4
13 científico nacional (era possível marcar mais de uma opção) foram a medicina, com 52% dos votos, o investimento em energias alternativas (37% dos votos) e a agricultura (27% dos votos). Mudanças climáticas e exploração dos recursos da Amazônia aparecem logo em seguida. Um ponto que chamou a atenção dos pesquisadores foi a piora na avaliação dos brasileiros sobre a ciência no país: apenas 12% consideram a ciência nacional avançada, enquanto 43% dos entrevistados a classificam como atrasada. Estes índices são piores do que os das enquetes anteriores. Na enquete de 2010, 20% consideravam a ciência avançada e 28% atrasada. Yurij Castelfranchi, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e um dos organizadores do estudo, aponta duas razões para isso: “De um lado, é óbvio que a maioria dos brasileiros percebeu claramente o impacto dos cortes no orçamento da educação, das universidades e da pesquisa, que foi se agravando desde meados do governo Dilma. De outro lado, esses indicadores (avaliação da qualidade do funcionamento de uma instituição, grau de confiança em políticos e atores institucionais) não dependem tanto do conhecimento sobre o assunto, mas, principalmente, refletem a insatisfação e a desconfiança das pessoas em geral”, avalia. USOS DO ESTUDO O estudo contém dados importantes para todos que trabalham com a produção e a divulgação de conhecimento científico no país, como aponta Moreira. Segundo ele, ”a comunicação pública da ciência envolve a interação entre quem faz ciência e o público, por isso todas as pessoas que trabalham com comunicação científica – em museus de ciência, pesquisadores da área, divulgadores, jornalistas de ciência – poderiam se beneficiar dessa publicação”. O pesquisador elege ainda professores de ciência, pesquisadores de modo geral e formuladores de políticas públicas como público-alvo do livro. Castelfranchi concorda, sugerindo que uma parceria com o Ministério da Educação (MEC), o MCTIC e outras instituições científicas seria importante “de um lado, para elaborar pesquisas em conjunto que incluam mais variáveis que auxiliem a avaliação do impacto de práticas ou políticas de divulgação. De outro, para mostrarmos as implicações práticas de nossos dados, que são muitas e podem contribuir para inovar as políticas de inclusão e a divulgação científica”, finaliza. Raphaela Velho M EIO AMBIENTE Aproveitamento de resíduos do setor sucroalcooleiro desafia empresas e pesquisadores O setor sucroalcooleiro é um dos segmentos mais importantes da economia brasileira. Segundo da- dos da União da Indústria de Ca- na-de-Açúcar (Unica), o Brasil é o maior produtor mundial de cana de açúcar, com cerca de 630 milhões de toneladas processadas na safra 2014/2015, gerando uma riqueza equivalente a US$ 43 bilhões, cerca de 2% do PIB brasileiro. Apenas no setor produtivo, são 900 mil empre- gos formais diretos e outros 70 mil produtores rurais independentes. No entanto, paralelamente à gera- ção de riquezas e empregos, o setor é responsável por impactos ambien- tais importantes, pelo uso intensivo de recursos naturais e pela produção de grandes quantidades de resídu- os. Nos 108.706,47 km 2 com cana plantada no Brasil em 2015 (safra 2015/2016), equivalente a qua- se cinco vezes a área do estado de Sergipe, foram produzidos mais de 30 bilhões de litros de álcool e 34 milhões de toneladas de açúcar. Em contrapartida, foram gerados de 10 a 14 litros de vinhaça para cada litro

de resíduos do setor sucroalcooleiro desafia empresas e ...cienciaecultura.bvs.br/pdf/cic/v69n4/v69n4a05.pdf · Zaiat, professor da Universidade de São Paulo (USP), campus São

  • Upload
    ngomien

  • View
    216

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

12 13

científico nacional (era possível

marcar mais de uma opção) foram

a medicina, com 52% dos votos,

o investimento em energias

alternativas (37% dos votos) e

a agricultura (27% dos votos).

Mudanças climáticas e exploração

dos recursos da Amazônia aparecem

logo em seguida.

Um ponto que chamou a atenção

dos pesquisadores foi a piora na

avaliação dos brasileiros sobre

a ciência no país: apenas 12%

consideram a ciência nacional

avançada, enquanto 43% dos

entrevistados a classificam

como atrasada. Estes índices são

piores do que os das enquetes

anteriores. Na enquete de 2010,

20% consideravam a ciência

avançada e 28% atrasada.

Yurij Castelfranchi, professor

da Universidade Federal de

Minas Gerais (UFMG) e um dos

organizadores do estudo, aponta

duas razões para isso: “De um

lado, é óbvio que a maioria dos

brasileiros percebeu claramente o

impacto dos cortes no orçamento

da educação, das universidades e

da pesquisa, que foi se agravando

desde meados do governo Dilma.

De outro lado, esses indicadores

(avaliação da qualidade

do funcionamento de uma

instituição, grau de confiança em

políticos e atores institucionais)

não dependem tanto do

conhecimento sobre o assunto,

mas, principalmente, refletem a

insatisfação e a desconfiança das

pessoas em geral”, avalia.

usos do estudo O estudo contém

dados importantes para todos

que trabalham com a produção

e a divulgação de conhecimento

científico no país, como aponta

Moreira. Segundo ele, ”a

comunicação pública da ciência

envolve a interação entre quem

faz ciência e o público, por isso

todas as pessoas que trabalham

com comunicação científica – em

museus de ciência, pesquisadores

da área, divulgadores, jornalistas

de ciência – poderiam se beneficiar

dessa publicação”. O pesquisador

elege ainda professores de

ciência, pesquisadores de modo

geral e formuladores de políticas

públicas como público-alvo do livro.

Castelfranchi concorda, sugerindo

que uma parceria com o Ministério

da Educação (MEC), o MCTIC e

outras instituições científicas

seria importante “de um lado, para

elaborar pesquisas em conjunto que

incluam mais variáveis que auxiliem

a avaliação do impacto de práticas

ou políticas de divulgação. De outro,

para mostrarmos as implicações

práticas de nossos dados, que são

muitas e podem contribuir para

inovar as políticas de inclusão e a

divulgação científica”, finaliza.

Raphaela Velho

ME i o a M b i E n t E

Aproveitamento de resíduos do setor sucroalcooleiro desafia empresas e pesquisadores

O setor sucroalcooleiro é um dos segmentos mais importantes da economia brasileira. Segundo da-dos da União da Indústria de Ca-na-de-Açúcar (Unica), o Brasil é o maior produtor mundial de cana de açúcar, com cerca de 630 milhões de toneladas processadas na safra 2014/2015, gerando uma riqueza equivalente a US$ 43 bilhões, cerca de 2% do PIB brasileiro. Apenas no setor produtivo, são 900 mil empre-gos formais diretos e outros 70 mil produtores rurais independentes. No entanto, paralelamente à gera-ção de riquezas e empregos, o setor é responsável por impactos ambien-tais importantes, pelo uso intensivo de recursos naturais e pela produção de grandes quantidades de resídu-os. Nos 108.706,47 km2 com cana plantada no Brasil em 2015 (safra 2015/2016), equivalente a qua-se cinco vezes a área do estado de Sergipe, foram produzidos mais de 30 bilhões de litros de álcool e 34 milhões de toneladas de açúcar. Em contrapartida, foram gerados de 10 a 14 litros de vinhaça para cada litro

2_Brasil_69_out_p6a17.indd 13 10/11/17 5:35 PM

14 15

te por metano pode gerar energia elétrica ao movimentar a turbina de um gerador. E mais, a vinhaça biodi-gerida, que contém menos matéria orgânica, ainda pode ser usada como fertilizante, minimizando o impacto ambiental do resíduo. O engenheiro químico Marcelo Zaiat, professor da Universidade de São Paulo (USP), campus São Car-los, afirma que o processo de trans-formação da vinhaça em bioenergia já está bem estudado em escala de laboratório: “O aproveitamento da vinhaça na produção de energia au-mentaria a eficiência econômica de usinas e evitaria o lançamento siste-mático desse resíduo no ambiente, ampliando a sustentabilidade do se-tor”. Zaiat desenvolve pesquisas so-bre o processo anaeróbio em reatores que transformam a matéria orgânica da vinhaça em hidrogênio e metano. Em artigo de 2017, publicado no Applied Energy (vol. 189), ele e mais seis colaboradores apontam que o potencial energético da tecnologia de extração de gases da vinhaça permi-te a geração de 181,5 megajoules de energia por metro cúbico de vinhaça. Entretanto, a recuperação de bioe-nergia na produção de etanol ainda é pouco usada em usinas sucroalcoo-leiras e o número de reatores anaeró-bios em escala plena para geração de biogás e energia é inexpressivo.Segundo Felipe Colturato, enge-nheiro ambiental da Methanum Resíduos e Energia, empresa que

de álcool produzido, dependendo das condições tecnológicas da des-tilaria; 280 kg de palha e de bagaço por tonelada de colmo de cana co-lhida; e de 30 a 40 kg de torta de filtro por tonelada de cana moída, entre outros resíduos como cinzas, águas de lavagem e melaço.

eletriCidade a partir de vinhaça A vinhaça, que algumas vezes ainda é lançada em cursos d’água causando poluição, é comumente utilizada como fertilizante na cultura de cana--de-açúcar, por ser rica em matéria orgânica e potássio. Mas quando aplicada em excesso, dado o elevado volume produzido, acarreta sérios impactos no solo. Uma alternativa é transformar a matéria orgânica presente na vinhaça em biogás, por meio de uma cultura de microrga-nismos. Após tratamento adequado, esse biogás composto principalmen-

desenvolve soluções que associem o tratamento de efluentes e resí-duos orgânicos à geração de ener-gia, com sede em Belo Horizonte (MG), existem vários entraves para produção de biogás nas muitas usi-nas sucroalcooleiras do país: “Há um enorme potencial na vinhaça, mas não é fácil metanizar”. Meta-nização é o nome dado ao processo de digestão anaeróbia de resíduos orgânicos. Dentre as barreiras, Col-turato cita a produção sazonal da cana; a concentração de antibióti-cos largamente utilizados na etapa de fermentação; a alta variabilidade na concentração de matéria orgâ-nica na vinhaça, que varia de acor-do com o tipo de produto (caldo, caldo misto, melaço) utilizado na fabricação do etanol; o baixo pH, devido principalmente à formação de sulfato; e a alta concentração no biogás de sulfeto de hidrogênio (H2S), um gás muito tóxico com odor bastante desagradável. Mes-mo assim, o engenheiro se mostra otimista: “embora algumas inicia-tivas não tenham tido êxito, dado o preço da energia e a possibilidade de utilizar o biometano, há uma corrida para implantação de usinas de biogás”. A Usina Monte Alegre operou, em parceria com a Methanum, uma planta em escala piloto por cinco sa-fras consecutivas, o que propiciou a ampliação para uma planta industrial de 1,4MW, em Ivinhema (MS). No

Foto: Fabrício Mazocco/ UFSCar

Almir Sales (de branco) e seu aluno Fernando de Almeida, na UFSCar

2_Brasil_69_out_p6a17.indd 14 10/11/17 5:36 PM

14 15

interior de São Paulo, as usinas São Martinho, em Pradópolis, e Iracema, em Iracemápolis, utilizam biogás, a primeira para secagem de levedura. Na segunda foi instalado um reator pela empresa holandesa Paques que funciona ainda em escala piloto. A Usina da Pedra, em Serrana (SP), também possui um sistema piloto. O projeto é da BioProj Tecnologia Am-biental Ltda., empresa de São Carlos (SP) que desenvolve tecnologias pa-ra tratamento de águas residuárias e é apoiado pelo Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Pipe/Fapesp). De acordo com a engenheira quími-ca da empresa, Valéria Del Nery, os testes preliminares foram bem-suce-didos, permitindo que as atividades fossem iniciadas em maio deste ano. Ela concorda com Colturato em re-lação aos desafios para o uso eficiente de reatores anaeróbios de grande por-te e acrescenta: “apesar do número de trabalhos científicos sobre a geração de energia a partir da vinhaça ter au-mentado significativamente nos últi-mos anos em escala laboratorial, ain-da há muito para ser entendido sobre a estabilidade do processo anaeróbio da degradação da vinhaça em reato-res de alta taxa em grandes escalas”.

Quase nada se perde Grande parte dos resíduos gerados no cultivo da cana e na produção de açúcar e de álcool é reutilizada no processo pro-

Pesquisas encontram novos usos Para a casca do coco

A cana-de-açúcar é apenas um dos produtos agrícolas cujos resíduos podem

ser reaproveitados, ampliando a viabilidade econômica de culturas agrícolas

e minimizando impactos ambientais. Pesquisas brasileiras estão permitindo

aproveitar a casca do coco na produção de fibras vegetais que podem ser

usadas na fabricação de estofados de automóveis, móveis, vasos de xaxim, além

de possibilitar a produção de um tipo de pó que ajuda no desenvolvimento de

plantas cultivadas em vasos e servir de cobertura para a proteção do solo. As

cascas, quando jogadas sem tratamento em aterros sanitários ou lixões, levam

em média dez anos para serem decompostas, servem de abrigo para ratos e

favorecem a reprodução de insetos, como o Aedes aegypti. Para cada 300 ml

de água de coco consumidos, são gerados cerca de um quilo e meio de casca de

coco. O Brasil tem um potencial de produção de 804 mil toneladas de casca que,

após processamento, resultariam em mais de 240 mil toneladas de fibra e mais

de 560 mil toneladas de pó.

Aproveitamento da vinhaça ainda representa um desafio tecnológico

Foto: Mayke Toscano

2_Brasil_69_out_p6a17.indd 15 10/11/17 5:36 PM

16 17

dutivo. Destaque especial cabe ao bagaço gerado na moagem da cana que vem sendo totalmente reapro-veitado para cogeração de energia, como biocombustível, na produção de papel e na indústria de cosméti-cos. Estima-se que 90% de todo o bagaço gerado no Brasil é queimado em caldeiras para a geração de ener-gia. Mas, nessa queima, forma-se outro subproduto, as cinzas residu-ais, numa proporção estimada em 25 kg de cinzas para cada tonelada de bagaço queimado. Bagaço e cinzas também podem ser usados na construção civil, ou-tro setor que gera grandes volumes de resíduos. Em artigo de 2016, na revista Construction and Building Materials (vol. 113), o engenheiro civil Almir Sales, professor da Uni-versidade Federal de São Carlos (UFSCar), e mais quatro colabora-dores constataram que o concreto produzido com resíduos de cons-trução e areia de cinzas de bagaço de cana-de-açúcar apresentou 93% da resistência à compressão do con-creto de referência, produzido sem resíduos. Considerando que a mi-neração de areia é uma atividade de alto impacto ambiental, esse traba-lho abre importantes perspectivas, ao mostrar que é possível substituir até 50% da areia convencional reti-rada da natureza pela cinza de ba-gaço de cana.

Leonor Assad

resenha/soCiologia

Desmistificando a riqueza

Em tempos de operação

Lava Jato, e de outros tantos

escândalos envolvendo políticos e

empresários, é bastante oportuna

a publicação do livro Ricos, podres

de ricos, do sociólogo Antonio

David Cattani, da Universidade

Federal do Rio Grande do Sul

(UFRGS). Destinado ao grande

público, o texto foi publicado

pelas editoras Marcavisual e Tomo

Editorial. Um dos méritos do livro

é adotar uma linguagem simples

para tratar de um fenômeno social

sobre o qual a literatura nacional

ainda é escassa: a concentração

da riqueza. “Nunca na história

da humanidade foi possível gerar

tanta riqueza como nas últimas

quatro ou cinco décadas. Nunca

na história da humanidade a

riqueza foi apropriada por tão

poucos”, afirma o autor. Em pouco

mais de 50 páginas, Cattani

busca apontar os aspectos mais

relevantes da concentração de

renda e suas consequências

nas vidas de pessoas comuns:

“quanto maiores forem as

diferenças entre os ricos e os

outros, maior será a violência, a

incidência de problemas físicos

e mentais, o número de crimes e

comportamentos incivilizados.

O aumento desmedido na

concentração de renda favorece

os preconceitos e a discriminação,

além de estar diretamente

envolvido com a desagregação

social. Por fim, debilita a

democracia e a eficiência

econômica”, diz.

de onde vem o dinheiro Na

primeira parte do livro, Cattani

discute a importância de

qualificar as grandes fortunas.

Isso significa identificar os muito

ricos e a origem de suas fortunas,

um grande desafio diante de

vários subterfúgios utilizados

para ocultar renda, patrimônio

e capital. A subestimação da

riqueza ocorre, por exemplo,

quando magnatas têm suas

Foto: reprodução

2_Brasil_69_out_p6a17.indd 16 10/11/17 5:36 PM