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Dedico Este E-livro Aos Amigos e Amigas

Bruna LorenaCarla Giffoni

Christian BritoCris

Darci UbirajaraDonnefar

Edson TomasEsmeralda

Fabby CrystallFernando Calixto Jr.Fernando Tanajura

J.C. KingJoão Murillo

Lenira CavalcantiMarcos, o gênio do mal

Mark MaddoxNetto AndradeScarlet Pisces

Sérgio SantaremShanti

Sr TerrorTowo

Vitória PettersonWhendy

Zeni

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Sete Contos de Horror Volume 5Índice

0Apresentação

1A Maldição do Lobisomem

2O Necrófilo

3Insanamente

4Eu Sempre Vejo a Minha Morte

5Meus Demônios

6João e Maria – Terror

7Os Derrotados

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Apresentação

Um salve a galera que acompanha a série “7 Contos de Horror”, que chega hoje ao 5º Volume!!! Tem novidades nesta edição... Novas imagens para abrilhantar a leitura dos amigos leitores. Tem também o conto inédito “João e Maria – Terror” abrilhanta com louvor este volume! Mas antes dele, lhes apresento o perfeito “A Maldição do Lobisomem”, onde um homem decadente é confrontado por uma fera abatida, herdando sua cruel maldição. “O Necrófilo” foi a idéia de um tema citado pelo meu amigo, Will Ventura. Tratei de escrever e hoje o considero como um de meus melhores contos. Trata-se da história de um rapaz feio, que descobre seu desejo por corpos alheios...Já “Insanamente”, nos ensina claramente que não nos devemos nos apiedar de ninguém...E o inspirante “Eu Sempre Vejo a Minha Morte” trás a tona um universo paralelo, onde vitima e assassino se fundem na mesma pessoa. Um jovem com traumas de infância, volta a casa onde passou terríveis momentos na infância, onde confrontará todo seu mal em “Meus Demônios”. Voltando ao carro chefe desta edição, “João e Maria – Terror”. Bem, posso dizer com honras e glorias que todos os textos aqui escolhidos são de muita importância pra mim, mas este... Bem, apesar de ser novo, me foi muito importante... Abordei emmeio ao caos de duas crianças problemas e maldições sociais que gosto de discutir. Pra finalizar, outro conto que amo... “Os Derrotados”, onde os perdedores se viram para ganhar dinheiro fácil... Boa leitura.

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1A Maldição do Lobisomem

Era tarde da noite. Ouvi um barulho ao fundo vazio de meu quintal. Eu que nunca tive medo de nada, acabei por sentir o coração sair pela boca ao ver um vulto passar sobre o longo muro de arrima. Meu cachorro latia com seu insuportável barulho rouco. Procurei em todas as gavetas até encontrá-la: Minha arma. Caminhei com passos curtos até o imenso fundo do quintal, batendo a lanterna incandescente no chão de terra vermelha. Eis que vi um outro vermelho que eu tão bem conhecia, era sangue. Quem quer que estivesse ali, estava ferido, e eu estava disposto a acuá-lo. Ouvi um respirar fundo que bem representava agonia, segui o som e o sangue exagerado, no canto do muro alto e o vi, com todo seu porte, oculto por seu sofrimento desesperador! Cortes profundos lhe atravessavam a carne e seus ossos graúdos escapavam para fora. Era tal qual um lobisomem, com aparência sofrida de um lobo selvagem e musculatura de um halterofilista. No entanto, um pelo liso e bonito lhe cobria todo o corpo, mas estava já em seu leito de morte. Na ora eu não soube o que fazer, procurei algo para cutucá-lo e encontrei um pau curto: ― Deve servir! ― Pensei eu em meio a uma inocência absurda. Não serviu, encostei o pau em seu focinho e de súbito, ele esticou seu pescoço de musculatura intensa e me mordeu. Mesmo com sua mandíbula deslocada, o ataque veio potente em meu braço esquerdo. Na hora senti meu músculo se enrijecer e meus batimentos cardíacos

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se alterarem... Em ódio extremo, segurei minha arma e disparei seis vezes contra a fera, acabando enfim com seu sofrimento e me vingando do ataque, munido com minha ignorância absurda. Fui um tolo, eu na hora não tive o dom da sabedoria. Não consegui discernir que um animal acoado e ferido é capas de atacar instintivamente seu algoz. Sim, eu lhe fui cruel, o olhei com curiosidade, e não com piedade, e na seqüência, revidei na medida de meu ódio, descarregando o arsenal que tinha em mãos contra o suposto lobisomem. Nem notei que comecei a suar exageradamente, levei as mãos ao rosto em chamas e percebi que uma febre absurda me dominara. Percebi que a policia vagava pelas ruas. Na certa fora notificada por alguém que ouviu os estrondosos e exagerados tiros, os que dei a “queima pelo” contra a fera. Mas meu problema maior, certamente não era com a policia, e sim com a febre que me assolava. Entrei com dificuldade em minha casa e desmaiei, ali mesmo na sala, aos pés de meu confortável sofá.

Acordei com uma dor suprema. Senti o frio da morte me envolver... Eu me retorcia em desespero e minha musculatura latejava dolorosamente, parecia que mil laminas vagavam em meu corpo, cortando cada centímetro da minha carne! Eu gritei e um uivo sombrio saiu de minha garganta, então, senti algo grosso passar por ela. Me engasguei para tirar pra fora, senti a garganta se esticar e os olhos se encherem de lagrimas, então, vomitei. Era o meu coração, que acabara de sair pela minha boca, agora o que brotara em seu lugar, era um intruso, que eu jamais saberia o que era! A negação me dominou... Como era possível um homem vomitar o próprio coração? Isto é impossível de se acontecer! Alias, tudo até ali era impossível de se acontecer... Em vago ritmo a dor atordoante foi passando. Olhei para meus braços que formigavam e os vi com uma musculatura mais enrijecida e mais cheia de veias. Uma força estranha me surgia e um cheiro ao longe me incomodava. Sim, senti minha visão e o meu olfato aprimorados, tentei ignorar tal atenção, me voltando ao cheiro que me incomodava. Veio do fundo de meu quintal, no local a qual abati a fera indefesa. Me aproximei e o vi. Um homem comum, nu, morto em meu

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quintal... A carne dilacerada e o corpo crivado de balas. Minhas balas. Olhei a minha volta os muros altos de meu quintal, ninguém, alem de meu cachorro rouco o viu ali... O arrastei para dentro de minha casa e o joguei no chão limpo da cozinha. Comecei a revirar meu freezer, tirando dele toda a carne, gelo e bebidas. Ao acabar, joguei o defunto la dentro e pensei no que fazer. Se tratava de um homem de meia idade, com cabelos cheios, brancos e lisos. Eu não o conhecia, mas para mim era interessante saber mais sobre ele, já que certamente ele me passou um dom... Possivelmente uma maldição, dependendo da forma que eu o usaria... Em minha inocência descomunal, decidi que a maneira mais fácil de conhecê-lo, de saber sua identidade, era arrancar sua cabeça e jogar em um local publico. Eu acho que a mordida me fez herdar também aquele sangue frio... Peguei minha melhor e mais afiada faca e prossegui com meu plano sujo. Alcancei o grande facão que eu usava para podar os arbustos e devagar, cortei toda a carne, nervos e veias salientes de seu pescoço. Os ossos cederam com dificuldade a selvageria da lamina, mas enfim se romperam, decepando de vez sua cabeça, conforme meu plano. Coloquei a cabeça em uma sacola e guardei o corpo dentro do freezer novamente. Caminhei apressadamente pela casa, então, ao chegar na sala, pisei em cima do coração. Me abaixei para verificá-lo, ainda estava intacto e fresco. Estranhei aquilo em meu absurdo. Larguei a sacola, fui até o pé do freezer, aonde eu havia descarregado as bebidas e peguei um litro de cachaça. Peguei um grande vidro no armário e joguei o coração lá dentro. Abria cachaça e enchi o vidro, conservando assim, possivelmente o meu próprio coração. Segui adiante com a cabeça, no intuito de finalizar assim meu plano. Cheguei a praça publica, aonde crianças brincavam e deixei a sacola em um banco qualquer.

Ao chegar ao portão de minha casa, me deparei com um cheiro forte e muito conhecido: ― Bianca! Adentrei em meu quintal e cada passo que eu dava meu coração disparava ainda mais, então, abri a porta e a vi, deitada em meu

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confortável sofá, segurando um litro de vodca com uma mão e o vidro com o coração em outra: ― Sérgio. Não sabia que era apreciador da medicina! Arranquei meu casaco e indaguei com naturalidade: ― E não sou. Este coração é... ― Humano? – Se adiantou ela, sábia e ligeira – É humano sim, eu sei. Mas o que um coração humano faz em um vidro de doce de pêssego, estacionado em sua estante, ao lado do nosso álbum de fotografias? Eu me sentei ao lado dela, abri meu colarinho sufocante e bradei: ― Tive uma noite muito difícil. ― E uma manhã também, suponho. Parece que tem um corpo sem cabeça em seu freezer... Esquivei desconcertante a cabeça até o freezer. Voltei a vista indignada a ela e perguntei: ― Mexeu em meu freezer? Bianca sorriu e insinuou, enquanto bebia uma generosa golada da vodca: ― Era lá que ficava a vodca gelada, não? A vodca do chão estava meio quente... Abri o freezer e vi o “descabeçado” lá! Me levantei do sofá, tentando pensar em algo para lhe dizer. Ela me olhava calma, esperando ouvir minha defesa mentirosa: ― Não é o que esta pensando, Bianca! Ela se levantou, colocou o litro de vodca na mesa de centro e disse sorrindo: ― É claro que não é! Aquele corpo ainda parece ter um coração, no entanto não tem uma cabeça. O que estou me perguntando por enquanto não é se você matou ou não estes dois homens, a pergunta é: Aonde esta a cabeça de um, e o corpo do outro, dono do coração?Peguei o litro de vodca da mesa de centro. Dei uma golada fantástica, respirei fundo e indaguei: ― Essa é fácil de se responder: O dono do coração sou eu. O vomitei ontem a noite. Agora a cabeça do corpo... Bem, esta na praça de Sá, na hora dessas deve ter sido encontrada, amanhã certamente saberei sua identidade nos jornais... Bianca sorriu, se aproximou de mim, alisou meu rosto e falou: ― Pensei que eu tinha arrancado seu coração a dois anos! Eu sorri descompassado, me afastei dela e insinuei:

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― Não, você só pisou em cima dele. Mas não faz mal, porque também pisei nele ainda a pouco, de forma que agora temos ao menos uma coisa em comum! Ela me olhou seria. Pôs a mão no rosto e perguntou: ― Matou aquele homem? Pensei por um segundo e arrisquei: ― De certa forma sim. Ele agonizava em meu quintal, fui socorrê-lo e ele me mordeu. Então eu disparei contra ele. ― Disparou? ― Seis vezes! Bianca se aproximou do freezer, o abriu e insinuou: ― Não vejo buraco de bala algum! Fui até ela e ao cadáver e constatei o obvio. O corpo não só estava sem os buracos de tiro, como também estava sem os cortes profundos e os ossos escrachados. Me direcionei a ela e falei: ― Nossa... Agora ficou mais complicado ainda!

Ela fez o almoço. Tentava procurar em mim traços de inocência. Eu comi, mesmo não sentindo o gosto do tempero. Ela me olhava o tempo todo tentando desvendar o mistério. Me levantei, abri minha camisa e levei sua mão até meu peito: ― Veja, sente meu coração pulsar? Ela me encarou e perguntou: ― Andou malhando? ― É claro que não! Sabes que sou preguiçoso! Ela tateou o meu peito na tentativa de sentir meu coração. Não sentia nada, então levou o ouvido até meu peito: ― Não bate... Como isto é possível? ― Eu te disse! Vomitei meu coração minutos depois de ter matado este homem! Ele na ocasião não era um homem! Era um maldito lobisomem, que me atacou em sua agonia! Coisas estranhas aconteceram com o meu corpo, ele rejeitou meu coração e eu o vomitei! Não me pergunte como isto é possível, porque eu também não sei! Só sei que se eu for como ele, estarei condenado! Bianca respirou fundo. Arrancou o celular da bolsa e discou um numero que ela bem conhecia: ― Antônio... Preciso de um grande favor seu... Pulei em cima dela e arranquei o celular de sua mão, o desligando e

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o jogando em cima do sofá: ― Você ta louca? Vai contar isto para aquele cara! Ela se exaltou. Pulou em meu pescoço e falou: ― “Aquele cara” até ano passado era seu melhor amigo! E possivelmente é o único capaz de lhe ajudar! Eu engoli seco meu desprezo. Olhei em seus olhos e bradei: ― Ele me traiu. Alias, vocês dois me traíram! O que posso eu querer com vocês? ― Calma, Sérgio... Isso já passou, sentimentos mal administrados não faram sentido algum aqui... Alem do mais, nem coração você tem mais! Como pode sentir isto? Me calei, ouvindo o celular tocar. Bianca se aproximou dele devagar, e vendo que eu não ousei questionar, o atendeu: ― Antônio, preciso que venha a casa do Sérgio...

Já era tarde quando Antônio chegou. Eu fumava um cigarro na varanda e Bianca bebia wyske na sala, enquanto observava meu coração no vidro. Ele passou por mim, desconfiado com o convite, apaguei o cigarro e me levantei. Bianca o abraçou e eu me senti estranho: ― Trouxe o que eu te pedi, Antônio? ― Sim – Respondeu ele balançando a bolsa na mão esquerda – Só não entendo o porque disto. Me aproximei dele e falei em tom desafiador: ― Entre na cozinha que você ficara sabendo. Antônio passou pela sala bagunçada, já torcendo o nariz. Era um filhinho de papai de merda! Minha simplicidade cotidiana sempre o enojou. Há, mas claro... Minha namorada o agradou, tanto que ele a roubou de mim: ― Bianca! Pode me explicar isto? – Disse ele, apontando para o cadáver sem cabeça, agora esticado na minha mesa de jantar. ― Bem, segundo o Sérgio, aquilo era um... Lobisomem!? Antônio me olhou fixo. Colocou luvas cirúrgicas e analisou o pescoço, aonde eu havia arrancado a cabeça: ― Sabem, demorei pra chegar até aqui porque uma menina de cinco anos encontrou uma sacola com uma cabeça no parque! A cabeça foi levada ao necrotério, para o reconhecimento, e eu, na condição de legista a examinei, no intuito de decifrar a causa morte. Bem, fiz um

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laudo atestando que a cabeça foi decepada de um corpo já sem vida. E eu estava correto, não, Sérgio? Me aproximei dele e disse: ― Sim, estava... Já contei a Bianca como foi, esta historia já esta me enchendo! Este lunático de merda invadiu meu quintal na noite passada! Escutei o barulho, peguei minha arma e fui ver o que era! Ele era um maldito... Lobisomem, ou sei lá o que era! O fato é que mesmo ferido, ele me atacou e me feriu, eu revidei, descarregando a arma contra ele. Aparentemente ele morreu, ai eu comecei a passar mal e... Enfim, na manhã seguinte o coloquei no freezer, até decidir o que fazer... Arranquei a cabeça dele, no intuito da policia achar e revelar nos jornais sua identidade, pra mim saber quem o atacou... Ai quando cheguei em casa, encontrei Bianca aqui, ela havia visto o corpo e estava me esperando para ouvir o acontecido. Bianca se aproximou de Antônio, lhe abraçou e contou: ― Vim até aqui buscar o resto de minhas coisas, como eu te disse que eu faria. Ai encontrei o defunto no freezer e o coração no vidro... ― Coração?

Pior merda é contar a mesma historia. Antônio não engoliu aquilo, e se recusou a abrir o peito do “descabeçado”, mesmo vendo que eu não tinha batimentos cardíacos: ― Sabia que ia dar merda! Sabia que seu namorado não ia fazer nada! ― Não posso abrir um cadáver sem a autorização legal! Se você arrancou a cabeça, porque não abriu o peito pra verificar se o defunto tem coração? Me levantei raivoso, segurei em seu pescoço e indaguei: ― Porque eu preciso que você prove que eu não estou ficando louco! Se eu abrir, certamente dirão que arranquei o coração dele eu devorei! Ou ser escarrado como um monstro! Antônio respirou fundo. Foi pra fora e acendeu um cigarro. Bianca se aproximou dele e pediu: ― É só abrir o peito, ver se o coração esta lá... Isto não vai te prejudicar em nada! ― Um padre. Ele era um padre da igreja católica central. ― O que? ― O homem que Sérgio arrancou a cabeça era um padre. Ele havia

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acabado de voltar de uma missão no Novo México. Se queixou que havia sido atacado por um homem selvagem, mas que sua fé em Deus, o fez escapar da morte. Desde então se sentiu estranho, voltou ao Brasil e disse na delegacia que havia sido perseguido por uma besta selvagem! O delegado me disse isto, reconhecendo a cabeça que Sérgio arrancou.Fui até Antônio e contei: ― Eu sabia! Ele havia sido infectado por um lobisomem, o mesmo o perseguiu e tentou matá-lo, eu terminei o serviço pra ele, mas herdei a maldição! Antônio me olhou firme e disse: ― A policia não entendera isto. Entendera que você o perseguiu e arrancou sua cabeça! Naquele momento vi carros de policia invadirem minha calçada. Policiais fortemente armados entrarem em minha residencia. Fui rendido por eles e derrubado no chão, como um bandido. Antônio havia me traído novamente! Ele me encarou e indagou: ― Sinto muito, Sérgio. Nunca imaginei que você terminaria assim!

...E ali estava eu, jogado em uma cela mofada e úmida, na companhia de quatro presos preguiçosos e asquerosos que viviam se arrastando pelos cantos. Pra meu azar, o policial bateu com o cassetete na grade, para chamar a atenção dos imundos: ― Ei, raça! Este que acabou de entrar, ele matou um padre e arrancou sua cabeça! É um maldito ateu! Pronto, bastou para os presos criarem coragem e me espancarem decadentes. Um deles arrancou um terço de plastico do bolso e o beijou, sem tirar os olhos furiosos de mim. E eu, não reagia, pois não sentia dor alguma diante daquela brutalidade carceraria. Sentia a força em minhas veias, não estava completamente indefeso, no entanto, deixei eles prosseguirem com a barbárie. Depois da surra mal administrada, dormi em um canto da cela. Acordei na boca da noite, com o suor me pingando do corpo. Um dos prisioneiros se levantou e me cutucou com a perna: ― Ei, macacada! Acho que pegamos pesado com o rapaz! Ele tá ardendo em febre! A febre forte me invadia, me fez gritar em meu desespero. Tamanha era a balburdia, que os guardas vieram ver o que estava acontecendo.

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Senti então meus nervos se contrariarem. E diante o testemunho dos olhos dos policiais e dos presos, vi pelos lisos brotarem de meu corpo, arrancando gotículas de sangue de minha pele crua. Gritei em dor agonizante e senti os dentes ficarem pontiagudos, perfurando minha gengiva dormente. Minha roupa suja se rasgou e meus músculos cobertos de pelo ficaram evidentes aos olhares aterrorizados das pobres testemunhas... Uivei em alto e irritante som, criando o desespero nos meus quatro companheiros de cela: ― O desgraçado ta virando um lobisomem! Deixa a gente sair daqui!Os policiais em choque não sabiam o que fazer. Eu os olhei com ódio eterno e soltei um rosnado feroz contra os presos. Ataquei o de pé pesado que me acertou a garganta no inicio da noite... Senti seu sangue quente me molhar o focinho, soltei minha mandíbula de seu pescoço e pulei em direção ao outro. Ouvi então os policiais indo buscar suas armas, mas não desviei a atenção de minhas presas ainda restavam duas e eu os liquidei com facilidade, usando minas garras pontiagudas e minha dentição serrada. O cheiro de carnificina dominou o corredor. Eu, coberto com sangue, pisando em cima de membros descepados e sangue ainda morno, olhei firme para os policiais, protegido pelas grades que me envolviam. Os policiais me olhavam enquanto miravam com as mãos tremendo em minha direção. O delegado, também mirando ordenou: ― Não atirem! Deixem ele ai! Atrás das grades ele não nos fara mal algum! Avancei contra a grade de aço e coloquei minhas duas patas sobre elas, pressionando fortemente. As grades começaram a ranger, o delegado assustado gritou: ― Desgraçado! Logo a grade se rompeu, meu longo pescoço saiu para fora, alcançando o ombro de um policial. Para o delegado, não restou nada alem de ordenar o ataque. Senti as balas entrarem em minha carne e cai para trás. Em meio a chuva de balas eu tentava me levantar, mas os tiros me arrebentaram fatalmente. Os policiais assustados só pararam de atirar quando confirmaram minha morte. Voltei então a forma humana, um cadáver todo crivado de balas em meio a uma poça de sangue de outros quatro corpos.

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Antônio dormia ao lado de Bianca quando seu celular tocou no meio da noite. Ele atendeu ainda sobre o efeito do sono. Ouviu o ocorrido e deu um leve sorriso, se vestiu e saiu. Bianca não se importou, sabia que a vida de um legista era assim. E o meu caso em especial, era de total interesse dele. Quando Antônio chegou, lá estava eu, esticado em uma geladeira fria do necrotério. Ele abriu a gaveta e com a ajuda de seu auxiliar, me colocou na mesa de autopsia.Eu, com meu corpo crivado de balas, um defunto frio, jogado em uma mesa, sentindo a faca me abrir o peito... Ele sorriu indignado e afirmou: ― O desgraçado realmente não tinha coração! Se voltou apressado a uma outra gaveta e a abriu, era o corpo do padre decapitado por mim. Com a ajuda do auxiliar, constatou que ele também não tinha coração. Se voltou a mim impressionado, foi então que ele me viu sentado na mesa, melado em meu sangue seco: ― Ola, Antônio – O Cumprimentei sorrindo diabolicamente – Noite macabra esta, não? Meu corpo começou a reagir a transformação, mas desta vez eu estava adaptado a metamorfose e não senti dor e inconveniência alguma. Antônio e seu ajudante se afastaram, quando me levantei da mesa, meu corpo começou a expelir dezenas e dezenas das balas que me invadiram. Estiquei os braços e soutei um uivo atordoante, botando medo em Antônio e em seu auxiliar. O auxiliar só conseguia chamar por Deus, enquanto que Antônio procurava alguma coisa para se defender. Passei pelo ajudante, não era ele a quem eu queria. Agora tinha total consciência de meu poder supremo e total domínio de minhas forças... Meu ódio agora se voltava ao meu maior inimigo mortal! A única coisa que eu não conseguia dominar era minha sede por sangue... Antônio sem saída, arremessou a serra de corte contra mim, ignorei o objeto me bater no peito e avancei selvagemente contra seu pescoço. Ele se entregou as minhas garras, agonizando no atordoante dispersar da vida, me beneficiando com seu sangue outrora traiçoeiro. Olhei em desespero para todos os lados, em busca de uma saída. O

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ajudante ainda se mantinha ajoelhado, rezando coisa com coisa em seu desespero particular. Vi uma grande janela que dava para a rua e a pulei. E la fora, na liberdade de uma noite pavorosa, vi um vulto enorme correr pelas minhas costas! Era ele, o lobisomem do Novo México! O que amaldiçoou o padre e o perseguiu até aqui. A besta surgiu em minha frente com toda sua gloria, rosnou selvagemente, me intimidando e ameaçou atacar. Era duas vezes maior que eu. Escorria muita baba de seus dentes afiados e cerrados. Suas garras eram muito mais longas e sua sede por sangue certamente era muito maior que a minha. Não recuei quando ele me rodeou, pronto a dar um bote certeiro e fatal. De súbito, senti aquele monstro pular por sobre mim e me cortar a carne com suas garras afiadas. Mesmo com um ataque daquela dimensão, consegui me libertar, porem os quatro cortes eram ainda muito profundos e me arrancavam uma quantidade exagerada de sangue. De repente vimos carros de policia invadindo nosso campo de batalha. Ele me encarou feroz e correu, prevendo a dimensão do alarmante perigo. Eu, totalmente ferido e descompassado, tratei de realinhar o pouco de forças que tinha e fugi dali, em meu desespero de fera acoada. Na manhã seguinte, acordei nu, dentro do escritório da igreja do padre que eu matei. Já era mais de meio dia, os cortes em meu corpo haviam sido curados, depois daquele longo sono. Olhei para o salão da igreja e vi o funeral do padre. Em meio a multidão, tentei procurar pelo meu perseguidor ali. Ninguém suspeito, ninguém com aquele imenso tamanho e olhar sombrio. Revirei o guarda roupa do padre e peguei algumas de suas peças. Desci até seu velório para ter melhor percepção, uma tentativa arriscada de identificar meu perseguidor. Eu não o vi, nem senti seu cheiro forte. Sai pela porta da igreja, em meio a multidão, já predestinando meu rumo... Entrei sorrateiro no apartamento de Bianca. Ela chorava em seu quarto a morte de seu amado. Me aproximei cauteloso e falei: ― Eu não queria que terminasse assim! Bianca se desesperou, pegou o celular e ensaiou ligar para a policia. Fui para cima dela e segurei em seu pescoço, a levantando no ar. Bianca tentava tirar minha mão de seu pescoço, já quase que sem ar.

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Seus olhos estavam vermelhos e aos poucos a senti amolecer em minhas mãos. Enfim a vingança! E eu não lamentei por ela, tão pouco pelo desgraçado do Antônio! A joguei selvagemente no chão, de certa forma havia dominado o sentimento do lobisomem, e aquilo não me assustava nem um pouco. Certamente aquele não era mais eu, algo alem daquela maldição, aguçou minha percepção e meu modo de discernir o certo do errado. E agora eu só tinha um inimigo, um único e poderoso ser, que certamente me perseguiria na próxima noite.

Depois de muito especular, descobri que só havia uma pessoa do Novo México hospedada em minha cidade. Fernando Vasconcelos, cigano e escultor. Ele estava hospedado em um luxuoso hotel, o porteiro me afirmou que ele teve que esticar sua estadia lá, já que não conseguiu resolver um problema que aparentemente seria simples... O olhei entrando no hotel, não era tão maior que eu... Talvez sua transformação descendia de anos, ou décadas, o tornando mais hábil e mais forte. Claro que era mais fácil enfrenta-lo na pele de homem no que na de lobo, então eu o fiz. Ele me sorriu em meio ao caos urbano. Eu estava esperando por um ataque, mas ele me convidou a entrar. Nada tinha eu a perder, já estava condenado e perseguido pela policia local... Entrei. Me serviu uma bebida quente. Eu não bebi, não tirei a vista dele e nem de seus movimentos, então o vi contar: ― Carrego comigo esta maldição a longos 48 anos. Não é algo fácil de se controlar, no entanto a maior preocupação é manter isto só comigo. O padre em missão invadiu meus domínios, ele foi até minha cidade afim de tirar do povo este mal. Confesso que ele me pegou desprevenido e acabei por ser abatido por ele, com pouco tempo para revidar. No entanto fiz algo absurdo, mordi seu braço, não dando conta que passei a ele a maldição... O desgraçado achou que perfurar um coração que não existia era o suficiente para me matar! Me enterraram em um lamaçal imundo. Quando acordei, a única coisa que me incomodava era se a maldição havia sido passada ao maldito padre. Para meu azar havia, então, me obriguei a vir pra cá e liquidá-lo. O desgraçado tinha sorte, após um ataque bem

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administrado, ele acabou por fugir de minhas garras, e foi bem ai que você o encontrou... Olhei fundo em seus olhos e perguntei: ― Só eu e você temos isto? ― Não, somos em dezenas... Talvez centenas! No entanto a discrição é parte fundamental da administração deste poder! E você esta muito longe disto, fez um estrago absurdo na delegacia e no necrotério! Seu padre no entanto, estava fraco, pois diferente de você, lutava contra a sede de sangue. ― Então quer mesmo me matar? ― Sim, e a única forma de faze-lo, é arrancar sua cabeça, assim como acidentalmente você fez com o padre! Me levantei com os punhos fechados, me aproximei mais dele e bravei: ― Não vim para ser julgado, tão pouco para ser liquidado! O que tenho é apenas meu instinto de sobrevivência, ele não é tão aguçado como o seu, no entanto, não deixarei me intimidar! Ele sorriu, segurou em meu pescoço, como fiz a Bianca, e eu, indefeso, o ouvi falar: ― Larga-te, imundo! Isto não terminara nem aqui e nem assim! Preciso lhe liquidar, lhe arrancar a cabeça e lhe libertar desta maldição! Mas eu não farei isto agora... Esperarei até a noite para te enfrentar! Na pele de lobisomem tudo é mais divertido e faz mais sentido! Todos os lobisomens que mato, me dão mais força e poder! É parte da maldição! E você, me tornara ainda mais forte... Fui atirado da janela de seu apartamento. Meu corpo caia do quarto andar, em cima de um carro parado. Em meio a cacos de vidro e lataria amassada, ,e recompus e caminhei pra casa... Eu tinha que bolar um plano para abate-lo!

Em minha casa revirada pela policia, estava eu, determinado a cumprir com meu insano objetivo. Pronto para uma batalha sangrenta, disposto a pagar o preço que fosse preciso. Já não mais me importava se eu venceria ou se tombaria diante aquela fera, tão malévola quanto eu! A noite veio serena, minha pele correspondeu a maldição … A dor já havia me abandonado e todos os meus instintos estavam aguçados ao extremo! Meu corpo correspondia com perfeição e maestria aquela

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insana transformação, e ao longe eu ouvi um rosnar atordoante e senti o nauseante cheiro dominar a sala umedecida pela gasolina. Ao contemplar o majestoso lobisomem de porte maior que o meu, meus olhos insanos brilharam e eu segui em frente com meu plano. O fogo dominou o alto assoalho de minha casa, ele me olhou com ódio eterno, mas antes de planejar qualquer ataque, foi traído por seus instintos se tornando vitima de meu plano sujo. Contemplei o piso que ele estava ruir diante meus olhos e ele despencar com seu porte todo seu seguro, na armadilha improvisada. Lá embaixo o vi queimar e praguejar em um uivo atordoante, lamentando a própria sorte. O cheiro de carne e pelos queimados dominava minhas narinas, e eu, uivei vitorioso, diante sua carcaça em chamas. Mas eu sabia que ainda não estava acabado... Diante seu corpo carbonizado, vi os pelos lentamente brotarem em sua pele quase que regenerada... Alcancei o grande facão que usei para decepar a cabeça do padre e o levantei, com supremo ódio da fera. Naquele exato momento, vi suas pupilas coladas pelo fogo se estalarem e descolarem! Seus olhos azuis abriram insanamente, lancei a faca certeira, arrancando de vez sua cabeça! Senti então uma energia incontrolável fluir por meu corpo, só agora eu entendia a magia da maldição... Quando um lobisomem mata outro, ele herda toda sua hierarquia, dom sublime e força! Ajoelhei, desprovido de experiencia para administrar tão grande poder, e quando o dominei com esforço supremo, uivei insanamente, me declarando nova criatura...

Novo México é um bom lugar para um lobisomem sobreviver, aqui a comida é farta e o medo gerado por quem eu matei é de efeito avassalador na sociedade cigana! E eu o uso para me alimentar em meus novos dias. A noite fria corta minha carne e cada vez que confronto um lobisomem, sinto a vitoria me dominar e uma nova fonte de energia brotar em mim. Se uma bala turva me maliciasse a carne e uma lamina afiada arrancasse minha cabeça, a ultima frase que eu diria, certamente seria: ― Eu não me arrependo de nada!

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2O Necrófilo

Tavares era um rapaz tímido, magro, alto e de porte afeminado. Tinha longas entradas que terminavam em um cabelo espetado e de cor ferrugem, seus dentes longos e dificilmente cobertos por seus lábios, incrementavam seu visual tão impopular. Era feio o pobre Tavares, se vendo longe de pessoas em grupos tão comuns na vida, restou apenas optar por aquilo que todos temiam: Trabalhar em um necrotério. Os corpos que la chegavam, era preparados por ele e seu superior. Eles os levavam até a mesa principal e os banhavam com um longo rodo de espuma, enquanto lhe jogavam agua e sabão liquido. O único problema de Tavares, era que por ter a dentição longa, ficava facilmente de boca aberta, a agua batia no defunto e as vezes

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ricocheteava em sua boca, lhe provocando uma náusea infernal! Passou a usar uma proteção de coura na boca, evitando assim, tal inconveniência.Muitas vezes tomava conta dos corpos sozinho, pois seu superior estava passando por momentos difíceis, pesadelos noturnos devido a exposição excessiva diante a barbárie humana. E quando chegou ao ponto de se demitir, coube a Tavares dominar o serviço e supervisionar um novo ajudante, o jovem Danilo.

Danilo era um rapaz de pouca idade muito curioso. Diferente de Tavares, tinha traços de beleza e certamente uma vida social. No entanto, era curioso com relação aos corpos nus. Em dados momentos, era pego os acariciando, usando longas luvas de borracha. Tavares se incomodava com a atitude do rapaz. O repudiava e pedia que respeitasse os corpos dos mortos. Danilo sorria, não se envergonhado do costume bizarro, e pedia descrição sobre o assunto. Certa vez, Tavares o surpreendeu no limite de sua loucura. Introduzia os dedos cobertos pela luva na vagina de uma senhora de mais de 50 anos, morta em durante um assalto. Tavares se indignou e disse com firmeza que desta vez, contaria a seus superiores. Danilo, o necrófilo, se desesperou e correu atrás de Tavares, se ajoelhando a seus pés, clamando por seu silencio. Tavares ainda indignado, disse que não podia cobrir aquele absurdo, contaria a administração e o rapaz seria afastado da função. Danilo desesperado segurava em suas pernas, clamando descrição e piedade. Tavares parou no caminho do corredor vazio, Danilo, ainda ajoelhado e chorando, disse que faria o que o amigo quisesse em troca do silencio. Tavares tentou se livrar dele, o chamando de verme desprezível, no entanto, o belo jovem não largava suas pernas, levou a mão até seu pênis e o apalpou, ainda implorando. O tesão repentino dominou Tavares. Diante daquela situação vergonhosa, a ereção foi correspondida com mais afagos de Danilo. O Jovem abaixou as calças de Tavares e segurou em seu pênis. Tavares tremeu, não tinha vida sexual e tudo aquilo era novidade para ele. O tesão era cada vez mais forte e ele se entregou as caricias de Danilo... Se encostou na parede e deixou finalmente o conformismo e o desejo lhe dominar... Danilo fechou os olhos e o abocanhou,

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pagando o preço pelo silencio do amigo... A situação corriqueira ganhava dimensões cada vez mais ousadas, a descrição de Tavares era paga com sexo oral, e ele se mantinha uma testemunha sigilosa, diante a insanidade de Danilo. Em uma das ocasiões, um carro com quatro estudantes se chocou contra um caminhão. Os seis corpos alongaram a noite de trabalho dos dois rapazes, que os costuravam e os limpavam. Em meio a eles, uma moça com a metade da cabeça amassada e um dos braços mutilados... Esta já estava quase pronta para o caixão fechado. Danilo se aproximou dela devagar e diante do silencio de Tavares, a arrastou pelas pernas e a acariciou como de costume. Tavares temeu, quando achava que o companheiro não iria mais longe que aquilo, se perdeu, e o viu violar com desejo o corpo da jovem morta. Danilo em sua insanidade, se contemplou com seu prazer absurdo e repetiu o ato com a mesma moça três outras vezes. Tavares rodeado de indignação, não tinha mais coragem de entrega-lo, estava envolvido em tudo aquilo até o pescoço, e a ele nada mais restou alem de pedir por mais sexo oral. Aquela trama ousada e macabra, se arratou por meses, até Tavares querer mais do companheiro. Queria sexo de verdade, mas este era sempre lhe negado. Tavares não tinha coragem de violar os mortos, tinha nojo e piedade, seu desejo era por Danilo, que insistia em não ser deflorado pelo amigo...

Tavares se tornou obsessivo pelo sexo que não tinha, certa vez tentou violar o cadáver fresco de um jovem parecido com Danilo, mais acabou por vomitar sobre o mesmo. Era loucura aquele costume insano... Logo o sexo oral passou a ser insignificante para Tavares, ele começou a exigir mais, ameaçando contar de vez aos superiores. Danilo pela primeira vez se enfureceu e ignorou a ameaça. Tavares, remoído pela situação, se escarrou cúmplice, perdendo até mesmo o sexo oral, que agora lhe era negado. Mas a paixão por Danilo se tornou obsessão, Tavares tentava de todos os modos curra-lo, mas era sempre rejeitado. Certa vez, ousou tentar penetrar o amigo quando o mesmo violava um rapaz morto, mas foi atacado e esmurrado, até desistir da idéia.

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Tavares inconformado pela negação, planejou um estupro. Danilo dormia em sua casa, quando a mesma foi invadida pelo amigo e companheiro de trabalho. Em um quarto escuro, sentiu a presença do invasor e arregalou os olhos, teve naquele momento a boca tampada e sentiu uma cinta envolver seu pescoço. Tavares abaixou o pijama do amigo e tirou o pênis para fora da bermuda. Quanto mais Danilo se mexia, mais ele apertava a cinta, enforcando o companheiro. Tavares em desespero, levou a mão até a gaveta e arrancou dela uma arma. Tavares se desesperou... Parou com a tentativa de estupro e tentou apanhar a arma! Os dois se engalfinharam dividindo a pistola, de repente, a mesma disparou, derrubando Danilo já sem vida, com um buraco de bala próxima ao ouvido. Tavares se desesperou... Limpou as evidencias que lhe incriminavam e lamentou a morte do amigo.Pôs a arma em suas mãos, de forma que parece-se suicídio e escreveu um recado com letras de forma na parede. Dia seguinte o corpo de Danilo chegou ao necrotério. Tavares o olhou e o limpou. Cheirou seu pescoço e sentiu o tesão lhe dominar... Virou o amigo de bruços e o acariciou, passeando o dedo em suas partes intimas. Seu coração disparava e ele, no limite do tesão, deitou-se sobre o amigo e com extrema dificuldade, o penetrou, saciando finalmente seu desejo carnal.

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3Insanamente

Eu a vi ser cortejada por todos os garotos que me zombavam! Maldita Catarina! Porque és tão bela? Se ao menos eu pudesse tocar os seus cabelos... Se ao menos eu pudesse cheirá-los.... Há Catarina... Por que meu coração dispara quando você me olha com piedade?

São 8 horas da noite, novamente os rapazes zombam de mim. Eu estou em um mercado comprando leite para minha mãe. Yuri me aponta para os amigos: “Olha o retardado fazendo compras para a mamãe!” eles me olham e riem... Não é o bastante para eles! Eles se aproximam e me rodeiam como se eu fosse uma presa. Catarina esta junto, mas nada pode fazer, ela novamente me olha com piedade, e eu a merce dos valentões, sou o centro de suas humilhações e provocações. Carlos me bate na cabeça. É o mais fraco deles, no entanto é mais forte que eu. “Catarina, não quero que os veja me humilhar” Eu penso, e ela parece que me escuta: ― Chega Yuri! Mas não é o bastante para Yuri. Nem para seus amigos. Eu saio, vou até o caixa pago o leite. O balconista que viu tudo não se intromete, também me olha como se eu fosse um coitado... Tento ser rápido, montar em minha bicicleta e sair dali. Não consigo: ― Ei, esquisito... Tá com pressa? Ele se aproxima de mim. Carlos monta na minha bicicleta e sai andando pela rua, apertando o sino e dizendo: ― Olhem pra mim, gente! Eu sou Josué, o retardado! Yuri toma o leite de minha mão. Catarina o puxa pelo braço: ― Por favor, vamos embora Yuri. Ele a empurra, eu finalmente levanto a cabeça. Carlos joga o leite

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em mim. Eu agüento, Catarina. Eu agüento essa humilhação por você... Ele vai mais alem, pega a cerveja que esta tomando e joga em na minha cara, rindo desgraçadamente. Seus dois amigos também riem, ele me olha e me pergunta por que não estou rindo também. Eu riu, riu de minha própria desgraça para lhe agradar!

Eu pego a bicicleta jogada no meio da rua e vou pra casa. Mal passo pela minha mãe, que me pergunta do leite. Entro em meu quarto e penso em Catarina... Há, Catarina... Como és bela Catarina... Como invejo Yuri por te-lá... Como me é triste se contentar apenas com sua piedade.

É dia seguinte, eu na escola, me aproximo de Catarina. Ela me olha como sempre, piedosa... Eu ouso me aproveitar disto: ― Catarina... Eu... ― Josué?Catarina sabe meu nome e o pronuncia! Não me chama de retardado como os outros! Há, Catarina... Se soubesse o quanto te desejo... ― Catarina... Eu... …Te amo! Era o que eu queria dizer. Mas Carlos chega. Eu recuo, ele me derruba e pisa em meu peito. Eu fico no chão, a merce de seus caprichos. Ele me olha. Por incrível que pareça sente piedade. Tira o pé de meu peito, e antes de sair diz a Catarina:― Fique longe deste retardado, Catarina! Ela não o obedece, me ajuda a se levantar e me pergunta o que eu ia dizer. Há, Catarina... Por que você não o escutou? Por que apiedou-se de mim? ― Eu te amo! Eu finalmente disse o que eu queria dizer, mas não era o que ela queria ouvir. Ela se afastou... Pela primeira vez me olhou com nojo! Catarina me evitava depois daquele dia. Mas os rapazes me deixaram em paz.

Certa vez passei por uma lanchonete e a vi... Catarina trabalhava de garçonete. Me interessei mais por ela. Vim a saber que era pobre, mas até que eu. Trabalhava até tarde para comprar suas coisas e

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ajudar sua família. Catarina era digna e honrada, Yuri se cansou de tentar se aproveitar dela, sem sucesso a abandonou. Eu gostei, e continuei a corteja-la. Ela não era mais de Yuri. Comecei a escrever bilhetes e colocar em seu armário. Leu o primeiro, o segundo, o terceiro... mas parou de lê-los... Eu via ela joga-los fora sem ao menos se dar o trabalho de olha-los. Estava com medo ou nojo de mim... Eu continuava a escreve-los, uma tortura sem fim para nós dois... Mas eu a desejava! Eu a desejava e tinha que tela a qualquer custo! Comecei a freqüentar a lanchonete que ela trabalhava. Catarina ficou assustada, e se afastava cada vez mais... Ela não queria me servir, sempre pedia para a amiga me atender: ― Catarina... Maldita hora aquela... Meu único capricho era alimentar meu desejo. Desejo, era só isso, não era amor... Desejo, insano desejo... Ela saia as 11 da noite. Eu a esperei pelo caminho que ela sempre passava... ― Fique longe deste retardado, Catarina! A voz de Carlos ecoava em minha cabeça. Eu tirei de meu bolso meu estilete, ela passou e eu no susto a peguei e a arrastei para o fundo do beco.... Há, Catarina... Como é gostoso o cheiro de seu cabelo... Como é doce seu perfume... Até seu desespero me enche de desejo... Catarina... Por que não pôde ser minha Catarina? Porque não pôde ser minha?

Ela esta sufocada e desmaia. Nada vê, nada sente, nada me impede. A deito no chão sujo e a faço minha. Eu ouso violar sua pureza para saciar meus instintos... A sacola com seu uniforme cai no meio do lixo podre. Ela respira lentamente quando passo a lamina em sua jugular. Catarina sangra! Ela sangra pra mim! Há, Catarina! Que dia Feliz! Como é bom te-la em meus braços! Como é bom dividir este momento com você! Eu passo mais três ou quatro horas ali, com ela...Antes que seu corpo esfrie e se torne inútil. A noite parece querer terminar, eu a deixo encostada no contêiner, saio dali feliz e sorrindo. Ela foi minha, por um longo momento foi só minha! Minha Catarina!

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O dia passa rápido, as noticias da monstruosidade choca toda a cidade, o tempo voa depressa, e na velocidade que voa, os culpados passam facilmente despercebidos... Todos choram por Catarina, eu apenas sorriu e penso com carinho nela. É, Catarina. A vida continua pra mim, mais um dia na escola, mais um dia de humilhações, mas agora tenho outro motivo para viver... Ela se chama Thaís, e também me olha com piedade. Mas será que os cabelos vermelhos dela são tão cheirosos quanto o seu, Catarina?

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4Eu Sempre Vejo a Minha Morte

Sentado em minha cadeira de frente ao computador e de cara para o meu mundo, escrevendo sobre meusmedos e inseguranças, vencendo e me perdendo em meio as palavras descompassadas e um ou outro gole de vinho, me vi carregado de informações inúteis e verdades inconvenientes a qual o medo me transportou para meu estado de testemunha.

Uma letra começa a se mexer de forma descarada e corre por todas as outras, saltando em meus olhos como a um precipício. Desconecto o teclado e o reviso como um especialista, desparafuso a tampa e limpo a placa, tecla por tecla. Conecto novamente e a letra inconveniente volta a correr pelas palavras horrivelmente colocadas, sem destino certo, como se a mesma fugisse de mim.

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Ouço um barulho estranho, parecia meu portão... Eu estou só em casa e me arrepio! Caminho com o coração disparado entre o corredor calado e humido, tendo em mãos a garrafa de vinho ainda pela metade. Antes de entrar na sala dou uma generosa golada, encaro os fatos e lá a vejo, a bagunça, o aquário vazava, os peixes estavam mortos... Vejo um vulto correr pela janela, o cão não late, isto me faz se sentir seguro e me minto que é coisa de minha cabeça insana. Arrisco mais um gole de vinho, fujo da agua que toma toda a sala, mas ela extravasa pelo corredor. Vejo novamente o vulto, corro para a cozinha e encaro a grossa porta de madeira. Me concentro na maçaneta redonda girar, esta trancada... O invasor remexe com raiva a maçaneta, com tanta violência que temo que ela se quebre... A porta não se abre, ouço um estrondo, como se ele a chutasse... Ele vai entrar... Ele vai entrar... Ele vai entrar... Ele entra. Encaro sua face desfigurada... Parece que o conheço... Ele se enfurece, leva uma faca em meu pescoço e diz antes de me dilacerar a a jugular: - Eu não gosto que toquem em minhas coisas! O Resto. A faca desliza pelo meu pescoço e corta minha carne. Meu sangue se mistura com a agua do aquário quebrado e o corredor, sala e cozinha se tornam tão impuros quanto meu algoz. Sinto a lamina encostar em meu osso, eu o encaro e ele me solta. Caio no chão frio e molhado... A ultima coisa que vejo é sua cara desfigurada e satisfeita.

Deitado em um caixão horroroso, o pescoço enfaixado, um véu fino me cobrindo a face, um crucifixo entre os dedos duros e lagrimas de minha mãe. Poucos amigos estão presentes e uma ou outra mosca ousa pousar sobre o véu. Minha mãe constrangida as espanta. Um amigo tosse e vem ao meu caixão, alisa minha testa gélida e espanta outras três moscas. Percebe o constrangimento de minha mãe: - Vou falar com a direção da capela. Ele vai e uma faxineira vem, munida de uma lata de spray, inseticida. Pede licença aos presentes e borrifa o ar com o veneno. Moscas mortas caem sobre mim... Elas voam no ar venenoso e caem em minha face crua... Sinto como pingos de chuva, uma a uma respingar e embebedar meu caixão:

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- Meu Deus... Que desgraça é essa? – Pergunta desconcertada minha mãe. As moscas não param de passar e cair, as sinto se espernear e agonizar, me fazendo companhia em minha morte... É inevitável, a sala é invadida e os presentes saem, sentindo o ataque dos insetos. O efeito do veneno passa, as sinto depositar ovas em mim... Entram por minha ultima roupa, minhas narinas e boca, sem pudor, depositam pelo meu corpo seus futuros e asquerosos vermes. Alguem entra na sala e joga veneno por toda capela, mosca alguma ousa entrar, mas as ovas estão sobre mim, vivas e pulsantes. O envenenador olha minha carne vibrando pela violência dos hospedeiros e sugere: - Recomendo que deixe o caixão fechado, senhora. Minha mãe me olhou e depois encarou o envenenador. Ele com a bomba de veneno, olhou para ela como se dissesse que jogaria em meu corpo, se fosse de sua vontade. Ela entendeu, mas pensou por três segundos, escolhendo fechar o caixão. Os vermes se remexiam em meu rosto, eu senti saudades de meu aquário... Os imundos me devoraram, o barulho deles mastigando minha carne transpassava o interior do caixão e invadia a capela, e enquanto a faxineira varria do chão as moscas mortas, minha mãe, ouvinte do barulho, se arrependeu de não ter pedido pelo veneno.

O caixão foi carregado pelo cemitério. Na metade do caminho do cortejo, um homem bonito de óculos escuros e terno preto, corria alucinado e suado. Estava atrasado para o funeral de seu próprio filho. Chegou quase que a tempo, com a língua pra fora. Abraçou minha mãe: - Me desculpa... O vôo atrasou, fez uma parada imprevista em Belo horizonte... Posso vê-lo... Posso ver meu filho? Minha mãe fez cara de espanto. Não sabia o que veria ao abrir a tampa do caixão, nunca deixou meu pai me ver, e agora estava prestes a permitir, mesmo sabendo ser improprio. Ele olhou para o mesmo, atravessou a multidão do cortejo, alisou todo o caixão e pediu licença aos presentes. Desrrosqueou a tampa, ao ar livre e limpo do cemitério, aonde o sol cobria e um fraco vento transpassava... A tampa foi tirada... Milhares e milhares de moscas verdes,

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varejeiras e formadas, sairão de lá de dentro infestando o ambiente, trazendo nojo e nauseá a todos... As moscas se espalharam pelo ar limpo, deixando nua minha face cheia de mais e mais vermes. Minha mãe desmaia, meu pai leva as mãos a cabeça e clama por Deus... O sol se esconde e uma fina chuva cai por sobre meu corpo... Os coveiros correm para finalmente me enterrarem... Pequenas moscas sem asas invadem suas mãos desprotegidas e por um absurdo insano, adentram em suas carnes! Eles abandonam o caixão, que cai na terra molhada e tentam se proteger da carne invadida... Meu corpo desfigurado naquele chão frio ainda alimenta a fome daqueles pequenos vermes, que crescem rapidamente e se tornam novas moscas... Já é noite quando meus olhos se abrem, estou molhado pela chuva que ainda insisti em cair, em meio a desertificação do cemitério. Eu respiro fraco e arranco a faixa de meu pescoço costurado. Olho a minha volta e vomito os vermes que me invadirão minha boca seca. Vejo entre meus destroços eles se mexendo e agonizando no acido solto por meu estomago.

Me levanto. Caminho seguro e chego finalmente em minha casa. Como um vulto, passo pela janela e sinto que tem alguem lá dentro... Meu cão me olha, mas não late, balança o rabo e tira a língua pra fora, lambendo meu pé com os buracos feitos pelas larvas. Passo pelo quintal e finalmente chego até a porta da cozinha. Meu coração morto finalmente dispara de medo do invasor... Vou até minha churrasqueira e arranco de lá a faca afiada...Giro a maçaneta, ela não abre... Ouso rompe-la com mais força... Não abre... Sinto que o estranho se apavora... Eu dou uma pesada.. Duas... Três... Quatro... A porta se rompe e entro.. Ele segura minha garrafa de vinho, encara meu rosto desfigurado, parece que o conheço, tenho ovas em meu cérebro e já não tenho mais tempo para pensar.... Por instinto ouso ser rápido... Corro com a faca em seu pescoço e digo insanamente antes de cortar: - Eu não gosto que toquem em minhas coisas! Puxo a faca, ela corre por sua jugular, o sangue escorre e cai no chão molhado... Quando chega ao osso ele me encara e eu finalmente o solto, ele cai e seu sangue escorre pelo chão molhado na sala...

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Ainda respiro com dificuldade, vou ao telefone e disco o numero que conheço: - Mãe... Preciso de ajuda... Deixo a faca cair na mão do morto... Eu o reconheço... Desmaio e acordo, novamente dentro de meu caixão horroroso. O pescoço enfaixado, um véu fino me cobrindo a face, um crucifixo entre os dedos duros e lagrimas de minha mãe...

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5Meus Demônios

Calei-me ao ouvi-lo gritar contra mim. Maldito homem! Caduco e louco, bebe e se acha macho, dono de si e de todos os outros! Eu em minha inocência de menino, voluntario na marra a sua covardia, ouvi seus comentários insonsos e cretinices desalmadas! Vi minha mãe tentar me defender e levar uma bofetada, tombando no chão frio: ― Maldito! Como ousava levantar a mão a minha mãe? – Disse eu em alto e bom som, para a minha total decadência. Ele me levantou pelo pescoço, cheio de rancor, pronto para cometer uma desgraça. Me arremessou contra a parede com uma violência

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brutal! Minha mãe se levantou em desespero e me acudiu. Fui levado a emergência vomitando sangue e medo, com múltiplas fraturas no cranio, braço, clavícula e fêmur... Defequei e urinei em minhas roupas durante minha inconsciência... Vomitei até o que eu não tinha, em conseqüência ao ato brutal: ― Ele caiu de uma arvore – Disse minha mãe, acobertando meu algoz. Os médicos me rodearam de aparelhos, e eu, em minha ira de menino, suportei todos os sofrimentos precisos, gerenciados por aquela covarde, criatura dos infernos!

Nada foi feito contra meus padrasto, e ele do alto de sua ignorância e demência, se escondendo atrás da garrafa, sequer demonstrava arrependimento! Eu dentro do hospital, ao conseguir dar o primeiro passo, cai no mundo! Uma fuga improvisada de tudo o que me fazia mal.

Cresci decadente, dependendo da caridade de estranhos e vermes malditos iguais ou piores que ele, que abusavam de meu corpo e do pouco de inocência que me restava. Dormi em tubos de esgoto e me alimentei do lixo podre que os ricos se livravam. Longe de minha cidade e do carinho de minha mãe, procurei por pistas de meu verdadeiro pai. Acabei por encontrar seu tumulo, tão imundo quanto seu passado. Chorei, pois nada mais tinha na vida... Foi então que o conheci... Descobri que já que eu havia perdido tudo, poderia começar de novo. Era um velho bondoso o seu Fausto, de uma sabedoria majestosa e de caráter raro. Budista, fazia suas orações e me ensinava a se disciplinar e ser firme naquilo que eu queria: ― O que você mais quer na vida, meu menino? ― Quero matar meu padrasto! Ele se calou, sabia que nada podia fazer para tirar de mim todo aquele ódio de ser vivente! Deixou eu viver com meus demônios e se concentrou em tentar me construir como homem de bem. E eu, muito evolui as custas de seu conhecimento. Seu fausto era muito pobre, mas por opção. Era uma homem brilhante com uma sabedoria que apenas eu e seus discípulos conhecia. Deixou seu maior inimigo lhe dominar, se entregou a morte e me deu o ultimo ensinamento:

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― Não é quem ganha uma batalha, meu menino, e sim quem não deixa a batalha lhe abater o coração...

Em uma noite fria de inverno eu lavei seu corpo e vesti nele sua melhor roupa, conforme havia lhe prometido. Carreguei um dos lados de seu caixão e me tornei herdeiro do pouco que ele tinha. Já estava com 22 anos quando voltei a minha cidade, desta vez, muito bem vestido e de carro próprio. Parei a frente de minha antiga casa e entrei. Minha mãe preparava uma sopa na cozinha. Ela, vendo meu reflexo pelo vidro do fogão, correu ao meu encontro e me abraçou em lagrimas. ― Porque me abandonou, meu filho? Eu senti tanto sua falta... Me aproximei até a sala e o vi, estirado em um sofá, de bermudas e molenga, babando: ― Teve um derrame a dois anos, filho. Foi de beber. Desde então eu cuido dele...Abracei minha mãe e tentei alcançar a piedade a qual tanto o seu Fausto me clamou, mas eu não a tinha... Meus demônios ainda alimentavam minha sede de vingança! Lhe servi a sopa, enquanto minha mãe me arrumava o meu quarto. A sopa quente lhe corria a garganta e as lagrimas lhe cobriam o rosto... Me aproximei ao seu ouvido e lhe disse sorrindo: ― Conhece o inferno? Não conhece? Pois saiba que ele acabou de lhe chegar!

Minha mãe em sua inocência absurda, pouco percebia da tortura que eu praticava nos longos três anos que se arrastaram. Os remédios invertidos por mim lhe ressecavam e lhe traziam trágicos sofrimentos. Aprendi formas obscuras de torturar seu corpo debilitado... Choques exagerados, tapas na cabeça, sufocamentos... Aquilo tudo era só o começo de meu desesperador ato de se vingar, e ele entendia, eu lhe explicava em palavras cantantes e felizes... Os pesadelos me atordoavam constantemente. Neles eu revia Seu Fausto, encoberto por uma áurea limpa e de intenso brilho. Mas quando eu me aproximava dele, ele em lagrimas, me virava as costas, e um abismo impedia que eu chegasse até ele, eu olhava lá embaixo e via o inferno, me chamando... Durante os últimos meses térreos de meu padrasto, ele passou em

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uma cama de hospital, tendo minha companhia e de minha mãe. Milagrosamente, saiu uma palavra de sua boca, direcionada a mim, antes dele partir para todo o sempre: ― Perdão... Eu tremi dos pés a cabeça, olhei fundo em seus olhos tristes e vi o Seu Fausto! O perdoei naquele mesmo instante, mas agora tinha um novo inimigo: Eu mesmo! Me tornei o que hoje eu odeio... Vitima e carrasco de uma vingança cruel, que levou a vida de quem já havia perdido a dignidade. Eu nunca me perdoei...

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6João e Maria – Terror

Em meio ao barulho atordoante da floresta, uma simples casa resistia a maldição do inverno rigoroso e da fome avassaladora. Dentro desta velha casa, residia uma pobre mãe e seu casal de filhos miúdos, João e Maria. O pai havia morrido de cólera durante a primavera, seu corpo foi enterrado embaixo de uma das arvores da floresta, próximo a casa tosca.

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A pobre mãe que guardava o que podia para alimentar os pequenos na tenebrosa neve de meses, se via quase que sem nada, pronta a se entregar ao frio braço da morte. João tinha apenas 12 anos, mas vasculhava a floresta em busca de animais mortos para alimentar a pequena irmã Maria e a mãe, mas raramente tinha sucesso em sua busca.

Certa vez a mãe enxergou um vulto ao alto da montanha. Era um homem cansado, segurando em uma das mãos um veado abatido e destrinchado, e em outra mão uma grossa espingarda. Trajava roupas de soldado e caminhava ferido, em meio a neve e aos galhos secos. Ela correu até ele e o sentiu desmaiar em seus braços, o levou para casa e limpou seus ferimentos de guerra. O homem acordou com o cheiro de uma sopa... As crianças vorazes comiam a mesa, enquanto o ouviam contar sua história: — Eramos em 112 contra as tropas do rei George. Em meio a balaços e cabeças decapitadas, me banhei do sangue de meus companheiros e fui jogado na valeta, junto com os mortos. Antes que ateassem fogo, me arrastei até o lago e fugi. Vaguei a 93 dias por esta floresta fria, até encontrar sua ajuda, boa senhora. O soldado bebeu da sopa e olhou João e Maria, apreciarem da carne do veado. — É preciso comer apenas o necessário – Advertiu – Este inverno durara mais um mês e tanto... A mãe arrancou os pratos da mesa e guardou a carne, o soldado adormeceu e as crianças foram brincar lá fora

Seis meses correram ligeiro. João corria em desespero pela floresta densa... Seu coração pequeno disparava diante a perseguição, ele parou diante uma arvore e sentiu uma corda suja enrolar seu pescoço: — Moleque desgraçado! Acha que pode fujir de suas obrigações assim? Era o soldado, agora na condição de seu padrasto. João foi empurrado no chão, e com medo, tentava fujir de mais uma surra violenta... A corda enlaçou seus pés pequeno, o padrasto atirou a outra ponta da corda sobre um galho alto e a puxou, arrastando João até pendura-lo de ponta cabeça. O pobre menino gritava em desespero, indefeso, enquanto o homem voraz o chicoteava com a

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outra ponta da corda: — Moleque vadio! Você vai fazer o que eu mandar! O que eu mandar! Você entendeu seu merdinha? Maria e a mãe chegaram desesperadas e viram o menino pendurado, com vergões pela face nua. A mãe se ajoelhou diante os pés de seu homem, ele a empurrou e babando indagou: — Ele precisa aprender! Precisa aprender o que é ser um homem de verdade! Após o odioso episódio, João carregava a lenha e a empilhava atrás da casa, tremendo e com o corpo tilintando de dor. Maria costurava com a mãe os couros da caça do padrasto. Eram meses muito bons e toda a carne foi estocada em um comodo fora da casa, construído por João e o carrasco.

O tempo corria e mais uma vez o inverno rigoroso se aproximara. João escondido em cima de uma arvore mirava cauteloso a espingarda para um gordo Javali. Do outro galho ouvia as instruções: — Olhe para ele, João... Olha bem para ele... É grande não? Vai nos garantir boa refeição durante o inverno odioso. Mire certeiro, João! Mire na cabeça e atire sem pesar... Atire para matar, não deixe que ele fuja... Se isso acontecer, teremos que nos contentar apenas com a carne seca armazenada na estocagem. João respirava fundo e com medo mirava, temendo errar e ser surrado: — Acerta ele João... Acerte na cabeça... Não de chances dele fujir! Acerte agora! Um tiro ecoou pela floresta que começava a ficar fria. Os pássaros que migravam para o norte voaram mais rápidos... O javali grunhiu ao ser alvejado e correu sangrando por entre as arvores que perdiam as folhas. O padrasto pulou no galho em que João estava, tomou a espingarda de sua mão e deu uma coronhada em sua testa. O pobre menino despencou a quatro metros de altura, caiu de olhos abertos e os fechou desmaiando. O homem escarrou em cima dele e bradou: — Falei para não errar, seu filho da puta! Era tarde da noite quando o menino acordou com a testa enfaixada por um pano velho. Se levantou ainda tonto pela pancada, escutando

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um barulho selvagem vindo do quarto da mãe. Olhou para o lado e viu o grande Javali abatido, pendurado pela mesma corda que o surrava, a barriga aberta, limpo, sem nenhum dos órgãos internos. João caminhou descalço até o quarto da mãe, e a viu sendo possuída com violência pelo padrasto. A cabeça da mulher era pressionada contra a cama dura, enquanto ele a invadia como um animal, batendo em suas nádegas roxas com a outra mão. O ex-soldado, sem parar o ato, o olhou e ordenou: — Vá para o seu quarto, pivete de merda! João se afastou e dormiu com dificuldade, pensando em toda a barbarie que havia começado em sua vida desde a chegada do homem sujo..

Na manhã seguinte o homem embaixo da arvore chamou Maria. A menina veio correndo. Ele apontou para o chão e perguntou: — Quem esta enterrado aqui? Era a cova de seu pai. Maria olhou para os lados, se lembrou da mãe e da ordem que recebeu para não contar sobre a cova. Ela tremia, tentando esconder a verdade. O homem segurou com a mão forte seu queixo, o apertou e perguntou novamente: — Vamos lá, responda Maria: Quem esta enterrado aqui? Ela diante a dor, olhou em seu rosto e confessou: — Pa-Papai... O homem a soltou. Maria passou as mãozinha no queixo ferido e o ouviu dizer: — Quero que o desenterre. O desenterre e se livre dos ossos. Não quero o ex de minha mulher enterrado em meu quintal! Faça até o entardecer. João sentado com o padrasto, via a irmã sofrendo para desenterrar o pai da terra seca e gelada. O ex-soldado o olhava curioso. Por fim falou: — Você quer ir até lá ajuda-lá, não quer João? O menino consentiu com a cabeça. O padrasto sorriu com seus dentes amarelos. Acendeu um paieiro de fumo e falou: — Você parece ter pena das mulheres. Não deveria. A Maria é preguiçosa, fazemos todo o trabalho enquanto ela só come e engorda. Não deveria ter pena das mulheres, João. Elas são bem pra isto mesmo, para nos serem uteis, na cama, na cozinha ou até mesmo no

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quintal desenterrando velhos defuntos. João o olhou raivoso: — Viu como eu fodi sua mãe? Você pode até não acreditar, mas ela bem gosta de tudo aquilo João. E quando a Maria crescer mais, farei o mesmo com ela... E quer saber? Ela herdou a subimissão de sua mãe... Acho que gostara, assim como ela. João nervoso pulou em cima do padrasto. O homem ria enquanto o dominava facilmente e continuava a dizer: — Não fique tão brabo, João... Isso ainda vai demorar alguns anos... Até lá você vai ter a chance de defende-la. Porque agora você não passa de um pirralhinho ranhento e fraco. O homem grotesco o empurrou no chão e saiu, rindo de toda a desgraça do menino, enquanto Maria batia a p´´a, tirando aos poucos a terra congelada..

Maria enfim arrancou todos os ossos do pai da terra e os colocou em um saco velho. Já era tarde, estava quase que escurecendo quando ela caminhou com ele até a estrada do antigo cemitério, aonde repousavam os restos de seus avós. Era noite quando ela entrou na casa tosca, toda suja de terra. Os três comiam sopa a mesa. O padrasto parou de comer e lhe falou: — Chegou cedo, Maria. Tenho minhas duvidas se realmente deixou os ossos velhos de seu pai no cemitério. Maria nada respondeu. Ele a chamou. Ela toda suja se aproximou dele. João parou de comer e os olhou assustado: — Você é uma boa menina – Disse ele alisando seu rosto que havia ferido – Sabes que sempre vai poder contar comigo, mas nunca mais esconda nada de mim. Agora vai se banhar. Você esta fedendo. — Sim, papai – Respondeu Maria, provando a João que era tão submissa quanto a mãe. A menina foi até o fogo e pegou a agua quente. João encarou o padrasto que sorriu e bradou: — Como tudo pirralho. Você precisa ficar forte... Precisa crescer forte pra um dia poder cuidar melhor da sua irmãzinha! Naquela noite, João não conseguia dormir com o insuportável barulho do padrasto violentando sua mãe. Ele que não podia se defender, tremia de dar pena, até pegar no sono. Na manhã seguinte ela apareceu com os olhos roxos, enquanto o

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padrasto limpava a arma de caça: — Hoje é o ultimo dia, João – Disse ele, extremamente dedicado a arma – O ultimo dia para se caçar... Amanhã o inverno virá com tudo, avassalador, nos privando de qualquer chance de caçar nos próximos 90 ou 100 dias. Mas não se preocupe se nada acharmos hoje. Nosso estoque esta cheio, sobreviveremos a este inverno.

Os dois vagavam pelo frio que já invadia a imensa floresta. O padrasto ia na frente, e João logo atrás... A neve fina dava o primeiro sinal, João o seguia com atenção, ele parou e sorriu, apontando a arma para três lobos cinzentos ao longe, que devoravam um veado recém abatido: — Consegue vê-los, João? — Sim... — Olhe com atenção, pirralho... Três lobos cinzentos, famintos. — Vai mata-los? – Perguntou o menino curioso. O homem abaixou a arma e sorriu respondendo: — É claro que não seu moleque. E você sabe porque? Porque eles são como nós... São caçadores, predadores que só querem sobreviver ao caos da natureza. Não merecem morrer, não pelas nossas mãos. Talvez pela de Deus. — Poderíamos mata-los, ou ao menos afugenta-los e pegar a caça que conseguiram... O padrasto alisou a cabeça de João e sorrindo forçado perguntou: — Você não aprendeu nada, não é menino? Não posso mata-los, porque eles são como nós. É da natureza deles sobreviverem, e eles o farão a qualquer custo. Vamos deixa-los e voltar pra casa. Como eu te disse antes, temos o bastante, e parece que eles não. Mas eles acharam um jeito de sobreviver. João o seguiu, percebendo ali que ele não era tão tolo.

O frio intenso devorou de vez toda a floresta. João tentava pensar em um jeito de se livrar de seu padrasto, enquanto as folhas resistentes se entregavam a geada dura. Os dias correram e viraram semanas, e em uma noite tranqüila, João ouviu um barulho vindo da estocagem. Se levantou assustado e constatou o pior... As grossas tabuas haviam sido ruidas e ele enxergou um rabo cinza: — Lobos!

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João correu para o quarto do padrasto e o avisou... Os dois desesperados foram até a estocagem... Os três lobos que a tudo devoravam, foram confrontados pelos dois. O menino João desarmado, foi atacado por um lobo cinza... O padrasto em posse da arma, disparou contra o cranio do lobo velho, o derrubando ainda no ar, próximo a jugular de João. O homem nervoso disparou contra os outros dois lobos, mas os mesmos fugiram em espetacular fuga, ainda arrastando a carne seca... João olhou a estocagem devorada e lamentou. O inverno rigoroso seguia... Os pratos com pouca comida denunciavam a extrema escassez. O padrasto revirava a floresta atrás de comida e dos lobos, enquanto João construía armadilhas em meio a floresta congelada. Um dia a esposa do ex-soldado procurava lenha para cozinhar ossos, quanto um estranho homem surgiu dos montes. Tinha carne seca pendurada na cinta... Ela o encarou e o ouviu dizer: — Não tema, mulher. Busco por um antigo comandante. Um maldito desertor que deixou uma batalha pelo meio, facilitando a vitória do inimigo. Um vendedor de munições disse que um homem vestido de soldado trocava carne por balas, e que residia por aqui. A mulher o olhou raivosa e indagou: — Meu esposo é caçador. Achou um soldado defunto já em decomposição... Arrancou suas roupas e jogou o cadáver no rio gelado. Talvez seja o soldado que procura. O homem bebeu um gole de wyskey e sorriu banguelo: — Talvez seja... Mas aquele não é o tipo de homem que se morre fácil não, dona... Fui encarregado de leva-lo vivo ou morto... Não quero ter que revirar o lago congelado. Minha esperança é que a senhora esteja mentindo para mim. A mulher se calou. Ele continuou a dizer: — Sei que é difícil, dona... Talvez a senhora tenha se apegado a ele. Ficarei acampado próximo ao tal lago nos próximos três dias... Como eu já lhe disse, ele está congelado, não posso mergulhar para encontrar a ossada. Nem é por isto que ficarei lá. Ficarei até a senhora decidir entrega-lo a mim. O homem saiu. A mulher pensativa tratou de esquece-lo. O marido chegou mais uma vez de mãos vazias. A fome o fez ainda mais louco... Ele olhou para as panelas limpas e foi ao quarto. A

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mulher foi atrás, arrancando a roupa e se deitando ao seu lado. Ele a ignorou e de olhos abertos condenou: — Temos que mata-lo. Ela arregalou os olhos: — Matar quem homem? O grotesco sorriu: — Matar o João... É o único jeito. Ou fazemos, ou morremos de fome! A mulher se calou e tentou dormir... Sabia que ele faria, pois estava bem decidido... Não arrancaria aquela idéia suja da cabeça.

Pela manhã ela o acordou com chá de cidreira. O olhou nos olhos e disse: — Eu faço. Ele sorriu diante sua coragem e perguntou: — Fará? — Sim... Levo os dois em meio a floresta e os sacrifico. — Não – Disse ele nervoso – A menina não! Eu a desejo! A mãe indignada lamentou... Olhou para o marido e implorou: — Piedade... Matemos os dois, não precisa dela... Não a nada que ela poderia fazer por você que eu não faça melhor... A carne deles pode nos deixar vivos ao longo de todo o inverno... O homem sorriu, concordando. Maria escondida a tudo ouviu... Correu ao quintal, onde João vistoriava as armadilhas vazias... Ela respirou fundo e contou: — A mamãe... A mamãe e o papai estão... — Ei – Interrompeu João – Aquele desgraçado não é nosso pai. Sei que você cresceu um pouco aos cuidados dele, mas nosso pai é aquele que você levou os ossos ao cemitério. Maria concordou... Se acalmou e contou: — Eles planejam nos devorar... Mamãe nos levará a floresta e nos assassinará... Ela concordou com ele... Nos matará e levara nossa carne para a nova estocagem! João a olhou e a acalmou: — Mamãe jamais faria isto... — Ela fará João. Fará sim... Você acredite ou não. A mulher chegou com um saco na mão. Os chamou para ir até a floresta. Os dois pequenos se olharam e Maria alertou:

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— Vai ser agora João... Pegaram a estrada rumo ao cemitério. No meio do caminho, Maria parou diante uma grande arvore, pegando um grande saco: — São os ossos do papai... Não tive coragem de leva-los até o cemitério João... Se eu for morta, quero estar junto dele! João a olhou e se lembrou do que o padrasto lhe disse: — A Maria é preguiçosa, fazemos todo o trabalho enquanto ela só come e engorda. Não deveria ter pena das mulheres, João... Infelizmente o desgraçado estava certo, Maria não teve coragem para sepultar os ossos do pai e os deixou escondidos a sombra de uma arvore velha. Quase chegando ao cemitério, a mulher parou diante um novo atalho e anunciou: — Vamos para o lago, crianças... Eles a seguiram, logo avistaram uma pequena tenda verde. A mulher se aproximou. O homem que dormia acordou e a recepcionou. As crianças famintas o olharam, ele arrancou os filetes de carne da cintura e jogou a elas. A mulher o olhou, arrancou a espingarda de dentro do saco e contou: — Esta é a arma dele. O homem sorriu. Se aproximou cauteloso. A mulher mirou a arma em sua cabeça e indagou, antes de atirar: — Não vou deixar você arranca-lo de mim! O tiro ecoou em meio as arvores secas e geladas... O homem caiu com um buraco no cranio. A mulher jogou duas facas da bolsa e as deu a João e Maria: — Descarnem o desgraçado. Vou levar os pedaços dele! João e Maria obedeceram... Retalharam todo o homem, colocando a carne no grande saco. Diante apenas dos ossos e as tripas, olharam para a mãe, que os abraçou e ordenou: — Ele carrega carne seca . Peguem ela e fujam para a floresta... Voltarei para casa e direi que esta carne é de vocês... João, cuide da sua irmã e não voltem nunca mais... Se voltarem, ele matará vocês... Me escute meu querido... Faça o que mando e vocês sobreviveram! João obedeceu. Pegou as carnes secas estocadas pelo homem e adentrou na floresta com Maria. A mãe abraçou a grande sacola com a carne do morto e a levou pro barraco tosco.

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João cortava por entre os galhos secos, adentrando com a pequena Maria cada vez mais nas profundezas da floresta... Parou e sugeriu: — Maria, pegue os ossos do papai. Jogue-os ao longo de nossa jornada, para que possamos voltar, caso a carne acabe e passemos fome... Poderemos voltar pra casa e confrontar nosso padrasto, será melhor enfrenta-lo mais tarde do que confrontar a morte! Maria concordou e obedeceu, invadiram o caminho desconhecido, enquanto Maria atirava os ossos do pai pela nova trilha.

Enquanto vagavam, roíam a carne velha, invadindo a floresta cada vez mais, sem nada encontrarem. Quando a noite se aproximava, paravam e acendiam a fogueira. Maria mastigava o tempo todo... João tomou a carne de sua mão e indagou feroz: — Não como tudo Maria! Só o pai do céu sabe quando encontraremos alguma coisa... Estamos vagando a dias, talvez a semanas... Maria ameaçou chorar. O dia raiava, João juntou as coisas e novamente caminhou, racionando a carne para durar o mais tempo possível. Semanas se passaram. Maria já muito magra, mastigou sozinha o ultimo filete de carne. João a olhou e disse desanimado: — Temos que voltar... Temos que voltar pra casa! A fé abandonou de vez o coração do menino. Seguiram então a trilha de ossos... João sabia que estava a semanas longe de seu lar, mas também sabia que se desanimasse, se entregaria morte e morreria ali mesmo, em meio ao gelo. Então avistaram próximo ao fêmur do pai dois lobos selvagens o roendo... João olhou assustado e os espantou. Os lobos ao longe rangeram os dentes, João então não teve duvidas, eram os dois lobos que invadiram a estocagem. Os cinzentos estavam cada vez mais próximos deles... João corajoso se armou com um pau pontiagudo, o lobo pulou em um galho de arvore, o encarou feroz e disse pronto a atacar: — Esta muito longe de casa, menino... João delirava pela fome... Se espantou por ouvir o lobo lhe falar. Maria não ouvia, com medo se escondia atrás do irmão. O outro lobo feroz correu em sua direção. João raivoso fechou os dentes e se preparou. O lobo de cima da arvore olhou paciente... João

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arremessou o pau pontiagudo, atingindo em cheio no coração do lobo... O outro de cima da arvore uivou... João se aproximou do lobo abatido, arrancou o pau de seu peito e se voltou ao outro, que raivoso bradou: — Você matou minha irmã, João... É até justo... Mas não se engane, seu padrasto estava certo... Somos iguais, e vai chegar a hora em que farei o mesmo com você! João se aproximou da loba abatida... A abriu e limpou. Olhou para a irmã e disse: — Agora temos carne para terminar de cumprir com o inverno. Vamos continuar o caminho que estávamos, pois o de volta pra casa esta perdido. Os irmãos seguiam, o lobo cinzento ia atrás, distante. João parou, arrancou um pedaço da loba e atirou a ele. Ele a devorou aos poucos, sem tirar os olhos do menino... Ao longo do caminho João comia, alimentava a irmã e o lobo cinzento... O inverno acabou junto com a carne. O esperto menino fez novas armadilhas e agora conseguia se alimentar e seguir sempre em frente. O lobo ainda os seguiam, João sempre o alimentava, era este seu novo habito.

Depois de outros tantos meses e dias, João chegou até uma longa estrada que dividia a floresta que estava de uma outra. João olhou assustado a nova floresta, de arvores muito diferentes das que conhecia. O lobo parou de longe. João olhou para Maria e indagou: — Poderemos decidir: Ou entramos na floresta ou seguimos este caminho para um dos lados. Maria o olhou e opinou: — O mundo esta em guerra, João... Pode ser que se seguirmos a estrada, cheguemos a uma cidade arrasada e dominada por soldados. Agora se adentrarmos na floresta, poderemos encontrar um pacifico vilarejo. Melhor enfrentarmos o que já conhecemos do que nos aventurarmos contra homens armados. João a ouviu, e entraram em meio a mata fechada. O lobo parou de segui-los, como que se soubesse o que tinha lá dentro... Não queria enfrentar, e voltou para trás, em busca de sua própria jornada. Maria corria em meio ao desconhecido, enquanto mascava a carne

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da caça fresca, se deliciava estasiada, lambendo os dedos gordos, feliz por buscar vida nova. João avistou uma bela casa em meio ao nada, com quintal limpo, carregado de arvores frutíferas. Uma grande hortas bem irrigada corria próximo a casa, e em um cercado porcos, coelhos e galinhas eram mantidos limpos e bem cuidados. João nunca havia visto aquilo, sequer conhecia alguns daqueles bichos e frutas... Correu com Maria até a propriedade e juntos desfrutaram de todos os prazeres mostrados pelo lugar. De dentro da casa uma senhora ouviu o atordoante barulho de sua matilha de cães... João e Maria ignorava o rosnar das feras e subiam nos pés de fruta, se deliciando com os sabores que para eles eram total novidade. A Senhora saiu munida com uma vassoura e ralhou aos meninos: — Vermes imundos, sujos e empesteados! Como ousam invadir meu lar? João desceu as pressas do pé de manga e se defendeu: — Me desculpe, minha senhora... A principio nos pareceu tentador... Nunca vimos tamanha fartura. Estávamos perdidos, viemos de muito longe e por conveniência entramos aqui e encontramos essa maravilha. Não nos julgue por este ato insolente, somos humildes e pobres, o que a senhora tem nos pareceu boa sombra e optamos por apreciar... — Sem mais desculpas, fedelho imundo – Interrompeu a mulher raivosa – Minha propriedade não é local de balburdia, tampouco de deguste a fedelhos sujos. Estranho como meus cães apenas ralharam e não devoraram seus ossos fracos! Pelo menos é o que fazem a invasores! João baixou a cabeça e humilde falou: — Eu converso com cães e lobos, senhora... Eu os escuto e eles me escutam. Não ousam me atacar. Não é a toa que atravessamos uma densa floresta gelada, enfrentando tais criaturas. A senhora sorriu: — Lobos não ousam adentrar em minha floresta, agora os cães protegem minha propriedade da invasão de soldados, que vem mapear o lugar... Não entendo o prazer que os homens sentem em desbrava o desconhecido... Meus bichos já destrincharam dezenas deles... A guerra é longe daqui, mas eles se espalham pelo mundo...

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São como pragas... Insetos sujos que matam em nome de seu Deus. A senhora olhou para a outra arvore, olhou com atenção para a menina que devorava sem parar uma grande e madura jaca: — Aquela fofinha é sua irmã, meu jovem? — Sim minha senhora. Seu nome é Maria, como eu enfrentou a fome e os lobos. Não vamos mais incomoda-la, sairemos de sua floresta e iremos para a cidade, em busca de um abrigo. A senhora riu desgraçadamente. Maria desceu da arvore satisfeita, abraçou João e viu a mulher entre gargalhadas perguntar: — Quantos anos tens, menino? — Treze, senhora... Estou próximo dos catorze. Ela alisou os cabelos de João e lhe contou: — São tempos sujos de guerra, meu jovem... Não há lugar melhor que aqui! Muito me interessei pelo fato de você conversar com caninos... É um dom louvável e seria tolice de minha parte não aprecia-lo – A mulher se aproximou mais de João, que mostrava um busto forte e características firmes de um saudável adolescente. Ela correu o dedo em seu ombro e propôs – Você e a bolotinha de carne podem ficar, podem apreciar do conforto e da fartura de minha propriedade. Em troca, peço que adestre meus cães, que os ensine a ser mais eficazes, mais cruéis e objetivos... Como viu, não são de tanta valia, já que você e sua irmã facilmente entraram em meus domínios. Você aceita, meu jovem? João sorriu diante a ótima proposta. Maria olhou a sua volta, toda aquela fartura. Se voltou ao irmão e o ouviu responder: — Passamos por tempos difíceis, minha senhora. O conforto de seu lar será como uma recompensa a todas as adversidades que nos corrompeu. Eu aceito ficar e adestrar seus cães. A mulher sorriu se apertando as duas mãos. Maria correu pelo vasto quintal, enquanto João tratou de ser apresentado a matilha de cães, que eram num total de doze.

Mais de um ano se passou desde a chegada de João a propriedade da estranha mulher, que mais tarde ele foi chamar pelo nome de Efênia. João aos 16 anos, estava próximo a uma montanha, no gélido frio. De lá tinha total visão da outra floresta, a floresta congelada onde ele há tempos havia passado fome junto com a irmã. Olhou a sua volta, no bom lugar com um clima mais favorável a caça e sorriu. Olhou

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então ao longe... Três homens fardados, caminhando em sua direção. João munido apenas com uma lança bem trabalhada, não demonstrou medo... Os homens sacaram suas armas e o cercaram, seguros de sua dominação: — Ora, ora – Disse um deles – Vagamos a semanas nesta mata fechada, finalmente achamos viva alma. João o entendeu, mas nada respondeu. O homem largou a arma, os outros dois miraram as suas com mais atenção, enquanto o companheiro desarmado arrancou uma biblia da mochila e perguntou a João: — Você é convertido, menino? È convertido na palavra de nosso senhor? João foi rude: — Não creio em seu deus perverso. O soldado sorriu e voltou com a bíblia na mochila. Sorriu aos companheiros e calmo falou: — Neste caso... Te sentencio a morte. A morte imediata. João sorriu calmo... Os homens prontos a atirar. O outro o olhou e disse antes de ordenar: — Que Deus tenha piedade de seu espirito sujo, garoto. João assoviou... O assovio atordoante ecoou pela mata e logo os selvagens cães rodearam os soldados. Eles demonstram medo, sendo cercados pela matilha que babava ódio, só esperando pela ordem de João: — São cães adestrados – Disse ele aos homens – Eu pessoalmente os ensinei a mastigar soldados. Devem saber que ao longo dos anos alguns de seus companheiros vieram aqui e se perderam na mata. Não tiveram sorte, este aqui não é lugar pra nenhum de vocês. Vou lhes dizer o que vai acontecer: Não importa o que façam, meus cães avançaram em vocês antes que aproximem o dedo do gatilho. São animais sensíveis, percebem qualquer movimento e ou pensamento de maldade... Vocês estão condenados, meus amigos... E espero que seu deus tenha piedade por suas almas assassinas. João assoviou de novo... Os cães raivosos avançaram selvagemente contra os soldados, que tiveram a chance de atirar apenas uma vez, fatalmente errando o alvo. João sorriu vendo os homens sendo destroçados pelas mandibulas dos cães famintos, então, gritou alto: — Não comam os corações! Os levarei a Efênia!

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Efênia recepcionou João com um bom prato a mesa. Maria na cabeceira devorava um leitão assado... Estava ainda mais gorda e toda segura de sua gana em comer. João a olhou com desprezo, segurou na mão da mulher e falou: — Lhe trouxe corações de soldados. Estavam mapeando a região quando os encontrei. A velha abriu a caixa com os três corações e sorriu satisfeita: — Você é um bom garoto, João... Tornou meus dias mais felizes desde que apareceu aqui. Efênia segurou na mão do garoto e o arrastou para o quarto... Maria distraída, comia desvairada, sem nada perceber. Enquanto fazia sexo com a mulher, João lembrava de tudo que seu padrasto lhe disse e lhe ensinou... Tratava selvagemente Efênia na cama, e ela gostava... João a humilhava em seus caprichos, como via o padrasto fazer com a mãe, e estranhamente percebeu que ela sentia ainda mais prazer... Ele apesar da disposição, de gozar dos prazeres da juventude, não gostava de invadir aquele corpo velho... Mas sabia que era conveniente satisfazer os caprichos curtos da senhora, que lhe era tão bondosa.

Certa vez ela pediu que João construísse um forno maior no quintal. Quando o rapaz perguntou porque, ela responde: — Meu menino... Sinto em lhe dizer, mas Maria é muito troncha, não passa de um fardo sujo, fardo este que eu e você estamos cansados de carregar. Proponho que a cozinhemos, após o inverno. João ficou pensativo...Maria era a única lembrança da família que ele tinha. Pensou e de tanto pensar, optou por construir o grande forno. O inverno corria rápido, e enquanto concluía o forno, pensava na mãe. Será que ela ainda estava viva? Pensou no padrasto, naquele homem rude que fazia de tudo para sobreviver... Viu a irmã brincando com os coelhinhos e sorriu... Teria coragem de cozinha-la? Talvez não teria... Olhou para a matilha de Cães que dormiam. Os doze ferozes despertaram com seu assovio. João então perguntou: — São fiéis a mim? São de acordo com todas as decisões que eu tomar? Os cães pareceram concordar com João. Ele olhou toda a

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propriedade e indagou: — Este lugar é riquíssimo... Chego a pensar que ele é magico... Muito próspero e farto. Penso em ir buscar minha mãe e viver aqui com ela e minha irmã. Para isto eu teria que... Sabem o que eu teria que fazer... O labrador branco se aproximou e lambeu os pés descalços de João... Os outros vieram em seqüência e fizeram o mesmo, concordando com qualquer decisões que ele tomasse. Os dias largos terminaram e a primavera deu o ar da graça. O grande forno já havia sido construído e a velha amolava um grosso facão, sorrindo ao seu amado. João acendeu o grande forno... A lenha virou brasas vibrantes. Ela se aproximou do garoto e o ouviu perguntar: — Acha que a temperatura esta boa? Acha que teremos um bom assado? A mulher lhe beijou os lábios, passou a língua limbosa por seus dentes e balbuciou: — Mais tarde quero lambe-los e sentir o gosto de sua irmã... João sorriu, ela se aproximou da grande fornalha: — Esta meu querido... Esta em ótima temperatura... Vou já cuidar do prato principal. Antes que ela tirasse a cabeça lá de dentro, João segurou em suas pernas e a atirou de vez dentro da grande fornalha. Efênia em desespero tentou fugir... João trancou o forno e a viu inutilmente se esquivar do carvão em brasa: — Maldita seja sua linhagem seu moleque infeliz! Os gritos da velha ecoavam por toda a floresta... Maria correu em desespero... Os cães de orelha em pé olhavam sua antiga dona agonizar em meio as chamas curtas... A mulher velha tardava a morrer... João aflito assistia a toda aquela agonia, já arrependido de ter feito o que fez. Maria assustada, pegou a lança de João e cutucava com ela a mulher que ainda gritava, com o corpo todo queimado. A lança entrava em sua carne e trazia com ela um pedaço... Maria ria e atirava os pedaços aos cães, que comiam, esperando por mais. João olhava a tudo aquilo indignado... Ora ou outra ela se deliciava com o macabro assado e o ofertava ao irmão, que indignado, vomitava em desespero. Era tarde da noite quando a mulher se entregou a morte. Os restos dela queimavam no forno novo, enquanto João contava seu plano a

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Maria: — Iremos buscar a mamãe. Traremos ela para viver aqui com a gente, começaremos então nova vida. — A jornada é longa, irmão. Não agüento passar por tudo aquilo de novo. Proponho que você vá e me deixe a sua espera. João olhou para o cranio seco em chamas e bradou: — Você ira comigo. Talvez eu precise de você. Levarei também seis cães e muita comida. Deixarei os outros seis tomando conta da propriedade. Maria não mais ousou questiona-lo. João armou todas as coisas, pôs um fardo der comida nas costas de cada um dos seis cães escolhidos e se preparou para a jornada do dia seguinte.

Os cães soltos na propriedade receberam a ordem de devorar qualquer invasor. João destruiu o grande forno, a ultima lembrança da antiga proprietária do belo lugar. Deixou que os animais se alimentassem de qual cria quisessem e partiu, com a irmã e sua pequena matilha. Caminhou pela floresta com sua irmã, brincando com ela e os seis cães... Quando chegou na estrada que separava as duas florestas, parou... Um batalhão de soldados ensangüentados passavam por ela, levando com eles cabeças de ateus, esticadas em pontas de bambus, mostradas como troféus... Esperaram a longa tropa passar e depois entraram na floresta gelada. João avistou ao longe o grande lobo cinzento. Este veio mais próximo a ele. De longe mostrava sinal de felicidade, mas não se aproximou. Se mantinha longe como sempre fazia. Os meses fartos se acabaram e a jornada ainda era longa. A comida agora era escassa, pois Maria tinha uma fome totalmente fora de controle. João então se arrependeu de te-lá trazido, deveria ter ignorado seu orgulho e a escutado, quando a mesma lhe propôs que ficasse na propriedade cuidando das coisas. Mas estava ele tão acostumado com sua presença, que não conseguiu mudar de idéia. Maria reclamava de fome. Os cães famintos seguiam seu mestre. Os dias correram e estavam eles todos fracos... O lobo cinzento pouco conseguia oferecer a João e sua tropa... E em meio a total escassez, João o ouviu sugerir: — Temos boa historia juntos, não garoto?

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— Sim – Concordou João – Temos... — Lembro-me como ontem... Ataquei a estocagem de sua família, ao lado de meu velho pai e minha irmã. Meu pai foi alvejado, e mais tarde em nosso novo encontro você executou minha irmã. Não te culpei, pois apreciei seu instinto, já que somos iguais. Mas o fato é que você carrega consigo novos amigos, podem lhes ser muito uteis... É triste vê-los tombar pela fome. João raivoso encarou o lobo magro e perguntou: — Diga logo, cinzento desgraçado! O que sugere? O lobo cauteloso, medindo o que ia dizer olhou para a gorda Maria: — Veja sua irmã, um fardo inútil que não precisa carregar. Ela deve ter boa carne, seria muito útil em nossa sobrevivência. Falamos abertamente, João: Da ultima vez minha irmã foi favorável a nossa ultima jornada... Nada mais justo que devorarmos a sua, ou então morreremos... A casa de sua mãe ainda esta a dias daqui... E você já parece perdido. — Não farei! – Respondeu João rangendo os dentes, enquanto seus cães aguardavam ansiosos sua decisão – A ultima pessoa que sugeriu que eu matasse minha irmã teve a carne queimada e serviu de alimento a minha corja. O lobo olhou ao horizonte congelado e tentou a ultima vez: — Sinto ser persuasivo, rapaz... Mas apenas eu conheço o caminho que leva a casa de sua mãe... Não se esqueça que eu roí todos aqueles ossos que usou para marcar o caminho... Os ossos velhos de seu pai. Diante da fome faço uma ultima proposta: Permita que eu e seus cães dêem fim ao sofrimento de Maria. Nos apreciamos de sua carne, você se satisfaz com a gente e seguimos a jornada no caminho certo... João olhou para a irmã. Maria roía os próprios dedos... Os dedos gordinhos pingavam sangue e ela o chupava, ignorando a dor: — Vamos lá, João – Disse o lobo sarcástico – Antes que ela não deixe nada pra gente! João abaixou a cabeça. Os cães se levantaram famintos e entenderam o recado. O lobo rápido e rasteiro pulou na jugular de Maria, enquanto os cães mordiam suas pernas e braços... João olhou horrorizado a toda aquela insanidade... Mas seu instinto aguçado fez com que ele fizesse parte do banquete, e junto com o lobo e os cães, devorou insano a gorda irmã.

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Dois dias se passaram, João e os cães bem dispostos caminhavam juntos, rumo ao caminho guiado pelo lobo. Os cães então pararam... Ouviram barulhos de armas engatilhando... João olhou para o lobo e com ira indagou: — Você nos traiu! O lobo cinzento olhou rosnento para João e respondeu voraz: — Como ousa dizer isto? Não seja tolo! Os soldados estão em toda a parte, recrutando novas pessoas para a guerra que estão montando! João totalmente cercado, levantou as mãos e lamentou a sorte, sendo cercado por inúmeros homens armados até os dentes.

Sons de tiros ecoavam na cidade arrasada... A guerra agora não era contra os ateus, e sim contra os escoceses... João munido com sua arma disparava voraz contra os inimigos, conquistando novo território e cumprindo com seu dever... O tanque sujo de guerra encostou no monumento central, João em posse da bandeira do pais que o adotou, subiu no monumento, arrancou a velha bandeira e colocou a sua... Lá embaixo os soldados vibravam de intensa alegria, saudando o forte guerreiro... A guerra enfim terminou João com a farda chegou em seu barracão... Os cães e o lobo lhe balançaram o rabo e o ouviram dizer: — Hoje fazem seis anos... Um jovem soldado adentrou no barracão e anunciou: — Senhor! Recebemos denuncias de um informante que um desertor de anos atrás se esconde em meio a floresta gelada! João sorriu, soltou os cães e ordenou: — Reúna os homens. Vamos busca-lo! O lobo refazia o atalho com seu faro seguro... João com os cães e dezenas de soldados seguiam em jipes. O lobo parou diante um grande quintal, a velha casa de João... O rapaz desceu, olhou roupas velhas no varal... Os soldados e os cães rodearam a casa... João gritou: — Sei que esta ai, desertor! Saia para que possa ser julgado! Minutos depois a grande porta se abriu. João olhou para a mãe, sem os braços e sem uma das pernas, com um pedaço de madeira amarrado no toco da coxa. Concluiu que o padrasto se alimentava dela, durante o grande inverno:

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— Deixe-nos em paz – Gritou ela – A guerra acabou! João sorriu, se aproximou da mãe e constatou que seus dois olhos haviam sido arrancados. Acenou a cabeça para o lobo e os cães, que mais que depressa correu em direção a velha e a dilacerou com seus dentes afiados: — Saia daí, seu covarde – Gritou ao padrasto – Se esconde atrás da esposa que devora! O homem saiu acabado. Na hora reconheceu João, do alto de sua glória. João empunhou a arma... Colocou em sua testa e disse: — Estava certo. Eu precisava mesmo me tornar um homem de verdade. — João – Sorriu o homem – Sabia que aquela carne não era a sua... Estava tão dura para ser carne de crianças... João jogou a arma no chão e o esmurrava sem piedade, enquanto dizia: — Antônio Tenório, por assassinar três soldados e fujir em sua ultima batalha na condição de comandante contra o rei George, facilitando sua vitória, eu o condeno... O homem ensangüentado pela surra o olhou sorrindo João sorriu também, pegou a arma do chão e disse antes de descarregar derrotado: — A morte! Os soldados vibraram... João abraçou seus cães e ateou fogo na velha casa, queimando suas lembranças de menino. Naquele mesmo dia seguiu na companhia de seus animais até a propriedade que era da velha senhora Efênia.... Deixou o jipe no acostamento da estrada que dividia as duas florestas e seguiu na com a matilha. Quando chegou no grande quintal, foi surpreendido pelos outros cães raivosos, que confrontaram em latidos os seus. De dentro da velha casa, saiu Efênia, sorrindo, com apenas algumas queimaduras pelo rosto enrugado: — Ora, ora... Se não é o menino João... Agora um homem feito! João espantado perguntou como aquilo tudo estava acontecendo. A velha devorava uma maçã, enquanto lhe contava: — O fogo não pode destruir a tudo, menino... Ele pode consumir sua lembranças de infância e os cadáveres de sua linhagem indecente... Mas não consomem a mim. Acho justo que viva seus dias de gloria,

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muito me forneceu de bom antes de me escarrar a morte. Vá em paz, suma desta floresta e viva sua vida. Leve com sigo seu lobo e deixe meus cães. João olhou para os 12 cães juntos. Olhou para a velha e sorriu. Pôs a mochila nas costas e chamou pelo lobo, que o seguiu por todos os novos caminhos que ousou trilhar.

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7Os Derrotados

O sino parecia não querer tocar nunca! Anselmo levava uma seqüência incrível de porradas, sem ter forças nem pra cair no chão do ringue. O juiz, empolgado com a grande luta, demorou para encerra-la, anunciando assim o novo campeão daquele massacre impiedoso. Anselmo se juntou aos outros perdedores, estava derrotado como sempre estivera. Em uma luta de ringue sangrenta contra um veterano, Anselmo levou mais golpes do que podia suportar. Ele queria calar o que seu pai, um apostador, lhe disse meses antes de

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decidir deixar de ser lenhador para ser lutador: ― O ringue foi feito para campeões, não para azarões como você! Corte bastante lenha e talvez junte dinheiro para comprar seu caixão! Mas algo de bom em seu sangue dizia que ele conseguiria vencer! Uma esperança absurda ainda brilhava em seu subconsciente, e teria de ser bem mais que porradas violentas e opiniões de um velho alcoólatra para ele perder isto! Estava sentado no banco com outros dois, que também perderam as lutas aquele dia, receberam cada um um envelope, com 20 reais como premio de participação, nos envelopes se liam:

“PERDEDOR”

Isso abalou um pouco seu psicológico, mais que qualquer outro golpe de um rival ou as palavras sujas de seu pai, e parece que causou o mesmo efeito nos outros dois. O negro robusto de cabelo engraçado sentado no meio deles comentou: ― Qualé... Não somos tão ruins assim, somos? Anselmo o olhou e disse em tom desanimado: ― Que nada, somos pré-campeões... Somos o futuro desses ringues de merda, eu não sei quanto a vocês, mais esta é minha terceira luta! O negro o olhou e respondeu: ― Sétima minha, e nenhuma vitoria. Os dois olharam, para o calado com a testa sangrando, ele procurou evita-los, mais devido a pressão dos olhares curiosos, optou por responder: ― Vigésima quinta, oito vitorias. Mas só ganhei as primeiras, ai depois... Tem sido difícil... O negro os olhou, e após um breve silencio falou: ― Matematicamente sou o mais fracassado daqui! Já que nosso amigo aqui tem apenas três lutas e três derrotas... Teria que perder mais cinco vezes pra ser mais fraco que eu... Sabe, as vezes me sinto como um... ― Saco de pancadas? – Concluiu e ao mesmo tempo perguntou Anselmo – É, eu também me sinto... Mas já cai tantas vezes na vida que as surras que levo naquele ringue não passam de massagens faciais! Os três riram desengonçados. O negro se apresentou:

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― Me chamo Caio... Vejam só que irônico: Caio! Meu nome faz jus a mim, pois sempre “caio” antes do segundo assalto! O terceiro riu e respondeu: ― Eu me chamo Diógenes. Cai nessa vida de apanhar e bater porque não consigo outra coisa, e esses vintinhos aqui já tão comprometido até os últimos centavos... E acho e sei que ainda é pouco. Filho pequeno é foda... Anselmo pensou e respondeu: ― Me chamo Anselmo. Sabem, pouco antes de eu vir pra cá um homem me ofertou um serviço. Nada fácil de se fazer, disse que precisava “amaciar” uns moleques... Ofereceu dez mil. Os três o olharam, Diógenes perguntou: ― E porque não aceitou? ― Qualé... Ele queria que eu batesse nos pivetes e os leva-se pra ele! Deve ser um pervertido de merda!!! Caio se levantou e disse: ― Se liga, cara? Vai ver ele nem ia comer os pivetes. Era só dar uns safanões nos pirralhos, levar pra ele dar uma lição e pegar a grana! Anselmo respirou fundo e respondeu: ― É, não seria nada mal bater em alguem pra variar. Diógenes sugeriu: ― A gente bem que podia fazer isto, nós três, ai racharíamos a grana... Anselmo arrancou uma pedaço de papel do bolso com o endereço do velho. Olhou para os três e decidiu: ― Bem, acho que podemos ir até o velho e escutar a proposta...

E em uma rua escura, num prédio úmido cheirando a mofo, residia o velho. Eles tocaram o interfone, perceberam que estava quebrado. O portão principal estava aberto, eles se olharam e subiram as escadas da entrada escura e suja. Caio com medo tentou ser irônico: ― Isso aqui parece a vagina da minha mulher: Feia, úmida, escura e fedida! Chegaram ao apartamento do velho, e antes de baterem na porta Anselmo falou: ― Ei, se esse velho mora nessa espelunca, acho que ele não tem condições de pagar 10 pilas não! ― Deixa disso, cumpade – Indagou Diógenes – Já estamos aqui,

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vamos trocar uma letra com o coroa! Caio tomou coragem e bateu três vezes na velha porta de madeira, Anselmo interveio: ― Qualé, cara? Bate mais uma vez! Três vezes da azar! Quando Caio ia bater novamente o velho abriu, reconheceu Anselmo e com a cara fechada disse: ― Entrem! Vi que trouxe amigos... Já vou dizendo que não pagarei mais que os 10 mil! O apartamento do velho era repleta de quinquilharia, imagens de santos e velas de todos os tamanhos e formas, todas acesas. Uma grande estrela de seis pontas estava desenhada no chão da sala, cada ponta era representada por um simbolo. O velho se voltou aos lutadores e propôs: ― Tenho 10 mil, quero que batam pra valer naqueles garotos e os tragam aqui. Eu cuido do resto! Caio perguntou: ― O que fara com eles? O velho insistiu: ― Eu disse que cuido do resto! Traga-os a mim, peguem o dinheiro e vão cuidar de suas vidas tolas! Diógenes perguntou: ― Tem mesmo os 10 mil? O velho abriu uma sacola cheia de notas de 50 e 100, a fechou novamente e orientou: ― Os meninos sempre ficam na rua de trás. Não passam de um bando de bandidinhos, que roubam para usar drogas! Esta cidade esta infestada deles! Vou repetir: Amacia eles na porrada e os tragam a mim! Vocês são lutadores, sabem bater, não sabem? Os três, que só sabiam apanhar, se olharam e balançaram a cabeça afirmando que sim.

Saindo de lá Diógenes perguntou aos novos amigos: ― O que sera que esse velho quer com os pivetes? Caio opinou: ― Sei lá... Talvez queira comer o rabinho deles e soltar depois... Como poderemos saber? Anselmo foi mais pessimista: ― Ou quer sacrifica-los, para algum ritual... Ele parece que meche

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com aquele lance de magia negra! ― Não é problema nosso – Retrucou Caio – A gente pega as 10 pilas e sai fora! Anselmo sorriu. Caio perguntou qual a graça, Anselmo respondeu: ― A gente podia bater no velho e levar o dinheiro, isto sim! Os três riram, bem na hora que avistaram os três pivetes. Caio disse baixo: ― Olha lá, os três! Cada um pega um? Diógenes os lembrou: ― Não se esqueçam da parte das porradas! Amaciem o coro deles! Os meninos não pressentiram o perigo, quando viram os três lutadores se aproximarem, o mais encardido perguntou: ― Qualé a boa, rapaziada? Tão olhando o que? Perderam o cú na nossa cara, é? Anselmo os encarou e sorriu, dizendo antes de partir para a violência: ― Não é bem a gente que vai perder o “cú” não! Caio foi o primeiro a segurar um dos meninos, o mais miúdo. Diógenes ficou com o gordinho e Anselmo com o encardido, os lutadores se divertiam dando porradas nos três. Os meninos todos surrados e cheio de hematomas choravam como bebes... Quando viram que era o bastante, os lutadores pararam de espanca-los e os levaram ao velho.

O velho sorriu de orelha a orelha com a mercadoria nova. Entregou os 10 mil aos lutadores e bradou: ― Amarrem eles naquelas três cadeiras... Eu assumirei o resto ! Peguem seu dinheiro e esqueçam que um dia me conheceram! Sumam da minha vista! Os três dividiram o dinheiro na escadaria do prédio, rindo do trabalho fácil. Foram a um bar e lá tomaram todas pra esquecer do trabalho sujo. No meio da noite, Anselmo tragando um cigarro pensativo perguntou aos novos amigos: ― Ei, será que o velho pervertido já se divertiu o bastante? Acho bom irmos buscar os garotos. Diógenes se levantou e decidiu: ― Também acho, já fazem umas seis horas... Se não brincou não vai

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brincar mais. Vamos lá!

Os três foram sorrindo até o prédio onde residia o velho. Subiram as escadas e encontraram a porta aberta. Foram a sala que estavam os meninos, viram então um deles morto, com o peito aberto e a boca escancarada, sem a língua. Os outros dois estavam desesperados e com os olhos arregalados, vendo o amigo toda aberto e escancarado. Caio vomitou e olhou para os outros lutadores perplexos: ― Puta merda! O velho bagaço o encardido! Era inevitável ignorar todo o ódio que sentiam do velho monstro! Seguiram o rastro de sangue que dava até o banheiro e dentro de uma grande banheira, o velho descansava com uma toalha no rosto, em meio ao sangue e aos órgãos despedaçados do menino. Caio o pegou pelo pescoço e perguntou: ― Que especie de animal é você? Os três começaram a esmurrar o velho dentro da banheira, o afogando no sangue do menino. O velho levantou a cabeça e disse: ― A gente combinou! Fizemos um trato! ― Pervertido de merda! – Praguejou Caio – Não sabíamos que você iria fazer isto com eles! Agora tu vai provar de seu próprio veneno! Caio se voltou a Anselmo, que entendeu o pedido. Foi até a cozinha, pegou uma faca e entregou a ele. Sorriu, afogando o velho na banheira e o esfaqueando debaixo da agua com sangue. O Velho se debatia dentro da banheira, até se calar junto com a decima terceira facada: ― Mas que merda! – Gritou Caio todo ensangüentado – Este puto vazou sangue até pelo cú! Eles se lavaram, reviraram a casa e acharam mais dinheiro. Soltaram os dois meninos. Diógenes foi logo lhes dizendo: ― Se contarem para alguem o que viram aqui, vamos atrás de vocês como viemos atrás do velho, agora sumam de nossas vistas e esqueçam que esta merda toda aconteceu! Os meninos correram desesperados, rolando escada abaixo, fugindo do prédio maldito. Os três perdedores saíram dali e voltaram para suas vidas, aonde continuaram a fazer o que sabiam de melhor: Perder lutas.

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“...Pouco insisti a ela que ficasse, não poderia eu exigir tamanho sacrifício... Após todos aqueles acontecimentos bizarros a cidade pequena ainda respirava o ar da desgraça. Parei diante do templo, do casebre sujo... Eu vi o padre enforcado, o corpo seco pendurado pela corda grossa... Diziam que quem conseguisse vê-lo, fatalmente seria perseguido pelo Demônio do casebre e seria escarrado ao modo de seus pecados... Por isto não espero que ela fique... Ela, meu grande amor... Aline é o maior de todos os meus pecados, e ele me julgará por isto, por ser minha irmã... Por eu lhe desejar como homem...”

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