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A história de uma família em Angelim Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas Ano 7 • nº 1076 Junho/2013 Angelim Depois de morar em várias cidades do país, família volta a viver na zona rural O último censo demográfico, realizado em 2010 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), mostrou que o número de pessoas que trocam o campo pela cidade diminuiu no país durante a última década. De acordo com a pesquisa, muitos estão fazendo o caminho de volta para a zona rural. Um exemplo deles é José Lucinaldo Vieira de Freitas, 56, morador da comunidade Campestre, no município de Angelim (PE). Filho de agricultores, Lucinaldo nasceu em Lagoa do Ouro (PE), cidade em que permaneceu até os 17 anos, quando foi para Garanhuns em busca de melhores condições de vida. Começou a ajudar os pais no trabalho do campo ainda criança, mas a educação dos seis filhos sempre foi um cuidado de dona Anízia Vieira de Freitas. ''Para minha mãe, o estudo era uma herança que ninguém poderia tomar da gente e era isso que nos motivava a seguir, apesar das dificuldades”, lembrou. O sonho de dona Anízia foi realizado: todos os filhos possuem o ensino superior, inclusive Lucinaldo, que é formado em Biologia. Entretanto, a formação dos filhos foi além dos diplomas, pois dona Anízia também compartilhou conhecimentos que não são ensinados na sala de aula, mas que são aprendidos com a experiência de uma vida inteira dedicada à agricultura. “Ela costumava dizer que através da roça é possível conseguir produtos de qualidade e considerava o campo como a base de tudo”, afirmou. O ensinamento ficou marcado em Lucinaldo. Hoje, ele e a esposa, dona Maria do Socorro Gomes Freitas, 50, transmitem esse cuidado com o campo para os três filhos: Caio, 20, Caique,17, e Catarine Freitas, 15. De geração em geração, a importância do meio rural é refletida também na escolha profissional dos dois filhos mais velhos do casal. Os jovens optaram pelos cursos de Agronomia e Medicina Veterinária, respectivamente. O início da vida na cidade não foi fácil, recorda Lucinaldo. Morou em república, trabalhou numa fábrica de tecidos e, devido à poeira do fio de algodão, adoeceu, fato que motivou o pedido de demissão. Nesse período, a ideia de deixar a cidade e voltar para o campo já existia, foi então que começou a trabalhar numa empresa privada, reconhecida nacionalmente, e através desse emprego teve a oportunidade de morar nos estados de Alagoas, Paraíba e Pernambuco, além de conhecer várias cidades do país. Depois de 25 anos no quadro de funcionários dessa empresa, era a hora de voltar para o campo. Com a ajuda do irmão, Lucinaldo comprou uma área de 30 hectares na zona rural de Angelim. Lá, a família planta capim, feijão, hortaliças, milho e cria bovinos. Todos são envolvidos Lucinaldo ladeado pelo filho e a esposa De Volta ao Campo:

De volta ao campo: a história de uma família em Angelim

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A história de uma família em Angelim

Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas

Ano 7 • nº 1076

Junho/2013

Angelim

Depois de morar em várias cidades do país, família volta a viver na zona rural

O último censo demográfico, realizado em 2010 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), mostrou que o número de pessoas que trocam o campo pela cidade diminuiu no país durante a última década. De acordo com a pesquisa, muitos estão fazendo o caminho de volta para a zona rural. Um exemplo deles é José Lucinaldo Vieira de Fre i tas , 56, morador da comunidade Campestre, no município de Angelim (PE).

Filho de agricultores, Lucinaldo nasceu em Lagoa do Ouro (PE), cidade em que permaneceu até os 17 anos, quando foi para Garanhuns em busca de melhores condições de vida. Começou a ajudar os pais no trabalho do campo ainda criança, mas a educação dos seis filhos sempre foi um cuidado de dona Anízia Vieira de Freitas. ''Para minha mãe, o estudo era uma herança que ninguém poderia tomar da gente e era isso que nos motivava a seguir, apesar das dificuldades”, lembrou. O sonho de dona Anízia foi realizado: todos os filhos possuem o ensino superior, inclusive Lucinaldo, que é formado em Biologia.

Entretanto, a formação dos filhos foi além dos diplomas, pois dona Anízia também compartilhou conhecimentos que não são ensinados na sala de aula, mas que são aprendidos com a experiência de uma vida inteira dedicada à agricultura. “Ela costumava dizer que através da roça é possível conseguir produtos de qualidade e considerava o campo como a base de tudo”, afirmou. O ensinamento ficou marcado em Lucinaldo. Hoje, ele e a esposa, dona Maria do Socorro Gomes Freitas, 50, transmitem esse cuidado com o campo para os três filhos: Caio, 20, Caique,17, e Catarine Freitas, 15. De geração em geração, a importância do meio rural é refletida também na escolha profissional dos dois filhos mais velhos do casal. Os jovens optaram pelos cursos de Agronomia e Medicina Veterinária, respectivamente. O início da vida na cidade não foi fácil, recorda Lucinaldo. Morou em república, trabalhou numa fábrica de tecidos e, devido à poeira do fio de algodão, adoeceu, fato que motivou o pedido de demissão. Nesse período, a ideia de deixar a cidade e voltar para o campo já existia, foi então que começou a trabalhar numa empresa privada, reconhecida nacionalmente, e através desse emprego teve a oportunidade de morar nos estados de Alagoas, Paraíba e Pernambuco, além de conhecer várias cidades do país. Depois de 25 anos no quadro de funcionários dessa empresa, era a hora de voltar para o campo. Com a ajuda do irmão, Lucinaldo comprou uma área de 30 hectares na zona rural de Angelim. Lá, a família planta capim, feijão, hortaliças, milho e cria bovinos. Todos são envolvidos

Lucinaldo ladeado pelo filho e a esposa

De Volta ao Campo:

Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas Articulação Semiárido Brasileiro – Pernambuco

Realização Apoio

nos trabalhos: juntos, fazem sementeiras e depois realizam os transplantes. Com o cuidado de preservar o meio ambiente, eles não usam nenhuma ferramenta mecânica na produção.

Em 2005, a necessidade de aprofundar os conhecimentos na área agrícola fez com que Lucinaldo voltasse para a sala de aula, mais precisamente no curso técnico em Agropecuária, da Fundação Bradesco, em Garanhuns. “Quando eu voltei para a zona rural, descobri que aquilo que eu aprendi com os meus pais era uma base, mas havia muito mais, então me inscrevi na escola técnica”, contou. O conhecimento adquirido ao longo da vida, hoje, é compartilhado com agricultores das cidades de Angelim, Calçado e Terezinha, municípios onde ele ministra capacitações sobre gestão e manejo de água para produção. “Eu tenho muita curiosidade de saber sobre a realidade, sobre as tecnologias e de poder transformar isso em benefício para o campo, através da troca de aprendizados com outras pessoas”, completou.

E para quem acredita que a seca é a maior dificuldade enfrentada pelo homem e a mulher do campo, engana-se. “A estiagem existe desde o princípio dos tempos. É um fenômeno da natureza e nós temos que aprender a conviver com ela, porque faz parte do semiárido brasileiro. A maior dificuldade das pessoas que moram na zona rural é a falta de vontade política, porque políticas públicas nós temos, mas infelizmente os governantes brasileiros ainda não descobriram que o campo é a mola de tudo. E como diz o ditado popular: 'se o campo não planta, a cidade não janta'”, afirmou.

Lucinaldo reconhece a importância da zona urbana na própria vida, mas além de considerar a convivência com o campo como o motivo principal da volta para a zona rural, ele enumera outros pontos que ajudaram na decisão. “O período que eu passei na cidade foi uma aprendizagem. Eu não teria o conhecimento e a experiência que tenho hoje se não tivesse passado por lá. O grande problema da zona urbana é a violência e na roça é diferente. Quando eu era criança, a realidade do campo era muito difícil, não existia água tratada e encanada; energia elétrica eu só via na cidade. Hoje, nós temos tudo: água, telefone, internet. Não existe diferença em relação aquilo que a cidade oferece. Sem contar que aqui no sítio ainda temos o privilégio de viver bem, com um ar mais puro e não estamos envolvidos diretamente com a violência”, destacou.

Para o agricultor, a convivência com o campo revela importantes segredos da vida. “Na roça, descobrimos que ficamos mais perto de Deus quando vemos as plantas nascerem, as aves livres. Aí, sim, entendemos o que é a natureza realmente, o que é o

infinito, aprendemos a respeitar e valorizar muito mais tudo isso. Morar aqui é nota dez, é vida, é saúde, é muito bom”, concluiu.

O agricultor ao lado do Juazeiro, árvore considerada símbolo do Sertão

Lucinaldo ministrando capacitação para agricultores