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DE VI OLLET-LE-DUC À CARTA DE VENEZA1I0RIA f PRÁmA DO RfSIADAO NO fSPA~O IBfRO·AMfRICANO

A influência do restauro arquitectónico na tumuláriaportuguesa do período romântico

Jos é Fra ncisco Ferreira QueirozInvestigador Principal da linha "Heritage, Cu/fure and Tourísm"do CEPESE - Centro deEstudos da População, Economia e Sociedade (Universidade do Porto}, Portugal.co"eio@jranciscoqlleiro=.com

RES UMO; A evoluç ão estética da tumulária portuguesa dependeu da própria evoluç ão dosmodelos internacionais. Porem. fo i também condicionada pelo gosto dos arquitectos edesenhadores, sendo que muitos desenhadores eram os próprios mestres canteirosomat ístas. Ora, ao longo do período romântico. varios destes mestres, assim como algunsarquitectos. fora m chamados C1 tomar parte nos obras de restauro dos primeirosmonumentos portugueses reconhecidos como tal. Nesta comunicação demonstramos comoas primeiras grandes obras de restauro de monumentos condicionaram a evolução estéticada tumulária portuguesa , e não apenas nas regiões em que estes monumentos seloca lizavam.

PAU VRA5-CHAVE: restauro; Romantismo; túmulos: canteiros

INTRODUÇÃOEm Portugal. salvo raras excepções , os mais antigos monumentos tumulares decaracterísticas românticas foram erguidos em finais da década de 1830. nos primeiroscemitérios de Lisboa e do Pano. em especia l no Cemitério dos Prazeres. em Lisboa. e noCemitério da lapa, no Pano. Existia. obviamente. uma tradição anterior. No caso de Lisboa,alguns desenhadores e canteiros, já nos anos anteriores. haviam trabalhado em obrastumulares. sobretudo porque o Cemitério Britânico de Lisboa existia há muitas décadas, enele reuniam-se todas as condições . paisagísticas e socioculturais, para o surgimento detipologias tumulares inovadoras, que viriam a ser adoptadas também nos primeiro scemitérios públicos e românticos de Lisboa . Contudo. em outras regiões do país, ofenómeno do cemitério românti co foi de tal forma fracturante, face aos espaços tradicionaisde enterramento, que obrigou os artífices da pedra a adaptarem-se, como podiam. a umarealidade bastante diferente da anterior. Alguns, adaptaram-se de forma bem frustre. A nossapesquisa. já de vinte anos , em algumas centenas de cemitérios portugueses. descortinousituações em que os mais antigos túmulos em cemitérios públi cos eram simplesmente cóp iasexactas de campas em pedra que. nos anos anteriores, se exec utavam para a colocação nochão das igrejas . Inversamente. vários dos primeiros monumentos tumulares românticos noPorto, de modo a revestirem-se de um carácter cosmopolita e destacarem-se da tradiçãoanterior. foram executados em Lisboa . em pedra licz, com partes em mármore italiano. Oprimeiro canteiro omatista do Porto especiali zado em túmulos de pedra licz, Emídio Carlo sAmatucci, vivera em Lisboa até ao período da guerra civil entre miguelistas e libera is, enascera na capital. no contexto das obras do Palácio da Ajuda. onde o pai. Cario Arnarucci,trabalhara como escultor. Emídio Carlos Amatucci não era propriamente um artista detúmulos. mas percebeu, uma vez no Porte , que a sua experiência profissional como canteirode mármores era particu larmente requerida peja sociedade portuense mais ilustrada.Limitou-se a aproveitar as circunstâncias. Ainda assim, os pedreiros do granito dominaram o

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espectro das primeiras construções tumulares mais aparatosas do Porto romântico(QUEI ROZ [I]).

A evolução estética da tumulária portuguesa do período romântico, que aqui balizaremoscomo de cerca de 1834 a cerca de 1910 , depende u da evolução dos modelos internacionais,mas também esteve bastante condicionada pelo modo como os primeiros cemi térios român­ticos portugueses foram concebidos, e pelo tipo de pedra usado. Por conseguinte, Lisboa ePorto deram origem a dois modelos cem iteriais e a dois subseq uentes modelos de tipologiastumulares, sobretudo ao nível dos jazigos-capela , que surgiram primeiro no Porto e que aquisempre foram de maior monumentalidade, devido à necessi dade de permitir a visibilidadepara o interio r, onde eram colocadas as inscrições e os epitáfios. Os restantes cemitérios na­ciona is, geralmente filiaram-se num destes dois modelos: o de Lisboa, ou o do Porto. Com­tudo , em alguns destes cemitérios emergiram modelos próprios, mais evidentes e assu midosnas regiões de predominância do calcá rio, ou com forte tradição da alvenaria na construção ,ainda que esta, para ed ificações tumulares que se pretendiam distintas, cedo foi preterida(salvo algumas excepções), pelo que, modelos regionais inicialmente divergentes acabarampor não vingar face às estéticas que vigoravam nos grandes cent ros nac ionais produtores detúmulos. Foi o que sucedeu na maior parte dos cemitérios das cidades do Alentejo e doAlgarve , face à estética tumular ditada pelas oficinas de Lisboa (QUEIROZ [I D.

A INFLUÊNCIA DO MOSTEIRO DA BATALHAÉ geral mente aceite que o primeiro grande exemplo de restauro monumental românt ico emPortugal encontra-se na Batalha. O respectivo mosteiro foi alvo de intervenções queduraram décadas e que passaram, em grande medida, pela substituição de pedrasorna mentadas . Em certo sentido, podemos falar de uma "escola" de canta ria da Batalha, aqual, forçosamente, filiava-se no gótico . Facilmente deduzimos que os canteiros activos nasobras de restauro do Mosteiro da Batalha eram chamados a título particular para outrasobras de ornato , geralmente mais pequenas, e que poderiam ler tendência a nelas plasmar oestilo daquilo que executavam para o mosteiro (PORTELA e QUEIROZ [2J). Porém, estapossível influência não foi, até hoje, devidamente comprovada. Ora, a evolução estética datumulária portuguesa dá-nos pistas fundamentais para perceber como essa influência se podeter processado, ainda que a análise feita nesta comunicação seja forçosamente preliminar emuito resumida.

Assi m, em prime iro lugar, há que ter em conta que a estética neogótica, na arquitectura, nãose implantou em Portugal de forma rápida. Também não se implantou como consequênciadirecta das obras no Mosteiro da Batalha, pois assi m nos sugere a geografia da suaimplantação, com base no que hoje já sabemos sobre o assunto (QUEIROZ e LEMOS [3)).O fenómeno é bem mais complexo e, para ser totalmente compreendi do, há que perceberqua l a conotação que o neogótic o tinha para a sociedade da época , em especial para as elitespensantes. Em que situações o neogótico seria um estilo aceitável, além do contexto dorestauro de um mostei ro tão identitá rio como o da Batalha?

A nossa pesquisa sugere que o neogótico demoro u a tomar-se habitual na arquitecturaurban a e, no caso do Porto, temos indícios que apontam para o seu surgimento : nas partesmais intimistas dos alçados de edifícios, nomeadamente em pequenos apontamentos nosapêndices posteriores destinados às retretes: em alçados que, pelo seu posicionamento, erameles próprios intencionalmente intimistas, como o do palacete Silveira Pinto (QUEIROZ eLEMOS [3]); em tipo logias de edifícios não formais, como os mirantes; em contexto

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publicitário, co mo recurso para captar a atenção face ao formalismo das restantes fachadas;cm acrescentos aos edifícios. comopisos superiores recuados c éguas-furtadas; ou entãoempartes dos edifícios menos visíveis da via pública, fosse nos jardins. ou em interiores.nomeadamente na caixil haria .

Em face do que afirmamos, os túmulos enquadram-se nacategoria de edificios não forma is. mais intimi stas. em quea noção de moda e de est ilo era mais volúvel e susceptívelde evolução. Efectivamente, est ão nos cemitérios portu­gueses alguns dos primeiros exemplos de gaticismosarquitectónicos, e mesmo de construções totalmente neo­góticas, ainda que com carácte r miniatural (QUEIROZ[I)).

Porém, o modo como este revivalismo medievalista surgiunos cemitérios portugueses. dependeu de inúme rosfactores. O exe mplo do Cemitério de Santo António doCarrascal. em Leiria. é paradigmáti co. Trata-se de umcemitério aberto em 187 1, em que os prime iros túmulosneogóticos não coincidem com os mais antigos erguidosno cemitério, apesar de ser o cemitério mais importante daregião cm que se situa o Mosteiro da Batalha, cujas obrasde restauro já decorriam há vários anos. Algumas razõespodem ser apo ntadas para este aparente desfasamento. Porum lado. o próprio carácter conservador da sociedadeleiriense. Por outro, o facto dos mais antigos túmulosterem sido aqui construídos sobre terrenos com áreasequivalentes às que as respectivas famílias poss uíam noanterior Cemitério da Sé de Leiria. entretanto desactivado,onde os jazigos de família se encontravam nas orlas evários estavam parcialmente escavados na encosta. pelo que se assumiam como capelascatac umbais (PORTELA e QUEIROZ [2]). Ora, no Cemitério de Santo António doCarrascal, estas construç ões tumulares mais antigas, ago ra iso ladas, assumiam-se comgrande dimensão, tendo sido quase todas desenhadas por Francisco Maria Teixeira - umcondutor de obras bem relacionado na cidade e que, por gosto pessoa l, insistia numa filiaçãoneoclássica, imbuída de apontamentos barrocos inspirado s na arquitectura de Goa, de ondeera natural (QUEIROZ, [4]). Estas capelas tumulares delineadas por Francisco MariaTeixeira eram geralmente de alvenaria . com cantaria apenas em algu mas panes. Portanto, oneogótico surge no principal cemitério leiriense apenas em túmulo s mais pequenos e,possivelmente. desenhados pelos própr ios canteiros que os executaram, nomeadamente porcanteiros que trabalhavam para a obra do Mosteiro da Batalha, ainda que pudessem tambémtrabalhar para Francisc o Maria Teixeira. nas suas obras tumulares mais classicizantes.

O exemplo do túmulo de João Baptista Pereira Heitor de Macedo (Fig. I), de 1885, éinequívoco da influência das obras na Batalha, pois o túmulo centra-se numa espécie decópia de um tipo de pináculo comum no mosteiro. sendo apenas adiciona do de iconografiaapropriada à função tumular. Um pinácu lo - note-se - que não serve de remate a umjazigo­capela. mas que é. ele próprio, protagonista do túmulo. como co roame nto de uma caixa emcantaria, com platibanda de vazados . Outros túmulos posteriores. no mesmo cemitério,

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apresentam rendilhados claramente filiados no trabalho de ornato que esses mesmoscanteiros poderiam estar a fazer, ou ter já feito, para as obras do Mosteiro da Batalha.

Porém, e já depois da morte de Francisco Maria Teixeira, ocorrida em 1889, os poucoscasos de túmulos no Cemitério de Santo António do Carrascal que comprovada mente foramdesenhados por não canteiros . como por Ribeiro Crist ina ou por Ernesto Korrod i - rejeitamcompletamente o neogótico , talvez por ser então já demasiado aceite e até entendido comoum gosto excessivamente regional. Mesmo assim, até finais do século XIX, continuam asurgir neste cemitério leiriense exemp los de túmulos neogóticos com decoração bemsemelhante à que era lavrada em pedras depois colocadas no Mosteiro da Batalha. Estaconstatação é ainda mais notória em alguns cemitérios rurais da região, onde esta moda doneogótico de filiação batalhina perdurou mais tempo, e já para lá do Romantismo(PORTELA c QUEIROZ [2]) .

A influência do restauro do Mosteiro da Batalha foi, pois, bastante notória em cemitérios daregião envolvente, desde Leiria a Porto de Mós, sobretudo entre cerca de 1875 e 1910, ouseja, com um certo desfasa mento cronológico face às obras no mosteiro, o que nos pareceperfeitamente natural . Ainda assim, nota-se que os TÚmulos desta região que mais se filiamno gosto batalhino, mesmo fora do Cemitério de Santo António do Carrascal, não sãogeralmente os mais monumentais ou mais eruditos , o que levanta algumas questõesinteressantes sobre o modo como a sociedade da época encarava o gosto neogótico, e atéque ponto os canteiros podiam impor a sua opinião na estética da tumulária deste periodo.

A INFLUÊNCIA DO MOSTEIRO DOS JERÓNIMOSDiferentemente do caso da Batalha, a influência dorestauro do Mosteiro dos Jerónimos parece não sertão vis ível nos cemitérios de Lisboa e da região,embora um dos maiores túmulos da época em quceste restauro estava no seu auge, foi claramenteinfluenciado pela mencionada obra. Referimo-nos àcapela de Sebastião Pinto Leite, no Cemitério dosPrazeres (Fig. 2).

É sabido que a obra de restauro do Mosteiro dosJerónimos foi dirigida durante muito tempo por umcenógrafo e arquitecto que também projectavaTÚmulos. Porém, não significa isto que Cinatti esti­vesse refém do gosto manuelino , até porque jádesenhava túmulos vários anos antes da obra dosJerónimos iniciar. Ora, a capela tumular de Sebas­tião Pinto Leite foi construída em 1880 pela oficinade António Moreira Rato, homem fortemente ligadoao restauro do Mosteiro dos Jerónimos e que, note­se, também não ficou refém do gosto manuelino, ajulgar pela quantidade bastante grande de túmulos saídos da sua oficina, nessa época, emque não se observam referências estéticas ao Mosteiro dos Jerónimos, mas sim a modelosconcretos de túmulos, nomeadamente erguidos nos principais cemitérios franceses. Aindaassim, a capela tumular de Sebastião Pinto Leite é uma obra de cantaria que serviu comocartão-de-v isita à oficina de António Moreira Rato & Filhos, sendo de notar que a epígrafe

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menciona a autoria das cantarias e do próprio desenho da capela - coisa muito rara emtúmulos românticos portugueses, sobretudo nào sendo a autoria atribuída a um desenhadorconcreto, mas à própria oficina, sem ser mencionado um nome concreto. Paradoxalmente, oencomendador da capela nem sequer era de Lisboa, mas do norte do país, e, quanto à oficinade António Moreira Rato, a sua polivalência prova-se por ter sido a mesma que fez asréplicas do apostolado do porta l principal do Mosteiro da Batalha (QUEIROZ [ I)).

Por conseg uinte, esta questão da influência das obras dos Jerónimos na IUmulária portuguesado respectivo período, é mais complexa do que à primeira vista possa parecer. Além domais, não podemos centrar-nos apenas no Mosteiro dos Jerónimos. Na Torre de Belém, porexemplo, há cantarias oitocentistas cujo desenho pode ser encontrado também em túmulosdos cemitérios de Lisboa. E a nossa pesquisa permite, desde já, concluir que os cemitériosde Lisboa, de facto, são aqueles em que se encontram mais exemplos de neomanuelino.Ainda assim, supomos que isso derive de várias causas, e não apenas de ter havido canteirosenvolvidos no restauro do Mosteiro dos Jerónimos a replicar ornatos em pedras paratúmulos,

Para que se perceba a complexidade da questão, os próprios jazigos de família dos cantei ros- mesmo considerando os diferentes anos em que foram construídos e quais os estilos maisem voga nesses anos , podem dar-nos pistas desconcertantes sobre o gosto destes artistas ,geralmente desconsiderados pela historiografia da arte. Ainda assim, são pistas que nãopermitem conclusões seguras. Gennano José de Sales, por exemplo, teve em Lisboa umaoficina de cantarias de tamanho equivalente à de António Moreira Rato, ostentando umclaro gosto neomanuelino na sua capela tumular, apesar da oficina não se destacarpropriamente das demais por ter edificado mais túmulos neste gosto.

CONCLUSÃOo caso de Coimbra é também paradigmático do que temos vindo a afirmar neste trabalho.No Cemitério da Conchada, o túmulo de AntónioJosé Gonçalves, executado por João Machado em1896 (Fig. 3), é um exemplo muito interessante, eprecoce, da influência do românico português natumulária romântica (QUEIROZ [ I]). Emboraprecoce, este exemplo corresponde a uma fasetardia do Romantismo, pois os primeiros restaurosem monumentos românicos portugueses sãoposteriores aos exemplos da Batalha e dos Jeróni­mos. E, note-se, também no caso do supramencio­nado túmulo no Cemitério da Conchada, há umaligação óbvia com estes restauros em monumentosromânicos, que, em Coimbra, precedem a própriacriação da Direcção-Geral dos Edifícios e Monu­mentos Nacionais e estão bastante conotados coma Escola Livre das Artes do Desenho, à qual opróprio João Machado esteve ligado (DIAS [5]).Contudo, este túmulo executado por João Macha­do não corresponde ao paradigma estético da suaobra tumular, pelo que não estamos perante um

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canteiro demasiado influenciado por obras derestauro em monumentos românicos , ao ponto denão conseguir evitar apontamentos românicos nostúmulos que concebeu ou executou. Pelocontrá rio, João Machado era versátil e, em termosestéticos, pode ter sido bastante mais influencia­do peias construções religiosas coimbrãs doperío do renascentista, até porque se enquadravammelhor no gosto decorativo do Arts & Crafts. quea Escola Livre das Artes do Desenho, de certomodo, preco nizava (QUE IROZ (1]). Outroscanteiros de Coimbra expressaram esse mesmogosto rcvivalista face aos edifícios renascentistasda cidade, como F. A. Santos, que, em 1899, assi ­nou o túmulo de Joaquim de Mariz, também noCemitério da Conchada (Fig. 4), cemitério esseonde , não por acaso, temos hoje o mais impor­tante núcleo português de túmulos de revivalismorenascentista. Porém, falta provar que este gostoderivou da part icipação do referido cantei ro emalguma obra de restauro num edifício coimb rãocom estas caracter ísticas . É que podemos estarapenas perante um mimetismo por valorização daestética de um certo monumento da cidade,nomeadamente pelo seu carácter identitéric, enão por efect iva participação do mestre canteiroautor do túmulo em obras de restauro dessemonumento.

Um mimetismo por valorização estética, pode tersido o que sucedeu , por exemplo, cm cemitériosde certas zonas do norte de Portugal, nasprimeiras três décadas do século XX, no que dizrespeito ao neo-românico. De facto, junto a igrejas românicas emble máticas , os cemitériospodem surpreender-nos com capelas tumula res que replicam de algum modo estas igrejas,como sucede em Cinfães, Rio Mau (Pó voa de Varzim), ou mesmo no Porto, onde a Igreja deCedofeita terá sido inspiradora de tumulária mesmo antes da intervenção profunda alirealizada no século XX. Na região do Vale do Sousa, um dos exemplos mais antigos, e maiseruditos, de inspiração no românico do Entre- Douro-e-Minho encontra-se em Senande(Aguiar do Sousa). Referimo-nos à capela tumular do Bispo de Cochim, que ainda data doséculo XIX , embora já de finais do século (QUEIROZ [I]).

Em suma, é evidente a influência do restauro arquitectó nico na tumulária portuguesa doperíodo romântico, mas precisa de ser melhor estudada a questão do restauro arquitectónicoem Portugal, no período romântico e no perí odo seg uinte, ao nível dos artífices, e ainda aprópria tumuléria desses periodos; isto, de modo a podermos perceber em que medida essainfluência se processou: por replicação do trabalho dos canteiros, dos grandes estaleiros deobras , para as pequenas obras particulares; ou simplesmente por adopção dos monumentos

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que eram objecto de restauro na época, como arqu itectur as merecedoras de imitação, mes moque os artífices em causa não tenham trabalhado nas respectivas obras de restauro.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS[ I] QUEIRO Z, J. F. F. - Os Cemitérios do Porto e a arte funerária oitoce ntista em Portugal.

Consolidação da vivência romântica na perpetuação da memória. Tese de Doutoramen toem História da Arte apresentada à Faculdade de Letras da Universidade do Porto. POrlO,2002.

(2] PORTELA, A. M. e F. Queiroz, • O Cemitério de Santo António do Carrascal: Arte ,História e Sociedade de Leiria no Século XIX. Leiria, 2000.

(3] QUEIRO Z, F. e J. M. Lemos. > A Família Silveira Pinto e o Palacete de S. Paio. Actasdo Co ngresso "O Porto Romântico" (Escola das Artes da Un iversidade Católica, Porto, 29e30 deAbri lde2011 ), VoLl , p. 179-19S.

(4] QUEIROZ, F. - Francisco Maria Teixeira (1842·1889) . Esboço biográfico de umorigino! desenhador de arquitectura. A pub licar nas actas do 1.° Congresso de Histór ia ePatrimónio da Alta Estremadura (O urém , 28, 29 e 30 de Ou tubro de 20 11).

(5] DIAS, P. - João Machado. Um artista de Coimbra. Epartur , Coimb ra, 1975.

NOTA:

Esta comunicação insere-se no prog rama de pós-doutoramento "Arte tumular doRomantismo em Portugal", fina ncia do pela Fundação para a Ciência e Tecno logia, atravésdo Programa Ciência 200S. Usá mos aqui a exp ressão "restauro ", não com o sentido actual,mas sim com o sent ido que essa palavra tinha à época. To das as fotos são do autor.

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