracterizaram-se pelas

    seguintes decoraes: lisa, corrugada, ungulada, pintada, escovada e reticulada.

    e) Ltico21: Este tipo de stio arqueolgico geralmente encontrado em reas de cultivo. O

    material ltico tpico da Tradio Tecnolgica Umbu, sendo comum encontrar grande

    quantidade de lascas, artefatos unifaciais e bifaciais, alm de pontas de projtil,

    confeccionadas quase sempre em quartzo.

    f) Ltico com mancha escura no solo22:Representa stios lticos ligados Tradio Umbu,

    que por estarem em superfcie, associam-se as estruturas (combusto, fundo de cabanas e

    17Farias (2005, 2009); Rohr (1979/1982).18Farias (2005,2009); Geoarqueologia (2007).19De Masi (2003).20De Masi (2003);21

    De Masi (2003); Dias (2007); Farias (2005,2009); Geoarqueologia (2007); Lavina (2006); Perin(2007); Rohr (1979/1982).22De Masi (2003); Dias (2007); Eble e Reis (1976 apudFarias, 2005); Farias (2005, 2009);Geoarqueologia (2007); Perin (2007).

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    outras) de colorao escura no solo. Os lticos identificados quase sempre so lascas, bifaces

    e pontas de projtil confeccionados em quartzo, slex ou arenito silicificado, eventualmente

    aparecem alguns artefatos polidos como lminasde machado e mos de pilo, produzidos

    em basalto, diabsio e arenito. J as manchas escuras possuem formato circular ou oval esuas medidas variam em torno de 4 a 15 metros de comprimento.

    g) Mancha23: Caracteriza-se pela presena de estruturas (combusto, fundo de cabana e

    outras) superficiais. Junto a essas no encontrado nenhum outro vestgio arqueolgico

    aparente.

    h) Mancha escura com ltico e cermica24: Foi identificado apenas um stio arqueolgico

    com estas caractersticas no municpio de So Bonifcio. Os materiais arqueolgicos so

    representados por pontas de projtil e cermica guarani.i) Mancha escura com montculo e cermica: Caracterizado por apenas um stio

    arqueolgico, tambm no municpio de So Bonifcio. Os materiais arqueolgicos so

    representados por manchas escuras no solo, montculos sem material ltico e cermica

    guarani.

    j) Montculo: Pequenas construes em formato circular ou elipsoidal que no atingem 80

    cm de altura. Alguns foram encontrados agrupados em reas correspondentes a 300m2.

    Conforme as categorias definidas anteriormente, percebemos que a encosta sul

    catarinense, possui uma variedade de stios arqueolgicos pr-coloniais. Esses poderiam

    estar ligados a espaos de moradia permanente ou temporria, reas de confeco cermica

    ou ltica, rituais religiosos ou funerrios, abrigos e outros.

    Reunimos no grfico abaixo todas as categorias de estruturas arqueolgicas

    identificadas no levantamento bibliogrfico. Destas destacaram-se trs tipos de stios: ltico

    (62%); ltico com mancha escura no solo (23%); e manchas escuras no solo (6%) (Grfico

    1).

    As casas subterrneas corresponderam a 4,3% da totalidade. Essas geralmente esto

    associadas a outros vestgios arqueolgicos, que na maioria das vezes, so lticos (pontas de

    projtil e lascas). A cermica se fez presente em apenas uma casa subterrnea (Grfico 1).

    As demais categorias, somando juntas no alcanaram 5%, sendo que dessas, 3,5%

    corresponderam a stios cermicos. Diante desses resultados, podemos adiantar que a

    23De Masi (2003); Eble e Reis (1976 apud Farias, 2005); Farias (2005; 2009); Perin (2007).24As categorias descritas nos itens h, i, j foram identificadas por Eble e Reis (1976apudFarias,2005).

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    encosta sul catarinense no perodo pr-colonial foi mais intensamente habitada por grupos

    que no produziam cermicas (Grfico 1)

    0,8%

    4,3%1,6% 1,1%

    62%

    23%

    6%

    0,4% 0,4% 0,4%

    0%

    10%

    20%

    30%

    40%

    50%

    60%

    70%

    Abrigo Casa subterrnea CermicoCermico Guarani Ltico Ltico c\ manchaMancha Mancha c\ ltico e cermica Mancha c\ montculo e cermicaMontculo

    Grfico 01- Estruturas arqueolgicas identificadas na encosta sul catarinense atravs do levantamentobibliogrfico

    Fonte: Elaborado pela autora.

    Como tivemos bastante dificuldade em organizar25 as informaes coletadas dos

    relatrios tcnico-cientficos e do banco de dados do IPHAN, optamos por apresentar os

    dados em formato de tabelas, cada uma representando um municpio; tambm mantivemos

    as nomenclaturas encontradas nos registros examinados.

    3.1.1 Municpio de Tub