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Defesa e Segurança do Mediterrâneo
Mafalda Rio Colles Fraga Garcia
Relatório de Estágio
Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais
Vertente – Estudos Europeus
Setembro, 2021
Relatório de Estágio apresentado para cumprimento dos requisitos
necessários à obtenção do grau de Mestre em Ciência Política e Relações
Internacionais, na vertente de Estudos Europeus realizado sob a orientação
científica de Professora Doutora Catherine Moury.
Ao Raffaello.
Aos meus Pais.
Ao meu Avô.
AGRADECIMENTOS
À Professora Doutora Catherine Moury pelo acompanhamento constante e pelos sábios aconselhamentos.
Ao Capitão-de-Fragata Mário Cortes Sanches pelo interesse demonstrado no tema e pela inexcedível disponibilidade demonstrada na orientação do Estágio no Estado-Maior da Armada.
A todos os entrevistados, a preciosa ajuda na compreensão da temática analisada.
À Marinha, no seu todo, pela grande Instituição que é.
Aos meus pais e ao Raffaello pela presença e apoio constantes.
Estágio Curricular no Estado-Maior da Armada, na Divisão de
Planeamento (DIVPLAN), sob a Orietação do Exmo Capitão-de-Fragata Mário
Cortes Sanches, no período compreendido entre 01/11/2020 e 01/06/2021,
realizado em modelo de trabalho remoto. O Estágio teve por função o Estudo
aprofundado de uma temática do interesse da Instituição, tendo sido elegido o
tema do presente Relatório. Assim sendo, o Relatório é fruto de meses de
investigação e de apresnetação pública dos resultados em sede própria.
RELATÓRIO DE ESTÁGIO
SEGURANÇA E DEFESA DO MEDITERRÂNEO
MAFALDA RIO COLLES FRAGA GARCIA
RESUMO:
PALAVRAS-CHAVE : SEGURANÇA – DEFESA – MEDITERRÂNEO – POTÊNCIAS MUNDIAIS
– PRIMAVERAS ÁRABES - LÍBIA
A presente investigação teve por objecto a Segurança e Defesa no Mediterrâneo,
procurando responder à pergunta: a que se deve a perda de influência da EU no
Mediterrâneo? Analisámos três factores que consideramos responderem à questão: 1)
as falhas das sucessivas parcerias que na sua larga maioria não alteraram as condições
sociais, políticas e económicas da região; 2) a ausência de uma política de defesa
comum, que impossibilita a EU de se afirmar como uma grande potência e seguir uma
estratégia em conformidade com os seus interesses globais e regionais; 3) a inacção
numa primeira fase das Primaveras árabes com ênfase na Líbia. Todos estes factores
culminaram numa abertura à influência de outras potências na região Mediterrânica.
ABSTRACT
KEY WORDS : SECURITY - DEFENSE - MEDITERRANEAN - WORLD POWERS - ARAB
SPRING – LIBYA
This research was focused on Security and Defense in the Mediterranean, seeking to
answer the question: what is the reason for the loss of EU influence in the
Mediterranean? We have analyzed three factors that we believe answer the question:
1) the failures of successive partnerships that have not changed the social, political and
economic conditions in the region; 2) the absence of a common defense policy, which
makes it impossible for the EU to assert itself as a major power and follow a strategy in
line with its global and regional interests; 3) the inaction in the first phase of the Arab
Springs with emphasis on Libya. All these factors culminated in an opening to the
influence of other powers in the Mediterranean region.
ÍNDICE
I - INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 15
ESTRUTURA DO RELATÓRIO........................................................................................ 21
I PARTE ............................................................................................................................ 22
II. A PERDA DE INFLUÊNCIA: EVIDÊNCIAS ....................................................................... 23
2.1 Relevância do Espaço Mediterrâneo e das Relações Euro-Mediterrânicas: visão
restrospectiva / histórica ............................................................................................ 23
As parcerias falharam: dados objectivos .................................................................... 29
Direitos Civis................................................................................................................ 30
Liberdade .................................................................................................................... 30
Democracia ................................................................................................................. 31
Percepção da Corrupção (1998-2011) ........................................................................ 32
Percepção da Corrupção (2012-2017) ........................................................................ 33
Igualdade de Género................................................................................................... 34
Desenvolvimento Humano ......................................................................................... 35
Direitos Políticos ......................................................................................................... 36
Comércio de Bens ....................................................................................................... 36
CONSIDERAÇÕES – PARCERIAS EURO MEDITERRÂNICAS .............................................. 38
2.2 SEGURANÇA E DEFESA (PCSD –PESC) ....................................................................... 39
A percepção do ‘Outro’ ............................................................................................... 39
A caminho de uma Política Comum de Segurança e Defesa ...................................... 41
I.QUESTÕES DE DEFESA DA UNIÃO EUROPEIA ............................................................... 42
A Evolução dos Tratados e Acordos ........................................................................... 42
II. QUESTÕES DE SEGURANÇA DA UNIÃO EUROPEIA ..................................................... 50
União Europeia: Políticas de Segurança transformações ........................................... 50
Caso de Estudo: Segurança Marítima durante a Crise dos Refugiados ...................... 52
Uma Europa a uma só Voz, uma Defesa Comum: Emmanuel Macron ...................... 58
Rumo a uma Política de Defesa Comum e um Exército Europeu – Progressos
alcançados ................................................................................................................... 60
A NECESSIDADE ESTRATÉGICA E GEOPOLÍTICA DA EU VERSUS A REALIDADE NATO .... 67
Dossiê NATO ............................................................................................................... 69
Dossiê Turquia e Mediterrâneo .................................................................................. 70
A UE no Quadro Operacional da NATO .......................................................................... 73
NATO - DIÁLOGO PARA O MEDITERRÂNEO E A INICIATIVA COOPERAÇÃO DE ISTAMBUL
........................................................................................................................................ 73
Quadro da Política de Segurança Marítima da EU-NATO ........................................... 81
O Conceito Estratégico da Aliança Atlântica ............................................................... 82
CONSIDERAÇÕES – POLÍTICAS DE DEFESA E SEGURANÇA ............................................. 85
II PARTE ........................................................................................................................... 88
NORTE DE ÁFRICA E O MÉDIO ORIENTE – MENA (Paralelos) ......................................... 89
Recursos Energéticos .................................................................................................. 90
Principais Rotas de Transporte Marítimo ................................................................. 94
PRIMAVERAS ÁRABES ................................................................................................... 100
Razões Económicas ................................................................................................... 101
Democracias Iliberais ................................................................................................ 109
Reacções dos Estados – Medidas ............................................................................. 112
Primaveras Árabes – Movimentos Sociais ................................................................ 113
CASO DE ESTUDO LÍBIA ................................................................................................ 115
Contexto .................................................................................................................... 115
O Passado Histórico da Líbia ..................................................................................... 116
A Ideologia Política.................................................................................................... 121
Direito Internacional – Operação área dos EUA contra a Líbia (1986) ........................ 126
Direito Internacional – Características do Conflito Armado (2011- )................... 135
Aplicação do Direito Internacional ........................................................................... 138
Princípio da Responsabilidade de Proteger (R2P) .................................................... 141
A Intervenção ............................................................................................................ 143
CONSIDERAÇÕES .......................................................................................................... 148
Considerações sobre a NATO e a R2P ....................................................................... 149
A MESA DOS GIGANTES – CASO LÍBIO .......................................................................... 151
Actores Regionais ...................................................................................................... 153
Actores Internacionais .............................................................................................. 155
Outros Factores a ter em Consideração ................................................................... 161
CHINA – SILK ROAD ....................................................................................................... 164
CONSIDERAÇÕES – PRIMAVERAS ÁRABES ................................................................... 168
Entrevista realizada ao jornalista e Mestre José Manuel Rosendo, Correspondente da
RTP em Paris e várias vezes enviado especial ao Médio Oriente e às Primaveras Árabes.
...................................................................................................................................... 169
III PARTE ........................................................................................................................ 184
IV – ESTÁGIO CURRICULAR NO ESTADO-MAIOR DA ARMADA .................................... 185
MARINHA: CONTEXTO JURIDICO-NORMATIVO............................................................ 186
Estrutura Hierárquica das Forças Armadas .............................................................. 187
Estrutura do Estado-Maior da Armada ..................................................................... 187
Competências da Divisão de Planeamento .............................................................. 189
ENTREVISTAS ................................................................................................................ 191
Entrevista realizada ao Capitão-de-Fragata Algarvio - Chefe de Divisão de Operações
do Comando Naval .................................................................................................... 192
Entrevista realizada à 2TEN Marisa Pereira – Centro de Gestão e Análise de Dados
Operacionais ............................................................................................................. 197
Entrevista ao Capitão de Mar e Guerra Romão Neto – Comandante Chefe do Núcleo
de Planos e Interagências da Divisão de Operações do Estado-Maior da Armada. . 202
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 208
BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................... 216
LISTA DE ABREVIATURAS
PEM – Parceria Euro-Mediterrânica
BEI – Banco Europeu de Investimento
FEMIP – Facilidade Euro-mediterrânica de Investimento e de Parceria
PESD – Política Europeia de Segurança e Defesa
ZCL – Zona de Comércio Livre
ZEE – Zona Económica Exclusiva
EUROFOR – European Rapid Operational Force
EUROMARFOR – European Maritime Force
PEV – Política Europeia de Vizinhança
PESC – Política Externa e de Segurança Comum
UPM – União para o Mediterrâneo
UNROCA – UN Register of Conventional Arms
EUROMESCO – Euro.Mediterranean Study Commission
AED – Agência Europeia de Defesa
CEP – Cooperação Estruturada Permanente
JAI – Justiça e Assuntos Internos
EUMS – European Union Military Staff
EUMSS – European Union Maritime Security Strategy
UEO – União da Europa Ocidental
UE – União Europeia
TUE – Tratado da União Europeia
NATO – Organização do Tratado do Atlântico Norte
CMPC – Capacidade Militar de Planeamento e Condução
TDC – Tratado de Defesa e Cooperação
PEDID – Progama Europeu de Desenvolvimento Industrial de Defesa
FED – Fundo Europeu de Defesa
ECRIS – Sistema Europeu de Informação Registos Criminais
ESS – Sistema de Entrada e Saída
ETIAS – Sistema Europeu de Informação e Autorização em Viagens
CIG – Conferência Intergovernamental
EUBAM – European Union Border Assistance Mission in Libya
FRONTEX – Agência Europeia de Controlo de Fronteiras
OMI – Organização Marítima Internacional
ACNUR – Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados
SAR – Operações de Busca e Salvamento
UN – Nações Unidas
UNTOC – Conveção Contra o Crimer Organizado Transnacional
SOLAS – Convenção Internacional para a Salvaguarda da Vida Humana no Mar
UNCLOS – Convenção sobre o Direito do Mar
AFSOUTH - Forças Armadas do Sul
OPEP – Oganização dos Países Exportadores de Petróleo
MENA – Médio Oriente e Norte de África
START – Tratado de Redução de Armas Estratégicas
CE – Comissão Europeia
CSCE – Comissão de Segurança e Cooperação na Europa
DM – Diálogo para o Mediterrâneo
ICI – Iniciativa Cooperação de Istambul
SHADE MED – Shared Awareness and Deconfliction Mechanism in the Mediterranean
IRTC – Corredor Internacional Recomendado
YPG – Unidade de Protecção Popular Curdas
ISIS – Estado Islâmico do Iraque e do Levante
ROSATOM – Companhia Estatal de Energia Nuclear Russa
ENI – Ente Nazionale Idrocarburi
NOVATEK – Companhia de Gás Natural Russa
TOTAL – Companhia de Petróleo Francesa
GAZPROM – Companhia Estatal de Gás Natural Russa
RESPSOL – Companhia de Petróleo Espanhola
OMV – Companhia de Petróleo Austríaca
STATOIL – Companhia de Petróleo Norueguesa
EI2 – Iniciativa de Intervenção Europeia
DESERTC – Fundação de Energia Renováveis
IRA – Exército Republicano Irlandês
CANI – Conflito Armado Não-Internacional
CAI – Conflito Armado Internacional
AGNU – Assembleia Geral das Nações Unidas
CNU – Carta das Nações Unidas
CSNU – Conselho de Segurança das Nações Unidas
DIC – Direito Internacional Consuetudinário
DIHD- Direito Iternacional dos Direitos Humanos
DIH – Direito Internacional Humanitário
TIJ – Tribunal Internacional de Justiça
TPI – Tribunal Penal Internacional
R2P – Responsabilidade de Proteger
UNSMIL – Missão de Apoio das Nações Unidas na Líbia
GNA – Governo de Acordo Nacional
LNA – Exército Nacional Líbio
CED – Comunidade Europeia de Defesa
PESCO – Cooperação Estruturada Permanente
CAMENA – Acção Climática no Médio Oriente e Norte de África
ELENA – European Local Energy Assistance
CEEREF – Fundo Mundial para a Eficiência Energética e Energias Renováveis
EGMS – Fórum de Gás do Mediterrâneo Oriental
ECHO – Direcção-Geral da Protecção Civil Europeia e das Operações de Ajuda
Humanitária
SEAE – Serviço Europeu para a Acção Externa
AQMI – Al-Qaeda no Magrebe Islâmico
FAO – Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura
AIEA – Agência Internacional de Energia Atómica
LOMAR – Lei Orgânica da Marinha
LOBOFA – Lei Orgânica de Bases da Organização das Forças Armadas
CEMGFA – Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas
CEMA – Chefe do Estado-Maior da Armada
CEMFA – Chefe do Estado-Maior da Força Aérea
EMA – Estado-Maior da Armada
DEGRE – Decrecto Regulamentar da Marinha
AMN – Autoridade Marítima Nacional
DIVREC – Divisão de Recursos
DIVRE – Divisão de Relações Externas
DIVPLAN – Divisão de Planeamento
Europe will be forged in crises, and will be the sum of the
solutions adopted for those crises
- Jean Monnet
15
I - INTRODUÇÃO
A Europa tem vindo a passar por tempos difíceis e por inúmeras crises que
foram minando quer a sua projecção internacional, quer a sua reputação entre os seus
povos, e acentuando os problemas já existentes no seu seio. A forma como lidou com
a Crise do Euro (2008) e a cissão declarada entre países do Norte e do Sul sob o
estigma de credores e devedores foi um exemplo de total desunião e de oposição aos
valores solidários que a fundaram. Ainda em 2008, deparou-se com o avanço russo
sobre a Geórgia, cujo desfecho se achou por via das mediações levadas a cabo pela
Presidência francesa da União Europeia, quando na realidade se tratava de um aviso
para o que viria a acontecer na Crimeia, em 2014, ainda sem solução. Por sua vez, em
2010, com a eclosão das Primaveras Árabes que se estenderam a grande parte do
mundo árabe, com impactos fortíssimos na região mediterrânica e na dinâmica de
poderes instalados, numa zona de grande proximidade à Europa, cujas consequências
ainda hoje são visíveis, basta mencionar a Líbia e a Síria, manifestam-se os inúmeros
avanços e recuos por parte dos Estados Membros com posições unilaterais. Em 2015, a
Europa vê-se novamente, a braços com uma profunda crise humanitária pelo fluxo
intenso de refugiados a chegarem às costas italiana e grega. Uma vez mais, foi visível o
desnorte europeu, que em última instância culminou no encerramento do espaço
Schengen, na recusa de um sistema de quotas e na não revisão do Acordo de Dublin,
com consequências gravíssimas para os Estados-Membros na primeira linha
fronteiriça. Em 2016, dá-se o impensável com o Brexit. O Reino Unido reclama sob o
lema Take Back Control, a soberania do seu país face ao que considerava ser as
imposições europeias. Por fim, e ainda a recuperar de muitos destes abalos, em 2020,
tem de fazer face a uma Pandemia e todas as suas implicações sanitárias e
económicas.
We see the rebirth of geostrategic competition. The EU has the option
of becoming a player, a true geostrategic actor, or being mostly the
16
playground. We need to speak more the language of power, not to conquer but
to contribute to a more peaceful, prosperous and just world. – Josep Borrell1
O presente Relatório de Estágio visa analisar o que consideramos ser uma perda de
influência da EU na região Mediterrânica. A emergência de novos actores na região
mediterrânica resultou em novas lutas de poder económico, militar e ideológico. No
meio deste cenário perigoso e volátil, a União Europeia deveria avaliar
estrategicamente as tendências políticas e avaliar os custos da inacção.2 A região
mediterrânica tem sido um dos principais palcos geopolíticos da actualidade com as
grandes potências regionais e internacionais a manifestarem os seus interesses. Damos
particular importância às acções da Turquia, China, Egipto, Arábia Saudita, Emirados
Árabes Unidos, Rússia, e Qatar, em oposição à estratégia da União Europeia para a
região, a qula não conseguiu criar uma política externa e de defesa coerentes face às
adversidades sentidas na Síria e na Líbia e às suas relações com a Turquia, a China e a
Rússia. Num período de retirada dos EUA do Médio Oriente e com a Europa (e o
mundo) a braços com uma Pandemia, o vazio geoestratégico da UE tornou-se ainda
maior. O vácuo no início de 2020: a pandemia da COVID-19 capturou as energias da
maioria dos governos ocidentais e, de certa forma, congelou parcialmente as suas
acções na região mediterrânica. Este período de incerteza não se perdeu em Ancara e
Moscovo, pois ambos agiram resolutamente na frente da política externa, enquanto as
capitais ocidentais deram prioridade à limitação dos efeitos da pandemia na sua
população3. Durante este longo período, a Rússia4 criou a primeira base da força aérea
russa no Médio Oriente, em Hmeimim, e base naval de Tartus, na Síria, e os seus
interesses crescentes em diversas instalações na Líbia. À semelhança da Rússia, a
Turquia adquire a base aérea Al Watiya e o porto de Misrata na Líbia.
1 BARIGAZZI, Jacopo - Borrell urges EU to be foreign policy ‘player, not the playground’. Politico. 2019.
2 PIERINI, Marc – New Power Struggles in the Mediterranean. Carnegie Europe. 2020.
3 Ibid., p.1.
4 Segundo o autor, a Rússia tem vindo a adoptar: A "metodologia da Crimeia" que tem características
distintas: começa com um movimento unilateral, até agora considerado improvável por terceiros; depois cria factos no terreno, principalmente com um rápido e substancial destacamento militar, rapidamente solidificado com a criação de infra-estruturas e instituições administrativas permanentes; depois espera por sanções, sejam elas da UE ou da ONU, e prepara-se para resistir à tempestade política; aposta na ausência de retaliação militar. Globalmente, a instauração rápida de um facto consumado e a gestão de medidas de retaliação moderadas provou ser uma metodologia de sucesso para Moscovo na Crimeia. Ia tornar-se um precedente útil na região mediterrânica. Ibid.
17
Estas conquistas por si só, demonstram um claro problema para a União Europeia e
para a sua influência na região mediterrânica, devido à sua proximidade e localização
estratégicas. A presença de grupos armados patrocinados por Estados, não são apenas
um problema de ordem militar de combate, mas sobretudo no carácter
desestabilizador da região e na alteração de poderes, bem como nas relações com os
países vizinhos, sendo a Tunísia um dos principais alvos. Basta recordar que a Tunísia
foi o país que mais contribuiu para as fileiras do Estado Islâmico.
A Turquia conseguiu um dos seus objectivos sem qualquer oposição do
ocidente, o de criar uma ’zona de segurança’ junto à sua fronteira com a Síria,
afastando as forças sírias curdas (YPG) e estabelecendo-se permanentemente na
região: quer por via da presença efectiva, quer através de deslocações populacionais
com o intuito de as desenraizar, quer pela construção de infraestruturas próprias, ou
ainda, pelo uso da lira turca como moeda. No que respeita aos avanços militares, a
Turquia está a investir fortemente no seu argumento: o uso de drones é cada vez mais
frequente possibilitando um maior alcance sem custos humanos, e a aposta naval foi
reforçada com novos submarinos, fragatas e misseis de curto alcance, seguindo a
doutrina ‘Pátria Azul’. Colocou, igualmente, drones armados no norte de Chipre, como
prevenção nas disputas territoriais marítimas, e reforçou a base existente no Qatar.
Em suma, a Turquia coloca a guerra moderna ao serviço dos seus objectivos de política
externa, sem considerar os quadros legais pré-existentes ou as alianças tradicionais.
Erdogan reafirma as suas intenções: com as políticas que o nosso país segue,
procuramos o estabelecimento de direitos, que têm sido adiados. Os trabalhos que
realizamos no Mediterrâneo Oriental, na Síria e na Líbia situam-se neste contexto5.
As relações turcas com a EU e ao nível da NATO atingiram um nível de tensão
inaudito, evidente em cinco momentos críticos: 1) a luta contra o ISIS no nordeste da
Síria agindo de forma isolada, 2) a ameaça de abrir as sua fronteiras deixando os seus
refugiados transitarem para a Europa; 3) a tensão no Mediterrâneo Oriental com a
Grécia e o Chipre, ambos membros da EU e um membro da NATO. Fonte do Ministério
dos Negócios Estrangeiros Turco disse que o acordo com a Líbia sobre uma zona
marítima conjunta equivale a uma mensagem política de que a Turquia não pode ser
5 KOCAELI – Turkey’s First-Generation Submarine Piri Reis hits the Seas. Daily News. 2019.
18
marginalizada no Mediterrâneo Oriental e nada pode ser realmente conseguido na
região sem a participação da Turquia6; 4) a actuação hostil da Marinha turca no
Mediterrâneo, nomeadamente, com a marinha francesa no que respeita a uma
operação da NATO visando o embargo de armas à Líbia, e 5) a aquisição de misseis
S400 à Rússia colocando em causa o sistema de defesa da NATO.
Em última análise, do ponto de vista da UE, a Turquia tem hoje uma tripla
identidade: um parceiro estratégico para a Europa, especialmente nos domínios
económico e comercial; o interlocutor adversário da Europa no Mediterrâneo Oriental e
no Médio Oriente; e um actor negativo no seio da OTAN.7
A Rússia tem feito, sistemáticamente, da política energética um instrumento da
sua política externa, usando o abastecimento de gás à Europa como meio de
chantagem: basta recordar a questão da Crimeia; a polémica com o Nord Stream 2; ou
ainda o Turkish Stream reforçando a sua posição no fornecimento de gás aos Balcãs,
reduzindo ao mesmo tempo a sua dependência do corredor de trânsito ucraniano. A
Rússia investiu até agora na Sérvia, Bulgária, Hungria, Croácia e Roménia, quer através
de investimentos directos em companhias energéticas, quer através de financiamento
de novos projectos no sector. No Egipto, a Rússia comprou uma participação de 30%
no chamado campo Zohr, ao grupo de energia italiano ENI, em 2016. No que respeita à
energia nuclear, a Rosatom explora uma grande central nuclear em El Dabba (Egipto) e
estima-se que dentro de quatro anos, seja o maior fornecedor de energia nuclear a
África, ultrapassando a França neste domínio. Tem vindo a apostar igualmente, na
construção de centrais eléctricas naquele país. No Líbano, a NOVATEK comprou uma
participação de 20% num empreendimento em que a TOTAL e a ENI têm uma quota de
40 por cento cada. No Iraque, a Rússia apostou na região do Curdistão para a
construção de gasodutos. Na Líbia, recuperou muitos dos projectos energéticos da era
de Kadhafi. Na Argélia, a Gazprom está a realizar explorações de hidrocarbonetos na
6 SELCAN, Hacaoglu – Turkish Offshore Gas Deal with Libya Upsets Mediterranean Boundaries. Ankara
Bloomberg. 2019. Disponível em https://www.worldoil.com/news/2019/12/6/turkish-offshore-gas-deal-with-libya-upsets-mediterranean-boundaries . É importante referir que a Turquia nunca assinou a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (UNCLOS). 7 PIERINI, Marc – How Far Can Turkey Challenge NATO and the EU in 2020?. Carnegie Europe. 2020.
19
área de El Assel. Além disso, a Rússia está a planear vender gás à Índia e à China, dois
clientes asiáticos potencialmente lucrativos, através do oleoduto Power of Siberia.8
A China, por sua vez, demonstra o seu poderio económico-estratégico através
de uma política externa forte e agressiva, que tem como uma das vias a Belt and Road
Initiative que se estende do Estreito de Malaca e pelo Canal do Suez, até ao
Mediterrâneo. Setenta e cinco por cento das importações europeias são efectuadas
por via marítima. Neste momento, a China detém participações ou a totalidade de
alguns dos maiores portos e terminais, a saber: o Terminal de Antuérpia (Bélgica); de
Zeebrugge (Bélgica); Hamburgo (Alemanha); o porto de Taurus e o Pireu (Grécia); o
porto de Bilbao e de Valência (Espanha), o terminal de contentores de Barcelona
(Espanha) e o terminal ferroviário de Saragoça (Espanha); o porto de Kumport
(Turquia); estão a construir dois portos em Haifa e Ashdod (Israel), e a investir no
Canal do Suez (Egipto); o porto de Vado (Itália) e projectos para um cais de atracagem
em Veneza (Itália). Itália propôs ainda, uma Aliança de Cinco Portos para o
Mediterrâneo que incluiria Veneza, Trieste e Ravenna (Itália), bem como Koper
(Eslovénia) e Fiume (Croácia). O Interesse chinês expande-se igualmente, para os
Balcãs através do Grupo 16+1. A zona Mediterrânica tem muito interesse para os
projectos futuros da China, é um Mar interno que faz fronteira com dezanove países,
une a Europa Central e Meridional, África e o Médio Oriente. Além disso, as rotas
marítimas permitem a ligação desta região ao norte da Europa, aos EUA através do
Atlântico Norte, à Eurásia através do Mar Negro, e para a Ásia através do Canal de
Suez e do Oceano Índico9.
A Iniciativa chinesa tem sido de grande sucesso, podemos concluir que existem
alguns factores que ajudam a compreender esse êxito e aproximação: 1) a Crise
económica de 2008, que permitiu um reforço do investimento chinês em muitos países
do Sul da Europa com as economias estagnadas ou em recessão; 2) todos são bons
mercados para os produtos chineses; 3) em nenhum destes países existe uma restrição
eficaz ao investimento estrangeiro; 4) todos estão dentro do Mercado Europeu; 5) a
localização estratégica dos portos; 6) a larga maioria partilha um profundo cepticismo
8 PIERINI, Marc – Russia’s Energy Politics and Its Relevance for the European Union. Carnegie Europe. 2019. p.4.
9 LINDEN, H.Ronald – The New Sea People: China in the Mediterranean. Istituto Affari Internazionali. 2018. p.5.
20
face às políticas europeias; e 7) A China oferece-lhes uma alternativa económica e
política.
Um relatório recente, do grupo de reflexão C4ADS assinala que, segundo a lei
chinesa, todos os portos comerciais têm a obrigação para prestar apoio logístico aos
militares chineses, caso seja solicitado. O potencial para tais instalações de "dupla
utilização" no Sri Lanka e no Paquistão, alarmou, entre outros, os decisores políticos
indianos. Estas preocupações têm aumentado desde que a China começou a construir a
sua primeira base militar ultramarina em Djibuti, idealmente situada para responder a
necessidades tanto no Oceano Índico como no Mediterrâneo.10
As falhas políticas da União Europeia são inúmeras, propomo-nos a analisar apenas
três que consideramos prevalecerem sob as restantes: 1) as falhas das sucessivas
parcerias que na sua larga maioria não alteraram as condições sociais, políticas e
económicas da região; 2) a ausência de uma política de defesa comum, que
impossibilita a EU de se afirmar como uma grande potência e seguir uma estratégia em
conformidade com os seus interesses globais e regionais; 3) a inacção numa primeira
fase das Primaveras árabes com ênfase na Líbia. Todos estes factores culminaram
numa abertura à influência de outras potências na região Mediterrânica11.
Em suma, o facto de a EU ter falhado o propósito de se constituir no parceiro
central no espaço Mediterrânico, por incompreensão das especificidades regionais,
económicas, políticas, religiosas, e assimétricas dos diversos países que compõem a
unidade territorial mediterrânica, foi visível no desenrolar e desfecho das Primaveras
Árabes, - a que dedicaremos um capítulo, sobretudo à Intervenção na Líbia à luz do
10
Ibid., p.14.
Relatório: THORNE, Devin & SPEVACK, Ben – Harbored Ambitions. How China’s Port Investments Are Strategically Reshaping the Indo-Pacific. C4ADS. 2017. Disponível em: https://c4ads.org/s/HarboredAmbitions.pdf. 11
De forma a compreender a complexidade do tema é imperativo debruçarmo-nos sobre a definição do
Mediterrâneo e do seu espaço. De acordo com a Fundação Anna Lindh, o espaço Mediterrâneo é compreendido por seis margens, a saber: 1) a Costa Oriental Euroasiática: compreende a antiga costa Grega e Bizantina, hoje parte da Turquia, o único país muçulmano a ter adoptado o secularismo, proclamado em 1923, por Ataturk; 2) a Costa Oriental Asiática: berço dos hebreus e fenícios, que inclui cinco países (Síria, Líbano, Jordânia, Palestina e Israel) com uma predominância de árabes muçulmanos, bem como de cristãos e minorias judaicas. Salienta-se, ainda, a existência de etnias não árabes - arménios, drusos e curdos; 3) a Costa Africana do Sudeste: compreende o Egipto, o mais antigo Estado-Nação, e Linchpin; 4) a Costa Sudeste do Magrebe: estende-se pela Líbia, Marrocos e Mauritânia, fortemente islamizadas; 5) a Costa Noroeste ou Arco Latino: refere-se aos países do sul da Europa, Portugal, Espanha, França e Itália. Predominantemente católicos, mas onde o secularismo está a progredir; e por fim, 6) A Costa Nordeste: a zona dos Balcãs e da Grécia, com uma forte presença ortodoxa, católica e muçulmana. In: BALTA, Paul - Cultural Dialogue in the Euro-Mediterranean Partnership in: Panorama: Culture and society | Cultural Dialogue. MED. 2009. Pp. 1-2.
21
Direito Internacional – deixando explicita a incapacidade da EU na estruturação de
uma política externa comum, a que se deveria somar uma politica de defesa adequada
aos seus interesses estratégicos, que mantém a Europa dependente da NATO e do
poder hegemónico dos EUA, fragilizando a sua afirmação internacional e deixando
espaço às potências expansionistas como a Rússia, a Turquia e a China para exercerem
o seu domínio e estabelecerem as regras económicas e políticas no mediterrâneo. Por
fim, a actuação da Europa durante as Primaveras Árabes evidência a síntese dos dois
pontos anteriores a Europa não teve uma visão estratégica sobre a importância da
Líbia como seu fornecedor de recursos energéticos, nem como território de
proximidade e zona tampão à imigração ilegal. Ao invés, ajudou à destabilização do
país com todas as consequências económicas, sociais e politicas abrindo espaço
também à guerra e ao caos na Síria.
ESTRUTURA DO RELATÓRIO
O presente Relatório segue a seguinte estrutura: na primeira secção são apresentadas
as causas estruturantes que visam responder à pergunta – A que se deve a perda de
influência da União Europeia no Mediterrâneo – são apresentadas três causas
fundamentais: 1) as Parcerias Euro-Mediterrânicas e as suas falhas; 2) a inexistência de
uma Política de Defesa Comum Europeia que siga uma estratégia visando uma maior
independência face à NATO; e por fim, 3) a má gestão das Primaveras Árabes por parte
da EU, em especial no caso Líbio, que culminou numa ingerência de outras potências e
na sua emancipação no Espaço Mediterrânico.
Na segunda secção abordamos o - Estágio Curricular no Estado-Maior da Armada, na
divisão de Planeamento de Forças (DIVPLAN) – estruturado do seguinte modo:
Estrutura hierarquica do EMA; Funções desempenhadas; Entrevistas realizadas nas
mais diversas divisões; Formação Administrada e Apresentação do Projecto de Estudo.
A terceira secção visa as Considerações Finais do projecto de investigação a que nos
propomos.
22
I PARTE
23
II. A PERDA DE INFLUÊNCIA: EVIDÊNCIAS
Procuraremos estruturar os dois conceitos relevantes e constantes ao longo deste
relatório, a saber: a relevância geopolítica do Espaço Mediterrâneo e das Relações
Euro-Mediterrânicas, e as dinâmicas de Defesa e Segurança existentes.
2.1 Relevância do Espaço Mediterrâneo e das Relações Euro-Mediterrânicas:
visão restrospectiva / histórica
A Liderança é uma questão de Inteligência,
Confiabilidade, Humanidade, Coragem e Firmeza.-
(Sun Tzu, A Arte da Guerra).
As relações Euro-Mediterrânicas iniciaram-se em 1972 através da Politica
Mediterrânica Global que deu origem a uma revisão, em 1990, com a Politica
Mediterrânica Renovada e ambas trouxeram contributos para o debate pese embora
as suas limitações. As principais iniciativas ocidentais no Mediterrâneo surgiram no
início dos anos 90, após a primeira Guerra do Golfo e sobretudo após a Conferência de
Madrid (1991). Seguiram-se, o Processo de Barcelona (1995), o Diálogo 5+5, cuja ideia
surgiu em 1983, mas só se concretizou em 1990, e o Diálogo Mediterrânico da NATO
(1994). Por último, a iniciativa União para o Mediterrâneo de 2008.
Em 1994, na Cimeira de Essen, os responsáveis comunitários expressaram pela
primeira vez a sua preocupação face à emergência de forças extremistas e
fundamentalistas no Norte de África. Em Essen, foram traçadas as grandes linhas de
reforço da política mediterrânica, propostas pela Comissão Europeia, tendo ficado
decidida a realização de uma Conferência Euro-Mediterrânica para o segundo
semestre de 1995.
É com o Processo de Barcelona que se instituiu a primeira parceria entre Estados
Membros da EU e Estados da orla costeira do Mediterrâneo, visando aplicar ao Norte
de África e ao Médio Oriente um modelo símil ao da integração dos Estados Europeus
24
na União. Por esta via, nascia aquilo a que se chamaria Parceria Euro-Mediterrânica
(PEM), cujos objectivos traçam a promoção da paz e a criação de uma zona de
estabilidade entre margens, a promoção do diálogo democrático e do Estado de
Direito e a cooperação ampliada para lá das fronteiras convencionais da segurança
colectiva. Das propostas constam: 1) a criação de uma Assembleia Parlamentar da
parceria Euro-Mediterrânica; um Banco Euro-Mediterrânico, como filial do Banco
Europeu de Investimento (BEI), e a implementação de um organismo de investimento
e parceria reforçada para o Mediterrâneo (FEMIP); a criação de uma Fundação Euro-
Mediterrânica para o diálogo entre culturas (Anna Lindh Foundation); a realização de
reuniões ah-hoc sobre terrorismo; a construção de uma rede de contactos, que
permite aos parceiros que o desejem a possibilidade de instituir um mecanismo de
alerta rápido e troca de informações (podendo o mesmo levar a uma cooperação
progressiva no seio da PESD); formação administrada a pessoal civil e militar em auxílio
humanitário em situações de conflito, gestão de crises e cooperação entre autoridades
(protecção civil, segurança marítima e ambiente). Na vertente económica e financeira
foram assinados acordos de associação com a Tunísia, Israel, Marrocos, Egipto,
Autoridade Palestiniana, Jordânia, Argélia e Líbano. No que respeita a planos de acção
individual, foram seus destinatários Marrocos, Tunísia, Argélia, Israel e Autoridade
Palestiniana; e por fim, a intenção do Acordo de Agadir (2004) entre o Egipto, a
Jordânia, Marrocos e a Tunísia, tendo por objectivo a promoção do comércio regional
e a integração económica.
Uma das críticas frequentes a este Processo prende-se com a importância dada à
dinâmica socioeconómica em detrimento dos interesses políticos e de segurança da
EU. Uma das principais ideias lançadas no Processo de Barcelona – a criação de uma
Zona de Comércio Livre12 na região até 2010 – apontava quatro prioridades:
12
“1) pursue policies based on the principles of market economy; 2)initiate economic adjustment by: (a) modernizing economic structures, (b) promoting private sector, (c) upgrading the production sector; 3) initiative social adjustment by: (a) modernizing social structures, (b) mitigating negative effects through programes aimed at the neediest population; 4)intiative institutional adjustment by: (a) settig up na institutional regulating Framework favourable to market economy” in: ZAAFRANE, Hafedh; MAHJOUB, Azzem – The Euro-Mediterranean free trade zone: economic challenges and social impacts on the countries of the south and east mediterranean. Mediterranean Politics 5:1 (2000). p.12.
25
1) Aprovação de disposições adequadas em matéria de regras de origem, de
certificação, de protecção dos direitos de propriedade intelectual e industrial,
bem como de concorrência;
2) A Prossecução e desenvolvimento de políticas baseadas nos princípios da
economia de mercado e da integração das respectivas economias, tendo em
conta as necessidades e níveis de desenvolvimento respectivos;
3) A adaptação e modernização das estruturas económicas e sociais, sendo dada
prioridade à promoção e ao desenvolvimento do sector privado, ao
nivelamento do sector produtivo e à criação de um quadro institucional e
regulamentar adequado a uma economia de mercado. Do mesmo modo, as
partes contratantes esforçar-se-ão por atenuar as consequências negativas que
esta adaptação possa ter a nível social, incentivando a realização de programas
a favor das populações mais desfavorecidas;
4) Promoção de mecanismos que visam o desenvolvimento tecnológico.
Contudo, esta iniciativa fracassou, bem como a ideia de que a mesma fomentaria
crescimento e, por conseguinte, incrementaria a solidez do poder político e
económico. Importa reflectir sobre esse fracasso quanto à adequação dos modelos à
realidade, pois a ‘imposição’ de parâmetros europeus de crescimento e livre comércio
não reflectiu as necessidades estruturais existentes na margem sul do Mediterrâneo. A
pressuposta liberalização económica era, em larga escala, excessiva para o contexto
vivido na região (seria necessário proporcionar um ambiente favorável a investimentos
estrangeiros, reformas políticas e financeiras na remoção de barreiras a uma ZCL,
resolver conflitos entre os Estados da região e melhorar as suas escassas relações
económicas e comerciais). O facto do Mediterrâneo Sul possuir um Estatuto Especial
no mercado Europeu desde 1970 faz com que a atractividade da proposta seja pouco
vantajosa e a exposição da sua indústria doméstica à competição directa com a
indústria europeia seja inviável. Outro problema levantado pelos Estados do Magreb
prende-se com a acusação de protecionismo por parte da União Europeia ao não ceder
na abertura do respectivo mercado aos produtos agrícolas e aos têxteis
manufacturados. Igualmente é posta em causa a iniciativa de criação da EUROFOR,
26
entendida como uma faca de dois gumes por se apresentar formalmente como
parceiro na manutenção da estabilidade regional e se autoassumir como actor regional
autónomo, avançando unilateralmente com iniciativas militares na região.
Em 2003, por proposta da Comissão, surge a inclusão da PEM num círculo maior de
parceiros económicos recorrendo à Politica Europeia de Vizinhança13, que possui duas
vertentes: uma vocacionada aos países de Leste (Arménia; Azerbeijão; Bielorrússia;
Geórgia; Moldávia e Ucrânia) e outra direcionada aos países do Mediterrâneo (Argélia;
Autoridade Palestiniana; Egipto; Israel; Jordânia; Líbano; Líbia; Marrocos; Síria e
Tunísia), tendo esta última priorizado a interligação das infraestruturas, a protecção do
ambiente e criação de políticas ambientais, o reforço da justiça e assuntos internos e a
cooperação na área do comércio e desenvolvimento socioeconómico. São igualmente
fixadas como metas de longo alcance, a promoção dos direitos humanos e do Estado
de Direito; a promoção da Democracia e a participação da Sociedade Civil, o
crescimento económico sustentável e inclusivo de modo a permitir um
desenvolvimento económico e social, assegurando o acesso ao Mercado Interno; a
mobilidade, sobretudo por parte dos estudantes do ensino superior e movimentos da
sociedade civil; e por fim, uma maior integração regional, incluindo a cooperação
transfronteiriça. Em matérias de segurança surgem três áreas estratégicas traçadas
pela PESC – a Rússia, a Ucrânia e o Mediterrâneo. Importa salientar que em matéria de
segurança, a União Europeia adopta uma noção de Segurança Compreensiva, ou seja,
consagrando todas as dimensões da mesma (militar, política, cultural, socioeconómica
e demográfica)14, e que esta assenta numa estratégia de íntima cooperação – parceiros
na construção de uma política de segurança cooperativa. Quanto ao compromisso para
com a Democracia, muitas vezes o posicionamento da União Europeia é dúbio: por um
13
De acordo com o Tratado de Lisboa: “ 1. A União desenvolve relações privilegiadas com os países vizinhos, a fim de criar um espaço de prosperidade e boa vizinhança, fundado nos valores da União e caracterizado por relações estreitas e pacíficas, baseadas na cooperação. 2. Para efeitos do nº1, a União pode celebrar acordos específicos com os países interessados. Esses acordos podem incluir direitos e obrigações recíprocos, bem como a possibilidade de realizar acções em comum. A sua aplicação é acompanhada de uma concertação periódica.” [TEU Art.8]. 14
“To be integrated into all aspects of EU foreign policy: the CFSP, development cooperation and external trade. Among other things, the PPVC identifies development aid, trade, arms control, human rights policies, environmental policies, political dialogue, diplomacy and capabilities for crisis management (both militar and civil) as EU instruments for both structural, long-term and direct, short-term preventive actions” in: BISCOP, Seven – Opening up the ESDP to the South: a comphrensive and cooperative approach to euro-mediterranean. Security Dialogue. 34:183 (2003). P.185.
27
lado esses valores encontram-se definidos como referências fundamentais ao sistema
de cooperação, sendo por diversas vezes mencionado que todas as transformações e
medidas, nas mais diversas áreas, têm por objectivo último o culminar num processo
livre e democrático acessível a todos os Estados limítrofes. Porém, verifica-se um
alheamento diplomático junto dos regimes que conduz ao incumprimento desse
desígnio, com o receio de prejudicar a estabilidade a curto-prazo. A privação de
participação dos povos nesta mudança, recaindo esta no interesse dos próprios
Estados, dificulta em muito o processo. Assim, gera-se uma cadeia de acontecimentos
difíceis de reversão – a instabilidade da região marcada por disputas e conflitos de
longo prazo e por uma militarização dos regimes, redunda em níveis de integração e
cooperação baixos que, por sua vez, desencadeiam a proliferação de extremistas.
Ainda na década de 90, concretiza-se a iniciativa Diálogo 5+5. Composta, como o nome
indica, por dez membros – França; Itália; Espanha; Portugal; Malta; Argélia; Tunísia;
Marrocos; Líbia e Mauritânia – que se comprometem a promover a cooperação entre
Estados em matérias de segurança e estabilidade; integração regional e cooperação
económica; cooperação nos domínios social e humano; no diálogo entre culturas e
civilizações; na gestão dos recursos naturais; no desenvolvimento de laços económicos
e apoio financeiro; financiamentos à cultura e apoios no combate à imigração e na
concertação política, procurando uma zona de paz e cooperação, sem qualquer
dimensão militar.
No entanto, a iniciativa deparou-se com bloqueios permanentes devido aos conflitos e
tensões da região, nomeadamente no Sahara Ocidental, com o afastamento da Líbia
da iniciativa, a Guerra do Golfo e a crise na Argélia.
A 13 de Julho de 2008, Sarkozy lança a União para o Mediterrâneo(UPM). Inicialmente
a União deveria incluir apenas os Países europeus da Bacia Mediterrânica, mas devido
à relutância alemã, acaba por envolver toda a União Europeia, composta pelos 27
Estados, e seguintes países mediterrânicos: Mauritânia, Marrocos, Argélia, Tunísia,
Egipto, Israel, Autoridade Palestiniana, Jordânia, Líbano, Síria, Turquia e pela Albânia,
Croácia, Bósnia Herzegóvina, Montenegro e Mónaco. A Líbia surge como observador.
28
A iniciativa envolve as matérias de segurança, de controlo de migrações, de políticas
energéticas e ambientais, desenvolvimento socioeconómico e a melhoria das relações
israelo-árabes. A estratégia seguida diverge das anteriores, pois o ênfase é dado a
projectos de cooperação nos quais existam interesses políticos comuns e onde seja
possível a convergência, relegando as matérias mais complexas. Optou-se pelo
bilateralismo em oposição ao regionalismo e por um funcionalismo em detrimento de
uma politização recorrente. Deste modo, a participação em projectos é voluntária e
deve ser utilizada apenas em situações em que os interesses dos actores estejam
alinhados com os restantes membros da UPM. Por sua vez, as possibilidades de
participação, podem abranger um maior número de países que se identifiquem com a
causa em discussão, dissolvendo o regionalismo anteriormente presente nas iniciativas
euro-mediterrânicas. Surge igualmente, uma abordagem intergovernamental que
permite a cooperação sobretudo entre países e não entre blocos e margens. O
funcionalismo15 da iniciativa comporta a necessidade de desenvolvimento de novas
agências especializadas, a melhoria e criação de instituições políticas e administrativas,
e maior cooperação entre o sector privado e público no domínio dos investimentos. O
estabelecimento destas dinâmicas permite atenuar uma ideia omnipresente de
politização dos debates que, na maioria das vezes, se dividiam em facções e temáticas
subalternas interferentes ou mesmo impeditivas doutras matérias postas a debate:
nomeadamente, o conflito israelo-palestiniano, que por inúmeras vezes bloqueou
processos de decisão, e os interesses nacionais dos Estados, sobretudo quando a
iniciativa foi alargada aos países dos balcãs. O impacto da questão palestiniana, levou a
França a sugerir o afastamento do Médio Oriente dos debates na UPM. Após a
Operação israelita na faixa de Gaza em Janeiro de 2009, os líderes árabes recusaram
sentar-se à mesa das negociações na presença israelita e as actividades da UPM foram
suspensas a pedido do Egipto.
As reuniões têm vindo a ser substituídas por reuniões ministeriais com intuitos
temáticos - Mulheres - Setembro 2013; Transportes - Outubro 2013; Energia -
15
“Creation of functional links will over time result in deeper integration, similar, in one sense, to interdependence theory which argues that increasing levels of (economic) interaction will lead to increasingly non-violent modes of conflict regulation” in: SCHLUMBERGER, Oliver – The ties that do not blind: the Union for the Mediterranean and the future of Euro-Arab relations. Mediterranean Politics 16:01 (2011) p.145.
29
Dezembro 2013; Indústria - Fevereiro 2014; Ambiente e Alterações Climáticas - Maio
2014; Economia Digital - Setembro 2014 e Economia Azul - Novembro 2015.
AS PARCERIAS FALHARAM: DADOS OBJECTIVOS
Procuraremos explicitar, recorrendo a dados concrectos, o porquê de considerarmos
que as parcerias empreendidas pela EU com os seus parceiros mediterrânicos
falharam.
Tal como Jean Monnet referiu a Europa fazer-se-à através da soma das soluções
encontradas face às crises experimentadas. As suas relações com os países
mediterrânicos são disso exemplo. O Institucionalismo histórico explica que a mudança
e tranformção institucional ocorrem devido a choques exógenos. Tais acontecimentos
internacionais como Guerras ou Crises Económicas Internacionias não afectam apenas
os assuntos de um Estado, mas interrompem o ciclo de processos institucionais que
conduzem à abertura para a transformação institucional e oportunidades de
mudança16. As tensões vividas na zona de proximidade da UE, basta lembrar o Conflito
Israelo-palestiniano, as relações como Irão, e os conflitos na Síria, no Iraque e no
Libano, têm impacto nas decisões e no decorrer das parcerias, forçando a EU a
reajustar-se e a explorar novas vias de cooperação. Com o Processo de Barcelona a EU
recorreu ao instrumento multilateral como forma de atingir o consenso; com a PEV
optou por uma estratégia bilateral com cada um dos seus parceiros; e com a União
para o Mediterrâneo preferiu uma cooperação orientada baseada em políticas
sectoriais. A pergunta que urge é se efectivamente corresponderam aos desafios
propostos e às principais linhas traçadas pelas mesmas como: uma zona de Comérico
Livre; Igualdade de Género; Liberdades Civis e Políticas; Democracia e Desenvolvientos
Humano. Com o ojectivo máximo de fazer da região uma zona estável e próspera.
16 LECOURS, A. - New Institutionalism: Issues and Questions. University of Toronto Press. 2005. pp. 3-25.
30
Direitos Civis
O Índice que avalia as Liberdades Civis baseia-se nos seguintes factores, combinando
elementos sociais e económicos, a saber: Estado de Direito; Segurança; Liberdade de
Circulação; Liberdade Religosa; Liberdade de Associação e Movimentos Civis;
Liberdade de Expressão e Informação; Direito à Identidade; acesso ao Sistema Legal e
ao Direito de Propriedade; Acesso a Financiamento; Liberdade de Comércio
Internacional e Regulamentação do Crédito, Trabalho e Empresas.
Analisando os dados após o período assinalado a vermelho que corresponde às
Primaveras Árabes, apercebemo-nos que na grande maioria dos países os dados se
mantiveram nos patamares de anos anteriores. No caso do Líbano e da Turquia existiu
um agravamento dos Direitos Cívis. Apenas a Tunsia teve melhoras significativas. A
Líbia, demonstrou um sinal de recuperação, mas rapidamente regressou aos níveis
anteriores.
Liberdade
O Índice que avalia o grau de Liberdade de cada país tem por base os seguintes
critérios: Pluralismo de opiniões no espaço mediático; Independência dos meios de
comunicação; ambiente e auto-censura; Quadro Legislativo, Transparência, Infra-
estruturas e Abusos.
Gráficos in: Sima Rakutiene & Roberta Paskeviciute – Failed Union: Unfulfilled Potential of the
EU’s Union for the Mediterranean. Journal of Security and Sustainability Issue. 2008.
31
Existe uma correlação entre os dados obtidos no que se refere aos Direitos Civis, pelo
que podemos conclir que as Revoltas Árabes não alcançaram as tão desejadas
mudanças. Por outro lado, 26 anos de parcerias não só não inverteram os dados como
na sua maioria ajudaram no perpetuar dos regimes no poder. A tendência na região
continua a ser negativa, visto que grande maioria dos países continuam acima do nível
médio da classificação, o que manifestamente demonstra que os objectivos políicos
não foram cumpridos.
Democracia
O Índice que avalia as Democracias consiste em assegurar cinco critérios específicos:
Processo Elitoral e Pluralismo; Liberdades Civis; Funcionamento do Governo;
Participação Política e Cultura Política. Os Países Mediterrânicos encontram-se na lista
dos menos livres e menos democráticos do mundo, envergonhando os anos de
parcerias e os seus objectivos. Nem o quadro normativo da EU atingiu os objectivos
que se propôs, nem as instituições criadas tiveram qualquer impacto visível.17 A
deteriorização democrática é visível em muito dos países, com ênfase no Egipto,
Libano, Palestina e Síria.
17
Sima Rakutienė & Roberta Paškevičiūtė – Failed Union: Unfulfilled Potential of the EU’s Union for the Mediterranean. Journal of Security and Sustainability Issues. 2008. p.9.
32
Percepção da Corrupção (1998-2011)
Dos dados apresentados, este gráfico revela um dos índices mais baixos, o que
demonstra o problema estrutural existente nas comunidades. Apenas Israel supera a
fasquia dos 50% com uma margem considerável, a Jordânia ultrapassa-a, mas entra em
queda aquando as Primaveras Árabes, e a Tunisia, a grande promessa europeia, sofre
uma queda abrupta nos últimos anos que precedem a Revolta. É fácil constatar que a
larga maioria dos países se encontram muito abaixo do meio da tabela, corroborando
33
a ideia expressa de que o problema da corrupção foi uma das grandes causas das
Revoluções Árabes.
Percepção da Corrupção (2012-2017)
Analisando as transformações no pós-Primaveras Árabes, percebemos que se trata de
uma das conquistas da Revolução. Os dados aumentaram em todos os Países, excepto
na Síria devido ao conflito aramado que decorre e na Turquia onde se mantiveram
estáveis. Trata-se da consequência mais directa das Primaveras Árabes na opinião
pública, embora seja ainda ténue e exitam novos dados que revertem a situação.
34
Igualdade de Género
Como forma de medir os avanços neste domínio, os pontos e referência são: o
Empoderamento Político; os Níveis de Educação, Acesso e Qualidade da Saúde
prestados, bem como a Esperança de Vida; e a Participação e Oportunidades no
Mercado de Trabalho, assim como as perspectivas de Crescimento Económico e
melhores remunerações.
Um factor positivo é o facto de todos os países se encontratrem acima da metade da
tabela, embora os progressos variem de país para país consoante as suas políticas
internas, alguns estagnaram ou tiveram alterações muito ténues. Como podemos
verificar algumas das subidas deram-se após as Primaveras Árabes, pelo que estas se
podem considerar como um factor que contribuiu para a igualdade de género. Este
domínio revela-se como uma das áreas onde as parcerias reflectiram resultados
significativos.
Gráficos in: Sima Rakutiene & Roberta Paskeviciute – Failed Union: Unfulfilled Potential of the
EU’s Union for the Mediterranean. Journal of Security and Sustainability Issue. 2008.
35
Desenvolvimento Humano
O cálculo do índice de Desenvolvimento Humano combina quatro indicadores
principais: Esperança Média de Vida; Escolaridade Obrigatória; e a média entre os anos
de escolaridade e o Rendimento Nacional Bruto per capita. Podemos verificar que
todos os países têm uma tranjectória ascendente, exceptuando a Síria, a Líbia e a
Palestina, devido aos seus conflitos internos. Neste caso concrecto é visível o efeito
inicial de Boom que teve o Processo de Barcelona, em 1995, e a União para o
Mediterrâneo, em 2008, com 26 projectos na área da empregabilidade jovem e no
empoderamento das mulheres, bem como os 21 projectos no domínio do
desenvolvimento sustentável.
Nota: Dados recolhidos por um período de anos. Dados anuais não disponíveis.
Gráficos in: Sima Rakutiene & Roberta Paskeviciute – Failed Union: Unfulfilled Potential of the
EU’s Union for the Mediterranean. Journal of Security and Sustainability Issue. 2008.
36
Direitos Políticos
Por Direitos Políticos entende-se o Direito de Voto e um Processo Eleitoral Justo,
Equitativo e Igualitário; Pluralismo Político e Direito à Oposição; Direito de Associação
Partidária; Direito ao Voto das Minorias; e Transparência Governamental.
As Primaveras Árabes não melhoraram os níveis de Liberdade Política, este
mantiveram-se nos níveis anteriores à queda dos regimes. A grande excepeção é a
Tunisia, que apresenta uma drástica melhoria. Os restantes países continuam muito
acima da linha média, sendo motivo de preocupação.
Comércio de Bens
O rácio do Index do Comércio de Bens é calculado dividindo o preço das exportações
pelo preço das importações e multiplicando o resultado por 100.
A balança entre exportações e importações continua bastante desigual. De facto em
1995, dá-se um crescimento impulsionado pelo Processo de Barcelona, mas que não
tarda a decair em 1998. Uma das grandes metas da Unão Europeia, nas parcerias que
levou a cabo com os países do Mediterrâneo, era precisamente criar uma Zona de
Comércio Livre que ainda hoje está por se concretizar. A introdução da União para o
Mediterrâneo em 2008, não alcançou os objectivos esperados e a cooperação Sul-Sul
continua a representar apenas 1% dos fluxos comerciais da região.
Nota: Dados recolhidos de 2 em 2 anos. Excepto o per (2011-2012)
Gráficos in: Sima Rakutiene & Roberta Paskeviciute – Failed Union: Unfulfilled Potential of the
EU’s Union for the Mediterranean. Journal of Security and Sustainability Issue. 2008.
37
Gráficos in: Sima Rakutiene & Roberta Paskeviciute – Failed Union: Unfulfilled Potential of the
EU’s Union for the Mediterranean. Journal of Security and Sustainability Issue. 2008.
38
CONSIDERAÇÕES – PARCERIAS EURO MEDITERRÂNICAS
Em síntese, as parcerias falharam devido a inúmeras causas entre as quais: os duplos
padrões empregues face aos vizinhos mediterrânicos; a falta de escrutínio entre ambas
as partes envolventes e a ausência de padrões de referência a utilizar na medição do
seu desempenho; o facto de muitas das medidas de apoio por parte da EU terem como
condição as questões de segurança e controlo da imigração por partes desses países.
Consideramos que a EU deve continuar a apoiar a transição política em curso, mas sem
querer geri-la. A EU falhou em perceber que o falhanço das suas parcerias culminaria,
forçosamente, em maior turbulência no seu flanco sul. O EMPI provocou algum
descontentamento por parte dos países visados, que argumentam que a parceria Euro-
Med deveria significar que as economias em convergência com a Europa receberiam o
financiamento que Portugal, Espanha, Grécia e Irlanda receberam para operar a
transição. O aumento da concorrência implica que muitas empresas locais possam ir à
falência, a menos que este seja gerido com muita eficácia e financiamento por parte da
EU. Estima-se que a remoção das protecções eliminaria automaticamente 50 a 60% do
sector industrial marroquino. Além destes problemas são enunciados a dificuldade em
obter visas para a realização de negócios em solo europeu e o protecionismo europeu
face aos produtos agrícolas e têxteis. Concluímos que os benefícios são para as
exportações europeias que ganham com a redução dos direitos aduaneiros sobre os
produtos manufacturados e, à medida que os direitos aduaneiros descem, os principais
custos são suportados pelas economias do Sul do Mediterrâneo.18
18 MARKS, Jon – The European challenge to North African economies: the downside to the Euro-Med Policy. The Journal of North African Studies. 2007.
39
2.2 SEGURANÇA E DEFESA (PCSD –PESC)
“A competência da União em matéria de política externa e de
segurança comum abrange todos os domínios da política
externa, bem como todas as questões relativas à segurança da
União, incluindo a definição gradual de uma política comum de
defesa que poderá conduzir a uma defesa comum”. [TEU
Art.24].
Para seres bem sucedido na conquista daquilo que atacas,
ataca onde não haja defesa. Para seres bem sucedido a
defender, defende onde não haja ataque. (Sun Tzu, A Arte da
Guerra).
A PERCEPÇÃO DO ‘OUTRO’
Analisando o Discurso de Segurança no Mediterrâneo, este tem por base dois discursos
contraditórios, que em muito explicam a relação da EU com os países Mediterrânicos e
os escassos resultados alcançados, a saber: o Discurso Cooperativo de Segurança e o
Discurso Liberal de Reforma. Comecemos pelo primeiro, onde as ameaças são
entendidas como desafios comuns de segurança (terrorismo, radicalismo, armas de
destruição maciça, crime organizado, imigração ilegal e tráfico de drogas). O objectivo
deste discurso é o de criar uma zona comum de paz e cooperação abrangente onde
ambas as margens se fundem numa única comunidade de segurança – “a EU pretende
reforçar juntamente com os seus parceiros mediterrânicos a segurança cooperativa da
região”19. Analisando os documentos da EU sobre a temática, resta a impressão de que
são as ameaças comuns, e não uma identidade comum, o elemento capaz de
realmente impulsionar a formação de uma estratégia comum de segurança. Por outro
lado, parece que ambas as margens acordam nas necessidades e ameaças a fazer face
– a estabilidade na região mediterrânica requer uma abordagem abrangente e
equilibrada a fim de abordar as preocupações de segurança comuns e reforçar a
19
Consultar: Estratégia Comum da UE (2000) em: https://infoeuropa.eurocid.pt/registo/000003888/documento/0001
40
cooperação.20 Parece-nos claro, que quaisquer diferenças na percepção de interesse
ou poder, entre ambas as partes, é posta de lado.
Uma das questões chave entre as dinâmicas estabelecidas EU-países Mediterrânicos é
precisamente a forma de percepcionar o ‘Outro’. Ora, esta percepção pode assumir
diversas formas, como afirma Malmving: 1) o Outro não tem necessariamente de
tomar a forma de uma identidade inferior, retrograda, ou mesmo ameaçadora, como
no estudo seminal de Edward Saïd, sobre o Ocidente e o Oriente; 2) o Outro também
pode ser constituído como igual ou mesmo superior a um Eu (nacional), poder ser
localizado num tempo diferente, e pode, por exemplo, ser constituído como o seu
próprio passado histórico; 3) a relação entre a EU e o Outro também pode, por
conseguinte, ser marcada pela inimizade, pela admiração ou indiferença; 4) a EU pode
identificar-se com o outro ou mesmo submeter-se ao Outro.21
Ao percepcionar o Outro recorrendo a argumentos centrados no autoritarismo e fraco
desempenho económico e social [que] favorecem a marginalização política e fornecem
combustível para movimentos radicais e violência (COM 2003 294), ou, na afirmação
de que a região mediterrânica continua a enfrentar desafios políticos, económicos,
judiciais, ecológicos e sociais que devem ser superados (PESC 2000 458), a União
Europeia coloca-se numa posição de poder face ao Outro que considera inferior.
A democratização é vista como um meio de alcançar a segurança da EU e segue o seu
próprio interesse estratégico. Em suma, a instabilidade e o caos retratados no
Mediterrâneo é vista como uma fonte de insegurança para a Europa. A divisão
hierárquica que a EU criou em relação aos seus parceiros do Sul retrata sempre o
parceiro europeu como superior e o parceiro Mediterrânico como inferior. Assim, os
discursos de segurança separam a alegada (suposta) vítima de segurança e a causa da
20
Consultar : Declaração de Estugarda (1999) - A terceira conferência euromediterrânica tem lugar em Estugarda, na Alemanha. A Líbia participa pela primeira vez, como convidado especial da Presidência. Os ministros acordam em conferir um novo impulso à sua parceria, em cada uma das três vertentes (política e de segurança; económica e financeira; social, cultural e humana) identificadas em Barcelona, nomeadamente, melhorando a cooperação intra-regional e sub-regional, assim como a participação das entidades não governamentais nas acções levadas a cabo. 21
MALMVING, Helle – Cooperation or Democratisation? The EU’s confliting Mediterranean Security Discourses. Denmark: Danish Institute for International Studies. 2004. p.12.
41
insegurança, que é a Europa e o Mediterrâneo, respectivamente22. As dinâmicas e
iniciativas em ambos os discursos pendem muito para uma visão de assimilação do
Outro ao adoptar a identidade política e económica dos Estados Membros da União,
numa clara assimetria de poder e manifesto desrespeito pela diferença.
Quanto ao segundo, o Discruso Liberal de Reforma, define que é à EU que consiste por
direito identificar e definir os problemas do Mediterrâneo, o tipo de reformas a levar a
cabo e a avaliação do seu progresso, bem como a estratégia a seguir. Esta postura
explica em parte, a desconfiança dos governos mediterrânicos sobre as reais intenções
da EU. A PEM é largamente entendida como um acordo de segurança inventado pela
EU a fim de contrariar uma ameaça difusa do Sul23. Os países do Mediterrâneo vêem,
igualmente, as parcerias, as consultas e os diálogos como um mero exercício de
retórica por parte da EU, com o intuito de não revelar a linha orientadora traçada de
modo a servir os seus interesses em matéria de segurança. Por conseguinte,
consideram as iniciativas levadas a cabo pela EU, um meio de impor valores e sistemas
europeus ou mesmo como um pretexto para intervenção directa. Por fim, temem que
os apelos à liberalização económica e política conduzam à agitação social e política,
minando a estrutura de poder e as instituições governamentais24.
A dualidade do discurso da EU é evidente ao fazer ver o Mediterrâneo como uma
região autocrática e conflituosa por natureza e que ameaça a segurança da EU, bem
como parceiro íntimo com quem partilha percepções de segurança, identidade e raízes
históricas.
A CAMINHO DE UMA POLÍTICA COMUM DE SEGURANÇA E DEFESA
A Política Comum de Segurança e Defesa entra em vigor no Tratado de Lisboa (2009)
como parte integrante da PESC, causando de imediato desconfiança nos países
mediterrânicos. “Went out of their way to assume mediterranean partners that the
22
PACE, M. – The ugly ducking of Europe: the Mediterranean in the Foreign Policy of the European Union. Journal of European Area Studies 10:2 (pp.189-209), 2002. p.203. 23
MALMVING, Helle – Cooperation or Democratisation? The EU’s confliting Mediterranean Security Discourses. Denmark: Danish Institute for International Studies. 2004. p.21. 24
Consultar : EUROMESCO: Security and Common Ground in the Euro-Med Partnership. Paper 17. 2002. in: https://www.euromesco.net/wp-content/uploads/2017/10/200206-Working-Group-I-First-Year-Report-Security-and-Common-Ground-in-the-Euro-Med-Partnership.pdf
42
notion of offensive EU capability would have no role to play in Europe’s Mediterranean
policy. The EU insisted, for example, that the putative ESDP was not conceived as a
mean of facilitating the political activation of the EUROFOR and the EUROMARFOR.25”
Entre as propostas dos parceiros mediterrânicos constam: a criação do Confidence
Building Measures26; uma versão mediterrânica da UN register of conventional arms
(UNROCA) e operações conjuntas de manutenção de paz. Foram igualmente tomadas
iniciativas no sentido de realização de seminários internacionais destinados à
formação de diplomatas; a criação da Euro-Mediterranean Study Comission
(EUROMESCO) e a celebração de acordos bilaterais; trocas de informação entre
agências; e cooperação em questões de protecção civil. Porém, em muitas destas
iniciativas a margem sul profere que a EU a considera como uma ameaça à sua
estabilidade e não como um parceiro de cooperação na procura dessa estabilidade e
segurança para a região no seu todo. Existe, igualmente, uma outra diferença de
paradigma: se é verdade que as questões de segurança afectam ambas as margens e
existe uma profunda preocupação com o tema, é igualmente verdade que do ponto de
vista da margem sul, o desenvolvimento da sua indústria e economia revelam-se cada
vez mais uma urgência.
I.QUESTÕES DE DEFESA DA UNIÃO EUROPEIA
- A EVOLUÇÃO DOS TRATADOS E ACORDOS
Em 1992, o Conselho Europeu acordou em Maastricht a criação da Política Externa e
de Segurança Comum que deu lugar ao segundo pilar da nova União Europeia. Esta
evolução centra-se numa esfera intergovernamental onde a influência da Comissão e
do Parlamento Europeu são reduzidas, sendo a tomada de decisão apoiada na votação
por unanimidade27, possuindo os Estados Membros o direito de veto em qualquer
25
YOUNGS, Richard – Approaches to Security in the Mediterranean. Middle East Journal. 57:3. 2003. p.421. 26
Medidas de confiança (MFC) ou medidas de confiança e segurança (MFC) são acções tomadas para reduzir o medo de ataque por ambas as partes numa situação de conflito. O termo é mais frequentemente utilizado no contexto de conflito armado, mas engloba igualmente noções de confiança. 27
“ 1. As decisões ao abrigo do presente capítulo são tomadas pelo Conselho Europeu e pelo Conselho, deliberando por unanimidade, salvo disposições em contrário do presente capítulo. Fica excluída a
43
votação respeitante à adopção de políticas ou operações. Existem, porém, algumas
excepções a esta unanimidade como sejam as decisões relacionadas com a Agência
Europeia de Defesa (AED) e com a Cooperação Estruturada Permanente (CEP), cujas
decisões são aprovadas por votação por maioria qualificada. O Parlamento tem o
poder de tomar a iniciativa de se dirigir ao Alto Representante e ao Conselho no
âmbito da PCSD, bem como o de fiscalizar o orçamento.
Com o tempo tornou-se óbvio que a inserção da PESC no segundo pilar levanta
problemas de articulação com os restantes, uma vez que as questões económicas e
sociais são do domínio do primeiro, e questões como emigração, terrorismo, tráfico e
políticas de asilo do terceiro. Ora, a solução encontrada foi a de atribuir maior poder
de influência à Comissão e ao Parlamento Europeu. De acordo com o Tratado de
Maastricht, a Comissão estaria associada a todos os assuntos da PESC e teria o direito
de iniciar relações internacionais em pé de igualdade com os Estados Membros.
O Tratado de Amesterdão (1997) trouxe algumas alterações à estrutura da União:
estabeleceu uma nova área para a Liberdade, Segurança e Justiça; o terceiro pilar (JAI)
foi alterado e parte do seu conteúdo transferido para o primeiro pilar (processo de
comunitarização); surgiu um mecanismo de cooperação reforçada,28 prevendo o
adoção de atos legislativos. Qualquer membro do Conselho que se abstenha numa votação pode fazer acompanhar a sua abstenção de uma declaração formal nos termos do presente parágrafo. Nesse caso, não é obrigado a aplicar a decisão, mas deve reconhecer que ela vincula a União. Num espírito de solidariedade mútua, esse Estado-Membro deve abster-se de qualquer atuação susceptível de colidir com a acção da União baseada na referida decisão ou de a dificultar; os demais Estados-Membros respeitarão a posição daquele. Se os membros do Conselho que façam acompanhar a sua abstenção da citada declaração representarem, no mínimo, um terço dos Estados-Membros que reúna, no mínimo, um terço da população da União, a decisão não é adotada. 2. Em derrogação do disposto no nº1, o Conselho delibera por maioria qualificada: - sempre que adote uma decisão que defina um acção ou uma posição da União com base numa decisão do Conselho Europeu sobre os interesses e objectivos estratégicos da União, referida no nº1 do artigo 22º, - sempre que adopte uma decisão do Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança apresentada na sequência de um pedido especifico que o Conselho Europeu lhe tenha dirigido por iniciativa própria ou por iniciativa do Alto Representante, - sempre que adote qualquer decisão que dê execução a uma decisão que defina uma acção ou uma posição da União, - sempre que nomeie um representante especial nos termos do artigo 33. 4. Os dispostos nos nº 2 e 3 não é aplicável às decisões que tenham implicações no domínio militar ou da defesa.” [TUE Art. 31] 28
“ 1. Os Estados Membros que desejem instituir entre si um cooperação reforçada no âmbito das competências não exclusivas da União podem recorrer às instituições desta e exercer essas competências aplicando as disposições pertinentes dos Tratados, dentro dos limites e segundo as regras previstas no presente artigo e nos artigos 326º a 334º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia. As
44
aumento de cooperação entre os Estados Membros com o contributo da própria
estrutura da União; o Conselho Europeu passou a ter voz participante nas decisões da
PESC, tendo sido criado o cargo de Alto Representante da União Europeia para a
condução da Política Externa e de Segurança da EU, o qual actuaria igualmente como
Secretário Geral do Conselho; estabeleceu-se a Policy Planning and Early Warning Unit
ao serviço do Conselho, passando a contar com os membros da Europen Union
Millitary Staff (EUMS); concebeu-se a noção de estratégia comum, que seria decidida
de forma unânime pelo Conselho Europeu, seguindo as recomendações do Conselho
da União Europeia; e enquadrou-se as missões Petersberg29 no conceito de segurança
da EU; adoptou-se o conceito de ‘abstenção construtiva,’ permitindo que menos de um
terço dos Estados Membros se abstivessem de uma votação sem que tal facto cooperações reforçadas visam favorecer a realização dos objectivos da União, preservar os seus interesses e reforçar o seu processo de integração. Estão abertas, a qualquer momento, a todos os Estados-Membros, nos termos do artigo 328º do Tratado de Funcionamento da União Europeia.” [TUE Art.20]
29 Consultar: Euroogle - As missões de Petersberg foram instituídas na reunião do Conselho Ministerial
da União da Europa Ocidental (UEO), em junho de 1992, que decorreu nas proximidades de Bona. Os Estados-Membros da UEO declararam-se então prontos a disponibilizar unidades militares provenientes de qualquer ramo das suas forças armadas, tendo em vista a realização de missões sob a autoridade daquela Organização.
As missões de Petersberg encontram-se hoje abrangidas pelo Tratado da União Europeia (TUE), tal como alterado pelo Tratado de Lisboa, e fazem parte integrante da Política Comum de Segurança e Defesa (PCSD). Assim, da interpretação integrada do artigo 43.º n.º 1 com o 42.º n.º 1 resulta a absorção das Missões pelo direito originário da União. Estas missões já haviam sido previstas, no quadro dos tratados, com a revisão de Amesterdão, em 1997, com a sua inclusão no antigo artigo 17.º do TUE.
Trata-se, fundamentalmente, de operações humanitárias ou de evacuação de cidadãos, missões de manutenção da paz, bem como missões executadas por forças de combate para gerir crises, incluindo operações de restabelecimento da paz.
Com efeito, o Tratado de Lisboa, além de absorver as missões, alargou o seu escopo, designadamente ao incluir explicitamente: operações de prevenção de conflitos, ações de desarmamento, aconselhamento e assistência em matéria militar e estabilização pós-conflito. Esta extensão tem três consequências fundamentais: primeiro, a UE amplia o seu papel em matéria de gestão de crises, abrangendo agora as situações pré e pós conflito; segundo, a menção explícita e específica elimina divergências sobre o alcance das mesmas; terceiro, institucionaliza ações já previstas no quadro de outros instrumentos, como a Estratégia Europeia de Segurança. No fundo, esta extensão materializa o processo de integração gradual e progressiva que marca a evolução da PCSD ao longo dos anos, ao mesmo tempo que amplia o quadro de ações civis e militares que a UE protagoniza, operacionalizando o seu papel civil e militar.
Já em junho de 1999, o Conselho Europeu de Colónia colocara as missões de Petersberg no centro do reforço da Política Externa e de Segurança Comum (PESC), bem como da PCSD, que a integra. Os sucessivos Conselhos Europeus foram, progressivamente, dando forma à vontade de se dotar a União Europeia de uma capacidade de ação autónoma no domínio da gestão de crises internacionais, nos casos em que a NATO, enquanto tal, não estivesse implicada, respeitando sempre os princípios da Carta das Nações Unidas e reconhecendo as prerrogativas do Conselho de Segurança.
Com o "Headline Goal 2010” (2004) e com o Tratado de Lisboa, as missões de Petersberg alargam-se a todas as missões – com exceção da Defesa Coletiva Territorial, eminentemente cometida à NATO e, desde Lisboa, com uma referência específica a uma cláusula de assistência comum. Incluem-se, assim, programas de estabilização pós-conflito, bem como a luta antiterrorismo.
45
inviabilizasse as missões e iniciativas. Esta medida culmina na aplicação prática daquilo
que vem sendo designado como smart power, isto é, a capacidade da União responder
a uma crise através do recurso combinado a instrumentos de natureza diversa como
sejam diplomáticos, económicos, militares, de ajuda ao desenvolvimento, adaptados
consoante as circunstâncias, mas obedecendo todos a uma estratégia bem definida. E
a EU é a única Organização Internacional que tem ao seu dispor todos os instrumentos
do smart power. 30
Em Dezembro de 1998, a Cimeira de Saint Malo é uma iniciativa levada a cabo pelo
Reino Unido (com Tony Blair) e pela França (com Jacques Chirac) no seguimento da
ineficiência demonstrada pelos organismos da UE na crise Balcânica (Bósnia, Albânia e
Kosovo), a qual revelou a incapacidade de intervenção da PESC e da UEO na resolução
do conflito. Assim sendo, impôs-se a necessidade de criação de forças de intervenção
“In order for the European Union to take decisions and approve military action where
the Alliance as a whole is not engaged, the Union must be given appropriate structures
and a capacity for analysis of situations, sources of intelligence, and a capability for
relevant strategic planning, without unnecessary duplication, taking account of the
existing assets of the WEU and the evolution of its relations with the EU. In this regard,
the European Union will also need to have recourse to suitable military means
(European capabilities pre-designated within NATO’s European pillar or national or
multinational European means outside the NATO framework)”.31
No Conselho Europeu de Colónia (1999) os Estados Membros decidiram apoiar a
iniciativa franco-britânica de uma Política Europeia de Segurança e Defesa, com intuito
de capacitar a EU a actuar de forma autónoma na prevenção e gestão de crises. Para
tal, e de modo a garantir o controlo político e estratégico das operações lideradas pela
EU, seria necessária a criação de novas estruturas como um corpo permanente ligado à
política externa e outro de cariz militar com funções de planeamento e estratégia –
Capacidade Militar de Planeamento e Condução (CMPC). O objectivo seria o de dotar a
30
MIRA GOMES, João – AS Missões Internacionais da EU. Nação e Defesa (Nº126 (5)). 2010. p.128. 31
Franco-Britsh Saint Malo Declaration (4 December 1998) Consultar: https://www.cvce.eu/content/publication/2008/3/31/f3cd16fb-fc37-4d52-936f-c8e9bc80f24f/publishable_en.pdf
46
União com a capacidade de mobilizar 60.000 militares em menos de 60 dias e com
capacidade de actuação sustentável por um período de um ano.
Em 2001, o Conselho Europeu aprova a Declaração de Laeken com o intuito de analisar
e discutir o futuro da União Europeia num contexto de alargamento a Leste. A EU
escrutina o seu papel tanto a nível regional como internacional e os impactos da
globalização. Neste contexto, analisa-se a operacionalidade da PESD no panorama da
segurança internacional do pós 11 de Setembro.
Em 2002, é assinado o acordo Berlin Plus32 entre a EU e a NATO, que visa a permissão
de recorrer a meios militares da NATO em operações de manutenção de paz lideradas
pela União Europeia. O acordo permite o intercâmbio de informação classificada; o
acesso garantido às capacidades de planeamento da NATO e a disponibilidade de uso
de meios, nomeadamente unidades de comunicação e quartéis-generais. Porém, é
aplicado o ‘princípio de primeira recusa’, ou seja, aplica-se apenas em caso de exclusão
de intervenção no conflito por parte da NATO, e a aprovação de utilização de meios
requer unanimidade por parte dos restantes membros. Apesar da aprovação deste
acordo, subsistem dificuldades na sua aplicação, como refere a Resolução do
Parlamento Europeu, de 19 de Fevereiro de 2009, sobre o papel da NATO na
arquitectura de Segurança da EU (2008/2197(INI), a saber: (M) Considerando que a
cooperação entre a EU e a NATO que se enquadra no âmbito dos ‘Acordos de Berlim
mais’ não tem, até ao momento, decorrido de forma satisfatória, devido a problemas
32
As operações de manutenção de paz sob a liderança da EU que recorreram a este acordo foram: Em 2003: a EUFOR Concordia na Antiga República Jugoslava da Macedónia. A UE substituiu a operação Allied Harmony da NATO e destacou cerca de 300 militares para fornecer segurança à UE e à Organização para a Segurança e Cooperação na Europa, supervisionando a implementação do Acordo Quadro de Ohrid; e em 2004: a EUFOR Althea na Bósnia e Herzegovina. Na sequência da decisão da NATO na Cimeira de Istambul de 2004, de pôr termo à missão da Força de Estabilização da NATO (SFOR) até ao final do ano, a UE iniciou a sua própria missão de 7.000 homens. A EUFOR Althea, teve por objectivo implementar os aspectos militares do Acordo de Paz de Dayton e manter um ambiente seguro e protegido. No total no âmbito da PESD foram realizadas 22 missões e operações, não de suma importância é o facto de algumas destas missões terem a participação de países terceiros, quer sejam países candidatos à adesão, quer sejam outros com os quais a EU tem uma parceria estratégica. Enumeramos apenas algumas missões: EULEX Kosovo (apoio às estruturas kosovares nas áreas judicial e policial com vista à prossecução dos processos de reformas nas áreas do Estado de direito e na luta contra o Crime Organizado e a Corrupção); a Missão de Polícia da EU no Afeganistão ( treino e reforço da capacidade policial afegã no âmbito da construção de um Estado de Direito e promoção da estabilidade na região); no campo das operações navais – a Operação ATLANTA/EUNAVFOR – ao largo da Costa da Somália e que visa a Portecção aos navios do Programa Alimentar Mundial; a Missão de Reforma do Sector de Segurança na Guiné-Bissau.
47
que ainda estão por resolver dado o facto de alguns países serem membros da NATO,
mas não da EU; (N) Considerando que, fora do quadro dos ‘Acordos de Berlin Mais’, a
NATO e a EU devem assegurar uma gestão eficiente das crises e devem melhorar as
sua cooperação, a fim de identificar a melhor resposta possível a dar a crises como as
do Afeganistão e do Kosovo; (20) Observa que os ‘Acordos de Berlim Mais’, que
permitem à União Europeia utilizar os recursos e as capacidades da NATO, necessitam
de ser melhorados, a fim de permitirem que as duas organizações intervenham e
prestem um auxilio eficaz nas crises da actualidade, que exigem uma resposta civil e
militar polivalente; entende, por isso, que é necessário aprofundar a relação
actualmente existente entre a NATO e a EU, mediante a criação de estruturas
permanentes de cooperação, sem prejuízo da natureza independente e autónoma de
ambas as organizações e sem excluir a participação de todos os membros da NATO e
de todos os Estados-Membros da EU que também desejem ser envolvidos; (21) Exorta a
Turquia a deixar de levantar obstáculos à cooperação entre a EU e a NATO; (39)
Lamenta, em particular, o facto da disputa entre a Turquia e o Chipre continuar a ser
tão nefasta para o desenvolvimento da cooperação EU-NATO, atendendo a que, por
um lado, a Turquia se recusa a permitir que o Chipre participe em missões da PESD que
envolvam informações e recursos da NATO e, por outro lado, Chipre se recusa a
permitir que a Turquia participe no desenvolvimento global da PESD a um nível
correspondente ao peso militar e à importância estratégica desse país para a Europa e
para a Aliança Transatlântica; (40) Incentiva o Chipre, enquanto Estado-Membro da
EU, a rever a sua posição política no que se refere à adesão à Parceria para a Paz e
insta os países membros da NATO a coibirem-se de fazer uso do seu direito de veto
para impedir que Estados-Membros da EU se tornem membros da NATO.
Em 2010, tal como na iniciativa anterior, o eixo franco-britânico fundamental em
políticas de defesa, traça um novo acordo bilateral – o Tratado de Defesa e
Cooperação – que visa manter a capacidade de projecção das duas nações nivelada
com a capacidade norte americana. O acordo surge numa altura em que era já
evidente o fosso tecnológico entre ambas as partes e se afirmava que caso o mesmo se
mantivesse, dificilmente a União Europeia poderia participar em missões conjuntas
com o poderio americano. Tentou-se atenuar as desigualdades de forças e meios no
48
âmbito europeu com o Programa Europeu de Desenvolvimento Industrial no domínio
da Defesa (PEDID) e com um Fundo Europeu de Defesa (FED). Esta decisão torna-se
mais relevante se tivermos em conta o seu enquadramento histórico, visto que União
se encontrava em plena crise económica e via a situação ser agravada por cortes no
orçamento da defesa. Quanto ao alinhamento estratégico, a posição franco-britânica é
convergente na priorização do combate ao terrorismo e à ameaça dos Estados
falhados. A preocupação com os estados vizinhos da EU é igualmente uma prioridade,
como forma de assegurar a defesa e segurança das fronteiras externas da EU e
construir uma zona tampão de estabilidade e prosperidade. Estes dois países são os
maiores contribuidores em matéria de segurança quer ao nível europeu da NATO, quer
na EU, representando cerca de metade de todos os gastos em defesa, tendo alocações
que rondam os 4% a 5% do seu PIB em defesa. No campo da indústria de defesa
pretendem optimizar o seu nível de produção autónoma de modo a evitar ingerências
na sua acção e com isso adquirir vantagem operacional. Tendo em consideração o
mencionado, o acordo TDC estreita laços de cooperação entre os Estados e permite a
harmonização de requisitos, doutrina e partilha de recursos – permitindo o acesso
mútuo às indústrias de defesa de ambos os países; a criação de uma brigada franco-
britânica de 10.000 homens, e a partilha de instalações para testes nucleares. O
acordo tem uma vigência de 50 anos.
Por fim, o Tratado de Lisboa (2009) introduz três inovações institucionais de grande
alcance político: 1) as cláusulas de defesa mútua e solidariedade33; 2) o alargamento
33
“7. Se um Estado-Membro vier a ser alvo de agressão armada no seu território, os outros Estados-Membros devem prestar-lhe auxílio e assistência por todos os meios ao seu alcance, em conformidade com o artigo 51º da Carta das Nações Unidas. Tal não afecta o carácter específico da política de segurança e defesa de determinados Estados-Membros. Os compromissos e a cooperação neste domínio respeitam os compromissos assumidos no quadro da Organização do Tratado do Atlântico Norte, que, para os Estados que são membros desta organização, continua a ser o fundamento da sua defesa colectiva e a instância apropriada para a concretizar.”. [TEU Art.42] “1. A União e os seus Estados-Membros atuarão em conjunto, num espírito de solidariedade, se um Estado-Membros for alvo de um ataque terrorista ou vítima de uma catástrofe natural ou de origem humana. A União mobiliza todos os instrumentos ao seu dispor, incluindo os meios militares disponibilizados pelos Estados-Membros, para: a) – Prevenir a ameaça terrorista no território dos Estados-Membros, proteger as instituições democráticas e a população civil de um eventual ataque terrorista, prestar assistência a um Estado-Membro no seu território, a pedido das suas autoridades politicas, em caso de ataque terrorista; b) Prestar assistência a um Estado-Membro no seu território, a pedido das suas autoridades politicas, em caso de catástrofe natural ou de origem humana”. [TEU Art.222]. Esta cláusula foi acionada pela França, pela primeira vez, na sequência dos atentados de 13 Novembro de 2015. Os pedidos dirigidos por parte das Autoridades francesas consistiam numa
49
do conceito das missões Petersberg34; e por fim, 3) os mecanismo de cooperação
reforçada e de cooperação estruturada permanente.35
concentração de recursos no apoio às operações francesas no Iraque e na Síria, e no apoio às operações levadas a cabo pela França noutras regiões permitindo a reafectação das tropas francesas em locais prioritários. 34
“1. As missões referidas no nº1 do artigo 42, nas quais a União pode utilizar meios civis e militares, incluem as acções conjuntas em matéria de desarmamento, as missões humanitárias e de evacuação, as missões de aconselhamento e assistência em matéria militar, as missões de prevenção de conflitos e de manutenção de paz, as missões de forças de combate para a gestão de crises, incluindo as missões de restabelecimento da paz e as operações de estabilização no termo dos conflitos. Todas estas missões podem contribuir para a luta contra o terrorismo mediante o apoio prestado a países terceiros para combater o terrorismo no respectivo território”. [TEU Art. 43]. 35
“A Cláusula de Solidariedade Mútua – caso um Estado-Membro seja vitima de agressão armada no sue território, todos os outros Estados-Membros passam a ter a obrigação expressa de ajuda e assistência – por todos os meios à sua disposição. (…) Quanto ao alargamento do leque de missões para além das denominadas missões de Pertersberg confirma um maior grau de ambição da EU ao identificar explicitamente missões de alta intensidade como o seu alvo de actuação – acções conjuntas em matéria de desarmamento; missões de aconselhamento e assistência militar; e as operações de estabilização no termo dos conflitos. (…) cooperação reforçada, permite aos Estados-Membros que em situações nas quais a EU não consiga alcançar os objectivos propostos, dentro de um período de tempo razoável, um grupo de Estados-Membros, pelo menos nove, possam agir em conjunto e de uma forma coordenada embora a decisão relativa ao lançamento da missão naquele formato continue a exigir a unanimidade. Já as cooperações estruturadas permanentes são uma figura específica da PESD e permitem uma cooperação mais estreita e aprofundada entre os Estados-Membros que estejam dispostos e tenham capacidade para avançar em matéria de segurança e defesa, designadamente no que toca ao desenvolvimento de capacidades”. In: MIRA GOMES, João – AS Missões Internacionais da EU. Nação e Defesa (Nº126 (5)). 2010. pp.130-131.
50
II. QUESTÕES DE SEGURANÇA DA UNIÃO EUROPEIA
– União Europeia: Políticas de Segurança transformações
A partir da crise migratória de 2015, temos vindo assistir a uma política securitária de
imigração e de asilo e a um progressivo aumento com a segurança interna da União.
Como consequência, e recorrendo ao sistema de pilares de Maastricht, podemos
afirmar que se deu uma fusão entre medidas que, inicialmente corresponderiam,
exclusivamente, ao terceiro pilar (Justiça e Assuntos Internos) com dinâmicas e
políticas de Segurança e Defesa do segundo pilar. Exemplo disso foi a proposta da
Comissão Juncker, a partir da qual foram aprovadas a criação de uma guarda europeia
costeira e de fronteiras, com vista a assegurar o controlo das fronteiras externas, e
igualmente os controlos sistemáticos vertidos para uma base de dados de registo de
entradas e saídas do espaço Schengen. Igualmente, a 7 de Janeiro de 2016, foram
adoptados um conjunto de programas de cooperação transfronteiriça e de apoio ao
desenvolvimento económico e social às zonas transfronteiriças da União; a 19 de
Janeiro, acrescenta-se-lhes a proposta que facilita o intercâmbio na EU de registos
criminais internos e de países terceiros, recorrendo ao Sistema Europeu de Informação
sobre Registos Criminais (ECRIS)36; a 7 de Março, foi aprovada legislação que visa
combater o modelo de negócio dos traficantes. Para tal, institui-se a readmissão de
todos os migrantes em situação irregular que cheguem à Grécia e que não requeiram
de protecção internacional, bem como sírios que teriam sido reenviados para a
Turquia, sendo aí forçados a requer asilo – por cada sírio readmitido, outro será
recolocado na EU directamente via Turquia.
O estreitar das relações EU-Turquia (2015), por força de uma necessidade europeia
deixou a EU à mercê da arbitrariedade e chantagem. O intuito seguido por parte da EU
foi o de tentar criar uma zona tampão, que em última análise funcionaria como uma 36
Esta proposta será reforçada a 9 de Setembro de 2016, no discurso sobre o Estado da União pelo Presidente Juncker, que alude à definição de um sistema de entrada/saída (EES) da EU que recolherá informações, como a identidade, os documentos de viagem e os dados biométricos, e registrará as entradas e saídas no ponto de passagem. Bem como, à implementação de um Sistema Europeu de Informação e Autorização em Viagens (ETIAS). Estas medidas têm como pressuposto prevenir os abusos e ameaças à segurança interna provocados pela facilidade com que alguns documentos podem ser falsificados. É importante ver estes acontecimentos à luz das ameaças generalizadas: crise migratória difícil de controlar, instabilidade no Médio Oriente, e recrutamento de foreign fighters por parte do ISIS.
51
segunda fronteira do espaço europeu. Com uma alocação de verbas de 500 M Euros
concedidos à Turquia para fins humanitários e criação de mais centros de acolhimento,
e para o reforço do controlo de fronteiras. Em contrapartida, Ankara perspectiva o
relançamento das negociações de adesão à EU (assinado a 18 de Novembro de
2015)37.
No conselho Europeu de 17-18 de Março de 2016, inumeraram-se seis pontos de acção
sobre a forma de combater os problemas de instabilidade regional e fluxos
37
Em 1999, A Turquia obteve o estatuto de país candidato na sequência da reunião do Conselho Europeu que se realizou em Helsínquia em Dezembro de 1999. Na sua reunião de 16-17 de Dezembro de 2004, o Conselho Europeu decidiu que a Turquia preenchia suficientemente os critérios para se dar início às negociações de adesão. Consultar: https://data.consilium.europa.eu/doc/document/ST-16238-2004-REV-1/pt/pdf. Outubro de 2005. As negociações de adesão foram lançadas numa Conferência Intergovernamental (CIG), a 3 de Outubro de 2005. O Conselho também chegou a acordo sobre um quadro de negociações com a Turquia na mesma data. A 18 de fevereiro de 2008, o Conselho adotou a versão revista da Parceria de Adesão com a Turquia. Consultar: https://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:L:2008:051:0004:0018:EN:PDF. Em 29 de novembro de 2015, os chefes de Estado ou de Governo da UE tiveram uma reunião com a Turquia. A reunião constituiu um passo importante no desenvolvimento das relações UE-Turquia e contribuiu para a gestão da crise migratória. A UE e a Turquia acordaram em redinamizar o processo de adesão Turca à União Europeia. O diálogo de alto nível entre as duas partes foi reforçado através de reuniões mais frequentes e mais estruturadas. Consultar: https://www.consilium.europa.eu/pt/press/press-releases/2015/11/29/eu-turkey-meeting-statement/ Na reunião do Conselho Europeu de 19 de outubro de 2017, os dirigentes da UE procederam a um debate sobre as relações com a Turquia. Os dirigentes frisaram o seu pleno empenhamento na cooperação com a Turquia quanto à migração, mas não deixaram de encarregar a Comissão de refletir sobre a necessidade de reduzir e reorientar os fundos de pré-adesão, dada a situação naquele país. Consultar: https://data.consilium.europa.eu/doc/document/ST-14-2017-INIT/pt/pdf. Em 26 de março de 2018, os dirigentes da UE receberam o presidente turco, Recep Tayyip Erdoğan, no palácio de Evksinograd em Varna, na Bulgária. A UE fez-se representar por Donald Tusk, presidente do Conselho Europeu, Jean-Claude Juncker, presidente da Comissão Europeia e Boyko Borissov, primeiro-ministro da Bulgária. Os dirigentes realizaram um amplo debate sobre as relações entre a UE e a Turquia e o rumo a seguir. Mais concretamente, debateram: a cooperação em matéria de gestão dos fluxos migratórios; o interesse comum em combater o terrorismo; o Estado de direito na Turquia; as recentes ações da Turquia no Mediterrâneo oriental e no mar Egeu; e o envolvimento da Turquia na Síria. Consultar: https://www.consilium.europa.eu/pt/press/press-releases/2018/03/26/remarks-by-president-donald-tusk-after-the-eu-turkey-leaders-meeting/. Em 18 de junho de 2019, o Conselho dos Assuntos Gerais adotou conclusões sobre o alargamento e o Processo de Estabilização e de Associação, abrangendo a Turquia. Em 20 de junho de 2019, o Conselho Europeu aprovou essas conclusões. Consultar: https://www.consilium.europa.eu/pt/press/press-releases/2019/06/18/council-conclusions-on-enlargement-and-stabilisation-and-association-process/. No dia 9 de março de 2020, os presidentes Charles Michel e Ursula von der Leyen reuniram-se com o presidente Recep Tayyip Erdoğan, em Bruxelas. Os dirigentes debateram as relações bilaterais, a aplicação da declaração UE-Turquia sobre a migração, a segurança e a estabilidade na região, bem como a crise na Síria. A reunião realizou-se na sequência da visita do presidente Charles Michel a Ankara, em 4 de Março de 2020. Consultar: https://www.consilium.europa.eu/pt/press/press-releases/2020/03/04/press-release-on-meeting-between-president-charles-michel-and-president-recep-tayyip-erdogan/.
52
migratórios38, a saber: 1) Prosseguir com os centros de registo; 2) reforço do protocolo
de readmissão Grécia-Turquia e EU-Turquia; 3) apoio de emergência à Grécia; 4)
acelerar a recolocação a partir da Grécia; 5) apoio à Jordânia e ao Líbano na protecção
dos refugiados e nas comunidades de acolhimento; 6) reforço da cooperação com os
países dos Balcãs ocidentais.
(2)- Caso de Estudo: Segurança Marítima durante a Crise dos Refugiados
Com o Mediterrâneo a ser fustigado por crises políticas e humanitárias, muitos
submeteram-se a uma passagem plena de riscos rumo à margem norte. O papel das
agências europeias e das Marinhas nacionais torna-se imprescindível no assegurar que
esses migrantes são socorridos mas, ao mesmo tempo, que os fluxos não assumam
uma dimensão tal que coloque em causa a integridade nacional e a segurança dos
próprios Estados. Na resposta a situações de crise, a EU é usualmente descrita como
um actor reactivo, tendente a iniciativas ad hoc, com forças internas conflituantes que
agem na base do mínimo denominador comum, e com dificuldades na concertação de
uma posição comum. A resposta da EU à crise dos refugiados imbuiu estas
fragilidades39. É fácil constar a natureza da afirmação através do bloqueio sistemático
ao sistema de quotas, cujo objectivo era salvaguardar e cooperar com os países da
linha da frente, fortemente afectados pelo regulamento de Dublin.40 O bloqueio à
distribuição de migrantes teve por consequência o posterior encerramento do espaço
Schengen. Os Estados Membros não desenvolveram um interesse comum,
38
Sobre o tema em questão é importante referir quatro documentos essenciais: Declaração comum do Parlamento, do Conselho Europeu e do Conselho – Managing Flows, Saving Lifes. Consultar: https://eur-lex.europa.eu/resource.html?uri=cellar:6e6590bb-e2fa-11e6-ad7c-01aa75ed71a1.0008.02/DOC_1&format=PDF; Proposta para uma Decisão a ser implementada pelo Conselho sobre uma recomendação para prolongar o controlo de fronteiras que coloquem em risco Schengen (COM2017040) Consultar: https://eur-lex.europa.eu/legal-content/EN/TXT/PDF/?uri=CELEX:52017PC0040&qid=1611671111192&from=EN; Relatório da Comissão ao Parlamento Europeu, o Conselho Europeu e o Conselho sobre a operacionalização e uma guarda de fronteiras e costeiras comuns (COM 2017 042) Consultar: https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:52017DC0042&qid=1611671256589&from=EN; Comunicação da Comissão ao Parlamento, Conselho Europeu e Conselho sobre o progresso em direcção a uma união de segurança eficaz e sustentável. 39
SILVEIRA, João de Almeida – A resposta da União Europeia às migrações irregulares marítimas: iniciativas em mar. IDN cadernos (pp.125-144).2017. p.132. 40
Que afirma: de modo a agilizar o processo de candidatura ao estatuto de refugiado nos Estados-membros, prevê-se que a apresentação do pedido de asilo seja feita no próprio país em que o requerente entrou no espaço europeu, ficando a sua circulação e proteção a cargo desse país.
53
privilegiando os custos moderados de saída do espaço Schengen e a sua capacidade
nacional que lhes permitia prosseguir políticas unilaterais, evitando compromissos
mútuos e mais onerosos. Trata-se de um domínio político sensível à soberania dos
Estados e à sua identidade e, por conseguinte, susceptível de ser impulsionado por
preferências ideológicas de política pública. Os Estados da linha da frente e de destino,
fortemente afectados, pressionaram para que houvesse uma distribuição de migrantes
por toda a UE, ao passo que os países de trânsito opuseram-se a essa deslocalização.
Dadas a fraca interdependência e as preferências incompatíveis, a negociação
intergovernamental durante a crise de Schengen não resultou numa maior integração,
mas num apoio às agências da UE sem transferência de autoridade, numa combinação
de medidas unilaterais e na desintegração temporária do espaço europeu41.
Em 18 de Outubro de 2013, o Governo Italiano lançou a primeira operação naval e
aérea levada a cabo pela Marinha italiana perto da costa líbia, com o intuito de
controlar os fluxos migratórios – operação Mare Nostrum, com um pendor de
protecção humanitária e de busca e salvamento – a EU canalizou 1,8 Milhões de euros
do fundo para as fronteiras externas como apoio à missão.
Numa primeira fase coube à Itália a urgência em lidar com a situação que, em abono
da verdade o fez de forma brilhante, ao garantir a subsistência, alojamento, e a
dignidade dos refugiados que acolhia. Foi igualmente criada em 22 de Maio de 2013 a
European Union Border Assistance Mission in Libya (EUBAM LIBYA) tendo por missão
apoiar as autoridades líbias no desenvolvimento da gestão e segurança das fronteiras
terrestres, marítimas e aéreas do país. Assistindo as autoridades líbias a nível
estratégico e operacional.
A 1 de Novembro de 2014, praticamente um ano depois, a operação Mare Nostrum foi
substituída pela operação Frontex Triton, que no entanto, possuía características
diferentes. Visava sobretudo a protecção das fronteiras externas da EU. O comando
operacional continua a ser do Governo italiano, mas a Triton passa a ser coordenada
pela Agência Europeia de Controlo de Fronteiras (FRONTEX). O facto de passar a existir
uma coordenação europeia fez com que vinte Estados Membros disponibilizassem
41
Consultar: ZAUN, Natascha – States as gatekeepers in EU asylum politics: explaining the non-adoption of a refugee quota system. JCMS vol.56 Nº1 (pp.44-62). 2018.
54
recursos humanos e logísticos para a operação. O mesmo não se verificou na Missão
anterior, onde só a Eslovénia enviou meios. Outra alteração resultante da mudança de
missão, foi o regresso à vigilância junto das fronteiras do espaço Schengen, ou seja,
junto à costa italiana, ao contrário da missão anterior que incluía na sua zona de
influência a costa Líbia.42 Por fim, verificou-se uma significativa redução orçamental
(de 9Milhões para 3 Milhões por mês), logística (recursos humanos foram reduzidos) e
operacional (mantendo-se apenas um terço do número de navios).43 Devido às
diferenças apresentadas entre as missões, existiu uma forte pressão por parte da OMI
e da ACNUR para que se restabelecesse a ordem prioritária inicial, ou seja, as
operações de busca e salvamento conduzidas pelas autoridades italianas numa
primeira fase44.
42
Consultar: Pergunta com pedido de resposta escrita E-008611/2015 à Comissão Artigo 130.º do Regimento por Miguel Viegas: “Vários relatórios publicados na imprensa demonstram que a decisão de suspender a operação humanitária da Marinha italiana intitulada «Mare Nostrum», no final de 2014, contribuiu para um aumento dramático das mortes de migrantes e refugiados no mar. De acordo com os dados mais recentes, mais de 1700 pessoas já terão morrido este ano – um número 100 vezes superior ao período homólogo de 2014. O mito de que a operação «Mare Nostrum» funcionava como um «fator de atração» é assim desmontado pelas estatísticas. No final da operação «Mare Nostrum», os governos europeus instruíram a Agência Europeia de Fronteiras (Frontex) para iniciar a operação «Tritão», que não é uma operação de busca e salvamento. Ao contrário dos navios da «Mare Nostrum», os da «Tritão» estão limitados à patrulha de fronteira até 30 milhas náuticas das costas da Itália e de Malta – muito aquém da área onde a grande maioria dos barcos de migrantes e refugiados ficam em risco. Pergunto à Comissão Europeia que avaliação faz da implementação da operação «Tritão» face a estes números e perante a manifesta incapacidade da mesma de efetivamente policiar os 2,5 milhões de quilómetros quadrados do Mediterrâneo.” A resposta é a seguinte: E-008611/2015 Resposta dada por Dimitris Avramopoulos em nome da Comissão: “Na declaração adotada na reunião extraordinária do Conselho Europeu, de 23 de abril de 2015, a União Europeia comprometeu-se a mobilizar todos os instrumentos ao seu dispor para prevenir a perda de vidas no mar. O Conselho Europeu comprometeu-se a reforçar as operações conjuntas Triton e Poseidon Sea. A Comissão anunciou na Agenda Europeia da Migração que procedia à triplicação do orçamento das operações conjuntas. O duplo objetivo das operações conjuntas consiste em assegurar um controlo eficaz nas fronteiras externas da UE e, ao mesmo tempo, ajudar os Estados-Membros em operações de busca e salvamento (SAR) no mar. O contributo oferecido pelos Estados-Membros permitiu à FRONTEX expandir a área geográfica da Triton até ao limite sul da região SAR de Malta e aumentar gradualmente o número de meios (por exemplo, navios e aeronaves de patrulha, agentes convidados destacados) a fim de reforçar a capacidade da operação para contribuir no salvamento no mar. Os navios que participam na operação intervêm em operações de busca e salvamento, quando são chamados a fazê-lo pelo centro de coordenação das operações de salvamento competente e desembarcam as pessoas socorridas num lugar seguro. De acordo com a Frontex, entre 1 de maio e 6 de julho de 2015, registaram-se cerca de 280 casos que abrangeram mais de 46 000 pessoas. 43
XAVIER, Ana Isabel – A União Europeia, Migrações e (In)segurança: Estratégias, vulnerabilidades e desafios. Perspectives, Journal of Political Science, Vol.16. (pp.36-48). 2017. p.30. 44
Consultar: https://news.un.org/pt/story/2015/04/1509161-alto-comissario-da-onu-faz-apelo-urgente-uniao-europeia e https://news.un.org/pt/story/2017/07/1590131-oim-pede-solidariedade-com-italia-e-mais-cooperacao-em-resgate-de-migrantes
55
A 9 de Outubro de 2015, as Nações Unidas aprovaram uma resolução (2240/2015)
Security Council Authorizes Member States to Intercept Vessels off Libyan Coast
Suspected of Migrant Smuggling45 que autoriza os Estados Membros, durante o
período de um ano, a inspecionar navios em águas internacionais e ao largo da costa
líbia, suspeitos de pertencerem a redes de tráfico de seres humanos e migração.
Autoriza-os, igualmente, a inspecionar, apreender e proceder à sua eliminação, caso as
suspeitas se concretizem. Convida os Estados-Membros, a agirem a nível nacional ou
através de organizações regionais que se dediquem à luta contra o contrabando de
migrantes e ao tráfico de seres humanos a inspecionar, como permitido pelo Direito
Internacional no alto mar, ao largo da costa da Líbia, quaisquer navios não assinalados
que tenham motivos razoáveis para acreditar que foram, estão a ser, ou serão
iminentemente utilizados por empresas do crime organizado para contrabando de
migrantes ou trafico de pessoas provenientes da Líbia, incluindo barcos insufláveis,
jangadas e balsas. 46 É de relembrar a existência de outras convenções que vigoram e
que visam proteger e prevenir situações como as que vivemos, a saber: Convenção
sobre o Estatuto do Refugiado47 (1951); Convenção UNTOC contra o crime organizado
transnacional (2000); Convenção Internacional para a Salvaguarda da vida Humana no
Mar (SOLAS 1914); Convenção Internacional sobre a busca e salvamento marítimo
(1979). A 18 de Maio de 2015, por decisão do Conselho da União Europeia, foi criada a
EUNAVFOR MED SOPHIA48, corroborando a necessidade de um acção internacional
que aborde os aspectos imediatos e a longo prazo do contrabando e tráfico de seres
humanos. Ficou a cargo desta força a identificação, captura e destruição de navios
suspeitos. As diversas fases de acção desta força encontram-se expressas no Art.2
(778/2015) : No que diz respeito às suas missões principais relacionadas com a
introdução clandestina de migrantes e o tráfico de pessoas, a operação EUNAVFOR
45
Consultar: https://www.securitycouncilreport.org/atf/cf/%7B65BFCF9B-6D27-4E9C-8CD3-CF6E4FF96FF9%7D/s_res_2240.pdf 46
UN Resolution 2240 (2015). p.5. 47
Definição de Refugiado de acordo com o Art.1 da Convenção : Que, em consequência dos acontecimentos ocorridos antes de 1º de janeiro de 1951 e temendo ser perseguido por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, se encontra fora do país de sua nacionalidade e que não pode ou, em virtude desse temor, não quer valer-se da proteção desse país, ou que, se não tem nacionalidade e se encontra fora do país no qual tinha sua residência habitual em consequência de tais acontecimentos, não pode ou, devido ao referido temor, não quer voltar a ele”. 48
Consultar: https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:02015D0778-20190401&from=FR
56
MED é conduzida em fases sequenciais, em conformidade com as condições de direito
internacional. A operação EUNAVFOR MED SOPHIA: a) Numa primeira fase, apoia a
deteção e a monitorização das redes de migração através da recolha de informações e
do patrulhamento em alto mar, em conformidade com o direito internacional; b) Numa
segunda fase, i) procede à subida a bordo, busca, confisco e desvio em alto mar de
navios suspeitos de serem utilizados na introdução clandestina de migrantes ou no
tráfico de pessoas, nas condições previstas no direito internacional aplicável, inclusive
na UNCLOS e no Protocolo contra o Tráfico Ilícito de Migrantes; ii) procede, em
conformidade com as resoluções aplicáveis do Conselho de Segurança das Nações
Unidas ou com o consentimento do Estado costeiro em causa, à subida a bordo, busca,
confisco e desvio em alto mar, ou nas águas territoriais ou interiores do Estado em
causa, de navios suspeitos de serem utilizados na introdução clandestina de migrantes
ou no tráfico de pessoas, nas condições previstas nessas resoluções ou no
consentimento; c) Numa terceira fase, em conformidade com as resoluções aplicáveis
do Conselho de Segurança das Nações Unidas, ou com o consentimento do Estado
costeiro em causa, toma todas as medidas necessárias contra um navio ou bens
conexos, inclusive através da sua destruição ou inutilização, suspeitos de serem
utilizados na introdução clandestina de migrantes ou no tráfico de pessoas no território
desse Estado, nas condições previstas nessa resolução ou no consentimento.
57
58
2.3.(3). – Uma Europa a uma só Voz, uma Defesa Comum: Emmanuel
Macron
Não é preciso ter olhos abertos para ver o Sol, nem é
preciso ter ouvidos afinados para ouvir o Trovão. Para ser vitorioso é
preciso ver o que não está visível. (Sun Tzu, A Arte da Guerra).
European Council on Foreign Relations – EU
Coalition Explorer 2020. Policy Intentions
Mapping
59
Procuraremos de seguida enunciar a segunda causa que consideramos responder à
nossa pergunta inicial, o facto de a EU continuar a não possuir uma Política de Defesa
Comum e um Exército Europeu, como factor que a inibe de se tornar um agente claro
em matérias de Defesa e Segurança a par das principais potências.
Como é sabido o maior obstáculo à sua concretização é a necessidade de uma maior
integração que respeitaria apenas os propósitos da fundação da União – uma Europa
Federal com uma Política de Defesa Comum e capacitada de um Exército Europeu –
este era um dos seus objectivos últimos. Uma Europa Federal que limitasse os poderes
dos Estados, capaz de unificar as fronteiras europeias conferindo-lhes disciplina e
organização de acção política a nível europeu. Uma Europa do progresso e da
participação popular. Desafios que ainda hoje são postos em causa e que
impossibilitam a União de prosseguir o rumo ao seu desígnio inicial de unificação justa
e pacífica.
No que respeita à política de defesa comum, ela surgiu com o Plano Pleven (1950) que
visava a constituição de um exército europeu. A ideia original foi de Churchill no
Conselho da Europa em Estrasburgo, momento em que os EUA se declaravam a favor
de um rearmamento alemão e da constituição de umas Forças Armadas Europeias. O
plano tinha por objectivo preservar o estilo democrático de vida, a tradição e a
liberdade europeias e o reforçar das instituições democráticas de manutenção da paz.
Em 1948, ainda foi assinado em Bruxelas um Tratado de Auto-defesa colectiva com o
apoio do Reino Unido, França e Benelux. À Itália apenas foi concedida a adesão à
Organização Europeia de Cooperação Económica. O projecto estava traçado, mas as
suas impossibilidades também. No actual contexto, uma medida de tal alcance
encontrou adversidades em todos os quadrantes: Itália, ainda não tinha resolvido a
questão de Trieste; a Alemanha ainda se encontrava ocupada; a Inglaterra passava por
problemas no interior da Commonwealth e a França não confiava plenamente na
Alemanha. O projecto caiu no egoísmo das nações. Em 1951 a questão complicou-se
exponencialmente, a França confrontou-se com problemas internos nas eleições para
a Assembleia Nacional, com uma súbita viragem à direita e o aumento das forças
antieuropeias. Em 1953, uma declaração de Eisenhower provocou ainda mais
turbulência ao afirmar que o verdadeiro interesse dos EUA não era o rearmamento
60
alemão, mas sim o de por fim à luta fratricida que as nações ocidentais levaram a cabo
nos últimos séculos e que, se a França rejeitasse a CED, os EUA adoptariam a sua
exclusão da sua zona de defesa e encontrariam na Alemanha o seu principal aliado.
Ainda em 1953, De Gasperi perde a maioria e o seu governo. Um ano antes, Schuman
deixava o Ministério dos Negócios Estrangeiros antes de poder defender o Tratado no
Parlamento. No espaço de um ano a causa europeísta perdia os seus dois maiores
defensores. Contudo, a esperança no cumprimento desta promessa fundadora
continua a ecoar nos dias de hoje, apesar de todas as adversidades. Em 2018,
Emmanuel Macron lança, novamente, o apelo de criação de um exército europeu,
numa situação particularmente difícil entre as relações euro-atlânticas, e como forma
de responder à hegemonia da China, às tensões com a Rússia e aos EUA após a sua
retirada do acordo Intermediate Range Nuclear Forces Treaty assinado em 1987.
RUMO A UMA POLÍTICA DE DEFESA COMUM E UM EXÉRCITO EUROPEU –
Progressos Alcançados
Iniciativas como a criação do Fundo Europeu de Defesa (FED) e da Cooperação
Permanente Estruturada (PESCO), têm como objectivos especificos financiar projectos
de investigação na área da defesa, bem como projectos de cooperação militar, o
desenvolvimento da indústria de defesa, em colaboração estreita com os Estados
Membros. A União tem vindo a desenvolver um caminho rumo a uma possível
integração no domínio da defesa. O propósito é o de aumentar a capacidade dos
Estados Membros de se defenderem individualmente, pese embora, seja afastada a
ideia de um exército colectivo no âmbito da União. Ainda assim, as críticas por parte
dos EUA – duplicação de meios, desvio de recursos e concorrência desnecessária com
a NATO - face às ambições dos projectos levados a cabo demonstram alguma
inquietação: se por um lado a EU assume não serem um meio para um fim declarado
de unificação em matérias de defesa e de criação de um exército, por outro lado as
iniciativas apresentam-se como um bom porto de partida para o mesmo. Apesar de
todas as cautelas demonstradas, é nosso entender que de facto a EU cresce nessa
direcção, embora muito lentamente.
61
Um dos exemplos mais marcantes é a inicitiativa European Intervention Initiative (EI2)
liderada por Macron, fora do quadro europeu, e que conta já com treze membros –
Bélgia, Dinamarca, Estónia, Filândia, França, Alemanha, Países Baixos, Noruega,
Portugal, Espanha, Suécia, Itália e Reino Unido – e cuja missão é desenvolver as
capacidades dos Estados Membros para colaborarem em missões militares no âmbito
da EU, NATO e ONU, procurando criar uma cultura estratégica colectiva. Quanto ao
modo de governação define-se por uma comitologia mínima flexível, coordenada por
um secretariado permanente implementado pela França com os oficiais de ligação dos
países participantes. O trabalho contínuo de consulta e reflexão entre os membros da
EI2 será pontuado por conversações estratégicas militares bianuais, uma reunião anual
de directores políticos da defesa e um evento ministral anual.49 A convergência dos
Estados Membros deve respeitar as seguintes premissas: uma visão comum sobre as
preocupações de segurança europeias; uma forte compatibilidade com os parâmetros
da NATO e da EU; a capacidade de destacar uma rede de agentes ligação; destacar
rapidamente meios para vários cenários, contribuindo para uma capacidade europeia
autónoma no terreno e um forte empenho na segurança europeia através do seu
envolvimento em operações e num esforço de defesa a longo prazo. No que respeita
aos seus membros e a futuros membros o Ministère Des Armes afirma: a escolha dos
parceiros tem um claro enfoque na Europa, mas não é limitada aos Estados Membros.
Nesta fase, propusemos uma relação especial com as forças armadas francesas a uma
série de países europeus dispostos e capazes, que têm capacidades significativas. Um
núcleo limitado foi privilegiado a fim de alcançar esta iniciativa com a máxima
flexibilidade. Quando suficientemente madura, a iniciativa poderá ser alargada a
outros países europeus dispostos e capazes, considerando a sua vontade de aderir, a
sua evolução estratégica e o seu valor acrescentado operacional.50
O caminho para a concretização das promessas feitas no domínio da defesa
pode passar precisamente, numa primeira fase, por inicitivas desta natureza. A
constituição de um exércio europeu tem três vias possíveis: 1) No âmbito do quadro
49
Ministère Des Armes – European Intervention Initiative.2021. Disponível: https://www.defense.gouv.fr/english/dgris/international-action/l-iei/l-initiative-europeenne-d-intervention 50
Ibid.
62
legal da EU, recorrendo ao Art. 42 do TUE, segundo o qual, a política de defesa comum
pode ser estabelecida através de uma decisão unânime do Conselho Europeu. Assim
sendo, no que se refere a um exército europeu este teria que ser posteriormente,
submetido a referendo nos Estados Membros. É certo que o Brexit ajuda nesta
viabilização, mas continua presente a dificuldade em lidar com países como a Polónia e
a Hungria, sobretudo; 2) recorrendo ao Art. 20 do TUE, que permite a um mínimo de 9
Estados Membros avançarem com uma cooperação reforçada; ou 3) fora do quadro da
EU, como é exemplo o Tratado de Aachen, iniciativa franco-alemã, assinada a 22 de
Janeiro de 2019 e que entrou em vigor em Janeiro de 2020, que se compromete a
estabelecer posições comuns e emitir declarações conjuntas sobre as principais
questões da EU; a actuar como força conjunta nas Nações Unidas; a desenvolver as
capacidades militares da Europa, investindo em conjunto para preencher as lacunas na
capacidade militar, reforçando-as quer ao nível da EU quer ao nível da NATO; na
possibilidade de destacamentos militares conjuntos, bem como a criação de um
Conselho Franco-Alemão de Defesa e Segurança; e ajuda mutua em caso de ataque
armado. O acordo é apresentado como a vontade de fomentar uma cultura militar
comum e surge da ambição de Macron em criar uma solução não só para um problema
europeu, mas também francês, uma vez que a França é o país que possui o maior
contigente de forças a actuar no estrangeiro e será dentro em breve a única potência
nuclear na Europa. Além disso, uma sondagem do Le Point News, mostra que 85% dos
franceses são a favor da criação de um exército europeu. No que respeita à EU no seu
todo, o Eurobarómetro Especial sobre segurança e Defesa de 2017, conclui que 75%
são a favor de uma Política Comum de Defesa e Segurança, e 55% são a favor da
formação de um exército europeu. Por sua vez, o Eurobarómetro de março de 2018,
reafirma a intenção, com 68% dos europeus a afirmarem que gostariam que a EU
fizesse mais em matéria de defesa. Avançar para uma União de Segurança e Defesa
tem sido um dos propósitos da Comissão Von Der Leyen.51
51
A PESCO conta com 25 países membros e tem desenvolvido projectos no âmbito da criação de um comando médico europeu, de um sistema de vigilância marítimo, de um mecanismo de assistência mútua na resposta a questões de ciber segurança e uma escola de inteligência conjunta.
63
Angela Merkel referiu-se ao Tratado de Aechen como permitindo à Alemanha dar uma
contribuição para a emergência de um exército europeu.52 Voltou a repetir a
mensagem numa sessão do Parlamento Europeu, em Estrasburgo: the times when we
could relly on others is past. We have to look at the vision of one day creating a real,
true European Army.53 E David Sassoli afrimou que não é um dado adquirido que no
futuro próximo não tenhamos algo que se assemelhe a um exército europeu. Porque as
questões de segurança de hoje obrigam cada vez mais Estados membros a trabalharem
em conjunto.54 Surgiram igualmente críticas ao acordo, vindas de Donald Tusk,
Presidente do Conselho Europeu, que afirmou: a Alemanha e a França podem, e
devem, servir bem toda a Europa. Vou ser franco – hoje a Europa precisa de um sinal
claro de Paris e Berlim, de que uma cooperação reforçada em pequenos formatos não é
uma alternativa à cooperação de toda a Europa. Que é para a integração e não em vez
da integração.55
Outras medidas e esforços têm sido implementados. Em 2015-2016, pela
primeira vez desde o fim da Guerra Fria, os orçamentos nacionais em defesa
aumentaram interrompendo o declino de décadas. Também as contribuições para a
NATO cresceram, embora continuem aquém da meta de 2% do PIB estabelecedida,
apenas cinco Estados Membros (Grécia, Estónia, Letónia, Polónia e Lituânia) respeitam
as metas acrodadas. Muitos países europeus reforçaram a prontidão das suas forças
armadas em resposta a crises, e a própria União Europeia começou a mobilizar
rescursos significativos na área da Defesa, lançando, em 2017, o Fundo Europeu de
Defesa que deverá atingir os 1,5 mil milhões de euros em 2021. A Comissão Europeia
espera conseguir mobilizar 4 mil milhões de euros adicionais, em contribuições dos
Estados Membros, destinados à aquisição de equipamento e a investigação e
desenvolvimento. Ainda em 2017, sob iniciativa de Federica Mogherini, surge o
Mecanismo Europeu para a Paz com verbas de 10.5 mil milhões de euros que se
destina a cobrir alguns custos de operações militares lideradas pelas forças europeias.
52
ANH THU NGUYEN – Macron’s cal for a European Army: Still Echoing or Forgotten. European Law. 2020. 53
RANKIN, Jennifer - Merkel Joins Macron in Calling for a Real True European Army. The Guardian. 2018. 54
SANTOLO, Alessandra – EU Army Confirmed: EU Chief announces Future Bloc’s Plans on day of UK’s departure. Express. 2020. 55
France and Germany Seal New Deal as Brexit Looms. BBC. 2019.
64
Entre 2021-2027 a EU pretende investir 13 mil milhões em investigação e
desenvolvimento da industria de defesa, e 6,5 mil milhões em mobilidade militar, a
que podem acrescer as verbas do Fundo Europeu para a Paz. Sem dúvida que existe
uma preocupação e uma forte intensão em colmatar as falhas sentidas por parte da
União Europeia na sua afirmação como potência global. Porém a iniciativa do
Mecanismo Europeu para a Paz não é consensual, uma vez que prevê, pela primeira
vez, a possibilidade de venda de armamento a forças militares não europeias de todo o
mundo, com um foque especial em África, permitindo à EU uma maior liberdade
operacional face à existente, pois o fornecimento de armas e formação militar deixará
de passar pela União Africana, podendo ser disponibilizada directamente aos países
em causa. As medidas beneficiarão também a indústria de armamento europeia,
fornecendo fundos de investigação e desenvolvimento de novos mercados para a
venda de armas no estrangeiro. Entre os investimentos previstos estão as tecnologias
quânticas, a inteligência artificial, a produção de armas de energia dirigida, sistemas de
camuflagem e de detecção de ameaças cibernéticas em tempo real, e a nova
tecnologia de ponta de drones.
Considerando os esforços empreendidos no domínio da defesa europeia é importante
salvaguardar a persistência de motivos de preocupação e de aspectos que devem ser
revistos para a concretização deste projecto europeu. Primeiro, é preciso assegurar
que os Estados não abandonam as suas prioridades nacionais; segundo, abandonar a
tomada de decisões por unanimidade sobre política externa e adoptar a maioria
qualificada; terceiro, abraçar a ideia defendida pelo Instituto Notre Europe Jacques
Delors, sobre a criação de um Conselho Europeu de Segurança e Defesa56. Para além
56
56
DELORS, Jacques e outros – EU Security: A Matter of Political Urgency. Notre Europe: Jacques Delors Institute. 2016. pp.1-2. A proposta apresentada no documento citado parece-nos uma medida concrecta a ter em conta, a criação de um Conselho de Segurança: para assegurar a continuidade do debate estratégico da UE sobre segurança e defesa e para reforçar a sua capacidade de antecipar crises ou conflitos, o Conselho deveria organizar uma reunião anual do Conselho de Segurança para avaliar as ameaças a médio e longo prazo e rever os recursos à sua disposição. Este Conselho controlaria a utilização de instrumentos de cooperação intergovernamental, tais como grupos de combate e cooperação estruturada permanente e reforçaria o papel da agência europeia de defesa que pode apresentar propostas concretas, e a longo prazo, ao Conselho. Ter projectos para desenvolver a base industrial e tecnológica da Europa em uma ou duas áreas prioritárias de defesa de acordo com deficiências de capacidade comum. Um Conselho Europeu de Segurança deveria tomar decisões directamente operacionais para evitar que a sua análise permaneça abstracta e inefectiva. Poderia adoptar por unanimidade orientações claras tornadas operacionais através de uma decisão do Conselho de Assuntos Externos deliberando por maioria qualificada.
65
destas questões, é ainda necessário que a integração seja igualmente horizontal, e não
apenas vertical, como defende Fabrice Pothier, interagindo com outros domínios, a
saber: a política de sanções económicas, medidas na área da cibernética e de política
de segurança interna. A integração da defesa europeia deve ir além das respostas
puramente de segurança. O poder do século XXI será largamente determinado pela
capacidade de um Estado ou de um gupo de Estados controlar tecnologias e recursos
críticos, tais como o Espaço, a Inteligência Artificial ou a Energia. Sem algum nível de
autonomia nestes domínios, a dependência da Europa tornar-se-á o seu calcanhar de
Aquiles estratégico57.
Os países da EU são colectivamente o segundo
maior gastador em defesa do mundo depois dos
EUA, mas estima-se que todos os anos são
desperdiçados 26,4 mil milhões de euros devido à
duplicação de meios, sobrecapacidade e barreiras
de aquisição. Como resultado, é utilizado na
Europa o sêxtuplo dos sistemas diversos de defesa
usados nos EUA. É aqui que a Europa pode
fornecer as condições para que os países
colaborem mais e unifiquem os seus sistemas. O
Parlamento Europeu tem apelado repetidamente
à plena utilização do potencial das disposições do
Tratado de Lisboa para trabalhar no sentido de
uma União Europeia de Defesa, apoiando
consistentemente uma maior cooperação, um
maior investimento e a reunião de recursos para
criar sinergias a nível da EU, a fim de melhor
proteger os Europeus58
57
POTHIER, Fabrice – A European Army: Can the Dream Become Reality? IISS. 2019. 58
EUREPORTER- Defence: Is the EU Creating a European Army?. 2021.
66
67
A NECESSIDADE ESTRATÉGICA E GEOPOLÍTICA DA EU VERSUS A
REALIDADE NATO
We will not agree on everything, or straightway, but we
will discuss everything. To those who say that is an impossible
task, I reply: You may be used to give up, I am not. To those who
say is too dificult, I say: Think of Robert Schuman five years after
a war, from which the blood was barely dry.59
Do ponto de vista estratégico e geopolítico a criação real de uma Política de Defesa
Comum e de um Exército Europeu é fulcral.
Como é sabido, um dos grandes impulsionadores do projecto é a França,
nomeadamente com o Presidente Macron, porém, o projecto só será possível se existir
convergência entre mais Estados Membros. Do ponto de vista estrito de capacidades
militares, o Reino Unido apresentava-se como o principal parceiro, mas uma
integração a esse nível era contra os seus princípios. Resta-nos a Alemanha, que
continua a ser o parceiro preferencial, pese embora as divergências entre ambos,
nomeadamente na sua concepção do papel da NATO na Defesa Europeia, na definição
das missões CSDP, na sua abordagem à Política Externa Internacional – Líbia, Síria,
Iraque- e na aposta clara no soft power em detrimento do hard power. Existe ainda um
factor diferenciador, impactante no processo, sobre a forma de governar destes dois
países: a França com uma matriz presidencialista e a Alemanha de cariz
parlamentarista faz com que os processos de decisão ocorram a ritmos e
complexidades diferentes. Consciente dessas adversidades, a França tem tentado
estreitar laços com a Itália e a Espanha em matérias de Defesa e Segurança, sem
abdicar da Alemanha.
59
Élysée – Speech on New Initiative For Europe. 2017. Disponível em: https://www.elysee.fr/en/emmanuel-macron/2017/09/26/president-macron-gives-speech-on-new-initiative-for-europe
68
A visão de Macron é clara, passa por reconhecer que os EUA se estão a retirar
da Europa e de outras partes do mundo, e que mesmo os Estados Europeus mais
fortes, como a França, não têm capacidade para ocupar esse espaço de forma isolada,
correndo-se o risco de este ser aproveitado por outras potências regionais,
nomeadamente pela Turquia.
O receio é o de permanecer impotente na disputa que se avizinha entre os dois
blocos emergentes, a China e os EUA, e as consequências que daí advêm para uma
Europa enfraquecida. Por outro lado, Macron destingue claramente, a Europa da
União Europeia, sendo que a defesa da Europa no seu todo vai para além da própria
União e deve contar com outros países, cujo interesse seja símile, implicando entre
outras coisas, uma abordagem diferente à Rússia – não existe uma preferência
automática pela EU, ao invés os formatos e os parceiros são definidos face ao
problema a ser resolvido: a missão define o formato.60 Por fim, as dúvidas legítimas
quanto à NATO61 como organização capaz de servir os interesses europeus.
Na perspectiva francesa, o quadro e as condições para a segurança europeia e global, e
a política de defesa no seu todo, mudaram fundamentalmente: a ordem mundial
liberal que prevaleceu após o fim da Guerra Fria, e que foi marcada pela aliança
multilateral de comércio livre, está a ser cada vez mais posta em causa mesmo dentro
das democracias europeias62: são disso exemplo, Donald Trump na América e o Brexit
na Europa. Segundo esta perspectiva, a solução reside no afirmar da soberania
europeia em todos os seus domínios: económico, politico, tecnologico, digital e militar,
60
KEPIN, Ronja – France’s Foreign and Security Policy Under President Macron: The Consequences for Franco-German Cooperation. German Institute For International and Security Affairs. 2021. p.12. 61 The first question for Europe in a post-American world is the place of NATO. NATO itself best
understood as a modern day incarnation of the Delian League in ancient Greece— perhaps better recognized today as the “Athenian Empire,” but nominally an alliance of equals. Athenians encouraged both their own public and their allies as a meeting of equals underpinned by common interest. In the same way, the political reality after World War II required the United States, as the “leader of the free world,” to present NATO as just this kind of alliance of mutual benefit between equal partners. But the United States, like Athens, was the dominant military power in this arrangement by a wide margin, and the United States called all the shots. In: AZEEM, Ibrahim – Europe is Ready for its Own Army. Foreign Policy. 2019. Disponível em: https://foreignpolicy.com/2019/09/05/europe-is-ready-for-its-own-army/
62KEPIN, Ronja – France’s Foreign and Security Policy Under President Macron: The Consequences for
Franco-German Cooperation. German Institute For International and Security Affairs. 2021. p.11.
69
garantindo a autonomia europeia e a afirmação dos seus interesses políticos e
estratégicos.
As missões CSDP são encaradas como um feito histórico importante, mas o lado
francês considera que é importante ir mais longe e avançar rapidamente. Assim, surge
a EI2 lançada pela França fora do quadro europeu. As visões da França e da Alemanha
são distintas, a saber: a França encara as missões CSDP como apenas mais um tipo de
missão no seu quadro arangente de defesa, e como forma de conduzir operações com
maior grau de autonomia e apoio aos destacamentos franceses em África; por sua vez
a Alemanha continua a investir neste tipo de missões multilaterais que considera serem
o pilar da Ordem Internacional e vê as missões CSDP como capazes de reforçar a
coesão entre os Estados Membros. Encara-as como um empreendiemento político com
foco na gestão de crises na vizinhança.63
DOSSIÊ NATO
A relação entre a França e a NATO sempre foi conturbada, basta relembrar o
abandono das Estruturas Integradas da NATO entre 1966 e 2008. Na óptica francesa a
NATO é uma instituição que desempenha dois papeis um militar, sob o nome de NATO
e outro político simbolizado pela Aliança, e que levanta preocupações. Ao longo dos
anos, a França tem reduzido a sua participação nas operações e reforçado as suas
próprias missões, como é exemplo a Operação anti-terrorista Sentinelle em território
francês, a Operação Barkhane no Sahel, ou a Operação Chammal na Síria e no Iraque.
De acordo com o Estudo apresentado pelo German Insitute for International and
Security Affairs, são enunciados quatro factores que explicam a posição francesa, a
saber: 1) dúvida da fiabilidade das promessas dos EUA quanto à protecção europeia64;
63
Consultar: Ibid., p.24. 64
Firstly, Paris doubts that US pledges for European security are reliable and robust in the long term. This was especially true during Donald Trump’s presidency, which confirmed such concerns – for instance with the uncoordinated US withdrawal from Syria in the Autumn of 2019, rhetorical diatribes against the European Union (“a foe”), and Washington’s withdrawal from the global international order. However, French concerns are also motivated by structural tendencies – such as the increasing US focus on its systemic competition with China – and broader power shifts at the global level. Trump’s replacement with Joe Biden is therefore unlikely to change France’s perceptions. Paris will hold onto its well-known concerns about Washington’s role and continue to deem it necessary to build up European defence and sovereignty. Yet, this should not be misunderstood as distrust of Washington. To France it seems
70
2) a própria viabilidade do projecto uma vez que alguns aliados visam transpôr os seus
próprios interesses para o foro da NATO65, como por exemplo a Hungria, que bloqueia
as relações da NATO com a Ucrânia, ou a Turquia nos inúmeros teatros de operações
em que se encontra contra as decisões e interesses expressos da NATO; 3) A obcessão
da NATO face à Rússia66; e 4) a concentração de recursos económicos e políticos de
muitos Estados Membros na NATO, enfraquecendo as tentativas de maior autonomia
europeia67.
DOSSIÊ TURQUIA E MEDITERRÂNEO
A Turquia tem vindo a causar mal-estar entre alguns Membros da NATO devido à
forma como tem actuado na cena Internacional, nomeadamente com a sua conduta na
Síria; o apoio militar ao GNA na Líbia; o acordo marítimo entre Ancara e Trípoli; as
explorações de gás natural no Mar Mediterrâneo Oriental, violando a soberania da
reasonable that the US will devote itself to what it considers its greatest challenges – such as China – and expect Europe to increase its capacity to act in security and defence issue in its own environment. Rather, from the French perspective, the challenge for Europeans consists in accompanying this US change of focus in a cooperative and constructive way. Ibid., p.36. 65
Secondly, France detects a weakening of NATO, due to the fact that some allies increasingly pursue their own interests and carry bilateral conflicts into the Alliance. For instance, Hungary is blocking NATO’s relationship with Ukraine. Turkey was or still is involved in various theatres (Syria, Libya, Iraq, Greece, Cyprus, Nagorno-Karabakh) where it partly acts against NATO decisions and interests, for example by violating the arms embargo for Libya. Ankara is blocking not only NATO’s relations with the EU, but also its bilateral partnerships with Egypt, Armenia, Jordan, Israel, Iraq and Austria. For Paris this demonstrates that coordination and consultation among allies do not work properly and that NATO is unable to deliver on its coordinating role. France would even go a step further and posit that the behaviour of individual NATO allies is directly harming the interests of others, including France. For example, Turkey is combating Kurdish YPG militias, which were trained and equipped by France and the US, and which fought the IS with them. Paris believes that – due to Ankara’s conduct- it has been weak-ened in the conflict with IS and that its domestic security has deteriorated, because the risk of attacks in France increased. This eventually also undermines NATO’s credibility as a defence alliance, within which allies are supposed to pledge mutual assistance in times of crisis. Ibid., p.36. 66
Thirdly, Paris has criticised NATO for being too strongly focused on Russia; from the French perspective, terrorism is also a key threat to Europe.5 In France, 2015 is seen as a key year for security policy, with the attack on the Charlie Hebdo editorial office in January, and the series of attacks in Paris on 13 November. By contrast, 2014 – the year in which Russia annexed Crimea – has less impact than it does in Germany. Paris certainly views Russia as a challenge. France’s deterrence doctrine is based on ambivalence and does not explicitly name adversaries. Still, one can deduce from the positions it takes that French nuclear weapons are intended to deter Russia among other threats. What Paris wants is for NATO to per-ceive existing threats in a balanced and comprehensive manner, and avoid a one-sided perspective. Ibid., pp.36-37. 67
Finally, Paris’s fourth concern is that the strong focus on NATO and the US of some Allies (especially in Central and Eastern Europe) could undermine French efforts to strengthen European sovereignty. Moreover, if Europeans spend their growing defence budgets on US equipment rather than European equipment, Europe is – from a French perspective – wasting an opportunity for building greater autonomy. Ibid., pp. 36-37.
71
Grécia e do Chipre; e por último, com o apoio ao Azerbeijão contra a Arménia no
conflito de Nagorno-Karabakh, em 2020.
O clima é tenso, e assim o demonstrou o incidente de Junho de 2020 entre a frota
francesa e turca, que quase deu origem a um confronto militar. A fragata francesa Le
Coubert estava ao serviço da missão Sea Guardian da NATO, ao largo da costa líbia, e
ao tentar inspecionar um cargueiro suspeito de tráfico de armas, a marinha militar
turca interveio e escoltou o cargueiro, impedindo a inspecção e colocando a fragata
francesa sob mira. Após momentos de tensão o Le Coubert acabou por se afastar. A
França suspendeu subsequentemente a sua participação na missão Sea Guardian e
exigiu que a Aliança viesse confirmar o evento. Paris ficou frustrada pela relutância de
outros aliados e da estrutura militar da NATO em responsabilizar a Turquia. Os Estados
da Europa Central e Oriental membros da NATO, por sua vez, criticaram a Turquia por
bloquear os planos de defesa actualizados da Aliança para o flanco oriental. E há uma
condenação unânime no seio da Aliança pelo facto de Ancara estar a adquirir sistemas
de defesa aérea russos, os S400, colocando em causa a defesa aérea integrada da
NATO68.
A França considera-se como uma potência Mediterrânica, como a única com
assento permanente no Conselho de Segurança e como a força armada europeia mais
capacitada. A sua reinvindicação do Espaço Euro Mediterrânico é clara, o seu poder
suave na região deriva dos laços históricos da França com as elites políticas dos países
ribeirinhos do Mediterrâneo, bem como de uma extensa rede de instituições
diplomáticas, culturais e educativas nesses Estados. O Mediterrâneo Oriental
desempenha um papel importante na política de segurança e defesa da França como
parte da guerra contra o terrorismo internacional69.
No extremo oposto, a Turquia, que procura afrimar-se como grande potência
marítima, e tem vindo a investir muito nas suas forças armadas e em estaleiros navais
sob a égide da sua doutrina ‘Pátria Azul’ que reafirma os interesses estratégicos da
68
Ibid., p.40. 69
SMOLAR, Piotr - La France contre la Turquie, aux racines de l’affrontement. Le Monde, 10 July 2020. Disponível em: https://www. lemonde.fr/international/article/2020/07/10/la-france-contre-la-turquie-aux-racines-de-l-affrontement_6045775_3210. html
72
Turquia no Mar Mediterrânico (autodenominado ‘Mar Turco’), no Egeu e no Mar
Negro70.
A França tem estreitado laços com a Grécia e com o Chipre de modo a fazer face aos
avanços turcos. Em 2017, assinou um acordo com o Chipre em matéria de segurança
energética marítima e gestão de crises, luta contra o terrorismo e pirataria71. Em 2019,
foi declarado pelo governo de Nicósia, que os navios franceses estavam autorizados a
entrar no porto da base naval cipriota em Mari e, em 2020, chegaram a acordo sobre
oprações conjuntas marítimas, aéreas e terrestres72. A última grande empresa, é a
entrada da França no Forúm Gás Mediterrâneo Oriental, com o objectivo de exportar
gás para EU a preços competitivos. Tanto a TOTAL como a ENI obtiveram autorizações
para explorar os campos de gás nas águas costeiras da Grécia, do Chipre e do Líbano.
Os esforços da França para ganhar supremacia estratégica no Mediterrâneo levaram a
uma divergência de interesses com a Alemanha. Enquanto Paris vê a Turquia como um
rival estratégico, Berlim considera Ancara um parceiro problemático mas inevitável e,
não menos importante, um dos mais importantes clientes de armamento alemão.73
A disputa geopolítica pelo Mediterrâneo não se dá apenas no Mediterrâneo
Oriental, estende-se também ao Norte de África. A Líbia, foi o teatro de operações que
possibilitou essa mudança. Com a sua ajuda militar ao GNA, a Turquia conseguiu
estabelecer uma força aérea permanente na Líbia e assinar um acordo comercial com
o país. Conseguiu, ainda, muitos dos acordos de construção assinados na era de
Kadhafi74. Na Argélia, iniciou uma parceria estratégica com o governo em funções em
70
Consultar: DAKKA, Iyad Dakka - Will either Macron or Erdogan Back down in the Eastern Mediterranean?. World Politics Review, 9 September 2020. Disponível em: https://www.worldpoliticsreview.com/ articles/29040/will-macron-or-erdogan-back-down-in-the-eastern-mediterranean-gas-crisis 71
Chypre et la France concluent un accord de coopéra-tion en matière de defense. France24.com. 6 August 2020. Disponível em: https://www.fr24news.com/fr/a/2020/08/chypre-et-la-france- 72
RAFENBERG, Marina - Face aux tensions persistantes avec la Turquie, la Grèce muscle sa défense militaire. Le Monde, 16 September 2020. Disponivel em: https://www.lemonde.fr/international/ article/2020/09/16/face-aux-tensions-persistantes-avec-ankara-athenes-muscle-sa-defense_6052433_3210.html 73
KEPIN, Ronja – France’s Foreign and Security Policy Under President Macron: The Consequences for Franco-German Cooperation. German Institute For International and Security Affairs. 2021. p.44. 74
TANCHUM, Michaël Tanchum - Turkey Advances in Africa against Franco-Emirati-Egyptian Entente. The Turkey Analyst. 2020. Disponivel em: https://turkeyanalyst.org/publications/turkey-analyst-articles/item/646-turkey-advances-in-africa-against-franco-emirati-egyptian-entente.html
73
Janeiro de 2020. No Níger, numa clara disputa com os interesses franceses, a Turquia
entrou no mercado mineiro. O Níger abastece a França de um terço do urânio
necessário para manter as suas centrais nucleares.
Em suma, a disputa pelo controlo geopolítico e militar do Mediterrâneo é real.
Devido à sua próximidade e importância estratégica para a Europa, e sendo o
elemento regional que disputa esse espaço, a Turquia, com todas as implicações de
pertença à NATO e tendo em conta a distabilização que tem levado a cabo no seio da
Aliança, evidencia, uma vez mais, a necessidade da União Europeia se dotar de
capacidades autónomas e de motivação polítca para fazer face a esta nova realidade.
Concentramo-nos sobretudo na política externa levada a cabo pela França, por a
considerarmos o motor dessa nova unidade que se pretende formar e por se tratar do
país com maior capacidade militar e política, capaz de impulsionar os restantes Estados
Membros nessa direcção, e por manter constantemente a política externa e a
geopolítica no centro das suas preocupações e da política europeia, muitas vezes em
contraposição com a ideia pré-estabelecida de submissão à NATO em matérias de
defesa e segurança europeia.
A EU NO QUADRO OPERACIONAL DA NATO
NATO - DIÁLOGO PARA O MEDITERRÂNEO E A INICIATIVA COOPERAÇÃO
DE ISTAMBUL
Aqueles que são bons no ataque não divulgam os seus
segredos operacionais; aqueles que são bons na defesa
preparam-se diligentemente, sem lacunas. (Sun Tzu A Arte da
Guerra)
A importância de uma componente mediterrânica nas prioridades da NATO surgiu com
as adesões francesa, italiana e mais tarde grega e turca, tornando incontornável a
74
criação das forças armadas do sul (AFSOUTH)75 e um comando dedicado
exclusivamente à região. Esta visão estratégica alinhou-se com a Doutrina Truman
(1947), que oferecia apoio militar e económico à Grécia e à Turquia, e com a Doutrina
Eisenhower (1957) que, em reacção à guerra do Suez, ofereceu o mesmo tipo de apoio
aos Estados do Médio Oriente. 76 Importa realçar que estas medidas se devem a uma
possível expansão soviética na região.
A crescente preocupação com o Mediterrâneo advém de três acontecimentos: 1) as
guerras israelo-árabes (1967-1973) mudaram ligeiramente a posição sobre as
preocupações fora da área de acção: o forte apoio da União Soviética ao Egipto e o seu
rompimento de relações com Israel em 1967 reforçaram o estatuto da região como um
sideshow da Guerra Fria; 2) como reacção ao apoio militar americano a Israel, os
membros árabes da organização dos países exportadores de petróleo (OPEP)
impuseram um embargo petrolífero, salientando a dependência europeia do
abastecimento energético da região – na altura 80% do petróleo da Europa provinha
dos países árabes; 3) o Conflito também colocou em primeiro plano a fractura que
atravessou a Aliança quando se tratou a política para o Médio Oriente: a maioria dos
aliados europeus (excepto Portugal e os Países Baixos) negou aos Estados Unidos o
acesso às suas instalações nacionais para abastecer Israel, enquanto os Estados Unidos
colocaram as suas forças globais em alerta nuclear sem consulta prévia no Conselho do
Atlântico Norte.77
No conceito estratégico de 1991, a região é mencionada como de interesse para os
aliados – os Aliados desejam também manter relações pacíficas e não contraditórias
75
Criada em Maio de 1951, por Gen. Dwight D. Eisenhower, tinha por função: “afirmava que a localização da sua sede aliada deveria ser acordada pelas autoridades italianas. A sua missão, como Comandante-em-Chefe das Forças Aliadas do Sul da Europa (CINCSOUTH), era defender o Sul da Europa; mas sem interferir com os comandantes do Mediterrâneo Ocidental, nem com a Grécia, Turquia e Jugoslávia, enquanto estavam em curso iniciativas para considerar a admissão destes países à Aliança. O Adm. Carney teria também assumido funções como Comandante das Forças Navais Aliadas da Europa do Sul (COMNAVSOUTH), com um Estado-Maior separado. A área de responsabilidade de Carney, portanto, alargou-se do Mediterrâneo Ocidental - excepto as Ilhas Baleares e Malta - para uma linha no Adriático de Trieste (Itália) para o Cabo Matapan, e para as águas tunisinas. A responsabilidade de proteger as linhas marítimas entre a França, a Córsega e a Argélia permaneceu com os franceses. Da mesma forma, a Marinha italiana foi responsável pela protecção das comunicações entre Itália e as suas ilhas.” In: https://jfcnaples.nato.int/page6322744/3-the-birth-of-afsouth-.aspx 76
Consultar : GAUB, Florence – Against all Odds: Relations between NATO and the MENA Region. USAWC Press: US Army War College. 2012. 77
Ibid. p.4.
75
com os países do sul do Mediterrâneo e do Médio Oriente. A estabilidade e a paz dos
países da periferia sul da Europa são importantes para a segurança da Aliança, como
demonstrou a Guerra do Golfo 1991. (Ponto 11)78 É igualmente referido o facto dos
antigos membros do Pacto de Varsóvia caminharem no sentido de uma adopção de
políticas destinadas a alcançar um democracia pluralista, o respeito pelos direitos
humanos e uma economia de mercado; o facto de a Europa no seu todo estar a
procurar desenvolver uma identidade única, bem como o reforço do papel da UEO na
dimensão da segurança europeia e a implementação do Tratado START (1991) com
vista à redução significativa dos arsenais nucleares. Do ponto de vista estratégico,
salientam-se os seguintes pontos: o facto da Aliança considerar que as ameaças
vindouras seriam de natureza multifacetada e multi-direcional, com uma extrema
dificuldade de prevenção e avaliação (ponto 8), que as mesmas se deveriam mais a
instabilidades de natureza económica, social e política do que a questões territoriais
(ponto9), que seria forçoso dar uma atenção redobrada à proliferação de armas de
destruição maciça, interrupção do fluxo de recursos vitais e acções de terrorismo e
sabotagem na região MENA (ponto 12), e que seria imperioso a dedicação à
manutenção e desenvolvimento de valores comuns de democracia, direitos humanos e
Estado de Direito estabelecidos no compromisso de manutenção da paz na Europa
(ponto 15). No que respeita às relações EU-NATO, a aliança precisava de articular as
suas acções com outras instituições como a CE, a UEO e a CSCE que detinham
importantes papéis a desempenhar, de acordo com as respectivas responsabilidades e
propósitos. A criação de uma identidade de Segurança e Defesa iria sublinhar a
prontidão dos Europeus na responsabilidade pela sua segurança e no reforço da
solidariedade transatlântica (ponto 21).
Em 1994, a NATO lançou a Iniciativa Diálogo para o Mediterrâneo, tendo presentes três
vias estratégicas: 1) a proximidade com a Europa; 2) as suas vias estratégicas incluindo
o Golfo e o Cáspio; e 3) como teatro de segurança cooperativa ao longo das linhas
Norte-Sul. Porém, existiu um intenso debate sobre a área de influência da NATO e se
esta não estaria a agir para lá da sua área de competência geográfica, através de
inúmeras iniciativas que contam com a Aliança como um dos motores: Conselho de
78
The Alliance’s New Strategic Concept 1991
76
Parceria Euro-atlântica (1997); Parceria para a Paz (1994); Conselho dos Estados do
Mar Báltico (1992); Conselho Euro-ártico do Mar de Barents (1993); Iniciativa da Era
Cooperativa do Sudeste Europeu (1996); Pacto de Estabilidade para os Balcãs (1999). O
seu centro de gravidade mudou subtilmente do Mediterrâneo Ocidental e Central para
Leste (Egipto, Israel e Jordânia).
Podemos encarar o Diálogo para o Mediterrâneo como uma iniciativa com intenções
‘semelhantes’ à Parceria para a Paz, com o intuito de fomentar conceitos modernos de
governação interna e padrões de cooperação de comportamento internacional.
Embora, o sucesso e o alcance de ambas seja incomparável.
Com o mundo árabe a sofrer mudanças numa escala sem precedentes, a
necessidade da NATO de diálogo e intercâmbio com esta parte do mundo é
ainda mais importante do que antes. No entanto, existem obstáculos pelo
caminho: sobrecarregada pelos percursores históricos, pela comunicação
estratégica da NATO e pelo uso de uma retórica antagónica que se aproveita do
choque de civilizações, a Aliança enfrenta uma série de desafios na sua
cooperação com os seus parceiros do sul.79
Os marcos que assinalam o crescente interesse da Aliança na região mediterrânica
surgem com o fim da Guerra Fria, com a invasão do Kuwait e a guerra com o Iraque,
bem como, o interesse no processo de paz israelo-palestiniano, e por fim, a
necessidade de criar condições de estabilidade no âmbito da Parceria para a Paz com
os vizinhos meridionais da Aliança. Deste modo, a região Mediterrânica surge como
palco de acção e fio condutor. Assim sendo, o Diálogo para o Mediterrâneo une
inicialmente, cinco Estados Membros – a Mauritânia, a Tunísia, o Egipto e Israel –
sendo posteriormente alargado à Jordânia e Argélia. Os Membros originais foram
escolhidos por consenso no seio da Aliança, por serem considerados estáveis e
amigáveis, justificando-se deste modo a ausência dos restantes Estados.80
79
GAUB, Florence – Against all odds: Relations between NATO and the MENA Region. USAWC Press: US Army War College. 2012. p.3. 80
Estados excluídos – Líbia, Síria, Líbano e Palestina. A exclusão deve-se a duas razões principais: por serem considerados hostis à NATO ou por a sua condição de Estado ser ainda instável. No caso da Líbia, Kadhafi chegou a ameaçar lançar uma jihad devido à expansão da NATO para o Norte de África (Diálogo para o Mediterrâneo), já para não mencionar questões anteriores de financiamento ao terrorismo. in:
77
A Iniciativa não possuía, inicialmente, ambições políticas ou militares81, mas sim o
estabelecimento de boas relações e troca de informações, e sobretudo a melhoria da
imagem da Aliança face aos países árabes, onde detinha uma opinião pública adversa,
que se acentuou com a intervenção no Afeganistão. A entrada no Afeganistão foi
considerada uma operação antimuçulmana, e que muito contribuiu para a percepção
no mundo árabe de que a Aliança tinha identificado o Islão como o próximo inimigo
pós guerra fria e pós 11 de Setembro, fazendo com que as operações fossem
percepcionadas como ataques contra o Oriente, cujo alvo pressuporia o controlo sobre
as rotas comerciais e petrolíferas.
A NATO é, portanto, compreendida como um bloco imperialista que procura o domínio
sobre os Estados Árabes. Afirmações pós 11 de Setembro de Bush, com a célebre
expressão ‘Guerra contra o Terror’ ou, ainda, as do Secretário- Geral da NATO, Willy
Claes, de que o fundamentalismo islâmico tinha surgido, talvez, como a maior ameaça
para a Segurança Ocidental desde o colapso do Comunismo, contribuíram para
reforçar esta posição82. As fortes reacções por parte da Turquia e da Albânia a tais
declarações, obrigaram Claes a retratar-se.
Os factores concorrentes para um olhar mais atento à região MENA, entretanto
diversificaram-se: com o 11 de Setembro, e a posterior invasão do Iraque, a questão
do programa nuclear do Irão, a ameaça do terrorismo transnacional, a proliferação de
armas de destruição maciça, o aumento das migrações, as alterações climáticas e as
questões energéticas demonstram ser um desafio crescente à segurança no seu todo,
tornando a região MENA num fórum de redobrada atenção. Neste sentido, surge a
Gareth M. Winrow, Dialogue with the Mediterranean: The Role of NATO’s Mediterranean Initiative, New York: Garland Publishing, 2000, p. 173. No caso da Síria, o afastamento prende-se com a sua política externa e com os problemas de relação com países vizinhos – Israel, Líbano, Iraque, Arábia Saudita e Jordânia. (Quanto à não intervenção por parte da NATO em finais de 2011, no seguimento das Primaveras Árabes, ela é justificada pela ausência de um mandato da ONU ou da Liga dos Estados Árabes, pelas consequências de proximidade com um membro da Aliança (Turquia) e possível efeito de arrasto na região, e pelas relações fortes que possui com o Irão. É igualmente de referir, que ao contrário da oposição líbia, não existiu um apelo concertado à NATO para apoio e intervenção). No que respeita à Palestina e ao Líbano a posição prende-se com a fraca condição de Estados. 81
Em 2004, a parceria mudou de rumo consagrando um quadro de intervenção mais ambicioso onde constam iniciativas como: reuniões políticas de alto nível, interoperabilidade militar e reformas na defesa, bem como cursos nas seguintes áreas: planeamento civil, assuntos científicos e ambientais, gestão de crises, políticas e estratégias de defesa, e proliferação de armas. É concedida autorização aos membros do DM de observarem exercícios militares da NATO. 82
NATO Chief under Fire for Islamic Remark: International Herald Tribune, February 15, 1995.
78
nova Iniciativa de Cooperação de Istambul (2004) com características diferentes da
anterior, mais ambiciosa e com cooperação ao nível político e militar. Virada para os
países do Golfo, incorpora a contribuição do Kuwait, Bahrein, Qatar e Emirados Árabes
Unidos, mas não obtém uma posição clara por parte da Arábia Saudita e de Omã.
O interesse inicial dos Estados do Golfo na NATO era bastante maior do
que no caso DM: uma vez que já tinham prosseguido uma internacionalização
estratégica da sua segurança (por exemplo, através da celebração de acordos
bilaterais com a França, a Grã-Bretanha e os Estados Unidos), uma relação com
a Aliança era vista como mais uma carta para os objectivos de Segurança a
alcançar.83
A primeira missão da Iniciativa foi no Iraque onde um grupo de 150 homens contribuiu
para a formação de um novo corpo de oficiais das forças de segurança iraquianas. Com
esta iniciativa, a NATO aumentou e reforçou o seu papel de grande estrutura mundial
e militar no Médio Oriente e estreitou laços com diversos países árabes – quando as
Primaveras árabes começaram a NATO tinha estabelecido relações com metade dos
Estados Membros da Liga Árabe84.
Em 2011, deu-se a primeira operação NATO num país árabe – Operação UNIFIED
PROTECTOR (OUP)85 na Líbia, sancionada pela Liga Árabe, e assistida por quatro países
árabes (Marrocos, Jordânia, Emirados Árabes Unidos e Qatar), e a missão ISAF no
Afeganistão pelo Bahrein e pelos Emirados Árabes Unidos. Contudo, mantêm-se
problemas estruturais na Iniciativa Cooperação de Istambul. Até agora, o ICI falhou em
83
GAUB, Florence – Against all odds: Relations between NATO and the MENA Region. USAWC Press: US Army War College. 2012 p.10. 84
Estados Membros da Liga Árabe: Arábia Saudita, Argélia, Bahrein, Catar, Camarões, Djibuti, Egipto, Emirados Árabes Unidos, Iémen, Iraque, Jordânia, Kuwait, Líbano, Líbia, Marrocos, Mauritânia, Omã, Palestina, Síria, Somália, Sudão e Tunísia. 85
A Operação Unified Protector foi uma operação da NATO em 2011 que aplicou as resoluções 1970 e 1973 do Conselho de Segurança das Nações Unidas relativas à Guerra Civil Líbia e foi adoptada em 26 de Fevereiro e 17 de Março de 2011, respectivamente. Estas resoluções impuseram sanções a membros-chave do governo Kadhafi e autorizaram a NATO a implementar um embargo de armas, uma zona de interdição de voo e a utilizar todos os meios necessários, com excepção da ocupação estrangeira, para proteger a população civil líbia e as áreas povoadas por civis. Consultar: Resolution 1970 (2011); Resolution 1973 (2011); Resolution 2009 (2011). No que diz respeito às contribuições militares para a missão, a nível operacional marítimo, participaram: Bélgica, Bulgária, Canadá, França, Grécia, Itália, Holanda, Espanha, Turquia, Reino Unido e Estados Unidos. No nível operacional aéreo: Turquia, Bélgica, Canadá, França, Dinamarca, Grécia, Itália, Holanda, Noruega, Qatar, Espanha, Suécia, Emirados Árabes Unidos, Reino Unido, Jordânia e Estados Unidos.
79
desenvolver a profundidade e a força previstas. Não existe até à data nenhum
documento-quadro e nenhum fórum militar estabelecido; apesar da forte ênfase da
Iniciativa na cooperação militar, o nível de participação nas actividades em causa (tais
como seminários, workshops, visitas mútuas, e participação em exercícios) é baixo. (…)
Até à data, não tem havido reuniões regulares a nível de Ministros da Defesa ou de
Ministros dos Negócios Estrangeiros, e não foi concluído nenhum Programa Individual
de Cooperação em Parceria com nenhum dos Estados envolvidos.86 Por outro lado, é de
salientar os acordos de partilha de informações entre a NATO e os Emirados Árabes
Unidos, o Kuwait e o Bahrein. A ausência da Arábia Saudita, sobretudo, e de Omã tem
sido apontada como um dos factores de resistência a um nível mais alto de
cooperação. Estas ausências justificam-se do seguinte modo, Omã procura manter o
frágil equilíbrio entre os seus vizinhos e o estreitar de relações com o Irão, a Arábia
Saudita pretende evitar a todo o custo forças armadas estrangeiras no seu território,
basta pensar no impacto do ‘Cerco a Meca’(1979).87
Fora do âmbito da Iniciativa, os Estados do Golfo possuem a sua própria força comum,
designada Al-Jazeera Shield (1984), possui uma força conjunta de 10.000 homens com
sede na Arábia Saudita. As suas capacidades foram usadas na libertação do Kuwait
(1991), com um destacamento de 3.000 homens; na invasão do Iraque (2003) com o
envio de 10.000 soldados e dois navios destacados na protecção do Kuwait de
potenciais ataques iraquianos; e por fim, no decorrer das Primaveras Árabes no
Bahrein (2011), e a seu pedido, foram destacadas forças da Arábia Saudita e dos
Emirados Árabes, o Kuwait e Omã abstiveram-se no envio de tropas.
86
Ibid., p.11. 87
A tomada da Grande Mesquita (1979) teve o apoio do Groupe d’Intervention de la Gendarmerie Nationale (GIGN). Entre outras coisas os rebeldes reivindicavam o corte de exportações de petróleo para os Estados Unidos e a expulsão de todos os peritos civis e militares estrangeiros da Península. Numa entrevista aos 60 minutos (CBS) a 19 de Março de 2018, O Príncipe herdeiro da Arábia Saudita refere-se ao acontecimento como um dos motivos de radicalização do país: Norah O'Donnell: There is a widespread perception that the kind of Islam practiced inside Arabia is harsh, it's strict, it's intolerant. Is there any truth to that? Mohammed bin Salman: After 1979, that's true. We were victims, especially my generation that suffered from this a great deal. The crown prince traces most of Saudi Arabia's problems to the year 1979, when the Ayatollah Khomeini established an Islamic theocracy next door in Iran. The same year, religious extremists in Saudi Arabia took over Islam's holiest site, the Grand Mosque in Mecca. In order to appease their own religious radicals, the Saudis began clamping down and segregating women from everyday life. In: https://www.cbsnews.com/news/saudi-crown-prince-talks-to-60-minutes/
80
As dinâmicas destas parcerias e iniciativas nem sempre são fáceis e de grande alcance.
Estes países partilham uma série de traços linguísticos, sociais e culturais, bem como
uma história comum, mas ao mesmo tempo diferem muito no que diz respeito a
parâmetros como a dimensão, economia, sistemas políticos, composição étnica e
religiosa, relações internacionais, geografia e padrões educacionais.88
No pós Guerra Fria, a Aliança Atlântica tem de responder a um conjunto de ameaças
mais complexo e difuso que lhe impõem a necessidade de manter uma capacidade de
dissuasão efectiva perante as potências nucleares que não pertencem à comunidade
das democracias, ao mesmo tempo que procura neutralizar as redes terroristas
islâmicas no Médio Oriente ou proteger os direitos de soberania dos Aliados – Estados
Unidos, Noruega, Canadá e Dinamarca – no Ártico.89 A ênfase é dada a questões de
segurança nuclear, segurança humana e cibersegurança.
Com o 11 de Setembro, a ideia de arco islâmico e a ameaça terrorista ganham
destaque. O uso de termos como Rogue States90, Pariah States91 ou Axis of Evil92, são
frequentemente mencionados. O receio do uso de armas de destruição maciça, ou
atentados noutros Estados recorrendo a armas químicas, bacteriológicas, radiológicas
ou nucleares constituem uma ameaça credível. A 12 de Setembro de 2001, a Aliança
invoca pela primeira vez o art.5. Nesse seguimento, a NATO iniciou uma operação de
segurança naval ACTIVE ENDEAVOUR no Mediterrâneo com o obejctivo de controlar a
navegação para ajudar a dissuadir, defender, perturbar e proteger contra a actividade
terrorista. Entre os propósitos da missão constam: o assegurar das rotas de navegação
– 65% do petróleo e gás natural passam pelo Mediterrâneo, com grandes oleodutos
que ligam a Líbia a Itália e Marrocos a Espanha – através de patrulhas nos pontos
cruciais e em importantes portos e o rastreio e controlo de navios suspeitos. Esta 88
GAUB, Florence – Against all odds: Relations between NATO and the MENA Region. USAWC Press: US Army War College. 2012. p.27. 89
Ibid., pp.18-19. 90
Termo intrinsecamente associado à política norte americana e sem reconhecimento internacional. Pretende elencar diversos países cujo nível de ameaça seja elevado. Neste momento, os países mencionados são: Irão (1984), Coreia do Note (2017), Sudão (1993) e Síria (1979). 91
Possuem características que indiciam violações – produção de armas de destruição, tolerância face ao terrorismo, violações da liberdade de expressão e dos direitos humanos. Constam da lista: Bielorrússia, Burma, Guiné Equatorial, Eritreia, Israel, Kosovo, Coreia do Norte, Sudão, Síria, Uzbequistão e Zimbabué. 92
Termo criado por Geroge W. Bush que define três nações Iraque, Irão e Coreia do Norte, como as principais ameaças e financiadores do Terrorismo e de Armas de destruição maciça. Em oposição, o Irão criou o Axis of Resistance que engloba: Irão, Síria e Hezbollah.
81
missão produziu um visível efeito na segurança e estabilidade na região, bem como na
assistência e salvamento em caso de desastre, e um aumento das parcerias no âmbito
do Diálogo para o Mediterrâneo com muitos destes países a fornecerem informações
sobre navios suspeitos que operavam nas suas águas. A partir de 2004, a Operação
contou com o apoio de países não pertencentes à NATO – Israel, Marrocos, Rússia,
Ucrânia, Finlândia, Suécia, Geórgia e Nova Zelândia.
2. Quadro da Política de Segurança Marítima da EU-NATO
A estratégia de segurança marítima da EU (EUMSS), de 2018, densifica a cooperação
com a NATO a nível operacional. A operação EUNAVFOR MED SOPHIA estreita laços
com a operação SEA GUARDIAN, tendo por objectivo o combate ao contrabando e
tráfico de seres humanos, bem como a outras actividades ilícitas no mar. esta
cooperação surge com o apelo a um maior uso do mecanismo de sensibilização
partilhada e de resolução de conflitos. As cooperações com a NATO abrangem o
Mediterrâneo, o Mar Egeu, o Corno de África e o Mar Vermelho.
No caso do Mediterrâneo as operações focam-se em três pontos-chave: 1) instalações
em terra, 2) ashore facilities, e 3) reabastecimento em alto mar. No contexto líbio,
ambas as missões usam o mecanismo SHADE MED (Shared Awareness and de-
confliction Mechanism in the Mediterranean) como principal fórum para a partilha de
informações e coordenação de esforços.
Quanto às missões no Corno de África e no Mar Vermelho, estão a cargo da missão
EUNAVFOR ATALANTA93 e da NATO OCEAN SHIELD. Por sua vez, a SHADE BAHREIN tem
por objectivo coordenar as actividades relativas às operações de contra-pirataria e
medidas de auto protecção no Golfo de Aden e no Oceano Índico. Por funções são-lhe
93
EUNAVFOR ATALANTA - repressão dos actos de pirataria e dos assaltos à mão armada ao largo da costa da Somália. Tem por missão proteger os navios do programa alimentar mundial e os outros navios vulneráveis, acompanha as actividades de pesca ao largo da costa e dá apoio a outros programas e missões da EU na região. Existe igualmente, a UECAP SOMÁLIA – qua visa reforçar a capacidade do país em aplicar o Direito Maritimo Internacional. A EUTM SOMÁLIA – tem ênfase nas questões de acompanhamento militar a nível político e estratégico às autoridades do país e contribui para o desenvolvimento de capacidades de fomação próprias do Exército Nacional da Somália (ENS). Consultar: https://www.consilium.europa.eu/pt/press/press-releases/2019/09/25/eu-navfor-operation-atalanta-new-operation-commander-appointed/
82
conhecidas: a partilha de informações, a possibilidade de coordenação para escolta da
marinha mercante através do corredor internacional recomendado (IRTC), a cobertura
aérea da zona de alto risco de pirataria com aeronaves de patrulha marítima, e
coordenação de esforços.
3. O Conceito Estratégico da Aliança Atlântica
Importa começar por definir alguns termos como – segurança nacional, planeamento,
objectivos permanentes, objectivos actuais e acção estratégica. Comecemos pela
respectiva ordem. A primeira, pressupõe um processo contínuo de avanços e recuos
face a eventuais conjunturas, quer nacionais quer internacionais, tratando-se,
portanto, de um processo de evolução contínua onde o grau de domínio e controlo é
relativo; o segundo ponto consiste em escolhas sucessivas e hierarquizadas que visam
um propósito único, e uma grande capacidade de antecipação; quanto aos objectivos
permanentes configuram ideais construídos e estruturados, tendo em conta uma
análise interpretativa dos interesses e ambições de um determinado Estado ou de uma
Aliança, são por isso os seus fundamentos basilares e mantêm-se geralmente
inalterados; por sua vez, os objectivos actuais, como o nome indica decorrem da
actualidade, caracterizam-se como transitórios, ao invés dos objectivos permanentes,
e a sua análise estrutura-se na avaliação estratégica da conjuntura e nas pressões
dominantes das grandes potências; por fim, quanto às linhas mestras dessa acção
estratégica, ela tem por base quatro referências: para quê (objectivo), contra quem?
(oponente), contra quê? (ameaça) e com que meios? (modalidades de acção)94.
Em 1991, na Cimeira de Roma do Conselho do Atlântico Norte, perante os sinais de
afirmação de uma crescente autonomia europeia, o aviso prosaico do Presidente
George W. Bush aos seus aliados – if you want to go your own way, if you don’t need us
any longer, say so – não era inteiramente retórico. A Aliança Ocidental tinha deixado
de ser crucial para a estratégia norte americana, enquanto as potências europeias
94
VICENTE, Paulo – O Novo Conceito Estratégico da NATO na transformação da Aliança. Universidade Autónoma de Lisboa. 2012. p.13.
83
pareciam determinadas a recuperar as suas responsabilidades no quadro da União
Europa Ocidental (UEO) ou da própria União Europeia. 95
Contudo, a incerteza a Leste, com o colapso da URSS e o seu desmembramento, a
situação de exigência financeira da Alemanha, a braços com a reunificação, e a
instabilidade política nos países de leste, em luta pela recuperação das suas
soberanias, fizeram com que os Europeus continuassem a ver no Art. 5 uma mais valia
e uma segurança efectiva.
O debate à época, no seio da Aliança, prendia-se com duas visões estratégicas, e com a
problemática desta actuar fora da área legislada pelo Art.6 - o tratado abrange apenas
os territórios dos Estados membros na Europa e América do Norte, e ilhas no Atlântico
Norte a norte do Trópico de Câncer, mais a Argélia francesa. Assim, a questão era a de
saber se a Aliança deveria ser uma aliança regional ou euro-atlântica (contando com o
apoio dos Estados Membros de Leste, que defendiam um reforço das missões centrais
de defesa colectiva para conter a Rússia), ou global (alargamento da NATO a outras
democracias pluralistas como: a Índia, o Japão, o Brasil, a Coreia do Sul, a Nova
Zelândia e a Austrália).
O Conceito Estratégico de 2010, ocorre numa conjuntura em que os problemas com
que se deparava a Aliança consistiam na internacionalização do terrorismo, nas
campanhas militares no Iraque (2003) e no Afeganistão (2003), a crise da Geórgia96
(2008) e o novo posicionamento estratégico da Rússia, os ataques cibernéticos, a
emergência de novas potências, os problemas gerados com a crise financeira (2008) e
a necessidade de repensar a Aliança com 28 Membros97. Na sequência das tensões
95
GASPAR, Carlos – O Conceito Estratégico da Aliança Atlântica. Nação e Defesa Nº126 (pp.9-36). 2010. p.14. 96
Guerra entre as Autoridades georgianas e a Rússia (separatistas da Ossétia do Sul e da Abecássia). Foi assinado um cessar-fogo entre ambas as partes sob mediação da Presidência francesa da EU. Contudo, as autoridades nacionais afirmam que as tropas russas nunca recuaram até a linha original onde se encontravam estacionadas e que permanecem no território devido a acordos bilaterais com as autoridades locais. 97
Membros NATO (29 Estados Membros) : Albânia, Alemanha, Bélgica, Bulgária, Canadá, Croácia, Dinamarca, Eslováquia, Eslovénia, Espanha, Estados Unidos, Estónia, França, Grécia, Hungria, Islândia, Itália, Letónia, Lituânia, Luxemburgo, Noruega, Países Baixos, Polónia, Portugal, Reino Unido, República Checa, Roménia, Turquia. O Montenegro é o Estado Membro mais recente
84
vividas98 no seio da Aliança, e não só, aquando a Invasão do Iraque, é reiterada a
missão de salvaguardar todos os membros por meios políticos e militares – Active
Engagement, Modern Defence.
No que respeita às prioridades, estas concentravam-se em três pilares comuns: 1)
Defesa Colectiva – com base no art.5 do Tratado de Washington; 2) Gestão de Crises –
envolvendo capacidades político-militares aliadas, antes, durante e depois dos
conflitos; 3) Segurança Cooperativa – tendo por base novas parcerias com países e
organizações na manutenção da política de porta aberta a todas as democracias
europeias que cumpram os critérios de adesão.
Com base nestes propósitos a Aliança procura fazer face às ameaças de proliferação de
armas de destruição maciça; ao terrorismo à escala global; conflitos fora das suas
fronteiras, mas com repercussões internas; ao tráfico de armas, pessoas e narcóticos; a
ciberataques; eventuais perturbações nas rotas de comunicação, transportes e
trânsito; as rupturas na segurança energética; restrições ao acesso ao espaço,
decorrentes do desenvolvimento de armas a laiser e tecnologias de guerra electrónica,
que podem ter impacto no planeamento e nas operações da Aliança; e por fim,
condicionantes ambientais como alterações climáticas e escassez de água.
Importa salientar as duas vertentes presentes na estrutura organizacional da NATO, a
saber: uma componente liberal – numa ideia de união e cooperação entre povos que
tem princípios estabelecidos na Carta das Nações Unidas, da qual extrai a sua
legitimidade, num compromisso com a paz e a resolução pacífica de disputas
internacionais – e uma componente realista – estimulando simultaneamente nos seus
membros capacidades militares reactivas, reservando o direito de legitima defesa
individual ou colectiva quando um ou mais dos seus membros forem vítimas de um
ataque, utilizando a força militar.99
98
A intervenção militar contava com o apoio : Estados Unidos, Reino unido, Polónia, Austrália, Itália, Espanha, Dinamarca e Japão. Sendo os países contra a intervenção: a França, Alemanha, Canadá e Rússia. 99
VICENTE, Paulo – O Novo Conceito Estratégico da NATO na transformação da Aliança. Universidade Autónoma de Lisboa. 2012. pp.101-102.
85
Por fim, não é de somenos referir que o documento foi criado pela administração
Obama, num período em que na Europa a necessidade de uma Defesa Comum
ganhava peso. Ora, o documento surge como uma resposta ao Tratado de Lisboa e às
medidas introduzidas no domínio da Política Externa e de Segurança Comum.
Concluímos com um gráfico que demonstra as missões levadas a cabo no âmbito da
CSDP, e a capacidade da União nas suas próprias missões, bem como o impacto que as
mesmas podem ter caso a União se una num propósito e estratégia comum.
CONSIDERAÇÕES – POLÍTICAS DE DEFESA E SEGURANÇA
O fracasso da CED dificultou em muito a prospectiva de uma defesa europeia. Porém,
devemos salientar alguns passos importantes que, apesar de tudo, foram alcançados.
Com o Tratado de Maastricht criaram-se as missões humanitárias e de evacuação; de
86
prevenção de conflitos, de gestão e de manutenção de paz. Com O Tratado de Nice, o
âmbito das missões foi alargado para consagrar missões de desarmamento, de
assistência militar e estabilização. Com a Cimeira de Saint-Malo, a EU viu-se mais perto
de concretizar o sonho de um projecto credível. Os inúmeros Conselhos Europeus
foram incrementando medidas nessa direcção, a saber: Colónia (1999), criou-se o
Conselho Europeu de Política de Segurança e Defesa, permitindo à Eu intervir
militarmente para prevenir ou gerir crises; Helsínquia (1999), estabeleceu as
capacidades autónomas da EU em mobilizar 60.000 homens em 60 dias durante um
ano; em Nice (2000), nasceu o grupo de gestão de crises da UEO; em Feira (2000),
determinou-se um reforço das missões civis e de gestão de crises; e em Laeken (2001),
foram declaradas as missões ESDP operacionais. Em 2002, é assinado o acordo Berlim
Plus entre a União Europeia e a NATO, e em 2003, é adoptado o plano para uma
Estratégia de Segurança Europeia. Por fim, o Tratado de Lisboa (2007), introduz a
cooperação estruturada permanente.
Consideramos que a Presidência Francesa do Conselho Europeu, em 2022, pode
responder a muitas questões no domínio da defesa que ainda se encontram em
aberto, ao estabelecer cinco prioridades: 1) a definição dos interesses estratégicos da
UE; 2) a protecção do nosso modelo de democracia, das fronteiras da união e de todas
as novas formas de ameaça; 3) o reforço das capacidades de resposta e gestão de
crises, 4) reforço do nível de capacidades em áreas-chave, tais como a intelligence e 5)
consolidação da base industrial da UE.100
É importante salvaguardar que os Estados Membros se devem abster de tomar
decisões unilaterais nesta matéria, por muito que tenham repercussões a nível
nacional elas impedem a Europa de avançar e de garantir a sua segurança como um
todo. Primeiro é necessário assumir que as políticas falharam. A política Europeia de
Vizinhança (PEV), que em 2004 visava criar um círculo de países estáveis prósperos e
pacíficos nas fronteiras da EU, fracassou. Confiantes de que poderiam contar com a
NATO em casos de agressão militar em solo europeu, e centrados nos seus problemas
económicos, os europeus subestimaram as repercussões da agitação na vizinhança e
100
KABBEJ, Sofia – L’Armée Européenne, Y Penser Toujours, n’en Parler Jamais?. Notre Europe: Jacques Delors Institute. 2019.
87
fugiram colectivamente à responsabilidade de dar uma resposta adequada.101
Segundo, a União deve ter uma aposta clara nas suas missões e operações externas,
bem como dotá-las de outras capacidades, nomeadamente ao nível da média e alta
intensidade. E ter particular atenção para que os custos das missões sejam justo e
equitativos e não recaiam sempre sobre os mesmos Estados Membros, sob pena do
afastamento progressivo destes nestas missões. Terceiro, a EU deve adoptar uma
postura em uníssono sobre a sua política externa, traçando pontos essenciais de
combate, mas sem a tornar extremamente abrangente ou global, de modo a que esta
seja viável e produza resultados concrectos.102 Por fim, no que respeita aos conflitos
de proximidade, a EU deve agir como um dissuasor falando a uma só voz. Quanto à
crise migratória, vemos como prioritária a revisão do Acordo de Dublim e a
harmonização do Direito de Asilo nos Estados Membros.
101
DELORS, Jacques e outros – EU Security: A Matter of Political Urgency. Notre Europe: Jacques Delors Institute. 2016. pp.1-2. 102
A proposta apresentada no documento supra citado parece-nos uma medida concrecta a ter em conta, a criação de um Conselho de Segurança: para assegurar a continuidade do debate estratégico da UE sobre segurança e defesa e para reforçar a sua capacidade de antecipar crises ou conflitos, o Conselho deveria organizar uma reunião anual do Conselho de Segurança para avaliar as ameaças a médio e longo prazo e rever os recursos à sua disposição. Este Conselho controlaria a utilização de instrumentos de cooperação intergovernamental, tais como grupos de combate e cooperação estruturada permanente e reforçaria o papel da agência europeia de defesa que pode apresentar propostas concretas, e a longo prazo, ao Conselho. Ter projectos para desenvolver a base industrial e tecnológica da Europa em uma ou duas áreas prioritárias de defesa de acordo com deficiências de capacidade comum. Um Conselho Europeu de Segurança deveria tomar decisões directamente operacionais para evitar que a sua análise permaneça abstracta e inefectiva. Poderia adoptar por unanimidade orientações claras tornadas operacionais através de uma decisão do Conselho de Assuntos Externos deliberando por maioria qualificada.
88
II PARTE
89
NORTE DE ÁFRICA E O MÉDIO ORIENTE – MENA (Paralelos)
O Norte de África e o Médio Oriente unem-se na definição MENA, adoptada pelo
Banco Mundial, a qual teve repercussões nas dinâmicas políticas de outros países,
nomeadamente nos EUA que aderem a esta visão centrada num ‘Grande Médio
Oriente’ com início em Marrocos estendendo-se até aos confins da Ásia Central. As
duas regiões passam a ser referidas como complementares com a adopção do termo.
O que as une é a circunstância de serem banhadas pelo Mediterrâneo, a história
colonial e o Islão como um fio condutor numa perspectiva mais lata, mas não só. Existe
uma profunda conexão e interferência entre ambas as regiões, no alastrar de crises
sucessivas de confiança política e de conflitos demonstradas com a desagregação do
Iraque e da Líbia; a guerra na Síria; o Conflito Israelo-palestiniano; a instabilidade do
Egipto; a disputa do Sahara Ocidental entre Marrocos e a Argélia e a grave crise
económica, política e social no Líbano. Basta recordar que as Primaveras Árabes se
iniciaram na Tunísia e alastraram até ao Bahrain.
Importa referir a dupla pressão em que se encontra a região do Norte de África,
permeável a todos os acontecimentos que surgem do seu flanco leste, bem como do
seu flanco sul com os intermináveis conflitos na região do Sahel, sob forte pressão
jihadista com ataques em Nairobi, N’Djamena, Bamako, Ouagandougou, Grand
Bassam, entre outros, cujas repercussões se fazem sentir na Europa em vagas
migratórias. A Geopolítica de África e do Médio Oriente ultrapassa os limites da sua
área geográfica.
Os motivos destas tensões e reaproximações são vários, desde logo as dinâmicas dos
próprios Estados, as conflitualidades étnicas e as dificuldades de gestão territorial de
fronteiras103. Com economias profundamente reféns da exportação de produtos
103
Como consequência das divisões territoriais entre África e o Médio Oriente feitas pelos Europeus durante a colonização de África, por um lado, e após o colapso do Império Otomano, por outro. O resultado é um desajustamento frequente entre territórios estatais e representações de identidade, de que muitos povos, tais como os Curdos, sofreram. In: POURTIER, Roland e Outros – Geopolitique de l’Afrique et du Moyen-Orient. Paris: Nathan. 2017. p.18. É de referir os Acordos Sykes-Picot de 1916, entre as potências Britânica e Francesa, numa negociação secrecta em antecipação ao desmembramento do Império Otomano na I Guerra Mundial, e em clara contradição com o que havia sido prometido por parte da Grã-Bretanha, isto é a criação de um grande
90
primários, em bruto ou semi-processados, e uma riqueza assinalável em minerais
(ferro, cobalto, bauxite, urânio, crómio e columbite, ouro, platina e diamantes), estas
regiões despertam o interesse de países emergentes, nomeadamente a China que, em
2011, se tornou no principal parceiro comercial de África. A dependência extrema da
exportação de petróleo e gás natural104 sacrificou outros sectores como a agricultura,
provocando uma crescente dependência alimentar agravada exponencialmente pelo
crescimento demográfico desta região e pelo recurso comum a deslocações quer
internas, quer externas. Acresce o facto de serem zonas com grandes desertos em
expansão e escassez de água, que se reflectem nas políticas internas e externas dos
Estados, bem como na necessidade de controlar esse espaço ‘vazio’ de tensão e fricção
– no século VIII, os comerciantes árabes começaram a difundir o Islão nas cidades que
serviam de descanso às caravanas.105Eram igualmente rotas usadas para o comércio
de escravos efectuado pelas tribos nómadas – o mesmo se passa hoje em dia, são por
excelência áreas de predileção dos movimentos extremistas106
RECURSOS ENERGÉTICOS107
Em 2009, a Fundação DESERTEC108 avançou com a possível construção de centrais
solares termodinâmicas e fotovoltaicas e uma rede de distribuição de electricidade na
reino árabe. A divisão cedeu à Grã-Bretanha, o que é hoje a Jordânia, o Iraque e a zona circundante de Haifa. À França coube uma parte da Turquia, a Síria e o Líbano. 104
“No contexto da livre globalização, as economias da maioria dos países africanos e do Médio Oriente permanecem monolíticas, como se as receitas fossem um obstáculo à diversificação. Além disso, a distribuição de rendimentos entre países, como ilustrado pelo contraste entre os Emirados petrolíferos e a maioria dos Estados africanos, que se encontram entre os mais pobres do mundo, e entre grupos sociais, sendo a riqueza nacional monopolizada por uma pequena elite mineira detentora do poder político”. Ibid., p.18. 105
Ibid., p.42. 106
“Não é insignificante que os três grandes monoteísmos tenham nascido na proximidade do deserto. Moisés atravessou os contrafortes do deserto antes de chegar ao país ‘onde corre leite e mel’. Cristo retirou-se no deserto antes de enfrentar a Paixão. Maomé contou com as tribos do deserto para derrotar os seus adversários”. Ibid., p.43. 108
A Fundação DESERTEC torna real a maior ideia do século XXI: o Deserto de Energia Verde, que faz avançar a descarbonização da Europa, garante a África uma prosperidade limpa e torna o Médio Oriente independente dos rendimentos petrolíferos. Para este processo, reunimos governos, empresas e peritos/cientistas durante anos. Somos o Lobby do Desert-Energy. (…)A Fundação DESERTEC é uma iniciativa global da sociedade civil com o objectivo de dar forma a um futuro sustentável. Foi criada a 20 de Janeiro de 2009, como uma fundação sem fins lucrativos que nasceu de uma rede de cientistas, políticos e economistas de todo o Mediterrâneo, que juntos desenvolveram o Conceito DESERTEC. Os membros fundadores da Fundação DESERTEC são a Associação Alemã do Clube de Roma, membros da
91
região MENA, de modo a combater as alterações climáticas e os danos profundos de
que sofre a região. Um dos princípios avançados pela Fundação é o de tornar o Médio
Oriente independente dos rendimentos petrolíferos, ou seja, ajudar estes países a
diversificar as suas economias. Estima-se que os rendimentos com a venda de petróleo
nos países produtores ronde os 30% do seu PIB e represente uma fatia de 60% do
orçamento dos Estados, bem como 80 a 90% do total das suas exportações. Estamos
face a economias vulneráveis, ineficientes e dependentes. O grau de volatilidade
destes bens é grande, uma descida de preços abrupta faz com que os Estados
produtores se endividem para fazer face às despesas do ciclo anterior. Durante a
década de 1980, os planos de ajustamento estrutural implementados sob a égide do
Banco Mundial e do FMI, em particular os esquemas africanos de rentistas, foram
duramente atingidos. As instituições de Bretton Woods condicionaram a ajuda, que se
tinha tornado indispensável ao desenvolvimento do sector público, ao
desmantelamento dos mecanismos de gestão, tais como os fundos de estabilização. Os
planos de ajustamento estrutural não são, portanto, apenas um conjunto de medidas
técnicas: são a expressão das relações internacionais de poder e pressão dos credores,
uma emanação das potências ocidentais dominantes do desmantelar dos sistemas de
recursos energéticos que são julgados como muito próximos do Estado em benefício do
mercado, do qual as suas empresas são os principais promotores e beneficiadores.109
No que diz respeito ao Gás Natural, os grandes produtores no Médio Oriente são o
Irão e o Qatar, de onde provém 79% do seu consumo energético nacional. No Norte de
África, a Argélia é o primeiro produtor de gás natural, embora a produção tenha
diminuído consideravelmente devido à instabilidade da sua fronteira com a Líbia e ao
ataque às instalações de In Amenas, em 2013, por um grupo terrorista. Quanto à Líbia,
as suas reservas de petróleo, localizadas sobretudo na Cirenaica, foram bastante
afectadas pela conjuntura interna, bem como por uma queda de 70% na produção de
rede internacional, bem como pessoas privadas empenhadas. (…) Em 6 horas os desertos do mundo recebem mais energia do sol do que a humanidade consome no espaço de um ano. Isto significa que pode ser gerada energia limpa suficiente dos desertos do mundo para abastecer a humanidade com electricidade suficiente numa base sustentável. O Conceito DESERTEC promove a produção em larga escala de energia solar e eólica nas regiões desérticas do mundo, combinada com uma mistura inteligente de energia fotovoltaica, hidroeléctrica, biomassa e energia geotérmica. – Conforme consta no seu site oficial: https://www.desertec.org/ 109
Ibid., p.52.
92
gás natural. O peso em recursos energéticos destes países é díspar. Tanto Marrocos
como a Tunísia dependem de importações energéticas para fazer face à procura
interna; o Egipto é um grande exportador de gás natural, mas viu-se forçado na última
década a importar petróleo de outros países. No que respeita à energia nuclear, a
Argélia assinou um acordo de cooperação (2006) com a França prevendo a construção
de uma central nuclear até 2020. Anuncio que o Ministro de Energia argelino fez em
Novembro de 2006. Também Marrocos celebrou um acordo com a França neste
âmbito. A Líbia possui dois acordos, um com a França (2006) e outro com a Rússia
(2008), com o mesmo propósito, pese embora os mesmos se encontrarem estagnados.
O Egipto é o único país, actualmente, a possuir dois reactores nucleares.
A energia nuclear é vista no Norte de África como uma das melhores soluções para
resolver a falta de electricidade, a um custo baixo, eficaz, e limpo, permitindo manter a
estrutura energética em todos os domínios. Contudo, esta opção levanta outros
problemas aos olhos da comunidade internacional, que vê estes países como
profundamente frágeis para tal transição. As energias renováveis continuam a ser a
aposta da Europa para o Continente Africano. Disso são exemplo o Mediterranean
Solar Plan, lançado em 2008; o programa CAMENA que apoia investimentos na área
das energias renováveis; o programa de Assistência Europeia à Energia Local (ELENA); a
criação do parque eólico no lago Turkana, no Quénia; ou a grande central solar na
cidade de Ouarzazate, em Marrocos. Tais instrumentos incluem a assistência técnica e
a partilha de riscos com os bancos locais (Instrumento de Energia Sustentável para
África), a consultoria e os créditos baseados nos resultados (Plataforma para o
Desempenho na área das Energias Renováveis) e a assistência técnica para mobilizar
aumentos de crédito (Fundo de Garantia Africano para a Energia). O BEI continuará
também a desempenhar o seu papel de consultor do Fundo Mundial para a Eficiência
Energética e as Energias Renováveis (GEEREF), que mobiliza investimentos de private
equity em projetos de pequena dimensão na área das energias renováveis e da
eficiência energética.110
110
Banco Europeu de Investimento – Dar resposta às necessidades africanas. In: https://www.eib.org/attachments/general/energy_needs_africa_pt.pdf
93
O Magreb não é um mercado significativo para Portugal (representa menos de 5% do
comércio total), mas o seu cresciemento económico e os interesses que se estão a
formar na região por via da construção do gasoduto (Magreb-Europa)111, que traz gás-
natural da Argélia para Espanha e Portugal, ditam uma maior atenção e acção
diplomáticas de Portugal. Existe, igualmente, um gasoduto de águas profundas,
MEDGAZ, ligando a Argélia à Europa, via Espanha, o primeiro a uma profundidade
superior a 2.000 metros no Mar Mediterrâneo. O MEDGAZ fornece gás natural
directamente de Beni Saf, na costa argelina, para Almeria na Andaluzia. Trata-se de um
projecto multidiscipilinar internacional que proporciona a forma mais directa e
rentável de fornecimento de gás natural ao Sul da Europa.
Os recursos estimados de gás nesta grande região, que se estende desde as costas
turcas e cipriotas até à bacia do Egipto, incluindo Israel, os territórios palestinianos e o
Líbano, são equivalentes aos da Noruega, um dos maiores produtores mundiais de gás.
A necessidade de gás está a aumentar não só para o aquecimento, mas também, e
especialmente, para a produção de electricidade. À medida que alguns países
europeus encerram as suas centrais eléctricas a carvão e muitos países asiáticos
aceleram a electrificação das suas populações, o mercado do gás está a mudar e a
tornar-se global.
Durante muitos anos, a região da Palestina, onde se encontra Israel, foi considerada
politicamente desaconselhável pelas companhias petrolíferas. Contudo, em 2009, a
Nobel Energy inicia a exploração de gás no campo de Tamar, localizado a cerca de 80
km de Haifa e a quase 2000 metros de profundidade. Seguir-se-á a descoberta de
outra grande jaziga, no campo de Leviatan. Este campo de gás é um gratificante evento
para Israel, que depende totalmente das importações para a sua política energética:
seja gás, petróleo ou carvão. Até 2010, metade do gás do país era fornecido pelo
111
Neste troço transporta-se anualmente uma média de 30% do gás natural que se consome na Península Ibérica. Além disso, o gasoduto proporciona gás para a produção elétrica de duas centrais de ciclo combinado em Marrocos, que geram 17% da produção marroquina de eletricidade. Desde o seu início, em 1990, através da sociedade de estudos Omegaz Etudes, a EMPL permitiu diversificar a estrutura espanhola de aprovisionamento de gás natural e a de outros países europeus, além de integrar os sistemas gasistas de Espanha e Portugal. Por sua vez, representa um elemento de estruturação económica e cooperação, que une as duas margens do Mediterrâneo com um projeto de grande envergadura e complexidade, integrando quatro países: Argélia, Marrocos, Espanha e Portugal. In: http://www.emplpipeline.com/pt-pt/
94
Egipto. Só com o campo de Tamar, Israel pode esperar satisfazer as suas necessidades
energéticas durante os próximos 25 anos, fazendo com que Benjamin Netanyahu, em
Fevereiro de 2019, descrevesse este campo de gás como "um elemento essencial do
poder estratégico de Israel", pois o Estado judaico pode começar a exportar
hidrocarbonetos. Israel assinou um contrato com a Jordânia e, em Fevereiro de 2018,
um acordo histórico com o Egipto - para alterar permanentemente a posição de Tel-
Aviv na região.
Também no Cairo, em 2015, a descoberta do gigantesco campo Zo0hr, pela empresa
italiana ENI, foi considerada "a maior descoberta de gás no Mar Mediterrâneo". O
Cairo espera, assim, tornar-se um polo regional de exportação de gás para a União
Europeia, que procura reduzir a sua dependência do gás russo.
No Líbano, em Fevereiro de 2018, foram adjudicados contratos de exploração ao grupo
francês TOTAL, em colaboração com a ENI italiana e a NOVATEK russa. Porém, uma das
duas zonas de exploração de hidrocarbonetos, o bloco 9, faz fronteira com as águas
territoriais israelitas. No centro do litígio encontra-se um triângulo de 860 km, que
elevou o “tom” entre as duas costas fronteiriças.
Nos próximos anos, Chipre tornar-se-á não só um grande produtor, mas também, um
importante exportador de gás. Existe contudo, um problema a considerar - a história
da divisão da ilha em 1974. A parte norte da ilha, dominada pela Turquia, é céptica
face ao investimento, visto que este não a consagra. A República de Chipre diz estar
disposta a partilhar as receitas do gás, mas apenas se o conflito entre as duas partes da
ilha for resolvido. Em resposta, a Turquia intensifica as suas declarações belicosas
contra o Governo de Nicósia. No início de 2018, um navio-sonda do petroleiro ENI foi
apreendido durante vários dias pela marinha turca para impedir a sua intenção de
perfurar ao largo da ilha, o que suscitou a reprovação da União Europeia e de
Washington, ambos com fortes interesses no projecto.
PRINCIPAIS ROTAS DE TRANSPORTE MARTITIMO
No que respeita às rotas de abastecimento vindas do Médio Oriente, estas devem
sempre atravessar o Estreito de Ormuz, quer rumem ao Ocidente - usando a rota do
95
Cabo ou o Canal do Suez, tendo de passar pelo estreito de Bab-El-Manbeb, exposto à
pirataria, circundado pelo Iémen, Somália, Djibuti e Eritreia, - quer rumem ao Oriente –
recorrendo ao Estreito de Malaca. Como rota alternativa para escoamento do petróleo
do Golfo Pérsico pode ser utilizado o oleoduto TAPLINE de 745 milhas de extensão,
que corre no sentido leste-oeste, através da Arábia Saudita, Jordânia, Síria até Sidon
no Líbano, desembocando no Mediterrâneo. Existe igualmente, o gasoduto que
transporta petróleo e gás natural do Iraque para o porto sírio de Banias, chegando por
fim ao Mar Mediterrâneo. O canal do Suez tornou-se menos vantajoso devido à
instabilidade, apesar do SUMED que vai do terminal de Ain Sokhna no Golfo de Suez,
perto do Mar Vermelho, ao largo de Sidi Kerir, em Alexandria no Mar Mediterrâneo,
fornecendo uma alternativa ao Canal de Suez para o transporte de petróleo da região
do Golfo Pérsico para o Mediterrâneo. No que respeita ao Qatar este abastece os seus
vizinhos, os Emiratos Árabes Unidos e Omã, através de um gasoduto transfronteiriço
DOLPHIN.
O Estreito de Ormuz possui apenas 63km de comprimento e 40 km de largura unindo o
Golfo Pérsico ao Golfo de Omã, desembocando no Oceano Índico. Este estreito é
responsável por um terço do tráfego marítimo de petróleo ao qual acresce o de gás
natural. A sua estreiteza e a área regional onde se encontra – entre a costa iraniana e o
enclave de Musandam112 – faz com que seja um grande desafio internacional à luz dos
princípios da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (UNCLOS) de 1982,
uma vez que ambas as margens assinaram a Convecção, mas não a ratificaram.
Neste complexo xadrez que são os recursos energéticos, a Turquia procura disputar o
Mediterrâneo Oriental e assegurar o controlo dos mesmos. Criando alianças com o
Qatar, o Norte do Chipre e o Governo de Acordo Nacional líbio - com vista a expandir a
sua ZEE e englobar Creta e Rodes, - e estreitando de laços com a Rússia e o Irão, que
vêem com bons olhos a tomada de posição turca como modo de assegurar e
constranger a Europa na sua ambição de autonomia em gás e petróleo. A reação à
Turquia não se fez tardar e surgiu com uma iniciativa, diremos inesperada: a criação de
um Fórum de Gás do Mediterrâneo Oriental (EGMS), dedicado à exploração conjunta
112
Trata-se de um enclave que se encontra em território dos Emiratos Árabes Unidos, mas que pertence a Omã e que lhe permite ter o controlo sobre o Estreito de Ormuz.
96
dos recursos presentes na região, combinando as ZEE de Chipre, Grécia, Israel, Itália,
Jordânia, Egipto e Autoridade Palestiniana, e a construção de um gasoduto que
forneça a Europa e diminua a sua dependência face à Rússia e à Síria113. A Iniciativa
conta ainda, com a França como Membro e com a União Europeia, os Estados Unidos e
o Banco Mundial como observadores.
O poder da Grécia encontra-se em fase de expansão tendo esta decidido exercê-lo pela
primeira vez, nas últimas décadas de forma decisiva. Exemplo disso, é a Criação do
Fórum Philia (amizade) em Fevereiro de 2021. A iniciativa conta com a presença do
Egito, Chipre, França, Bahrein, Emirados Árabes Unidos, Arábia Saudita e Jordânia, com
o objetivo de estreitar os laços entre os países participantes nas áreas de energia e
segurança, e surge um ano após a criação do EGMS. Ambas as iniciativas visam fazer
face à ideia da Marinha Turca de ‘Pátria Azul’, que constava do documento estratégico
de 2005-2010, e que engloba três vectores: 1) a expansão do domínio marítimo da
Turquia; 2) a afirmação da Turquia como potência marítima no Mediterrâneo; e 3) uma
Turquia recentrada nas relações euro-asiáticas, desenvolvendo relações estratégicas
com a Rússia e a China. Para complicar ainda mais a questão existem fortes suspeitas
entre a Comunidade Internacional sobre os acordos entre a Turquia, a China e o
Paquistão para um programa de instalação de mísseis com capacidade nuclear em solo
turco.
A pressão exercida pela Turquia não se faz sentir apenas no que se refere aos recursos
energéticos, ela visa também os recursos hídricos. A Turquia controla a maior parte da
água corrente no Médio Oriente, uma vez que os rios Tigre e o Eufrates nascem na
Anatólia Central. Ora estes rios têm sofrido desvios para outras regiões da Turquia,
provocando alterações nos seus caudais, afectando sobretudo a Síria e o Iraque.
113
Contra a hegemonia turca, Chipre, Grécia, Israel, Itália, Jordânia, Egipto e a Autoridade Palestiniana, acordaram entre si a formação do Fórum de Gás do Mediterrâneo Oriental, dedicado à exploração conjunta dos recursos através da combinação das suas ZEE, e à construção de um gasoduto para levar o gás natural até à Europa, diminuindo a dependência desta dos fornecedores Rússia e Síria. In: Graça Andrade Ramos- Mediterrâneo Oriental. Gás sobre pressão a Leste da Europa. RTP Notícias. 2020. Disponível em: https://www.rtp.pt/noticias/mundo/mediterraneo-oriental-gas-sob-pressao-a-leste-da-europa_n1256268
97
EAST.MED PIPELINE AND MAJORS PIPELINES
TAPLINE
98
MAGREB – EUROPE PIPELINE
MEDGAZ PIPELINE
99
DOLPHIN GAZ PIPELINE
SUMED PIPELINE
100
PRIMAVERAS ÁRABES
“Me ne vado, Mamma, perdonami,
non servono a nulla i rimproveri mi sono smarrito su questa strada che non mi
appartiene più. Perdonami, madre incolpa questa época crudele, non me. Me ne
vado, e il viaggio e senza retorno. Sono stanco di piangere senza che le lacrime
escano dai miei occhi (…). Sono stanco, ho cercato di dimenticare tutto quel che
è stato. Me ne vado, chiedendomi se questo viaggio mi aiuterà a dimenticare.”
– Mohamed Bouazizi
Nesta secção procuraremos entender quais os motivos que originaram e permitiram as
Primaveras Árabes no Norte de África, bem como as diferenças existentes entre as
revoluções que se lhes sucederam e os motivos pelos quais algumas chegaram a bom
porto e outras tiveram desfechos dramáticos. Por fim, analisamos como estudo de
caso a Líbia, por considerarmos a proximidade desta com o território Europeu e por ser
o palco de ingerência das grandes potências estrangeiras.
As Primaveras Árabes surgem num momento de forte contestação ao poder político
vigente e de escassez de reformas conducentes à melhoria da qualidade de vida das
populações. Trata-se de um “grito” longamente aprisionado, mas não imprevisível em
populações que viviam em regimes autocráticos e que, de um modo ou de outro
ansiavam pela mudança, embora ninguém acreditasse ser possível.
Comecemos pelas origens que permitiram essa mudança, ainda que de forma
inconsciente por parte dos regimes autocráticos. Tal como argumentam Nassim Taleb
e Mark Blyth114, estes sistemas são extraordinariamente vulneráveis em virtude dos
riscos e desafios que se possam desenvolver no seio das suas comunidades. Trata-se,
portanto, de acontecimentos em cadeia que, embora aparentemente suprimidos, se
multiplicam e acrescentam, culminando num grande acontecimento de larga escala
114
TELEB, Nassim & BLYTH, Mark – The Black Swan of Cairo: How suppressing volatility makes the world less predictable and more dangerous. Foreign Affairs (Vol.90 Nº3). 2011. pp.33-39.
101
que em si comporta todos os restantes. Na sua génese, este acontecimento é por
natureza imprevisível e é aí que reside a sua força intrínseca. À sucessão de
aconteciemtos os autores chamaram de – agente catalítico. A abertura levada a cabo
pelo Egipto e pela Tunísia, permitindo, sempre sob o controlo do regime, um certo
grau de autonomia de expressão, de acção social e económica, fez com que existissem
estruturas com uma certa capacidade para num momento de ruptura poderem
mobilizar movimentos sociais numa revolução contra o regime vigente. Na visão dos
regimes, este processo de liberalização política tratava-se de uma estratégia muito
usada pelos países do Norte de África, que visava melhorar a sua imagem a nível
internacional e fazer crer que uma evolução liberal seria possível nestes países. Porém,
sem permitir que a mesma acontecesse realmente e mantendo um controlo apertado
sobre as instituições. Deste modo, essas instituições faziam parte da manutenção dos
próprios regimes. A excepção a esta visão é precisamente a Líbia, como iremos ver
mais tarde.
- RAZÕES ECONÓMICAS
Do ponto de vista económico, toda a região se encontrava flagelada pelo aumento
drástico dos bens alimentares e da energia. De acordo com os índices da FAO, o milho
aumentara 75%; o trigo 84%, o açúcar 77% e os óleos e gorduras 57%. A energia teve
um aumento de 29% no período de 2009-2010, e estimava-se um aumento de 34%
para o período de 2010-2011, acrescem as elevadíssimas taxas de desemprego,
sobretudo nas camadas jovens da população. De acordo com os dados do World
Factbook CIA (2020), apresentaremos alguns índices que nos permitirão uma visão
abrangente dos países em causa, a saber:
Líbia115: Importância dos três grandes sectores no PIB nacional: Agricultura -
1.3%; Indústria - 52.3%; e Serviços - 46.4%. Cerca de um terço da população
115 Sobre o Panorama económico da Líbia, o documento da CIA diz o seguinte: A economia da
Líbia, quase inteiramente dependente das exportações de petróleo e gás, tem lutado desde
2014, dada a instabilidade política e de segurança, as perturbações na produção de petróleo, e
o declínio dos preços mundiais do petróleo. O dinar líbio perdeu muito do seu valor desde 2014
e o fosso resultante entre as taxas de câmbio oficiais e do mercado negro estimulou o
crescimento de uma economia paralela e contribuiu para a inflação. O país sofre de cortes de
102
Líbia encontra-se abaixo do limiar de pobreza e a taxa de desemprego ronda os
30%. O deficit nacional corresponde a -25.1% do PIB. Os principais países
exportadores são: Itália (19%), Espanha (12,5%), França (11%), Egipto (8.6%),
China (8.3%) USA (4.9%), Reino Unido (4.6%) e Holanda (4.5%). Os bens
transacionados são preferencialmente petróleo e gás natural. Quanto aos
países importadores: China (13.5%), Turquia (11.3%), Itália (6.9%), Coreia do Sul
(5.9%), Espanha (4.8%). Os bens importados pela Líbia são: maquinaria, bens
semi-processados, bens alimentares, equipamentos de transporte, bens de
primeira necessidade.
Argélia116: Importância dos três grandes sectores no PIB nacional: Agricultura -
13.3%; Indústria – 39.9%; e Serviços - 47.9%. A taxa de pobreza ronda os 23% e
energia generalizados, causados pela escassez de combustível para a produção de energia. As
condições de vida, incluindo o acesso a água potável, serviços médicos, e habitação segura,
diminuíram desde 2011. A produção de petróleo em 2017, atingiu um pico de cinco anos,
impulsionando o crescimento do PIB, com a produção média diária a subir para 879.000 barris
por dia. No entanto, os níveis de produção de petróleo mantêm-se abaixo dos máximos médios
pré-Revolução de 1,6 milhões de barris por dia. O Banco Central da Líbia continuou a pagar
salários governamentais a uma maioria da mão-de-obra líbia e a financiar subsídios para
combustível e alimentos, resultando num défice orçamental estimado de cerca de 17% do PIB
em 2017. A baixa confiança dos consumidores no sector bancário e na economia como um todo
conduziu a uma grave escassez de liquidez.
116 Sobre o Panorama económico da Argélia, o documento da CIA diz o seguinte: A economia
da Argélia continua dominada pelo Estado, um legado do modelo de desenvolvimento
socialista pós-independência do país. Nos últimos anos, o governo argelino suspendeu a
privatização das indústrias estatais e impôs restrições às importações e ao envolvimento
estrangeiro na sua economia, prosseguindo uma política explícita de substituição de
importações. Os hidrocarbonetos têm sido desde há muito a espinha dorsal da economia,
representando cerca de 30% do PIB, 60% das receitas orçamentais, e quase 95% das receitas de
exportação. A Argélia tem as 10 maiores reservas de gás natural do mundo - incluindo a 3ª
maior reserva de gás de xisto - e é o 6º maior exportador de gás. Encontra-se em 16º lugar em
reservas petrolíferas comprovadas. As exportações de hidrocarbonetos permitiram à Argélia
manter a estabilidade macroeconómica, acumular grandes reservas em moeda estrangeira, e
manter uma dívida externa baixa enquanto os preços mundiais do petróleo eram elevados.
Com preços de petróleo mais baixos desde 2014, as reservas cambiais da Argélia diminuíram
mais de metade e o seu fundo de estabilização do petróleo diminuiu de cerca de 20 mil milhões
de dólares no final de 2013, para cerca de 7 mil milhões de dólares em 2017, que é o mínimo
legal. A queda dos preços do petróleo também reduziu a capacidade do governo de utilizar o
crescimento impulsionado pelo Estado para distribuir rendas e financiar generosos subsídios
públicos, estando o governo sob forte pressão para reduzir as despesas. Nos últimos três anos,
103
a taxa de desemprego os 11.7%. O deficit nacional corresponde a -9.6% do PIB.
Os principais países exportadores são: Itália (13%), França (13%), Espanha
(12%), EUA (7%), Reino Unido (7%), India (5%) e Coreia do Sul (5%). Os bens
transacionados: petróleo em bruto, petróleo refinado e fertilizantes. Quanto
aos países importadores: China (18%), França (14%), Itália (8%), Espanha (8%),
Alemanha (5%) e Turquia (5%). Os bens importados correspondem a: petróleo
refinado, trigo, material médico, leite, peças de veículos.
Egipto117: Importância dos três grandes sectores no PIB nacional: Agricultura -
11.7%; Indústria - 34.3%; e Serviços - 54%. A taxa de pobreza ronda os 27.8% e
o governo decretou aumentos incrementais em alguns impostos, resultando em aumentos
modestos nos preços da gasolina, cigarros, álcool, e certos bens importados, mas absteve-se de
reduzir os subsídios, particularmente para programas de educação, saúde, e habitação. Argel,
aumentou as medidas proteccionistas desde 2015, para limitar a sua factura de importação e
encorajar a produção interna de indústrias não petrolíferas e de gás. Desde 2015, o governo
impôs restrições adicionais ao acesso a divisas estrangeiras para importações, e quotas de
importação para produtos específicos, tais como automóveis. Em Janeiro de 2018, o governo
impôs uma suspensão indefinida na importação de cerca de 850 produtos, sujeita a revisão
periódica. O Presidente BOUTEFLIKA anunciou no Outono de 2017, que a Argélia pretende
desenvolver os seus recursos energéticos não-convencionais. A Argélia tem lutado para
desenvolver indústrias sem hidrocarbonetos devido à regulamentação pesada e à ênfase no
crescimento impulsionado pelo Estado. A Argélia não aumentou as exportações de não-
hidrocarbonetos, e as exportações de hidrocarbonetos diminuíram devido ao esgotamento dos
campos e ao aumento da procura interna.
117 Sobre o Egipto: Ocupando o canto nordeste do continente africano, o Egipto é dividido pelo
vale do Nilo, altamente fértil, onde se desenvolve a maior parte da actividade económica. A
economia do Egipto foi altamente centralizada durante o governo do antigo Presidente Gamal
Abdel NASSER, mas abriu-se consideravelmente sob os antigos Presidentes Anwar EL-SADAT e
Mohamed Hosni MUBARAK. A agricultura, os hidrocarbonetos, a manufactura, o turismo e
outros sectores de serviços impulsionaram a actividade económica relativamente diversificada
do país. Apesar do registo misto do Egipto para atrair investimento estrangeiro nas últimas
duas décadas, as más condições de vida e as limitadas oportunidades de emprego contribuíram
para o descontentamento público. Estas pressões socioeconómicas foram um factor
importante que conduziu à revolução de Janeiro de 2011, que expulsou MUBARAK. O ambiente
de segurança e político incerto desde 2011, restringiu o crescimento económico e não
conseguiu aliviar o desemprego persistente, especialmente entre os jovens. No final de 2016, a
persistente escassez de dólares e a diminuição da ajuda dos seus aliados do Golfo levaram o
Cairo a recorrer ao FMI para um programa de empréstimo de 3 anos, no valor de 12 mil
milhões de dólares. Para garantir o acordo, o Cairo lançou a sua moeda, introduziu novos
impostos, e cortou os subsídios energéticos - tudo isto empurrou a inflação acima dos 30%
104
o desemprego os 7.86%. O deficit nacional corresponde a -8.6% do PIB. Os
principais países exportadores são: EUA (9%), Emirados Árabes Unidos (6%),
Itália (6%), Turquia (6%), Arabia Saudita (6%), India (5%). Os bens
transacionados: petróleo em bruto e refinado, gás natural, ouro e fertilizantes.
O Egipto importa da: China (15%), Rússia (7%), EUA(6%), Arabia Saudita (6%),
Alemanha (5%) e Turquia (5%). Os bens com maior procura são: petróleo
refinado e em bruto, trigo, automóveis e medicamentos embalados.
Marrocos118: Importância dos três grandes sectores no PIB nacional: Agricultura
-14%; Indústria – 29.5%; e Serviços – 56.5%. Possui uma taxa de pobreza fixada
nos 15% e uma taxa de desemprego que ronda os 9.23%. O deficit nacional
durante a maior parte de 2017, uma alta que não tinha sido observada numa geração. Desde a
flutuação da moeda, o investimento estrangeiro nos títulos do tesouro do Egipto com juros
elevados aumentou exponencialmente, aumentando tanto a disponibilidade do dólar como as
reservas do banco central. O Cairo será desafiado a obter investimento estrangeiro e local na
indústria transformadora e noutros sectores sem um esforço sustentado de implementação de
uma série de reformas empresariais.
118 Sobre Marrocos: Marrocos capitalizou a sua proximidade com a Europa e os custos de uma
mão-de-obra relativamente baixos, na construção de uma economia diversificada, aberta e
orientada para o mercado. Os sectores-chave da economia incluem a agricultura, turismo,
aeroespacial, automóvel, fosfatos, têxteis, vestuário, e subcomponentes. Marrocos aumentou o
investimento nos seus portos, transportes e infra-estruturas industriais para se posicionar como
centro e corredor de negócios em toda a África. Estratégias de desenvolvimento industrial e
melhorias de infra-estruturas - mais visivelmente ilustradas por um novo porto e uma zona de
comércio livre perto de Tânger - estão a melhorar a competitividade de Marrocos. Nos anos 80,
Marrocos era um país fortemente endividado antes de implementar medidas de austeridade e
reformas pró-mercado, supervisionadas pelo FMI. Desde que assumiu o trono em 1999, o Rei
MOHAMMED VI presidiu a uma economia estável marcada por um crescimento constante,
baixa inflação e desemprego em queda gradual, embora as más colheitas e dificuldades
económicas na Europa tenham contribuído para um abrandamento económico. Para
impulsionar as exportações, Marrocos celebrou um acordo bilateral de comércio livre com os
EUA em 2006, e um acordo de estatuto avançado com a UE em 2008. Em finais de 2014,
Marrocos eliminou os subsídios à gasolina, ao gasóleo e ao fuelóleo, reduzindo drasticamente
os gastos que pesavam sobre o orçamento e a conta corrente do país. Os subsídios ao gás
butano e a certos produtos alimentares continuam em vigor. Marrocos também procura
expandir a sua capacidade de energia renovável com o objectivo de tornar renovável mais de
50% da capacidade de produção de electricidade instalada até 2030. Apesar do progresso
económico de Marrocos, o país sofre de elevada taxa de desemprego, pobreza e
analfabetismo, particularmente nas zonas rurais. Os principais desafios económicos para
Marrocos incluem a reforma do sistema educativo e do sistema judicial.
105
corresponde a -3.6% do PIB. Os principais países exportadores são: Espanha
(23.2%), França (22.6%) Itália (4.5%) e EUA (4.2%). Marrocos exporta: vestuário
e têxteis, automóveis, componentes elétricos, produtos químicos, transístores,
minerais em bruto, fertilizantes, produtos petrolíferos, citrinos, vegetais e
peixe. E importa de - Espanha (16.7%), França (12.2%), China (9.2%), EUA
(6.9%), Alemanha (6%), Itália (5.9%) e Turquia (4.5%) – essencialmente,
petróleo em bruto, tecido têxtil, equipamento de telecomunicações, trigo, gás
natural, electricidade e plástico.
Tunísia119: Importância dos três grandes sectores no PIB nacional: Agricultura -
10.1%; Indústria – 26.7%; e Serviços – 63.8%. A taxa de pobreza ronda os 15.5%
e a taxa de desemprego os 15.5%. O deficit nacional corresponde a -5.8% do
PIB. Os principais países exportadores são: França (32.1%), Itália (17.3%) e
119 Sobre a Tunísia: A economia da Tunísia - estruturalmente concebida para favorecer
interesses instalados - enfrentou uma série de desafios expostos pela crise financeira global de
2008, que ajudou a precipitar a revolução da Primavera Árabe de 2011. Após a revolução e
uma série de ataques terroristas, incluindo no sector do turismo do país, as barreiras à inclusão
económica continuaram a aumentar o lento crescimento económico e o elevado desemprego.
Após uma experiência infeliz com políticas económicas socialistas nos anos 60, a Tunísia
concentrou-se no reforço das exportações, do investimento estrangeiro e do turismo, que se
tornaram fundamentais para a economia do país. As principais exportações incluem agora
têxteis e vestuário, produtos alimentares, produtos petrolíferos, químicos e fosfatos, com cerca
de 80% das exportações destinadas ao principal parceiro económico da Tunísia, a UE. A
estratégia da Tunísia, juntamente com investimentos em educação e infra-estruturas,
alimentou décadas de crescimento anual do PIB de 4-5% e de melhoria do nível de vida. O
antigo Presidente Zine el Abidine BEN ALI (1987-2011) continuou com estas políticas, mas à
medida que o seu reinado se baseou no compadrio e na corrupção, o desemprego aumentou, e
a economia informal cresceu. A economia da Tunísia tornou-se cada vez menos inclusiva. Estas
queixas contribuíram para o derrube do BEN ALI em Janeiro de 2011, deprimindo ainda mais a
economia da Tunísia à medida que o turismo e o investimento diminuíam acentuadamente. O
governo tunisino continua sob forte pressão para impulsionar rapidamente o crescimento
económico a fim de mitigar os desafios socioeconómicos crónicos, especialmente os elevados
níveis de desemprego juvenil, que têm persistido desde a revolução de 2011. Os sucessivos
ataques terroristas contra o sector do turismo e as greves dos trabalhadores no sector dos
fosfatos, que em conjunto representam quase 15% do PIB, abrandaram o crescimento de 2015
a 2017. Tunis, procura aumentar o investimento estrangeiro e trabalha com o FMI através de
um acordo de Facilidade de Financiamento Alargada, para corrigir as deficiências fiscais.
106
Alemanha (12.4%). As exportações referem-se a vestuário, produtos semi-
acabados, têxteis, produtos agrícolas, produtos químicos, hidrocarbonetos e
equipamento elétrico. As importações provêm de: Itália (15.8%), França
(15.1%), China (9.2%), Alemanha (8.1%), Turquia (4.8%), Argélia (4.7%) e
Espanha (4.5%). Importa sobretudo, têxteis, máquinas e equipamentos,
hidrocarbonetos, produtos químicos e produtos alimentares.
Em suma, estes dados demonstram-nos primeiro, que os índices de pobreza e
desemprego combinados representam uma fatia considerável das populações;
segundo, todos estes países possuem deficit; terceiro, existem dois países europeus
que são comuns em todas as trocas comerciais com os países da região, a saber: Itália
e França; quarto, em todos estes países existe uma carência alimentar de algum tipo,
principalmente de cereais. Podemos assumir que as motivações económicas
desempenharam um forte papel no cômputo geral. Ao verificar estes números, outra
questão se levanta – o fracasso das parcerias levadas a cabo pela EU. Vinte anos de
parcerias, pouco fizeram para alterar genuinamente estes números e produzir medidas
reais e concrectas que visassem a melhoria das condições de vida destas populações.
107
Mesmo a Tunísia, apontada pela própria EU como o exemplo a seguir, os níveis de
riqueza, pobreza, e de distribuição de rendimentos, não tiveram alterações
significativas durante os 20 anos de parcerias.
O estudo de Marco Lagi, Karla Z. Bertrand e Yanner Bar-Yam, intitulado The Food Crises
and Political Insability in North Africa and the Middle East, compara os dados do Food
Price índex com o período das Primaveras Árabes. A agitação social pode reflectir uma
variedade de factores como a pobreza, o desemprego e a injustiça social. As
Primaveras Árabes e os tumultos em 2008, coincidem com grandes picos nos preços
globais dos alimentos. Assim, conclui-se que os preços elevados dos alimentos
possibilitam uma perturbação social global persistente e crescente. Segundo os dados
apresentados, os tumultos tendem a ocorrer sempre que se atinge o limite de 210 no
índex da FAO. Como causas deste aumento são apontadas a especulação dos
investidores e a reconversão de trigo em etanol.
108
Os autores, afirmam que, nos países importadores de alimentos com pobreza
generalizada, as organizações políticas podem ser consideradas como tendo um papel
crítico na segurança alimentar. A falta de segurança mina a própria razão da existência
do sistema político. Uma vez ocorrido, os protestos resultantes podem reflectir a vasta
gama de razões de insatisfação, alargando o âmbito do protesto e mascarando o
desencadeamento imediato da agitação.120 Quando o elo de segurança é quebrado,
devido à escassez generalizada de acesso a alimentos, a própria ligação ao sistema
vigente quebra-se, mesmo face a ameaças de morte. A população tende a não as
considerar dissuasoras, pois possuem um sentimento generalizado de que ‘nada há a
perder’.
120
LAGI, Marco, e Outros – The Food Crises and Political Instability in North Africa and the Middle East. Cambridge: New England Complex Systems Institute. 2011. p.2.
109
DEMOCRACIAS ILIBERAIS
As Primavera Árabes tiveram desfechos e velocidades distintas. Houve regimes que
souberam adaptar-se rapidamente e levar a cabo algumas das medidas exigidas pelos
seus povos, como foi o caso da Jordânia e de Marrocos, ambas monarquias. Outros
países não cederam à pressão das ruas e tentaram manter o seu poder a todo o custo
e só em última instância procuraram recorrer a propostas de mudança, mas era já
demasiado tarde, como foi o caso do Egipto e da Líbia. E por fim, houve quem
aguentasse a pressão pedindo ajuda externa e massacrando o seu próprio povo,
mantendo-se desta forma no poder, como é o caso da Síria e do Bahrein. Existem
portanto, diversas Primaveras e nem todas chegaram a bom porto. Procuraremos de
seguida, entender os factores intrínsecos a cada um destes regimes.
Fareed Zakaria, salienta a forma como o Ocidente concebe a democracia como
intimamente ligada ao liberalismo, embora não estejam intrinsecamente associadas
desde a origem. Existem portanto, outras formas de conceber regimes democráticos –
a democracia liberal ocidental pode não ser o destino final na via democrática, mas
110
apenas uma das muitas saídas possíveis121. E hoje em dia, podemos afirmar que a
maioria das democracias são iliberais, numa mistura de democracia, liberalismo,
capitalismo e oligarquia. Zakaria, afirma que nestes países o liberalismo constitucional
conduziu à democracia, mas a democracia não parece trazer o liberalismo
constitucional. À semelhança de outros autores, como James Madison e Alexis de
Tocqueville, que apontavam para o facto de a democracia em si conter a ideia de
tirania e soberania absoluta da maioria, Zakaria, salienta que muitos destes regimes
baseiam-se na ideia de soberania absoluta como representantes máximos dos seus
povos, resultando na centralização da sua autoridade e na repressão. Movem-se tanto
vertical como horizontalmente, na medida em que recorrem aos diversos ramos de
governação, autoridades regionais, empresas privadas e organizações não-
governamentais. Deste modo, qualquer iniciativa que vise uma abertura do sistema
tem sempre como propósito assegurar o regime. Daniel Brumberg é um dos
defensores desta ideia, que assenta numa escolha consciente e estratégica dos
próprios regimes e que em última análise, foi posta em causa nas Primaveras Árabes.
A liberalização política seguida por estes regimes, à excepção da Líbia, pressupõe um
sistema híbrido que conjuga liberalização e autocracia. Na Argélia, assistimos a um
aumento da liberdade de expressão, embora permanecendo o processo de decisão a
cargo da disputa entre a presidência executiva e o exército. Em Marrocos, a Monarquia
controlava o espaço público sob uma pretensa aceitação dos partidos islamitas
moderados, e que, em última análise, conduziu a uma redução do governo eleito
democraticamente e à marginalização do Parlamento. No Egipto, tolerava-se um certo
pluralismo político, embora sobre constante ameaça de repressão. O regime de
Mubarak recorre a privatizações em diversos sectores da economia egípcia, à
marginalização de organizações autónomas e a detenções regulares. Os primeiros
indícios de instabilidade remontam a 2004, quando a classe média urbana do Cairo se
revoltou quanto à possibilidade de um quinto mandato do Presidente e a possibilidade
de passagem do poder a Gamal Mubarak, surgindo então o movimento KEFIYA!
(basta!) que muitos consideram o percursor da revolta, mais tarde extinto. A 6 de
Abril, dão-se greves do sector têxtil em Mahalla al-Kubra, na região do Delta, tendo a
121
ZAKARIA , Fareed – Iliberal Democracy. In: Foreign Affairs. Vol.76. Nº6. 1997. p.23.
111
repressão sido violenta, o que originou o Movimento 6 de Abril, composto por
camadas mais jovens e instruídas e com um grande domínio das redes sociais. Em
2010, surge um outro movimento na sequência do assassinato de Khaled Mohamed
Saed, em Alexandria. No mesmo ano, Mohamed El Baradei, antigo presidente da
Agência Internacional de Energia Atómica, apela à rebelião. As Primaveras Árabes no
Egipto, tiveram a capacidade de reunir todos estes movimentos na Praça Tahrir. Na
Tunísia, eram reprimidas todas as tentativas de liberdade de expressão política fora
dos limites definidos. A economia tunisina encontrava-se de rastos e a família de Ben
Ali controlava todo o sector privado. As manifestações tiveram um grande apoio dos
órgãos locais da UGTT. Por fim, na Líbia, o sistema Jamahiriya não concedia qualquer
espaço político e social.
Tanto a União Europeia como os Estados Unidos acreditaram, durante décadas, que
um reforço das organizações civis e uma maior abertura conduziriam, em última
instância, a uma consciencialização das elites conducente a uma liberalização política
real. O que os países ocidentais não perceberam é que esse propósito convergia com o
dos regimes e lhes assegurava a sua manutenção, ao mesmo tempo que lucravam
economicamente através de fundos, apoios e parcerias bem como, politicamente aos
olhos da Ordem Internacional, sem que na realidade estivessem a abdicar ou a
comprometer as suas estruturas de poder. O papel chave destes regimes, muitos deles
aliados ocidentais no combate contra o terrorismo e em questões de segurança,
servindo como tampão à ameaça, aos olhos ocidentais, de uma transformação
geopolítica e emancipação de movimentos políticos islamitas, permitiu o perpetuar da
situação. A afirmação de Anwar Al-Sadat, permite-nos perceber de forma muito clara,
como os países árabes percepcionam esta ‘abertura’: A Democracia é uma válvula de
segurança para que eu saiba o que os meus inimigos estão a fazer.122
De um modo geral, todos os regimes se caracterizam por um forte legado de
despolitização, baseado num pacto governamental, no qual o Estado prometia
estabilidade – empregos, bem-estar social e segurança – em troca da estabilidade dos
regimes. Esta postura era, em grande parte, financiada pelas receitas do petróleo e por
122
BRUMBERG, Daniel – Democratization versus Liberalization in the Arab World: Dilemmas and Challenges for US. Foreign Policy. Strategic Studies Institute. Us Army College. 2005. p.4.
112
empréstimos de superpotências. O afastamento deliberado do povo no que respeita à
política nacional, tinha por corolário a ilegalização de partidos políticos. A concluir este
processo autocrático, aliava-se a forte componente militar que estabelecia a ordem e
reprimia qualquer tipo de resistência civil ou política.
Não é de somenos referir o facto de que o pluralismo étnico, social e religioso
contribuiu para a sobrevivência dos regimes, que constantemente se aproveitavam
dele para criar instabilidade, e colocar uma facção contra a outra, legitimando desse
modo, o seu poder como único regulador capaz de manter a estabilidade social. Em
última análise, o recurso a uma versão secular do Islão reforçava os poderes do rei ou
do presidente.
REACÇÕES DOS ESTADOS – MEDIDAS
Durante as Primaveras Árabes foram frequentemente apontadas as diversas medidas
tomadas pelos Estados autocráticos na tentativa de apaziguamento e contenção das
revoltas. No caso da Argélia, o governo reduziu os impostos sobre as importações e
diminuiu as taxas sobre o açúcar e o óleo alimentar e implementou medidas de criação
de emprego. O Presidente levantou o estado de emergência em vigor desde 1991 e
anunciou reformas constitucionais. Em Marrocos, a Monarquia propôs alterações
constitucionais e um referendo, estabeleceu uma melhoria das condições económicas
através do aumento do salário mínimo e dos salários do funcionalismo público e,
ainda, um pacote de 150 milhões de euros para subsidiar bens alimentares. Em ambos
os casos, as medidas levadas a cabo pelos regimes, antecipando-se a consequências
mais graves, permitiram que não existisse um confronto directo com os regimes. A isto
devem-se três factores: a rapidez com que reagiram; a legitimidade que possuíam no
seio das suas populações; e as memórias de instabilidade e de guerra civil, no caso da
Argélia.
Na Tunísia, Ben Ali, prometeu não se recandidatar a um novo mandato nas eleições de
2014, e promoveu uma baixa dos preços dos alimentos, um maior acesso à internet e
maior liberdade de imprensa. Em última instância, recorreu a um governo interino de
transição com elementos do regime e da oposição. Na Líbia, foram apresentados
113
programas de criação de emprego jovem; uma maior facilitação de acesso ao crédito;
disponibilização de terrenos para a construção de casas; reformas do código penal;
abertura de um diálogo sobre a Constituição e maior liberdade de imprensa.
No Iémen, recorreu-se ao aumento de salários e emendas à Constituição; foi
concedida maior liberdade para activistas políticos; a garantia de que o Presidente não
passaria o legado ao filho, pretendendo deixar o poder no final de 2011, e propondo a
realização de um referendo a uma nova Constituição seguido de eleições
parlamentares e presidenciais. O Bahrein, distribui dinheiro directamente pelas
famílias; libertou presos políticos e disponibilizou centenas de milhões de euros para
subsidiar produtos alimentares. Por fim, a Jordânia, aumentou os salários e reduziu os
preços dos bens essenciais, através de um pacote financeiro de quase 200 milhões de
dólares.
Estas medidas não só provam o impacto das revoltas das Primaveras Árabes, bem
como a clara consciência por parte dos regimes de quais as medidas que
correspondiam aos anseios das suas populações e a propositada inação demonstrada
durantes décadas.
PRIMAVERAS ÁRABES – MOVIMENTOS SOCIAIS
Gilles Kepel, considera que, para além das múltiplas vicissitudes e do destino particular
de cada uma das seis principais revoltas do Inverno de 2010-2011, podemos distinguir
dois tipos ideais, para cada um dos quais três situações nacionais tendem
respectivamente. O primeiro inclui os Estados do litoral norte-africano oriental -
Tunísia, Egipto e Líbia. A sua característica é o rápido derrube do detentor do poder,
quer ele tenha de ser exilado, encarcerado ou executado. A sociedade civil tem sido
capaz de demonstrar a homogeneidade étnica e confessional, o que tem permitido a
formação, em diferentes graus, de alianças momentâneas de classes sociais que são as
únicas capazes de derrubar o regime, superando temporariamente os seus
antagonismos num momento de entusiasmo. Estes três países são quase
exclusivamente sunitas e de linhagem árabe. (…) O segundo tipo de Estados inclui o
Bahrain, o Iémen e a Síria. Eles estão localizados na metade oriental do mundo árabe,
114
caracterizado por uma desintegração religiosa politicamente mais significativa do que
na África do Norte. Nas revoltas que ali se verificaram foram feitos reféns, imediata ou
gradualmente, pela sedição sectária. Prevaleceu sobre qualquer aliança entre classes
sociais que pudessem ter precipitado a queda do regime.123
Os movimentos sociais das Primaveras Árabes caracterizaram-se por desafios
colectivos à autoridade, por responderem a objectivos comuns e pela sua abrangência
derivada de grandes centros urbanos, de uma maior industrialização destes países e de
taxas superiores de instrução. Os funcionalistas definem estes movimentos como
resultantes de uma pressão estrutural induzida por uma causa exógena ao próprio
movimento. Isto cria um sofrimento generalizado e anomia em massa, de tal modo que
os indivíduos se envolvem numa acção colectiva como mecanismo no lidarem com a
pressão, numa resposta patológica para estabelecer a ordem política.124
A enorme pressão exercida por estes movimentos deixava apenas duas vias possíveis
aos regimes: ou recorriam a concessões (o que a maioria vez numa fase já avançada)
tentando desta forma ‘subornar’ os protestos, ou seria necessário o afastamento dos
seus líderes em prol da manutenção do sistema e do regime.
123
KEPEL, Gilles – Sortir du Chaos: Les Crises en Méditerranée et au Moyen-Orient. Paris: Gallimard. 2018. Pp.166-168. 124
JOFFÉ, George – A Primavera Árabe no Norte de África: Origens e Perspectivas de Futuro. IPRI. 2011. Pp. 96-97.
115
CASO DE ESTUDO LÍBIA
Contexto
A escolha da Líbia como Caso de Estudo prende-se com os seguintes factores: primeiro
as características intrínsecas ao próprio regime, como mencionado supra e que o
diferenciavam dos restantes; segundo, o facto da revolta rapidamente culminar em
guerra civil com diversos grupos armados; terceiro, porque foi a única revolta àrabe
onde o líder foi executado; quarto, pela intervenção concertada ao nível da NATO; e
quinto pelos interesses demonstrados por inúmeras potências externas no conflito.
Uma das especificidades do conflito líbio é a sua homogeneidade. Continua a existir
uma importante população nómada de origem beduína no centro e leste do território,
uma pequena população berbere nas montanhas a ocidente, na fronteia com a
Tunísia, e uma população negra (Tubu), na fronteira com o Chade. Os tuaregues
ocupam um território vasto que se estende da Líbia, ao sul da Argélia, ao Mali, ao
Níger e ao Norte da Nigéria. Do ponto de vista religioso, a população líbia é
esmagadoramente sunita, com tradição sufi no Leste do país. Os grandes centros
populacionais encontram-se na zona costeira, fértil e rica em refinarias e terminais de
petróleo oriundos das zonas interiores. O restante território é desértico e escasso em
população, na sua maioria nómada. O petróleo é a grande riqueza do país e o
responsável pela instabilidade actual em termos geopolíticos. A alta pureza do crude e
o baixo custo de extração tornam o petróleo líbio altamente rentável, sobretudo em
períodos de baixo preço do barril. A Líbia detém uma das maiores reservas de petróleo
em África e é a nona reserva a nível mundial. A Leste, no deserto, situa-se a zona de
maior produção, o campo de Sarir, o qual detém 80% das reservas de petróleo. Na baia
de Sírte existem grandes jazidas off shore, ainda não exploradas. O campo de Al-
Sharara, a Ocidente, é actualmente uma joint-venture entre a NOC (Companhia
Nacional de Petróleo), a REPSOL (Espanha), a TOTAL (França), a OMV (Áustria) e a
STATOIL (Noruega), e produz 315 mil barris por dia, de um total da produção líbia de
830 milhões de barris por dia. No que respeita à produção de gás natural, cifrava-se,
em 2018, em 4.251.071 mil milhões de metros cúbicos, com os seus principais
116
terminais de gás em Mellitah e Benghazi. O pipeline Greenstream atravessa o
Mediterrâneo rumo a Itália.
O Passado Histórico da Líbia
Bastião do Império Otomano até ao seu declínio e a última possessão otomana no
Norte de África, a Líbia é invadida pela Itália em 1911, sob o pretexto de ‘defesa dos
colonos italianos estabelecidos na Tripolitânia’. A história colonial italiana é longa,
embora esta nunca tenha conseguido dominar por completo a Cirenaica, que se
manteve como bastião da resistência. Em 1939, Mussolini incorpora a Líbia no Reino
de Itália, o que fez com que a cidade de Tobruk, junto à fronteira com o Egipto, fosse
cenário de combates decisivos durante a II Guerra Mundial. É neste contexto que entre
1940 e 1943, se defrontaram o Afrikakorps do Marechal Rommel e a tropas inglesas e
aliadas, estacionadas no Egipto, e comandadas pelo General Montgomery. Ao lado dos
aliados, combateram voluntários líbios das forças senússitas de onde provêm o futuro
Rei Idris I. Terminada a guerra, foi concedido ao Reino Unido o protectorado da
Cirenaica e Tripolitânia e à França o reino de Fezan. A situação manteve-se até 1952,
quando a Assembleia Geral das Nações Unidas reconheceu a independência do país125
e a unificação das três regiões. A Líbia adopta um regime de monarquia absoluta,
tendo os ingleses imposto como Rei, o líder religioso dos Senússitas, o Emir Idris, que
reinou entre 1952 a 1969. Em 24 de dezembro de 1951, por reconhecimento das
Nações Unidas, o então Reino Unido da Líbia obtém a independência, libertando-se da
administração militar da Grã-Bretanha e da França, apesar de a Itália ainda ter
procurado obter um mandato para gerir o país. Na consolidação da independência,
estes três países procuraram manter a sua influência sobre a Líbia, sobretudo sobre o
poder político, estimulando desconfianças e ressentimentos nas tribos líbias. O primeiro
Governo, foi constituído por influência britânica, por elementos importantes da tribo
125
A Líbia tornar-se-ia uma monarquia federal, constitucional e hereditária. Com um parlamento bicameral. Este seria composto pela Câmara de Representantes, a serem eleitos pelo povo e pelo Senado, parcialmente nomeados pelo Rei. O Parlamento nomeia os Ministros responsáveis pelos Negócios Estrangeiros e da Defesa. Tripoli e Benghazi tornam-se as duas capitais do Reino, enquanto o território líbio se encontra dividido em três províncias: Tripolitânia, Cyrinaica e Feezan. Cada uma delas governadas por um Wali, governador central, escolhido e nomeado pelo Rei. O Wali responde directamente a um Conselho Lesgislativo eleito nas capitais das regiões – Tripoli, Benghazi e Sebha.
117
Sanussi, implantada na Cirenaica. A monarquia líbia, também ela Sanussi, e respectivo
Governo, mostraram sempre simpatia pelas orientações ocidentais, demonizando o
nacionalismo árabe, que colhia, em meados do século XX, a afeição de parte
significativa dos árabes. Em 1954, a monarquia chegou a ceder a base aérea de
Wheelus, na região de Trípoli, aos EUA, e a base de al-Adhem à França, tendo, após a
descoberta de petróleo, em 1957, exigido as devoluções, suscitando o desagrado
daquelas potências.126
A Líbia permanece com sérios problemas de iliteracia, fornecimento de água e
comunicações no território. Todos estes factores a tornaram profundamente
dependente de ajuda externa, e em última instância, conduziram à reabertura das
bases utilizadas na II Guerra Mundial. Para além disso, o país não possuiu uma unidade
estável, nem uma moeda única, cada uma das três regiões possui a sua moeda, o que
faz com que o Sistema Monetário seja caótico.
Em 1955, com a descoberta do petróleo e a abertura a empresas estrangeiras, as
Nações Unidas elaboraram a lei do petróleo – que consistia em tornar a Líbia livre do
domínio exclusivo ou de lutas permanentes entre as principais sete empresas
petrolíferas à época. Surge a ideia, de uma cooperação estreita entre todas as
empresas a operar na Libia, na partilha de pipelines, refinarias e instalações – é
implementado um cartel único. Este novo sistema de exploração de recursos fez com
que o sistema federal tivesse grandes problemas em sobreviver, uma vez que grande
parte das refinarias se encontravam na Cirenaica, criando um profundo desiquilíbrio
com as outras regiões, nomeadamente Fezan. Em 1963, o Rei aboliu o Sistema Federal
e criou a Companhia Nacional de Petróleo Líbio.
Estes acontecimentos estão na base do golpe militar levado a cabo por Muammar
Kadhafi127 a 1 de Setembro de 1969, com o intuito de restaurar a Ordem social, política
e económica, eliminar a influência das grandes potências ocidentais e introduzir um
novo sistema em conformidade com a tradição islâmica. Kadhafi tornou-se Primeiro-
126
Francisco Xavier F. de Sousa. A Líbia e o Ocidente. Janus 2018-2019. p.2. 127
Filho de beduínos nómadas e jovem oficial do exército. Enquanto estudava em Londres, em 1966, fundou a União dos Oficiais Livres. No regresso à Líbia organizou um movimento político dentro do exército que culminou no golpe de Estado a partir de Sebha , com um grupo de cerca de 70 oficiais e no derrube da monarquia.
118
Ministro da República Árabe Socialista da Libia, Chefe das Forças Armadas e Presidente
do Conselho do Comando Revoluciomário. No seu primeiro discurso Kadhafi profere:
[…] From now on, Libya is deemed a free, sovereign republic
under the name of the Libyan Arab Republic, ascending with
God's help to exalted heights. […] Libyans, stay together against
the enemy of the Arab nation, the enemy of Islam, the enemy of
humanity who destroyed our holy places and shattered our
honour […]128
No ano seguinte, Kadhafi decretou a nacionalização das empresas, dos bancos e dos
recursos energéticos do país. Este período ficou conhecido como o período áureo do
regime.
É comum afirmar-se que o período de declínio se inicia na década de 90, com as
sanções impostas pelas Nações Unidas devido a posições anti-ocidentais do regime e a
ataques terroristas em solo europeu. Contudo, segundo o Embaixador Português na
Líbia, Rui Lopes Aleixo (2007-2012), numa exposição feita, no Instituto de Defesa
Nacional - A riqueza originada pelo petróleo, nos primeiros anos do século XXI traduzia-
se por certas vantagens para a população. Não havia conta de luz na Líbia, porque a
electricidade era gratuita para todos. Os Créditos bancários, dos bancos estatais, eram
sem juros, por lei expressa e de acordo com a tradição islâmica. A casa própria era
considerada direito humano e universal, e o Governo fornecia uma casa ou
apartamento para cada família ou crédito para construir e aumentar as casas.
Os recém-casados recebiam US$ 50.000,00 para comprar casa e iniciar a vida familiar.
A educação e a saúde eram gratuitas, do pré-escolar à Universidade. A qualidade do
ensino era medíocre e dos Curricula escolares faziam parte estudos islâmicos e o
estudo do Livro Verde do Líder, mas representava um enorme progresso em relação à
era pré Kadhafi, em que 75% dos líbios eram analfabetos. Segundo a informação
oficial, em 2010, o número de analfabetos era de 17% e 25 % da população líbia tinha
curso superior. Quem quisesse iniciar actividades agrícolas, recebia terra, casa,
128 LANGE B., Major World Leaders: Muammar Gheddafi, Philadelphia, Chelsea, House Publishers,
2005, pp. 40/42.
119
equipamentos, sementes e gado gratuitamente. Não havia grande procura, diga-se, as
facilidades dadas à população, não estimulava a iniciativa empresarial. Quem quisesse
formar-se no estrangeiro recebia financiamento. O subsídio de nascimento podia
chegar aos US$ 5.000,00. Na compra de automóvel, o estado contribuía com uma
subvenção de 50%. O preço de gasolina era por litro: 0,10 €. Claro que o sistema não
funcionava exatamente como descrito, havia muita corrupção e favoritismo a nível dos
pequenos funcionários. Mas basicamente, funcionava. A Líbia não tinha dívida externa
e as suas reservas eram de 150 mil milhões de dólares. Após a revolução esses valores
foram retidos ou desviados para Bancos estrangeiros, incluindo os investimentos no
exterior e as reservas em ouro.129
Em 1984, o Governo leva a cabo um projecto ambicioso – Great Man Made River –
uma vasta rede de condutas subterrâneas e aquedutos que transporta a água doce das
reservas do sistema aquífero de arenito núbio nas profundezas do Sahara, até à costa
Líbia para uso doméstico, agrícola e industrial. Este projecto, visa reverter a
dependência das zonas costeiras de plantas de dessalinização e de aquíferos já em más
condições e sobretudo alimentados pela água da chuva. O projecto conclui-se em
2002. Porém, possui um carácter finito, pelo que a aposta em infraestruturas de
dessalinização continua a ser premente. O empreendorismo do projecto é ainda hoje,
uma questão de orgulho nacional.
129
Nota: informação disponibilizada em Documento Word no final da apresentação.
120
121
A Ideologia Política
Kadhafi foi um forte apoiante do pan-arabismo de Nasser. A ideia, lançada em 1958 de
uma República Árabe Unida criando um único Estado entre o Egipto e a Síria marcou-o.
Em 1971, por iniciativa de Kadhafi surge a Federação das Repúblicas Árabes que visava
federar a Líbia, o Egipto e a Síria. A iniciativa foi posta a refendo nos respectivos países
e teve a aprovação a 1 de Setembro de 1971, tendo sido extinta em 1977. As
semelhanças com Nasser são inúmeras: ambos chamaram às suas forças free officers;
pressupunham o derrube do Rei; a retirada das forças estrangeiras e da sua influência
no território; a distribuição das terras pela sua população. Deixaram a sua visão
política expressa nas suas obras emblemáticas: Nasser em The Philosophy of
Revolution (1954) e Kadhafi em Green Book (1975). Para ambos, a causa palestiniana
era categórica e reclamava, por si, a necessidade da Unidade Árabe130. Em ambos os
casos, as suas grandes obras visaram o fornecimento de água às suas populações:
Nasser com a construção da Barragem de Assuão (1960- 1970) e Kadhafi com o Great
Man Made River (1984-2002); ou ainda a Nacionalização do Canal do Suez, e a
Nacionalização do Petróleo por Kadhafi.
Em 1955, teve lugar, na Indonésia, a Cimeira de Bandung, onde se forma o Movimento
dos Não-alinhados, tantas vezes referido por Kadhafi.
O nacionalismo árabe sempre acompanhou a visão do líder na necessidade de
glorificar a civilização árabe, ditando o fim da influência ocidental e rejeitando
qualquer dependência dos Estados árabes das grandes potências ocidentais. Apoiou os
mais diversos movimentos de independência africanos, tais, como a: Frente de
Libertação da Eritreia e União Nacional Africana do Zimbabué, forneceu armamento à
Guiné e ao IRA, em 1971, defendendo o direito dos povos à auto-determinação. Criou
laços muito estreitos com os restantes países do Norte de África e foi durante muito
tempo, o garante da paz no Mediterrâneo, contendo a migração para a Europa e o
terrorismo nascente da Al-Qaeda – Kadhafi reconhecia que um dos principais inimigos
130
Em 1970, Kadhafi cria o Fundo Jihad – com o propósito de apoiar a luta armada pela libertação dos territórios ocupados por Israel. Em 1971, enviou soldados líbios para o Líbano apoiando o Governo contra a incursão israelita. Em 1978, refoça a sua presença com mísseis de modo a desencorajar novos ataques.
122
da Líbia era interno e dizia respeito ao fundamentalismo islâmico. De modo a
combatê-lo, elaborou uma estratégia que assentava em três princípios: 1) destruir a
influência dos religiosos e a autoridade da Ulema; 2) rejeitar e condenar as ideias
fundamentalistas; e 3) reprimir com violência, a oposição islamista.131 Em 1999, a Líbia
é autorizada a entrar na Parceria Euro-Mediterrrânica. Embora Kadhafi expressasse
sérias dúvidas quanto à mesma, sobretudo pelo facto de esta ter sido concebida como
uma forma de criar uma zona de paz, estabilidade e segurança no Mediterrâneo, mas
permitir a participação de Israel e a expropriação dos Territórios palestinianos.
Este posicionamento central e particular, fez com que em 2008, na Assembleia de
chefes tribais de todo o Continente Africano fosse tratado como o ‘Rei dos Reis’ e mais
tarde, fosse eleito Presidente na XII Cimeira da União Africana, comprometendo-se
uma vez mais, a levar a cabo a ideia da criação dos Estados Unidos de África, com a
visão de um continente unido e a criação de um Congresso Pan-Africano, um Banco de
Intergração para promover a Unidade Árabe, e a implementação da Comunidade
Económica de África, com uma moeda única e um passaporte comum132. Kadhafi
assinou vários acordos de cooperação com os restantes países árabes: Níger (1997),
Eiritreia (1998), Senegal (1999) e África do Sul (1999). Em 2002, foi estabelecida a
União Africana que visava uma organização regional semelhante à União Europeia. Em
2005, a Líbia aderiu ao Mercado Comum da África Oriental e Austral, criado em 2004,
para pomover a cooperação económica regional e a integração.
131
Os principais grupos fundamentalistas identificados à época eram: Libyan Islamic Group; Libyan Constitutional Grouping; Libyan National Organization; Libyan National Democratic Rally; National Front For Salvation of Libya; Libyan Movement For Change and Reform. Em 2003, após a ocupação do Iraque, foi assinada uma Declaração de Princípios, Fundamentos e Objectivos da Luta Líbia. Os grupos que assinaram a Declaração são: Libyan National Alliance, the Republic Assembly for Democracy and Social Justice; The Libyan Movement for Change and Reform; The Libyan Tmazight Congress e o The National Front For The Salvation of Libya. A 25-26 de Junho de 2005, decorreu em Londres a Conferência Nacional da Oposição Líbia. In: DEL BOCA A. - Gheddafi: una Sfida dal Deserto. Bari: Laterza Ed., 2010. p.255. 132
Notícia do jornal Público. Disponível em https://www.publico.pt/2009/02/03/jornal/muammar-kadhafi-eleito-presidente-da-uniao-africana-e-tratado-como-rei-dos-reis-294008
123
No seu Livro Verde, Kadhafi expôs os conceitos morais e políticos pelos quais se regia.
Ele rejeitava o capitalismo e defendia a participação da população nas decisões do
governo através de Comités Populares. Em 1973, lançou a revolução cultural islâmica
que tinha por base o sistema de Comités Populares – os integrantes dos comités de
base elegiam os comités municipais e regionais. Os Comités Populares e o Congresso
Geral do Povo, constituíam a estrutura do regime que passou a chamar-se a partir de
1977, a Grande Jamahiriya Árabe Popular e Socialista.
Sobre o sistema democrático, o líder levanta algumas questões quanto à sua
legitimidade, considerando que o mesmo reflecte sempre o domínio de uma minoria
sobre a restante população – dá o exemplo da vitória de um candidato com 51%, ou do
recurso a referendos que se resumem à formulação de uma questão em aberto, à qual
se deve responder com um simples sim ou não, sem qualquer tipo de argumentação
ou declaração de intenção. Também o sistema parlamentar é posto em causa por se
tratar de uma barreira legal entre o povo e o poder político, sob pretexto do conceito
de representação, que considera por si só, não democrático. Estabelece deste modo,
um novo princípio – não há substituto para o poder do povo. Neste contexto, os
partidos são encarados como as locomotivas da ‘máquina de governar’, seguindo os
interesses de um determinado grupo, composto por massas símiles que alvejam à
detenção do poder e à protecção dos seus interesses, permitindo uma vez mais, a uma
minoria governar o todo e executar um plano ideológico minoritário. Aos partidos da
oposição, movidos pela ascensão ao poder, resta apenas sabotar as iniciativas do
governo e desacreditar os seus projectos, mesmo que estes sejam proveitosos para a
sociedade. Desta forma, os interesses da sociedade tornaram-se vítimas da luta
partidária pelo poder. Pelo que, Kadhafi, sugere uma terceira via – a Terceira Teoria
Universal – uma forma de democracia popular e directa. O regime adoptaria a seguinte
estrutura: primeiro, o povo divide-se em congressos populares de base. Cada
congresso escolhe o seu Comité. O conjunto desses Comités forma, por sua vez, os
Congressos Populares que escolhem os Comités administrativos responsáveis por
todos os serviços públicos. A responsabilidade recai sobre os Congressos Populares de
Base, a quem compete a elaboração do programa político a seguir, a fiscalização e a
execução. O Congresso Geral do Povo reúne uma vez por ano, com a presença dos
Grupos Executivos dos Congressos Populares, dos Comités Populares e da Uniões
124
Sindicais, onde se discutem questões delicadas e que são novamente, remetidas para o
sistema de base para a sua posterior execução. No que respeita às leis do Estado,
considera que a verdadeira lei de uma sociedade é o costume (tradição) ou a religião.
A constituição não é a lei da sociedade, mas sim uma lei fundamental decretada pelo
Homem e que necessita de uma fundamentação. Para tal, aponta as diferenças entre
Constituições dos mais variados países, como fruto dessa realidade e das disparidades
de concepções entre as diversas ‘máquinas de governar’. A democracia significa a
responsabilidade de toda a sociedade no seu todo – o Povo é a máquina de governar, o
Povo é o seu próprio censor.
- A Base Social: o Socialismo
No seu Livro Verde, Kadhafi, coloca em causa o próprio sistema de dependência entre
o empregador e o trabalhador, pondo em evidência a posição deste último como
assalariado, como alguém que produz sem lucrar com a sua produção e sem vínculo
com a mesma. A solução última, é abolir o sistema assalariado, emancipar o Homem
da sua servidão e regressar à Lei Natural, que regia as relações humanas antes do
aparecimento das classes, formas de governo e leis elaboradas pelos homens (…) A
exploração do Homem é um manifesto afastamento da Lei Natural e o começo da
corrupção e distorção na vida da comunidade humana. É o aparecimento da sociedade
de exploração. A solução apresentada recai na repartição dos lucros. Se cada
elemento da cadeia é essencial para alcançar o produto final, então é lógico que cada
uma dessas partes lucre de igual modo. É premente erradicar a necessidade como
forma de escravidão e exploração. Deste modo, o sistema socialista define-se pelas
seguintes premissas: 1) na sociedade socialista ninguém, incluindo a própria
sociedade, está autorizado a exercer um controle sobre as necessidades do Homem; 2)
não há trabalhadores assalariados, mas apenas associados; 3) a actividade económica
da nova sociedade é a actividade produtiva para a satisfação das necessidades
materiais. Não é uma actividade estéril ou com o objectivo do lucro; 4) o
reconhecimento do lucro é o reconhecimento da exploração em si; 5) a Terra pertence
a todos não sendo propriedade de ninguém.
- Base Social da Terceira Teoria Universal
125
A relação social que se estabelece é igual à relação nacional entre os membros de uma
Nação, pelo que as necessidades sociais comuns têm de ser colectivamente satisfeitas
por movimentos nacionais – a Unidade é a base da sobrevivência.
Assim sendo, estabelece uma hierarquia social assente nos princípios de Família, Tribo
e Nação – em termos sociais a Família é melhor do que a Tribo, a Tribo é melhor do que
a Nação, e a Nação é melhor do que o Mundo. A Nação é o elemento primordial e deve
a sua estrutura social ao nacionalismo, ao tribalismo, à família e ao humanismo.
126
Direito Internacional – Operação área dos EUA contra a Líbia (1986)
Iniciamos a questão referente ao Direito Internacional e ao conflito na Líbia, com o
ataque aéreo levado a cabo pelos EUA contra alvos na Líbia em 1986. Parece-nos a
forma certa, apesar da distância existente entre o acontecimento 1986 e os actuais,
visto tratar-se de alegada auto-defesa face aos ataques terroristas levados a cabo pela
Líbia em território europeu, e que estão na base da rejeição internacional generalizada
face a Kadhafi e ao seu regime, que sofrerá um revés em 2003, passando novamente,
por inimigo do ocidente, aquando as Primavera Árabe.
Kadhafi foi acusado internacionalmente pelos atentados nos aeroportos de Roma e de
Viena, em 1985, perfazendo um total de 19 mortes, pelo ataque bombista à discoteca
La Belle, em Berlim Oriental a 5 de Abril de 1986, culminando na morte de 3 pessoas,
duas das quais militares norte-americanos, tendo sido igualmente, considerado
culpado pela queda do avião PanAm 103 em Lockerbie (Escócia) em 1988, que causou
a morte de 270 pessoas, e resultou na Resolução 731 (1992) de condenação ao
mesmo. Ainda no mesmo ano, as Nações Unidas aplicaram a Resolução 748 (1992)
sobre as proibições de viagens para, ou da Libia, de circulação de aviões da companhia
aérea líbia ou registados como líbios, e de venda de armamento. Em nenhuma das
resoluções existe referência à venda de petróleo. Em 1993, é aplicada a Resolução 883
de congelamento de bens no estrangeiro e dos recursos financeiros derivados da
venda ou fornecimento de petróleo, incluindo gás natural, produtos agrícolas, ou
mercadorias. Em suma, a economia líbia fica de rastos. O bombardeamento levado a
cabo pelos EUA133 ,em 1986, corresponde aos dois primeiros ataques terroristas de
133
A relação entre os Estados Unidos e a Líbia nunca foi fácil. Quando Kadhafi tomou o poder em 1969, os Estados Unidos mostraram ser neutros em relação ao regime que teve origem no golpe de estado. A relação começou a deteriorar-se seriamente sob a Presidência de Gerald Ford, que governou os EUA de 1974 a 1977. De facto, esses foram os anos em que Kadhafi começou a estabelecer contacto com a URSS: por exemplo, em 1974, a Líbia assinou o primeiro importante tratado para a aquisição de armamento da União Soviética. Após a ratificação dos acordos de Camp David em 1979, Kadhafi enviou uma mensagem clara ao Presidente dos EUA Carter: uma vez que os judeus não tinham o direito de ter o seu próprio estado, ele prometeu parar a sua migração para Israel e criar um Estado palestiniano para os palestinianos. Em 2 de Dezembro de 1979, dois mil manifestantes atacaram a embaixada americana em Trípoli. Kadhafi dissociou-se do ataque, culpando as comissões revolucionárias. De modo a não arruinar definitivamente a relação da Líbia com os EUA, condenou os integralistas islâmicos que raptaram cinquenta e dois americanos no Irão. No entanto, em Dezembro de 1979, Carter incluiu a Líbia na lista dos países que têm vindo a fornecer apoio às organizações terroristas. Em 1981, Reagan tornou-
127
Roma e Viena e da Discoteca La Belle. A 22 de Dezembro de 2003, Kadhafi concordou
em assinar um protocolo adicional ao Tratado de Não Proliferação de Armas Atómicas,
permitindo o acesso de inspectores da Agência Internacional de Energia Atómica ao
território líbio, com o objectivo de desmantelar quaisquer armas existentes – químicas,
biológicas e atómicas- bem como, a destruição dos mísseis de alcance superior a
300km. Segundo Mohamed El Baradei, o programa nuclear líbio teria recebido
equipamento e know-how do empresário paquistanês Q. Khan e da sua rede no
mercado negro nuclear. Foi-me dito, que a génese do programa nuclear líbio – e de
outros programas de destruição massiva [sic.] de Kadhafi – eram uma retaliação pelos
bombardeamentos aéreos americanos de 1986, durante os quais Hannah, a filha
adoptiva de Kadhafi, morreu134. Quanto ao Programa Nuclear em si, considera-o
embrionário: o programa era pequeno. Disseram-nos que tinham começado a instalar
umas poucas centrifugadoras em cascata apenas para testes, mas só uma – uma
cascata de nove centrifugadoras – estava completa, com sistemas elétricos e
equipamentos ligados. Nenhuma delas fora testada com material nuclear. Os líbios
afirmaram que ainda não haviam começado a construir instalações à escala industrial,
nem qualquer infra-estrutura associada. Nem tinham um programa operacional de
produção de armamento (…) Ao relatar à imprensa o que tínhamos visto, caracterizei o
estado do programa nuclear líbio de embrionário. Mesmo assim, estava preocupado. O
equipamento de enriquecimento de urânio estava montado de forma metódica e
sistemática, obedecendo a um padrão modular que demonstrava que a Líbia estava a
receber assistência externa bastante sofisticada.135
se o novo Presidente dos Estados Unidos da América. Kadhafi, na esperança de restabelecer uma relação positiva com EUA, enviou uma mensagem ao novo Presidente, reclamando a alienação do povo palestiniano e a esperança de que Reagan levasse a cabo uma melhor administração. Além disso, Kadhafi sublinhou que a sua relação com a URSS não significa que teria permitido o acolhimento de bases militares soviéticas na Líbia. No entanto, o governo americano não pretendia abrir um diálogo com o ditador. Em Maio de 1981, os representantes diplomáticos líbios na América foram expulsos do país. A cruzada de Reagan contra a Líbia levou à solidariedade dos países árabes para com Kadhafi. Apesar de ser um Aliado americano, o Egipto não estava disposto a atacar a Líbia com as forças militares americanas, como Reagan pretendia. O confronto entre a Líbia e os EUA deu origem ao bombardeamento americano de Benghazi e Trípoli em 1986. In: OLIVIERI, Enrica – Libya Before and After Gaddafi: an International Law Analysis. Università Ca’Foscari Venezia. 2012. pp.25-26. 134
EL BARADEI, Mohamed – A Era da Mentira: a Verdade Escondida Sobre os Grandes Conflitos Internacionais. Lisboa: Matéria.Prima. 2011. p.182. 135
Ibid., pp.184-185.
128
No mesmo ano, Kadhafi assume a responsabilidade pelo atentado de Lockerbie numa
carta enviada às Nações Unidas, e paga uma indeminização às vítimas no valor de 2.4
mil milhões de euros. Numa entrevista, à BBC, em 2013, conduzida por Guy Smith e
concedida ao filho Saïf Al- Islam, o responsável pelas negociações136, a assunção do
caso surge como uma forma de levantar as sanções existentes:
Saïf – You have to accept, or you had to accept at the time, a responsability,
because you have to accept responsabilities, you have to pay compensation in
order to get rid of sanctions. We did that, not because we are convinced that we
did it, but because of the final exit out of this nightmare.
Smith – So, what you’re saying is that you accept responsability, but you are not
admitting that you did it. [Yes]. And this is all a sham, you’re saying, just to get
sanctions over with so that you can start normal diplomatic relations with the
West.
Saïf – Ok. Ok. Whats wrong with that
Smith – It’s a very cynical way to behave, as a country, isn’t it?
Saïf – First of all. I mean, the americans and the british, they told us to write
that letter. They told us to pay compensation. And then, they opened their
embassies and they restored their relations. They came to us. It was their game.
Not our game.
Há quem considere que os ataques não foram da responsabilidade da Líbia, mas sim,
da Síria de Hafez Al-Assad como forma de se impor no Médio Oriente e em qualquer
discussão sobre a região - After about one month from the Benghazi bombing, it was
clear that Libya was not the country behind all the terroristic attacks, as Reagan
believed. For example, the only terrorist survived after the Fiumicino attack resulted to
have been trained by the Syrian agents. Syria seemed to be also behind the attack of
the dance hall in West Berlin, the episode which was use the most by Reagan to justify
the raid on Libya.137
136
Entrevista disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=BHRKClCWL2U . Ver igualmente o documentário BBC – Hypernormalisation (Adam Curtis) Outubro de 2016. Onde consta o excerto da entrevista selecionado. Timeline: 1.56.18 min. - 1.57.24 min. 137 DEL BOCA A., Gheddafi, una Sfida dal Deserto, Bari, Laterza Ed., 2010, pp. 185/190.
129
Os Estados Unidos recorreram a sanções económicas contra a Líbia e proibições de
comércio entre ambos os países bem como, restrições de circulação. Numa fase
posterior, recorreram ao envio da Sexta Esquadra para o Golfo de Sidra, reivindicado
pela Líbia como parte das suas águas territoriais. No mês de Março 1986, foi realizado
o maior exercício naval na zona, com vários navios de guerra e aviões a entrarem no
Golfo. As forças líbias responderam com disparos e a Frota destruiu instalações em
terra e afundou diversos barcos de patrulha. O ataque aéreo – Operação El Dorado
Canyon, no mês seguinte recorreu a uma transportadora de aeronaves da Sexta Frota
aí sediada, e aviões F-111F baseados no Reino Unido. Os alvos da missão encontravam-
se em Trípoli, Benghazi e a base área de Benina, tendo por objectivo eliminar as
infraestruturas do regime - sistemas de comando e controlo, instalações dos serviços
secretos, comunicações, logística e instalações de formação. Porém, entre as baixas
constam as Embaixadas Finlandesa e Romena e a Residência do Embaixador Suíço138.
Em resposta Kadhafi lançou mísseis contra as bases norte-americanas sediadas em
Lampedusa, de onde foi transmitida a ordem para o ataque. É importante realçar que
a Líbia foi pervenida do ataque americano pelo Governo Italiano de Bennito Craxi:
Durante un convegno sul nuovo accordo Italia-Libia, Giulio Andreotti e il
ministro degli Esteri libico Abdulrahman Shalgam hanno confermato una storia che
circolava da tempo. Nell' aprile del 1986, Craxi avvertì Muammar Gheddafi che gli
americani stavano per bombardare Tripoli: «Non credo di svelare un segreto se
racconto che l' Italia ci informò», dice il ministro, che allora era l' attivissimo
ambasciatore libico a Roma. «Craxi mi mandò un amico per dirmi di stare attenti,
perchè il 14 o il 15 ci sarebbe stato un raid americano contro la Libia». Giulio Andreotti
conferma la circostanza, anche se come al solito adopera una formula abbastanza
ellittica, «l' avvertimento ci fu, credo proprio di sì». Shalgam, da sempre grande amico
dell' Italia, ricorda benissimo che Craxi informò la Libia «due giorni prima dell'
aggressione, forse l' 11 o il 12: ci disse di stare attenti e che l' Italia non avrebbe
permesso di usare il mare e il cielo agli americani per condurre il raid. Shalgam sostiene
che la Libia rispose lanciando il 15 aprile due missili Scud su Lampedusa, «perché gli
138
The Economist. 19 Abril de 1986. Pp.18-23.
130
Stati Uniti usarono Lampedusa per colpirci: la Libia reagì contro gli Stati Uniti, non
contro l' Italia».139
À luz do Direito Internacional, os EUA alegaram o exercício legítimo do direito de
autodefesa. No entanto, o mesmo foi visto aos olhos de parte da Comunidade
Internacional, incluindo os Estados Árabes como agressão e reacção excessiva do uso
da força. De forma a analisar o caso recorremos a conceitos do Direito Internacional, a
saber: o direito à autodefesa; a definição de agressão; a declaração de relações
amistosas entre Estados (Resolução 2625), à regra Webster; ao requisito da
necessidade e proporcionalidade e ao direito à represália.
1) A Tese da Autodefesa
Como dito supra, o ataque aéreo surge no seguimento de ataques terroristas
perpetrados em solo europeu, e que provocaram baixas civis entre as quais cidadãos
americanos. De acordo com a posição norte-americana existiam provas de que outros
ataques terroristas teriam sido evitados, pelo que existia uma alegada continuidade
dos actos140. Quando os nossos cidadãos são abusados ou atacados em qualquer parte
do mundo sob as ordens directas de um regime hostil, nós responderemos enquanto eu
139
Artigo do La Repubblica, de Vicenzo Nigro, 31 de Outubro de 2008. - https://ricerca.repubblica.it/repubblica/archivio/repubblica/2008/10/31/1986-quando-craxi-penso-di-attaccare-la.html 140
President’s address to the Nation (14 Abril 1986) Consultar: https://millercenter.org/the-presidency/presidential-speeches/april-14-1986-speech-nation-air-strikes-against-libya. Parte do Discurso de Ronald Reagan: “Há várias semanas, em Nova Orleães, avisei o Coronel Kadhafi de que iríamos responsabilizar o seu regime por quaisquer novos ataques terroristas lançados contra cidadãos americanos. Mais recentemente deixei claro que responderíamos assim que determinássemos de forma conclusiva quem era responsável por tais ataques. A 5 de Abril em Berlim Ocidental, uma bomba terrorista explodiu numa discoteca frequentada por militares americanos. O Sargento Kenneth Ford e uma jovem turca foram mortos e 230 outros ficaram feridos, entre os quais cerca de 50 militares americanos. Esta brutalidade monstruosa é apenas o último acto no reinado de terror do Coronel Kadhafi. As provas são agora conclusivas de que o bombardeamento terrorista da discoteca La Belle foi planeado e executado sob as ordens directas do regime líbio. A 25 de Março, mais de uma semana antes do ataque, foram enviadas ordens de Trípoli ao Gabinete do Povo Líbio em Berlim Oriental para conduzir um ataque terrorista contra os americanos para causar o máximo e indiscriminado número de vítimas. Os agentes da Líbia plantaram então a bomba. A 4 de Abril, o Gabinete do Povo alertou Trípoli de que o ataque seria levado a cabo na manhã seguinte. No dia seguinte reportaram a Trípoli o grande sucesso da sua missão. As nossas provas são directas; são precisas; são irrefutáveis. Temos provas sólidas sobre outros ataques que Kadhafi planeou contra as instalações e diplomatas dos Estados Unidos e até turistas americanos. Graças à estreita cooperação com os nossos amigos, alguns deles foram impedidos. Com a ajuda das autoridades francesas, abortámos recentemente um desses ataques: um massacre planeado, utilizando granadas e armas ligeiras, em civis à espera de vistos numa embaixada americana.”
131
estiver nesta Sala Oval. A autodefesa não é apenas um direito nosso, é também um
dever nosso. É o propósito da missão empreendida esta noite, uma missão totalmente
coerente com o Artigo 51 da Carta das Nações Unidas.141 Contudo existem dúvidas
quanto à sua invocação, que afirma:
Nada na presente Carta prejudicará o direito inerente de legítima
defesa individual ou colectiva, no caso de ocorrer um ataque armado
contra um membro das Nações Unidas, até que o Conselho de
Segurança tenha tomado as medidas necessárias para a manutenção da
paz e da segurança internacional. As medidas tomadas pelos membros
no exercício desse direito de legítima defesa serão comunicadas
imediatamente ao Conselho de Segurança e não deverão, de modo
algum, atingir a autoridade e a responsabilidade que a presente Carta
atribui ao Conselho para levar a efeito, em qualquer momento, a acção
que julgar necessária à manutenção ou ao restabelecimento da paz e da
segurança internacional.142
Tendo em conta o Art.2(4) da Carta das Nações Unidas, bem como o Art. 3 (b)(f) da
Resolução 3314 (1974) que define o conceito de agressão:
Art.2 (4) - Os membros deverão abster-se nas suas relações
internacionais de recorrer à ameaça ou ao uso da força, quer seja contra
a integridade territorial ou a independência política de um Estado, quer
seja de qualquer outro modo incompatível com os objectivos das Nações
Unidas.
Art.3 (b) - Bombardeamento pelas forças armadas de um Estado
contra o território de outro Estado ou a utilização de quaisquer armas
por um Estado contra o território de outro Estado.
Art.3 (f) - The action of a State in allowing its temtory, which it
has placed at the disposal of another State, to be used by that other
State for perpetrating an act of aggression against a third State.
141
Ibid. 142
Art. 51 da Carta das Nações Unidas. 1945.
132
Podemos concluir que o uso de força por parte dos EUA teve por alvo a integridade
territorial da Líbia, e quanto à questão da independência política, não ficaram claras as
genuínas intenções do ataque. Sendo que, foi apontada a possibilidade de o mesmo
poder culminar na morte do líder o que seria uma clara violação do Direito
Internacional. Acreditamos que esta acção preventiva contra as suas instalações
terroristas não só diminuirá a capacidade do Coronel Kadhafi para exportar terror,
como também lhe dará incentivos e razões para alterar o seu comportamento
criminoso. Não tenho ilusões de que a acção desta noite irá tocar a cortina do reinado
de terror de Kadhafi. Mas esta missão, embora violenta, pode aproximar um mundo
mais seguro e mais seguro para homens e mulheres decentes. Iremos perseverar.143
Outro momento que corrobora esta possibilidade é o facto de o Palácio Presidencial
ter sido um dos alvos e ter morto uma das filhas adoptivas do Coronel.
No que respeita à versão apresentada, por muitos dos Estados Árabes, de se tratar de
uma agressão a outro Estado, encontra de facto fundamento no Art.3 (b),
comprovando-se que de facto, se tratou de uma agressão. Também a declaração do
Reino Unido144 é censurável de acordo com a aplicação da alínea (f) do mesmo artigo.
Retomando ao Art. 51, a sua aplicação depende de serem satisfeitas três exigências: 1)
a existência de um erro internacional anterior cometido pela Líbia contra os Estados
Unidos, de tal magnitude que justifique o uso da força através da autodefesa; 2) a
necessidade de comprovar o recurso ao uso de força como protecção; 3) que o grau de
força utilizado deve ser proporcional ao original. Ora, os ataques ocorreram em solo
europeu e não em solo americano, apesar de os EUA declarem que evitaram outros
ataques com associação directa ao país, mas não tendo feito prova dos mesmos. Outra
143
President’s adress to the Nation (14 de Abril de 1986). 144
Declarações da Primeira-ministra Britânica, Margaret Thatcher, à Câmara dos Comuns a 16 de Abril de 1986: The United States' action was conducted against five specific targets directly connected with terrorism. It will, of course, be for the United States Government to publish their assessment of the results. However, we now know that there were a number of civilian casualties, some of them children. It is reported that they included members of Colonel Gaddafi 's own family. The casualties are, of course, a matter of great sorrow. We also remember with sadness all those men, women and children who have lost their lives as a result of terrorist acts over the years—so many of them performed at the Libyan Government's behest. (…) The United Nations Security Council met twice yesterday and resumes today. With some significant exceptions, first international reactions have been critical, even to this carefully limited use of force in self-defence, but I believe that we can be pretty certain that some of the routine denunciations conceal a rather different view in reality. Consultar : https://www.margaretthatcher.org/document/106363
133
questão prende-se com o facto de o art.51 mencionar expressamente o direito à
autodefesa apenas na ocorrência de um ataque armado, coisa que também não
aconteceu. Há quem considere que um ataque a nacionais de um Estado fora do seu
território pode ser igualmente considerado um ataque armado ao Estado em causa.
No entanto, a nosso ver um entendimento desse género corre o perigo de permitir um
abuso generalizado do uso da força sem critério. Quanto ao princípio de
proporcionalidade e necessidade, os críticos consideram neste último, que os EUA
dispunham de outros meios de afirmação e de controlo que não implicavam
forçosamente o uso de força; quanto à proporcionalidade seriam necessárias provas
de um ataque iminente, com um grau elevado de agressividade por parte da Líbia que
pudesse justificar um ataque aéreo altamente destrutivo. O ataque aéreo seria apenas
justificável nas seguintes condições: 1) com o intuito de evitar uma campanha Líbia de
ataques terroristas contra cidadãos e alvos nos Estados Unidos e que o mesmo se
tratava de um acto iminente, pelo que o ataque deveria acontecer no imediato; 2)
nenhum outro meio seria eficaz ou estaria disponível num curto espaço de acção de
tempo; 3) que o uso de força foi proporcional face à gravidade do ataque programado.
2) Direito à Represália
O Direito Internacional permite que um Estado utilize a força como represália.
Comummente aceita-se a definição estabelecida no Caso Naulilaa (1928) que prevê: 1)
demonstração de que o Estado alvo era, de alguma forma, responsável pela violação. A
imputabilidade serviu para estabelecer a ligação entre o dano e o acto; 2) a
incapacidade do Estado ferido em assegurar a reparação por parte do Estado infractor
através de meios pacíficos145. Este entendimento generalizado sobre o caso fez com
que o antigo conselheiro especial do Presidente Carter, Lloyd Cutler defende-se a
intervenção nestes termos e não como autodefesa:
The American attacks on Tripoli and Benghazi may be open to
legitimate criticism, both as to strategic wisdom and tactical choice of
urban targets, but there can be no doubt of their legality under
international law. The Government of Libya was directly responsible for
145
Consultar: James Taublee & John Anderson – Reprisal Redux. Case Western Reserve Journal of International Law. Vol.16. 1984. p.312.
134
a deliberate and ilegal attack on American military personnel in Berlin ....
Any nation whose armed forces are attacked by another nation in
violation of the UN Charter has the legal right to take a proportionate
military reprisal.146
Contudo, o princípio de represália não possuiu o consenso necessário, e na maioria dos
casos o Conselho de Segurança não o reconhece como legítimo, como iremos ver. A
Resolução 2625 (1970) referente às Relações Amistosas entre Estados, no seu Art.1
refere:
States have a duty to refrain from acts of reprisal involving the use of
force.
No caso do incidente do Forte de Harib (1964), o Conselho condenou as represálias
como incompatíveis com os objectivos e princípios das Nações Unidas. O Reino Unido
tinha bombardado um forte no Iémen, utilizado para lançar raids contra a Federação
Árabe do Sul (protectorado britânico), alegando que os ataques continuariam e
considerando os antecedentes de ataques acumulados no passado. Desta forma, os
britânicos argumentaram com autodefesa preventiva contra ataques prováveis numa
data futura. O Conselho de segurança censurou a actuação por antecipação, baseada
numa acumulação de acontecimentos e considera a represália ilegal, seguindo a regra
de Webster, segundo a qual o Estado deveria demonstrar que “a necessidade de
legítima defesa é imediata, imprescindível e não deixa escolha de meios, nem tempo
para deliberar. Outro caso com repercussões semelhantes foram o Canal de Corfu e o
Canal do Suez. No primeiro, o Reino Unida alega o direito de recorrer à força para
desobstruir o Canal de minas e obter as provas necessárias para a sua reivindicação
contra a Albânia relativamente à exploração mineira do Canal. O Tribunal Internacional
rejeitou o uso da força como manifestação política e os abusos que daí decorrem e que
os Estados não se podem substituir ao Direito Internacional, independentemente das
suas falhas. Na Crise do Canal do Suez (1956) a França e o Reino Unido alegaram
possuir o direito ao uso da força em nome da Comunidade Internacional para proteger
o Canal, o que foi veementemente condenado. Pelo que, podemos considerar que o
146
Lloyd Cutler. Letter. In: The Times (31 May 1986).
135
Conselho de Segurança tem rejeitado a ideia do direito de recorrer a represálias
envolvendo o uso da força. Assim sendo, a ideia levantada pelos Estados Unidos de
levar a acabo um ataque em benefício da comunidade e não em defesa do seu
território deixa dúvidas. A resolução 41/38 (1986) de condenação do ataque levado a
cabo pelos EUA afirmava:
“[…]gravely concerned at the aerial and naval military attack perpetrate
against the cities of Tripoli and Benghazi on 15 April 1986, which constitutes a
serious threat to peace and security in the Mediterranean region, […] condemns
the military attack perpetrate against the Socialist People’s Libyan Arab
Jamahiriya […], which constitutes a violation of the Charter of the United
Nations and of international law, […] [and] affirms the right [of Libya] to receive
appropriate compensation for the material and human losses inflicted upon it.
Obteve nove votos a favor da Bulgária, China, Gana, Congo, Madagáscar, Tailândia,
Trinidad, Rússia e Emirados Árabes Unidos; os votos contra da Austrália, Dinamarca,
França, Reino Unido e Estados Unidos e uma abstenção da Venezuela. A resolução não
foi adoptada devido aos votos contra de três membros permanentes do Conselho.
Direito Internacional – Características do Conflito Armado (2011- )
A 15 de Janeiro de 2011 deflagra a Primavera Árabe na Líbia. A Revolução Líbia eclodiu
com a prisão de Fathi Trbil a 14 de Fevereiro, advogado de Defesa das vítimas do
massacre na prisão de Abu Salim (1996). Kadhafi fez o seu primeiro discurso após a
queda de Mubarak, afirmando que:
Todos os Regimes mantidos pelos países Ocidentais como o Egipto,
estavam destinados a cair porque têm relações pacíficas com Israel.
Acrescentou que o Ocidente não podia destruir o Estado Líbio e que todos os
muçulmanos tinham que lutar contra este. Afirmou também que as massas se
manifestavam contra o Colonialismo Ocidental. 147
147
ADLY F. - La Rivoluzione Libica. Dall’Insurrezione di Bengasi alla Morte di Gheddafi, Milano, Il
136
Os acontecimentos seguiram-se de forma galopante: a 17 de Fevereiro as forças de
segurança líbias já não controlavam a situação em Benghazi, culminando em
repressões sangrentas das manifestações. Foram cortados todos os canais de
comunicação – internet, linhas telefónicas, electricidade e fornecimento de
combustível. Em Tobruk (Cirenaica) os militares prometeram não disparar sobre os
manifestantes e tomaram o aeroporto de modo a impedir intervenção externa por
parte do regime. No espaço de três dias a zona costeira oriental foi libertada e a
maioria das forças militares passou para o lado dos rebeldes. O regime de Kadhafi
ordenou o bombardeamento de Benghazi, mas o exército recusou. A recusa fez com
que o líder recorresse a mercenários para assegurar a ordem. Foi criado o Conselho
Nacional de Transição que responderia pela Revolução. A 26 de Fevereiro, o Conselho
de Segurança adoptou a resolução 1970148 condenando o Governo Líbio, impondo a
Saggiatore Ed, 2012. Pp.88-89. 148
O Conselho de Segurança destacou os seguintes pontos na parte preâmbulo: - Exprimir grave inquietação pela situação na Líbia, e condenar a violência e uso da força contra os civis; Reprovar a violação flagrante e sistemática dos direitos humanos, incluindo a repressão às manifestações pacíficas e também rejeitando incitamento à hostilidade e violência contra os civis, por parte do governo líbio; A recepção dos votos de condenação pela Liga Árabe, União Africana e a Organização da Conferência Islâmica, em favor das graves violações dos direitos e o direito humanitário pelo governo líbio; A validação da Resolução do Conselho dos Direitos Humanos A/ HRC/RES/S-15/1 de 25 de março de 2011, na qual o Conselho recomendou à Assembleia Geral excluir a Líbia e decidiu enviar uma comissão independente para investigar todas as alegações de violações dos diretos humanos e identificar os responsáveis; Os ataques sistemáticos poderiam resultar em crimes de guerra; Inquietação sobre a má condição dos refugiados forçados a escaparem da violência e da falta de remédios; e A responsabilidade do governo em proteger a população; Nesse contexto, podemos observar que o direito de intervenção humanitária era um dos pontos mais controversos na política internacional (RICOBOM, 2010). Ressalte-se a situação no Kosovo e a polémica sobre a Resolução do Conselho 1244, de 10 de junho de 1999. Além disso, a situação no Ruanda, onde não houve êxito na intervenção humanitária, desencadeando uma Guerra Civil, em 1993-1994. O então secretário-geral da ONU, Kofi Annan, propôs à comunidade internacional o estabelecimento de regras sobre quando a intervenção deveria ocorrer, quem a chefiaria e como funcionaria. O governo canadiano organizou uma comissão internacional sobre a intervenção e soberania estatal em setembro de 2000, visando elucidar essa questão. Em 2002, a comissão lançou o relatório chamado “A Responsabilidade de Proteger”. - A referência ao artigo 16 do Estatuto do Tribunal Penal Internacional possibilitando uma investigação 12 meses depois do pedido do Conselho de Segurança; Inquietação sobre a segurança dos cidadãos estrangeiros e seus direitos - A responsabilidade primária ressalta a manutenção da paz e segurança; e as medidas tomadas submetem-se ao Capitulo VII, artigo 41 da Carta; Na parte operativa, o Conselho de Segurança destacou os seguintes pontos: Insistência no cumprimento das reclamações legítimas do povo líbio; Impulsionar as autoridades da Líbia a agirem com a máxima cautela, respeitarem os direitos humanos e o direito internacional humanitário e autorizarem monitores de direitos humanos; Garantir a segurança dos estrangeiros desejosos em sair do país e roga a todos os membros da ONU pela cooperação; Assegurar o trabalho das agências humanitárias e o provimento dos remédios; Encaminhar a situação da Líbia ao promotor público do TPI e determinar que as autoridades tenham a obrigação de cooperar; - Solicitar a todos os Estados para que cooperem com a Corte; Pedir a todos os Estados para que respeitem o embargo de armas conforme artigo 41 da Carta; Empossar-se e confiscar todo o material encontrado em violação e encaminhar um relatório ao Comitê estabelecido conforme parágrafo 24 desta Resolução. Impedir viagens à Líbia que
137
proibição de viagens, embargo de armas, e congelamento de bens. A 17 de Março,
nova resolução 1973 reclamando a Responsabilidade de Proteger e estabelecendo uma
No Fly Zone. A 19 de Março dá-se o bombardeamento levado a cabo pela NATO; a 15
de Maio de 2011,a libertação de Misrata. A 16 de Agosto de 2011, Tripoli estava
circundada pelos rebeldes e a 21 de Agosto, foi ocupada pelos insurgentes. A 20 de
Outubro, a caravana onde seguia Kadhafi foi alvo de ataque aéreo e o seu líder
capturado e morto pelos rebeldes. A 7 de Julho de 2012 deram-se as primeiras
votações, ganhas pelo National Forces Alliance of Jibril. A 16 de maio de 2014, o
General Khalifa Haftar, líder de uma força militar que designa de Exército Nacional
Líbio, com o apoio do Egito e dos Emirados Árabes Unidos, lança uma operação contra
os grupos 'jihadistas' em Benghazi. Vários oficiais da região oriental reúnem forças
paramilitares. A 25 de junho 2014, depois de novas eleições, o Congresso Geral
Nacional é substituído por um parlamento dominado por anti-islamitas. Em dezembro
de 2015, depois de um mês de negociações, representantes da sociedade civil e dos
deputados assinam em Skhirat (Marrocos) um acordo patrocinado pela ONU. É
proclamado um Governo de União Nacional. A março de 2016, O Governo de União
Nacional, cujo primeiro-ministro é Fayez al-Sarraj e tem o apoio da ONU, da Turquia e
do Qatar instala-se em Trípoli. Mas na parte oriental, um governo paralelo, liderado
pelo marechal Haftar, apoiado pela Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Egipto,
EUA, França e Rússia, continua a opor-se ao regime da capital. A situação permanece
tensa, com inúmeros avanços e recuos até que a 10 de Março de 2021, o Parlamento
aprova o Governo de Unidade Nacional liderado por Mohamed Al-Menfi como
Presidente do Conselho e Abdul Hamid Dbeideh como Primeiro-Ministro líbio.
possam contribuir com a violação dos direitos humanos; Impedir a viagem de pessoas mencionadas no Anexo I e congelamento de bens das pessoas no Anexo II; e Pedir com insistência a todos os Estados que facilitem a assistência humanitária. 148
Reafirma a Resolução de 1970 e introduz novas intenções: O Conselho condenou atos de violência e intimidação contra os jornalistas e profissionais de saúde, e solicitou às autoridades líbias o cumprimento de suas obrigações para com os ditames do direito internacional humanitário, como delineado pela Resolução 1736, de 23 de dezembro de 2006, intitulada “A Proteção dos Civis em Conflitos Armados”; Desaprovação do uso contínuo de mercenários e solicitação para que todos os estados cumpram com suas obrigações, conforme o parágrafo 9° da resolução 1970; Exige, mais uma vez, que as autoridades cumpram suas obrigações, em conformidade com o direito internacional, direito internacional humanitário, como os direitos humanos e o direito dos refugiados, para que todos os civis sejam protegidos e lhes seja fornecida assistência humanitária; Estabelecer uma zona de exclusão aérea para melhor proteção da população civil; e Requerer ao Secretário Geral da ONU o estabelecimento de um painel de oito peritos para que assistam o Comitê referido no parágrafo 24° da Resolução 1970.
138
Aplicação do Direito Internacional
Por guerra civil entende-se um conflito violento dentro de um país entre grupos
organizados que visam tomar o poder central, ou uma região, ou para mudar as
políticas do governo. Trata-se de um conflito interno de alta intensidade, muitas vezes
envolvendo forças armadas regulares, que é sustentado, organizado e de grande
escala.
O Segundo Protocolo das Convenções de Genebra enquadra os conflitos armados de
caracter não internacional (CANI), no Nº1 Art.1, do seguinte modo – conflitos que se
desenrolem em território de uma Alta Parte Contratante, entre as suas forças armadas
e forças armadas dissidentes ou grupos armados organizados que, sob a chefia de um
comando responsável, exerçam sobre uma parte do seu território um controlo tal que
lhes permita levar a cabo operações militares contínuas e organizadas.
Por mínimo de intensidade entende-se: a seriedade dos ataques; a mobilização das
forças governamentais; o facto de o conflito ter sido objeto de análise e/ou resoluções
do Conselho de Segurança da ONU; a necessidade de civis obrigados a fugir das zonas
de combate; as armas utilizadas; o bloqueio de cidades/vilas e a existência de acordos
de cessar-fogo. No que respeita à organização das partes exige-se que o grupo armado
tenha estrutura de comando ou regras disciplinares; a existência de um quartel-
general; um controlo efectivo sobre parte do território; o acesso a armas e
equipamento militar, recrutas e treino militar; a capacidade de coordenar e executar
operações militares; e capacidade por parte das estruturas de negociar e concluir
acordos de cessar-fogo ou de paz.
É sabido que estes conflitos podem sofrer uma internacionalização, caso se trate de
um conflito armado interno, que eclode no território de um Estado, pode tornar-se
internacional se:
i) outro Estado intervém nesse conflito através das suas tropas,
139
ii) (ii) alguns dos participantes no conflito armado interno agem em nome de
outro Estado.149
Em suma, todos estes factores tiveram lugar no conflito líbio.
Tanto os insurrectos como os movimentos de libertação nacional pertencem à
categoria de grupos armados não estatais. Os insurrectos possuem uma estrutura
organizada que, através de uma acção colectiva armada, tem como propósito o
derrube do Governo legítimo do Estado. Possuem personalidade jurídica internacional
enquanto durar a insurreição. Caso esta falhe estão sujeitos à lei vigente do país onde
decorre a insurreição. No que diz respeito às normas costumárias, os insurgentes
podem celebrar acordos internacionais com outros actores internacionais, não
estatais, como é o caso das Nações Unidas e da Cruz Vermelha. Quanto capturados
encontram-se ao abrigo do Art. 43(2) e Art.44 (1) do Protocolo Adicional I, e o Art. 4 da
Convenção de Genebra III, que os consagra como Prisioneiros de Guerra.
Art. 43 (2) - Os membros das forças armadas de uma Parte num conflito
(que não o pessoal sanitário e religioso citado no artigo 33.º da Convenção III)
são combatentes, isto é, têm o direito de participar directamente nas
hostilidades.
Art.44 (1) - Qualquer combatente, nos termos do artigo 43.º, que cair em
poder de uma Parte adversa é prisioneiro de guerra.
Art. 4 - Os membros das outras milícias e dos outros corpos de
voluntários, incluindo os dos movimentos de resistência organizados,
pertencentes a uma Parte no conflito operando fora ou no interior do seu
próprio território, mesmo se este território estiver ocupado, desde que estas
milícias ou corpos de voluntários, incluindo os dos movimentos de resistência
organizados, satisfaçam às condições seguintes:
a) Ter à sua frente uma pessoa responsável pelos seus
subordinados;
b) Ter um sinal distintivo fixo que se reconheça à distância;
c) Usarem as armas à vista;
d) Respeitarem, nas suas operações, as leis e usos de guerra.
149
Appeals Chamber, Tadic (IT-94-1-A), sentença de 17.07.1999
140
Por natureza, o conflito onde participam é definido como conflito cívil, uma vez que
não se trata de um outro Estado e o Art.1 da Declaração sobre a Inadmissibilidade de
Intervenção e Interferência nos Assuntos Internos dos Estados, refere-se apenas à
proibição de interferência por parte de outro Estado ou Estados. Porém, como é
sabido, estes conflitos podem adquirir estatudo internacional, uma vez que os
insurrectos podem celebrar acordos internacionais, pelos quais o conflito adquire esse
estatuto. Além disso, o poder que os inssurectos adquirem sob o território torna-os
uma entidade internacional não permanente, mas uma vez mais, não é o suficiente
para o Estado alvo reinvindicar o direito de não-intervenção. Outra questão
importante, e que não foi cumprida no caso Libio, é o facto de os rebeldes
considerados insurgentes não poderem usufruir de assistência militar por parte de
Estados Terceiros. Entre Estados é apenas permitido a ajuda ao Estado vigente. Este
princípio pode apenas ser invertido se se comprovar o direito à auto-determinação, e
aí sim, Estados Terceiros estão autorizados a prestar ajuda humanitária, económica e
ajuda militar limitada. Neste caso, os rebeldes podem estar presentes como
observadores permanentes e gozam de imunidade de protecção, mas não podem
dispor dos recursos naturais no território por eles ocupado. O Art. 1 (4) do Protocolo
Adicional I, estabelece os casos em que o Estatuto é aplicável:
Art.1(4) - Nas situações mencionadas no número precedente estão
incluídos os conflitos armados em que os povos lutam contra a dominação
colonial e a ocupação estrangeira e contra os regimes racistas no exercício do
direito dos povos à autodeterminação, consagrado na Carta das Nações Unidas
e na Declaração Relativa aos Princípios do Direito Internacional Respeitante às
Relações Amigáveis e à Cooperação entre os Estados nos termos da Carta das
Nações Unidas.
Ora, os rebeldes libios não se enquadram na definição.
Existem, portanto duas formas de reconhecimento internacional, o declarativo e o
constitutivo. O primeiro, trata-se de um mero acto político, através do qual uma
entidade ou múltiplas entidades mostram a sua vontade de estabelecer relações
diplomáticas, bilaterais ou multilaterais, o segundo, respeita à formalização de
tratados com a parte revoltosa. Este reconhecimento acarreta o da própria
141
beligerância, o que por si só consagra a aplicação das normas e convenções
internacionais no conflito. A partir deste momento, os insurrectos seriam tratados
como sujeitos internacionais subjugados aos direitos e deveres do Jus in Bellum
(normas que regulam o conflito armado) e do Jus ad Bellum (normas que regulam o
uso da força).
Podemos concluir que no conflito da Libia os rebeldes têm o estatuto de insurgentes e
que não se lhes aplica o Direito à Autodeterminação; tanto em Tripoli como Misrata foi
reconhecido o direito de beligerância; muitos Estados reconheceram o Conselho
Nacional Transitório, estabelecendo relações diplomáticas; o Conselho de Segurança
pronunciou-se com Resoluções adoptadas por Estados Terceiros, e a Assembleia Geral
da Nações Unidas decidiu reconhecer a Assembleia Nacional do Conselho Transitório
como o único representante da Líbia e assim a Guerra foi transposta para o plano
Internacional, culminado na Responsablidade de Proteger.
PRINCÍPIO DA RESPONSABILIDADE DE PROTEGER (R2P)
Os seguintes Artigos da Carta das Nações Unidas já previam a responsabilidade de
proteger, embora a mesma tenha continuado a ser questionada:
Art 55 (c) - O respeito universal e efetivo dos direitos do homem e das
liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou
religião.
Art.56 - Para a realização dos objetivos enumerados no Artº. 55, todos
os membros da Organização se comprometem a agir em cooperação com esta,
em conjunto ou separadamente.
Contudo é com a Resolução 60/147, Basic Principles and Guidelines on the Rights to a
Remedy and Reparation for Victims of Gross Violations of International Human Rights
Law and Serious Violations of International Humanitarian Law, que os Estados se
comprometem a adoptar medidas concrectas e garantes do respeito pelos Direitos
Humanos, investigando e agindo sempre que existam violações grosseiras. É o ínicio do
que viria a ser chamado – Responsbilidade de Proteger.
142
O Relatório intitulado Responsability to Protect150 da Commission on Intervention and
State Sovereignty, teve por base a guerra do Kosovo e os desafios sentidos na relação
entre a protecção dos direitos humanos e a soberania do Estado. Deste modo na
defesa dos civis torna-se evidente a responsabilidade do Estado, e a adopção do
princípio segundo o qual os Estados Soberanos têm o dever de proteger os seus
cidadãos contra catástrofes evitáveis, fome, violação, assassinato em massa, limpeza
étnica, genocídio, crimes de guerra e crimes contra a humanidade. Em caso de inacção
ou incapacidade por parte do Estado, compete à Comunidade Internacional velar
sobre esses direitos. Cabe, portanto, ao Conselho de Segurança agir como estipulado
no Art.24(1) da Carta das Nações Unidas:
. Art. 24(1) - A fim de assegurar uma ação pronta e
eficaz por parte das Nações Unidas, os seus membros conferem ao
Conselho de Segurança a principal responsabilidade na manutenção da
paz e da segurança internacionais e concordam em que, no
cumprimento dos deveres impostos por essa responsabilidade, o
Conselho de Segurança aja em nome deles.
A Responsabilidade de Proteger assenta em três pilares claros: Prevenir, Agir e
Reconstruir. Prevenir as razões que podem causar danos aos povos à priori; agir no
caso da população se encontrar numa situação definida supra, através de uma
resposta rápida e apropriada; reconstruir prestando assistência à recuperação do
Estado. Estas linhas são oficializadas na Resolução 60/1 (2005).
O Relatório do Secretário-geral, Implementing the Responsability to Protect, afirma:
Cada Estado individual tem a responsabilidade de proteger as suas populações contra
genocídio, crimes de guerra, limpeza étnica e crimes contra a humanidade. A
Comunidade Internacional deve ajudar os Estados no exercício dessa responsabilidade
e no desenvolvimento das suas capacidades de protecção. Quando um Estado
manifestamente falhou, confirmou-se que a Comunidade Internacional estava
150
Disponivel em: http://web.gc.cuny.edu/dept/rbins/ICISS/index.htm
143
preparada para tomar medidas colectivas de forma atempada e decisiva através do
Conselho de Segurança de acordo com a Carta das Nações Unidas.151
Somente o Conselho de Segurança pode autorizar o uso da força. Quanto à NATO
compete-lhe salvaguardar a paz e a segurança no mundo, em conformidade com os
princípios da Carta das Nações Unidas. Assim sendo, temos visto que muitas das
resoluções viram a sua concretização através da Aliança Atlântica. No Conceito
estratégico de 2010, afirma-se que durante uma Crise Internacional, ou insurreição,
que ameace o equilíbrio e a segurança do Sistema Internacional, a Aliança tem o
direito a intervir e restabelecer a paz.152
No caso da Líbia, as tarefas a cargo da NATO, eram: 1) controlar o embargo de armas
previsto nas resoluções do Conselho de Segurança; 2) patrulhar a zona de interdição
do espaço aéreo; 3) proteger os civis.
O uso da força em casos de Responsabilidade de Proteger sobrepõe-se ao Art. 2(4) da
Carta das Naçõe Unidas, e o ataque armado é justificado se autorizado pelo Conselho
de Segurança. Porém, deve respeitar os seguintes critérios: autoridade certa; causa
justa; intenção certa; último recurso; meios proporcionais e perspectivas razoáveis. A
Comissão estabelece igualmente os casos em que a intervenção armada não é
justificável: casos de descriminação racial sistemática; prisão ou repressão de
opositores políticos; casos em que a população manifestou a vontade de estabelecer
um regime democrático por via de um Golpe de Estado; casos em que um Estado
intervenha militarmente para salvar nacionais noutro Estado153. Ora, parece-nos que a
Libia se enquadra nas excepções que injustificam o uso da força.
A Intervenção
151
A/63/677, 12th January, Report of the Secretary-General on “Implementing the Responsibility to Protect”. 152
CANNIZZARO E. – La Nuova Dottrina Strategica della NATO e il ruolo dell’ Alleanza Atlantica nelle Crisi Intenazionali. In: Rivista di Diritto Iternazionali. Vol. XCIV (1). 2011. p.171. 153
International Commission on Intervention and State Sovereignty – The Responsability to Protect. International Development Research Center. Canada. 2001. p.34.
144
Uma semana após o início da Revolução, a União Africana e o Conselho de Segurança
para a Paz apelaram às Autoridades líbias para a necessidade de proteger os civis e
cessar as claras violações dos Direitos Humanos, condenando o uso da força contra
manifestantes e reconhecendo as aspirações do povo líbio. O Relatório da Comissão
Internacional de Inquérito para Investigar todas as presumíveis violações de Direitos
Humanos na Líbia (A/HRC/17/44), no período compreendido entre 15 a 24 de
Fevereiro de 2011, é apresentado a 12 de Janeiro de 2012.154
A União Africana criou um Comité Ad Hoc de Alto Nível155, responsável por procurar
uma solução diplomática para o problema, rejeitando a intervenção militar no
território e autorizando apenas a interdição do espaço aéreo. Porém, com o início dos
154
A comissão destacou as seguintes violações graves no que concerne aos direitos humanos e humanitários: A força desproporcional contra manifestantes, resultando em mortos e feridos, infringindo o direito à vida, à incolumidade das pessoas, liberdade de reunião e expressão; As forças pró-governo detiveram arbitrariamente muitas pessoas, em contrariedade ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, em seu artigo 9º; O governo da Líbia promoveu o desaparecimento de manifestantes anti Kadhafi, infringindo mais uma vez os acordos sobre direitos humanitários e humanos; A prática de tortura e outras formas de tratamento cruel, desumano e degradante, foram cometidas por ambos os lados; O acesso a tratamento médico foi impedido pelo governo, o que demonstra uma violação grave da garantia de acesso à saúde; O governo líbio cometeu graves ataques a jornalistas, impedindo-os de divulgar as suas matérias para o exterior; As forças governamentais cometeram ataques indiscriminados contra civis, além de abusar dos distintivos das Convenções de Genebra durante o conflito; A Comissão conclui que estrangeiros foram contratados como mercenários pelo governo de Kadhafi; Trabalhadores imigrantes subsaarianos foram maltratados durante os conflitos, por terem sido considerados mercenários pelos manifestantes anti-Kadhafi; A falta de legitimidade das autoridades líbias para proteger essa categoria de trabalhadores se dirige à responsabilidade de Estado; A Comissão não pôde verificar precisamente os casos de estupro e também o aliciamento de menores para o conflito armado; A comissão concluiu que muitas violações cometidas poderiam ser qualificadas como crimes de guerra, de acordo com o estatuto do TPI. Também foi valorado que as forças do governo cometeram mais crimes internacionais que seus opositores; e A Comissão determinou que não poderia identificar os responsáveis pelas infrações, como requerido pela Comissão de Direitos Humanos. A Comissão emitiu as seguintes recomendações ao governo líbio: Cessar imediatamente todos os atos de violência contra os civis; Investigar paulatinamente todas as violações presumidas do direito internacional dos direitos humanos e direito internacional humanitário, e, particularmente, combater execuções extralegais e arbitrárias, desaparecimentos e tortura, respeitando todas as garantias e procedimentos judiciais; Absolver incondicionalmente todos os indivíduos que participaram de manifestações pacíficas e revelar o nome dos civis mantidos sob custódia; Viabilizar reparações por quaisquer danos, de modo adequado, às vítimas e a seus familiares; Assegurar acesso irrestrito aos locais de detenção a todas as organizações humanitárias e de direitos humanos, para que realizem entrevistas aos detentos, sem constrangimento ilegal; e Garantir que todas as leis da Líbia estejam em conformidade com o direito internacional de direitos humanos. A Comissão exige do Conselho Transnacional: Controle severo dos armamentos sob posse dos civis; e Respeito e facilitação do acesso aos necessitados e enfermos pelos órgãos humanitários. 155
PSC/PR/COMM(CCLXI). 23 de Fevereiro de 2011. União Africana.
145
bombardeamentos, a sua missão foi impossibilitada, bem como o seu papel na
resolução do conflito.156
A 26 de fevereiro de 2011, o Conselho de Segurança emite a resolução 1970, exigindo
o fim dos massacres e mencionando pela primeira vez a Responsabilidade de Proteger.
Ao mesmo tempo, cresceram as condenações à situação na Líbia por parte da Liga
Árabe, União Afircana, Organização da Conferência Islâmica e do Conselho dos Direitos
Humanos das Nações Unidas, com a resolução A/HRC/S-15/L. Em 17 de Março, é
emitida uma nova resolução 1973, exigindo um cesar-fogo imediato, e invocando a
Responsabilidade de Proteger. O Conselho autoriza os Estados Membros a agirem a
nível nacional ou regional com o intuito de garantir a protecção do povo líbio nas zonas
sob ataque das tropas de Kadhafi. Contudo, a ocupação de qualquer território líbio é
proibida.
Member States that have notified the Secretary-General of the League of
Arab States, acting nationally or through regional organizations or
arrangements, to take all necessary measures to enforce compliance with the
ban on flights imposed by paragraph 6 above.157
O uso de força está autorizado. A 8 de Março, a NATO aumentou a vigilância no
Mediterâneo, ainda no seguimento da Resolução 1970, recorrendo à Operação
UNIFIED PROTECTOR, responsável por garantir a interdição do espaço aéreo e o
embargo de armas. A 31 de Março, assumiu o controlo definitivo de qualquer iniciativa
de esforço militar na Líbia. A 20 de Outubro, Kadhafi morre no seguimento do
bombardeamento de um dos comboios onde seguia e, no dia seguinte, a NATO
anuncia a sua retirada no final do mês dando como terminada a sua missão e
alcançado o seu objectivo.
A resolução 2009, de 16 de Setembro de 2011, encerra o ciclo. O Conselho de
Segurança reconhece os esforços e relembra ao Conselho Nacional de Transição as
suas responsabilidades para com o povo líbio, decretando uma missão de apoio das
Nações Unidas (UNSMIL) aos esforços nacionais líbios na restauração da segurança e
156
DEMBINSKI, M. & REINOLD, T. – Libya and the Future of the Responsability to Protect – African and European Perspectives. Peace Research Institute Frankfurt. Nº107. 2011. p.11. 157
S/RES/1973, 17 Março de 2011, Security Council, p.3.
146
no percurso democrático. A 23 de Outubro, o Conselho Nacional Transitório declarou a
Líbia um país livre e a NATO terminou as suas operações aéreas na sequência da
resolução 2016.
Do exposto podemos concluir que a intervenção da NATO foi além da mera protecção
de civis, uma vez que a ajuda prestada culminou no derrube do regime e na morte de
Kadhafi, em clara violação com os princípios que regiam o conflito armado. A
Responsabilidade de Proteger não pode ser usada como meio para derrubar regimes.
De acordo com o Direito Internacional, Estados Terceiros não podem fornecer
assistência militar aos insurgentes, o que aconteceu. De todas as Primaveras Árabes, a
Libia foi a única na qual a Comunidade Internacional teve influência no desfecho.
Alguns Estados que reconheceram o Conselho Nacional de Transição afirmaram que o
objectivo final da intervenção era o derrube de Kadhafi.158 Num artigo publicado no
New York Times, em co-autoria de Barack Obama, David Cameron e Nicolas Sarkozy, os
líderes reafirmam: Não se tratar de remover Kadhafi à força. Mas é impossível
imaginar um futuro para a Líbia com Kadhafi no poder.
“[…] our duty and our mandate under UN Security Council Res. 1973 is to
protect civilians, and we are doing that. It is not to remove Gaddafi by force. But it is
impossible to imagine a future for Libya with Gaddafi in power. […] It is unthinkable
that someone who has tried to massacre his own people can play a part in their future
government. The brave citizens of those towns that have held out against forces that
have been mercilessly targeting them would face a fearful vengeance if the world
accepted such an arrangement. It would be an unconscionable betrayal. Furthermore,
it would condemn Libya to being not only a pariah State, but a failed State too. […]
There is a pathway to peace that promises new hope for the people of Libya — a future
without Qaddafi that preserves Libya’s integrity and sovereignty, and restores her
economy and the prosperity and security of her people. […]Today, NATO and our
partners are acting in the name of the United Nations with an unprecedented
international legal mandate. But it will be the people of Libya, not the U.N., who choose
their new constitution, elect their new leaders, and write the next chapter in their
history. […] ”.159
158
PAYANDEH, M. - The United Nations, Military Intervention, and Regime Change in Libya. Journal of International Law. VOl 52 (2). 2012. p.382. 159
BARACK OBAMA, DAVID CAMERON, NICOLAS SARKOZY, Libya’s Pathway to Peace, New York Times, 14th April, 2011. In: http://www.nytimes.com/2011/04/15/opinion/15iht-edlibya15.html?_r=0.
147
A Resolução 1973 no 2º parágrafo é clara: Sublinha a necessidade de intensificar os
esforços para encontrar uma solução para a crise que responda às exigências legítimas
do povo líbio e observa as decisões do Secretário-Geral de destacar um Enviado
Especial para a Líbia, e do Conselho de Paz e Segurança da União Africana de enviar o
seu Comité ad hoc de Alto Nível sobre a Líbia com o objectivo de facilitar um diálogo
que conduza às reformas políticas necessárias para encontrar uma solução pacífica e
sustentável. Ora as legitimas aspirações do povo líbio eram o derrube do governo e a
mudança de regime.
Os insurgentes não poderiam ter sido ajudados ou protegidos à luz do Direito
Internacional. Por último, as diferenças gritantes ao abrigo da Responsabilidade de
Proteger no caso Líbio, e de nada fazer no caso Sírio. Não é só por ter as costas quentes
que Bashar Al-Assad usa e abusa da força contra o seu povo. É também por saber que
a NATO está de pés atados na Líbia e que não há hipótese, a curto prazo, de uma
resolução punitiva no Conselho de Segurança. Assad sabe que a Síria é demasiado
importante na segurança do Médio Oriente para que a ‘Responsabilidade de Proteger’
tantas vezes invocada pela ‘Comunidade Internacional’, possa ali ser posta em
prática.160
Podemos assumir que ambas as intervenções, a de 1986 levada a cabo pelos EUA e
pelo Reino Unido, e a de 2011 pela Comunidade Internacional levantam sérias dúvidas
à luz do Direito Internacional, que ainda é a única forma de reger os conflitos.
160
PIRES DE LIMA, Bernardo – A Síria aos Pedaços. Lisboa: Tinta-da-China. 2016. p.68.
148
CONSIDERAÇÕES
Como é sabido a reacção da EU à crise na Líbia foi lenta, fraca e dividida. Entre as
medidas empreendidas talvez as mais importantes tenham sido a criação de um
gabinete de ligação, em Benghazi, e a abertura de uma delegação da EU ao nível
diplomático. Do ponto de vista humanitário, a activação do sistema ECHO permitiu a
facilitação de operações consulares entre os Estados Membros, reunindo e
identificando os meios de transporte necessários para a evacuação de 5.800 cidadãos
europeus. Foi ainda disponibilizada pela Comissão e pelos Estados Membros, uma
verba de 152 milhões de euros em ajuda humanitária e protecção civil, fazendo com
que a EU no seu todo fosse o maior doador humanitário à Líbia. Do ponto de vista
económico sancionatório, a EU aplicou todas as sanções do Conselho de Segurança,
tendo ido mais além com novas sanções da sua autoria. Por fim, do ponto de vista da
segurança, a EU criou a EUFOR Líbia, com o intuito de assegurar o trânsito de pessoas
em marcha, e as evacuações necessárias, e apoiar as agências humanitárias em quatro
áreas definidas: 1) escolta de comboios humanitários; 2)evacuação de trabalhadores
pertencentes às organizações humanitárias; 3) assegurar a segurança do aeroporto de
Misrata; 4) garantir que a ajuda humanitária chegasse e circulasse.
Em suma, procuramos distinguir a actuação da EU em quatro aspectos
essenciais: 1) refere-se ao papel que a EU desempenhou no conflito, combinando
medidas do foro diplomático (resolução pacifica do conflito) com medidas
humanitárias (fornecer ajuda às vítimas e acudir à situação de emergência,
nomeadamente com a criação da EUFOR Líbia), as medidas restrictivas (que têm por
base as sanções aplicadas com o fim de privar o regime dos seus meios); medidas
fronteiriças (na gestão dos fluxos migratórios); 2) prende-se com o enquadramento
legal da EU e a sua actuação pós Tratado de Lisboa. Neste ponto, é importante frisar a
criação do Alto Representante e da SEAE que se destinavam a reforçar a capacidade da
EU em agir de forma concertada. A crise da Líbia foi a primeira grande crise
relacionada com a segurança e defesa, na qual os países europeus intervieram depois
do Tratado de Lisboa e, portanto, um teste ao funcionamento e à estrutura
institucional da União Europeia; 3) nova evidência sobre a dependência da Política
149
Externa da União, face à volatilidade dos interesses do Estados Membros, que agiram
de modo unilateral enfraquecendo uma acção colectiva a nível europeu, e não
precavendo as consequências a nível migratório; 4) a inacção da EU reflectiu-se na
falta de ponderação atempada, sobre as consequências mais abrangentes do
radicalismo islâmico e da sua provável propagação a zonas contiguas onde a presença
de tropas europeias é real. São disso exemplo a presença da AQMI no sul na região de
Fezzan, zona fronteiriça, com o Níger e o Chade.
As tentativas de mediação foram variadas, o ponto de vista europeu foi
‘representado’ pela França e por Itália, na Cimeira de Paris (2011), na Cimeira de
Palermo (2018) e mais tarde, pela Alemanha na Cimeira de Berlim (2020), mas faltou
uma Cimeira Europeia, sem actos isolados. Também a Turquia e a Rússia, que estão
entre os que mais vantagens obtiveram do conflito, conseguindo estabelecer bases
militares no país e acordos vantajosos, tentaram chegar a acordo entre si na Cimeira
de Moscovo (2020) e falharam.
À crise na Líbia rapidamente se sucedeu outra com repercussões na primeira, a crise
no Mediterrâneo Oriental, que opôs a Turquia ao bloco anti-turco representado pela
França, Grécia, Chipre, Egipto e Emirados Árabes Unidos, estes últimos que disputavam
já a zona do Golfo e do Corno de África, e que pretendem disputar igualmente, o
Mediterrâneo Oriental. Após o acordo alcançado a 23 de Outubro de 2020, torna-se
evidente que os países que se afirmaram na região são sobretudo, a Turquia e a Rússia,
e que a EU perdeu um espaço caracteristicamente seu e de enorme importância
geopolítica.
CONSIDERAÇÕES SOBRE A NATO E A R2P
A Líbia foi a primeira guerra travada pela Administração Obama, e que marca uma
nova perspectiva americana e novo tipo de envolvimento, que estamos em crer se
manterá. O objectivo é tornar os Estados Unidos como uma força de retaguarda,
obrigada a intervir de forma cirúrgica e apenas quando necessário, deixando maior
espaço às forças europeias, sobretudo quando se trata de conflitos na sua zona de
proximidade. A intervenção na Líbia não coloca apenas considerações quanto à sua
150
legalidade, principalmente quando aplicada a R2P, mas sobretudo coloca dúvidas
quanto à natureza e o rumo da Aliança em futuras missões. Nos último conflitos em
que a NATO participou, a percentagem de aliados que se envolveu tem vindo a
diminuir existindo quatro motivações: 1) os países que possuem meios e vontade
política e que consideram as missões como uma questão de segurança; 2) os países
que possuem meios, mas cuja motivação é estritamente a solidariedade para com os
seus aliados; 3) países que possuem meios, mas não participam por discordarem com a
missão; e por fim, 4) países que não têm forças suficientes para se envolverem e
contribuírem de forma eficaz. As divergências e discrepâncias no seio da NATO e das
suas missões são notórias, mas muitos países continuam a ver a Aliança como algo
positivo que assegura a sua defesa, através da Cláusula de Defesa Mútua, e que lhes
permite ampliar as suas capacidades e a sua força militar se necessário.
151
A MESA DOS GIGANTES – CASO LÍBIO
European Council on Foreign Relations – EU Coalition Explorer 2020. Policy Intentions Mapping
152
A Líbia continua a ser o palco privilegiado das grandes potências, quer sejam regionais
quer internacionais. Os interesses que se jogam são económicos, estratégicos e
geopolíticos. Para além das grandes reservas de recursos energéticos, como o petróleo
e o gás natural, a Líbia possui uma posição estratégica central no Mediterrâneo, bem
como grandes bases militares e logísticas ao abandono.
No que respeita aos recursos energéticos, eles representam 85% do PIB líbio e quase a
totalidade das suas exportações, pois é a mais vasta reserva africana, responsável por
38% da produção do Continente e 11% do consumo europeu. A segunda maior riqueza
do país é o Gás Natural.
Apenas enumerando alguns dos interesses presentes no domínio energético, temos:
Itália, com a ENI, possui licenças de exploração correspondentes a 70% da produção
total do país – três quartos em gás natural e um quarto em petróleo, dos quais 55%
são campos e 45% poços offshore. A França, representada pela TOTAL, actua
sobretudo no campo de Mabrouk ligado à refinaria e ao terminal de Es Sider, em
conjunto com a Repsol espanhola exploram os campos de El Sharara com ligação ao
centro petrolífero de Zawiya. A Rússia, através da Gazprom, explora os campos de As
Sarah, Jakhira e Nakhla ligados aos terminais de Ras Lanuf e Zuietina, em conjunto com
a alemã Wintershall. As companhias americanas, Conocophillips, Marathon e Hess
exploram os campos de Waha, Samah, Dahra e Gialo ligados ao terminal Es Sider e, em
conjunto com a austríaca OMV, os campos Intisar e NC74 com ligação ao terminal
Zuietina. Ao Canadá, e às empresas Suncor e Petrocanada, coube-lhes os campos de
Amal, Naga e Farigh, ligados ao terminal de Ras Lanuf. Por fim, a Companhia Nacional
de Petróleo da Líbia é proprietária directa, ou através das suas subsidiárias, de metade
das reservas do país – os campos de Sarir, Messla, Beda, Magrid, Hamada, Brega,
Nasser, Rabuga e Lebhib; do porto de Marsa Al-Hariga; das refinarias de Ras Lanuf,
Tobruk e Sarir; e do terminal de Marsa Al-Brega. Só no domínio energético é já
explícita a atractividade do país e o desejo de controlo e influência exercido por estes
países e pelas suas principais empresas. Só isto, seria o suficiente para começar uma
guerra por procuração.
153
Actores Regionais
O Egipto desempenha um papel fulcral no âmbito regional. Face às ameaças islamistas
na zona do Sinai e da Cirenaica, o regime de Al-Sissi é um forte apoiante de Haftar,
ambos vêem na Irmandade Muçulmana um alvo a abater.
Consciente do perigo de propagação ao longo da sua fronteira, o Egipto aplica medidas
preventivas para proteger o seu território e as suas fronteiras e disponibiliza apoio
político, logístico e militar ao General. O objectivo de ambos é erradicar qualquer
possibilidade de surgimento de um Islão Político na Líbia e refoçar a autonomia do
Leste líbio garantindo uma zona tampão a extremismos.
A Arábia Saudita procura manter a sua influência estratégica, de grande potência na
região, ao mesmo tempo que se alinha com os restantes países do golfo, em oposição
ao Qatar que apoia Serraj. Os sauditas vêem na Irmandade Muçulmana uma clara
ameaça e acusam-na de semear o caos e inverter o rumo das Primaveras Árabes. A
recusa e o ódio demonstrado por Haftar para com estes movimentos fez com que o Rei
se encontrasse pessoalmente com o General para lhe demonstrar o seu apoio. A
Árabia Saudita é um grande fornecedor de armamento às tropas de Haftar, pese
embora o papel principal ser ocupado pelos Emirados Árabes e pelo Egipto que juntos
constituem o principal apoio logístico e de armamento ao General.
A 7 de Maio, a ONU lançou uma investigação sobre o suposto envolvimento de
militares dos Emirados na Líbia, após o lançamento, em Abril, de um míssil Blue Arrow
de fabrico chinês, utilizado pelas Forças Armadas dos Emirados. Os países do Golfo
perceberam a importância estratégica da sua afirmação num país central do
Mediterrâneo como é a Líbia, proporcionando-lhes projecção e poder para além do
espaço que lhes é inicialmente consagrado. A forte projecção do Irão no
aproveitamento do contexto das Primaveras Árabes no Médio Oriente – Bahrein,
Iémen, Libano, Gaza, Síria, Iraque e Afeganistão - e a sua capacidade de influenciar
tensões sociais existentes, tem-lhe permitido expandir a sua zona de influência para
154
além da conhecida aposta naval que lhe permite actuar do Cáspio a Ormuz, passando
pelos Golfos de Omã e Pérsico, até ao Mediterrâneo.161
A Turquia e o Qatar apoiam uma versão de islão político, nomeadamente a Irmandade
Muçulmana. No que respeita à primeira, o objectivo é o de se afimar como a grande
potência regional, como o modelo político a seguir, afirmando a sua presença no
Mediterrâneo. As contribuições por parte da Turquia, do Qatar e do Sudão, quer seja
em armamento, quer seja com mercenários no terreno, muito contribuíram para
equilibrar a disputa, principalmente quando o LNA marchava em direcção a Tripoli. A
Turquia foi então acusada de intervir directamente na batalha, com soldados, aviões e
embarcações militares. O Qatar é também um importante apoiante da Irmandade e de
outras facções islamistas presentes na Líbia.
Não existem dúvidas de que quem melhor compreendeu a situação vivida nas
Primaveras Árabes foi a Turquia. O Ministro dos Negócios Estrangeiros turco, Ahmed
Davutoghu, foi o primeiro a visitar Benghazi. A Turquia é o país que maior consenso
reúne no mundo árabe e os seus índices de popularidade nas camadas muçulmanas
mais jovens são elevados devido ao seu modelo político, ao crescimento económico e
ao seu posicionamento no palco internacional. Muitos anseiam que tome a dianteira
na protecção e defesa dos interesses árabes. De acordo com um estudo realizado em
2010 pelo TESEV162, com intuito de aferir as percepções de oito países do Médio
Oriente em relação à Turquia e ao seu papel internacional, 75 a 85% dos inquiridos são
favoráveis a que o país assuma a mediação do conflito israelo-palestiniano, bem como
uma maior intervenção nos assuntos regionais. A maior surpresa é que uma fatia
considerável dos sondados é iraniana, e que dessa amostra uma larga maioria, admira
o modelo turco. Claro que este facto cria tensão e preocupação em Teerão, que
procura, cada vez mais, afirmar-se como interlocutor chave na região, beneficiando do
caos instaurado.
161
Ibid., p.85. 162
TESEV – Foreign Policy Programme: The Perception of Turkey in the Middle East (2010). Disponível: https://www.tesev.org.tr/wp-content/uploads/report_The_Perception_Of_Turkey_In_The_Middle_East_2010.pdf Ver igualmente: TESEV - Foreign Policy Analysis: Turkey. Arab Perspectives (2010). Disponível: https://www.tesev.org.tr/wp-content/uploads/report_Turkey_Arab_Perspectives.pdf
155
Um outro documento mostra como Ancara percebeu o momento. Segundo o
Transatlantic Trends (2011)163, apenas 37% dos turcos atribuem primazia à NATO no
desfecho da Crise Líbia, e preferem que o seu país actue de acordo com a seguinte
hierarquia: sozinho, com os vizinhos do Médio Oriente, com os Membros da EU, com a
Rússia, com todos e só no fim com os EUA.164 É uma postura forte, tratando-se do
segundo maior contigente da NATO e um claro alerta.
Actores Internacionais
Na actuação de todos os actores externos verificam-se três padrões comuns: 1) os
fortes interesses económios presentes; 2) a vontade de manter uma posição de
controlo sobre a região; e 3) garantir um papel central nos assuntos internacionais.
Os EUA começaram por ser neutros. Deram o apoio formal a Haftar, a 19 de Abril,
salientando o papel deste na luta contra o terrorismo e a salvaguarda e garantia dos
recursos energéticos. É importante salientar a ameaça real do ISIS na região. É sabido
que a Líbia ocupava um lugar de relevo nas redes globais e nos campos de treino do
Daesh, presentes em 8 wilayats (células): Egipto (Sinai); Líbia; Nigéria; Tunísia; Arábia
Saudita; Iémen; Afeganistão, Paquistão e Mali. Desde o seu início, o Estado Islâmico
manifestou o seu interesse na Líbia e por diversas vezes afirmou que esta seria o seu
163
Transatlantic Trends (2011) disponível em: https://www.gmfus.org/publications/transatlantic-trends-2011. 164
PIRES DE LIMA, Bernardo – A Siria em Pedaços. Lisboa: Tinta-da-China. 2016. p.78.
156
reduto final caso as suas operações no Médio Oriente falhassem. Forças oficiosas
estimam as forças do Daesh num contingente de 6.000 combatentes, com 230km de
costa à sua disposição. Porém, quando as milícias líbias se uniram num combate
declarado ao Estado Islâmico e à sua presença no território, rapidamente os
expulsaram das zonas de Derna, Sabratha e Sirte, sendo as tropas de Haftar fulcrais
para o desfecho. A consequência foi a fuga para o Sul, em direcção ao Sahel, dos
combatentes do ISIS que sobreviveram.
157
Africa Center For Strategic Studies- Armed Conflict Location. 2020
158
A França tomou a dianteira em face do conflito e assumiu o papel de mediador
organizando duas conferências entre ambas as partes, em Julho de 2017 e Maio de
2018. Tendo tomado a posição de Haftar, considerando-o um importante aliado na
luta contra o terrorismo.
A Rússia apoiou simbolicamente Haftar, em Janeiro de 2017, durante uma visita deste
ao porta-aviões Kuznetsov. E a 7 de Abril, bloqueou a resolução que ordenava a Haftar
a suspensão do seu avanço sobre a capital Líbia. Os diversificados interesses russos
vão desde uma afirmação de força dominante, e que se verificou ainda mais no caso
da Síria com a sua presença naval no Mediterrâneo, ao possível estabelecimento de
bases militares na Líbia e à exploração dos seus recursos energéticos.
Itália procurou manter-se neutral, devido aos fortes interesses que possui na Libia
(ENI) - A Libia é o terceiro país exportador de gás natural para Itália e o sexto em
petróleo. Estima-se que no decorrer no conflito, houve uma quebra de 70% da
produção nos postos geridos pela ENI, a par das consequências dramáticas
repercutidas na política interna italiana e na protecção marítima das suas costas. O
governo italiano apoia o GNA legitimado pelas Nações Unidas, mas apela a uma
resolução do conflito. A Itália tem sido cuidadosa nas negociações com Haftar, que
controla a maioria dos portos petrolíferos, descrevendo-o como um interlocutor chave
na situação da Líbia. A 2 de Fevereiro de 2017, Itália e Líbia assinaram um Memorando
de Entendimento, no qual o Governo de Tripoli se comprometia com o controlo das
suas costas e o Governo Italiano em ajudar no controlo das fronteiras meridionais, na
formação e equipamento à guarda costeira líbia, e no fornecimento de drones e barcos
de patrulha. No que respeita a investimentos estruturais no país, Itália apoiará o país
rumo às energias renováveis, na construção de infraestruturas, e no sistema de saúde.
A União Europeia como um todo não soube lidar com a situação a uma só voz, como
tem vindo a ser costume, o que dificulta em muito a sua posição de grande
influenciador e mediador na região. A timidez do discruso da EU sobre a liberdade e a
Democracia espelha a sua política mediterrânica e a fragilidade da sua narrativa
externa. Por um lado contenta-se com regimes autocráticos na esperança de que
travem o extremismo islâmico e a imigração ilegal, esquecendo-se que só a democracia
159
e a liberdade económica melhoram a repartição da riqueza, moderam o radicalismo e
fixam as populações.165 A União Europeia uma vez mais diviu-se entre os países que
apoiaram Haftar, os que apoiaram o governo estabelecido pela ONU e os que quiseram
permanecer o mais neutrais possível. Uma posição atempada da UE foi impossível de
alcançar. Esta constatação revela a incapacidade da União Europeia de concertar, em
tempo útil, uma estratégia comum numa situação de grande proximidade, não
entendendo a importância do conflito e do papel que lhe competia. Sobretudo numa
zona de máximo interesse geopolítico, deixando o espaço mediterrânico vulnerável
aos interesses de outras potências que lhe são hóstis, e perpetuando uma situação
difícil de conter nas suas fronteiras externas, como é o caso da imigração. A cacofonia
da EU culminou num fracasso e numa perda de influência considerável. As divisões
foram inúmeras, desde o regime que se decidiu apoiar, ao reconhecimento dos
insurgentes, à possibilidade de tropas no terreno166, às cimeiras que se realizaram sob
mediação europeia, mas que, salvo raras excepções, pouco contribuíram para uma
resolução rápida do conflito, à disputa entre países europeus sobre a influência a ter
na nova Líbia e sobre os seus recursos e, por fim, sobre a missão levada a cabo pela
NATO. A questão torna-se ainda mais grave quando nos lembramos que o grande lema
da Comissão Europeia de Von Der Leyen é o de ser uma Comissão Geopolítica, mas que
no entanto não soube lidar como os problemas na sua vizinhança imediata.
Da iniciativa alemã, Libyan Political Dialogue Forum (LDFP) emergiu o novo governo de
salvação nacional dirigido por Adbulhamid Dabaiba, com um mandato limitado, cuja
165
PIRES DE LIMA, Bernardo – A Síria em Pedaços. Lisboa: Tinta da China. 2017. p.46. 166
O plano traçado por Borrell contemplava três hipóteses: 1) estabelecer conversações entre as diversas facções a actuar na Líbia de modo a chegar a um acordo formal sobre um mecanismo de monitorização da EU do cessar-fogo. Para tal, a EU alteraria o mandato da missão civil no país (EUBAM) tornando-a uma missão de aconselhamento às partes líbia na abordagem e monotorização do cessar fogo; 2) o mecanismo de monitorização seria conduzido pelas Nações Unidas e comportaria contribuições financeiras, meios e perícia no processo. A presença da EU seria visível, mas o seu controlo sobre a acção diminuto. Propunha-se a refoçar o mandato da operação IRINI – missão aérea e naval da EU encarregada de controlar o embargo de armas no Mediterrâneo central – para um mandato que poderia permitir o controlo do cessar-fogo através da vigilância do espaço aéreo líbio; por fim, 3) uma missão militar de observação autónoma da EU, de acordo com as regras estabelecidas pela ONU, envolvendo a utilização do espaço aéreo líbio e a utilização de forças e instalações no terreno, com o contributo de todos os Estados Membros tanto em Intellegence, como vigilância e peritos militares. Foi mencionado como sendo de alto risco, tendo em conta as diversas milícias e grupos terroristas a operarem no terreno, e a possibilidade de baixas a lamentar. O plano foi largamente refutado pelos Estados Membros que o consideraram uma loucura e que não estavam reunidas as condições certas. In: Politico.EU – EU draws up options for boots on the ground in Libya. (1 Outubro de 2020) Disponivel: https://www.politico.eu/article/eu-libya-military-options-ceasefire/
160
principal função é a de preparar as eleições nacionais de Dezembro, lidar com a
pandemia de Covid-19 e assegurar os serviços básicos167. Algumas embaixadas no país
já reabriram e a luta por influência e poder na reconstrução da líbia e na realização de
novos acordos de investimento já se fazem sentir. A EU tem muito caminho a
percorrer no sentido de fazer face às hegemonias turca e russa, neste momento.
A posição alemã ao longo do processo é interessante de analisar. A alemanha absteve-
se de votar a autorização do uso de força no Conselho de Segurança das Nações
Unidas, a 17 de março de 2011. Merkel afirmou que os oficiais alemães continuariam a
servir nas estruturas de comando integradas da NATO, incluindo em Nápoles, que
supervisiona a campanha aérea e o bloqueio marítimo, porém retirou dois navios de
guerra que patrulhavam o Mediterrâneo para garantir que não fossem utilizados em
quaisquer operações da NATO. O ministro alemão do desenvolvimento afirmou ser
notável que os países que continuavam a receber petróleo da líbia eram também os
que a bombardeavam. A Alemanha foi o único país que impulsionou um embargo
petrolífero completo168.
Importa de salientar a constante tomada de posição, que remonta à invasão do Iraque
em 2003, quando França e Alemanha se opuseram à intervenção militar alegando a
sua ilegalidade. No que se refere à Libia, a Alemanha manteve o princípio e isolou-se
na sua tomada de posição. Desde o fim da Guerra Fria, essa contenção tem vindo cada
vez mais a envolver-se numa narrativa de soft power. A Alemanha compreende a
importância do hard power na política internacional, mas calcula que o seu
167
European Council - Libya: Declaration by the High Representative Josep Borrell on behalf of the EU on the formation of the transitional unified executive authority. (7 Fevereiro 2021): We urge all relevant Libyan stakeholders across the country, and all members of the International Community to show strong resolve in supporting the transitional unified executive authority in the interest of the stabilisation of the country and national reconciliation. In this regard, the EU recalls its instrument of sanctions against possible spoilers. Ensuring timely preparation for the national elections should now be the main priority, including the adoption of necessary electoral laws and its constitutional basis, the concrete implementation of all provisions of the October 23 cease-fire agreement and the necessary economic reforms, starting with the unification of all financial institutions. The EU will be ready to support this process and urges all Libyan and international actors to do so in respect of Libya’s territorial integrity and national sovereignty. Furthermore, the EU underlines the importance of effective implementation of the Ceasefire Agreement, respect for the UN arms embargo, and withdrawal of all foreign fighters and mercenaries in accordance with the UNSC Resolutions. All foreign military intervention is unacceptable. 168
Politico. EU – EU Leaders Deny Libya Rifts. (25 Março de 2011). DIsponivel: https://www.politico.eu/article/eu-leaders-deny-libya-rifts/
161
compromisso como aliado da estabilidade europeia e do sistema de comércio global a
isenta das obrigações do hard power. O soft power é fundamental para consolidar um
acordo pan-europeu como a neutralidade alemã reforçou e o seu estatuto de
superpotência comercial. Em suma, é o grande cálculo estratégico que impulsiona a
contenção e não a contenção, e que estimula a grande potência alemã.169
Ghassan Salamé, enviado especial da ONU à Líbia e chefe da missão UNSMIL (2017-
2020), afirma: A Líbia encontra-se no centro do Mediterrâneo com tantissimas bases
militares vazias. E muitos países estão interessados apenas nessas bases, devido à sua
posição estratégica. (…) Quando Kadhafi caiu, chegaram à Líbia novos tipos de armas,
e muitos países pagaram a mercenários para combaterem na Líbia. (…) Se existe um
embargo são necessárias sanções para o fazer respeitar. Quais são as sanções? No mês
seguinte à Conferência de Berlim, mais de 40 navios e aviões cheios de armas
chegaram à Líbia, destinados a ambas as partes do conflito. (…) Muitos países vendem
licenças de produção do seu armamento, o que do ponto de vista legal faz com que
sejam esses países a produzi-las. As licenças são o grande problema de amanhã.170
Outros Factores a ter em Consideração:
Eixo: Irão, Turquia e Rússia
As relações entre a Turquia e a Rússia aprofundaram-se no final do século XX devido à
criação de laços económicos e energéticos relevantes, a par do desencanto de ambas
face à União Europeia. Erdogan estabeleceu a melhoria de relações com a Rússia numa
prioridade máxima da sua Presidência, tanto em questões políticas como de
segurança. Ambos os países estabeleceram uma Parceria Estratégica em 2010, para a
criação de um Conselho de Cooperação ao mais Alto Nível, estabelecendo Cimeiras
Anuais, a criação de um Conselho Estratégico Comum e um Grupo de Planeamento e
Cooperação em matéria de Segurança. Desde 2008 que a Rússia é o segundo maior
parceiro económico da Turquia. O principal problema da Turquia continua a ser a sua
169
Ibid. 170
RAI – Presa Diretta: Il Traffico Illecito di Armi verso la Libia. Setembro 2021. Timeline: 7:06-10:03 min. Disponivel: https://www.raiplay.it/video/2021/03/Il-traffico-illecito-di-armi-verso-la-Libia---PresaDiretta-22032021-1201581c-79f8-4fc6-9dfe-2ef6eb870566.html?q=settestorie.
162
dependência energética face à Rússia, o que contradiz a grande ambição de Ancara de
se tornar a porta de entrada de Gás Natural na Europa. Neste sentido, Ancara apoia o
desenvolvimento do projecto Nabuco de transporte de gás iraniano para a Europa, ao
passo que a Rússia aposta no South Stream, uma rota submarina que sai da sua costa
em direcção ao Mar Negro rumo à Bulgária.
No que respeita às relações do Irão com a Rússia, melhoram substancialmente com a
Guerra do Iarque (1980-88) e com a assinatura do Protocolo Económico de 1986. O
Irão é visto pelo Kremlin como um mercado em crescimento, principalmente no que
diz respeito à indústria do armamento. Porém, são as questões energéticas que
dominam as relações. Todos possuem visões distintas sobre a região e sobre a sua
capacidade de poder e influência na mesma, no entanto, neste momento, os
interesses parecem convergir. A 8 de Junho de 2010, os três líderes encontraram-se
em Istambul dias antes da votação no Conselho de Segurança de sanções contra o Irão
devido ao Programa Nuclear, numa clara mensagem de união e desafio. A Turquia
seguindo a sua visão ‘Zero problemas com os Países Vizinhos’ procurou uma
aproximação a Teerão, recebida por um Irão que também procura estreitar laços e
contornar o estrangulamento da sua economia. Neste momento, o Irão é o quinto
maior parceiro económico da Turquia e os empresários iranianos investem e operam
na Turquia como forma de aceder aos mercados internacionais. Os bancos turcos
servem de intermediários, facilitando transações económicas entre o Irão e outros
Estados, escapando assim às sanções impostas. Em 2002, os dois Estados criaram um
oleoduto que liga os campos de gás natural de Tabriz a Ancara. O Irão é o segundo
maior fornecedor da Turquia em gás natural e responsável pelo fornecimento de
metade do petróleo turco. Em 2008, assinaram um acordo de cooperação limitada na
luta contra o terrorismo.
163
European Council on Foreign Relations – EU Coalition Explorer 2020. Policy Intentions Mapping
164
China – Silk Road
A China tem sido a potência oculta no Médio Oriente. (...) o que interessa a Pequim é
contribuir para a estabilidade dos seus principais vendedores de petróleo (por esta
ordem: Arábia Saudita, Irão e Iraque) e assegurar que as rotas comerciais mais
importantes (Suez, Ormuz e Aden) continuam a escoar os seus produtos para a região e
para a Europa. Toda a postura cautelosa da China em relação às revoltas árabes e
islâmicas dos últimos dois anos tem o propósito único de garantir as melhores
condições para alimentar a sua economia e expansão comercial.171
O papel que a China pretende desempenhar é o de grande potência com poder e
influência internacionais, e a Silk Road é apenas uma das formas de atingir esse fim. A
economia azul representa 10% do PIB chinês e os constantes investimentos no
comércio marítimo, na construção naval e no posicionamento da sua marinha na
esfera global pela competição e influência internacionais, assim o demonstram. A State
Oceanic Administration declara o século XXI como o Século dos Oceanos, e o objectivo
nacional estratégico de Xi Jinping é ‘a construção de um país marítimo forte’ capaz de
expandir o espaço geoestratégico da China. Para tal, a China recorre ao Poder do
Discurso, isto é, à capacidade de um Estado impor os seus conceitos, ideais, e
narrativas de forma a moldar as discussões internacionais. Se a preocupação de Mao
Tse-Tung foi a de recuperar a soberania do país e a de Deng Xiaoping foi a de torná-lo
economicamente mais forte e rico, a de Xi Jinping é dotar a China de poder e influência
Internacionais. A corrida às infra-estrutras portuárias é apenas uma das muitas formas
de o fazer e de alterar as dinâmicas das relações internacionais. Os projectos
empreendidos que vão desde infraestruturas, portos, investimento estrangeiro,
aquisições de empresas de gestão de contentores, quer na região MENA, quer na
Europa e na África Oriental, comprovam a necessidade de construir uma cadeia de
influência à escala global. Neste quadro, o Mediterrâneo tem sem dúvida um papel
importantíssimo a desempenhar, basta lembrar que a China já está presente em Itália,
171
PIRES DE LIMA, Bernardo – A Siria em Pedaços. Lisboa: Tinta-da-China. 2016. p.189.
165
Grécia, França, Espanha, Turquia, Israel, Egipto e Marrocos – uma enorme cobertura
mediterrânica. Ao mesmo tempo, a Rússia expande as suas instalações navais em
Tartus (Síria) e estabelece-se na costa oriental do Mediterrâneo, levando ambos os
países a realizar um exercício naval conjunto no Mediterrâneo Oriental, em 2015. A
isto acresce a questão do Porto de Sines, que daria à China uma importante posição no
Atlântico. Ao mesmo tempo, esta expansão chinesa acarreta consequências para a
China, fazendo dela necessariamente co-responsável pela segurança desse espaço
conquistado, o que exige uma política externa mais intervencionista contrária à até
então seguida.
Analistas de segurança marítima chineses afirmam que a tecnologia pode não só
mudar o equilíbrio de poder, mas também o equilíbrio entre concorrência e cooperação
nas relações externas da China no domínio marítimo.172 Em conformidade com o White
Paper 2015173 da Marinha Chinesa pretendem-se: uma combinação multifuncional e
eficiente de estruturas de forças de combate; a dissuasão estratégica e contra-ataque;
manobras marítimas de operações conjuntas no mar de modo a garantir uma defesa
global e apoio abrangente, e uma ênfase na construção de porta-aviões.
172
DUCHÂTEL, M & DUPLAIX A. – Blue China: Navigating the Maritime Silk Road to Europe. European Council of Foreign Relations. Policy Brief. 23 de Abril de 2018. 173
White Paper China 2015 – Military Strategy. Disponível: http://english.www.gov.cn/archive/white_paper/2015/05/27/content_281475115610833.htm
European Council on Foreign Relations – Key Maritime Silk Road Projects. 2020
166
European Council on Foreign Relations – EU Coalition Explorer 2020. Policy Intentions Mapping
China Investment Research – Plot of loans along One Belt, One Road. 2020
167
168
CONSIDERAÇÕES – PRIMAVERAS ÁRABES
Face à região MENA, os objectivos da EU continuam a ser a segurança e a estabilidade
da região, priorizadas pela EU como resposta à ameaça de instabilidade decorrente das
Primaveras Árabes. As parcerias falharam e em muitos aspectos não deram resposta
aos problemas sentidos nos países da região e que se revelaram aquando as revoltas.
A gestão das parcerias, por parte da Eu, variou ao longo do tempo e das situações
devido à política interna dos países visados. Os regimes da região MENA têm
cooperado com a EU no combate à migração ilegal e na manutenção da estabilidade
nas fronteiras meridionais da EU durante décadas. Em troca, a EU forneceu incentivos
económicos e fez vista grossa às violações da democracia, dos direitos humanos e das
liberdades civis.174Mesmo face à mudança de regimes e à possibilidade de uma maior
abertura, a UE absteve-se de apoiar reformas democráticas que ameaçassem a
estabilidade interna. A resposta da EU às Primaveras Árabes foi selectiva. Na Tunísia,
por exemplo, o foco tem sido a assistência financeira e técnica. No Egipto, a assistência
financeira e diplomática e na Líbia, a assistência financeira, num patamar menor, a
ajuda humanitária e sobretudo as questões de segurança das fronteiras. O problema
na resposta às diversas situações passa pelos interesses declarados dos Estados
Membros que os leva ou não, a tomar iniciativas face a esses conflitos.
174
DANDASHLY, Assem – The EU Response to Regime Change in the Wake of the Arab Revolt: Differential Implementation. Journal of European Integration. 2014.
169
Entrevista a José Manuel Rosendo, Correspondente da RTP em Paris e várias vezes
enviado especial ao Médio Oriente e às Primaveras Árabes.
1) Passaram 10 anos desde o início das Primaveras Árabes. Há quem as considere
um projecto falhado. Porém, quando confrontados com os acontecimentos
históricos que marcaram o Ocidente, podemos concluir que 10 anos não são
suficientes para analisar as suas origens, consequências e dinâmicas. Concorda?
R: Tentado responder muito directamente, eu penso que aquilo a que nós
chamamos Primaveras Árabes não são um projecto falhado. Primeiro, porque ainda
estão a decorrer, pelo que o processo das Primaveras Árabes não está de modo
nenhum encerrado. Se olhar para aquilo que acontece neste momento na Argélia,
grandes manifestações na rua, se olhar para o que acontece no Iraque com grandes
manifestações na rua, se olhar para a guerra que continua na Síria, se olhar para a
guerra que continua na Líbia, enfim, para a guerra no Iémen… há uma série de países
onde está tudo em aberto, apesar de as pessoas estarem a pagar um preço muito
elevado com as guerras em situações verdadeiramente dramáticas. Creio que o
projecto não é falhado, ele está a decorrer, e precisamos ainda de entender melhor
aquilo que se vai passar.
No que respeita às origens, penso que é simples, tem a ver com o facto de as
pessoas depois do processo de colonização, e da ascenção ao poder líderes
nacionalistas, as pessoas pensavam que aqueles líderes iam ser diferentes dos colonos
que ocupavam os países após os mandatos britânicos e franceses no Médio Oriente, e
que os líderes locais que ascenderam ao poder iam levar a cabo uma mudança e a
melhoria das condições de vida, que iam ter um país diferente daquele que tiveram
com os colonizadores. O que aconteceu foi que muitas vezes esses líderes limitaram-se
a replicar as formas de governo que já existiam no período colonial e passaram eles a
ser os novos senhores. As Primaveras Árabes aconteceram precisamente quando os
povos se fartaram desses novos senhores e perceberam que entre eles e o antigo
colono as diferenças não eram muitas, antes pelo contrário, às vezes eram mais
oprimidos do que anteriormente. Quanto às consequências ainda vamos ter que
esperar para saber o que vai acontecer. Há países onde as revoltas foram
170
completamente revertidas, é o caso do Egipto que voltou praticamente à estaca zero,
com mais um militar, um ditador, de novo no poder. Tinha o Mubarak, derrubaram-no.
Tiveram um período de convulsão em que houve eleições e houve democracia, e um
presidente democraticamente eleito, e depois disso houve o golpe militar e assumiram
o poder, ou seja, está tudo ainda em movimento. Nós não podemos olhar para as
Primaveras Árabes como olhávamos para as revoluções que aconteceram em vários
países, como em Portugal, na Grécia e até na própria América Latina, em que houve
uma mudança de poder e uma mudança para a democracia em modelos ocidentais.
Nas Primaveras Árabes as coisas não aconteceram assim, mas trata-se de um processo
que ainda não está fechado.
2) As Primaveras Árabes que começaram por ser um movimento inorgânico, que
aglomerava diversas faixas etárias, identitárias e diferentes graus de instrução,
culminaram na emancipação de diversos sectores políticos, muitos dos quais
até à data na clandestinidade, e que viram a possibilidade de se afirmarem
como garantes do processo revolucionário que se encontrava em curso.
Considera que esses partidos/organizações poderiam/podem ser a via para um
processo democrático tendo por base o Islão, mas fazendo face e estancando
outros movimentos extremistas? Pensamos sobretudo, no caso da Irmandade
Muçulmana no Egipto; o Parti de la Justice et le Développement de Marrocos; e
o Movimento Ennahda na Tunísia.
R: Em relação ao Islão temos que ter cuidado com a lente com que observamos esse
fenómeno. Isto é, se observarmos o fenómeno do Islão, nos países das Primaveras
Árabes, com a lente com que olhamos paras os nossos países, por exemplo na Europa,
vamos cometer um erro. Ou seja, não pode ser essa lente. Eu recordo-me que o antigo
Presidente Jorge Sampaio, esteve à frente da Organização, chamada Aliança das
Civilizações, que é uma Organização da ONU e que surgiu para combater a ideia de
Samuel Huntington do Choque de Civilizações. À ideia de choque a ONU contrapôs a de
Aliança das Civilizações e atribuiu a liderança a Sampaio durante algum tempo. E
Sampaio disse uma coisa muito simples, mas que é a chave para nós começarmos a
analisar este tipo de problemas quando pensamos em religião: enquanto nós não
percebermos o papel da centralidade do Islão na vida das pessoas nestes países do
171
Médio Oriente, não estamos a perceber nada, ou seja, o Islão tem um papel
fundamental em termos de pilar da sociedade. Isto não significa que as pessoas sejam
extremistas ou fundamentalistas, significa que elas vivem muito na base dos conceitos
do Islão, que para além de ser uma religião é também uma filosofia de vida, portanto,
é preciso perceber isso. O que eu penso é que nos países em que houve as revoltas das
Primaveras Árabes, com execpção talvez do Egipto, e eventualmente da Tunísia, com o
Ennhada, no momento em que as revoltas começam não há uma oposição política
organizada, e porquê? Porque os regimes eram de tal forma opressores que não
permitiam qualquer tipo de oposição que se lhes fizesse, portanto, tudo o que fosse
líder político opositor as esses regimes ou estava preso, ou estava no exilio, pura e
simplesmente não havia oposição. Assim, quando as revoltas populares saíram à rua
não existiam lideranças, ou as lideranças que existiam eram muito frágeis, muito locais
e não abrangentes para lidar uma revolta num país inteiro, ao contrário, por exemplo,
do que aconteceu no Egipto, devido à Irmandade Muçulmana, que não se assumindo
como movimento político, mas sim religioso, estava muito implantada. Era a
Irmandade Muçulmana que valia aos Egipcios naquilo onde o Estado não aparecia: na
educação, na saúde e no apoio à velhice. Era o movimento religioso da Iramandade
Muçulmana, com os diferentes serviços de apoio que tinha, que valia às pessoas e isto
fazia com que a Irmandade estivesse implantada no terreno e as pessoas a
conhecessem, e, a partir daí, com essa implantação facilmente passaram para o poder
político, por isso é que ganharam as eleições e elegeram um Presidente. Isso não
acontece nos outros países, onde de facto os movimentos eram inorgânicos nos quais
as lideranças demoraram a aparecer. No caso da Síria, que está em guerra há dez anos,
a revolta surge inclusivamente a nível militar, sem haver uma liderança bem definida
que unisse os elementos da oposição, a qual foi sempre muito divida e dispersa e
continua a ser, cada vez mais, agora de uma forma mais frágil. Pensarmos que destas
revoltas vai nascer uma sociedade democrática, com um modelo e sistema parecido
àquele que existe no Ocidente, isso não vai acontecer. Nunca vai acontecer, ou muito
dificilmente, na minha perspectiva vai acontecer. Terá que ser outro tipo de sistema,
outro tipo de modelo, que tenha em conta, nalguns países mais do que noutros, a
questão da religião. Por exemplo, no Iraque, fazem-se eleições, mas a questão
ideológica não é a que define o voto, a questão que define o voto é a religiosa e é a
172
étnica, ou seja, no Iraque os curdos, votam nos partidos curdos, os xiitas votam nos
partidos xiitas, e os sunitas votam nos partidos sunitas: esta é a primeira opção que
fazem em relação ao voto. Depois, dentro deste campo podem eventualmente fazer
uma opção mais à esquerda ou mais à direita, mas esta é a grelha de pensamento e de
escolha que usam. Quanto ao estancar movimentos extremistas, tem muito a ver com
o pensamento e a terminologia do conceito, ou seja, penso que é de bom tom e avisado
não embarcar no facilitismo de considerar tudo o que é religioso como extremista, tudo
o que fala no Islão é fundamentalista, é necessário algum recuo para entender se na
realidade é assim, porque na maior parte dos casos não é. Há extremistas,
evidentemente …
[A Questão prende-se essencialmente com o facto de a
Irmandade Muçulmana ter ido a votos e ter, tanto quanto se sabe,
respeitado as regras do processo eleitoral, vencendo e governando
durante um período. No caso do Ennhada, foi igualmente a votos, não
venceu, mas formou uma coligação tendo-se retirado mais tarde, para
novas eleições. Assim sendo, podermos considerar que estes
partidos/organizações têm de facto uma maior apetência para se
regerem de acordo com leis democráticas, tendo por base a religião,
mas que impedem uma nova deriva para regimes ditatoriais ou, por
ventura, para um outro tipo de concepção extremada do Islão?]
Tem razão. Voltando ao caso do Egipto, quando a Irmandade Muçulmana é derrubada,
e no momento em que se apresentam ao país aqueles que a derrubaram, entre eles o
actual Presidente Sissi, que curiosamente era Ministro da Defesa e tinha sido nomeado
pela Irmandade Muçulmana (e portanto foi ele depois que liderou o golpe de Estado),
ao lado dele, nesse dia, aparece um líder de um outro partido que é o Al-Nur, esse sim,
um partido salafista. A Irmandade Muçulmana, se olharmos para o Al-Nur, de algum
modo até surge como uma força moderada. Mas isto são os jogos de poder e é a
circunstância a definir as alianças que se fazem no momento para derrubar um
determinado regime. É complicado, mesmo em relação aos partidos religiosos, quando
temos exemplos como o Estado Islâmico e a Al-Qaeda, que são de facto extremistas e
173
fundamentalistas, sobretudo o Estado Islâmico que é verdadeiramente inenarrável, e
quando temos estes extremistas e outros partidos religiosos como a Irmandade
Muçulmana, que participam em eleições democráticas e as vencem e se segue um
golpe militar, qual é a mensagem que se está a passar? Estamos a dizer-lhe que não
vale a pena participarem na democracia. Se eles ganham e depois são afastados do
poder à força, então se calhar numa próxima oportunidade a atitude deles vai ser
diferente, e aí vamos culpá-los, mas vamo-nos esquecer que os afastamos do poder
quando eles ganharam democraticamente. Aliás, isso já aconteceu com o Hamas na
Palestina, que ganhou as eleições democraticamente e desde 2006, está a sofrer um
bloqueio quase total, quer por parte do Ocidente, quer por parte de Israel.
3) A resposta por parte do Ocidente às Primaveras Árabes foi inicialmente
confusa, eufórica e mais tarde cautelosa. Pela primeira vez, África e o Médio
Oriente rumavam numa direcção que não tinha sido prevista nem planificada
pelo Ocidente. Contudo, na Líbia houve uma intervenção concertada o mesmo
não aconteceu na Síria. A que se deve esta diferenciação de critérios, na sua
perspectiva? Embora, se tenham tornado ambos palcos activos da geopolítica
mundial.
R: Na Líbia houve uma Resolução do Conselho de Segurança que permitiu a intervenção
da NATO em nome do Direito de Proteger (R2P). Essa resolução do Conselho de
Segurança, estava redigida de uma forma que permitia várias interpretações, e a
interpretação que foi feita e que permitiu a intervenção da NATO não era a mesma
interpretação que a Rússia fazia da resolução. Os aviões da NATO atacaram as forças
de Kadhafi, no momento em que as suas forças estavam a recuperar terreno aos
rebeldes e estavam às portas da cidade onde começou a revolta, que foi Benghazi. É
nessa altura, que os aviões da NATO atacam a coluna militar e bombardeiam o
primeiro tanque da coluna que estava mesmo às porta de Benghazi, 1km não tanto, se
isso não em acontecido ia ser uma carnificina, na minha perspectiva, ou seja, se as
forças de Kadhafi tem conseguido entrar em Benghazi, iriam cumprir a promessa feita
anteriormente, durante um discurso que ele fez na praça verde em Tripoli, de Zenga,
Zenga (eu vou atrás de vocês em cada rua e em cada casa). Foi esta a promessa de
Kadhafi enquanto ainda estava no poder. Portanto, ele ao recuperar terreno aos
174
rebeldes e ao aproximar-se de Benghazi estava à beira de a cumprir e executar e teria
sido uma carnificina. É assim que eu vejo a intervenção da NATO, à luz da
Responsabilidade de Proteger, e parece-me que fez sentido. Não é a opinião da Rússia,
e por isso mesmo, porque a Rússia se sentiu enganada com a interpretação da
Resolução do Conselho de Segurança, nunca mais aprovou qualquer Resolução em
relação à Síria, para não cair, segundo a perspectiva russa, no mesmo erro. Isto para
além dos interesses que a Rússia tem na Síria e que não tinha na Líbia. Resumindo é
esta a sequência.
Há que ter em conta outra questão: as características da guerra civil na Líbia não são
as mesmas das presentes na Síria. A Líbia em termos étnicos é relativamente
homogénia, desde logo são todos sunitas, mas na Síria a situação é muito mais
complicada: tem uma minoria xiita, outra alauita a dominar a maioria sunita, para
além dos curdos na zona norte. Acresce o ter tido a presença forte do Estado Islâmico e
da Al-Qaeda, portanto, são situações com características distintas, e com um xadrez
diferente. Respondendo à sua pergunta, é assim que eu explico a diferença de critérios,
sendo que em qualquer um destes conflitos a existir, uma intervenção do Ocidente, e
eu não estou a dizer se devia haver ou não, estou só a dizer que a existir para ser eficaz
e para produzir alguns resultados teria sempre que acontecer numa fase mais inicial do
conflito, não agora. Agora ia ser um descalabro. Bem, depende um bocadinho do tipo
de intervenção, mas ia ser um descalabro porque se chega a um terreno como a Síria, e
nem se sabe bem quem é quem, tal é profusão de milícias: há tropas do regime sírio, há
tropas russas, há tropas do Hezbollah, há milícias apoiadas pela Turquia, há grupos
ligados à Al-Qaeda, há antigos grupos ligados à Al-Qaeda, há forças chamadas FDS,
Forças Democráticas da Síria ligadas aos Curdos, isto são os grandes grupos, depois
ainda existem os pequenos grupos e milícias que pontualmente vão estabelecendo
alianças estratégicas, hoje estão com uns amanhã com outros, em função do terreno
que ocupam e se precisam de armas ou de dinheiro fazem outro tipo de aliança. Fazer
uma intervenção ia ser um bico de obra. Acho que o momento já passou, a não ser que
seja uma intervenção do género de força de intervenção liderada pelas Nações Unidas,
mas mesmo assim teria que ter o apoio do Conselho de Segurança, só assim é que é
possível, e teria que ter a Rússia a dar esse apoio também.
175
[ Concordo que agora seria muito difícil e provavelmente não desejável,
mas tendo em conta que a intervenção na Líbia teve por base a
Responsabilidade de Proteger, custa a crer que não se tenha considerado esse
tipo de urgência face ao regime de Assad, ainda num momento em que a
mesma poderia ter sido levada a cabo quando as fações mais violentas e
extremistas ainda não tinham um controlo efectivo do terreno.]
Tem razão, mas repare: a intervenção da NATO na Líbia, se não estou em erro, ocorre
em Março de 2011, isto significa que é praticamente um mês e pouco depois de ter
começado a revolta, foi logo. Na Síria a dinâmica do conflito foi diferente, ou seja, há
um longo período. Enquanto na Líbia os rebeldes tem uma fase inicial em que avançam
de Benghazi para Sul e depois começam a recuar quando o Kadhafi se aproxima de
Benghazi e depois é bombardeado, há uma dinâmica que ocorre num curto espaço de
tempo. Na Síria, a dinâmica foi diferente em termos de tempo. Tivemos um longo
período em que as forças rebeldes foram ganhando terreno e houve uma altura em que
se acreditava que Assad estaria por dias, quando controlava Damasco e pouco mais,
sendo que o resto do país estava controlado pelas forças rebeldes. Portanto, a
dinâmica da guerra foi diferente, os timings foram diferentes, e isso se calhar retardou
uma eventual intervenção mais a fundo do Ocidente que depois quando a quis fazer já
não era possível, sendo que eu acho que ela nunca teria sido possível mesmo que
houvesse essa intenção, porque a Rússia a iria bloquear devido ao antecedente da
Líbia.
4) As Primaveras Árabes tiveram desfechos diferentes. Houve regimes que
souberam adptar-se rapidamente e levar a cabo algumas das medidas exigidas
pelos seus povos, como foi o caso da Jordânia e de Marrocos, ambas
monarquias. Existiram outros que não cederam à pressão das ruas e tentaram
manter o seu poder a todo o custo e só em última análise procuraram recorrer
a propostas de mudança, mas era já demasiado tarde, como foi o caso do
Egipto e da Líbia. E por fim, quem aguentasse a pressão pedindo ajuda externa
e massacrando o próprio povo, mantendo-se desta forma no poder, como é o
caso da Síria e do Bahrein. Existem portanto, diversas Primaveras e nem todas
chegaram a bom porto. Podemos concluir que o Ocidente não só não estava
176
preparado para estas transformações, como não soube ler as diversas
dinâmicas de poder instalado e as capacidades estruturais destes regimes em
se moldarem e adaptarem às possíveis conjunturas? Não foi um erro crasso do
Ocidente o insistir na generalização e homogeneidade do território como um
todo?
R: É a velha história de como nós, europeus ocidentais, olhamos para o Mundo. Temos
abordagens, por vezes, muito teóricas e muito desfasadas da realidade. Noto isso,
ocasionalmente, na Academia, onde existem abordagens muito teóricas, mas nem
sempre a sensibilidade para o que de facto se passa no terreno - não há uma
adaptação das teorias a essas realidades. Convém ter alguns aspectos em conta: por
exemplo falou de dois países que tem uma característica que é importante, são
Monarquias. No caso da Jordânia e de Marrocos, este último o rei é o representante
dos crentes junto de Deus, ou o representante de Deus junto dos crentes, e no caso da
Jordânia, por exemplo o rei é o guardião da Mesquita de Al-Aqsa. Existe uma carga
simbólica que torna diferente a relação das pessoas com o poder, se pensarmos por
exemplo, no caso do Egipto ou da Síria, são coisas diferentes. As Monarquias conferem-
lhes uma aura diferente, temos que ter isso em conta para além da questão religiosa. O
Bahrein e os países do golfo são outra questão. O Bahrein é um caso muito
característico porque é fundamental para os Estados Unidos: é lá que está Quinta
Esquadra. Todos estes factores envolvidos nestas tentativas de mudança vão depois
acabar por influenciar o resultado final. É bom não esquecer que o Golfo é um dos
grandes fornecedores de petróleo do Mundo é daí que vem grande parte do petróleo
que nós consumimos e mais importante do que o consumo é a possibilidade que este
países têm de influenciar o preço do petróleo, porque são países onde a extração de
petróleo é muito barata, por estar muito à superfície ao contrario do que acontece com
outros onde a extração é muito dispendiosa. Apesar de terem petróleo, gastam muito
para o poder comercializar, os países no golfo não. Se quiserem continuam a ganhar
dinheiro baixando o preço do petróleo e rebentando com os mercados internacionais.
Todos estes factores fazem parte da geopolítica e influenciam a estratégia de
abordagem do Ocidente a estas revoluções a que assistimos. Em suma, em relação aos
países do golfo parece-me que houve uma clara intenção do Ocidente em não interferir
177
porque oferece estabilidade aos negócios. Em relação aos restantes países, até por
uma questão de dimensão, a história e as dinâmicas foram diferentes, as revoltas
saíram à rua com uma força extraordinária e de facto o Ocidente não tinha previsto
aquilo. Recordo-me de ter visto a Economist, que fazem sempre todos os anos uma
previsão daquilo que vai ser o ano seguinte, e a Economist em Dezembro de 2010, não
fazia uma referência, não tinha uma linha sobre qualquer possibilidade de revolta ou
revolução no Médio Oriente, zero! Isto demonstra que de facto não havia a percepção,
e isto não é uma critica, de facto ninguém estava à espera, sendo que nós como
cidadãos comuns não temos o mesmo tipo de informação que têm os governos e
alguns sectores da informação, que têm outros meios para a captar e recolher. De
facto, o Ocidente não estava à espera e lidou de formas diferentes, tendo sido
apanhado de surpresa, houve algumas reticências por parte de alguns governos.
Recordo-me - quando escrevi a minha dissertação estive a ver precisamente este tema
com mais profundidade - que havia já manifestações na rua e existiam visitas de
Estado aos países como se estivessemos em plena normalidade. Viemos a perceber que
não era assim.
5) Outra questão que nos é cara nesta investigação é a da salvaguarda do
Património em situações de conflito declarado. Foi assim na Síria com as
pilhagens e destruição de artefactos e locais históricos considerados
Património da Humanidade; no Iraque com as pilhagens do Museu de Bagdad
aquando a intervenção dos EUA; continua a ser assim na Líbia, com património
artístico a rumar à Europa e a ser vendido em antiquários, leilões e galerias,
apesar das fortes suspeitas da sua proveniência; já para não falar no Iémen que
é um país a saque. A Inércia generalizada da Comunidade Internacional face a
uma realidade tão chocante causa perplexidade. É importante recordar que se
tratam de Crimes de Guerra segundo as Convenções de Genebra. Porém,
assistimos no Egipto, em plena Praça Tahrir, a cidadãos comuns que por sua
iniciativa permaneceram em frente ao Museu Egípcio de modo a impedir que
algo do género pudesse acontecer, uma vez mais na presença de militares que
não assumiram o exercício das suas próprias funções. Estará a defesa do
património a mercê da coragem individual de cada um de nós?
178
R: Eu nesta questão comparo com uma analogia que é Património e Direitos humanos
em tempos de guerra são figuras de retórica. Não é a prioridade para ninguém. Estou a
falar em tempo de guerra, não quer dizer que no Egipto tivesse existido uma guerra
não é isso, mas durante o conflito eu estive na Praça Tahrir, o Museu é ali mesmo,
dentro da Praça Tharir, notei de facto que existiam pessoas, mas não era uma coisa a
que nós dedicássemos muita atenção porque a atenção estava virada para outros
aspectos. Houve pilhagem, houve roubo de peças do Museu, mas de facto o Património
não é prioridade basta ver o que aconteceu na Síria, ou com os Budas de Bamyhan no
Afeganistão. E portanto, o Património não é de facto uma prioridade em termos de
protecção, vem numa segunda linha de preocupação, sendo que muitas vezes também
é utilizado como financiamento para a própria guerra. É dramático, mas é assim.
Ninguém está preocupado com a destruição que é provocada, com aquilo que é
pilhado, a preocupação que pode haver nesse sentido é saber quem é que vai
beneficiar disso.
[Ainda em relação a esta pergunta – Em todas as zonas que cobriu como
repórter, em situação alguma se deparou com uma tentativa de protecção e defesa do
património, quer por civis, quer por forças armadas?]
Deparei. Por acaso deparei-me, embora de uma forma muito rudimentar, no Iraque.
Curiosamente, na zona onde esteve agora o Papa, na Casa de Abraão no Zigurate de
Ur. Recordo-me, são imagens que nos ficam gravadas na memória, numa zona que
tinha o aspecto de estar a ser explorada por arqueólogos antes da Invasão de 2003,
como deve calcular todos os trabalhos pararam e a exploração ficou a céu aberto e as
pessoas locais começaram a perceber que havia gente que se deslocava ali para
saquear, sendo que o maior interesse das pessoas, por desconhecimento, por não
perceberem o valor que tinham em mãos, eram principalemente as cerâmicas, que
partiam para ver se havia moedas de ouro, e portanto existia uma destruição nesse
sentido. O que os locais fizeram nessa altura, presumo que com as autoridades que
ainda existiam ali na zona, foi recorrer a retroescavadoras recolher areia nas zonas do
deserto e taparam tudo o que entretanto tinha sido aberto por motivos arqueológicos.
Lembro-me de andarmos por lá, e sentirmos a cerâmica a partir por de baixo dos
nossos pés. Estava tapado, mas nós de facto andávamos e de vez em quando
179
sentíamos que algo se estava a partir, mas não havia uma vedação andavam militares
naquela aérea… tenho essa memória. Essa tentativa de salvar o Património.
6) Dos locais que teve oportunidade de acompanhar de perto, relacionando-se
com as pessoas envolvidas, com as suas vivências e sonhos, qual deles
considera com maiores probabilidades de cumprir com as promessas da
Primavera Árabe?
R: Não sei responder a essa pergunta. Acho que há dinâmicas muito próprias em cada
país, em termos de política internacional, as próprias grandes potências e também as
potências regionais têm interesses distintos em cada país, tudo isso vai influenciar. A
minha convicção, e se me perguntar por que é que o digo eu se calhar não sei justificar
de forma muito concrecta, mas tenho a convicção de que mais tarde ou mais cedo os
ditadores vão cair. Não é possível, que alguém por exemplo, no Egipto ou na Síria,
continue a manter milhares e milhares de pessoas nas prisões, milhares e milhares de
pessoas que só estão presas por delito de opinião, não é possível, é um caminho que
obrigatoriamente vai ter um fim. Como é que se vai concretizar, não faço a mínima
ideia, não sei se vai existir uma vaga de revoltas mais violentas, ou se os próprios
regimes se corroem por dentro e caem. No Egipto existiu essa dúvida, de saber se a
queda de Mubarak era fruto da exigência da revolta nas ruas ou se os próprio militares
dentro de regime já estavam também eles, fartos de Mubarak e queriam também
alguns deles ascender a lugares mais cimeiros do regime, e caindo o líder abria-se
também essa porta, que foi o que acabou por acontecer. São dinâmicas que variam
muito de país para país, mas repare como é que é possível na Síria manter um
Presidente depois daquilo que ele fez ao próprio povo? Quer dizer, a maior parte das
pessoas só pode aceitar isso por medo, mas há um dia em que o medo acaba. Ter um
Presidente que durante meses andou com helicópteros a largar bidões de explosivos
em bairros residenciais, não é aceitável! E é natural que as pessoas se revoltem, é
natural também, que tenham medo porque conhecem as consequências das revoltas,
mas há um dia em que perdem o medo. Perderam o medo em 2011, com a onda de
revolta e provavelmente vai voltar a acontecer.
180
7) Durante 30 anos as inúmeras parcerias mediterrânicas levadas a cabo quer pela
União Europeia, quer pela NATO – depararam-se sempre com fortes
constrangimentos devido à questão israelo-palestiniana, colocada em cima da
mesa, na hora de assumpção de compromissos. Podemos considerar que existe
um certo aproveitamento da mesma?
R: Eu acho que consigo entender a pergunta, que é não tanto em relação ao
Mediterrâneo, mas mais em relação ao mundo Árabe. Os árabes jogam muito com a
questão israelo-palestiniana e que dura há décadas. Curiosamente, tivemos eleições
ontem em Israel, vamos ver o que o futuro nos reserva em termo de governo israelita,
mas de facto os árabes tem uma tradição, má para eles, mas é uma tradição de fraca
união. E que tem muito a ver com o que mencionámos em relação às Primaveras
Árabes: por que é que os árabes têm uma fraca união? Porque os poderes nos países
árabes, tinham a consciência que eram no mínimo autocráticos, já para não dizer que
eram puras ditaduras, e sendo poderes autocráticos preocupam-se muito com tudo o
que é oposição interna, ou seja, sabem o que são, sabem que têm oposição, e a
preocupação reside na manutenção do poder e manter o controlo do país, e para isso
faziam todas as alianças e todos os negócios que lhes permitissem manter esse poder.
Portanto, a causa Palestiniana fazendo parte da retórica política, na prática nunca teve
qualquer tipo de efeito. A própria Liga Árabe que faz comunicados muito emotivos e
com grades soundbites em defesa da causa palestiniana, em concrecto pouco ou nada
fez. Basta ver, por exemplo, os acordos que alguns países árabes celebraram com
Israel. Onde é que ficou a causa Palestiniana? Dizem que vão travar os colonatos, mas
isso … Há uma tradição de falta de união dos países árabes, e a causa palestiniana
serviu para a retórica política. Aliás, há países árabes que tratam mal os palestinianos.
No Líbano, um dos países que tem mais refugiados palestinianos, estes são cidadãos de
segunda ou de terceira, onde não podem exercer uma série de profissões liberais, a não
ser dentro dos campos de refugiados, mas na sociedade libanesa eles não podem
exercer a não ser em postos menos qualificados: não podem ser professores, não
podem ser juízes, etc. E estamos a falar de um país árabe que trata assim os
palestinianos, apesar de os acolher o que já não é pouco, mas mesmo assim levanta-se
181
a questão de acolher com dignidade e não transformando-os em cidadãos de segunda.
Portanto há de facto esse aproveitamento, eu acho que sim.
8) A criação de um Fórum de Gás do Mediterrâneo Oriental (EGMS) – dedicado à
exploração conjunta dos recursos presentes na região, combinando as ZEE dos
seguintes países: Chipre, Grécia, Itália, Egipto, Jordânia, Israel e Autoridade
Palestiniana, tende a demonstrar que em questões económicas os dois países
estão dispostos a ‘colaborar’. É certo que a iniciativa produziu fortes críticas por
parte do HAMAS, mas não as suficientes para bloquear o processo. Como
devemos ler esta disponibilidade?
R: Eu sou um adepto do diálogo, mas estas questões são complicadas. Por exemplo, o
Líbano atravessa uma crise económica profundíssima e uma crise politica se calhar
ainda pior. O Líbano está tradicionalmente sem Governo: quando tem Governo
governa pouco e quando não tem é quando estão a tentar formar coligações para
construir um Governo, e toda esta indefinição política no Líbano, há quem diga que
tem a ver com estas reservas na zona do Mediterrâneo. Isto é, as empresas envolvidas
neste projecto, juntamente com os países envolvidos, beneficiam desta falta de voz do
Líbano para fazer contratos e concessões, que depois dificilmente serão reversíveis.
Alguém vai ficar a ganhar com negócio, sendo que o Líbano de certeza vai perder. Dito
isto, eu penso que eles têm que dialogar, a Convenção de Montego Bay, estabelece as
fronteiras marítimas e em função disso os recursos que pertencem a cada zona
marítima exclusiva, mas seja como for face à disputa que existe com a Turquia, tudo se
torna muito complicado. A Turquia, se tivermos em conta aquela zona específica, é a
grande potência regional, está a intervir na guerra da Líbia, curiosamente apoiando o
Governo que até agora era reconhecido pela Comunidade Internacional, que era o
Governo de Trípoli, e que viu desenvolvimentos nos últimos dias, existindo finalmente
um Governo de Salvação Nacional na Líbia, vamos ver se vai resultar ou não. Acho que
é preciso desencadear de facto um processo naquela zona, pode ser através deste
fórum ou não, mas é preciso desencadear um processo que regulamente de forma
clara o acesso e exploração dos recursos naquela zona. Se isso não acontecer, podemos
correr o risco - que já esteve perto - da Turquia e a Grécia entrarem em vias de facto,
182
creio que ninguém quer isso agora, mas se chegarmos a uma situação limite em que
algum dos países entenda que os seus interesses estão a ser fortemente prejudicados
se calhar é isso que acontece. Um dos problemas em Gaza é precisamente a existência
de recursos nas suas águas, e recursos que à luz da Convenção são recursos que
pertenceriam aos Palestinianos, e que estão a ser explorados por Israel. É importante
dialogar, e o facto de ambas estarem a conversar não significa que haja uma
colaboração no mau sentido, acho que pode ser uma colaboração no bom sentido, e
digo-lhe que acho que Palestinianos e Israelitas só conseguem resolver o conflito se se
entederem e se falarem, quer dizer não há volta a dar a este facto.
9) A Autoridade Palestiniana é até à data, o principal beneficiador de ajuda
económica europeia. A Europa é igualmente, o principal defensor do direito à
auto-determinação do povo palestiniano. Para tal, tem recorrido sobretudo a
uma estratégia que visa a criação das condições necessárias à efectivação de
um futuro Estado – reformas nos sistema de Justiça, apoios ao sector da saúde,
financiamentos do sector público entre outras – com esta abordagem a União
pretende criar bases consistentes. Podemos concluir que se trata de um soft
power necessário, mas de longo prazo. Existe portanto, a necessidade de
reafirmar o seu poder político enquanto potência capaz de mediação,
reequilibrando a balança de poderes até então profundamente marcada pelos
EUA. Podemos esperar essa mudança de posição por parte da União Europeia?
É desejável que assim aconteça?
R: A União Europeia, infelizmente para nós, em termos de política externa é um
desastre. Desde logo porque não consegue ter uma política externa consistente e bem
definida, basta ver o que acontece na Líbia, por exemplo. Tem países europeus a apoiar
o LNA e tinha países europeus a apoiarem o Governo de Trípoli, portanto isto diz logo o
que é a política externa da União Europeia. Inclusivamente, mesmo em relação à
questão israelo-palestiniana, há um aspecto importante que é o lobby judaico que se
manifesta em muitos países da União Europeia: manifestou-se por exemplo, ainda o
Reino Unido fazia parte da União Europeia, com o líder trabalhista, Jeremy Corbyn, que
foi afastado precisamente com acusações de antissemitismo, o que uma coisa! …
porque existe este problema quando se aborda o tema, que é tudo o que se diz contra,
183
não sendo contra Israel ou contra o povo judeu, mas sim em desfavor do governo
israelita é logo classificado e carimbado como antissemita, e as coisas não são assim.
A União Europeia podia fazer mais pela causa palestiniana, mas lá está depois o lobby
judeu a funcionar, e há alguns países que seja em sede de Conselho Europeu, seja no
Parlamento Europeu, ou nas diversas instituições europeias que bloqueiam medidas
mas concrectas e mais assertivas em relação ao conflito Israelo-palestiniano. Eu não sei
o que é que vai acontecer agora com o novo governo israelita, provavelmente o B.
Netanyahu vai continuar, falta saber o que é que os EUA vão fazer com Biden como
Presidente. Trump era muito amigo de Netanyahu, Biden está a dar sinais de que não
existirá nenhum tipo de amizade símile, mas para além disso prevalecem sempre os
interesses dos Estados, independentemente dos dirigentes gostarem mais de uns do
que de outros, e é com base nesses interesses nacionais que é feita a política externa.
Agora a União Europeia, eu não diria que é um saco de gatos, mas é quase. Cada um
puxa para seu lado e como não há possibilidade de chegar a consenso limitam-se a
apresentar umas medidas. O que é certo que ao longo de décadas, se alguém tem
estado a perder sucessivamente são os Palestinianos, não são os Israelitas. E aí, a
União Europeia, mas principalmente o Reino Unido, têm muitas culpas no cartório,
nomeadamente no conflito, desde a célebre declaração de Balfour e tudo o que se
seguiu. Seria chegada a hora de fazer algo de diferente, mas não me parece que isso vá
acontecer. Para já é melhor esperar para ver, visto que a situação está em
transformação.
Muito Obrigada pela colaboração.
184
III PARTE
185
IV – ESTÁGIO CURRICULAR NO ESTADO-MAIOR DA ARMADA
186
MARINHA: CONTEXTO JURIDICO-NORMATIVO
O presente Estágio Curricular teve lugar no Departamento do Núcleo de Forças e
Planeamento, ao serviço do Estado-Maior da Armada, num período compreendido
entre 02 de Novembro de 2020 e 02 de Maio de 2021, sob orientação do Exmo
Capitão-de-Fragata Mário Cortes Sanches.
Numa primeira fase houve a necessidade de compreender a estrutura constitucional e
militar da Instituição, bem como o seu devido enquadramento legal. Ora, de acordo
com o art.1 da Lei Orgânica da Marinha (LOMAR)175, a Marinha integra-se na
administração directa do Estado, através do Ministério da Defesa Nacional e é
considerada um ramo dentro das Forças Armadas, dotada de autonomia
administrativa. Compete igualmente ao Estado, através das suas Forças Armadas
assegurar a defesa e integridade do Território Nacional, como referido na Constituição
Portuguesa, Art.273176, a saber: O Estado é obrigado a assegurar a Defesa Nacional (…)
garantir, no respeito da Ordem Constitucional, as instituições democráticas e as
convenções internacionais, a independência nacional, a integridade do território, a
liberdade e a segurança das populações contra qualquer agressão ou ameaças
externas.
As incumbências das Forças Armadas são elencadas no Nº1, Art.24 da LDN177: a)
desempenhar todas as missões militares necessárias para garantir a soberania, a
independência nacional e a integridade territorial do Estado; b) participar nas missões
militares internacionais necessárias para assegurar os compromissos internacionais do
Estado no âmbito militar, incluindo missões humanitárias e de paz assumidas pelas
organizações internacionais de que Portugal faça parte; c) executar missões no exterior
do território nacional, num quadro autónomo ou multinacional, destinadas a garantir a
salvaguarda da vida e dos interesses dos portugueses; d) executar as acções de
cooperação técnico-militar, no quadro das políticas nacionais de cooperação; e)
175
Lei Orgânica da Marinha – Decrecto de Lei Nº185/2014, 29 Dezembro. 176
Constituição da República Portuguesa – versão dada pela Lei Constitucional Nº1/2005, 12 Agosto. 177
Lei da Defesa Nacional – versão dada pela Lei Orgânica Nº1B/09, 7 Julho.
187
cooperar com as forças e serviços de segurança tendo em vista o cumprimento
conjugado das respectivas missões no combate a agressões ou ameaças
transnacionais; f) colaborar em missões de proteção civil e em tarefas relacionadas
com a satisfação das necessidades básicas e a melhoria da qualidade de vida das
populações.
– ESTRUTURA HIERÁRQUICA DAS FORÇAS ARMADAS
Tal como referido anteriormente, as Forças Armadas enquadram-se no Ministério da
Defesa Nacional, sendo os órgãos do Estado directamente responsáveis pela Defesa
Nacional e pelas Forças Armadas os seguintes: Presidente da República; Assembleia da
República; Governo e o Conselho Superior de Defesa Nacional. Quanto à
representação institucional dos seus ramos, as Forças Armadas são dirigidas pelo
Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas (CEMGFA) que, por sua vez,
representa o Chefe de Estado-Maior da Armada (CEMA); o Chefe de Estado-Maior do
Exercito (CEME); e o Chefe de Estado-Maior da Força Aérea (CEMFA).
O enquadramento legal do CEMGFA é disposto no Nº3, Art.8 e Art.15 da LOBFA178,
como órgão do topo militar, a saber: Constitui-se como o quartel-geral das Forças
Armadas, compreendendo o conjunto das estruturas e capacidades adequadas para
apoiar o Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas no exercício das suas
competências, e fazem parte da organização dos ramos das Forças Armadas para o
cumprimento das respectivas missões, comandado pelo Chefe do Estado-Maior, os
órgãos das Forças Armadas: O Estado-Maior, os órgãos centrais da administração e
direcção, o comando de componente, os órgãos de conselho, os órgãos de inspecção,
os órgãos de base e os elementos de componente operacional do sistema de forças.
1.2. – ESTRUTURA DO ESTADO-MAIOR DA ARMADA
A Marinha é chefiada pelo Chefe do Estado-Maior da Armada (CEMA) e para
cumprimento da respectiva missão engloba: o Estado-Maior da Armada (EMA); os
órgãos centrais de administração e direcção; o comando de componente naval,
178
Lei Orgânica de Base da Organização das Forças Armadas – Na versão dada pela Lei Orgânica Nº1A/2009, 7 de Julho.
188
designado por comando naval; os órgãos de conselho; o órgão de inspecção,
designado por inspecção-geral da Marinha; os órgãos de base; e os órgãos e serviços
regulados por legislação própria.
No que respeita à organização interna da Marinha, esta possui quatro áreas
operacionais: 1) Formulação estratégica e planeamento, a cargo da chefia da Marinha,
órgãos de Conselho e do Estado-Maior da Armada; 2) superintendências do pessoal,
do material, das finanças e de tecnologia de informação e a gestão dos recursos
humanos; 3) Comando naval, que conjuntamente com os órgãos culturais e de
investigação científica, fazem o controlo dos meios navais e das forças dos fuzileiros e
unidades de mergulhadores; e 4) gestão dos procedimentos realizada pela inspecção-
geral da Marinha.
De acordo com o Art.3 da DECREG179, o gabinete do CEMA tem por missão prestar
apoio directo e pessoal ao CEMA e à AMN designadamente ao nível da comunicação e
das relações públicas, do protocolo, da acessória jurídica e apoio ao contencioso, e
ainda, ao nível administrativo e financeiro. Por sua vez, o EMA é constituído pelo
SCEMA, pela divisão de Recursos (DIVREC); divisão das Relações Externas (DIVRE);
divisão de Planeamento (DIVPLAN); Gabinete de Coordenação Interna (GCI) e Estrutura
de Apoio. De forma sintética, procedemos a um elenco de competências de cada uma
destas divisões:
- DIVREC : constituído pelo Departamento Jurídico operacional e internacional, pelos
Recursos Humanos e pelos Recursos Materiais
- DIVRE: Composto pelas áreas de representação internacional e de cooperação.
-DIVPLAN: onde constam as áreas de Estratégia, Transformação e Comunicação
Estratégica
- GCI: Constituído pelas secções de coordenação, correspondência e informática.
179
Decrecto Regulamentar da Marinha – Na versão dada pelo Decrecto Regulamentar Nº10/2015, 31 de Julho.
189
1.3 – COMPETÊNCIAS DA DIVISÃO DE PLANEAMENTO
Segundo o Regulamento Interno do Estado-Maior da Armada180, ao DIVPLAN compete:
Elaborar estudos, planos, informações, pareceres ou propostas no âmbito da estratégia
naval e do planeamento integrado de actividades e, em especial: I) a doutrina, dos
conceitos, do planeamento e da gestão estratégica; II) a comunicação estratégica; III) a
organização operacional, do planeamento e geração de forças e meios de participação
em exercícios e missões externas; V) das informações e das matérias relacionadas com
a segurança militar e contrainformação (…) e) coordenar, no âmbito da Marinha, a
cooperação interagências; g) coordenar a acção da Marinha em matéria de segurança
e defesa do ciberespaço e da informação, assegurando a ligação com entidades
externas.
A Divisão de Planeamento agrega três áreas distintas de intervenção: 1) área de
Estratégia; 2) área de Transformação e 3) área de Comunicação. A primeira
mencionada, subdivide-se em oito núcleos, a saber: Núcleo de Conceito e Estratégia;
Núcleo de Planeamento Estratégico (Genético); Núcleo de Planeamento Estratégico
(Estrutural); Núcleo de Planeamento Estratégico (Operacional); Núcleo de Análise,
Prospectiva e Controlo; Núcleo de Exercícios, Treino, Geração e Emprego; Núcleo de
Planeamento de Forças e Núcleo de Planos e Interagências.
Conforme referido no Artigo 45.º - Ao Núcleo de Planeamento de Forças compete: a)
Elaborar estudos, planos, informações, pareceres ou propostas no âmbito da edificação
de capacidades militares a médio e longo prazo necessárias ao cumprimento das
missões da Marinha; b) Participar nas atividades conducentes à edificação de
capacidades militares, no âmbito do Ciclo de Planeamento de Defesa Militar (CPDM),
do Ciclo de Planeamento de Defesa da NATO (NDPP - NATO Defence Planning Process)
e do Processo de Desenvolvimento de Capacidades (CDP - Capability Development Plan)
da UE; c) Elaborar estudos e pareceres sobre propostas, objetivos de força e planos de
implementação com vista à edificação de capacidades militares no âmbito do CPDM; d)
Elaborar estudos sobre os objetivos de força e planos de implementação para a
180
Regulamento Interno do Estado-Maior da Armada – Despacho do Almirante Chefe do Estado-Maior da Armada Nº9/16, 2 de Fevereiro.
190
edificação de capacidades militares no âmbito do NDPP e do CDP; e) Elaborar estudos e
propor a ligação a projetos que, no âmbito das iniciativas de Defesa Inteligente (Smart
Defence) e Desenvolvimento Partilhado de Capacidades (Pooling and Sharing), possam
eventualmente vir a ter interesse estratégico para a Marinha; f) Apoiar os processos de
desenvolvimento e as ações conducentes à aprovação de programas de investimento,
no âmbito da edificação de capacidades militares a médio e longo prazo; g)
Acompanhar os assuntos relativos à navegação, hidrografia, oceanografia e
meteorologia militares.
191
ENTREVISTAS
192
Entrevista realizada ao Exmo Capitão-de-Fragata Algarvio - Chefe de Divisão
de Operações do Comando Naval
GUIÃO Exmºs Senhores, O meu nome é Mafalda Garcia e frequento o Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais, na vertente de Estudo Europeus na Universidade Nova de Lisboa. No âmbito do Estágio Curricular na Marinha Portuguesa (DIVPLAN), sobre a temática: Defesa e Segurança no Mediterrâneo, gostaria de colocar a V.Exªs as seguintes questões:
1) Como vê a continuidade dos esforços para a concretização de um Exército Europeu com a saída do Reino Unido da União Europeia?
R: Independentemente da saída do Reino Unido da União Europeia (EU) a verdade é que os líderes dos Estados-Membros (EM) tem a plena consciência de que é impossível enfrentar de forma isolada as atuais ameaças à segurança. Dessa forma este projeto de um Exército Europeu tem sido dinamizado pelas declarações dos líderes políticos das duas grandes potências militar e económicas europeias França (Emmanuel Macron) e Alemanha (Angela Merkel). Contudo existem algumas reticências como é o caso de Portugal através da declaração do Ministro da Defesa Nacional, Gomes Cravinho.
a. Quais as suas possíveis consequências e vantagens? i. As consequências, em matéria de defesa, provocadas pelo Brexit
são ainda muito incertas, talvez por esse motivo os assessores britânicos que delinearam as linhas gerais do acordo de saída tenham considerado em 20 prioridades a cooperação na defesa em 11º lugar. A posição britânica poderá dever-se aos seguintes pressupostos:
1. A União Europeia não foi criada como uma aliança de defesa como a NATO;
2. O Reino Unido é, por si só, uma potência militar de influência global, pois possui capacidade de projeção de força.
3. O Reino Unido vai manter tratados bilaterais e multilaterais com EM da EU, como por exemplo:
a. NATO; b. Joint Expeditionary Force constituída por países
pertencentes à EU (Dinamarca, Estónia, Finlândia, Letónia, Lituânia, Holanda e Suécia) e à NATO (Noruega);
c. Combined Joint Expeditionary Force ( com a França). d. EUBG – European Amphibious Battle Group (SP, ITA,…)
ii. A vantagem que se começa a sentir é que com o BREXIT a EU tem reforçado o número de projetos PESCO na área da defesa por forma a adquirir a sua autonomia estratégica no plano das relações internacionais.
193
2) Tendo em conta os dados do Eurobarómetro de março de 2018 - “os europeus esperam que a UE garanta a segurança e a paz. Três quartos (75%) são a favor de uma política comum de defesa e segurança. A maioria dos cidadãos (55%) é a favor da criação de um exército da UE. Mais recentemente, 68 % dos europeus afirmaram que gostariam que a UE fizesse mais no domínio da defesa”. Na sua opinião, quais os constrangimentos atuais que inviabilizam a sua concretização?
R: Apesar de os Estados terem a consciência de que atualmente, face ao surgimento de ameaças híbridas ser impossível de as enfrentar de forma isolada a verdade é que diferentes tradições e culturas estratégicas (Potências Continentais vs Potências Marítimas) tornam um pouco difícil a criação de um exército europeu. Por outro lado, fruto da cultura estratégica da EU, historicamente, uma posição mais “belicista” ou virada para a defesa, poderia por em causa a união das nações que a compõem…. Para isso existe a NATO, contudo, os tempos são de mudança!
3) Que importância atribui à Sexta Esquadra, à European Rapid Operational Force (Eurofor) e ao European Maritime Force (Euromarfor), na defesa e segurança do Mediterrâneo? E neste contexto, qual a capacidade de influência portuguesa?
R: A fronteira sul da União Europeia é uma região essencial para a projeção externa da EU quer pelas suas reservas energéticas, quer ainda por ser uma região caraterizada pelos enormes desafios de índole económica e social. Os conflitos nesta região tendem a contaminar espaços contíguos, incluindo o Sahel, onde uma situação política e social instável facilita a presença de grupos terroristas, bem como o desenvolvimento de ligações entre tráficos de todo o tipo. Pelo que por forma a mitigar os impactos destas ameaças no continente europeu é essencial que a EU se assuma como ator de segurança com o incremento de missões militares na bacia do mediterrâneo. Portugal de acordo com as grandes opções do conceito estratégico de defesa nacional construi para a estabilidade estratégia no Mediterrâneo e no Magrebe, participante ativamente na Iniciativa 5+5 Defesa. Para além disso, Portugal já assumiu 3 vezes o Comando da Euromarfor no espaço de 25 anos. No sentido de potenciar a sua capacidade de influência e de operação, a edificação da capacidade de projeção de força na nossa esquadra é um princípio que nos leva ao B A BÁ da política de defesa nacional e consequentemente da estratégia militar nacional – Urge adquirir um navio de assalto anfíbio.
4) Considera que a União Europeia depende em demasia da Aliança Atlântica na defesa do seu Espaço Comum? E em concreto no Mediterrâneo?
194
R: Não é uma questão de dependência, mas uma realidade. Os dados demonstram que em termos de defesa os parceiros europeus não investem nas suas capacidades militares como inicialmente acordaram inicialmente acordaram (2% do PIB). Para além disso, se repararmos nos principais pontos focais das rotas comerciais marítimas do Mundo (Gibraltar, Suez, Golfo de Hormuz) as forças aí localizadas são principalmente de nacionalidade americana, russa, chinesa e indiana. A União Europeia tem uma presença muito diminuta apesar de possuir atualmente duas missões ativas a Operação Irina no Mediterrâneo e a Operação Atalanta no Golfo de Aden e Bacia da Somália.
5) Tomada a seguinte estratégia: “Considerar como via de solução do problema entre as duas margens do Mediterrâneo, a adoção de uma política mercantil forte (de cariz sustentável) que volte a fazer deste um mar navegável e intenso em trocas comerciais entre ambas as margens, permitindo o desenvolvimento e enriquecimento da margem sul, em concreto, e a fixação das suas populações”, considera-a como uma resposta válida à resolução das diferenças socioeconómicas entre a margem Norte e Sul do Mediterrâneo? Se sim, qual o papel que Portugal poderia desempenhar neste contexto?
R: A definição de estratégias deverá ser feita através do poder político, contudo, historicamente Portugal terá com certeza uma palavra ativa nesta ligação. Importa aqui referir a iniciativa 5+5 Defesa em que se pretende estreitar laços no âmbito da segurança marítima, e em que Portugal tem assumido um papel muito ativo – apesar das dificuldades postas pelas referidas diferenças socioeconómicas.
6) Considera válidas, as preocupações no que respeita às ameaças levadas a cabo pelo Estado Islâmico, de reconquista do Flanco Sul Europeu e do Norte de África, territórios que são ou foram muçulmanos? Se sim, e devido à forte instabilidade da Líbia, que posição deve tomar Portugal na defesa do seu território face a esta ameaça?
R: Todos os Estados frágeis ou em colapso, tem implicações em termos de segurança, com especial relevância para os fenómenos de terrorismo e pirataria, mas também, para a criminalidade organizada pelo que Portugal deve apoiar o desenvolvimento da União Africana e da sua dimensão de segurança regional. Para além disso, face aos atuais recursos financeiros disponíveis, Portugal tem previsto participar em 2021 com um submarino na Operação Irina contribuindo assim para disrupção das redes de migração ilegal e a capacitação da Guarda Costeira Líbia, apoiando o processo de paz em curso no país.
7) O Mediterrâneo expõe inúmeras debilidades, cujo combate constitui um desafio para a EU, a saber: proliferação de contrabando, tráfico de seres humanos, terrorismo e extremismo violento, conflitos étnicos existentes, instituições governamentais frágeis com a subsequente ausência de autoridade por parte dos Estados, insegurança alimentar e degradação ambiental, sendo
195
estes os aspetos mais abordados. Existe porém, um outro, o combate ao tráfico de bens culturais, que se viu intensificado sobretudo, com a Auto proclamação do Estado Islâmico, e que foi apontado como uma das principais fontes de financiamento do mesmo. Existe alguma coordenação no campo das Forças Armadas com o intuito de prevenir e atuar na proteção desses mesmos bens? Nomeadamente numa parceria com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) e a Organização do Mundo Islâmico para Educação, Ciência e Cultura (ISESCO)?
R: Ao patrimônio histórico e cultural são atribuídos valores tradicionais de grande importância, relacionados com a história de uma determinada nação. A destruição intencional e direta de um patrimônio cultural em determinado território em tempo de guerra é crime de guerra. Pelo que apesar de não existir parcerias com as organizações acima citadas todos os militares em missão cumprem com este dever de não destruir o património cultural uma vez que é considerado crime de guerra.
8) No atual contexto pandémico, e nas repercussões geopolíticas que o mesmo gera, o que podemos esperar numa zona tão suscetível a interferências externas e cadeias de choque, como o Mediterrâneo?
R: Não disponho de elementos de informação que suportem esta, nova e recente, realidade pandémica. Contudo, naturalmente que situações catastróficas que afetam a economia mundial, naturalmente afetam a economia regional e consequentemente agudizam o estado da ordem presente.
9) Das inúmeras parcerias e acordos de cooperação levados a cabo, a saber: Grupo 5+5 (1990); Diálogo Mediterrânico da NATO (1994); Processo de Barcelona (1995); Política Europeia de Vizinhança (2003); Iniciativa de Cooperação de Istambul (2004) e União para o Mediterrâneo (2007), qual considera ser o mais profícuo e porquê?
R: Apenas conheço a iniciativa 5+5 Defesa que já referi constituir uma mais-valia no âmbito da Segurança Marítima no geral e na ligação entre MOC´s (Maritime Operations Centre) no particular.
10) O que esperar de uma escala de tensão entre a Turquia e a Grécia no Mediterrâneo Oriental, sendo que a primeira, possui o segundo maior contingente de forças da NATO, e a segunda, é igualmente membro da NATO e da União Europeia?
R: A disputa atual prende-se única e exclusivamente por acesso a recursos energéticos existentes nas águas disputadas entre a Turquia e a Grécia. Curiosamente, este conflito apesar de ser entre a Grécia e a Turquia veio demonstrar qual a organização mais preponderante para a França, ao colocar-se ao lado da Grécia por pertencer à EU ao invés da Turquia. Outro fator interessante foi também o posicionamento de Itália ao apoiar a Grécia uma vez
196
que a Turquia celebrou contratos de exploração com a Líbia, colocando assim em causa os interesses económicos italianos na região. Para além de ser uma tensão histórica, existirão pressões diplomáticas conducentes á redução do status-quo, veja-se por exemplo que, desta feita, ambos os países foram avisados pela Alemanha para desmilitarizarem a disputa. Resumindo, é pouco provável que venha a ocorrer uma guerra convencional entre ambos os países, mas a tensão permanecerá num equilíbrio de forças – mesmo que com “ajuda” externa.
11) O Terrorismo Transnacional caracteriza-se por conflitos híbridos e pela escusa do confronto direto, optando sistematicamente por uma estratégia de guerrilha e pelo ataque surpresa, como forma de ultrapassar a assimetria de poder e capacidade bélica dos exércitos regulares. Assim sendo, qual a melhor forma de fazer face às ameaças híbridas?
R: As ameaças híbridas não podem ser derrotadas através dos meios
convencionais pelo que o reforço na capacidade de informações militares e ciberdefesa são o garante de o país alcançar o aviso antecipado adequado para que as suas forças armadas consigam desenvolver uma estratégia genética que as consiga combater. Naturalmente, pela natureza da ameaça, a interligação e partilha entre países NATO / EU será fundamental para, ainda em tempo de Paz, ser possível caracterizar os riscos, identificar vulnerabilidades no sentido de negar a capacidade de desenvolvimento em crise ou conflito.
Muito obrigada pela colaboração
197
Entrevista realizada à Exma 2TEN Marisa Pereira – Centro de Gestão e Análise
de Dados Operacionais
GUIÃO
Exmºs Senhores,
O meu nome é Mafalda Garcia e frequento o Mestrado em Ciência Política e Relações
Internacionais, na vertente de Estudo Europeus na Universidade Nova de Lisboa. No
âmbito do Estágio Curricular na Marinha Portuguesa (DIVPLAN), sobre a temática:
Defesa e Segurança no Mediterrâneo, gostaria de colocar a V.Exªs as seguintes
questões:
1) Como vê a continuidade dos esforços para a concretização de um Exército
Europeu com a saída do Reino Unido da União Europeia? Quais as suas
possíveis consequências e vantagens? Tendo em conta os dados do
Eurobarómetro de março de 2018 - “os europeus esperam que a UE garanta a
segurança e a paz. Três quartos (75%) são a favor de uma política comum de
defesa e segurança. A maioria dos cidadãos (55%) é a favor da criação de um
exército da UE. Mais recentemente, 68 % dos europeus afirmaram que
gostariam que a UE fizesse mais no domínio da defesa”. Na sua opinião, quais
os constrangimentos atuais que inviabilizam a sua concretização?
R: A segurança e defesa subiram para o topo das prioridades políticas europeias.
Todavia, não se muda uma realidade tão complexa como a capacidade militar e a
doutrina de defesa de um dia para o outro e a saída do Reino Unido é a maior
machadada nas pretensões europeias neste domínio. O Reino Unido e a Alemanha
funcionariam como núcleo a partir do qual seria possível construir uma capacidade
militar europeia com o mínimo de credibilidade. Contudo, atualmente, mesmo que a
cooperação militar entre os dois países possa manter-se em alguns domínios e através
da NATO, é mais do que claro que os EUA são insubstituíveis e sê-lo-ão por muito mais
tempo num mundo cada vez mais adverso. Para poder competir a nível mundial, a
Europa vai ter de reunir e integrar as suas melhores capacidades, uma vez que se
estima que, em 2025, a China se vai tornar o segundo maior gastador em defesa do
mundo, a seguir aos EUA.
2) Que importância atribui à Sexta Esquadra, à European Rapid Operational Force
(Eurofor) e ao European Maritime Force (Euromarfor), na defesa e segurança do
Mediterrâneo? E neste contexto, qual a capacidade de influência portuguesa?
R: A necessidade de garantir a segurança e estabilidade no Mediterrâneo levou ao
desenvolvimento de uma série de ações cooperativas para a região, e estas forças
198
navais têm um papel extremamente fulcral, no sentido em que a multiplicação de
atividades relacionadas com o terrorismo, o narcotráfico, a imigração ilegal e a
circulação de armas de destruição em massa, tornaram o Mediterrâneo uma área de
potencial risco para a Europa. Para tal, é importante que se continue a reforçar a
aposta na cooperação com os parceiros do Mediterrâneo, como pilar da segurança e
estabilidade na região.
3) Considera que a União Europeia depende em demasia da Aliança Atlântica na
defesa do seu Espaço Comum? E em concreto no Mediterrâneo?
R: A estratégia de defesa europeia continua, obviamente, dependente da Aliança
Atlântica, mas a posição dos países da UE nessa aliança está muito aquém do que seria
desejável. O multilateralismo faz falta à Europa, mas cada vez mais se assiste a uma
bipolarização. De um lado a China, do outro os Estados Unidos, sem que a Europa
consiga assumir um papel determinante na definição dos destinos do mundo. Há muito
que a Europa é um palco de competição geopolítica e dificilmente deixará de o ser.
4) Tomada a seguinte estratégia: “Considerar como via de solução do problema
entre as duas margens do Mediterrâneo, a adoção de uma política mercantil
forte (de cariz sustentável) que volte a fazer deste um mar navegável e intenso
em trocas comerciais entre ambas as margens, permitindo o desenvolvimento
e enriquecimento da margem sul, em concreto, e a fixação das suas
populações”, considera-a como uma resposta válida à resolução das diferenças
socioeconómicas entre a margem Norte e Sul do Mediterrâneo? Se sim, qual o
papel que Portugal poderia desempenhar neste contexto?
R: O Mediterrâneo continua a ser uma região de grande instabilidade. A situação
política, económica e social dos países do sul do Mediterrâneo faz da região uma zona
de riscos em particular para a Europa. Do ponto de vista económico, a assimetria entre
as duas margens do Mediterrâneo está patente. A ausência de consenso entre os
países do Sul faz com que os acordos de cooperação económica sejam negociados
individualmente com cada país. Assim, os acordos económicos entre a União Europeia
e estes Estados seguem fases e ritmos diferentes para cada um deles.
Todavia, a situação económica tanto dos países do Norte como dos do Sul constitui
uma forte motivação para a cooperação entre estas duas regiões, assim como a
integração das grandes comunidades originárias dos países do Magrebe na Europa.
Esta cooperação só poderá reforçar-se. Será muito difícil voltar atrás. Todos os Estados
das diferentes parcerias existentes encontram nela vantagens. Para a Europa, é
importante ter às suas portas regiões estáveis e em paz e o desenvolvimento
económico e social suscitado por esta cooperação é essencial.
No que se refere às relações bilaterais, Portugal está a tornar-se um parceiro
privilegiado dos países do Mediterrâneo Ocidental. Durante as últimas décadas, as
199
relações destes Estados voltaram-se essencialmente para a França e a Espanha. No
entanto, a sua grande influência e as disputas territoriais entre a Espanha e Marrocos
reforçaram as trocas com Portugal.
5) Considera válidas, as preocupações no que respeita às ameaças levadas a cabo
pelo Estado Islâmico, de reconquista do Flanco Sul Europeu e do Norte de
África, territórios que são ou foram muçulmanos? Se sim, e devido à forte
instabilidade da Líbia, que posição deve tomar Portugal na defesa do seu
território face a esta ameaça?
R: A organização terrorista Estado Islâmico continua a ser uma ameaça grave a
curto e médio prazo no Flanco Sul Europeu e do Norte de África.
6) O Mediterrâneo expõe inúmeras debilidades, cujo combate constitui um
desafio para a EU, a saber: proliferação de contrabando, tráfico de seres
humanos, terrorismo e extremismo violento, conflitos étnicos existentes,
instituições governamentais frágeis com a subsequente ausência de autoridade
por parte dos Estados, insegurança alimentar e degradação ambiental, sendo
estes os aspetos mais abordados. Existe porém, um outro, o combate ao tráfico
de bens culturais, que se viu intensificado sobretudo, com a Auto proclamação
do Estado Islâmico, e que foi apontado como uma das principais fontes de
financiamento do mesmo. Existe alguma coordenação no campo das Forças
Armadas com o intuito de prevenir e atuar na proteção desses mesmos bens?
Nomeadamente numa parceria com a Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) e a Organização do Mundo Islâmico
para Educação, Ciência e Cultura (ISESCO)?
R: A organização terrorista Estado Islâmico continua a ser uma ameaça grave de
curto/médio prazo para a Europa e a transfiguração e a severidade da ameaça têm
levado a uma mudança de mentalidades e à adoção de estratégias e ferramentas que
reforçam a dependência recíproca e que "robustecem a capacidade coletiva de
identificar e reprimir as ameaças, e nesse âmbito, existe um esforço no seio das Forças
Armadas em monitorizar este tipo de fenómenos e consequentemente prevenir a
proliferação dos mesmos no espaço europeu.
7) No atual contexto pandémico, e nas repercussões geopolíticas que o mesmo
gera, o que podemos esperar numa zona tão suscetível a interferências
externas e cadeias de choque, como o Mediterrâneo?
R: A pandemia de covid-19, e o respetivo impacto económico-social, poderá
reverter e dificultar progressos nas políticas de migração e de integração laboral dos
200
imigrantes, uma vez que o encerramento de fronteiras, a suspensão dos serviços
nacionais e consulares, as restrições relacionadas com as viagens ou as interrupções
dos voos comerciais internacionais têm levado a alterações de padrões no que respeita
à migração irregular.
Todavia, independente das restrições impostas pela pandemia, os fatores que levam as
pessoas a arriscarem-se em perigosas travessias, designadamente à procura de
segurança fora do seu país de origem continuam a existir. Apesar do apelo da
Organização das Nações Unidas (ONU) por um cessar-fogo global, as pessoas
continuam a ser expulsas das suas casas devido a combates e perseguições. Essas
pessoas precisam e têm o direito de procurar proteção internacional, e o encerramento
de fronteiras impede o acesso a essa segurança que procuram. A pandemia do COVID-
19 não pode justificar proibições gerais de desembarque. Medidas de saúde pública
devem ser proporcionais, não-discriminatórias, e baseadas em evidências científicas.
Pode ser razoável sujeitar aqueles que entram na EU, num momento de pandemia, a
um período de isolamento ou quarentena. Todavia, os deveres internacionais de
fornecer acesso ao asilo devem ser garantidos, e o princípio de non-refoulement,
respeitado.
8) Das inúmeras parcerias e acordos de cooperação levados a cabo, a saber:
Grupo 5+5 (1990); Diálogo Mediterrânico da NATO (1994); Processo de
Barcelona (1995); Política Europeia de Vizinhança (2003); Iniciativa de
Cooperação de Istambul (2004) e União para o Mediterrâneo (2007), qual
considera ser o mais profícuo e porquê?
R: Apesar da grande importância destas iniciativas e dos frutos que daí têm
resultado, nomeadamente no âmbito do 5+5, são as relações bilaterais que se têm
revelado mais profícuas, nomeadamente em termos de defesa.
9) O Terrorismo Transnacional caracteriza-se por conflitos híbridos e pela escusa
do confronto direto, optando sistematicamente por uma estratégia de
guerrilha e pelo ataque surpresa, como forma de ultrapassar a assimetria de
poder e capacidade bélica dos exércitos regulares. Assim sendo, qual a melhor
forma de fazer face às ameaças híbridas?
R: A pandemia de COVID-19 torna a UE e os seus Estados-Membros mais
vulneráveis às ameaças híbridas. Entre estas ameaças contam-se o aumento da
disseminação de desinformação e da ingerência manipuladora. Para fazer face a essas
ameaças, em especial as ciberatividades maliciosas, a desinformação e as ameaças à
segurança económica, é necessária uma abordagem abrangente, com uma cooperação
e coordenação eficazes. É importante que se prossigam os esforços para reforçar os
grupos de trabalho StratCom do SEAE e a que se aperfeiçoe o sistema de alerta rápido
201
com vista a desenvolver uma plataforma global para os Estados-Membros e as
instituições da UE.
Muito obrigada pela colaboração
202
Entrevista ao Exmo Capitão de Mar e Guerra Romão Neto – Comandante
Chefe do Núcleo de Planos e Interagências da Divisão de Operações do Estado-
Maior da Armada.
GUIÃO
Exmºs Senhores,
O meu nome é Mafalda Garcia e frequento o Mestrado em Ciência Política e Relações
Internacionais, na vertente de Estudo Europeus na Universidade Nova de Lisboa. No
âmbito do Estágio Curricular na Marinha Portuguesa (DIVPLAN), sobre a temática:
Defesa e Segurança no Mediterrâneo, gostaria de colocar a V.Exªs as seguintes
questões:
1) Como vê a continuidade dos esforços para a concretização de um Exército
Europeu com a saída do Reino Unido da União Europeia? Quais as suas
possíveis consequências e vantagens? Tendo em conta os dados do
Eurobarómetro de março de 2018 - “os europeus esperam que a UE garanta a
segurança e a paz. Três quartos (75%) são a favor de uma política comum de
defesa e segurança. A maioria dos cidadãos (55%) é a favor da criação de um
exército da UE. Mais recentemente, 68 % dos europeus afirmaram que
gostariam que a UE fizesse mais no domínio da defesa”. Na sua opinião, quais
os constrangimentos atuais que inviabilizam a sua concretização?
R: As sondagens têm a credibilidade que lhe quisermos dar e dependem
da forma como as questões são colocadas e do contexto em que são colocadas.
Desta forma, e sem avançar mais acerca da fiabilidade dos valores
apresentados neste Barómetro, verifica-se que associa a questão da defesa a
questões de segurança, que são duas coisas completamente distintas. E são tão
distintas que perante um acontecimento ligado à segurança europeia, como é o
fenómeno da migração irregular, a europa respondeu, criou estruturas comuns
e até um corpo permanente de agentes de segurança ligado à Agência Europeia
de Fronteiras e Guarda-Costeira
O principal constrangimento é o do contexto: Não há pressão para que a
criação de um exército europeu (julgo que estamos a falar de Forças Armadas,
em todas as vertentes e não apenas na vertente terrestre) aconteça porque
vivemos num tempo de paz em que as ameaças à segurança impostas por
outros estados que requeiram maior integração neste âmbito, contrariamente
203
ao que é extrapolado da sondagem, não são percecionadas pelo cidadão
europeu.
O segundo constrangimento é político. Para que fosse criado um Exército
(Forças Armadas) de natureza europeia teria de haver muito maior integração
política e mais cedências nacionais para que o emprego desse Exército se
pudesse concretizar em qualquer parte do território Europeu. Sem que exista
uma ameaça, forte e credível contra os EM da União tal não se vislumbra como
fácil de acontecer, bem pelo contrário. Os países não cederão soberania.
O terceiro constrangimento é a existência de uma organização neste âmbito de
que a grande maioria dos países europeus faz parte, a NATO. A questão passa
por saber identificar e justificar a necessidade de duplicar estruturas e meios de
defesa em tempo de paz.
O quarto constrangimento é de razão económica e está aliado ao anterior.
Quando falta tanto em tantas áreas, como se justificaria a necessidade de
despender quantias avultadas na edificação de uma capacidade, que já existe,
quando não há a perceção de ser necessário, uma vez que estamos em tempo
de paz.
2) Que importância atribui à Sexta Esquadra, à European Rapid Operational Force
(Eurofor) e ao European Maritime Force (Euromarfor), na defesa e segurança do
Mediterrâneo? E neste contexto, qual a capacidade de influência portuguesa?
R: São tudo estruturas de importância relativa, cada uma com as suas
características próprias. A Sexta Esquadra é uma estrutura nacional americana,
sedeada em Nápoles, Itália. Tem uma função dissuasora, de defesa, ainda que
desde há longo tempo, vários anos, que não tem meios permanentemente
atribuídos. A EUROMARFOR uma componente naval e a EUROFOR uma
componente terrestre de forças multinacionais compostas pelos quatro mesmos
países (Portugal, Espanha, França e Itália) Quando se fala na defesa e
segurança do Mediterrâneo, do que é que estamos a falar? Qual é a ameaça?
Defesa e segurança são aspetos distintos que têm alguns pontos de interseção,
mas que convém que estejam completamente claros.
Atualmente o Mediterrâneo não sofre de nenhuma ameaça credível que
implique a tomada de medidas imediatas de defesa, para além da absoluta
necessidade de vigilância e de conhecimento profundo dos atores na sua
vizinhança e na forma como se comportam e interagem.
A sexta-esquadra poderá ser importante se a Europa um dia vier a necessitar do
apoio dos seus aliados americanos (outra vez) na sequência de algum conflito
que surgisse no mediterrâneo (ou noutro mar contiguo). A EUROMARFOR e a
EUROFOR são mais demonstrações de intenções políticas dos países do Sul da
Europa que procuraram colmatar uma lacuna existente na Europa. A
204
capacidade de influenciar o quê? O emprego das estruturas? Mesmo nas forças
multinacionais a que pertence, a capacidade de influenciar é pequena. Na
sexta-esquadra, muitíssimo reduzida.
3) Considera que a União Europeia depende em demasia da Aliança Atlântica na
defesa do seu Espaço Comum? E em concreto no Mediterrâneo?
R: A União Europeia depende aquilo que os países que a constituem
consideram que deve depender uma vez que não estão com disposição para
duplicarem dispêndios com a defesa.
No Mediterrâneo a dependência da UE relativamente à NATO, nos assuntos de
defesa é menor do que noutras áreas ( Leste e Ártico) uma vez que a ameaça
atualmente é muito difusa e a resposta que tem sido dado a nível securitário
tem conseguido responder aos desafios. Os países Europeus foram obrigados a
procurarem soluções próprias, que ainda estão em evolução, uma vez que a
ameaça não se enquadra no tipo de resposta que uma organização como a
NATO pode dar.
4) Tomada a seguinte estratégia: “Considerar como via de solução do problema
entre as duas margens do Mediterrâneo, a adoção de uma política mercantil
forte (de cariz sustentável) que volte a fazer deste um mar navegável e intenso
em trocas comerciais entre ambas as margens, permitindo o desenvolvimento
e enriquecimento da margem sul, em concreto, e a fixação das suas
populações”, considera-a como uma resposta válida à resolução das diferenças
socioeconómicas entre a margem Norte e Sul do Mediterrâneo? Se sim, qual o
papel que Portugal poderia desempenhar neste contexto?
R: A adoção de políticas de desenvolvimento económico dos países
africanos esbarra em culturas e sistemas políticos muito próprios, que impedem
que esse desenvolvimento se concretize. De facto, num mundo ideal, esse seria
a melhor forma de resolver diversos problemas de uma só vez, contudo nem
tudo é linear e imensas vezes os investimentos realizados apenas servem para
alimentar um pequeno conjunto de elites raras vezes se consubstanciando como
algo de palpável para benefício das populações. Portugal faz parte da União
Europeia e esta terá de ser uma estratégia da União e não bilateral. Um dos
desafios da relação com África prende-se também da primazia que algumas
nações, designadamente França, têm com África e com muitos países africanos
e da vontade de imporem a sua agenda própria em detrimento dos interesses
globais da União. Portugal apenas poderá ser um facilitador neste diálogo
atentas as fortes relações que tem com os países africanos. Tudo o que vier a
mais, e toda a vontade que exista em que países tirem vantagem por causa do
205
protagonismo que possam ter, será votar qualquer iniciativa da União, mais
global, ao insucesso.
5) Considera válidas, as preocupações no que respeita às ameaças levadas a cabo
pelo Estado Islâmico, de reconquista do Flanco Sul Europeu e do Norte de
África, territórios que são ou foram muçulmanos? Se sim, e devido à forte
instabilidade da Líbia, que posição deve tomar Portugal na defesa do seu
território face a esta ameaça?
R: Não. Não considero. Portugal deve manter-se atento no quadro das
organizações a que pertence e deverá participar nas iniciativas militares que
visem derrubar toda e qualquer forma de terrorismo.
6) O Mediterrâneo expõe inúmeras debilidades, cujo combate constitui um
desafio para a EU, a saber: proliferação de contrabando, tráfico de seres
humanos, terrorismo e extremismo violento, conflitos étnicos existentes,
instituições governamentais frágeis com a subsequente ausência de autoridade
por parte dos Estados, insegurança alimentar e degradação ambiental, sendo
estes os aspetos mais abordados. Existe porém, um outro, o combate ao tráfico
de bens culturais, que se viu intensificado sobretudo, com a Auto proclamação
do Estado Islâmico, e que foi apontado como uma das principais fontes de
financiamento do mesmo. Existe alguma coordenação no campo das Forças
Armadas com o intuito de prevenir e atuar na proteção desses mesmos bens?
Nomeadamente numa parceria com a Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) e a Organização do Mundo Islâmico
para Educação, Ciência e Cultura (ISESCO)?
R: Que seja do meu conhecimento, no âmbito das Forças Armadas, não
existe nada neste âmbito. O que existe é troca de informação com outras
entidades de cariz mais policial (INTERPOL/EUROPOL) para que estas formas de
financiamento de organizações de cariz hibrido ou mesmo terrorista não cresça
para níveis que depois se tornem num problema militar.
7) No atual contexto pandémico, e nas repercussões geopolíticas que o mesmo
gera, o que podemos esperar numa zona tão suscetível a interferências
externas e cadeias de choque, como o Mediterrâneo?
R: A pandemia em si trará efeitos económicos depressivos que
redundarão em necessidades de respostas. Do ponto de vista geopolítico
poderão ser criadas oportunidades para que alguns países queiram “apoiar”
regiões necessitadas procurando-se com essa justificação verificar alguns
“ajustes”. As iniciativas de âmbito geopolítico tendem a diminuir uma vez que o
206
escrutínio global, o nível de informação que existe não facilita a realização de
tais iniciativas, as quais mais desmascaradas aos olhos do mundo. As
consequências de tais iniciativas levam ao seu refreamento, pelo que
atualmente a luta pela terra apesar de continuar latente em muitas regiões,
tende a
8) Das inúmeras parcerias e acordos de cooperação levados a cabo, a saber:
Grupo 5+5 (1990); Diálogo Mediterrânico da NATO (1994); Processo de
Barcelona (1995); Política Europeia de Vizinhança (2003); Iniciativa de
Cooperação de Istambul (2004) e União para o Mediterrâneo (2007), qual
considera ser o mais profícuo e porquê?
R: Esta pergunta não tem resposta. Não há forma de medir isto. Teriam
de ser estabelecidos critérios que permitissem essa aferição
Estas são iniciativas de diferentes organizações (EU, NATO e multinacionais)
com atores que nalguns estão incluídos em vários dos grupos indicados e no
caso da Iniciativa de Cooperação de Istambul (entre a NATO e países árabes)
não estão integrados em mais nenhuma iniciativa. Todas as iniciativas que
contribuam para fortalecer relações e para a criação de uma linguagem comum
têm de ser entendidas como positivas, o rácio entre o que se despende com
estas iniciativas e o que se colhe é extremamente difícil de aferir, porque o
produto há-de ser um produto intangível. Todas eles são positivas e em todas
elas há campo para melhoria, mas terminar qualquer uma seria um passo atrás
nas relações que se procuram estabelecer entre vizinhos.
9) O que esperar de uma escala de tensão entre a Turquia e a Grécia no
Mediterrâneo Oriental, sendo que a primeira, possui o segundo maior
contingente de forças da NATO, e a segunda, é igualmente membro da NATO e
da União Europeia?
R: O facto de ambos os países pertencerem à NATO tem contribuído
para que a eventual escalada não tenha maiores repercussões. É uma situação
latente, mas já é assim desde à muito tempo. Enquanto os dois países
permanecerem na NATO há grande probabilidade de a situação, apesar de
intranquila, se manter estável. Apesar das mudanças na Turquia nos últimos
anos, aumentaram o foco de instabilidade e tenha aumentado o apetite pelo
retomar posse das ilhas perdidas após a 1ª guerra mundial e apesar do
afastamento que houve da Turquia em relação aos EUA com a aquisição de
sistemas de defesa aérea ao “inimigo” Rússia, avalio como improvável
mudanças acentuadas nas relações entre os dois países.
207
10) O Terrorismo Transnacional caracteriza-se por conflitos híbridos e pela escusa
do confronto direto, optando sistematicamente por uma estratégia de
guerrilha e pelo ataque surpresa, como forma de ultrapassar a assimetria de
poder e capacidade bélica dos exércitos regulares. Assim sendo, qual a melhor
forma de fazer face às ameaças híbridas?
R: Há aqui vários conceitos diferentes. Vou responder ao terrorismo e
aos ataques surpresa Não há fórmulas perfeitas ou identificadas como tal. Mas
uma forte rede de informações e o acesso, ainda que perigoso, porque contrário
ao sistema democrático em que vivemos, fácil às comunicações e
principalmente a transações financeiras, com igual poder de intervenção,
permitiria antecipar ações e mesmo impedir financiamento de redes de
malfeitores. O problema somos nós próprios, porque queremos segurança
máxima e direitos máximos, sem que se ceda nada, o que, de todo, não é
possível.
Muito obrigada pela colaboração
208
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente Relatório procurou responder à questão inicial – A que se deve a perda de
influência da União Europeia no Mediterrâneo. Tomámos em consideração três
factores que nos parecem claros: o primeiro, as sucessivas parcerias e iniciativas que
na maioria dos casos estagnaram e poucos efeitos produziram no combate à
assímetria entre as regiões mediterrânicas. Se por um lado, as negociações dos
acordos de cooperação económica passaram a ser feitos individualmente com os
países, tendo em consideração as especificidades de cada economia e as suas
carências, o que a nosso ver é vantajoso, é igualmente forçoso não desconsiderar uma
visão mais abrangente da região. Ou seja, seria mais proveitoso se estes acordos
pudessem resultar numa maior estabilidade e prosperidade da região no seu todo. O
segundo factor, prende-se com a fraca atração de investimento estrangeiro,
impossibilitando o cumprimento de muitas das metas estabelecidas nos acordos
económicos. Actualmente as exportações da margem sul para a Europa estão aquém
das previsões da parceria euro-mediterrânica. Os próprios apoios financeiros da EU
destinados aos países do sul do Mediterrâneo não foram utilizados na íntegra. O
programa MEDA da EU não esgotou todos os valores destinados ao Mediterrâneo,
como previsto inicialmente, e o uso desses fundos foi dificultado quer pela falta de
informação, quer pela inadequação dos critérios definidos pela EU face à estrutura
jurídica e económica desses países.
Em suma, a Europa não deverá impor nem o ritmo de integração regional, nem o
modelo de cooperação. A via a seguir é a de uma parceria igualitária que não só tenha
em conta os desafios de governação e socioeconómicos, mas que abranja também a
questão climática, com ênfase na dessertificação e na protecção da biodiversidade, as
questões de segurança e prevenção de conflitos prolongados e as suas consequências
em deslocações forçadas, o impacto do cresciemento demográfico, o combate ao
terrorismo e a escassez de recursos – água e alimentos. E deve ter particular atenção à
sua concorrência geopolítica e às ingerências externas que se fazem notar em todas
estas matérias e em particular na questão energética.
209
A Europa procura reforçar o seu papel na região com o Green Deal e a sua aposta nas
energias renováveis como o hidrógeneo, a energia solar e eólica e na economia azul.
Uma aposta clara em África neste sentido permitirá à Europa diversificar as suas
cadeias de valor e seguir uma nova estratégia industrial. A região mediterrânica acolhe
alguns dos melhores recursos solares e eólicos do mundo, apresentando oportunidades
inigualáveis de cooperação de energia limpa, constituindo a produção de hidrógeneo
uma nova prioridade estratégica. (…) A EU continuará a trabalhar com os países da
região no cotexto da Convenção de Barcelona a fim de tomar medidas para reduzir os
níveis de emissões, em particular provenientes do transporte marítimo, com vista a
declarar o Mar Mediterrâneo uma zona de controlo das emissões.181
Contudo, a Europa deve ultrapassar a sua concepção do espaço Mediterrânico como
um espaço único e homogéneo e abraçar uma concepção de união na diversidade. Os
parceiros não partilham uma visão comum e consideram as políticas da EU uma
imposição de normas e ideais europeus, numa europeização da região tendo por base
três ordens de razão: construções territoriais (produzidas pelas elites da EU sobre a
região, carecendo de identidade colectiva); simbólicas (construções que retratam o
Mediterrâneo como política e economicamente volátil e ameaçador para as
democracias e economias europeias) e institucionais (legitimam o alargamento das
práticas de governação da EU e a institucionalização dessas práticas em toda a região
mediterrânica).
Pelo exposto estamos em crer que o facto da União Europeia não possuir uma
Política Externa clara, com uma visão estratégica orquestrada e respeitada por todos
os Estados Membros, bem como o facto de não ter uma política de defesa comum com
um respectivo exército europeu, a deixa à mercê da NATO e dos interesses
estratégicos que esta possa ter. Face às tensões existentes com potências que se
desejam afirmar quer na região, quer a nível global, como é o caso da China, da Rússia
e da Turquia, a resposta europeia pode passar precisamente pelo assegurar o seu
espaço e influência estratégica na bacia mediterrânica, nomeadamente em África. Para
que tal aconteça é forçoso que a Europa possua uma estratégia europeia que lhe 181
Comissão Europeia – Comunicação Conjunta ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões: Parceria Renovada com a Vizinhança Meridional: Uma Nova Agenda para o Mediterrâneo. 9 de Fevereiro de 2021.
210
permita afirmar-se como potência política estratégica, garante da sua soberania, dos
seus valores e da unidade democrática. Só o interesse e compreensão para com os
seus vizinhos pode conduzir a EU a uma política de estabilidade real. Para tal, a EU
deve ser dotada de liberdade de acção, de independência nas suas decisões seguindo a
sua própria estratégia atinente à sua posição geográfica. A Política europeia é por
natureza histórica mediterrânica, e a viragem da política dos EUA para o Pacífico assim
a justifica e reforça, atendendo às característica geográficas e não só, pois a nível
europeu coloca-se a necessidade de se repensar o vazio que se gera na sua vizinhança
e na sua protecção e que abre espaço a outras potências, como é notório no Médio
Oriente e nas ambições demontradas em África.
A estratégia expansionista da China é planetária, não se ficando apenas pela região do
Pacifico e do Sudeste Asiático. Ela abrange também África, o Médio Oriente e, por fim,
a Europa. Neste contexto, a Europa deve seguir uma estratégia própria correndo o
risco de ser engolida nas disputas entre as duas grandes potências mundiais. Como
constata Macron, deixámos de pensar geoestrategicamente pois nesse aspecto
dependemos da NATO. E preocupamo-nos meramente em pensar a Europa como uma
economia de mercado, mas não como uma grande potência182. Por sua vez, a
estratégia a seguir pelos EUA parece-nos clara e foi demonstrada por Joe Biden ao
longo da Conferência de Berlim. Resta à Europa equacionar se essa estratégia é a que
melhor convém aos seus interesses.
Joe Biden: You know, we must prepare together for a long-term strategic
competition with China. How the United States, Europe, and Asia work together
to secure the peace and defend our shared values and advance our prosperity
across the Pacific will be among the most consequential efforts we undertake.
Competition with China is going to be stiff.183
O caso das relações com a Rússia, China e Irão, são exemplo disso. A estratégia
europeia para com a Rússia não se pode limitar à visão americana. A Rússia faz parte
do Continente Europeu, partilhamos o mesmo espaço, e grande parte dos países ex- 182
Élysée – Interview du Président Emmanuel Macron à la revue Le Grand Continent. 12 de Novembro de 2020. 183
White House – Remarks by President Biden at the 2021 Virtual Munich Security Conference. 19 de Fevereiro de 2021.
211
soviéticos integram hoje a União Europeia. Ora, do ponto de vista estratégico
desconsiderar a Rússia pode ser um erro. Ao mesmo tempo, as relações diplomáticas
com a mesma devem ser conduzidas ao mais alto nível e com um profundo
conhecimento das dinâmicas existentes e do nosso passado histórico. É necessário
estabelecer um diálogo estratégico sem ceder nos nossos valores, mas uma
cooperação a níveis de segurança, cyber, espacial e na gestão de conflitos externos é
provavelmente indispensável.
Joe Biden: Putin seeks to weaken European – the European project and
our NATO alliance. He wants to undermine the transatlantic unity and our
resolve, because it’s so much easier for the Kremlin to bully and threaten
individual states than it is to negotiate with a strong and closely United
transatlantic community.184
No caso do Irão, a Europa quis permanecer no Plano de Acçção Conjunto Global
(JCPOA), mas o romper do acordo por parte dos EUA tornou-o inviável. O que denota
uma clara incapacidade da EU em fazer valer as escolhas dos seus acordos e das suas
intenções, assim como os seus parceiros estratégicos.
Joe Biden: That’s why we have said we’re prepared to reengage in
negotiations with the P5+1 on Iran’s nuclear program. We must also address
Iran’s destabilizing activities across the Middle East, and we’re going to work in
close cooperation with our European and other partners as we proceed.185
A capacidade da UE em exercer a sua soberania, de se dotar de uma política de defesa
comum e de uma estratégia comum são as únicas vias capazes de a elevar a um
verdadeiro estatuto de potência global e não meramente económica. Com isto, não
queremos dizer que a EU no seu todo deve deixar cair a NATO e seguir um via
autónoma, mas sim que deve ter a possibilidade de escolha. Sobretudo por uma
questão tão simples como o facto de nem todos os países na União Europeia
pertecerem à NATO. A segurança europeia deve assentar em dois pilares concrectos:
por um lado a NATO, e por outro o seu próprio sistema de defesa colectiva. Na
184
Ibid. 185
Ibid.
212
sequência das declarações conjuntas da União Europeia e da NATO em 2016
(Declaração de Varsóvia) e em 2018 (Declaração de Bruxelas), a cooperação EU- NATO
tem feito progressos constantes e significativos. Isto assegura a complementariedade e
o reforço mútuo das iniciativas de ambas as organizações. As iniciativas da Europa da
Defesa, que fazem parte dos esforços para impulsionar o conjunto único de forças
europeias, também ajudam a fortalecer a NATO.186
As propostas do Presidente Macron apontam nesta direcção e na necessidade de uma
cooperação reforçada ao nível da defesa, onde o Reino Unido estaria presente, tendo
por base acordos bilaterais que em nada seriam afectados pelo Brexit.
A Iniciativa Europeia de Intervenção lançada a 25 de Junho de 2018,
procura desenvolver uma cultura estratégica europeia comum. Dez países
europeus com capacidade militar e vontade política de desempenhar um papel
na cena internacional juntaram-se a esta iniciativa (Bélgica, Dinamarca,
Estónia, Finlândia, Alemanha, Países Baixos, Portugal, Espanha e Reino Unido).
O objectivo é criar capacidades europeias para conduzir conjuntamente
operações e missões mlitares, no âmbito de quadros ah hoc ou multilaterais
(EU; NATO; ONU), para todas as crises susceptiveis de afectar a segurança
europeia.187
No que respeita à segurança das suas fronteiras, a Europa deve prosseguir em três
frentes: 1) nos países de origem (combatendo as raízes estruturais); 2) nos países de
trânsito (lutando contra a imigração ilegal), e 3) nos países de destino (favorecendo a
integração e não a assimilação e aglomeração dessas comunidades). É igualmente
imperioso o combate à politização do tema e da narrativa securitária pelos partidos
europeus. As crises migratórias abriram uma cissão Norte- Sul e Este-Oeste na Europa.
Por fim, salientamos a forma como a União Europeia actuou nas Primaveras
Árabes e a sua inacção, numa primeira fase, que culminou em divergências e tomadas
186
Conselho Franco-alemão de Defesa e Segurança – Conclusões Acordadas. Toulouse, 16 de Outubro de 2019. 187
Ibid.
213
de posição dissonantes por parte dos seus Estados Membros. Ora, este facto fez com
que a UE não se conseguisse afirmar como grande potência regional capaz de
influênciar e mediar os conflitos numa primeira fase, nomeadamente na Líbia, tendo
em conta a importância estratégica da mesma não só na bacia mediterrânica, mas
também como grande fornecedor de gás e petróleo para a Europa e onde estão
presentes grandes interesses de países europeus, manifestando uma falta de visão
estratégica sobre os impactos económicos e migratórios sobre as fronteiras da EU, que
uma vez mais se viram fustigadas. A inacção face a estes factores fez com que a EU não
se posicionasse como interculotor preferencial, aproveitando o momento que se vivia,
deixando aberta a possibilidade de ingerência de outras potências regionais e
internacionais num espaço de grande proximidade. A Europa deve preocupar-se com
as guerras e insurreições; com os golpes de estado e os extremismos presentes; com a
proliferação de armas e o aumento da imigração ilegal, que se instalam na sua
vizinhança próxima e que possuem repercussões em solo europeu.
A visão da União Europeia acerca da região MENA tem por base três princípios
fundamentais: 1) a nível económico, pretende assegurar o fornecimento dos recursos
energéticos, proteger as rotas marítimas garantindo o fluxo de mercadorias e por
outro lado, assegurar que os fundos e ajuda económica que têm vindo a disponibilizar
ao longo de décadas contribuem para desenvolver e alcançar as metas estabelecidas;
2) a nível político, a importância das parceiras, dos acordos bilaterais e da cooperação
na região deve ser mantida e respeita, conduzindo a alinhamentos políticos
consistentes; 3) a nível social, a Europa dá particular atenção à gestão dos fluxos
migratórios e ao impacto que os mesmos têm na opinião pública interna. Ora sua
actuação deve ser consciente com estes princípios que defende.
As Primaveras Árabes que irromperam na região MENA deixaram visíveis os profundos
problemas estruturais como os índices de pobreza, desemprego, os deficits dos países
do Norte de África e a vulnerabilidade e ineficiência das suas economias, bem como as
graves carências alimentares. Existe uma grande motivação económica nas Revoluções
Árabes o que demonstra uma vez mais o fracasso das próprias parcerias europeias.
Existiram sem dúvida diversas Primaveras Árabes com desfechos distintos: houve
regimes que souberam adaptar-se e levar a cabo algumas das reinvindicações das suas
214
populações como foi o caso da Jordânia e de Marrocos, ambas monarquias. Outros
não cederam às pressões das ruas e mantiveram o poder a todo o custo. Só numa fase
posterior procuraram inverter a tendência e desmonstrar alguma abertura a mudanças
e novas políticas, porém era já tarde: foram os casos da Líbia e do Egipto. Por fim,
existiram regimes que reprimiram as revoltas com ajuda externa de outros países e
que continuam no poder é o caso da Síria e do Bahrein. Para melhor compreender
estas dinâmicas recorremos aos conceitos de Democracia Iliberal de Fareed Zakaria e
de Falsa Democratização de Daniel Brumberg.
Com a crise na Líbia abriu-se uma caixa de Pandora e uma das preocupações da
Comunidade Internacional foi a de a conter e não deixar alastrar o conflito a regiões
limítrofes. A Operação lançada pela França no Mali, em Janeiro de 2013, teve também
esse propósito – o de evitar a desagregação do Sahel e o combate aos jihadistas vindos
da Líbia.
A escolha da Líbia como Caso de Estudo deve-se aos seguintes aspectos: as
carcterísticas intrínsecas do regime; o facto de a revolta ter culminado rapidamente
em Guerra civil; ser a única revolta cujo líder foi morto; a admissibilidade da
intervenção da NATO ao abrigo da Responsabilidade de Proteger; e as ingerências e
disputas entre as potências externas presentes no conflito. De modo a perceber as
dinâmicas temporais e histórias no contexto líbio recorremos ao Direito Internacional
delimitando o conflito e a sua legalidade. Analisámos o ataque aéreo a Trípoli e
Bengazi por parte dos EUA e do Reino Unido em 1986, - sob alegação do direito à auto-
defesa e que foi alvo de uma condenação na Resolução 41/38(1986) – e a intervenção
da NATO, em 2011, sob o direito da Responsabilidade de Proteger. Importa referir que
a Comissão encarregada de restringir as intervenções R2P, define que a mesma não se
aplica nas seguintes circunstâncias: repressão de opositores políticos; em situações
que a população se manifestou favorável a uma mudança de regime recorrendo a um
Golpe de Estado e com base no conceito de salvar nacionais num outro estado. A
Responsabilidade de Proteger não pode ser usada para uma mudança de regime, como
aconteceu. Após o bombardeamento do comboio onde seguia Kadhafi e que resultou
na sua morte, três dias depois a NATO deu a sua missão como concluída anunciando a
sua retirada no final desse mês.
215
Ao longo das entrevistas que conduzimos muitas destas questões foram levantas. A
importância da gestão das fronteiras a sul da Europa; a capacidade da União se
projectar como potência, recorrendo a uma política externa concertada que faça face
aos desafios económicos e sociais da região mediterrânica, e aos conflitos que tendem
a alastrar-se a regiões contíguas, nomeadamente no Sahel, expondo as enormes
vulnerabilidade em lidar com o extremismo jihadista e como o tráfico em todas as suas
vertentes. A região mediterrânica apresenta-se com uma ameaça de potencial risco
para a Europa, devido ao terrorismo, ao narcotráfico, à imigração ilegal e à circulação
de armamento. Estes aspectos apontam à necessidade da EU ser um actor de
segurança na região e a um aumento das suas missões militares na bacia
mediterrânica. Hoje em dia, as principais rotas marítimas são asseguradas sobretudo
pelos EUA, China, Rússia e Índia, apesar da EU possuir duas operações: IRINI no
Mediterrâneo e ATALANTA no Golfo Aden e na Somália. A EU continua a estar aquém
do que se espera de uma potência mundial. Pese embora estas circunstâncias, os
entrevistados consideram, de um modo geral, a criação de uma política de defesa
comum e de um exército europeu pouco viável no momento, devido à ausência de
uma percepção de perigo real ou imente para a Europa, aos constrangimentos
políticos que acarreta, com um maior nível de integração e cedências de soberania; ao
papel que a NATO representa na defesa europeia; as razões económicas e de custos
com a defesa que são ainda muito baixos; e à saída do Reino Unido (Brexit). Todos
estes factores continuam a tornar a NATO indispensável aos olhos de alguns Europeus.
No nosso entender, as afirmações para além de válidas são reais e vêm por si só
reafirmar a necessidade de criação de uma política de defesa comum e de um exército
europeu. Não consideramos o Mediterrâneo uma zona estanque sem ameaças reais,
pelo contrário, acresce como referido anteriormente, que o centro geoestratégico dos
EUA é neste momento o Pacifico, deixando em muitas matérias a Europa a braços com
os problemas e crises da sua vizinhança. Quanto a uma maior integração ela
respeitaria apenas os propósitos da sua fundação – uma Europa Federal com uma
Política de Defesa Comum e capacitada de um Exército Europeu – este era um dos seus
objectivos últimos.
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- PEREIRA, Paula – O Mediterrâneo: Espaço de Confronto ou Cooperação. IDN: Nação e
Defesa. Nº109,2004.
- SANDLER, Todd – Os Desafios da NATO na Região do Mediterrâneo e em outras áreas.
IDN: Nação e Defesa. Nº90, 1999.
- PINHEIRO, Paulo Vizeu – Portugal e o Médio Oriente – Uma visão portuguesa em
matéria de Segurança e Defesa. IDN: Nação e Defesa. Nº121, 2008.
- PINTO, Ana Santos – O Sahel no Contexto da Segurança Europeia. IDN Brief, 2014.
-PINTO, Maria do Céu – Um Regime de Segurança para o Mediterrâneo: as dificuldades
do processo. IDN: Nação e Defesa. Nº109, 2004.
-BILGIN, Pinar – O Significado da Segurança no Médio Oriente. IDN: Nação e Defesa.
Nº99, 2001.
-ESTEVES, Pedro A. R. – A União do Magreb Árabe no Contexto Euro-Mediterrânico.
IDN: Nação e Defesa Nº82, 1997.
- BISCOP, Sven – EU-NATO Relations: A Long-term Perspective. IDN: Nação e Defesa.
Nº150, 2018.
- GASPAR, Carlos – O Conceito Estratégico da Aliança Atlântica. IDN: Nação e Defesa.
Nº126, 2010.
225
- SILVEIRA, João Almeida – A Resposta da União Europeia às Migrações Irregulares:
Iniciativas em Mar. IDN: Cadernos II Seminário Jovem, 2017.
- SACCHETTI, António Emílio – O Mediterrâneo Geopolítica e Segurança Europeia.
Cadernos Navais Nº16, 2006.
- CHERILLON, Fédéric – O Significado da Segurança na Europa: a EU – da PESC ao
Colapso da Política Externa. IDN: Nação e Defesa Nº99, 2001.
LESGISLAÇÃO
NAÇÕES UNIDAS:
- UN RESOLUTION A/73/L43 Follow-up to the Declaration and Programme of Action on
a Culture of Peace. New York: Nações Unidas, 2018.
- UN RESOLUTION A/73/L48 International Day of Multilateralism and Diplomacy for
Peace. New York: Nações Unidas, 2018.
- UN RESOLUTION A/73/L52 Enlightenment and religious tolerance. New York: Nações
Unidas, 2018.
- UN RESOLUTION A/73/L55 Promotion of interreligious and intercultural dialogue,
understanding and cooperation for peace. New York: Nações Unidas, 2018.
- UN RESOLUTION 2199 Abolição do comércio de antiguidades e propriedade cultural
para financiar o terrorismo. New York: Nações Unidas, 2015.
- UN RESOLUTION 2170 Destruição de locais de cultura e sítios religiosos por
terroristas. New York: Nações Unidas, 2014.
- UN RESOLUTION 2322 Ameaças à paz internacional e segurança causadas por ataques
terroristas. New York: Nações Unidas, 2016.
- UN RESOLUTION 2347 Destruição e Tráfico de Património Cultural por grupos
terroristas. New York: Nações Unidas, 2017.
- Carta das Nações Unidas. São Francisco: Conferência das Nações Unidas sobre
Organização Internacional, 1945.
226
RESOLUÇÕES CONFLITO NA LÍBIA
- A/HRC/S-15/L.1, February 23, 2011, United Nations Human Rights Council.
- A/RES/42/159, December 7, 1987, United Nations General Assembly.
- A/RES/60/1, October 24, 2005, United Nations General Assembly.
- A/RES/60/147, March 21, 2006, United Nations General Assembly.
- A/RES/63/677, January 12, 2009, United Nations General Assembly.
- PSC/PR/COMM(CCLXI), February 23, 2011, African Union.
- S/RES/1970, February 26, 2011, United Nations Security Council.
- S/RES/1973, March 17, 2011, United Nations Security Council.
- S/RES/2009, September 16, 2011, United Nations Security Council.
- S/RES/2016, October 27, 2011, United Nations Security Council.
- S/RES/2022, December 2, 2011, United Nations Security Council.
- S/RES/2040, March 16, 2012, United Nations Security Council.
- Secretary-General’s High Level Panel on Threats, Challenges and Change, A
more Secure World: our Shared Responsibility (Report), United Nations Collective
Security, 2004.
CONVENÇÕES - TRATADOS INTERNACIONAIS:
- Convenção de Genebra I, II, III, IV. Genebra, 1949.
- Convenção de Genebra: Protocolo Adicional I e II. Genebra, 1977.
- Convenção de Haia para a Protecção de Propriedade Cultural em Caso de Conflito
Armado. Haia, 1954.
- Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional. Roma, 2015.
- Convention on the means of prohibiting and preventing the illicit import, export, and
transfer of ownership of cultural property. Paris, UNESCO, 1970.
- Convention concerning the protection of the world cultural and natural heritage.
Paris, UNESCO, 1972.
227
- Unesco declaration concerning the intencional destruction of cultural heritage. Paris,
UNESCO, 2003.
RESOLUÇÕES PARLAMENTO EUROPEU/ CONSELHO:
- Regional Convention on pan-Euro-Mediterranean preferential rules of origin
European Parliament resolution on the proposal for a Council decision on the
conclusion of the regional Convention on pan-Euro-Mediterranean preferential rules of
origin. Bruxelas, Conselho, 2013.
- Council Decision on the conclusion of the Regional Convention on pan-
EuroMediterranean preferential rules of origin. Bruxelas, Conselho, 2012.
- Decision of the European Parliament and of the Council on the participation of the
Union in the Partnership for Research and Innovation in the Mediterranean Area
(PRIMA) jointly undertaken by several Member States. Bruxelas, Parlamento Europeu,
2017.
- Euro-Mediterranean economic and trade partnership European Parliament resolution
on the Euro-Mediterranean economic and trade partnership ahead of the 8th Euromed
Ministerial Conference on Trade. Bruxelas, Parlamento Europeu, 2009.
- Union for the Mediterranean European Parliament resolution on the Union for the
Mediterranean. Bruxelas, Parlamento Europeu, 2011.
- The Barcelona Process: Union for the Mediterranean European Parliament resolution
on the Barcelona Process: Union for the Mediterranean. Bruxelas, Parlamento
Euorpeu, 2010.
- European Parliament resolution on EU Mediterranean policy. Bruxelas, Parlamento
Europeu, 2000.
- European Parliament legislative resolution on the proposal for a Council regulation
amending Regulation (EC) No 1488/96 on financial and technical measures to
accompany (MEDA) the reform of economic and social structures in the framework of
the Euro-Mediterranean partnership. Bruxelas, Parlamento Europeu, 2000.
228
RESOLUÇÕES COMISSÃO / CONSELHO: SOBRE ENERGIA
- Comissão Europeia – Livro Verde: Estratégia europeia para uma energia sustentável,
competitiva e segura. Bruxelas: Comissão das Comunidades Europeias, 2006.
- Council of the European Union – Priority Action Plan Euro-Mediterranean Energy Cooperation
2008-2013. Ministerial Declaration of 17 December 2007.
- Euro-Mediterranean Partnership – Euro-Mediterranean Conference on Energy:
Ministerial Statement and Action Plan of the Euro-Mediterranean Energy Forum.
Brussels,1998.
- Euro-Mediterranean Partnership – Regional Strategy Paper 2002-2006 and Regional
Indicative Program 2002-2004; European Commission – An Energy Policy for Europe.
Brussels: Commission of The European Communities, 2007.
- European Commission – Green Paper: Towards a European Strategy for the Security
of Energy Supply. Brussels: Commission of the European Communities, 2000.
- European Commission – Reinvigorating the Barcelona Process, COM (2000) 497;
European Commission – Second Strategic Energy Review: An EU Energy and Solidarity
Plan. COM (2008) 781.
- European Commission – The Renewable Energy Progress Report – Brussels: European
Commission, 2013.
DECLARAÇÕES – DEFESA DO PATRIMÓNIO CULTURAL E DO ESPAÇO
EUROMEDITERRÂNEO
- Opinion of the European Economic and Social Committee on ‘Promoting
representative civil societies in the Euromed region. Bruxelas, Comité Económico e
Social Europeu, 2011.
- Egypt European Parliament resolution on the situation in Egypt. Bruxelas, Parlamento
Europeu, 2009.
229
- European Parliament resolution containing the European Parliament's
recommendation to the Council on the conclusion of a Euro-Mediterranean
Association Agreement between the European Community and its Member States, of
the one part, and the Syrian Arab Republic, of the other part. Bruxelas, Parlamento
Europeu, 2006.
- European Parliament resolution on the opening of negotiations for an EU-Tunisia Free
Trade Agreement. Bruxelas, Parlamento Europeu, 2016.
- European Parliament resolution on the situation in the Middle East. Bruxelas,
Parlamento Europeu, 2006.
- European Parliament resolution on the European Neighbourhood Policy: towards a
strengthening of the partnership. Position of the European Parliament on the 2012
reports. Bruxelas, Parlamento Europeu, 2013.
- St. Petersburg declaration on the protection of culture in the areas of armed conflicts.
St. Petersburg, 2015.
- The Bonn Declaration on World Heritage. Bonn, World Heritage Committee, 2015
-Stop illicit trafficking of culture property. Greece, 3º encontro dos Estados
Contratantes da Convenção da UNESCO 1970, 2015.
- Expo Milano – Conferenza Internazionale dei Ministri della Cultura : Cultura come
strumento di dialogo tra i popoli. Milano, Ministros da Cultura, 2015.
- Tbilisi Declaration. Tbilisi, Ministros da Cultura dos Países de Leste, 2013.
-The Cairo Declaration. Cairo, Gov. Egipto, Líbia, Sudão, Emirates Árabes Unidos,
Arábia Saudita, Iraque, Jordânia, Líbano e Omã, 2015.
- Final Declaration on Protection of World Cultural Heritage Threatened with
Destruction. Rabat, PAM, UNESCO, ISESCO, 2015.
- Statement on the threats to cultural heritage in case of armed conflicts. Paris, ICOM,
ICOMOS, 2020.
230
FUNDAÇÃO ANNA LINDH (ARTIGOS) E ESPAÇO MEDITERRÂNICO:
- Anna Lindh Intercultural Trends Report. Cairo, Anna Lindh Foundation, 2014.
- Anna Lindh Foundation - Bringing people together for a common Mediterranean
future. Cairo: Anna Lindh Foundation, 2006.
- Anna Lindh Educational Handbook – Intercultural Citizenship in the Euro
Mediterranean Region. Cairo: Anna Lindh Foundation. ISBN Number 25313.
- BALTA, Paul - Cultural Dialogue in the Euro-Mediterranean Partnership in: Panorama:
Culture and society | Cultural Dialogue. MED, 2009.
- BRISBOURNE, Alistair Ean - Between a 'global' Mediterranean and Europe's
Neighbourhood: transnational cultural networks and the development of cultural
relations across Europe and the Mediterranean since the emergence of the Anna Lindh
Foundation. London: Royal Holloway. University of London, 2015.
- FERRERO-WALDNER, Benita - Clash of civilisations or dialogue of cultures: building
bridges across the Mediterranean (European Commissioner for External Relations and
European Neighbourhood Policy (speech). Cairo: Bibliotheca Alexandrina and Anna
Lindh Foundation Lecture Alexandria, 2006.
- SCHOEFTHALER, Traugott - The First Steps of Establishing the Anna Lindh
EuroMediterranean Foundation for the Dialogue between Cultures in: Panorama: The
EuroMediterranean Partnership. MED, 2005.
- WALTON, Paul - Intercultural Dialogue and the Emerging Mediterranean: Realigning
the Anna Lindh Foundation Strategy. Malta: University of Malta. Mediterranean
Academy of Diplomatic Studies, 2012.