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 DEBATES EM TORNO À CIDADANIA E EDUCAÇÃO Contribuições à pesquis A revisão que pr op õe-se ne ste te xt o tem po r ob jeti vo contri bu ir ao me u entendimento dos múltiplos debates que estão imersos na formação de cidadania no amplo campo da educação, assim como iniciar um diálogo da minha compreensão dess es temas co m a ju stifi ca tiv a de empr eender um es dio comp ar ad o sobre a cidadania ideal no rasil e na !ol"mbia# A pe squi sa que propon ho -me ad ia nt ar du rant e o dout or ad o, in ti tulada Ci!! nis "tin o#$e ri% ns& Repr ese ntções !o Ci!!'o I!e ( nos Te)tos Es%o (re s* Estu!o Co$p rti+ o !e T e )tos Co(o$bi nos e Brs i(eir os, tem uma  justificativa inicial que, depois da revisão dos artigos aqui citados, mudará# $or isto, o  presente texto encontras se organi%ado em tr&s parte s principais' a justificativa inicial, os debates e as contribuições para minha pesquisa, e as conclusões do exerc(cio de revisão# -usti.i%ti+ ini%i( A pesar das difer ente s trans forma ções dos proce ssos pol(t icos, econ "micos, sociais e culturais relacionadas com a ampliação das fronteiras entre os estados-nação, as escolas continuam sendo instituições que t&m a tarefa de transmitir certos valores universais, no contexto da nação' a formação de cidadãos ) um deles e está vigente# *o ar ti go + ut ões cru%adas' a ci da da ni a e a escola , no qu al .u be t es tu da a tra ns formação da escola re pu bl icana fra nc esa, o auto r ex e qu e embo ra as caracter(sticas da cidadania venham sofrendo uma transformação contextual, uma das tarefas importantes da escola continua sendo a formação de cidadãos# /mbora se  pretendesse que o cidadão republicano fosse um sujeito mais +passivo do projeto institucional e, atualmente, as transformações da escola evidenciam a intenção de que este cidadão seja um indiv(duo que exerça seus direitos e deveres 0um indiv(duo com compet&ncias cidadãs1, os estados continuam interessados em que as escolas promovam certos valores +universais de cidadania 0.ubet, 23441# 5e como ourdieu afirma em +5tructures, 6abitus, $o7er' asis for a 8heor9 of 59mbolic $o7er, as representações  produ%em o que representam 0ourdieu, 4::;1, e como sugerido por <oucault em 1

DEBATES EM TORNO À CIDADANIA E EDUCAÇÃO

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A revisão que propõe-se neste texto tem por objetivo contribuir ao meu entendimento dos múltiplos debates que estão imersos na formação de cidadania no amplo campo da educação, assim como iniciar um diálogo da minha compreensão desses temas com a justificativa de empreender um estúdio comparado sobre a cidadania ideal no Brasil e na Colômbia.

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Debates em torno cidadania e educao Contribuies pesquisa

A reviso que prope-se neste texto tem por objetivo contribuir ao meu entendimento dos mltiplos debates que esto imersos na formao de cidadania no amplo campo da educao, assim como iniciar um dilogo da minha compreenso desses temas com a justificativa de empreender um estdio comparado sobre a cidadania ideal no Brasil e na Colmbia. A pesquisa que proponho-me adiantar durante o doutorado, intitulada Cidadanias Latino-americanas? Representaes do Cidado Ideal nos Textos Escolares. Estudo Comparativo de Textos Colombianos e Brasileiros, tem uma justificativa inicial que, depois da reviso dos artigos aqui citados, mudar. Por isto, o presente texto encontrasse organizado em trs partes principais: a justificativa inicial, os debates e as contribuies para minha pesquisa, e as concluses do exerccio de reviso.

Justificativa inicialA pesar das diferentes transformaes dos processos polticos, econmicos, sociais e culturais relacionadas com a ampliao das fronteiras entre os estados-nao, as escolas continuam sendo instituies que tm a tarefa de transmitir certos valores universais, no contexto da nao: a formao de cidados um deles e est vigente. No artigo Mutaes cruzadas: a cidadania e a escola, no qual Dubet estuda a transformao da escola republicana francesa, o autor expe que embora as caractersticas da cidadania venham sofrendo uma transformao contextual, uma das tarefas importantes da escola continua sendo a formao de cidados. Embora se pretendesse que o cidado republicano fosse um sujeito mais passivo do projeto institucional e, atualmente, as transformaes da escola evidenciam a inteno de que este cidado seja um indivduo que exera seus direitos e deveres (um indivduo com competncias cidads), os estados continuam interessados em que as escolas promovam certos valores universais de cidadania (Dubet, 2011). Se como Bourdieu afirma em Structures, Habitus, Power: Basis for a Theory of Symbolic Power, as representaes produzem o que representam (Bourdieu, 1994), e como sugerido por Foucault em Esttica, tica y hermenutica, h uma forma mais sutil de assegurar o controle dos outros, a travs da direo da sua conduta (Foucault, 1999), ento, pretender formar cidados desde a educao escolar no uma inteno alheia nem isolada do projeto estatal-governamental. Durante o desenvolvimento do meu mestrado, dediquei-me a entender um dos eixos importantes do projeto estatal-governamental de construo de cidadania na Colmbia: a formao de cidados em e para a paz. No ltimo Plano Nacional de Educao (PNDE) 2006-2016, na Colmbia, La educacin en y para la paz, la convivencia y la ciudadana um dos dez temas que se inscreve na promulgao desses valores universais da escola. De acordo com o documento que resume os dez temas e macro-objetivos do PNDE, publicado pelo Ministrio de Educao Nacional (MEN)Em Colmbia, em 2016, dentro do marco do Estado social e democrtico de direito e do seu reconhecimento constitucional como um pas multicultural, pluri-tnico, diverso e biodiverso, a educao um direito cumprido para toda a populao e um bem pblico de qualidade, garantido em condies de equidade e incluso social pelo estado, com a participao co-responsvel da sociedade e da famlia no sistema educativo. A educao um processo de formao integral, pertinente e articulado com os contextos local, regional, nacional e internacional que, desde a cultura, os saberes, a pesquisa, a cincia, a tecnologia e a produo, contribui para o justo desenvolvimento humano, sustentvel e solidrio, com a finalidade de melhorar a qualidade de vida dos colombianos, e atingir a paz, a reconciliao e a superao da pobreza e da excluso.[footnoteRef:1] (MEN, 2009, p.3) [1: Meu grifo e traduo ]

Alcanar a paz, em 2016, ser possvel graas a uma educao pacificadora de crianas e jovens (futuros cidados), que convivero e exercero a sua cidadania. Educar em e para a paz requer, por suposto, de diversas estratgias que tm sido agrupadas pelo PNDE em macro-objetivos que, em nveis muito distintos, apontam para: a criao de polticas pblicas que promovam certos valores, o envolvimento de diferentes setores da sociedade civil com o fim de compromet-los a promover esta educao cidad pacfica, a incluso de grupos populacionais vulnerveis, e re-estruturao das diferentes dependncias implicadas na organizao escolar. Estas estratgias podem, em conjunto, chegar a atingir uma meta que, a cincia certa, no clara[footnoteRef:2], mas que ganha sentido luz de um contexto de violncias prolongadas no territrio da nao colombiana. [2: No claro o qu significa uma educao em e para a paz; entre outras coisas porque a paz assume-se como algo que todos entendemos da mesma forma; a paz algo naturalizado, arbitrrio, e que por sua vez pode ser compreendido a travs do sentido comum. ]

Uma das estratgias importantes para alcanar a meta da formao cidad o plano curricular. Na Colmbia, a tarefa da formao de cidadania lhe corresponde diretamente rea de Cincias Sociais. Esta pesquisa pretende se concentrar no estudo do texto escolar de Cincias Sociais, por ser este uma ferramenta que d conta de dito plano e, por sua vez, agrupa desafios de diferentes dependncias da organizao escolar, que contribuem para a formao de valores universais na escola. O texto escolar permitir rastrear as caractersticas da cidadania e entender os mecanismos para sua formao. Embora seja difcil predizer os resultados-prticas da experincia leitora de um estudante (futuro cidado) quando aborda um texto escolar, poderemos SIM anunciar a inteno do texto no concernente formao da cidadania. Os textos escolares funcionam como mediadores entre os saberes e o aprendizado. So teis porque, entre outras coisas, sugerem para o professor a forma de desenvolver as competncias cidads nos estudantes, e propem dilogos diretos com os estudantes, dilogos que buscam formar cidadania e incentivar o desenvolvimento das mencionadas competncias. No livro La identidad nacional en los textos escolares de ciencias sociales; Colombia: 1900-1950, Herrera, Pinilla e Suaza chamam a ateno sobre a multiplicidade de representaes, discursos e vozes que convergem nos textos escolares. Os autores afirmam que nestes textos so tecidos, de forma heterognea, os interesses e interrogantes de uma poca, expressados nas mltiplas digitais que deixam os editores, os livreiros e os autores, e que assinalam, entre outros, os projetos sociais e polticos dos quais faziam parte, suas trajetrias profissionais e o papel dos intelectuais em uma poca determinada, bem como o estado e a apropriao das disciplinas sobre as que foram escritos os textos e os modelos pedaggicos nos quais se inspiraram; enfim, o cmulo de significaes que nos permite falar dos textos escolares como objetos culturais que entram em interaes complexas com o contexto escolar no qual se difundem,() (Herrera et al, 2003, p.46)[footnoteRef:3] [3: Minha traduo ]

Esta multiplicidade de significados e agentes dos textos escolares evoca a necessidade de se aproximar a estes textos como unidades de estudo que podem dar conta do planejamento da vida dos cidados.

Esta pesquisa prope-se estabelecer uma comparao entre textos escolares brasileiros e colombianos para desvendar as caractersticas da cidadania em ambos os pases. No caso da Colmbia j foi adiantada uma recopilao e uma anlise preliminar de informao, focada no eixo da formao de cidados em e para a paz, que ter que ser ampliada ao longo da pesquisa para revelar esses outros eixos fundamentais que constituem a cidadania colombiana. No caso da educao brasileira, ser feita uma reviso do marco legislativo e curricular do Ministrio de Educao e do plano (ou planes) de desenvolvimento que guardem correspondncia com o PNDE colombiano, para entender, em primeiro lugar, qual a adjetivao da cidadania desde a educao no Brasil e, consequentemente, decifrar essas caractersticas que revistem de sentido ao cidado brasileiro. Tanto no caso brasileiro como no colombiano, a anlise dos textos contemplar tambm uma reviso das diferentes dependncias envolvidas na organizao escolar: as diretrizes que regem os currculos das reas encarregadas da formao da cidadania, os planos de desenvolvimento educativo, as polticas dos respectivos ministrios de educao e as constituies polticas dos pases. Em ambos os casos dever ser determinado em quais sries escolares a formao de competncias cidads tem uma nfase particular, para focar a pesquisa nos textos que so usados nessas series.Qual a importncia da comparao entre os dois pases? Nos livros O direito educao e as dinmicas de excluso na Amrica latina e Alfabetizacin, ciudadana y toma de conciencia, Gentili e Castrilln, respectivamente, reconhecem no exerccio da cidadania a possibilidade da transformao das condies de desigualdade na Amrica Latina (Gentili, 2009, p.1073; Castrilln, en Larrosa et al, 2006, p.74). Em sociedades to profundamente desiguais como as latino-americanas, pensar nas caractersticas da cidadania que promovem as escolas pblicas, permite-nos ver se essa futura cidadania no exerccio guarda possibilidades transformadoras das desigualdades e assinalaria os limites das possveis transformaes. A identificao dos eixos fundamentais da construo da cidadania em ambos os pases mostrar-nos- as relaes e/ou contradies que esto presentes na hora de pensar em uma possvel cidadania latino-americana; no caso colombiano, encontrar outros eixos, alm da formao pacificadora do cidado, poder ampliar os pontos de comparao das prticas curriculares. A comparao tambm nos mostrar os interesses e interrogantes que giram ao redor da formao cidad, no contexto latino-americano cada vez mais tendente integrao. Interesses que podem estabelecer contradies com a prpria caracterizao da cidadania. Se como sugerido por Dubet, Varela, lvarez-Ura e Vorraber a formao cidad desde a educao est cada vez mais estreitamente ligada com um sistema mercantilista (Dubet, 2011, p.301; Varela e lvarez-Ura, 1991, p.266; Vorraber, 2009), as possibilidades da reduo das desigualdades diminuiro. Como advertido por Vorraber, a convenincia da escola para formar um tipo especfico de cidadania deveria nos fazer desconfiar das boas intenes da cultura, neste caso educativa, para solucionar os diferentes problemas sociais que se gestam num contexto ainda desigual (Vorraber, 2009, p. 527).A anlise preliminar da informao e a reviso bibliogrfica bem como a projeo comparativa desta pesquisa, permitem-me levantar as seguintes questes: quais so as caractersticas do cidado ideal colombiano? Quais as do brasileiro? As diferenas e/ou similaridades nos permitem falar de uma(s) cidadania(s) latino-americana(s)? Que implicaes tem isto para os diferentes projetos educativos nacionais e para a pretendida integrao regional?

Os debates e suas contribuiesUma resposta responsvel e objetiva s perguntas formuladas na justificativa deve levar em conta, em primeiro lugar, uma reviso dos principais debates que se tecem ao redor do tema cidadania e educao. Por isto, a continuao resumirei e comentarei as ideias principais de quatro artigos que revisei. No darei conta da totalidade dos debates contudo, pelas preocupaes recorrentes assim como pelas citaes que compartilham os textos, poderia dizer-se que as afirmaes plasmadas nos artigos revisados se remetem a debates relevantes no mbito da pesquisa sobre cidadania e educao.O primeiro que tem que ser dito sobre os artigos revisados que podemos ver duas grandes linhas na pesquisa sobre cidadania na educao: aquela que aborda cidadania como um fim e uma outra que a define como um meio. Os estudos da primeira linha so de corte macro, os sujeitos de pesquisa so normalmente as instituies sociais. Para estes estudos importante ver qual a origem e a polissemia da cidadania, qual suas repercusses e redefinies no mbito da educao, e o que uma educao para a cidadania representa a nvel poltico, social, cultural e econmico. Os estudos da segunda linha so de corte micro. Para estes estudos mais importante se focar na cotidianidade do futuro cidado e indagar pelas prticas que gerariam, desde as escolas, comportamentos sociais e polticos desejveis para a boa convivncia. Embora se reconhecem as constries institucionais, estes estudos procuram entender como se constri a cidadania na cotidianidade da escola ou de outros mbitos educativos.A continuao farei uma descrio dos estudos, seus pontos de encontro e contribuies para o debate, e a utilidade que revistem para minha pesquisa. Localizei dos artigos no primeira linha e dos na segunda.

Cidadania como fimComo foi mencionado anteriormente, nesta linha situo os artigos que discutem o tema baseados nos interesses e relaes que a cidadania conota nas diversas instituies sociais. A etiqueta cidadania como fim um emprstimo do primeiro artigo que apresentarei. Embora o autor estivesse falando duma mudana histrica na concepo da cidadania, considero que atualmente poderamos classificar as pesquisas sobre cidadania nas que vem-la como um fim e as que vem-la como um meio. Na linha de cidadania como fim encontram-se os trabalhos de Cardoso e Ball. Cardoso, em A Educao para a Cidadania: Entre Passado, Presente e Futuro, aborda quatro dualismos pblico/privado, universalismo/comunitarismo, educao/formao, passado/futuro- que contribuem a pensar no amplo debate sobre a cidadania e as mudanas histricas que o conceito tem sofrido. O analise permite-lhe propor como objetivo da educao contempornea uma cidadania focada no passado. Alm de ser uma crtica educao por competncias, o artigo um analise da naturalizao de caractersticas tales como o carter nacional na epistemologia da cidadania. Em Sociologia das polticas educacionais e pesquisa crtico-social: uma reviso pessoal das polticas educacionais e da pesquisa em poltica educacional, Ball analisa as mudanas do setor pblico -de um estado liberal para um neoliberal- em Inglaterra e como isto h afetado a formao de cidadania. Com base na experincia prpria em pesquisa de polticas pblicas educacionais na Inglaterra o autor destaca os desafios dos pesquisadores de polticas pblicas no campo da educao. Neste texto destacarei a relao das mudanas com a formao de cidadania.

A primeira dupla que Cardoso aborda pblico/privado. Ao comparar os limites de cada uma das esferas da vida das pessoas na antiguidade e na modernidade, baseado em dois trabalhos de Arendt, o autor afirma que os limites entre o pblico e o privado so tnues desde a instaurao dos estados nacionais. Na Grcia Antiga era muito claro que a famlia pertencia ao mbito do privado e que a poltica ao mbito do pblico. Como nos estados modernos a esfera do pblico se faz necessria para cuidar da ...nica coisa que as pessoas tm em comum: (...) seus interesses privados (Arendt, 2005, p. 37-38), a administrao da populao (instaurao da burocracia) desloca o carter persuasivo que na Grecia Antiga fosse o principal senso da polis e introduz a esfera do social, o que levou a que a nao for vista como uma grande famlia que deveria ser ordenada.

A afirmao do autor deixa por fora outros fatores importantes para entender as mudanas da dupla pblico/privado, como por exemplo o crescimento demogrfico, e no estabelece claramente as consequncias diretas disto para o mbito da educao. No entanto, sublinha uma consequncia sociocultural que abre um campo importante de interrogao na comparao que pretendo fazer entre os tipos ideais de cidadania entre o Brasil e a Colmbia. Dita consequncia que Na periferia do mundo moderno, como o caso do Brasil, os limites entre pblico e privado so mais tnues ainda (Cardoso, 2009, p.139), pois h uma tendncia a aceitar tanto poderes formais como informais no planejamento e regulao da vida pblica.

Colmbia faz parte desta periferia e no aleia tendncia mencionada. De fato, um dos estudos mais compreensivos sobre o conflito armado na Colmbia Colonizacin, ciudadana y narcotrfico, de Perea, identifica essa indefinio dos poderes como uma das principais causas da origem y perpetuao do conflito armado Colombiano. No caso colombiano dita causa tem uma relao direita com a educao pois a tarefa de pacificar e formar cidadania pacifica foi encomendada educao e a cultura. O que para Cardoso dificulta a formao de cidadania, essa informalidade dos poderes, essa mistura do pblico e o privado, para autores como Perea so uma das causas de um conflito que deve ser resolvido, em parte, pela educao. A naes Brasileira e Colombiana compartilham a legitimidade dos poderes informais. Como se relao este fato com a formao de um tipo especfico de cidadania?

Alm do mencionado, h trs consequncias importantes de entender a mudana dos limites do pblico e do privado para minha pesquisa: a primeira, que ao analisar os projetos de formao de cidadanias especificas (a Colombiana e a Brasileira) necessrio revisar uma srie de interesses privados que do sentido as prescries pblicas do mbito educativo: se os limites entre o pblico e o privado no so claros, tambm no sero os interesses, as motivaes e as prescries. A segunda que o entrecruzamento do privado e do pblico sugere uma sociedade mais complexa, o que exige se afastar de leituras reducionistas e ao mesmo tempo entender a sofisticao dos mecanismos para incentivar um tipo ideal de cidadania. A terceira que, reconhecendo que a cidadania moderna parte de um projeto nacional, os tipos ideias de cidadania poderiam permear os limites do nacional no entrecruzamento entre o pblico e o privado em um contexto de liberao das fronteiras econmicas.

Neste ltimo ponto, encontro relevante a advertncia de Ball sobre a falta de pesquisas que prestem ateno a incidncia da globalizao dos mercados nas opes polticas dos estados nao e, consequentemente no campo da educao, na formulao de polticas educativas. A reduo das fronteiras entre o pblico e o privado transcende os limites do nacional, pelo que importante formular pesquisas que indaguem por as consequncias de este fenmeno no planejamento da vida do cidado.

A segunda dupla analisada pelo autor universalismo/comunitarismo. Este binrio contrasta o fato de pertencer a um territrio com o carter vinculante de dito pertencimento, o que significa que o sustento da nao em uma tradio universalista nascer dentro de um determinado territrio, enquanto que em uma viso comunitarista o fundamento seria um vnculo que se estabeleceria entre as pessoas que conformassem esse territrio. As duas partes da dupla assinalam um sentido de pertencia que deve ser rastreado. Sem importar qual seja a viso dominante num ou outro estado, quem poderia caber na nao, no estado, quem no mundo? Deveria ser uma das primeiras preguntas planteadas quando aproximar-me compreenso dos projetos que pretendem construir determinadas cidadanias. Minha pesquisa no pode estar aleia, por exemplo, a discursos transnacional como o reconhecimento a diferena e o respeito aos direitos dos grupos minoritrios. Pensar nos direitos e pensar nos cidados. Por isto, que implicaes para o analise de documentos que buscam formar cidadania poderiam ter afirmaes tales como Colmbia uma nao multicultural e Brasil uma democracia racial? Cada uma das partes da dupla universalismo/comunitarismo tem um vnculo com os sistemas polticos. Da primeira se desprender o estado centralista e da segunda um federalista. Este seria outro aspecto que dificultaria a constituio de um projeto nacional no Brasil, pois o Brasil seria na verdade uma mistura dos dois. Segundo o autor:Na arrepsia entre o projeto estadunidense e o projeto francs, o Brasil se transformou numa Repblica que no nem federativa como a estadunidense por no atribuir uma considervel autonomia legislativa aos estados, nem nacional como a francesa por no centralizar aspectos fundamentais da constituio da nacionalidade como a execuo da educao bsica. (Cardoso, 2009, p.142)

Se bem certo que no necessariamente o sistema poltico chega a ser uma causa determinante na concretizao dum projeto nacional, para estabelecer uma comparao de documentos pblicos (como os livros didticos e as polticas pblicas) importante levar em considerao que no caso brasileiro poderia existir uma autonomia das polticas que dependeria da relativa autonomia dos estados, enquanto que no caso colombiano essas polticas sempre teriam um rgo centralizador. A terceira dupla educao/formao s pode ser compreendida luz das diferenas entre democracia e cidadania na antiguidade e na modernidade. No texto de Cardos a democracia antiga entendida ...como mito de origem da democracia moderna, e no como quintessncia da cidadania. (2009, p.143) Segundo o autor:Para compreender o sentido contemporneo de cidadania e democracia, necessrio questionar a ideia de que esses conceitos surgiram na Antiguidade e retornaram ao Ocidente aps um suposto hiato da Idade Mdia. Apesar de utilizarmos as palavras democracia e cidadania em referncia a regimes antigos e modernos, as diferenas entre eles so bastante significativas. A comear pelo sentido da ao poltica. A democracia antiga visava o autocontrole dos cidados, diante do qual a apatia poltica era impensvel. (Cardoso, 2009, p.143)

Quando analisar os documentos pblicos contemporneos o mais seguro que estaremos diante de projetos inscritos numas noes de democracia e cidadania modernas. Pareceria obvio, mas se eu como pesquisadora no estivesse atenta as diferenas terico-prticas poderia cair numa certa descontextualizao no anlise. Cardoso ajuda-nos a entender que temos naturalizado a relao da cidadania com a democracia como si esta ltima permanecera a mesma desde a polis grega. Ento, podemos pensar que a cidadania poderia exercer-se em outra forma de organizao do estado y que a democracia moderna poderia estar sendo uma utopia devido que a sociedade mais complexa. Si na Grcia Antiga ser cidado era, sobretudo, agir politicamente, seria importante pensar de que modo se tem reconfigurado a democracia e a cidadania para que estejamos num sistema onde a participao se delega e, mais importante ainda, por que a escola deveria estimular uma participao que desestimulada -de fato- pelos mesmos mecanismos democrticos. Quais seriam as estratgias que se revelam nos documentos para, desde a formao cidad, ratificar uma certa noo de democracia e por que isto importante?

Cardoso diz que da democracia antiga democracia moderna houve trs mudanas que reconfiguraram a cidadania: em primeira instancia, a eleio dos lderes (atuais representantes polticos) era feita por sorteio, no por eleio. Sorteava-se entre os membros da polis a participao poltica na assembleia. Cada cidado tinha a oportunidade de ser sorteado mximo duas vezes na vida para cada rgo poltico. Isto garantia que todos os cidados tivessem exercido, pelo menos, um cargo poltico na vida e que no se formasse, o que agora conhecemos como, uma elite de polticos profissionais. Em segundo lugar, os mecanismos institucionais da punio faziam com que o elegido se responsabilizasse por suas propostas; assim, existiam diferentes mecanismos que incentivavam a responsabilidade de propor e agir de acordo a um interesse comum, contrrio ao que vemos hoje em dia em mecanismos como a imunidade parlamentar, que buscam proteger ao representante e eximi-lo da sua responsabilidade em suas propostas e aes. Estas duas mudanas fazem me perguntar se nos projetos de cidadania ideal se salientam certos perfis profissionais e qual seria a finalidade de eles. Assim como, qual seria a noo de responsabilidade que acompanharia essa formao, seria esta uma noo homognea e coerente com os objetivos de incentivar uma cidadania especifica?

A terceira mudana, tal vez a mais importante de todas, que a cidadania deixou de ser um fim para converter-se num meio. Segundo o autor, na antiguidade ser cidado era equivalente a trabalhar na constituio de uma vida digna, justa e moral. Na modernidade, a ambio se reduz a que o exerccio limitado da cidadania contribuir eficincia do sistema poltico. (Cardoso, 2009, p.144) Do anterior pode-se abstrair que a educao para a cidadania adquire umas conotaes diferentes no caso em que o fim dos mtodos pedaggicos eficazes seria um cidado que potncia as suas capacidades para o bem prprio e o bem da sociedade, ao caso no que a cidadania um mtodo pedaggico que produz um cidado eficaz para si e para a sociedade. Estas abstraes so importantes hora de entender os projetos de formao de cidadania nos documentos pois poderamos antecipar mudanas na educao e avaliar, por exemplo, a convenincia dos exerccios de promoo de mecanismos democrticos nas escolas. Qual a relao do exposto anteriormente com a dupla educao/formao? Pois bem, segundo Cardoso, quando a cidadania um fim e no simplesmente um meio, e quando este fim um compromisso de todos os cidados, em todas as esferas da vida social se promove uma formao para a cidadania (paideia), o que significaria que esta tarefa no duma soa instituio seno duma cultura comprometida com o melhoramento das capacidades humanas em benefcio do interesse comum. Contrrio a uma educao para a cidadania que, descontextualizada do exerccio poltico, mais ao mesmo tempo imbuda nos seus interesses, promove prticas que redundam no controle social e na coero sem o uso da forca. Formar uma tarefa que assumiria a sociedade, e educar uma tarefa que se delegaria escola. Os documentos ratificam o discutem esta separao que to clara para o autor, de que modo? Se for o caso, que consequncias poderiam se desprender do fato de que os seres humanos nos eduquemos e no nos formemos como cidados? Quais seriam os desafios da escola para atingir a formao, quais os da sociedade? Poder-se-ia formar cidadania sem educao?

Dentro da educao para a cidadania no mundo moderno, o autor assinala uma grande diferena entre o sculo XIX e o XX: enquanto a cidadania do sculo XIX estava preocupada por uma educao cvica que reforasse a aprendizagem dos direitos e deveres civis e polticos, a do XX tinha a inteno de exerc-los. Uma vez mais o importante para mim seria entender se essas mudanas nos falam das preocupaes e os interesses duma poca e duma determinada sociedade, assim como descobrir os mecanismos que as promovem ou disputam. As diferencias expostas por Cardoso entre antiguidade e modernidade, assim como as diferenas que se renem na modernidade respeito ao projeto de formao cidad, nos levam ltima dupla do texto: passado/futuro. De aqui se desprender a tese do texto. Segundo Cardoso, a educao contempornea estaria exercendo-se em ...uma instituio pr-poltica (a escola). Os alunos ainda no so cidados, pois no votam, no podem concorrer a cargos polticos, no pagam impostos e no so responsabilizados criminalmente. A educao para a cidadania no visa prepar-los para a poltica como conhecemos hoje, mas para um imprevisvel exerccio futuro da poltica. (2009, p.148)

Por que isto problemtico? Em primeira instncia porque para preparar os alunos para um futuro poltico a escola se fundamenta no presente dos alunos. Um presente que sugere um exerccio da poltica principalmente como validao dos mecanismos eleitorais e delegao da participao. Consequentemente, educar cidados no presente significado da cidadania poderia segurar a permanncia do inativismo e reducionismo polticos. Em segunda instancia, esta educao baseada no presente para o futuro supe o desenvolvimento dumas competncias que privilegiam o saber como sobre o saber que, o que sugeriria novamente uma prtica reprodutiva da sociedades. Em palavras do autor,

... a preponderncia do saber como know how sobre o saber que know that (...) por decreto supe a educao como o ato de desenvolver competncias ou capacidades sem um necessrio compromisso tico para alm da eficcia. (Cardoso, 2009, p.149)

Esta advertncia do autor encerra uma preocupao pelas mudanas do ser cidado; preocupao que levada at as consequncias ontolgicas no anlise de Ball. Uma aparente escolha de mtodos tem certamente uma mudana dos objetivos da educao, assim como dos sujeitos educveis. Segundo Ball,

No simplesmente que o que ns fazemos mudou; quem ns somos, as possibilidades para quem ns deveramos nos tornar tambm mudaram. Existem novas formas de dizer coisas plausveis sobre outros seres humanos e sobre ns mesmos (Rose, 1989, p. 224). Ento, parte da transformao identificada acima uma transformao no regime de regulao da conduta privada (p. 226). (Ball, 2006, p.18)

Entender algumas das estratgias que estimulam a regulao da conduta privada dos cidados, em documentos pblicos, poderia contribuir a revelar um para que do afazer de professores e estudantes na escola, e sua relao com as mudanas do mundo no que habitam. Neste sentido, poderamos ver que o discurso da eficcia estaria contextualizado num sistema poltico no qual a democracia est cada vez mais reduzida a seus mecanismos eleitorais e a cidadania restrita a uma srie de procedimentos de auto regulao. Como estes procedimentos dialogam o entram em contradio com a procura de um bem-estar coletivo?

J sabemos, por uma ampla quantidade de estudos nas concepes de economia e poltica neoliberal, desde a dcada dos 70 at hoje, que as instituies sociais trabalham cada vez mais em prol de uma autonomia do mercado respeito ao Estado. Ball resume esta tendncia da seguinte maneira:

O novo cidado animado por e articulado s concepes de liberdade de Hayek, da liberdade de mais do que da liberdade para, e liga-se ao direito de escolha. A democracia do consumidor outra vez tanto o meio quanto o fim da mudana social e econmica. A escolha ativa assegurar um setor pblico mais responsivo e eficiente e "libertar o natural empreendedorismo e as tendncias competitivas dos cidados, destruindo a assim chamada cultura da dependncia no processo, recolocando-o com as virtudes da auto-ajuda e auto-responsabilidade (ver Deem et al, 1995, cap. 3). (2006, p.17)Se esta uma tendncia mundial, o importante para mi pesquisa seria ento ver como os projetos especficos de formao da cidadania no Brasil e na Colmbia se ajustam o so prefigurados por esta tendncia e que poderiam dizer-nos de um certo tipo de cidadania regional, tal vez latino-americana. Seriam as raes econmicas o nico motor de uma cidadania que traspassasse as fronteiras dos estados nao? Se no, qual seria a importncia dessas outras raes? Outro dos aportes do texto de Ball para minha pesquisa que as polticas educacionais possuem rasgos que as diferenciam do resto das polticas pblicas. Ball cita a Elmore, em School Reform, Teaching and Learning, para referir-se brevemente a estas caractersticas,Como Elmore (1996) salientou, a poltica aditiva, assentada em camadas e filtrada. Ele avana defendendo que: Polticas de reforma educacional [e eu acrescentaria, a pesquisa sobre polticas educacionais SJB] tipicamente incorporam trs conceitos distintivos: a) que o mais novo conjunto de reformas polticas automaticamente precedente sobre todas as outras polticas sob as quais o sistema operou; b) que as reformas polticas emanam de um nvel singular do sistema educacional e incorporam uma mensagem singular sobre o que as escolas deveriam fazer de maneira diferente; e c) que as reformas polticas deveriam operar mais ou menos da mesma maneira independemente das caractersticas de sua implementao.(2006, p.19)Alm do aporte para anlise das polticas, entender esses rasgos distintivos poderia-me-ser til para definir um caminho metodolgico. Esses rasgos persistiriam sem importar o contexto de produo das polticas? Esses rasgos poderiam se transformar em categorias analticas num estudo comparativo?

Por ltimo, a seguinte afirmao de Ball, contm uma srie de ressalvas no que tange aos limites e alcances da minha pesquisa. Ele afirma que,

... importante no confundir o calor e o rudo da reforma e a retrica da marketizao com a mudana real de estrutura e valores. De modo geral, a anlise poltica necessita ser acompanhada por cuidadosa pesquisa regional, local e organizacional se nos dispomos a entender os graus de aplicao e de espao de manobra envolvidos na traduo das polticas nas prticas. (Ball, 2006, p.16)

A minha pesquisa no conseguir atingir as prticas que se desprendem do planejamento da formao da cidadania nos documentos pblicos, mais poder ser um texto consultivo para o desenho de pesquisas que procurem compreender quais so as prticas que facilitam a consolidao de projetos especficos de formao cidadania, em mbitos locais e regionais.

Cidadania como meioNesta linha cito dois artigos que concebem a cidadania como meio e que vem desejvel a promoo de exerccios de cidadania dentro das escolas. Neste sentido, estes artigos se afastariam dos meus interesses e mtodos de pesquisa. Sem embargo, me so teis porque permitem-me entender outra cara do debate, assinalam as limitaes da minha pesquisa e fundamentam as raes para no empreender um estdio prtico. Cidadania, Educao e Cotidiano, um ensaio terico em que Maia e Pereira utilizam as categorias analticas agncia, experincia e identidade para indagar a maneira em que os estudos do cotidiano contribuem compreenso da cidadania como prtica cotidiana nas escolas. Novella et al., em El concepto de ciudadana construido por jvenes que vivieron experiencias de participacin infantil, apresentam os resultados duma pesquisa que buscou entender de que modo a participao (ou no) de um grupo de jovens em mbitos educativos na infncia influenciou o conceito de cidadania que estes mesmos jovens reconhecem como tal. No caso do primeiro artigo, citarei algumas ideias principais que pem em evidencia a inviabilidade das suas pretenses. No caso do segundo, exalto os achados que destacam a importncia de estudos prticos no tema da cidadania e educao.

Na introduo do artigo, Maia e Pereira afirmam que Entre os artefatos culturais que permeiam a trajetria dos praticantes da contemporaneidade, destacamos neste artigo a categoria cidadania. (2014, p. 618), com o que sugerem no s uma certa instrumentalizao da (abstrao) cidadania, seno que confundem ao leitor. A cidadania alm de artefato cultural seria uma categoria analtica? Qual seria a sua diferena com as categorias estabelecidas para o anlise? Como uma abstrao que no se define converte-se em artefato cultural? Como localizar a contemporaneidade e fazer dela uma prtica? Passo seguido, as autoras dizem que esto interessadas na cidadania como prtica cotidiana, o que corrobora o fato de que a cidadania seja entendida como meio que visa atingir algum objetivo. De este fato, ento, se desprendem duas perguntas: qual cidadania e qual seu fim? Duas perguntas que me remetem a preocupao de Cardoso e Ball respeito a predominncia do saber como sobre o saber que na educao. Segundo Maia e Pereira, alguns pesquisadores educacionais tem assinalado que, ...a cidadania deve ser trabalhada, do ponto de vista pedaggico, como um processo e uma prtica do cotidiano. Nessa dinmica, os educandos continuamente tm oportunidades de atribuir significados s suas prticas e de construir uma compreenso prpria do que significa ser um cidado nos mbitos local e global, a partir de uma postura de contestao e questionamento dos contextos sociopolticos e culturais (Smith; Lister; Middleton; Cox, 2005; Biesta; Lawy; Kelly, 2009). (2014, p.619)

O anterior, seria uma das motivaes para empreender um estdio sobre as prticas pedaggicas da cidadania, segundo as autoras. No entanto, h uma srie de erros na argumentao: uma prtica cotidiana no o mesmo que uma prtica do cotidiano. No primeiro caso, a prtica sucede todos os dias, no segundo, o que susceptvel de ser praticado o cotidiano (seja o que for). De qualquer forma, o cotidiano j est imbudo numa srie de instituies scias que ditam as possibilidades de compreenso do indivduo, o que dificulta seguir a pista s compreenses prprias dos estudantes.

A velha rivalidade no campo da educao entre a prtica e a teoria parece motivar outra das afirmaes deste estudo,

Reconhecer e valorizar a percepo de cada indivduo no ato de atribuir sentidos cidadania, em nossa concepo, tem muito mais valor do que simplesmente investigar que requisitos so estabelecidos pelo sistema para definir quem pode estar do lado de dentro da fronteira ou quem relegado zona de excluso como cidado ou cidad. Afinal de contas, cidadania no um status a ser conquistado por quem assimila e incorpora em sua prtica certos padres de comportamento, mas sim uma forma de ser e estar no mundo que desde sempre transparece na existncia dos indivduos. (Maia e Pereira, 2014, p.619)

Postulados como o anterior reforam uma velha, imprecisa e perigosa viso da pesquisa terica no campo educacional que poderamos resumir assim: como o exerccio educativo uma prtica, devieram-se privilegiar as pesquisas prticas, pois a teoria estaria descontextualizada das necessidades prprias das dinmicas escolares. A pergunta seria ento pela qualidade das pesquisas prticas cuja reflexo terica se limita aos anelos duma educao que s hipoteticamente se abstraem das relaes sociais -nas que os estudantes vivem-, ou refora uma diviso que deveria ser um mero recurso metodolgico. A diviso analtica entre prtica e teoria no pode transcender ao campo das disputas ideolgicas na educao, porque desata brigas infrutuosas e ingenuidades. Particularmente, neste postulado preocupa-me a relativizao da cidadania, pois o efeito prtico disto precisamente uma despolitizao da atuao do cidado. Nesse sentido, chegar seguinte concluso pretensioso:

...a cidadania como prtica cotidiana capaz de acomodar desde demandas ou sentidos universais (ou quase), passando por demandas articuladas por grupos especficos, e chegando at as vivncias e sentidos construdos individualmente por cada praticante. Essa flexibilidade torna-se importante porque concede aos sujeitos praticantes um espao para lutar por seus direitos e por justia, seja atravs de um processo dialgico de troca argumentativa ou mesmo de aes desafiadoras de protesto (greves, passeatas, ocupaes de terra, entre outras). (Maia e Pereria, 2014, p.620)

Se substitumos cidadania por outra palavra, por exemplo, qualquer uma das outras categorias analticas do artigo (agncia, identidade), poderamos chegar mesma concluso. O artigo no nos d ferramentas, nem tericas nem prticas, para articular projetos educativos prticos que permitam-lhes, aos estudantes, disputar o papel hegemnico das atuais caractersticas da cidadania, o reforar o valor de uma educao para a cidadania. A pesar dos aspetos que encontro desafortunados da pesquisa de Maia e Pereira, h duas reflexes que considero importantes para qualquer estudo no campo da cidadania e a educao. Em primeiro lugar, as autoras advertem que existe

... (uma) falta de credibilidade em relao vida em sociedade, que afeta, sobretudo, os jovens na contemporaneidade, (e que) ...parece responsvel pela falta de vontade de agir por parte dos cidados para lutar por causas polticas, sobretudo por aquelas que envolvem o componente cvico da relao com o Estado, um dos principais alvos da falta de credibilidade. (Maia e Pereira, 2014, p.621)

De que maneira um estudo de corte terico focado no planejamento institucional da cidadania poderia contribuir para que os jovens acreditaram no seu prprio agir para a consecuo de um bem comum, como a educao? Em segundo lugar, a reflexo que tange possibilidade de que nas escolas a cidadania pudesse ser sobretudo uma prtica de identificao com o interesse pblico.

Existem duas contribuies do artigo de Novella et al. para minha pesquisa: a diferenciao inicial de duas maneiras de entender a cidadania e os achados da pesquisa. Frente distino inicial que os autores fazem entre cidadania como condio legal da ideia de bom cidado, encontro relevante que os anlises dos documentos pudessem separar analiticamente a informao. A cidadania como condio legal indica la plena pertenencia a una comunidad poltica particular (Novella et al., 2013, p.95); a cidadania do bom cidado seria uma actividad-deseable, segn la cual la extensin y calidad de mi propia ciudadana depende de mi participacin en aquella comunidad. (Novella et al., 2013, p.95). Como revelar o ideolgico na normatividade para pr em evidencia o desejvel frente a formao de uma cidadania especfica? uma preocupao metodolgica da minha pesquisa.Os achados da pesquisa de Novella et al. mostram os conceitos elaborados pelos jovens envolvidos na pesquisa. Na minha opinio, o mais interessante desse conceitos tem que ver com a possibilidade de atuao na vida pblica desses mesmos jovens. Segundo os autores, Una de las primeras conclusiones nos permite afirmar que el hecho de vivir una experiencia participativa durante la infancia, como muestran los resultados cuantitativos, lleva a configurar un concepto de buen ciudadano ms prximo al nivel propuesto de ciudadana participativa, crtica y comprometida. En cambio, las acciones seleccionadas por los jvenes sin experiencia participativa configuran un concepto de ciudadana consciente y responsable (Trilla, 2010) o de ciudadano disciplinado (Cohen, 2013). (Novella et al., 2013, p.102)

Se existem certas prticas cidads no mbito educativo (as escolas fariam parte dele) que salientam uma cidadania participativa, crtica e comprometida com o pblico, desejvel que nas escolas se incentivem exerccios cidados. Embora os limites das mesmas escolas, enquanto a seu papel reprodutivo da sociedade, no garantam um agir transformador desses futuros cidados, prefervel formar cidados crticos e participativos que cidados obedientes. Para minha pesquisa seria importante pensar que o planejamento do cidado encontra obstculos nas prticas de tipo pedaggico que incentivam certo criticismo, sem cair na ingenuidade de que as escolas so o remdio para a apatia social.

Concluses da reviso Ao revisar os debates em torno a cidadania e educao podemos encontrar duas tendncias nas pesquisas: aquelas que consideram que a cidadania um fim da educao e aquelas que consideram que a cidadania um meio (tal vez mtodo) nas escolas. Ao longo do texto fui concluindo respeito as contribuies para minha pesquisa de cada um dos estudos e de cada uma das correntes. No entanto cabe resumir nesta ltima parte do texto quais so as contribuies mais gerais do exerccio de reviso. Em primeiro lugar, as distines conceituais e analticas dos textos que localizei na primeira linha. Em segundo lugar, os limites que devo estabelecer na minha pesquisa assim como aqueles que deveria reconhecer numa pesquisa da ordem terica com referncia s pesquisas duma ordem prtica. Em terceiro lugar, uma reviso futura de autores, como Biesta, que foram citados por dois o mais dos artigos revisados. Em quarto lugar, a tentativa de ampliar o corpus da minha pesquisa a anlise mais amplo de polticas educativas.

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