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O Centro Cultural São Paulo mantém convênio com o Estacionamento Costa Brava - Rua Vergueiro, 1149 Realização: CENTRO CULTURAL SÃO PAULO Rua Vergueiro,1000 - 01504-000 Paraíso - São Paulo - SP tel.: 3277-3611 dante ancona lopez criador do cinema de arte em são paulo

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O Centro Cul tural São Paulo mantém convênio com oEstacionamento Costa Brava - Rua Vergueiro, 1149

Realização:

CENTRO CULTURAL SÃO PAULORua Vergueiro,1000 - 01504-000

Paraíso - São Paulo - SPtel.: 3277-3611 dante ancona lopez

criador do cinema de arte em são paulo

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ccsp@prefei tura.sp.gov.brwww.centrocultural.sp.gov.br

produção gráfica:divisão de difusão cultural(di fusao@prefei tura.sp.gov.br)impresso no laboratório gráfico do ccsprev isão: Pau lo V in íc io de Br i topro je to grá f ico : Adr iane Ber t in i

P E S Q U I S A , S E L E Ç Ã O E E D I Ç Ã O D E T E X T O S :André Piero GattiCarlos Augusto CalilHugo MalavoltaPlácido de Campos Jr.

O R G A N I Z A Ç Ã O DA M O S T R A D A N T E A N C O N A L O P E Z ,C R I A D O R D O C I N E M A D E A R T E E M S Ã O P A U L O :Núcleo de Cinema e Vídeo do CCSP

A G R A D E C I M E N T O S :Álvaro de MoyaCinemateca Brasileira

A G R A D E C I M E N T O S E S P E C I A I S :Família Ancona Lopez: Dona Linda, Marcelo, Telê e Sérgio

dante ancona lopezcriador do cinema de arte em são paulo

centro cul tural são paulo 2003

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cine belas artes (c. 1981)

Dante Ancona Lopez foi um homem tolerante. Sem abrir mão dasconvicções, relacionava-se igualmente com o Cavaleiro daEsperança e o padre de seu círculo familiar.Gostava de gente em geral, da imensa família em particular, e dosprazeres da vida. Quando deu por encerrada a bem-sucedidaexperiência do cine Coral, vendeu o negócio, chamou a mulher,Dona Linda, e foram juntos dar uma volta ao mundo.Sua inteligência tinha a especial capacidade de aproveitar asoportunidades oferecidas e torná-las marcantes para si e o seu meio.Por esta entidade-o público-tinha enorme respeito. Sabia ouvi-locomo poucos, intuir seus caprichos, assim como era capaz dedesprezá-lo quando necessário. “Nunca se deve programar um cinemasegundo nosso próprio gosto”, dizia, com a sabedoria bonachonados não especialistas.Dante soube aproveitar o estoque de filmes de qualidade, encalhadonas distribuidoras comerciais, e inventou um meio de lançá-los,injetando combustível no movimento de elevação da culturacinematográfica entre nós. Ao mesmo tempo falava a língua dosimportadores, devolvendo-lhes com dividendos os valores investidos.Com ele aprendemos que cultura é bom negócio, mesmo semsubsídios governamentais.Dante foi nosso melhor exibidor. Sem seu exemplo São Paulo nãose teria tornado uma capital do cinema, uma Cinecittà, cujaprogramação rivaliza hoje com os grandes centros estrangeiros. Semseu exemplo não saberíamos a origem do sucesso do espaçosunibancários de cinema, uma experiência revolucionária que seespalha pelo país como uma agradável subversão ao conformismoe ao lugar comum.Colegial ainda, vi I sovversivi, dos irmãos Taviani, numa sessão docine Picolino. A subversão estava feita.Obrigado, Dante, pela oportunidade. Saudade.

Carlos Augusto Calil

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Dante Ancona Lopez

Criador do Cinema de Arte em São Paulo

Dante Ancona Lopez foi uma personalidade cuja marcaoriginal se encontra presente até hoje no mercadocinematográfico brasileiro.

Uma verdadeira lenda, “seu Dante” - como era conhecido nomeio - se manteve em plena atividade profissional por umperíodo superior a seis décadas: não é pouca coisa, seconsiderarmos que o cinema é uma arte que existe há poucomais de cem anos. Seu legado para a história do Cinema noBrasil, entretanto, ainda não foi devidamente avaliado.

Dante teve a qualidade de atuar de maneira diferenciada juntoaos ramos de distribuição e exibição, o que fez com que eleviesse a se projetar entre seus colegas de profissão. Sua açãopioneira foi decisiva para a formação de um circuito de exibiçãoque fosse capaz de atender a um público mais exigente e críticoem relação à produção fílmica como um todo.

Homem plenamente inserido em seu tempo, Dante sempre semostrou capaz de se antecipar às transformações do meiocinematográfico e de se adaptar habilmente aos novostempos. A sua biografia coloca-o como uma referênciaobrigatória para aquele que esteja minimamente interessadoem compreender ou estudar o desenvolvimento dacomercialização de filmes no país.

Dante nasceu em São Paulo no dia 16 de junho de 1909. Em1912, sua família se transferiu para Roma, onde os AnconaLopez residiram até 1921. “Moramos lá exatamente por causadas atividades jornalísticas de meu pai, Nicolau Ancona Lopez,que instalou e dirigiu a sucursal de O Estado de S. Paulo. Aí

fomos surpreendidos pelaPrimeira Guerra e ficamospresos lá. A sucursal erainstalada no mesmoandar em quemorávamos; todo serviçointernacional sobre a guerra saía deRoma. Meu pai era italiano. Meus primeiros estudosforam em italiano; fiquei até com sotaque 1.”

Na volta ao Brasil, concluiu os estudos e iniciou sua carreiraprofissional no começo da década de 1930, ao trabalhar comopublicista 2 na RKO, firma de propriedade dos irmãos Altamiro eGeneroso Ponce, que representava aqui o estúdio americanohomônimo. Seu primeiro trabalho como programador regular deuma sala se deu no Cine Áurea, na rua Aurora.

O conhecimento adquirido no campo da exibição animou-o aconcretizar um projeto ousado: a criação do Cine Coral em1951. Este cinema se caracterizou pelo fato de ser a primeiraexperiência bem-sucedida na implantação de uma sala

totalmente voltada para opúblico amante dochamado film d’art. Ainiciativa inovadora doCoral serviu de modelopara a instalação de outrassalas de arte pelo resto dopaís, nos anos que seseguiram.

O Coral, sob a tutela daprogramação de Dante

Ancona, serviu como espaço de divulgação da cinematografiainternacional emergente nos anos 1950, onde se pode destacara geração do pós-neo-realismo italiano e as produções oriundasdo leste europeu, entre outras. O Coral se consagrou como um

jirí menzel trens estreitamente vigiados

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espaço bastante rentável, fato que permitiu ao já veteranoprogramador, após oito anos de atividade, a possibilidade derealizar uma viagem ao redor do mundo com a sua esposaDona Linda.

Por algum tempo, o Coral também abrigou a sede daSociedade Amigos da Cinemateca (SAC), criada em 1962para apoiar a Fundação Cinemateca Brasileira. Além de DanteAncona, entre os membros fundadores da SAC encontravam-se o exibidor Florentino Llorente, o produtor OswaldoMassaini e personalidades e intelectuais como Paulo EmilioSalles Gomes, Francisco Luiz de Almeida Salles, FlávioRangel, Roberto de Abreu Sodré, Rudá de Andrade e Jean-Claude Bernardet.

As exibições da SAC não se restringiram ao espaço do Coral;também aconteceram no Cine Picolino, outra sala programada porDante. Ele, posteriormente, foi um dos articuladores da ida daSAC para o auditório do MASP. De uma maneira geral, essassessões obtiveram uma excelente resposta por parte do público:nos anos 1960, a sessão à meia-noite virou moda e foi adotada poroutras salas. A programação da SAC era composta principalmentepor filmes poloneses, russos, tchecos, e franceses da nouvellevague 3. No que diz respeito ao cinema brasileiro, a avant-première de Barravento, de Glauber Rocha, pode ser consideradaum evento memorável no Coral: a abertura, feita por Paulo Emilio,

foi uma das raras vezes emque ele comentoupublicamente a obra dogrande cineasta. Aindanesta fase, Dante programouo filme Sacrifício do anonovo, de Sang Hu, oprimeiro filme chinêsdistribuído no Brasil.

No final da década de 1950, Dantefoi um dos fundadores doSindicato das EmpresasDistribuidoras Cinematográficasdo Estado de São Paulo, onde,além dele, figuravampersonalidades da cinematografiapaulistana como OswaldoMassaini, da Cinedistri, e SandiAdamiu, da Paris Filmes.

Como presidente do Sindicato, Dante permaneceu por um período decinco anos, até 1964. Em seu mandato, enfrentou a disputa entre oEstado de São Paulo e a União pelo controle da censuracinematográfica local. A intenção do governador Carvalho Pinto decriar uma censura estadual - tanto para gerar uma nova fonte dereceita quanto para agradar grupos católicos conservadores -resultaria em um aumento dramático nas despesas dos distribuidorese os deixariam à mercê de grupos de pressão política e culturalmenteretrógrados. A longa batalha do Sindicato foi decisiva para superar amentalidade censória daquele momento.

Na década de 1960, outras importantes salas de exibição foramtrabalhadas por Dante: Picolino, Scala, Trianon. Este último cinemaseria transformado naquele que certamente foi a realização de maiorpeso do decano programador: o lendário Cine Belas Artes. Aberto aopúblico no dia 14 de julho de 1967, o Belas Artes - a mais ampla salade filmes de arte da América do Sul, com seus 1200 lugares -, setornou caudatário natural da efervescência cinematográfica daqueleperíodo e se converteu em uma referência de amplo alcance. Por suavez, o antigo Cine Scala passou a se chamar Belas Artes Centro,sendo que ambos os Belas Artes recepcionaram as sessõesorganizadas pela SAC.

Dante também veio a trabalhar, nos anos 1980, na consolidação de umpequeno circuito de filmes de arte composto basicamente por trêssalas, o Cinearte e os dois Arouches. Entretanto, estas salas não

sang hu sacrifício do ano novo

glauber rocha barravento

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chegaram a ter a mesma repercussão que o Coral e o BelasArtes, devido à crise que se abateu sobre a exibiçãocinematográfica como um todo.

Como programador, a última sala que contou com os préstimosde Dante foi o Cineclube Elétrico, entre 1991 e 1992. Ele seretirou definitivamente de suas atividades profissionais aos 83anos de idade, falecendo no dia 30 de dezembro de 1999, emSão Paulo.

1.BENDER, Flora C. A scena muda. São Paulo, tese apresentada à FFLCH/USP, 1979. p. 375. Vol. III.

2.Naquele tempo, a função do publicista era a de se dedicar à difusão edivulgação dos filmes das distribuidoras junto aos órgãos de comunicação eagências de publicidade. O publicista também funcionava como a pessoaresponsável pelas relações públicas da empresa, tarefa que o obrigava amanter contato com os vários segmentos do comércio cinematográfico, masnão somente. Portanto, tratava-se de um trabalho de granderesponsabilidade para um moço de vinte e poucos anos. O que lhe conferiuesta posição foi a sua experiência durante o lançamento de algumas salasde exibição, como os tradicionais cines Rosário e Alhambra.

3.A pré-estréia de O ano passado em Marienbad foi precedida de umagrande cobertura pelos jornais da época e contou com a presença de AlainRobbe-Grillet, co-roteirista do filme.

depoimento concedido aPlácido de Campos Jr. em 1993

Eu atuava em publicidade, como publicista, e assim trabalheino lançamento de algumas salas de exibição como o Rosário,no Edifício Martinelli e o Alhambra, na rua Direita, o que meligou ao cinema e aos distribuidores de filmes. Depois, fuitrabalhar diretamente na distribuidora R.K.O. Primeiramenteestava ligado às atividades de propaganda cinematográfica eem contato com distribuidores; após algum tempo, comecei aperceber que havia um espaço vago: os distribuidores eexibidores ignoravam a existência de uma gama de filmes quecada vez mais me interessava ou, para dizer melhor, filmes queme fascinavam.

Com alguma dificuldade consegui abrir, na rua 7 de abril, o CineCoral, já consciente da possibilidade de uma programaçãodiferenciada daquilo que então se fazia. Seria o “Cinema deArte”, embora o cinema tradicional ou comercial tambémtivesse espaço.

federico fellini satyricon

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na rua Augusta. AMetro GoldwynMayer impôs àCia. Serrador,quando darenovação docontrato dedistribuição deseus filmes, que oPicolino fosse incluído na programação. Quer dizer, uma vezvalorizado o Picolino, a Metro o exigiu e a Serrador teve queceder. Houve uma discussão pesada e minha resposta foi secae negativa.

Para contemporizar com a situação, o Florentino me prometeuceder em 24 horas um outro cinema e, ciente dos resultadospositivos anteriores, propôs o antigo Cine Trianon, que setransformou no Belas Artes. Começamos no Belas Artes em1967, inicialmente em uma sala só - depois dividido em 2 salase depois em 3 salas -, sendo a Sala Mário de Andrade entregueà SAC.

O abastecimento de filmes de características mais culturais jáhavia surgido anteriormente com a Art Films. Além das fitasque eu já importava para o Coral, a Art Films havia trazido asprimeiras fitas de Antonioni e não as conseguia exibir emnenhum cinema, à exceção do Coral. A repercussão foitamanha que o professor Antonio Candido elogiava a atitudecorajosa de programar o Antonioni dos primeiros tempos.Fiquei muito feliz.

Além dos filmes italianos, a própria SAC importou filmes doleste europeu; inclusive promoveu o I Festival Soviético quefizemos no Coral, com grande repercussão junto ao público.Havia ainda os filmes tchecos, no Picolino, promovidos pornós. Os cineclubes nessa época estavam começando e váriosdeles, principalmente do interior, se alimentavam das fitas

A idéia básica ia na direção de uma programação menosvoltada e preocupada com o retorno comercial imediato e maisatenta à difusão do cinema, porque faltava uma sala queexibisse as muitas fitas paradas em várias distribuidoras: fitasde Fellini, de Antonioni, de Resnais que não eram exibidas.Abri em 1951 e a experiência do Cine Coral foi bem sucedida edurou oito anos; depois vendi o cinema e dei um giro pelomundo com minha esposa.

Fui convidado, na volta ao Brasil - pela Companhia Serrador,do Julio e do Florentino Llorente -, para levar, no Cine Picolinoda rua Augusta, uma programação de perfil similar àquela quefazia no Coral. Isto porque o Picolino, naquele momento, estavase ressentindo de falta de público. A Cia. Serrador pretendiadiferenciar a programação do Picolino e, com a colaboração doRudá de Andrade, começamos a trabalhar. A programação erafeita a partir dos títulos disponíveis nas carteiras dasdistribuidoras. Porém, com início da participação da SAC -Sociedade Amigos da Cinemateca - que agia como um conselhoinformal de orientação eonde as figuras de PauloEmilio e Rudá de Andradeforam determinantes -,fomos ficando maisambiciosos. A SAC foialojada na sobreloja do CineCoral, onde discutíamos eimaginávamospossibilidades de outrosfilmes, de dinamizaras coisas.

O Picolino se transformouno maior sucesso de público

federico fellini a doce vida

michelangelo antonioni a aventura

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programadas. O Orlando Fassoni dizia: “Aprendi a fazercineclube programando fitas que o Dante ou a SACprogramavam”. Lembro de momentos marcantes: oequipamento 16mm na Mário de Andrade; a exibição tambémem 16mm de O ano passado em Marienbad no Coral,contrariando, e muito, os exibidores.

A fase do Belas Artes deve ter durado uns dez anos... Acabeideixando o Belas Artes após a compra da Serrador pelaGaumont. Não quis permanecer. Aí surgiu a idéia de propor aoChiquinho Lucas transformar o Cine Rio, no Conjunto Nacional,em Cinearte. Nesse cinema, mantivemos a mesma atitude detrabalho do Belas Artes. Ao Cinearte estavam ligadas ainda asSalas Arouche A e B, programando as fitas do Cinearte. Houveum grande aumento - em termos de qualidade e também emnúmero de espectadores - de público nas Salas A e B, emfunção da programação.

O Cinearte durou nove anos; com o incêndio do Cine Bristol naavenida Paulista, a Companhia Sul do Francisco Lucas, à qualo cinema estava ligado, precisou usar o Cinearte paraprogramar os filmes do Bristol. Não me interessei por ficarsujeito a uma programação tipicamente comercial e assim nãohavia mais motivos para permanecer; me desliguei em bons

termos, sem desgastes,com o Lucas.

Eu acredito que aprogramação do tipo“Cinema de Arte”influenciou todos estesCentros e pontos deexibição alternativos ouculturais e repercutiuinclusive no circuitocomercial. Algumasfitas que antigamente

só seriam exibidas, por exemplo, no Cine Coral, são exibidashoje em qualquer sala e mantém um público numeroso. Isto éconseqüência dessa insistência em exibir fitas melhores, maisabrangentes, chamadas de “Arte”. Acredito firmemente no futurodeste tipo de sala.

Com relação à questão do abastecimento de filmes para essegênero de programação, creio que seria interessante constituiruma importadora especializada. Acredito, porém, que não seráfácil, pois seria necessário ajuda governamental, mas com aprocura e a demanda do público por fitas de Arte, as própriasdistribuidoras com certeza se mobilizarão nesse sentido. Dequalquer forma noto que as distribuidoras têm procuradomelhorar a qualidade da importação de seus filmes: iniciativascomo a da Pandora devem ter prosseguimento, pois é vantajosotrazer fitas melhores e mais selecionadas, tanto para o públicoquanto para o próprio mercado.

É inadmissível a atual queda do cinema brasileiro, que já haviaatingido um público numeroso e popular. É imperdoável a nãoexibição dos filmes brasileiros. Os órgãos aos quais caberiacontrolar esse problema não existem mais. Os governos não seinteressam e a oposição feita sistematicamente pelosexibidores - e mais do que por eles, pelas imposições das

alain resnais o ano passado em marienbad

vojtech jasny um dia, um gato

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distribuidoras estrangeiras, especialmente as nortes-americanas - criou esse difícil problema. Não se justifica queuma nação que tenha galgado a nossa posiçãocinematográfica, inclusive com prêmios internacionais,desapareça dos cinemas com seus filmes. Hoje em dia ocinema brasileiro está quase desaparecendo.

Cinema, além de Arte, é Indústria cara - não é possível que ogoverno dele não participe. O cinema italiano não seria o queé, se o governo da Itália nele não investisse. Na França, amesma coisa: vemos sustentação da produção e exibição. Oprograma cultural deve contemplar forçosamente a produção ea exibição cinematográficas, valorizando o filme brasileiro.Seria o caso também de estimular a formação de umadistribuidora e a constituição de uma Comissão formada porelementos dedicados a esse gênero de cinema, associada aalguém justamente apto a importar. Essa distribuidora eimportadora deveria gozar de favores especiais do governo enada mais faria do que contribuir para elevar o nível do cinemaem nosso país.

eu me lembro fragmentos do depoimentoconcedido a Inimá Simões em 1982

No tempo das fitas de cinema

O cinema na década de 20 era um espetáculo quase de gala,você não ia ao cinema à noite a não ser de roupa escura egravata. Você não podia ir de terno claro. O Cine Rosário emdia de estréia era o cúmulo da elegância, um desfile.

O Central foi o cinema mais chique de São Paulo. Foi oprimeiro que abriu duas salas, Vermelha e Azul. Era lá no Valedo Anhangabaú, em frente ao Correio, onde havia uma avenida.

O Jorge Fragomeni era quem gerenciava o Paramount daBrigadeiro. O cinema nessa época era uma coisa muito, muitoimportante... Um homem como o Fragomeni gerenciava cinema,porque as pessoas que iam lá eram todas conhecidas dele, da altasociedade. Hoje gerente de cinema é “uma verdadeira desgraça”.

O Tabaris, também no Anhangabaú, foi o primeiro cinemapornográfico. Eles cortavam qualquer filme e faziam enxertocom cenas de fitas pornográficas francesas. Só para homens;as mulheres passavam longe, do lado oposto, nem pertochegavam. Em 1930 a censura estadual começou a proibiressas coisas.

Nos três dias de carnaval, para o público não fugir doscinemas, o filme era exibido com um pouco de luz na sala, parahaver a batalha de serpentina e confete.

Na época do cinema silencioso, a fita tinha que seracompanhada; ninguém agüentava uma projeção sem música.Tem uma velha piada de fita de Semana Santa: em uma cidadedo interior, o pianista do cinema não apareceu - um porre de

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bilhete de carlito maia (1986)

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domingo de Páscoa, sei lá -, então arranjaram um pianistaimprovisado. “Mas como é que eu vou fazer? O que vou tocar?”“É fácil, o senhor olha e toca de acordo com a cena”. Entãoquando nasce o menino Jesus e todos vão beijar os pés deCristo, ele toca a música Pé de anjo. Depois, tem a Madalenaarrependida, e ele toca Margarida vai à fonte, vai sozinha. Nahora da crucificação ele não sabia mais o que fazer, entãotocou Tatu subiu no pau...

Eu me lembro de uma fita sobre a Marcha sobre Roma que,quando apareceu o carão do Mussolini na tela, foi precisointerromper o espetáculo, de tanta gente que gritava contra e afavor. Então não houve outro jeito a não ser interromper oespetáculo. Vaiar cinejornais é coisa tipicamente nacional.

Em 1929 eumorava na ruaDomingos deMorais: era umarua tão tranqüilaque a gente podiajogar futebol ànoite na calçada.Eu tinha umcachorro fox,muito sabido, queentrava no cinemajunto comigo.Ficava lá sentado

e assistia aofilme. Todo bairrotinha um ou doiscinemas; hoje temmuito bairro deSão Paulosem cinema.

O dramalhão tinhauma grandepreferência do público. Foi difícil entrar com filme de carátersocial, político. A própria comédia sentia, porque o dramalhãoera a peça forte do cinema. O público ia para chorar. É aquelavelha piada: “Como é, você gostou do filme?” “Ah, me divertimuito. Chorei a noite toda”.

São Paulo antigo

O público do centro mudou: as famílias iam ao centro. Vocêtinha confeitarias como o Bar Viaduto, o Bar Fasano, com duasorquestras, e o café Luar Amigo, que deveriam ter mantidocomo patrimônio nacional, porque em poucas cidades do mundovocê encontraria um café tão bonito: cristais de bacará,poltronas de couro da Rússia e garçons desde cedo de casaca.Então você podia sentar para tomar café e eles traziam águagelada e um jornal para ler.

Duas avenidas que não poderiam nunca ter sido mexidas: aHigienópolis e a Paulista, porque faziam parte da história dacidade. Outro dia eu ouvi “a avenida Paulista, que marca aera do café em São Paulo”. Não é nada disso: a da era docafé é a Higienópolis. A Paulista é a marca da era industrialem São Paulo.

bernardo bertolucci o conformista

Antonio Lucio - Agência Estado

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cine belas artes (1971)

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Eu nunca esqueço: o conde Mattarazzo - esse homem que foium dos fundadores do parque industrial de São Paulo -encostava o carro na casa dele, na avenida Paulista, e sentavatoda noite no murinho, para conversar com as pessoas quepassavam por lá. O homem que tinha o maior parque industrialde São Paulo! Hoje ninguém mais pode fazer isso.

O [Lucas Nogueira] Garcez era freguês assíduo do Cine Coral.Ele e a dona Carmelita. Ele era governador, mas ia sempre auma sessão da tarde. E indo o governador, dali a poucoaparecia o secretário de alguma pasta. Eu me divertia muito; asala de espera era onde as senhoras se encontravam. “Jácomeçou a sessão”, avisava o gerente. “Não, pode deixar,estamos esperando uma amiga que vai chegar...” E ficavam lá.O ambiente era bom.

Distribuidores e exibidores

Em 1934, eu vendi para Francisco Serrador a primeira cópiaque veio para o Brasil do King Kong. O King Kong original. Eutrabalhava na RKO, que era a dona da fita, e “eu vendi” é umaforça de expressão. Fiz com que ele alugasse a fita para seuscinemas. Foi ótimo. Lançamos simultaneamente nos Cines

Rosário eAlhambra.

Com a Vera Cruz,aconteceu um fatomuito próprio dequem faz cinemasem conhecercinema. O Franco

Zampari, que sem a menor dúvida teve tantos merecimentos,fez a Vera Cruz com sacrifícios enormes - dele, dos amigos,dos familiares. Eu, que sempre me considerei seu amigo,acabei acionista da Vera Cruz e nem sei que fim levaram asações, nem me preocupei em saber. Quando o Zampari mecomunicou que o TBC [Teatro Brasileiro de Comédia] ia setransformar em companhia de cinema e produzir grandes filmes,eu chamei a atenção dele para o problema mais complicado: acomercialização, a distribuição desses filmes. Ele merespondeu com uma ingenuidade enorme, de quem realmentenunca conheceu o negócio de cinema: “Tenha paciência. Eu jáfechei negócio com a Columbia”. E foi o suficiente para ele ir àfalência. Aliás, a primeira distribuidora foi a Universal; aí elepassou para a Columbia. “Por aí você vai mal” - eu disse -“porque antes de começar a produzir você tem que organizar asua firma distribuidora, senão você não vai ver nunca odinheiro”. Foi o que aconteceu e fiquei muito triste ao constatar,alguns anos depois, que eu tinha razão.

Construí o Coral no terreno onde existia o depósito de um jornaldo Rio chamado A Noite. Aluguei o terreno por dez anos. Meuplano era amortizar a construção em quatro e aproveitar seisanos para mim. Amortizei a construção em dois anos: querdizer que a programação foi boa. Usei mais cinco anos e acabei

cooper e schoedsackking kong

françois truffaut os incompreendidos

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vendendo o contrato, porque resolvi dar a volta ao mundo com odinheiro que recebi. Eu e minha mulher viajamos o mundo todo.

Escolhia uma linha de filmes não comuns, chamados difíceis.Eu senti a necessidade de atender um público que não ficavasatisfeito com o feijão com arroz, e acertei nisso. Conseguiapúblico para o filme considerado não comercial. Não que euseja inimigo do filme comercial. Em cinema eu acho que agente não deve ser inimigo de ninguém.

Ninguém passava ainda Antonioni. No Coral, exibi as fitasdo Antonioni. Tinha já passado Os incompreendidos, doTruffaut - um fi lme que ninguém queria passar - e O sheikbranco, uma fita do Fell ini que o Paulo Emilio adorava.Assisti a brigas do Paulo Emil io com uma porção degente, porque não passavam essa fita. Eu disse: “Ô Paulo

Emilio, eu vou teatender: vou passar Osheik branco”. É a f i tamais bonita do Fell ini.

O [distribuidor e exibidor]Sorrentino me procuroupara dizer: “Você tem de

passar A doce vida [o contrato para a exibição do filme seriade dez semanas no Cine Astor e de apenas duas semanas noCoral]. Você aceita, Dante?” “Não podendo passar mais, passoduas semanas”. A conclusão foi que o Astor passou a fita umasemana e meia e eu passei vinte e quatro semanas.

O público do Marabá não entendia nada de O bandido Giuliano,porque era um estudo sobre um bandido feito por um artista[Francesco Rosi]. Então, caía na gargalhada ou na vaia, semmais nem menos. Eu estava assistindo ao filme lá e me irriteivárias vezes, não era possível ver a fita. O público do Marabáqueria fita de mocinho e bandido.

Fundei o Sindicato dos Distribuidores no Estado de SãoPaulo. O Adamiu [da Paris Filmes] foi meu companheiro. Fuipresidente durante cinco anos. Era eleito até cansar. Ecansei exatamente em 1964, quando começaram muitasmudanças na vida sindical do país. Eu disse: “Já não tenhomais função nenhuma”.

O Picolino era o menor cinema da rua Augusta. A rua tinhacinemas enormes: o Majestic, o Astor, o Paulista. Naquele

federico fellini o sheik branco

francesco rosio bandido giuliano

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tempo, cinema que não chegasse a 800 lugares eraconsiderado pequeno.

O primeiro filme que passou no Belas Artes não era um filmede arte, mas uma comédia, Os russos estão chegando. Nocartaz da fachada, eu fiz o pintor escrever o título do filme comas letras ao contrário: parecia grafia russa. Essa fotografia foipara Moscou e por causa dela recebi um convite para visitar acidade. Eles gostaram demais da piada.

Se você limita a pornochanchada a algumas salas do centrão,muito bem. Mas houve um abuso, e chegaram a pôr apornochanchada, ou o filme ordinário, também nos bairros. Opúblico vai um dia e foge do cinema, cria essa má fama para ocinema. Se você entra para ver um filme da Helena Ramos,alguns vão gostar, mas a maioria vai detestar e vai pensar bemantes de voltar para ver cinema. A programação do Belas Artesfez com que o público nunca se afastasse...

O certo é o distribuidor ser distribuidor e o exibidor, exibidor.Porque, quando confunde, acaba ou prejudicando a exibição oua distribuição - pode ter certeza.O distribuidor, tendo sua sala de exibição, vai querer que opúblico engula tudo o que ele importa por mais tempo possível.Então é o público que sai prejudicado.

Antes de ser arrendado para a Haway, eu tinha projetado para oCine Paramount duas salas de projeção, um salão restaurante,uma cervejaria, uma biblioteca, uma sala de exposições. Davaperfeitamente para fazer tudo isso e seria um projeto muitobonito. Mas aí o homem que iria alugar - o frei Ballestero, reitorda Faculdade de Bragança - acabou morrendo e os outros nãose interessaram.

Está no programa da Gaumont [empresa que comprou o BelasArtes em 1983] criar os conglomerados de salas; de cada

grande cinema criar quatro, cinco, até seis salas. É a políticaque ela segue na Europa. Começou na França e agora tambémna Itália, onde a Gaumont tem praticamente a exclusividade deexibição, além da França. A fita de sucesso que estrear numasala de 500, 600 lugares sempre terá uma sala de 150, 100lugares para permanecer mais tempo. O projeto é manterfuncionando, dentro dos conglomerados que tiverem quatrosalas para cima, uma sala funcionando como cinemateca, paraa revisão de fitas importantes. Vai ter sempre uma salapequena para você dizer: “Puxa, dez anos atrás queria ver; nãovi, vou ver hoje”.

Não concordo com uma porção de atitudes da maioria dosexibidores nacionais. O exibidor acha que só vai ganhardinheiro com filme fácil. Eles são responsáveis peloafastamento de uma parte do público. Então, como eu gosto dopúblico de cinema, eu prefiro me afastar dos outros e fazer oque penso.

norman jewisonos russos

estão chegando

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Page 14: dante ancona lopez - Centro Cultural São Paulo · espaço bastante rentável, fato que permitiu ao já veterano programador, após oito anos de atividade, a possibilidade de

mostraDante Ancona Lopez,criador do cinema de arte em São Paulo

dia 11, terça-feira16h50UM DIA UM GATO19hCIDADÃO KANE

dia 12, quarta-feira16h10O ÚLTIMO IMPERADOR20hTRENS ESTREITAMENTE VIGIADOS

dia 13, quinta-feira16hO DESTINO BATE À SUA PORTA19hA DOCE VIDA

dia 14, sexta-feira16hZ19hA DOCE VIDA

dia 15, sábado16hOS RUSSOS ESTÃO CHEGANDO18h10ARDIL 2220h15SÉRPICO

dia 16, domingo16hA PEQUENA LOJA DA RUA PRINCIPAL18h10O SOL POR TESTEMUNHA20h10CIDADÃO KANE

dia 18, terça-feira16hA ÚLTIMA SESSÃO DE CINEMA20hCINCO VEZES FAVELA

11 a 23 de fevereiro de 2003sala Lima Barreto, entrada franca

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mike nichols ardil 22

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dia 19, quarta-feira16hZ20hA PEQUENA LOJA DA RUA PRINCIPALdia 20, quinta-feira16hO SOL POR TESTEMUNHA19hO ÚLTIMO IMPERADOR

dia 21, sexta-feira16hUM DIA UM GATO19hA DOCE VIDA

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dia 22, sábado16hSÉRPICO18h15O DESTINO BATE À SUA PORTA20h20OS RUSSOS ESTÃO CHEGANDO

dia 23, domingo16hTRENS ESTREITAMENTE VIGIADOS18hA ÚLTIMA SESSÃO DE CINEMA20hARDIL 22

peter bogdanovich a última sessão de cinema

rené clément o sol por testemunha