209

De Emilio a Ferreiro

Embed Size (px)

Citation preview

  • fffi effi tr m w fmw

    DE ETIIIl|(l A ETIIII,IA

    . Formada em Pedogogio e Cncias Sociols pela pL)C Spo Mestre em Educoao IPUC SP) e Doutoro em Educooo (USp)t Professora titular ncs PUC sP, professoro de pos groduacto do Faculdode Braz Cubos

    e pesqutsodoro do CNPq e do Fapesp

    fireditora scipione

    -{

  • CreditosResponsabi lidade ed itorial

    Heloisa PimentelAssistncia editoral

    Thereza Pozzoli e Mauro AristidesReviso

    Andra Vidal e Claudia VirgilioCoordenao de arte

    Maria do Cu Pires PassuelloProgramao visual de capa

    Jayme LeoCaPa

    Maurco NegroPesquisa iconogrfica

    Edson Rosa, Lourdes Gumares eVanessa Manna

    firlreditora scipione

    Av. Oaviano Alves de Lima, 4 4006.' andar e andar intermedirio Ala "B'

    Freguesia do oCEP 02909-900

    - So Paulo

    - SP

    Caixa Postal 007DIVULGAAO

    Tl (0XX11) 3990-1810VENDAS

    Tel. (0XX11) 3990-1788www.scipione.com br

    e-mail: [email protected] br

    ExpedienteDireo adjunta editoralAurelio Gonalves Filho

    Chefia de revisoMirlam de Carvalho AbesCoordenao geral de arte

    Srgio Yutaka SuwakiEdio de arte

    Didier D. C. Dias de Moraes2007

    tsBN 978 85 262 3830-5

    1. ED|AO5" impresso

    IMPRESSAO E ACABAMENTOYangrcf Grfrcd Edtoru Ltda

    Dadc lntemacionais de Catalogo na Publieo (ClPl(Cmara Brasileira do Livrc, Sf; Bnsil)

    Elias, Marisa Del CioppoDe Emlio a Emilia

    -

    a traietria daalabetizao / Marisa Del Cioppo Elias.

    -

    SoPaulo: Scipione, 2000

    -

    (Pensamento e ao nomagistrio)

    1. Alfabetizao -

    Histria 2. Alfabetizao -Mlodos 3. Educao

    -

    Histria l.Ttulo. ll Sri.

    cDD-372.41 609

    lndice par catlogo sistemtico:1. Alabetzao: Metodologia: Educao:Histri8 372.41609

    t

    --r

  • SUMARIO

    Introduo

    1. Recuperando Rousseau... ., .... Rousseau: ctico do passado e precursor daeducao moderna .... 17A proposta educacional de Rousseau .,. ,. . . 30A educao como processo de vida .. .. .... 50Textos selecionados de Rousseau ... 53

    2. Recuperando Decroly...Decroly e os educadores de sua pocaA proposta pedaggica de DecrolyAs tendncias elementares ,,....,Programas de ensino: busca da unidade do saber. ....Mtodo globalRecapitulandoDecroly e FreinetTextos selecionados de Decroly

    e do pensamento ...A livre expressoMotivao: avida da crianaA sensibilidade do educadorAs fases da escritaEscrita pessoal e livreA aula viva: um sonho a ser realizadoTextos selecionados de Freinet

    4. Recuperando Emilia Ferreiro... .....A proposta pedagg1ca de Emilia Ferreiro . ..Revendo a psicognese da lngua escritaTextos selecionados de Emilia Ferreiro .

    Consideraes finais

    Bibtiograia . ..

    63666869-7)80929597

    l. Recuperando Freinet... ... f 05Proposta pedaggica de Freinet f09Em busca do equilbrio: a escola do trabalho

    tt3tt6tt7t20t24t44t49t54

    r6tr66176L87

    .. 195

    .. 203

    --

  • Cada sculo reinterlreta o pssado de mod,o queeste sirua aos seus prprios fins [. ..] Qualquer que sejao esforo feito para preseruar o seu reclto, os historia-dores no podem libertar-se inteiramente das idiaspreconcebidas mais gerais da poca em que uiuem.

    Quando os tempos so calmos [...J est.o normal-mente satisfeitos com o passtdo [...J Mas nos pero-d.os tempestuosos, quando a uid.a pa.rece sair dosseus esquemas babituais, a.queles que o presented.e scontenta ficam igualmente de sconte nte s com opassado. [...J O Passado uma espcie de tela sobrea qual cada gera.o projeta sua uis,o do futuro e,por tanto tempo quanto a esperana uiua no cora-o dos bontens, as bistrias nouas suced.er-se-o.

    C.lnr BrcruR, t935, p. 168-70.

    4

    --,

  • INTRODUO

    esde fins do sculo XIX, temos assistido ampliao dos movimetos em favor da criana e do

    adolescente, em busca da melhoria das metodologiase/ou didticas.

    De Plato a Montaigne, de Rousseau a Emilia Ferrei-ro, no h doutrina pedaggica totalmente original.Todas proclamam que a misso do homem consiste emrealizar sua essncia. As grandes doutrinas ou tendn-cias pedaggicas surgiram tL histria nos momentosem que se preparavam transformaes profundas naconcepo de homem. Toda doutrina uma antecipa-o do futuro, que procede de uma reviso e renova-o do conceito de homem.

    "Tendncia pedaggica" tomou-se uma expresso damoda, que identifica as idias e os autores de maior influ-ncia sobre o educador no processo de ensinar ou de buscar uma metodologia ppra. "Doutrina" o modo depensar, de proceder. Todas as doutrinas reproduzem par-te de um pensamento anterior, umavez que uma das prin-cipais atribes do processo educativo promoveraapropriao do conhecimento acumulado historicamente.

    Por "tendncia" entende-se a inclinao por pensa-mentos e comportamentos. Filsofos, psiclogos, bi-logos, lingistas, socilogos contribuem para enrique-cer os conhecimentos relativos cincia pedaggica. Ocompromisso potico-pedaggico dos educadores coma democratizao do saber exige que se apropriem dosconhecimentos especficos dessas cincias plra tom rdecises quanto aos contedos e, principalmente, quan-to s finalidades e metodologia de ensinar ou aprender.No se podem Lceitar todas as novidades em natria deeducao. preciso analisar as informaes e teorias,construir um colpo de conhecimentos slido (filosofiae psicologia), para fundamerrtar a prtica pedaggica.

    Aristteles e os gregos, h 2 400 anos, formularamos conceitos de dialtica e aprendizagem. O desenvol-vimento cientfico e a otganizao social dos sculosXIX e )O( tm propiciado condies para o debate so-

    5

    --.-

  • bre o conlsecimento bumano. A epistemologia vemdesafiando os filsofos durante toda a evoluo hist_rica da humanidade. Concepes diversas surgem bus_cando explic-la, chegando-se concluso de que sse conhece o que se compreende; no h conhecimen_to neutro, independente do objeto. O sujeito interagecom o objeto, o analisa, entende e reconstri. para ve-rificat esses pressupostos, revisitamos os tericos comos quais aprendemos os conceitos de homem, mundo,conhecimento, educao e ensino- aprendizagem.

    Se o sujeito histrico, o conhecimento cientficono pode ser algoforma no decorrefniica conbecer, isos objetos pela aLo sobre eles, e com as estrutrrasdisponveis no estgio de maturao psquica em quese encontra o sujeito.

    Para Piaget, o conhecimento acontece pela intera_o que o sujeito desenvolve no processo de sua aosobre o mundo. Considera trs tipos de conhecimen_to: o fisico, o lgico-matemtico e o social.

    O conhecimento fisico obtido pela ao direta doindivduo sobre o objeto da aprendizagem, mediado pe_los esquemas motofes e perceptivos (tocar, chutar, mr_def, puxar, olhar, escutar, etc.). No considerado umverdadeiro conhecimento uma vez que precisa ser expli_cado, ou seja, trabalhado em nvel lgico ou operatrio.

    Isso vai acontecer no conhecimento lgicomatemtico. Logo, esse tipo de conhecimento construdo por meiodas operaes mentais do sujeito sobre os dados obtidosda experincia em relao ao objeto daaprenzagem.

    ou grupos (interao social). No entanto, esse conhecimen_to especfico para.cada culturz ou grupo social.

    Pela explicao que piaget d de conhecimento, suacoTente de pensamento denominada gentico_estru_turalista ou construtivista.

    Epistemologia a teoria do co-nbecimentc;. Em sentido maisrestrito, a doutrina que ternpor objelo o estudo dasformase dos limites das faculdadescognoscitiuas. Abrange o estu-do crtico dos princpios, d.tsltipteses e dos resultados clasdiferentes cincias.

    6

    _-

  • ,-

    fs

    n

    '.sst-

    's,s

    bora seja o mais conhecido entre os construtivistas e pormtos tido como o fundador dessa tendncia pedaggi-cz-, no o mais avanado, um vez que vincula o proces-so de apren dizagem ao desenvolvimento biopsicogenti-co do sujeito.'Wallon, Vygotskye outros soviticos, comoLeontiev e Luria, fizetam avanar o construtivismo mos-trando que no processo de aptendizagem participam tam-bm, alm dos aspectos biolgico e psicolgico, descri-tos por Piaget, o contexto histrico, potico e social decada indMduo. Para eles, o conhecimento deve sef com-preendido como pfocesso em movimento e mudana.s mudanas sociais e materiais geram mudanas na cos-cincia do homem. um novo enfoque dado ao constru-tivismo, pois, enquanto Piaget descreve os estgios uni-versais, os soviticos os estudam como produto do pro-cesso de desenvolvimento humano, ligado histria indi-vidual e social. A criana desenvolve sua lgica pela inte-rao social, auxiliadapelos sujeitos com os quais convive.

    O conhecimento mostra-se intimamente ligado s con-dies sociais em transfomao e aos substratos biolgi-cos do comportamento, responsveis pela unidadedialtica de cada estgio do desenvolvimento. Embora aintuio concola para o conhecimento, este antes re-sultado da elaborao pessoal, deivada de nossas experi-ncias: do que lemos, vemos, ouvimos, tocamos.

    em busca da modificao da prpia prtica [.. .] o es-foro do homem para compreender a realidade ondeest inserido, transformando-a a plrtir do prprio tra-

    GRAMSCI, in GRISONI &MAGGTORT, 1973, p. 327.

    balho, dando-lhe sentido e significado"O conhecimento no esttico, mas vivo e dinmi

    co, um fazer e fazer-se que s se transforma em saberquando, antes, passa pela compreenso. A compreen-so permite ao sentir tornar-se saber e ao saber tornar-

    HUBERT, 1916,p.j10,tradies, de inovaes e de reaes contra atradioque no pode ser alcanado pelo esprito seno luzdo conhecimento histrico".

    Voltamos no tempo para rever a lio d.e coisa.s e d.ecincia.s do mundo de ontem. Era importante conhe-cer como essas informaes ligavam-se nossa forma-o eprtica docente e perspectiva psicogentica deaprendizagem da leitura e da escrita.

    7

  • Nas dcadas de 5O e 60, em que se deu a nossa forma-o no que hoie o ensino fundamental e mdio (napoca, primrio, ginsio e colegial), a concepao pre-dominante era transmitir criana ma cultura legti-ma,pr-sistematizada e homogeneizada, em que somen-te os mais aptos tinham sucesso. Tal prtica no nosimpediu de ousar, de fugir regra e no aceitar as recei-tas daarigl Escola Normal, pois no vamos nelas sen-tido. Sabamos que os conhecimentos tericos eram im-portantes mas tambm que era preciso question-los.

    Procuramos a coerncia entre a teona e a pt^tica plracriar estratgias prprias de interveno pedaggica. Asleituras apontlvam a necessidade de observar melhornossos alunos. Disso veio a compreenso de que, viven-do no campo e desde muito cedo ajudando os pais nalavoura, nossos alunos da Escola Mista do Bairro NovoOriente, zona rural de Mirante do Paranapanema, SoPaulo, 1964, ttnlnm muito contato com a natrreza.Yiamas coisas, os animais, e formulavam hipteses sobre suarealidade muito antes de ftemparaa escola. No espera-vam esta pata se alabetizar, embora nela fossem buscarinformaes sobre o cdigo escrito, do qual os estmu-los eram bastante escassos em seu contexto.

    Como pretender ser a nica a ensinar? Qual a me-lhor estratgiapan ensinar a leitura e a escrita a quemj^ tinlra. uma riqussima leitura de mundo? Como im-por uma cartilha se nenhuma das que conhecamosfaziaparte daquele contexto social e econmico?

    ..Aleituradomundoprecedealeituradapa|awa|...] de ser cla escrita. Da a importnciados estmulos e da pacincia, de esperar a criana ca-minhar nO prprio ritmo: "[...] no basta partir muito ..-:t :I?EL\\ET, t977et, i t9-22cedo e atoda velocidade. O importante o ponto clechegada e o estado da criana nessa chegada. [. . . ] Notentaremos dotar os passarinhos de asas fictcias paraos pr demasiado cedo fora do ninho. Derxaremos pa-cientemente que as penas cfesam e se desenvolvam,certos de que o vo h de chegar sem falta, no mo-mento deseiado, natural e forte".

    128

  • No se tatlde inventar a tcnica da escrita, mas dereinuent-la, imitando a forma estabelecida e impostapelo meio. A criana que deu um grito, ao perceber asua repercusso no ambiente, vai querer repeti-lo. Nosabe ainda como faz-lo, porm importante afirmar oseu poder e alcanar o domnio fisiolgico desse xi-to. Seus desenhos so um meio de ao sobre o meio.Da mesma foma, ela executa o seu primeiro grafismo,depois vai repeti-lo e tparecer.o traos retos, sobre-postos e circulares, que gradualmente iro se compli-cando com a introduo de linhas quebradas. Para

    FRETNET, 1 977b, p.4O-3.orientar o seu uso no sentido de formas que represen-tam j um comeo de diferenciao".

    Bruno, aos 2 anos e 3 meses. Dotninique, aos 2 anos e 4 meses."Os traos, inicialmente d.ireitos, sobrepostos ou TnesTno circulares, complicam-se grad,ualrnente coma intrc,tduo cle linbas quebradas." (FREINET, 1977b, p,40)

    Mariette, aos 2 anos e 4 meses.'A criana, irritclda por ter fei-to riscos circulares, esboacom gestos mais bruscos tra-os ang;ulosog rlscos carregt-d,os e, porfim,fatigacla, acabapor d,ar grand,es pancadascom o bico d.o lpis."(FREINET, 1977b, p.4t)

    129

  • Nascem pontos e manchas que antes no existiam. um novo triunfo, um tfiunfo mais especializado, quea cnana vai procurar reproduzir mecanicamente atdominar. Repete grafismos, diferenciando-os em mui-tos outros elementos, agora tambm justapostos. Aosriscos arredondados acrescenta pontos e manchas, damesma forma que acrescentaro grito aos gestos. oincio da segunda fase da escrita, oufase do grafismodife re n ci ado e/ ou j ustap o sto.

    Desde os primeiros desenhos o! garaturjas das crian-as, "aparecem sinais diferentes do desenbo que a cri-ana interpreta como sinais escritos. Estas primeirasformas da 'escrita' podem estar ligadas ou separadas.Podem ou no acompanhar desenhos". Freinet refere-se ilustrao a seguir.

    O primeiro contato da criana com a lngua escrita pelo seu prpno norne, que aprofessora escfeve nos seusdesenhos, no seu estojo, na sua mesa, etc. e que a cflanaconsegue reconhecer. "V-lacmos segtdamente utilizarcertos elementos-letras desse nome pafa 'escrever', em-pregando simultaneamente os sinais primitivos. "

    Leonel (4 anos) copia o nome, aps ter tentado escre-v-lo sozinho, utilizando certas letras desse nome

    -

    Z,e, n, I e outras (p)

    -

    e, simultaneamente, sinais grfi-cos pessoais para. dar os parabns me.

    130

    T

  • php

    ;"r) -4-/-P1o.u.r"n";,il ion'1 it r-fl

    Irarabns,

    Leonel, aos 4 anos. Escrita a partir das letras do nome.

    Bal tambm ape do pon_to de vista grfico explica_o. Esse grafismo unfo, seo adulto ou as outras crianas lhe derem importncia.

    Uryno: aos2anose4meses. ,i, Mariette,aos2 anose 5 meses. IA repetio do grafismo conseguido e mais especializado ctutomatiza-se.A criana conquistou umnouo patamara criana esora-se para reproduzir a mancbct negra no meo dos rabiscos, uitriaque na figurct se traduz por pequenos graismos isorados." (rnntt r"nr, 1g77b, p. 4-3)

    Na fase anterior, a cfiana ainda n,o havia tentado

    nas figuras a seguir, nas quais Nicole e Mariette procu_ram interpretar os prprios grafismos.

    13t

    --

  • rma maca

    o medalboda

    mamae

    Nicole (aos 2 anos e 5 meses),em cumplicidade com o primoAlain, distngue no desenhouma ma. e umaflor(FRETNET, 1977b, p. 44)

    Na tentatiua d.e interpretar omesmo desenbo, cctmo na fi-guret anteriof Mariette distin-gue sobre o papel: unx sol, bis-coitos, a lua, o med,albo damame e at o coraio daJlor(FRETNET, 1977b, p.45)

    132

  • O reconhecimento sincrtico e sensvel do conte-do do texto a nica razo de ser da leitura. De incioa ciana "l" as palavras que escfeve, Ltma vez que sescreve aqlo que compreende. Depois, por tentati-vas, vai penetrando cadavez mais no reconhecimentodos sinais que, mudos ou verbalizados, constituiro averdadeira leitura, como dois processos simultneos.

    Primeiro, a ctia;nafamiliariza-se com o valor, o sen-tido e a figura psquica das palavtas. Para Freinet, "a

    FREINET, 1 977a., p. 1 33.perimental so o escalo prvio do qual decorrero anpidez e a segurana das aqsies ulteriores".

    Diferentemente do aptendizado da leitura em carti-lhas, que reduzem os exerccios a sries de palavrasdescontextualizadas e que no levam em conta o es-plendor das conquistas vivas das crianas, pelo mto-do natural de leitura a criana comea lendo as prpri-as palavtas que escreve.

    O mesmo acontece com o desenho e a escrita: a cri-ana que vlve em um ambiente estimulante

    -

    em quev o adulto escrever e desenhar, dispe de lpis e pa-pel, convive com adultos quevalotizam suas primeirasprodues

    -

    experimenta com mais intensidade o xi-to. Ela vai querer se apoderar desse instrumento socialmais rapidamente, primeiro como meio de ao sobreo ambiente e, depois, como forma de expresso.

    A criana que convive com a escrita e que encontradesenhos por toda parte (em jornais, revistas, annci-os, embalagens) vai querer escrever e/ou desenhar.Cabe ao professor criar, nL sala de aula, um clima favo-rvel ecloso e ao desenvolvimento da escrita e dodesenho infantil. Bal passa a imitar Freinet na leitura ena escrita, embora no tenha ainda qualquer idia dasignificao da leitura e do que a escrita representa.

    FREINET, 1977a, p. 9J-8.ta realmente que aqueles que lem decifram no papelaquilo que est nele, tal como ela l nos desenhos oque est no seu prprio pensamento e apenas isso [...]Bal v-me escrever com uma grande facilidade, comose eu fizesse uma coisa natural. Tal como para a leitu-ra, isso no a surpreende. Uma vez que to fcil ler,certamente no mais dificil escrever [...] Bal chegoulrgora a uma etapa nova: na sua pgina existe, por umlado, o desenho e, por outro, um texto manuscrito que

    133

  • o complemento necessrio paraa explicao narrati-va do desenho ou que talvez no seia mais que um en-saio que vai aperfeioando na imitao de uma tcnicaa que o adulto ostensivamente d grande importncia."

    Bal imita Freinet: ao terminara p,gina, assina e sublinba,

    N,,

    r-irr

    JO

    134

  • O exemplo, diz Freinet, muito importante, pois.se a criana tem a tendncia de imitar o adulto ao que-rer inserir uma ao exterior no processo de sua pr-pria tentativa, porque v nisso uma finalidade. Elecompara essas duas primeiras fases com o treinar apegar no arco e a fazer geyner As cordas d.o uiolino:enquanto no dominar a tcnica do grafismo, a crianaavana pof tentativas, ajustando lentamente as suas ex-perincias, repetindo os xitos conseguidos. E, nova-mente, exemplifica com um desenho de Bal: observa

    FREINET, 1 977b, p. 45.carta que o pai escreve av6: um pato, o automvel, aflor, etc. Mas toma conscincia da escrita adulta, dasua rapidez e dos seus sinais dispostos em linhas. As-sim, na cata av sente necessidade de reforar a suaaquisio grfica com a imitao da escrita, um meiode expresso at ento desconhecido".

    Desenbo cle Bal aos J a.ruts e 1O meses.O processo empregaclopara o desenbo transere-se agora para a escrita.

    ;Trr

    +

    135

  • Se o ambiente favorecer ^tentativa

    experimental dacriana, mais rapidamente ela avanat na escrita eentender o que e o que representa.

    Ao assinar seu desenho, Bal usa o mesmo princpiodos grafismos conseguidos e escreve duas vezes o mes-mo motivo, grifando-os. Posteriormente, essa escrita repetida e se diferencia totalmente do desenho, comose pode ver a seguir.

    ll,l,..I rt .-r r \\.\

    \i,, l:

    - d-t;*. - | ', .

    l'--

    '.. '

    rr

    )\

    )

    l'JAlvl"'(,ts

    1

    Diferenciaao cla escrita, apoio para nottas conquistas.

    136

    +

  • A$L"t'1,rr4t-

    _*4+u:Escrita autnom a, diferenciando-se clo desenbo.

    Seus caracteres aproximam-se mais das letras con-vencionais, configurando uma nova fase, que Freinet

    FREINET, 1977a,p. 1o1.ro sinal diferenciad o: a cruz que imita o t. um primeiro triunfo de uma reproduo fcil e simples, mas nodeixa de ser para a criana uma conquista definitiva,um degrau vencido que servir de ponto de apoio paraas outras conquistas. Observa-se tambm um regressoao desenho justaposto e sobreposto com texto com-pletar a pgrna. Aparecimento do e ou L AIm dos edos /, os o ou a diferenciam-se lentamente".

    Na figura que ilustra a escrita autnoma, alm dossinais j citados, h disposio sinttica do texto, comttulo e assinatura (sublinhados). o alvorecer da ver-dadeira escrita.

    Quando acontece essa libertao, assegura Freinet,FREINET, 1977r, p. 1 03.

    dessa separao, para que a evoluo prossiga, ne-cessrio que intervenha um elemento novo sem o quala e scrita no teria nzo de ser. [. . . ] O texto manuscri-to entregue sua prpria sorte no mais que um ra-biscar sem significao intuitiva nem beleza atfaente.S ganha o seu valor pela sua funo de instrumento,de intrprete pata exprimir um desejo, um pensamen-to ou uma ordem".

    Enquanto o desenho pode bastar-se a si mesmo, pro-duzir beleza, vida, cores, o texto precisa ter a funode um instrumento ao qual aquele que escreve sente odesejo de recorrer. A escola tradicional no descobriu

    137

  • essa motivao e, pof isso, impe um ensino de foraou pelo constfangimento. Se antigamente a escrita erapouco utilizada, porque o homem nada tinha a dizerpara colesponder-se com outros homens afastados. Emnosso sculo, as descobertas e a intensificao dos des-locamentos humanos totnaram mais e mais necessriaalatllizao de meios de comunicao a. distncia

    -

    e

    a escola pernaneceu, timidamente, no estgio primiti-vo, sem motivar pmaa escrita.

    Hoie, as crianas e familiares recebem cartas comfotografias, convivem com mtos escritos, percebemarazo da escrita e da leitura. Isso ainda mais acentu-ado nos lares onde elas so expostas freqentemente aatos de leitura e escrita. Freinet criou em sua sala deaula um ambiente semelhante ao das crianas da classema, introduzindo nela o jornal escolar e a corres.pondncia interescolar, reproduzindo o mesmo ambi-ente que Bal vivenciava em sua casa. Escrevendo mui-tas vezes e em presena da, filha, correspondendo-secom parentes distantes, ele v que a menina tambmsente vontade de escreve para a madrinha, pataaavou para as primas. os 4 anos e 3 meses, Bal comea aescrever as suas primeiras catas independentes dodesenho, iniciando a,utillzao dos sinais grficos con-vencionais, embora sem valor sonofo ou qualquer di-ferenciao progressiva e global do conjunto grfico.

    ci.

    rro

    r

    t%-!-0q-a-e-\

    'Ae9-''Bal, com 4 anos e J meses, escreue prin a. O documento mos-tra.progresso na escrita:linbas quase regulares, ma.rgen, uso desinais conuencionais da escrtta (t, o, a, e, l).

    138

  • t-

    7, la,ltPa j 1,onPc5l LwrLALtt ?A:, Ah nrL Ko.nno,n

    BrJ'rlrJeiu"Bal copia para adquir o clom-nio da tcnica."(FREINET, 1 977a, p, I 07)

    FREINET,1977a,p.107.

    A menina passa a perceber que h regras e formasfixas a imitar. J escreve o prprio nome e os das pes-soas queridas, comeando a relacionar o som gtafia.O sentido da escrita, como aligao entre a lingttafala-da e a escrita, e st descoberto e j aparcce o entendi-mento da conveno (emprego de letras e nmeros).No h mais mistura entre o desenho e a escrita.

    Comea a quarta fase da escrita e somente nela,diz Freinet, que a criana vai se interessar pelo textoredigido em comum na sala e tentar reproduzi-lo: "Co-pia algumas letras ou palavras de um livro ou de umjornal. Aplica-se durante alguns dias a reproduzir n-meros que so sinais nitidamente separados, de umaforma mais geomtrica e menos caprichosa do que asletras. Vamos assistir primeiro evoluo destes 'exef-ccios' espontneos ou, antes, continuados, no comoobrigao, mas sob o impulso das necessidades nasci-das da nossa poderosa motivao".

    ctfzy wl vo

    "Bal experimenta o seu domnio, utilizando sinais em cujo tra-ado triunfou anteriormente." (FREINET, 1977a, p. lOB)

    139

  • Os sinais, longe de serem rgidos e quebrados comonuma escrita de base analitica, so geis e ligados, for-mando uma espcie de harmonia sinttica. S aps atin-gir o domnio da tcnica, a cnana comea a estabele-cer relao entre o grafismo das palavras e apalavra oralou o pensamento. Percebe que as letras e as slabas sosinais, grafias de sons que ela pronuncia ao falat e que,associados ou combinados, permitem traduzir grafica-mente, escreuer as suas palavras e as suas frases. Duran-te muito tempo, a criana utiliza essa conquista parapra funcionar o novo instrumento adquirido, nomeandodesenhos, escrevendo os nomes prprios de familiares:papai, mame, vov, Max, Germaine, Ded... Essas pa-lavras conhecidas so como que o eixo para todos osgrafismos. Comeam os pedidos de referncia profes-sofa e a sua utilizao em frases e expresses. Numaclasse Freinet, os textos das crianas so afixados e, de-pois de impressos, constituem o livro davida da sala deaula...[...]aidentificaodapalawacomoobjeto,acom- sentados de forma esquemtica:1. A escola (como instituio) deve apresentar alin-

    gua escrita plra a. criana, como um objeto sobreo qual pode atuar, sem a preocupao inicial comdetalhes.

    2. O importante a crnna saber que as letfas, comounidades dalingua, no possuem forma fixa, cadauma se define em funo das outras,com diferentesobietivos e variaes pata suv identificao;a escri-ta, tal como alingua oral, evolui; as nofmas ottogr-ficas so convenes necessrias para uma comuni-cao a distncia, entre falantes da mesmalingua.

    3. A escrita deve ser apresentada ctiana como oproduto de uma prtica histrica, um poderoso

    167

  • 4instrumento nas aes sociais, e no como umobjeto em si, importante dentro da escola, quasesactalizado.Deve ser feitaa distino (no apenas terminol-gica) entre sistema de codificao e de represen-tao,um vez que, ao pensar sobre a escrita, acriana procura compreender a natureza dessesistema simblico de representao e levanta hi-pteses sobre ele, buscando, basicamente, enten-der "o que a escrita repfesenta e como se estrutu-ra esta forma de representao. A inveno daescrita foi um processo histrico de construode um sistema de representao, no um proces-so de codificao".Deve-se considerar que muitas crianas chegam escola sabendo para que serve a escrita, poistiveram oportunidades de interagir com ela, e ter-minam sua alfabetiza.o inicial com sucesso.Ou-tras, porm, justamente as que mais necessitamda escola para se apropriar da escrita ou de infor-maes sobre suas funes na sociedade, so vti-mas de mtodos, manuais ou progfamas aindaapegados concepo de que s se aprende algopor meio de repetio, memorizao, cpia demodelos de escrita ou mecanizao.Interpretar as escritas infantis um longo apren-dizado,qlle requer uma atitude terica definida."Se pensarmos que as crianas so seres que ig-noram que devem pedir permisso para comeafa aprender, talvez comecemos a aceitar que po-dem saber, embora no tenha sido dada a elas aattorizao institucional para tanto."

    A escrita pode ser concebidade duas formas: como trans-crio grfica d.e unida.d.es so-noras ou como uma represen-tao da linguagem. No casoda coclificao, tanto os ele-mentos como as relaes j.esto preclcterminados; o nouocodigo no fuz seno encon-trar uma representao dtk-rente para os mesmos elemen-tos e as mesmas relaes.No caso cla criao de umct re-presentao, nem os elemenlosnen as relaes esto delermi-nados. A construo de um sis-tema de representao enttctl-ue um processct de cliferencia-o dos elem.entos e relaes re-conbecidos ou objeto a serapresentado e uma seleo d.a-queles elementos e relaes quesero retidos nr. represenlao.Se ct aprendizagem da escrita concebida como um cdigode transcrio, sua aprendiza-gem entcnclida como umatcnica ; se for " conce b ida. cont oarr sisteme dc reprcsentao,sua aprencl.izagem se conuertena apropriaio de unt nouooltieto de cortbecintento, ouse.ia, crtt tutta aLptendizagemconceitual". (FERREIRO, I 985,p. 12-6)

    5.

    6

    7

    8

    Para entender o processo construtivo da criana, oeducadorprecisa..cotejarumasriedeproduesgia recebeu grande influnciad,o empirismo comportamen-ta.lstct (bebauiorismo) e d.crassociacionismo (em razodos conclicionamentos e das as-s o ci a e s e s tmulo-re sp o s ta).

    Por meio de seus numerosos livros e artigos, EmiliaFerreiro permite-nos conhecer as concluses a que temchegado utilizando como informao bsica as desco-bertas sobfe a psicognese da lngua escrita, tanto nacfiana como no adulto. Esses escritos contribuemparlo aprofundamento de pontos fundamentais do cons-trutivismo e do processo de alfabetizao. Embora noseja nosso objetivo discutir o construtivismo, sabemosque o pensamento ocidental modefno, marcado desdeRousseau pelo conflito entre o racionalismo e oempirismo, vem sendo revitalizado com as teorias deconhecimento de origem construtivista. Mencionare-mos alguns pontos necessrios para um melhor enten-dimento da psicognese da lngua escfita e dos proces-sos de aprendizagem.

    175

  • REVENDo A psrcocnrssn DALINGUA ESCRITA

    No sculo XVIII, Rousseau j percebera o erro dasfilosofias da poca que analisavam

    ^penas, na consti-tuio do conhecimento, o papel do sujeito (no casodo racionalismo) ou do objeto (no caso do empirismo).Em seu tratado sobre educao, deixa claro que noconcorda com nenhum dos dois reducionismos (queconsideram o conhecimento em funo de um dos ele-mentos da relao sujeito/objero). Incofporando apro-posta de educao para Emlio, antecipa Piaget, quan-do afirma que o conhecimento deve-se dar na rrJraoentre o sujeito e o objeto e por meio dela. Se fetroce-dermos no tempo para acompanlrrar um pouco mais dadiscusso sobre a construo do conhecimento (o que fundamental pra entender o construtivismo), vere-mos que as idias de Rousseau de que o sujeito recebeas impresses do mundo exterior (sensaes) e devetrabalh-las para chegar aos conceitos (que do formaaos objetos) foram retiradas de Kant. Este, por sua vez,tentou casar as duas vises dspares do conhecimento:a viso de que a anlise lgica das aes e objetos con-duz ao aumento do conhecimento e a viso de que aexperincia individual de algum gera novo conheci-mento.PataKant,..conhecerdarformaaumamat-