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Serrão
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De Pombal ao Pombalismo
José Vicente Serrão
Ao tratar do marquês de Pombal, torna-se conveniente dissociar aquilo que lhe diz
respeito enquanto individualidade histórica singular – o que se observará na
primeira parte – daquilo que se relaciona com a praxis e os propósitos políticos da
chamada “administração pombalina”, da qual ele foi o principal mas não o único
responsável – disso se ocupa a segunda parte deste texto.
1. Pombal – o homem e o estadista
Tendo em conta que o maior interesse de Sebastião José de Carvalho e Melo em
termos históricos se prende com a sua acção governativa durante o reinado josefino
(1750-1777), é legítimo considerar a existência de três fases principais na sua vida,
estabelecidas em função daquele período. A primeira fase corresponde ao período
anterior a 1750, e ficou especialmente marcada por uma experiencia diplomática
que, iniciada em 1738 e repartida em duas enviaturas, o levou como embaixador do
Rei Magnânimo às cortes britânica (1738-1743) e austríaca (1745-1749). Ao ser
enviado para Londres, Sebastião José levava instruções no sentido de observar e
informar sobre as razões do crescimento económico inglês e de procurar contrariar,
nomeadamente através de uma renegociação dos tratados, a tendência para o
agravamento da posição portuguesa nas relações económicas com aquele pais. A
tarefa, no que respeitava ao segundo dos objectivos, era bastante ingrata, e
Carvalho acabaria por regressar de Londres com êxitos pouco mais que pontuais e
insignificantes. Volvido pouco tempo, tornaria a partir, desta feita rumo a Viena, com
a missão de oferecer os préstimos mediadores de D. João V no diferendo que
opunha o Imperador Habsburgo e a Santa Sé. Mais uma missão ingrata e de difícil
sucesso, dado que rapidamente se confirmou o desinteresse de ambas as partes em
tal mediação.
Fazendo o balanço desta dupla experiencia diplomática, é notório que, em termos
diplomáticos propriamente ditos, o seu sucesso foi praticamente nulo. Mas, em
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contrapartida, ela foi de importância nuclear no tocante à formação intelectual e
política do futuro estadista. Com efeito, para cumprir as missões que lhe estavam
confiadas, Sebastião José viu-se obrigado a ser um observador atento das realidades
em que estava inserido e das respectivas práticas governativas, principalmente nos
planos da economia, da organização política e das relações político-militares
internacionais, a reflectir cuidadosamente sobre elas e a estudar a sua
fundamentação teórica e doutrinaria, para o que foi obrigado, neste caso, a recorrer
à literatura especializada da época. Teve, assim, o ensejo de adquirir um capital de
conhecimentos que dificilmente poderia obter se nunca tivesse saído de Portugal.
Os contributos trazidos à formação de Pombal pelas suas estadas europeias não
deveriam, em rigor, ser compartimentados por países. Mas, para simplificar, pode
dizer-se que a enviatura inglesa se repercutiu principalmente ao nível da modelação
do seu ideário económico, permitindo-lhe tomar conhecimento das doutrinas
políticas e económicas então predominantes nos principais estados europeus (o
mercantilismo, nas suas diversas variantes) e levando-o a adquirir uma melhor
consciência não só das bases da progressiva economia britânica, como dos
fundamentos e das características da relação de dominação económica que aquele
pais mantinha com Portugal. A necessidade de justificar juridicamente as
reivindicações portuguesas levou-o, por outro lado, a entrar em contacto com as
correntes do direito então em voga, com destaque para algumas das
fundamentações jusnaturalistas.
Por seu turno, e continuando num propósito simplificador, a experiência austríaca
terá contribuído sobretudo para a formação do seu ideário político, quer na medida
em que lhe permitiu observar directamente uma experiencia política muito marcada
pelo absolutismo iluminado e por concepções regalistas, quer porque pôde tomar
consciência da natureza e dos métodos de acção do poder pontifício, quer ainda
porque adquiriu um conhecimento mais aprofundado da trama complexa das
relações internacionais e do quadro de alianças mais favorável a Portugal.
Para além de tudo isto, a permanência de quase onze anos no estrangeiro deu-lhe a
oportunidade de observar do lado de fora o caso português e, assim, de o relativizar
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face aos níveis de desenvolvimento das outras nações, o que permitiu a Carvalho e
Melo tomar consciência do desfasamento e do atraso do seu pais, sobretudo nos
planos económico, social e ideológico. Quando, em 1749, Pombal regressa a
Portugal, vem munido de um instrumental de normas e princípios de interpretação
da realidade portuguesa e internacional e de um conjunto de propósitos de
intervenção sobre a primeira. Reside aí o substrato doutrinário e programático sobre
o qual assentaria posteriormente a sua acção política a frente do gabinete Josefino.
Pode, assim, dizer-se que é nesta fase que se processa, quanto ao essencial, a
formação política e intelectual do futuro ministro, que se vão definindo e
construindo as bases de um projecto governativo, e que se assiste à rápida ascensão
de Carvalho e Melo nos meios culturais, cortesãos, diplomáticos e políticos da época.
Em 1750, com a subida ao poder de D. José I, Carvalho e Melo é nomeado Secretário
de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, iniciando assim uma segunda fase
da sua vida, a da governação. Esta nomeação (cuja possibilidade já tinha sido
aventada em 1736 pelo próprio D. João V) ocorreu num contexto de lutas acérrimas
pelo poder e beneficiou certamente de poderosos apoios dentro da corte. O novel
ministro rapidamente se destacou no seio do gabinete, mas foi só na sequência do
terramoto de 1755 que assumiu claramente a sua liderança. Depressa desencadeou
um violento ataque aos seus opositores políticos e afirmou-se decidido a dar curso a
um movimento de reorganização do aparelho de Estado e de reforço dos poderes
régio e do Estado, à cabeça do qual se consolidou.
Sebastião José (titulado conde de Oeiras em 1759 e marquês de Pombal em 1769)
era um verdadeiro estadista, dotado de inteligência, de perspicácia política e de uma
extraordinária capacidade de trabalho, como testemunha o impressionante volume
de cartas, ofícios, pareceres e decisões que produzia e tomava quotidianamente.
Essas qualidades permitiram-lhe conservar-se no poder durante vinte e sete anos
consecutivos, dispondo da inteira confiança do rei, que nele procedeu a uma quase
total delegação de poderes efectivos.
Aos poucos, foi dominando e controlando todos os cargos estratégicos no exercício
do poder. Nuns casos, ocupou-os pessoalmente. De acordo com uma listagem feita
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pelo próprio, ele foi primeiro-ministro, Secretário de Estado dos Negócios do Reino,
Inspector e Presidente do Erário Régio, dos Contratos da Mineração e Extracção dos
Diamantes, do Comercio Geral do Reino e Domínios, do Estabelecimento das
Manufacturas e Fabricas, da Reedificação da Cidade de Lisboa, e ainda lugar-tenente
do rei no Estabelecimento da Universidade de Coimbra. Noutros casos, procedeu ao
seu provimento em pessoas da sua confiança, varias das quais seus familiares
directos. Aliás, a constituição de uma entourage política – recrutada nos mais
diversos sectores da sociedade e colocada nos vários níveis da administração, por
todo o Reino e Império, e nos empreendimentos económicos protegidos ou
dependentes do Estado – foi uma preocupação constante de Pombal, que via aí não
só a forma de se consolidar no poder, como a de o centralizar.
Igual esforço empregou na preparação da sua sucessão política, projectada desde
muito cedo em Seabra da Silva, mas subitamente frustrada poucos anos antes do seu
próprio desaparecimento político. Este ocorreu em Março de 1777, na sequência da
morte do rei que lhe tinha dado toda a protecção. Começa então aquela que
podemos considerar a terceira (e ultima) fase da sua vida. Exilado na vila de Pombal,
é então alvo de uma feroz ofensiva política, movida pelos novos dirigentes, seus
inimigos. Procura defender-se, fazendo a apologia da sua obra governativa, mas
remetendo as responsabilidades para o rei defunto. Processado, interrogado
durante longos meses, acabaria por ser condenado em 1781, simbolicamente, a
permanecer «fora da corte na distância de vinte léguas». A sentença traduzia um
compromisso entre os mais ostensivos inimigos de Pombal e alguns dos seus antigos
colaboradores e protegidos, que ainda permaneciam junto do poder e que, de resto,
assegurariam a sua descendência política. Alguns meses mais tarde (8 de Maio de
1782), ao fim de prolongada e grave doença, o marquês morria em Pombal.
2. O Pombalismo
Pombalismo é um conceito de aparecimento recente na historiografia portuguesa
que está ainda, por assim dizer, à espera da sua própria conceptualização. Aqui se
procurará tratar a história da sua utilização, propor uma definição do seu significado
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e expor as principais características do seu conteúdo histórico concreto. A primeira
utilização da palavra, salvo qualquer omissão, parece datar de 1961, inserida num
estudo de Silva Dias (Seiscentismo e Renovação em Portugal no Século XVIII). Desde
então, foi sendo amiúde utilizada e nos últimos anos parece mesmo ter-se tomado
um componente obrigatório do vocabulário da historiografia mais dedicada ao
século XVIII português e, em especial, da que se interessa pelo período pombalino.
Contudo, é manifesta a despreocupação dos seus utilizadores em relação a uma
conceptualização explícita do termo, pelo que é possível encontrá-lo referido nas
mais diversas acepções. Toma-se, assim, urgente avançar no sentido de uma
definição, e não só porque a utilização da palavra começa a atingir proporções que
justificam a sua elucidação conceptual, como porque a definição desse conceito
parece poder revestir-se de virtualidades analíticas e explicativas adicionais.
O Pombalismo pode considerar-se como significando um fenómeno ocorrente na
segunda metade do século XVIII português, que se traduziu na ideação e consecução
de um projecto/movimento reformador, de incidência praticamente global,
empreendido por um conjunto de homens, na sua maioria ligados ao Estado e
referenciáveis à figura do marquês de Pombal.
Desde logo, o Pombalismo não pode ser entendido se desligado daquilo que, em
grande medida – embora (e categoricamente) não só –, representa: a expressão do
culminar de um processo de crescimento e complexização do Estado, assim como da
emergência, ou melhor, da afirmação de um grupo social identificado com ele. Com
efeito, durante o reinado josefino assiste-se à reestruturação e racionalização do
aparelho de Estado, e à sua frente vemos surgir um grupo consideravelmente
homogéneo do ponto de vista político, ideológico e mesmo socioprofissional (uma
espécie de elite aristocrática togada, de formação predominantemente jurídica), cuja
acção tende a reforçar o papel do Estado e a afirmá-lo como entidade autónoma e
soberana relativamente ao conjunto da sociedade. Para este grupo, que se pretendia
iluminado, residiria aí a condição primeira do desenvolvimento e da modernização
do País.
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Mas, para além disto (e o que é ainda mais importante), o Pombalismo representou
uma convergência de objectivos entre esse grupo socioprofissional e várias outras
pessoas, oriundas de posicionamentos sociológicos diversificados e ligadas aos mais
variados sectores de actividade. Para estas, tratava-se de se acolitarem sob a
protecção de um Estado forte, como meio de concretizarem os seus objectivos, quer
isso implicasse ou não (e em muitos casos implicou) a sua participação em estruturas
oficiais ou semioficiais.
Uma das principais vantagens que o conceito de Pombalismo, na definição aqui
proposta, pode trazer é dar expressão formal a uma preocupação que tem vindo a
consolidar-se na historiografia pombalina, e que consiste em contrariar a ideia de
uma personalização absoluta das responsabilidades pela governação do período
1750-1777 na figura do marquês de Pombal. Em contrapartida, o conceito exprime a
ideia de uma responsabilidade plural. Traduz a existência de uma rede de pessoas e
de entidades político-institucionais que comungavam de um conjunto de ideias e de
projectos de intervenção convergentes, todas elas, pelo menos quanto ao essencial,
agindo sob a confiança e a protecção política de Pombal, ou procurando desfrutar
das possibilidades abertas pela sua governação.
Nesta medida, a definição do conceito abre novas perspectivas, quer no domínio da
análise, quer no domínio da interpretação e da explicação da conjuntura pombalina.
Mas aponta também várias direcções de estudo. Particularmente interessante seria,
por exemplo, investigar o grupo do Pombalismo: saber quem o compunha, detectar
as suas formas de recrutamento, analisar qual o tipo de solidariedades em que
assentava a sua constituição e funcionamento. A questão é delicada, dado que não
estamos em presença de qualquer grupo com uma composição formal, mas tão-só
informal, aquilo que por vezes se designa como uma “rede clientelar”. O
Pombalismo, recorde-se, foi um movimento, um projecto, e não propriamente uma
estrutura de grupo assente em laços orgânicos, pelo que o critério de identificação
dos seus «membros» terá de se apoiar no facto de serem homens da confiança de
Pombal, seus colaboradores, empenhados no mesmo projecto político, constituindo,
no seu conjunto, uma rede de solidariedades políticas e pessoais, não explícita
enquanto tal, mas efectiva. O recrutamento do pessoal do Pombalismo parece ter-se
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apoiado basicamente nas seguintes «áreas»: gente ligada ao aparelho de Estado; a
família do próprio marquês de Pombal; homens de formação jurídica;
personalidades do corpo diplomático; agentes económicos, sobretudo dedicados ao
grande comércio; alguns religiosos1.
Numa tentativa de identificar com maior precisão a composição do grupo do
Pombalismo e de indicar algumas pistas de investigação, aqui se apontam uns
quantos nomes, dos mais representativos: à cabeça, evidentemente, o marquês de
Pombal, Sebastião José de Carvalho e Melo; os seus dois irmãos, Francisco Xavier de
Mendonça Furtado (governador do estado do Maranhão e depois secretario de
Estado da Marinha e Ultramar) e Paulo de Carvalho Mendonça (inquisidor-geral e
presidente do Senado da Câmara de Lisboa); o seu filho primogénito (também
presidente do Senado); José de Seabra da Silva (coleccionador de cargos
estratégicos, com destaque para os de Procurador da Coroa e Secretário de Estado
Adjunto de Pombal), grande responsável pela obra jurídica do Pombalismo e
projectado sucessor do marquês até ter caído em desgraça em 1774; Aires de Sá e
Melo (diplomata e substituto de Seabra como Secretário de Estado Adjunto); D. Luis
da Cunha Manuel (também diplomata e Secretário de Estado dos Negócios
Estrangeiros); o cardeal da Cunha (um homem muito influente na governação, mas
cuja inclusão nesta lista não está isenta de duvidas); Fr. Manuel do Cenáculo (figura
importante da hierarquia da Igreja, membro de vários organismos criados pelo
Pombalismo e um dos colaboradores mais próximos do marquês); o Padre Antonio
Pereira de Figueiredo, que desempenhou um papel relevante na obra doutrinária e
propagandística do Pombalismo; vários grandes mercadores, com interesses nalguns
dos principais sectores da economia portuguesa e que estiveram ligados aos
organismos oficiais ou semioficiais da área económica (por exemplo, a Junta do
Comercio, o Erário Régio, as companhias comerciais) – os irmãos Cruz, Rodrigues
Bandeira, Braamcamp, Quintela, entre outros; dois homens da Universidade,
Francisco de Lemos Faria e Pascoal de Melo Freire; o grupo de magistrados e
1 A ordem é arbitrária e a tentativa de especificação aqui feita não exclui que vários dos «membros»
do Pombalismo participassem de mais do que uma destas condições.
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jurisconsultos afectos ao Desembargo do Paço, que desempenharam um papel de
máxima importância na actuação do Pombalismo – casos, por exemplo, de José
Ricalde, João Pereira Ramos, Bartolomeu Giraldes, Joao Pacheco Pereira, Serra
Crasbeck, Afonseca Lemos, Cordeiro Pereira. Poder-se-ia acrescentar ainda
substancialmente esta lista, mas tal cairia fora dos propósitos deste trabalho.
Convirá, entretanto, referir que, para além de pessoas, o Pombalismo contou com o
funcionamento de uma serie de organismos oficiais, criados por ele ou não. Estão,
no primeiro caso, a Junta do Comércio, o Erário Régio, o Juízo da Inconfidência, a
Intendência-Geral da Polícia, a Junta das Confirmações Gerais, a Real Mesa Censória
e a Junta da Providencia Literária. Entre aqueles que, fazendo já parte da estrutura
político-administrativa anterior, vieram entretanto a desempenhar um papel nuclear
no Pombalismo, depois de colocados sob controlo de pessoal de confiança, cabe
destacar o Desembargo do Paço, o Juízo da Coroa, os Conselhos Ultramarino e da
Fazenda e o Senado da Câmara de Lisboa.
O Pombalismo – já o dissemos – foi responsável pela criação de uma dinâmica de
mudança, favorável a uma política globalmente reformadora. Resta-nos, pois, tentar
sintetizar (com todas as vantagens e riscos que coexistem nestas tentativas) as suas
principais linhas de acção e de realização. Comecemos pelo plano político, o qual
constitui um dos campos privilegiados de observação do Pombalismo. Já vimos como
este esteve associado, em grande medida, ao crescimento do Estado, à revalorização
do seu estatuto e do seu papel na sociedade e ao reforço do seu poder.
Isso mesmo é evidenciado pelo figurino de organização e funcionamento políticos da
monarquia instituído pelo Pombalismo. Ao proceder à concentração de poderes e de
responsabilidades efectivas na pessoa de um primeiro-ministro (Pombal) que,
situado no topo do aparelho, é o chefe do Estado, e ao remeter o monarca para um
papel quase exclusivamente honorífico, concretiza-se, na pratica, uma sobreposição
do poder do Estado (encarado como entidade autónoma) em relação ao poder do
Príncipe, a despeito da absolutização teórica deste. Evidentemente, trata-se de uma
sobreposição informal, e não formal. Neste contexto, a afirmação, como teoria do
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poder, do absolutismo jusdivinista serve, afinal, de cobertura ao alargamento
máximo possível dos poderes do Estado.
No seu esforço de afirmação política e institucional do Estado e do seu grupo
dirigente, o Pombalismo teve necessariamente de se confrontar com obstáculos. O
mais importante adversário dessa política era a Igreja, que constituía uma outra
entidade institucional, rival do Estado. No fundo, era quase como que um Estado ao
lado do Estado. Estribado em posições doutrinárias regalistas e galicanistas, o
Pombalismo actuou face à Igreja de modo implacável, visando reduzir o seu poder
político, institucional, ideológico e económico e submetê-la à plena autoridade do
Príncipe (na prática, do Estado). Defendeu o princípio da separação dos poderes
espiritual e temporal e a subordinação do primeiro ao segundo em matérias civis. A
perseguição aos Jesuítas insere-se neste processo, embora também tenha estado
associada a outras motivações, cuja explanação seria aqui demorada.
Outro adversário do Pombalismo, neste domínio, era constituído por alguns sectores
da alta nobreza, interessados em partilhar o poder ou conservar os seus privilégios
políticos. Foi contra esses que foi dirigido o violento processo dos Távoras. Alguns
autores têm-no encarado como símbolo de uma suposta política anti-nobre da
administração pombalina. Uma tal posição não parece, contudo, defensável. Aliás, a
nobreza foi mesmo considerada pelo Pombalismo como um dos esteios da
monarquia absoluta, indispensável à conservação das suas instituições. E, se, por um
lado, defendeu a sua subordinação à autoridade política do Príncipe absoluto e do
Estado, por outro apostou no prestigiamento do estatuto social, jurídico e ideológico
da nobreza, ainda que alargando-o a indivíduos originariamente não nobres, num
propósito claro de abertura das possibilidades de mobilidade social vertical – é nisto
que consiste a novidade do Pombalismo nesta matéria.
Ao abordarmos a questão da nobreza, entrámos já naquilo a que poderíamos
chamar a política social do Pombalismo, de que foi uma das vertentes principais. A
outra foi a sua aposta na criação de uma burguesia nacional forte e rica que, apoiada
pelo Estado, fosse capaz de promover o desenvolvimento e uma maior
independência da economia nacional.
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Vem a propósito considerar a política económica do Pombalismo, que foi talvez o
domínio a que dedicou maior atenção. A economia portuguesa do século XVIII
padecia de graves enfermidades. A produção (quer de géneros manufacturados,
quer de produtos alimentares) era diminuta em face da procura interna e colonial;
os diversos sectores económicos estavam mal articulados entre si e apresentavam
grandes desequilíbrios relativos, com um peso desproporcionado do sector
mercantil; os índices de investimento eram baixos, dada a reduzida acumulação de
capitais em mãos nacionais. Nestes termos, o seu fraco desenvolvimento repercutia-
se num défice crónico da balança comercial, que era compensado com o ouro do
Brasil. Por outro lado, era uma estrutura económica muito subordinada à Grã-
Bretanha, potência que potência que, através de uma marinha mercante forte e
numerosa e de uma importante e activa colónia mercantil estabelecida em Portugal,
controlava o comércio externo e ultramarino português. Situação que, de resto,
tendia para o agravamento e que ameaçava tornar-se asfixiante de todo e qualquer
esforço de desenvolvimento económico por parte de Portugal. Foram estes
problemas de ordem geral que o Pombalismo procurou resolver, recorrendo ao
receituário mercantilista e, muito em particular, a um acentuado proteccionismo
económico, tendo por especial preocupação a inversão da tendência deficitária da
balança comercial.
Durante os primeiros dez a quinze anos do governo pombalino, as preocupações
incidiram preferencialmente no campo financeiro, na protecção aos interesses dos
sectores mais poderosos da burguesia mercantil nacional (em detrimento dos
negociantes estrangeiros e dos pequenos mercadores independentes) e no reforço
do controlo português sobre as suas áreas ultramarinas (propósito a que, em grande
parte, correspondeu a criação das companhias monopolistas). Apesar de tudo, esta
orientação não representou nenhuma alteração de fundo na tradição político-
económica do Estado português. Os fundamentos estruturais da economia nacional
foram respeitados, continuando, portanto, o Estado a privilegiar o sector mercantil e
o funcionamento do sistema colonial, se bem que agora na perspectiva da
nacionalização dos seus benefícios.
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Entretanto, o desgaste financeiro provocado pela entrada de Portugal na Guerra dos
Sete Anos e a quebra na produção de ouro e de alguns dos principais géneros
coloniais conduziram, a partir da década de 60, a um reequacionamento da política
económica até então seguida e dos próprios suportes da estrutura económica
nacional. Assim, ao mesmo tempo que procurou reforçar o exclusivo colonial, o
Pombalismo apostou numa revalorização da economia metropolitana e dos sectores
produtivos. Integra-se no contexto desta reorientação parcial da política económica
a (tão falada) política de desenvolvimento manufactureiro, assim como uma (por
vezes tão esquecida) política de desenvolvimento agrícola. Na sua globalidade, a
política económica da administração pombalina produziu resultados bastante
positivos, muitos deles só verificáveis posteriormente.
No campo cultural, mais propriamente no do ensino, o Pombalismo desenvolveu
uma acção notável, de que são expressão mais relevante a reforma dos «estudos
menores» (1759), a criação da Aula do Comércio (1759) e do Colégio dos Nobres
(1761) e a reforma da Universidade de Coimbra (1772). No seu conjunto, pode
considerar-se como a primeira reforma geral do ensino em Portugal. Em grande
parte, esta obra realizou-se por força das circunstâncias criadas com a expulsão dos
Jesuítas, os quais até então detinham praticamente o monopólio do sector
educativo. Mas, por outro lado, integra-se de pleno direito nos propósitos
globalmente reformadores e modernizadores do Pombalismo. Esta reforma
educativa visou a laicização e a oficialização do ensino, mas também a actualização
das matérias, a abertura a novas correntes de pensamento e, nos casos concretos da
Aula do Comércio e do Colégio dos Nobres, respectivamente a preparação técnica e
a elevação do nível intelectual de uma nova geração burguesa e a modernização
intelectual e mental da nobreza.
Numa exposição cuja brevidade acarreta necessariamente omissões, torna-se, no
entanto, indispensável uma referência à obra jurídica do Pombalismo. Ela era
imprescindível à consagração legal desse vasto movimento reformador. Mas
desempenhou também, para além disso, um importante papel na sua consolidação e
expansão doutrinárias. A isto não pode ser alheio o facto (não desprezível) de grande
parte do pessoal do Pombalismo estar ligada aos círculos jurídicos. Numa certa
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medida, o Pombalismo representa mesmo uma entrada em força dos «homens do
direito» na área política, o que se traduziu no facto de o seu discurso ser
fundamentalmente um discurso jurídico. Tudo isto numa altura em que em Portugal
se procedia a uma autêntica renovação e actualização da jurisprudência, cujas
manifestações se consubstancializaram em centenas de textos legislativos e se
encontram sintetizadas na Lei da Boa Razão (1769). Aí se consagra a prevalência do
direito natural e das gentes, aliados ao direito pátrio (no que fosse conforme ao
direito natural) e ao uso moderno do direito romano, bem como, por outro lado, a
rejeição do direito canónico, do direito nacional de tradição recente (conotado com
os Jesuítas) e dos aspectos obsoletos do direito romano.
Em 1777 o Pombalismo era ainda um fenómeno em expansão. Mas a alteração do
quadro político verificada com a subida ao trono da nova monarca, a par do
saneamento político daquele que fora a figura central e a força unificadora do
movimento, deram lugar à quebra da rede de solidariedades que estava na base do
Pombalismo e inviabilizaram a sua sobrevivência enquanto tal. Todavia, o espírito do
Pombalismo continuou presente, quer pelo papel que vários dos seus «membros»
continuaram a ter na vida portuguesa, quer porque ele tinha criado uma dinâmica de
mudança e lançado os fundamentos de transformações estruturais que não
poderiam ser interrompidos por simples alterações políticas conjunturais.
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