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iii Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — N o 4 — Julho/Agosto de 2005 DEFESA PROFISSIONAL EDITOR CONVIDADO: MIGUEL MORETTI SUMÁRIO SEÇÕES iv Carta do Presidente da SOCESP Otávio Rizzi Coelho v Carta do Editor Convidado vi Eventos viii Normas para Publicação Edição Anterior: O Coração, Esporte e Exercício Físico – II Editor Convidado: Nabil Ghorayeb Próxima Edição: Atualização em Cardiologia Invasiva Editor Convidado: Marco Antonio Perin ARTIGOS DE ATUALIZAÇÃO 281 O papel e as ações das entidades médicas nacionais The role and the actions of the national medical entities ELEUSES VIEIRA DE PAIVA, EDUARDO DA SILVA VAZ 292 Honorários médicos e políticas de saúde Professional remuneration and health politics FLORISVAL MEINÃO 296 Cooperativas médicas Medical cooperative system EMILIO CÉSAR ZILLI 301 Avaliação da competência médica – reflexão crítica Assessment of medical competency – critical evaluation BRÁULIO LUNA FILHO 306 A especialização profissional The professional specialization in Cardiology JOÃO FERNANDO MONTEIRO FERREIRA, MIGUEL ANTONIO MORETTI 311 Defesa Profissional nas Sociedades de Especialidades Médicas Medical Specialist Association and Professional Defense JORGE CARLOS MACHADO CURI 315 O ato médico em Cardiologia e suas interfaces The medical act in Cardiology and its interfaces JOSÉ HENRIQUE ANDRADE VILA 319 Prontuário do paciente: o papel na defesa profissional do médico Medical record: the paper in the professional defense MAX GRINBERG 328 Instalação do processo ético: o processo de julgamento Initiation of ethics proceedings: the trial process KRIKOR BOYACIYAN 332 Responsabilidade legal do médico — civil, penal e administrativa Legal responsibility of the professional of health – civil, penal, and administrative JOSÉ MARCELO MARTINS PROENÇA

defesa profissional

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iiiRev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 4 — Julho/Agosto de 2005

Defesa Profissional eDitor ConviDaDo: Miguel Moretti

suMário

seçõesiv Carta do Presidente da SOCESP Otávio Rizzi Coelhov Carta do Editor Convidadovi Eventosviii Normas para Publicação

Edição Anterior: O Coração, Esporte e Exercício Físico – II Editor Convidado: Nabil Ghorayeb

Próxima Edição: Atualização em Cardiologia Invasiva Editor Convidado: Marco Antonio Perin

artigos De atualização

281 O papel e as ações das entidades médicas nacionais The role and the actions of the national medical entities ELEUSES VIEIRA DE PAIVA, EDUARDO DA SILVA VAZ

292 Honorários médicos e políticas de saúde Professional remuneration and health politics FLORISVAL MEINÃO

296 Cooperativas médicas Medical cooperative system EMILIO CÉSAR ZILLI

301 Avaliação da competência médica – reflexão crítica Assessment of medical competency – critical evaluation BRÁULIO LUNA FILHO

306 A especialização profissional The professional specialization in Cardiology JOÃO FERNANDO MONTEIRO FERREIRA, MIGUEL ANTONIO MORETTI

311 Defesa Profissional nas Sociedades de Especialidades Médicas Medical Specialist Association and Professional Defense JORGE CARLOS MACHADO CURI

315 O ato médico em Cardiologia e suas interfaces The medical act in Cardiology and its interfaces JOSÉ HENRIQUE ANDRADE VILA

319 Prontuário do paciente: o papel na defesa profissional do médico Medical record: the paper in the professional defense MAX GRINBERG

328 Instalação do processo ético: o processo de julgamento Initiation of ethics proceedings: the trial process KRIKOR BOYACIYAN

332 Responsabilidade legal do médico — civil, penal e administrativa Legal responsibility of the professional of health – civil, penal, and administrative JOSÉ MARCELO MARTINS PROENÇA

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iv Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 4 — Julho/Agosto de 2005

Carta do

Presidente

da soCesPe do

diretor de Pub-liCações

Otávio Rizzi CoelhoBiênio 2004/2005

Nesta edição da Revista da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo, a Di-retoria de Publicações da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo – SOCESP optou pelo tema “Defesa Profissional” e convidou o Dr. Miguel Moretti para coordenação dos artigos. Esse tema, embora venha merecendo, atualmente, bastante atenção da classe médica, muitas vezes é pouco entendido pelos médicos, inclusive cardiologistas. A Diretoria da SOCESP agradece o distinto trabalho do Dr. Miguel Moretti, que conse-guiu selecionar os pontos mais relevantes para o entendimento da essência da defesa profissional, com destaque para a atualização da Classificação Brasileira Hierarquizada de Procedimentos Médicos e para a importância do Título de Especialista em Cardio-logia. Ao todo são dez capítulos escritos por colegas de renome de várias instituições do Estado de São Paulo.

A Diretoria da SOCESP, aproveitando este meio de comunicação, traz quatro notícias para seus associados. Em primeiro lugar, a SOCESP está muito satisfeita com a eleição de seu ex-presidente, Dr. Antonio Carlos Palandri Chagas, para a Presidência da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), no biênio 2008/2009. No website www.apoiochagas.com.br, o Dr. Chagas faz um agradecimento a seus eleitores: “A eleição da SBC para o biênio 2008/2009 chegou ao fim e nossa chapa foi eleita com 55,4% dos votos. Em nome de todos os componentes de nossa futura Diretoria, faço questão de agradecer a você e a todos os especialistas brasileiros pela participação efetiva, que só veio a legitimar esse processo e a engrandecer nossa Cardiologia”. O Dr. Chagas contará com o apoio dos colegas de São Paulo, com a certeza de que seu trabalho será competente e acolhedor, como o realizado como Presidente da SOCESP, no biênio 2001/2003. Mais detalhes da eleição podem ser obtidos no website da SBC www.cardiol.br.

Outra notícia refere-se ao XIII Curso Nacional de Reciclagem em Cardiologia SBC/SOCESP, realizado nos dias 9 a 13 de julho de 2005. É a segunda atividade científica da SOCESP, da qual participaram mais de 900 colegas nas 82 aulas do curso. Este ano, o coordenador foi novamente o Dr. Rui F. Ramos, Diretor Científico da SOCESP, biênio 2004/2005. Assim, como o congresso anual, o curso é um dos pontos altos da progra-mação científica da SOCESP e é desejo da atual Diretoria sempre aprimorar a dinâmica do curso. Pretendemos algumas novidades para o próximo curso, com o intuito de proporcionar maior proveito científico aos participantes.

A terceira notícia é sobre o livro “Tratado de Cardiologia SOCESP”, sobre o qual temos duas novidades. A primeira é que sua venda tem sido um sucesso, e desde seu lançamento já foram vendidos cerca de três mil exemplares. A segunda é que vai ser lançada a complementação do livro durante o 60º Congresso da SBC, que será realizado nos dias 18 a 21 de setembro de 2005, em Porto Alegre: o CD-ROM “Atlas do Tratado de Cardiologia SOCESP”, que disponibilizará todas as ilustrações (mais de 700) para que os colegas possam utilizá-las no preparo de aulas.

A quarta e última notícia refere-se à nova Diretoria da SOCESP para o biênio 2006/2007: Presidente – Bráulio Luna Filho (São Paulo/SP); Vice-Presidente – Ari Timerman (São Paulo/SP); 1º Secretário – Ibraim Masciarelli Pinto (São Paulo/SP); 2º Secretário – Ieda Biscegli Jatene (São Paulo/SP); 1º Tesoureiro – João Nelson Rodrigues Branco (São Pau-lo/SP); 2º Tesoureiro – Miguel Antonio Moretti (São Paulo/SP); Diretor de Publicações – Edson Stefanini (São Paulo/SP); Diretor de Regionais – Marcio Jansen de O. Figueiredo (Campinas/SP); Diretor Científico – Fernando Nobre (Ribeirão Preto/SP); Assessor de Infra-Estrutura – Carlos Vicente Serrano Jr. (São Paulo/SP); Assessor de Informática – Moacir Fernandes Godoy (São José do Rio Preto/SP); Assessor de Defesa Profissional – José Henrique A. Vila (São Paulo/SP). A atual Diretoria deseja ao Dr. Bráulio Luna Filho e sua Diretoria uma gestão repleta de realizações e sucessos, como tem sido a nossa!

Desejamos a nossos associados uma boa leitura. Temos certeza de que o material coordenado pelo Dr. Miguel Moretti vai ser muito útil na atualização dos avanços nessa área. Aproveitamos a oportunidade para anunciar o tema da próxima edição da Revis-ta da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo: “Atualização em Cardiologia Invasiva”, sob a coordenação do Dr. Marco Antonio Perin.

Otávio Rizzi CoelhoPresidente da SOCESP

Biênio 2004/2005Carlos V. Serrano Jr.

Diretor de Publicações da SOCESP

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vRev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 4 — Julho/Agosto de 2005

Carta do

editor

Convidado

Ter a oportunidade de participar e colaborar com a Revista da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo é uma honra e uma grande responsabilidade. Principalmente com um tema que envolve a prática e o exercício da profissão médica, relacionada a aspectos que vão da postura do médico diante da sociedade, passando pela sua formação, até as questões envolvidas com aspectos éticos e legais. Apesar dos muitos assuntos que poderiam ser abordados, procuramos selecionar aqueles que no momento sociopolítico de nosso país seriam mais relevantes.

Colocamos nesta edição um pouco da experiência adquirida ao longo de nosso trabalho na Comissão Julgadora do Título de Especialista da SBC/AMB (1998-2003) e na Assessoria de Defesa Profissional da SOCESP (2004-2005). Nessas oportunidades, pudemos desenvolver conceitos que não são totalmente novos ou inéditos, mas que não eram lembrados ou aplicados. Dessa forma, para esta edição da Revista da Socie-dade de Cardiologia do Estado de São Paulo, trouxemos um pouco dessa experiência, relatada e descrita por especialistas no assunto ou por aqueles que precisaram estudar e se aprofundar nessas questões. Como essa experiência foi desenvolvida por meio de aprendizado, muitos dos artigos apresentados possuem apenas a referência da vivência e da grande experiência de cada um de seus autores. Alguns utilizaram, além da ex-periência pessoal, uma linguagem mais específica, mas que precisa ser entendida por nós. Sabemos que o leitor poderá aprender e refletir muito sobre cada um dos temas, os quais estão longe de terem sido esgotados pelos autores.

Dando seqüência ao trabalho iniciado na edição publicada em novembro/dezembro de 2002, reunimos as opiniões de colegas sobre assuntos com grande influência no mercado de trabalho do médico. Temas que vão desde a formação até sua capacitação e como se envolver e se relacionar com as questões de direito ético e civil aos quais estamos sujeitos. Não podemos deixar para pensar a respeito de determinados assuntos somente quando formos atingidos por um problema ou quando devemos responder algumas questões.

Procuramos retratar um pouco do dia-a-dia do médico dentro do que entendemos por Defesa Profissional. Na realidade, seria mais adequado utilizar Qualidade Assisten-cial, termo mais amplo e que engloba alguns aspectos relacionados com a formação do médico, sua capacitação, qualificação e exercício profissional. Desejamos uma boa leitura e desde já nos colocamos à disposição para eventuais discussões ou trocas de experiência.

Miguel MorettiEditor Convidado

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PAIVA EV e col.O papel e as ações

das entidadesmédicas nacionais

O Brasil, atualmente, possui três segmentos de en-tidades médicas nacionais que se ramificam nos esta-dos: Associação Médica Brasileira (AMB), Conselho Fe-deral de Medicina (CFM) e Federação Nacional dosMédicos (FENAM).

O PAPEL E AS AÇÕES DAS ENTIDADES

MÉDICAS NACIONAIS

ELEUSES VIEIRA DE PAIVA, EDUARDO DA SILVA VAZ

Associação Médica BrasileiraDisciplina de Medicina Nuclear –Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto – SPSociedade Brasileira de PediatriaCOREME HGNI – Hospital Geral Nova Iguaçu

Endereço para correspondência: Associação Médica Brasileira –Rua São Carlos do Pinhal, 324 – Bela Vista – CEP 01333-903 – São Paulo – SP

O papel e as ações das entidades médicas nacionais (Associação Médica Brasi-leira – AMB, Conselho Federal de Medicina – CFM, Federação Nacional dos Médi-cos – FENAM) têm sido de fundamental importância para garantia de medicina demelhor qualidade à população brasileira e de melhor relacionamento entre os profis-sionais médicos em nosso país. A AMB e o CFM, por meio das resoluções CFM1634/2002, 1666/2003 e 1775/2044, disciplinaram e fortaleceram a qualificação pro-fissional pelas especialidades. A construção e a luta pela implantação da Classifica-ção Brasileira Hierarquizada de Procedimentos Médicos têm unido toda a categoriamédica brasileira, passando pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) epelo Congresso Nacional. As diretrizes, instrumento de qualificação sem interferên-cia da indústria e do mercado comprador de serviços médicos, com cerca de 140 jáproduzidas e mais de 40 a serem concretizadas, têm reconhecimento internacional.As ações desenvolvidas para conter a abertura indiscriminada de escolas médicas,por meio de fóruns, documentos e ações tanto judiciais como no Congresso Nacio-nal, são marca constante nesta década. A preocupação dos médicos, por meio deentidades, com a maioria da população que utiliza o sistema público de saúde, sefez presente na aprovação da PEC 29 e na garantia constitucional de seu cumpri-mento. E finalmente a luta árdua em todos os fóruns para aprovar o PL 25/2002, aLei do Ato Médico, tem demonstrado aos médicos e à sociedade, de maneira clara,que nossas entidades estão trabalhando em prol de uma sociedade melhor.

Palavras-chave: política de saúde, papel do médico, Conselhos de EspecialidadeProfissional, escolas médicas, Diretrizes para a Prática Clínica.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;4:281-91)RSCESP (72594)-1540

A AMB, associação sem fins lucrativos, foi fundadaem 26 de janeiro de 1951 e tem como missão lutarpela defesa dos interesses da categoria médica. O sis-tema associativo da AMB é formado por 27 associa-ções médicas filiadas, no Distrito Federal e nas demais

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PAIVA EV e col.O papel e as ações

das entidadesmédicas nacionais

unidades da Federação.Também fazem parte daAMB as associações mé-dicas de especialidades,que constituem seu con-selho científico. Seu papelé defender a categoriamédica nos terrenos cien-tífico, ético, social, econô-mico e cultural, e contribuirpara a elaboração da polí-tica de saúde e para o

aperfeiçoamento do sistema médico assistencial dopaís tanto no público como no privado. Uma de suasmais importantes funções é a de orientar a populaçãonos problemas relacionados à atenção à saúde(1).

O CFM e seus respectivos conselhos regionais, emnúmero de 27 distribuídos no Distrito Federal e demaisunidades da Federação, têm a atribuição constitucio-nal de fiscalização e normatização da prática médica.Criado em 1951, tem a responsabilidade de fazer oregistro profissional do médico e de aplicar sanções docódigo de ética médica. Hoje, o CFM exerce papel po-lítico na sociedade, atuando na defesa da saúde dapopulação e dos interesses da corporação médica(2).

A FENAM, entidade sindical de grau superior abran-gendo todo o território nacional, com cerca de 54 sindi-catos filiados, tem a atribuição de fazer a defesa sindi-cal dos médicos(3).

O título de especialista é a mais importante contri-buição da AMB à sociedade. Sua finalidade é a qualifi-cação dos profissionais que ingressam no mercado detrabalho, valorizando o profissional que o possua egarantindo à população assistida melhor qualidade demedicina. Os títulos são emitidos após rigorosa avalia-ção do conhecimento e do desempenho profissional,feita pelas Associações Médicas de Especialidades,conforme normas estabelecidas pela AMB e reconhe-cidas pelo CFM.

Na última década, o trabalho conjunto da AMB e doCFM na Comissão Mista de Especialidades, em con-junto com a Comissão Nacional de Residência Médicado Ministério de Educação e Cultura, reformulou o sis-tema de especialização em nosso país, com grandeproveito para os profissionais. Esse trabalho conjuntounificou a nomenclatura das especialidades médicas econsagrou as áreas de atuação por meio de resolu-ções emitidas pelo CFM de números 1634/2002(4) e1666/2003(5).

As Especialidades têm a responsabilidade de pro-mover concursos para que a AMB outorgue Títulos deEspecialistas. A preocupação com a qualidade da me-dicina desencadeou debates no CFM, na AMB e nasEspecialidades, culminando com a publicação da re-solução CFM 1775/2004(6), que institui a revalidação

dos títulos de especialistas e de áreas de atuação ecria a Comissão Nacional para elaborar normas e re-gulamentos para esse fim, além de coordenar a emis-são dos certificados de revalidação.

De fundamental importância é a Classificação Bra-sileira Hierarquizada de Procedimentos Médicos(CBHPM), construída com a participação do CFM e daFENAM, que integram, com a AMB, a Comissão Naci-onal de Honorários Médicos. A CBHPM é o resultadode um trabalho árduo dos médicos brasileiros, com fun-damentação científica da Fundação Instituto de Pes-quisa Econômica (FIPE). A decisão de construir essenovo referencial surgiu durante o planejamento estra-tégico da AMB, em março de 2000, em São Paulo, coma participação de todo o segmento associativo, da di-retoria da AMB, das Federadas da AMB, e da diretoriadas Associações de Especialidades Científicas. A Lis-ta de Procedimentos Médicos teria uma base científicae seus procedimentos seriam hierarquizados, a fim deque todos guardassem entre si uma relação justa en-tre as várias especialidades, que valorizasse o atomédico. A FIPE foi escolhida entre três empresas queapresentaram propostas ao Conselho Científico daAMB. O modelo desenvolvido foi aprovado após testepiloto com atos médicos clínicos, cirúrgicos e de Servi-ço de Apoio de Diagnóstico e Tratamento. As especia-lidades escolhidas foram Nefrologia, Ginecologia eObstetrícia, e Radiologia, tendo como base o tempodo procedimento (pré, intra e pós), a cognição, a habi-lidade (complexidade) e o risco.

O trabalho inicial de confecção da primeira apre-sentação da CBHPM durou cerca de 40 meses, e, nes-sa fase, a participação de todas as Associações de Es-pecialidades foi fundamental, tendo sido assessoradaspelos técnicos da FIPE. Ao término, a CBHPM deixoude ser uma tabela de especialidades para tornar-se umaLista de Procedimentos Médicos organizada em qua-tro grandes capítulos: Procedimentos Clínicos Ambu-latoriais, Procedimentos Clínicos Hospitalares, Proce-dimentos Cirúrgicos e Invasivos, e Procedimentos deSADT. Sua hierarquização foi agrupada em 14 portese 3 subportes (A, B e C), de acordo com o métodocientífico, de maneira que, no porte 1 A, o de menorvalor, ficaram, entre outros, a eletrocardiografia de re-pouso, a remoção de cerume e a coleta de fluxo papi-lar da mama, e no porte 14 C, o de maior valor, foramcontemplados o transplante cardiopulmonar e o trans-plante hepático, incluindo o doador e o receptor. Foiutilizado como critério para valorar os portes a evolu-ção dos índices inflacionários do período de agosto de1994 a abril de 2003, com a média dos quatro índicesreconhecidos pelo mercado financeiro: IGPM-FGV, ICV-DIEESE, IPC-FIPE, e INPC-IBGE. Durante o EncontroNacional das Entidades Médicas (ENEM), realizado emmaio de 2004, em Brasília, o conjunto dos médicos re-

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PAIVA EV e col.O papel e as ações

das entidadesmédicas nacionais

presentantes das três en-tidades nacionais aprovouo método de valoração ea variação das bandaspara adequar a CBHPM àsdiferentes realidades eco-nômicas do país(7). Apósessa decisão histórica, oCFM publicou, em 7 deagosto de 2003, a Reso-lução CFM nº 1673/2003(8), que adota como

padrão mínimo e ético de remuneração para o Siste-ma Suplementar de Saúde, com cerca de 38 milhõesde usuários, a CBHPM, incluindo suas instruções ge-rais e valores. No seu artigo segundo, os valores dosportes de procedimentos deverão ser determinadospelas entidades médicas nacionais, por intermédio daComissão Nacional de Honorários Médicos, e as vari-ações dentro das bandas determinadas nacionalmen-te (20%) serão decididas pelas Comissões Estaduaisou Regionais de Honorários Médicos, levando-se emconta as particularidades de cada local. Em 1º de agostode 2003, foram publicados, pela Comissão Nacionalde Honorários Médicos, os valores dos portes e daUnidade de Custo Operacional (UCO), que incorporadepreciação de equipamentos, manutenção de mobili-ário, imóvel, aluguéis, folha de pagamento, etc. Os va-lores dos atos anestésicos foram classificados em por-tes de 0 a 8, em que o porte A N (anestésico) 0 refere-se aos procedimentos médicos que não necessitam daparticipação do anestesiologista.

Vários segmentos médicos estiveram presentes nolançamento oficial da CBHPM, em 15 de julho de 2003,em Vitória, no Espírito Santo. Essa capital foi escolhidapor ter conseguido aprovar uma lei que garantia aosmédicos determinar o valor de seu trabalho. Durantetodo o processo de construção da CBHPM, a AMBprocurou quatros segmentos da medicina suplemen-tar (UNIMED – Cooperativa de Trabalho Médico,FENASEG – Federação Nacional das Segurado-ras, ABRAMGE – Associação Brasileira de Medicinade Grupo, UNIDAS – União Nacional das Auto-Ges-tões), além da ANS (Agência Nacional de Saúde Su-plementar), para a discussão da implantação daCBHPM no território nacional. Em nenhum momento aqualidade técnica foi questionada, e foi considerada umavanço. Infelizmente esse posicionamento não se con-cretizou em ação, e os médicos brasileiros têm enfren-tado grandes dificuldades para sua implantação, que,sem dúvida, traria benefícios incalculáveis para os usu-ários do Sistema Suplementar de Saúde. As “listas” ou“tabelas” utilizadas atualmente apresentam defasagemde dez anos, além de acarretarem prejuízos de ordemeconômico-financeira para os médicos, que, ao longo

da última década, viram seus honorários serem signifi-cativamente reduzidos.

Não faltaram gestões das três entidades nacionais(AMB, CFM e FENAM) diante da ANS para compatibi-lizar o Rol de Procedimentos da ANS com a CBHPM,pois legalmente é a Agência responsável por publicaro Rol. No dia 29 de setembro de 2004, a ANS publicoua Resolução Normativa nº 82(9), que estabelece o Rolde Procedimentos como a referência básica para acobertura assistencial nos planos privados de assis-tência à saúde, contratados a partir de 1º de janeiro de1999. Apesar do compromisso assumido com as enti-dades médicas em compatibilizar o novo Rol com aCBHPM, a publicação dessa Resolução ocasionougrande frustração, e vários procedimentos novos, quebeneficiariam os usuários, não foram incluídos, fazen-do com que mais uma vez a ANS perdesse a oportuni-dade de avançar. A Agência comprometeu-se a criarcâmaras para a introdução dos novos procedimentos.Independentemente da postura da ANS, as entidadesmédicas nacionais vêm lutando arduamente para aimplantação da Classificação.

Foi criada, pelo Conselho Deliberativo da AMB e doCFM, a Comissão Nacional de Implantação da CBHPM(CNI), com representantes de todo o segmento médi-co, coordenada pelo 1º Vice-Presidente da AMB, Dr.Lincoln Marcelo Silveira Freire. Imediatamente foramativadas ou criadas Comissões Estaduais e/ou Regio-nais para a implantação, em todo o território nacional,da CBHPM, tendo sido criado o informativo “Mobiliza-ção”(10). Atualmente há acordos com a UNIDAS em 20Estados da Federação e em 8 regionais. No sistemaUNIMED, 30 singulares já se comprometeram a implan-tar, enquanto no sistema da medicina de grupo(ABRAMGE) 85 empresas em 19 Estados já acorda-ram a implantação. Existe paralisação do atendimentoaos usuários das seguradoras em 19 Estados(10). Vári-as outras ações têm sido desenvolvidas, entre elas oesforço pela aprovação ao substitutivo do PL 3466/2004(11) do Deputado Inocêncio Oliveira, cujo relator éo Deputado Rafael Guerra, pois, apesar do compro-misso do Presidente da Câmara Federal, DeputadoJoão Paulo Cunha, em junho de 2004, em Brasília,durante a manifestação em que mais de mil médicoscompareceram à Câmara Federal, de que “a Câmaraassume o compromisso de se empenhar na busca poruma solução para o conflito entre médicos e operado-ras, pois é evidente a discrepância entre os envolvidosnesse setor”(12), esse projeto somente deverá ir a ple-nário após o dia 15 de fevereiro. Outra ação diz respei-to à Resolução Normativa da ANS nº 71, de 17 de marçode 2004(13), que estabelece os requisitos dos instrumen-tos jurídicos a serem firmados entre as operadoras deplanos privados de assistência à saúde e profissionaisde saúde que prestam serviços em consultório, resolu-

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das entidadesmédicas nacionais

ção que ficou conhecidacomo de Contratualizaçãoe que foi publicada apósvárias reuniões na Câma-ra de Contratualizaçãoconvocada pela ANS comtodos os segmentos. Infe-lizmente o texto não foi oesperado. O que a AMBbuscava nessa câmara éque a resolução claramen-te definisse as formas de

remuneração (CBHPM) e os índices de reajustes e aperiodicidade, além das obrigações e responsabilida-des das operadoras quanto ao cumprimento dos pra-zos de pagamento.

A resolução 71, em seu artigo 3º, definia como pra-zo máximo de revisão contratual o período de 180 diasapós sua publicação. Como era esperado, e por nãoser clara e objetiva, a resolução 71 não respondeu aosanseios dos médicos, e precisou ser prorrogada até 17de março de 2004. A CNI reiteradamente vem solici-tando ao Presidente da ANS nova prorrogação do pra-zo de contratualização, pois, considerando as informa-ções obtidas em todo o País, por meio das Federadasda AMB, constatou-se um número insignificante decontratos assinados, com pressões e ameaças de des-credenciamento por parte das operadoras. Isso se deveinvariavelmente a cláusulas unilaterais e sem critériosde reajuste, pois, como já foi mencionado, a resoluçãonão ficou clara. Na busca de solução, foi instituída, pelaAMB, a câmara de contratualização, com a participa-ção de representantes da UNIDAS e do CFM, a fim deque se possam traçar linhas gerais em benefício domédico.

Outra frente da comissão nacional de implantaçãorefere-se ao aspecto jurídico. Em 13 de Janeiro de 2005,na sede da AMB, em São Paulo, as assessorias jurídi-cas das entidades nacionais discutiram o texto da açãode reequilíbrio econômico-financeiro, e o termo da re-ferida ação foi distribuído às comissões estaduais dehonorários médicos, que, por meio de suas assessori-as, avaliarão e farão as alterações que julgarem ne-cessárias para promover a imprescindível ação judici-al. Essa ação tem por finalidade buscar, por meio dajustiça, os valores que as operadoras são credoras dosmédicos, por não terem reajustado seus honorários naúltima década.

Outra ação já havia sido encaminhada a associa-ções de especialidades, visando à implantação, por viajudicial, da CBHPM(10). A comissão nacional de implan-tação tem solicitado que a UNIMED Brasil recomendea todas as suas singulares a discussão, em seus ambi-entes próprios, dos meios possíveis para a implanta-ção da CBHPM.

Outras câmaras técnicas foram criadas pela AMBcom o intuito de otimizar os custos e viabilizar a im-plantação da CBHPM. Nessas câmaras, além da parti-cipação de integrantes da AMB e do CFM, foram con-vidados representantes da UNIDAS e da UNIMED: câ-mara técnica da CBHPM, câmara técnica de órteses epróteses, câmara técnica de materiais e medicamen-tos, câmara técnica de incorporação de tecnologia, ecâmara técnica de diretrizes.

Outra ação importante desenvolvida pela AMB epelo CFM foi o projeto diretrizes(14), com o objetivo deauxiliar a decisão médica e, conseqüentemente, otimi-zar o cuidado aos pacientes. Esse processo foi desen-cadeado pelas Especialidades, com base nas evidên-cias científicas disponíveis na atualidade. Esse projetoteve início em dezembro de 1999, em Brasília, a partirde um encontro entre a diretoria da AMB e os conse-lheiros federais do CFM, no qual todos se pronuncia-ram unanimemente em favor da parceria entre as duasentidades, delineando uma política de ação conjunta.Essa parceria foi ratificada em março de 2000, duranteo planejamento estratégico da AMB. Efetivamente o tra-balho teve início em outubro de 2000, e em dezembroos primeiros resultados começaram a surgir. Em me-nos de um ano foram produzidas cerca de 40 diretri-zes, num trabalho inédito da categoria médica brasilei-ra. Em janeiro de 2005 já somavam 140, e até o finalde abril de 2005 devem ser 180.

Esse processo, com a coordenação da diretoriacientífica da AMB, contou com uma comissão asses-sora técnica especializada.

Procurou-se, de maneira ética e com rigorosa me-todologia científica, construir as bases de sustentaçãodas recomendações de conduta médica, utilizando-seos meios da ciência atual, de forma crítica e desprovi-da se não aquele que resulte na melhoria do binômiomédico-paciente. Cada associação de especialidade afi-liada à AMB é responsável pelo conteúdo informativo epela elaboração do texto de sua diretriz. Os temas abor-dados foram escolhidos pelas especialidades, que fo-ram orientadas a realizar uma busca sistemática naliteratura da melhor evidência científica disponível, pelocomitê técnico do projeto, levando-se em considera-ção o desenho da pesquisa, a consistência das medi-das e a validade dos resultados dos trabalhos levanta-dos, contemplando os desfechos clínicos de naturezadiagnóstica, terapêutica, preventiva e prognóstica. Ex-cepcionalmente foram incluídos desfechos relaciona-dos ao custo dos procedimentos, de tal forma que autilização das diretrizes como instrumento referencialpara os aspectos econômicos e financeiros da remu-neração dos serviços é indevida. A relação entre a qua-lidade do estudo e o grau de recomendação, e, portan-to, sua influência na decisão médica, é insuficiente seutilizada de maneira absoluta e isolada, sendo esta de

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das entidadesmédicas nacionais

caráter informativo e su-gestivo, cabendo ao profis-sional que ministra o cui-dado ao paciente julgar aforma, o momento e a per-tinência da utilização dadiretriz.

O método selecionadono presente projeto bus-cou a padronização dotexto objetivo e afirmativosobre procedimentos diag-

nósticos, terapêuticos e preventivos, recomendando oucontra-indicando condutas ou, ainda, apontando a ine-xistência de informações científicas que permitam a re-comendação ou a contra-indicação. As referências bi-bliográficas são citadas numericamente por ordem deentrada no texto, seguidas do grau de recomendaçãoA, B, C ou D. A classificação do grau de recomenda-ção, que corresponde à força de evidência científicado trabalho, foi fundamentada nos centros de medicinabaseada em evidências do “National Health Service”da Grã-Bretanha e do Ministério da Saúde de Portugal.Todos os graus de recomendações, incluindo-se o “D”,são baseados em evidência científica.

O projeto diretrizes foi avaliado durante o 2º Con-gresso Internacional de Medicina Baseado em Evidên-cias, realizado na Itália de 10 a 14 de setembro de 2003,em Palermo, e foi amplamente elogiado por liderançasmédicas de 18 países que representaram os cinco con-tinentes, sendo considerado uma das maiores experi-ências mundiais no assunto. A AMB recebeu solicita-ções para intercâmbio com vários países, entre elesAlemanha e Chile. Anteriormente, Inglaterra e Méxicotambém já haviam demonstrado interesse em desen-volver projetos semelhantes, e com a Argentina a AMBjá firmou convênio(15). O projeto já foi adotado pelo Mi-nistério da Saúde, para utilização como parâmetro noSistema Único de Saúde, e também pela Associaçãode Hospitais Privados, com o objetivo de ofertar aten-dimento de qualidade à população.

Em outra frente de luta das entidades médicas econtra a abertura de escolas de medicina no País, emjaneiro de 2004 a AMB e o CFM publicaram um relató-rio denominado “Abertura de Escolas de Medicina noBrasil. Relatório de um cenário sombrio”(16), organiza-do pelos Drs. Ronaldo da Rocha Loures Bueno e Ma-ria Cristina Pieruccini. Há vários anos as entidades mé-dicas tentam incluir na agenda das políticas públicas aquestão da avaliação e do controle da abertura de cur-sos de medicina, com interesse no número de escolasmédicas, nos números de médicos formados a cadaano e, sobretudo, na qualidade do ensino ofertado.

Já na década de 1960 a AMB encaminhou às auto-ridades responsáveis o documento “Problemática do

Ensino Médico no Brasil”, cuja repercussão gerou aconstituição, no Ministério de Educação e Cultura(MEC), da Comissão de Ensino Médico, em 1971. EssaComissão produziu o “Documento nº 1”, que reafirma-va as conclusões e as proposições do documento daAMB, servindo de subsídio a uma portaria ministerialsuspendendo a criação de novas escolas médicas. Du-rante 13 anos – de 1971 a 1976 e de 1979 a 1987 –,nenhum curso de medicina recebeu autorização de fun-cionamento no país. Infelizmente, na última década,houve uma proliferação indiscriminada associada àampliação de vagas nos cursos já existentes, gerandoqueda de qualidade da formação acadêmica. Em 2002,a AMB promoveu fóruns regionais denominados “No-vas Escolas de Medicina: Necessidade ou Oportunis-mo”, em Curitiba, Belo Horizonte, Belém, Brasília eSalvador, com a finalidade de definir estratégias políti-co-institucionais e da adoção de um discurso nacionalfundamentado e coeso, direcionado à necessidade derestrições à criação de novos cursos de graduação emmedicina. Recentemente, o Conselho Nacional de Saú-de (CNS) recomendou ao Conselho Nacional de Edu-cação (CNE) a suspensão de autorizações para a cria-ção de cursos na área de saúde, por um período míni-mo de 180 dias. As deliberações do CNS estão conti-das na Resolução nº 324/03, publicada no D.O.U. de15 de julho de 2003. Em outra resolução, de nº 325/03,o CNS recomenda a realização de audiência públicacom a Comissão Especial de Avaliação para analisaros critérios atualmente adotados nos cursos da áreade saúde(17). No entendimento das entidades médicas,essa proibição deveria ser por pelo menos dez anos,conforme propõe o Projeto de Lei 65/03, de autoria doDeputado Arlindo Chinaglia(18). Por outro lado, enten-dem ser, também, de alta prioridade a aprovação doProjeto de Lei nº 6240, de 2002, cujo Artigo 5º propõealterar o Artigo 53 da Lei nº 9.384, de 20 de dezembrode 1996 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Na-cional –, estabelecendo que a criação de vagas noscursos da área de saúde, em qualquer caso, deveráser submetida, em caráter terminativo, à manifestaçãodo CNS, no que diz respeito à necessidade social deabertura de novos cursos de medicina(19). Na defesadesses projetos de lei, as entidades médicas não pre-tendem ferir os princípios democráticos ou fechar asportas ao mercado de trabalho, mas tentar provar quea autorização de funcionamento de cursos de medici-na deve ser compatível com reais condições de formarbons profissionais, do ponto de vista técnico, ético ehumanitário.

Várias ações movidas por entidades médicas, ob-jetivando impedir a abertura de novas escolas médi-cas, tramitam na justiça, sem que se tenha obtido, atéagora, resultados favoráveis. Nada é mais difícil quefechar uma escola em funcionamento, porque gera co-

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moção social e esbarranos direitos dos alunosmatriculados. Por essemotivo, a mobil izaçãodeve ser contra a abertu-ra de novos cursos. En-tende-se que a manuten-ção de cursos de baixaqualidade é um ato pre-judicial à sociedade, porservir-se de cursos quenão propiciarão a seus

egressos condições competitivas de enfrentar o mer-cado de trabalho, mantendo a desigualdade. Mas, emse tratando da medicina, agrega-se um elemento tãoou mais importante que o direito do cidadão de obterboa formação profissional, envolvendo diretamentea qualidade do atendimento que esses profissionaisdispensarão à saúde da população. No início de maiode 2004, a AMB, o CFM, a FENAM e as entidadesmédicas paulistas lançaram a campanha “Proteja-se.Lute pela proibição de abertura de novos cursos demedicina. Por uma medicina ética, com qualidade ecompromisso social”(20). O objetivo é alertar a popu-lação e sensibilizar as autoridades responsáveis so-bre os potenciais riscos representados pela criaçãode escolas de medicina, sem condições necessáriasde oferecer ao futuro médico formação consistente eadequada.

No site www.proteja-se.org.br há dados atualiza-dos sobre a grave situação das escolas médicas tan-to em São Paulo como no restante do país. A partirde 2 de janeiro de 2005, o credenciamento e o recre-denciamento de instituições de educação superior ea autorização de cursos terão processos mais rápi-dos e rigorosos. No dia 10 de novembro de 2004, oMinistério da Educação publicou portaria que esta-belece uma sistemática para a tramitação dos pro-cessos e fixa prazo específico para finalização decada etapa. A luta das entidades médicas para o fi-nanciamento público para o setor de saúde é antiga,e desde 1998 a AMB tem participado da aprovaçãoda Emenda Complementar nº 29(21), que somente tevesua tramitação encerrada com sua aprovação emdefinitivo no dia 13 de setembro de 2000. Essa emen-da garante recursos advindos dos três níveis de go-verno para o sistema público de saúde. Em 2001, aAMB entrou com uma Ação Declaratória de Inconsti-tucionalidade no Supremo Tribunal Federal questio-nando a interpretação do Ministério da Fazenda e daAdvocacia Geral da União (AGU) em relação à pro-posta de Emenda Constitucional nº 29, pois uma in-terpretação equivocada do Ministério da Fazendaocasionou a diminuição dos recursos advindos daUnião da ordem de R$ 1,2 bilhão apenas em 2001, e

de cerca de R$ 5,6 bilhões nos três anos subseqüen-tes. Felizmente, com a pressão das entidades médi-cas e demais setores da sociedade envolvidos, ogoverno voltou atrás.

As entidades médicas estão em permanente con-tato com a Frente Parlamentar da Saúde na defesados interesses da saúde pública no Brasil. Atualmentea AMB faz parte da Frente Brasileira contra a MedidaProvisória 232(22), que define melhores estratégiaspara sensibilizar os parlamentares a votarem contraa medida provisória, que aumenta a base de cálculodo imposto de renda de pessoa jurídica (IRPJ) e dacontribuição social sobre o lucro líquido (CSLL) de32% para 40% para as empresas prestadoras deserviço no regime de lucro presumido. Essa frentefoi lançada em 18 de janeiro de 2005 na sede daAMB, com a participação da Associação Comercialde São Paulo, do CFM e da Associação Paulista deMedicina (APM).

Outro grande desafio das entidades médicas na-cionais é a aprovação da Lei do Ato Médico, o Proje-to de Lei do Ato Médico PL 25/2002(23), que está naComissão de Assuntos Sociais (CAS) do SenadoFederal para discussão de mérito, objetiva apenasregulamentar os atos médicos, fortalecendo o con-ceito de equipe de saúde e atendendo de forma dig-na a população. Esse projeto tem apenas cinco arti-gos e ressalta que o médico deve ter como priorida-de a promoção da saúde, a prevenção, o diagnósticoe o tratamento das doenças, e a reabilitação dosdoentes. Preocupado com a atenção à saúde da po-pulação, em especial dos menos favorecidos, em 23de outubro de 2001 o CFM publicou a resolução nº1.627/2001(24), definindo o ato profissional médicocomo todo procedimento técnico-profissional pratica-do por médico legalmente habilitado e dirigido a pro-moção da saúde, prevenção de enfermidades ou pro-filaxia, prevenção da evolução das enfermidades ouexecução de procedimentos diagnósticos ou terapêu-ticos, e a prevenção da invalidez ou reabilitação dosenfermos. É importante que se fortaleça o conceitode equipe em saúde, respeitando as esferas de com-petência de cada profissional. Ninguém trabalha pelasaúde da população sozinho, e muito menos sem apresença do médico. É de suma importância o enga-jamento de todos na aprovação desse projeto, poisessa matéria tem muita relevância(25). Por definiçãoem seu Art. 1º, ato médico é todo procedimento téc-nico-profissional praticado por médico habilitado edirigido para: I) a prevenção primária, definida comoa promoção da saúde e a prevenção da ocorrênciade enfermidades ou profilaxia; II) a prevenção secun-dária, definida como a prevenção da evolução dasenfermidades ou execução de procedimentos diag-nósticos ou terapêuticos; III) a prevenção terciária,

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definida como a preven-ção da invalidez ou rea-bilitação dos enfermos. Oprojeto tem como objeti-vo definir, em lei, o alcan-ce e o limite do ato médi-co. Para tanto, esse Art.1º expõe de maneira cla-ra a definição adotadapela Organização Mundi-al da Saúde (OMS) quan-to às ações médicas que

visam ao benefício do indivíduo e da coletividade,estabelecendo a prevenção, em seus diversos está-gios, como parâmetro para a cura e o alívio do sofri-mento humano. A definição do ato médico foi elabo-rada com base nessa ordenação de idéias, porque,na medida em que abrange todas as possibilidadesde referir procedimentos profissionais na área dasaúde, essa classificação pareceu ao autor a melhormaneira de sintetizar clara e legalmente os limitesda atividade dos médicos. Com sua utilização, pare-ce ser possível diferenciar o que se deve considerarcomo atividade privativa dos médicos e quais os pro-cedimentos sanitários que não o são. Como se vê, oconceito de cura não se opõe ao de prevenção, umavez que a cura, quer com o sentido de tratamentoquer como resultado dele, está implícita na preven-ção secundária. Razão pela qual não faz sentido opora medicina curativa à medicina preventiva, posto queaquela é parte integrante desta. O inciso I trata daatenção primária, que cuida de prevenir a ocorrênciade doenças por meio de métodos profiláticos e dasações que visem à promoção da saúde para toda apopulação. A prevenção primária reúne um conjuntode ações que não são privativas dos médicos; aocontrário, para que obtenham êxito, exigem a co-par-ticipação de outros profissionais da saúde e até mes-mo da população envolvida. O inciso II, por sua vez,estabelece os atos que são privativos dos médicos.São aqueles que envolvem o diagnóstico de doen-ças e as indicações terapêuticas, atributos que têmno médico o único profissional habilitado e prepara-do para exercê-los, além dos odontólogos em suaárea de atuação. Não se incluem aqui os diagnósti-cos fisiológicos (funcionais) e os psicológicos, quesão compartilhados com outros profissionais da áreade saúde, como os fisioterapeutas e os psicólogos.O diagnóstico fisiológico refere-se ao reconhecimentode um estado do desenvolvimento somático ou dafuncionalidade de algum órgão ou sistema corporal.O diagnóstico psicológico refere-se ao reconhecimen-to de um estado do desenvolvimento psíquico ou dasituação de ajustamento de uma pessoa. No entan-to, quanto se trata do diagnóstico de enfermidades e

da indicação de condutas para o tratamento, somen-te o médico e o odontólogo, este em sua área espe-cífica, possuem a habilitação exigida para tais ações.E os médicos veterinários, no que diz respeito aosanimais.O inciso III aborda as atividades de recupe-ração e reabilitação, também compartilhadas entre aequipe de saúde. Não são atos privativos dos médi-cos. Por medidas ou procedimentos de reabilitaçãodevem ser entendidos os atos profissionais destina-dos a devolver a integridade estrutural ou funcionalperdida ou prejudicada por uma enfermidade (com osentido de qualquer condição patológica). O parágrafoúnico desse artigo explicita quais os atos privativosdos médicos e os compartilhados com outros profis-sionais (procedimentos diagnósticos de enfermida-des ou que impliquem indicação terapêutica são atosprivativos do profissional médico). As atividades deprevenção tanto primária como terciária que não im-pliquem a execução de diagnósticos e indicaçõesterapêuticas podem ser atos profissionais comparti-lhados com outros profissionais da área da saúde,dentro dos limites impostos pela legislação pertinen-te. Há um consenso indubitável acerca desses con-ceitos, estabelecidos há milênios pela prática daMedicina. Diante da estupefação de alguns pela ine-xistência, até hoje, de lei que afirmasse o óbvio, valeesclarecer que nunca houve tal necessidade antes,o que só agora se impõe em virtude do crescimentode outras profissões na área da saúde. Estabelecerlimites e definir a abrangência do ato médico passa-ram a constituir assunto de extremo interesse de todaa sociedade, e não apenas dos médicos.

Atribuições do CFM no Art. 2º: Compete ao Con-selho Federal de Medicina, nos termos do artigo erespeitada a legislação pertinente, definir, por meiode resolução, os procedimentos médicos experimen-tais, os aceitos e os vedados, para utilização pelosprofissionais médicos. Esse artigo estabelece a com-petência do CFM em definir os atos médicos veda-dos, os aceitos e os experimentais, à luz da ética edo conhecimento científico existentes.

Vale ressaltar que o estabelecimento de atribui-ções em lei para os conselhos federais de fiscaliza-ção profissional não constitui inovação para os mé-dicos. A análise das leis que regulamentam outrasprofissões da área de saúde assim o demonstra:Decreto nº 88.439/83 – Biomedicina Art. 12º – Com-pete ao Conselho Federal: XVIII – definir o limite decompetência no exercício profissional, conforme oscurrículos efetivamente realizados; Lei nº 3820/60 –Farmácia Art. 6º – São atribuições do Conselho Fe-deral: g) expedir as resoluções que se tornarem ne-cessárias para a fiel interpretação e execução dapresente lei; j) deliberar sobre questões oriundas doexercício de atividades afins às do farmacêutico; l)

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ampliar o limite de com-petência do exercício pro-fissional, conforme o cur-rículo escolar ou median-te curso ou prova de es-pecialização realizada ouprestada em escola ouinstituto oficial; m) expe-dir resoluções, definindoou modificando atribui-ções ou competência dosprofissionais de farmácia,

conforme as necessidades futuras; Parágrafo único– As questões referentes às atividades afins com asoutras profissões serão resolvidas através de enten-dimentos com as entidades reguladoras dessas pro-fissões; Lei nº 5.766/71 – Psicologia Art. 6º – Sãoatribuições do Conselho Federal: d) definir, nos ter-mos legais, o limite de competência do exercício pro-fissional, conforme os cursos realizados ou provasde especialização prestadas em escolas ou institu-tos profissionais reconhecidos; n) propor, ao PoderCompetente, alterações da legislação relativa ao exer-cício da profissão de Psicólogo; no Art. 3º – As ativi-dades de coordenação, direção, chefia, perícia, au-ditoria, supervisão, desde que vinculadas, de formaimediata e direta, a procedimentos médicos e, ain-da, as atividades de ensino dos procedimentos mé-dicos privativos incluem-se entre os atos médicos edevem ser unicamente exercidos por médicos.Esteartigo preconiza que os cargos de direção e chefiarelacionados diretamente aos atos médicos sejamexercidos exclusivamente por médicos. Não há nadade extraordinário nisso. As leis que regulamentam asoutras profissões da saúde sempre realçaram essequesito, garantindo-lhes as chefias de enfermagem,nutrição, etc.

Senão, vejamos:- Lei nº 8.234/91 – Nutrição Art. 3º – São atividades

privativas dos nutricionistas: I - direção, coorde-nação e supervisão de cursos de graduação emnutrição; V - ensino das disciplinas de nutrição ealimentação nos cursos de graduação da área desaúde e outras afins; VI - auditorias, consultoriase assessoria em nutrição e dietética.

- Decreto nº 85.878/81 – Farmácia Art 1º – São atri-buições privativas dos profissionais farmacêuticos:II - assessoramento e responsabilidade técnicaem: a) estabelecimentos industriais farmacêuticosem que se fabriquem produtos que tenham indi-cações e/ou ações terapêuticas, anestésicos ouauxiliares de diagnóstico, ou capazes de criar de-pendência física ou psíquica; b) órgãos, laborató-rios, setores ou estabelecimentos farmacêuticosem que se executem controle e/ou inspeção de

qualidade, análise prévia, análise de controle eanálise fiscal de produtos que tenham destinaçãoterapêutica, anestésica ou auxiliar de diagnósti-cos ou capazes de determinar dependência físicaou psíquica; IV - a elaboração de laudos técnicose a realização de perícias técnico-legais relacio-nadas com atividades, produtos, fórmulas, proces-sos e métodos farmacêuticos ou de natureza far-macêutica; V - o magistério superior das matériasprivativas constantes do currículo próprio do cur-so de formação farmacêutica, obedecida a legis-lação do ensino.

- Decreto nº 53.464/64 – Psicologia Art. 4º – São fun-ções do psicólogo: II - Dirigir serviços de Psicolo-gia em órgãos e estabelecimentos públicos, au-tárquicos, paraestatais, de economia mista e par-ticulares. III - Ensinar as cadeiras ou disciplinasde Psicologia nos vários níveis de ensino, obser-vadas as demais exigências da legislação em vi-gor. VI - Realizar perícias e emitir pareceres so-bre a matéria de Psicologia.

- Lei nº 6.965/81 – Fonoaudiologia Art. 4º – É dacompetência do fonoaudiólogo e de profissionaishabilitados na forma da legislação específica: g)lecionar teoria e prática fonoaudiológicas; h) diri-gir serviços de fonoaudiologia em estabelecimen-tos públicos, privados, autárquicos e mistos.

- Lei nº 7.498/86 – Enfermagem Art. 11 – O Enfer-meiro exerce todas as atividades de enfermagem,cabendo-lhe: I - privativamente: a) direção do ór-gão de enfermagem integrante da estrutura bási-ca da instituição de saúde, pública e privada, echefia de serviço e de unidade de enfermagem;c) planejamento, organização, coordenação, exe-cução e avaliação dos serviços de assistência deenfermagem; h) consultoria, auditoria e emissãode parecer sobre matéria de enfermagem. Com ointuito de aclarar essa intenção, o parágrafo úni-co deste artigo dissipa todas as dúvidas que po-deriam existir: Parágrafo único – Excetuam-se, daexclusividade médica prevista no caput deste ar-tigo, as funções de direção administrativa dos es-tabelecimentos de saúde e as demais atividadesde direção, chefia, perícia, auditoria ou supervi-são que dispensem formação médica como ele-mento essencial à realização de seus objetivosou exijam qualificação profissional de outra natu-reza. Uma direção administrativa, uma secretariaou até mesmo o Ministério da Saúde podem sercargos exercidos por profissionais não-médicos,desde que, em respeito à lei, haja um responsá-vel técnico médico para responder pelas questõestécnicas e éticas que envolvam aquela instânciaadministrativa. Nenhuma novidade neste passa-do recente de nosso país. Os dois últimos titula-

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res da pasta da Saúdesão economistas. Art. 4º– A infração aos disposi-tivos desta lei configuracrime de exercício ilegalda Medicina, nos termosdo Código Penal Brasilei-ro. O exercício ilegal daMedicina é crime, tipifica-do no Código Penal Bra-sileiro em seu artigo 283.Ressalta-se que este ar-

tigo reforça o preceito legal, lembrando que a pro-fissão médica requer habilitação, aqui entendidacomo a legalização de uma atividade social regu-lamentada.O objetivo desse Projeto restringe-se a definir a

abrangência e os limites dos atos médicos, resguar-dando as prerrogativas definidas em Lei para as ou-tras profissões da área de saúde. Várias decisõesjudiciais já validam o ato médico. Entre elas, desta-

cam-se:– A 21ª Vara Federal da Seção Judiciária do Dis-

trito Federal, nos autos da ação ordinária Nº2002.34.00.001438-0, negou o pedido do Con-selho Regional de Enfermagem do Estado deSão Paulo – COREN/SP de antecipação dosefeitos da tutela, objetivando que fosse decla-rada a ilegalidade da Resolução nº 1.627/2001(Resolução do Ato Médico) – DJU 30.04.2002.O Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirmaque a acupuntura deve ser diagnosticada eprescrita por médico O presidente do STJ, Mi-nistro Nilson Naves, nos autos da petição Nº1.681, decidiu em sede de medida liminar, istoquer dizer, sem adentrar ao mérito, que é pos-sível a execução da acupuntura pelos profissi-onais enfermeiros, desde que seja devidamen-te diagnosticada por médicos(25).Concluindo, as entidades médicas têm exercido

seu papel e agido em prol da defesa do médico e daqualidade da medicina em nosso país.

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4. Resolução nº 1634/2002 do Conselho Federal deMedicina. Disponível em URL: http://www.por ta lmedico.org.br / resolucoes/c fm/2002/1634_2002.htm

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por ta lmedico.org.br / resolucoes/c fm/2003/1666_2003.htm

6. Resolução nº 1755/2004 do Conselho Federal deMedicina. Disponível em URL: http://www.por ta lmedico.org.br / resolucoes/c fm/2004/1755_2004.htm

7. Vaz ES. A história e avanços da Classificação Hie-rarquizada de Procedimentos Médicos. J Assoc Ca-tarin Med. 2004;239:5.

8. Resolução nº 1673/2003 do Conselho Federal deMedicina. Disponível em URL: http://www.por ta lmedico.org.br / resolucoes/c fm/2003/1673_2003.htm

9. Resolução normativa nº 82 da Agência Nacional deSaúde Suplementar. Disponível em URL: http://www.ans.gov.br/portal/site/legislacao/legislacao_integra.asp?id=616&id_original=0

THE ROLE AND THE ACTIONS OF THE

NATIONAL MEDICAL ENTITIES

ELEUSES VIEIRA DE PAIVA, EDUARDO DA SILVA VAZ

The role and the actions of the National Medical Entities (AMB, CFM, FENAM)have been of fundamental importance to guarantee a better quality medicine to theBrazilian population and a better relationship between the medical professionals inour country. The AMB and the CFM, making use of the resolutions CFM 1634/2002,1666/2003 and 1775/2044, have disciplined and made stronger the professionalqualifications among the medical Specialties. The development and the fight for theimplementation of the Brazilian Hierarchic Classification of Medical Procedures havejoined the entire Brazilian Medical category, passing through the ANS and throughthe National Congress. The directives, mechanism of qualification, without the in-dustry and the medical services market interferences, counting about 140, alreadyconcluded, and more than 40 to be concluded, have international respect. The effortsdeveloped to contain the not critical creation of medical schools, making use of forums,documentations and actions (judicial and in the National Congress) is the constantmark of this decade. The concern from physicians, through the Medical Entities, overthe great majority that make use of the public health system, is showed in the appro-ving of the PEC 29, and in the constitutional guarantee of its compliance. And finally,the difficult fight inside all the forums, to approve the PL 25/2002, the Law of theMedical Act, has shown to physicians and to the society, in a clearer way, that ourEntities are working aiming a better society.

Key words: health policy, physician’s role, specialty boards, medical schools, prac-tice guidelines.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;4:281-91)RSCESP (72594)-1540

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das entidadesmédicas nacionais

10. Mobilização Online. In-formativo da ComissãoNacional de Implantaçãoda CHBPM. 20 de janeirode 2005; Boletim nº 24.Disponível em URL: http://w w w . a m b . o r g . b r /inst_mob_index.php311. Projeto de Lei nº 3466/2004 da Câmara dos De-putados. Disponível emURL: http://www.camara.

gov.br/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=25162712. CBHPM recebe apoio na Câmara. J Assoc Med

Bras. 2004;1333:7. Disponível em URL: http://www.amb.org.br/jamb/jun_jul_ago04/pg7.pdf

13. Resolução normativa nº 82 da Agência Nacionalde Saúde Suplementar. Disponível em URL: http://www.ans.gov.br/portal/site/legislacao/legislacao_integra.asp?Id= 561&id_original=0

14. Projeto Diretrizes da Associação Médica Brasileira eConselho Federal de Medicina. Disponível em URL:http://www.amb.org.br/inst_projeto_diretrizes. php3

15. Diretrizes: elogios na Itália. J Assoc Med Bras.2003;1329:12. Disponível em URL: http://www.amb.org.br/jamb/set_out03/pg12.pdf

16. Bueno RRL, Pieruccini MC. Abertura de escolas demedicina no Brasil. Relatório de um cenário som-brio. Janeiro de 2004. Disponível em URL: http://www.amb.org.br/escolas_abertura.pdf

17. Resoluções nº 324/2003 e 325/2003 do ConselhoNacional de Saúde. Disponível em URL:http://conselho.saude.gov.br/deliberacoes/reso_03.htm

18. Projeto de Lei nº 65/2003 da Câmara dos Deputa-dos. Disponível em URL: http://www.camara.gov.br/internet/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=10448

19. Projeto de Lei nº 6240/2002 da Câmara dos Depu-tados. Disponível em URL: http://www.camara.gov.br/internet/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=45574

20. Campanha Proteja-se. Lute contra a abertura denovos cursos de medicina. Disponível em URL: http://www.proteja-se.org.br

21. Emenda constitucional nº 29, de 13 de setembrode 2000, da Constituição da República Federativado Brasil. Disponível em URL: http://legis.senado.gov.br/con1988/EMC29_13.09.2000/EMC29.htm

22. Medida Provisória nº 232, de 30 de dezembro de2004, da Presidência da República Federativa doBrasil. Disponível em URL: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2004/Mpv/232.htm

23. Projeto de Lei do Senado nº 25/2002, de 27 de fe-vereiro de 2002. Disponível em URL: http://www2.senado.gov.br/sf/atividade/Materia/Detalhes.asp?p_cod_mate=49554&p_sort_tr=Desc

24. Resolução nº 1627/2001 do Conselho Federal de Medi-cina. Disponível em URL: http://www. portalmedico.org.br/resolucoes/cfm/2001/1627_2001.htm

25. A Lei do Ato Médico. Disponível em URL: http://www.atomedico.org.br/index2.asp?opcao=pls

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MEINÃO FHonorários médicose políticas de saúde

A medicina teve extraordinário avanço nas últimasdécadas. A incorporação de sofisticada tecnologia ali-ada ao progresso científico permitiu melhor condiçãona prevenção, no diagnóstico e no tratamento das dife-rentes doenças, tendo como mais direta conseqüênciao aumento da média de idade da população em todo omundo. Em nosso país, graças a um trabalho de gran-de valor realizado pelas entidades médicas, principal-mente pelas sociedades de especialidades, os médi-cos mantêm-se constantemente atualizados, habilita-dos e capacitados para oferecer atendimento da me-lhor qualidade a nossa população.

No entanto, a maioria dos brasileiros não se benefi-cia desse avanço da medicina, a julgar pelos diversosíndices de avaliação do estado de saúde da popula-ção.

Nosso sistema de saúde, tanto público como priva-do, enfrenta uma crise, que, até certo ponto, contrastacom o quadro econômico previsto para o ano de 2005.Enquanto os analistas especializados prevêem cresci-mento econômico com a balança comercial superandorecordes ano a ano, com o produto interno bruto (PIB)crescendo de forma sustentada, o Real valorizando-sediante do Dólar, o risco Brasil caindo progressivamen-te, trazendo consigo de volta os investimentos, o setorsaúde continua sem merecer a atenção que lhe é devi-da.

Na verdade, o Plano Real representou enorme avan-

HONORÁRIOS MÉDICOS E POLÍTICAS DE SAÚDE

FLORISVAL MEINÃO

Associação Paulista de Medicina

Endereço para correspondência: Av. Brigadeiro Luiz Antonio, 278 – 3º andar –Bela Vista – CEP 04727-040 – São Paulo – SP

O artigo analisa a política de saúde, tanto pública como privada, e sua influênciana atividade profissional do médico.

São feitas referências quanto aos investimentos em saúde, quanto ao gerencia-mento desses recursos e quanto à necessidade de controle social do sistema.

Palavras-chave: políticas de saúde, honorários médicos.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;4:292-5)RSCESP (72594)-1541

ço ao conseguir controlar a inflação e estabilizar a eco-nomia, porém não conseguiu se constituir em um ins-trumento de justiça social. Ao contrário, nos últimosanos aprofundou-se ainda mais o abismo que separaas classes sociais. Os ricos estão cada vez mais ricose os pobres, cada vez mais pobres. As sucessivas pro-messas de “investimento no social” não conseguem ul-trapassar os períodos eleitorais, caindo em seguida noesquecimento.

O Sistema Único de Saúde, cuja concepção é con-siderada, quase que de forma unânime, a ideal para ascaracterísticas de nosso país, enfrenta uma dificulda-de crônica de financiamento. Investe-se no Brasil (go-verno federal, estados e municípios) aproximadamen-te R$ 25,00 por mês por pessoa para financiar todo oatendimento, incluindo as campanhas preventivas, oatendimento médico-hospitalar, medicamentos, reabi-litação, etc. Esses valores representam por volta de 3%do PIB brasileiro, enquanto outros países investem emmédia 10% de seus respectivos PIBs. São númerosabsolutamente insuficientes, razão pela qual o acessoao sistema é limitado, as filas são extensas, e o atendi-mento deixa a desejar. Para os médicos as principaisconseqüências são: precárias condições de trabalho,baixa remuneração e falta de abertura de novos pos-tos de trabalho. Vivemos uma contradição: excesso demédicos e falta de atendimento à saúde para milhõesde brasileiros. Como se isso não bastasse, as sucessi-

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MEINÃO FHonorários médicose políticas de saúde

vas administrações nãoconseguiram fechar todosos ralos por onde escoamesses recursos impune-mente, muito embora nes-se aspecto deva-se reco-nhecer que houve consi-deráveis progressos nosúltimos dez anos. Em re-sumo, gastamos melhorque ontem, porém temosmuito a caminhar.

O sistema privado ou complementar de saúde con-vive com eternos conflitos entre médicos, usuários eempresas, trazendo muita intranqüilidade ao setor.

Usuários reclamam das complexas burocracias edos inúmeros obstáculos que enfrentam quando ne-cessitam de atendimento, além de reajustes excessi-vos de suas mensalidades, motivos esses que levarammilhões de pessoas a deixar o sistema nos últimosanos, engrossando ainda mais as filas do SUS.

As empresas, por sua vez, afirmam que os custosassistenciais sobem, ano a ano, acima dos índices in-flacionários, em decorrência dos avanços técnicos ecientíficos da medicina. Afirmam ainda que não conse-guem repassar esses custos aos usuários, pois suacapacidade de absorvê-los chegou ao limite. Reclamamtambém da perda de milhões de usuários em decor-rência do desemprego e da crise econômica e socialdos últimos anos. Utilizam esses argumentos para jus-tificar os baixos honorários e o não reajuste dos valo-res pagos aos médicos nos últimos dez anos.

Diante desse quadro, a classe médica, cujo traba-lho depende fundamentalmente dessas políticas desaúde, vive um delicado momento em sua atividadeprofissional. Os problemas são muitos e de difíceis so-luções:

1. Excesso de médicos no mercado de trabalho –fruto de uma política irresponsável e inconseqüente deabertura de novas escolas de medicina, sem que suasnecessidades sociais fossem analisadas. Como agra-vante, sabemos que essas novas escolas, na sua mai-oria, não dispõem de recursos para oferecer boa for-mação profissional, colocando em risco a saúde da po-pulação.

2. Falta de novos postos de trabalho – tanto o SUScomo o sistema privado de saúde não conseguem ab-sorver os novos profissionais que se formam ano a ano,provocando uma séria distorção no mercado de traba-lho: excesso de oferta e pouca procura. Os resultadosdiretos são os baixos honorários e as restrições quenos são impostas no exercício de nossa atividade pro-fissional.

3. Falta de regulamentação do ato médico – cujoprojeto de lei tramita no Congresso Nacional. A medici-

na, profissão organizada no Brasil em 1957, ainda nãotem seu campo de trabalho especificado, enquanto to-das as demais profissões ligadas à área de saúde tive-ram seus campos de trabalho definidos nas legislaçõespertinentes. Apesar disso, esse projeto sofre uma forteresistência por parte das entidades que representamesses profissionais. O que pretendemos é que a legis-lação explicite quais são os procedimentos específicosdos médicos e aqueles que podem ser compartilhadoscom outros profissionais de saúde. Não podemos es-quecer que o curso de medicina é o único que capacitae habilita os profissionais para “diagnosticar e tratardoenças”. Esse é um ponto crucial no processo de aten-dimento à saúde, e a sociedade precisa conhecê-lo,para que possa saber o que esperar de cada profissio-nal que atua na área. É exatamente nesse ponto queexiste a maior resistência. “A questão da assistênciamédica não é um assunto político eleitoral para ser re-solvida em termos democráticos, com o sentido do di-reito de todos que desejam exercê-la. É uma questãode política de bem-estar público, a ser resolvida demo-craticamente em termos de segurança social e de ho-nestidade relacional e, principalmente, do dever dopoder público de assegurar o melhor tratamento paratodos os que dele necessitem” (Conselho Federal deMedicina). Por trás disso tudo, uma perversidade: amedicina sem médico custa menos. Aí estão as casasde parto sem obstetras e neonatologistas, as equipesde programas de saúde da família sem médicos, en-fermeiros autorizados a prescrever medicamentos, etc.Quem mais sofre é a população de baixa renda. Amedicina, que deveria ser um instrumento de justiça einclusão social, transforma-se justamente no oposto,um instrumento de exclusão social.

4. Falta de uma legislação específica que regula-mente as relações entre médicos e empresas opera-doras de planos de saúde – a Lei 9656, criada pararegulamentar o setor privado ou complementar de saú-de, não abordou a relação entre médicos e empresas,sob a óptica que o mercado se “auto-regula”. A Agên-cia Nacional de Saúde, órgão criado especificamentepara fiscalizar e regular o setor, não conseguiu até omomento estabelecer regras claras e equilibradas paraa contratação de médicos por essas empresas. Diantedesse quadro desfavorável, a classe médica, fragiliza-da nessa negociação, acumulou enormes perdas dehonorários nos últimos anos, além de sofrer interferên-cia perniciosa em sua relação com os pacientes.

5. Honorários médicos – essa é a questão que maisaflige os médicos nos dias atuais. Estamos sem rea-justes há oito anos, acumulando defasagens enormes,que, de acordo com alguns índices inflacionários, ul-trapassam 200%, enquanto nesse período nossas des-pesas para manter os consultórios acompanharam ainflação. Muitos colegas fecharam seus consultórios,

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MEINÃO FHonorários médicose políticas de saúde

enquanto os mais jovensnão se animam a abri-los,tendo como resultado umaqueda nessa atividadeprofissional, detectada re-centemente por pesquisado Conselho Federal deMedicina. É a medicina, nasua forma mais tradicional,que perde terreno ante po-líticas inconseqüentes naárea de saúde.

No entanto, o ano de 2004 marcou o início de umareação a essa situação. A classe médica reagiu: de

Norte a Sul no país os médicos foram à luta, organi-zando-se em um movimento nunca antes visto, comgrande inserção na mídia e no seio da sociedade, dequem tivemos forte apoio. A nova Classificação Brasi-leira Hierarquizada de Procedimentos Médicos(CBHPM), idealizada como um instrumento técnico parabalizar as relações entre médicos e empresas, trans-formou-se em um instrumento político, unindo médi-cos em todo o país que passaram a exigir, por meio desua implantação, aquilo que lhes é devido. O resultadofoi positivo: empresas concederam reajustes de hono-rários e incorporaram novos procedimentos constan-tes na CBHPM a suas tabelas. O legislativo, sensibili-zado com a dimensão do problema, elaborou um pro-

jeto de lei que “tramita em regime deurgência”, estabelecendo a CBHPMcomo instrumento de relacionamen-to entre médicos e empresas. AAgência Nacional de Saúde incorpo-rou no seu rol de procedimentos vá-rios dos itens que constam naCBHPM.

As entidades médicas tanto na-cionais como estaduais uniram-se,superando suas divergências, crian-do um momento único e propíciopara lutarmos pelo resgate de nos-sa dignidade profissional. Dessaunião decorrem alguns importantesavanços, não só na questão da im-plantação da CBHPM, como tambémna tramitação de projeto de lei queregulamenta o ato médico, na revi-são dos contratos entre médicos eempresas, entre outros.

Devemos também aprofundarnossa luta para melhorar o SUS, poisdele dependem 80% dos brasileiros.A aprovação, há alguns anos, da“PEC da saúde”, que definiu o mon-tante de verbas a ser aplicado pelogoverno federal, pelos estados epelos municípios, representou umavanço significativo, porém é preci-so avançar mais, buscando novas al-ternativas de financiamento, geren-ciamento dos recursos e, principal-mente, controle social eficiente. Aclasse médica tem um importantepapel a desempenhar nesse proces-so.

O problema dos honorários mé-dicos depende fundamentalmentedas políticas de saúde, tanto públi-cas como privadas, e é necessária

Figura 1. São Paulo – Assembléia dos Médicos, julho de 2004.

Figura 2. São Paulo – Manifestação na Av. Paulista, julho de 2004.

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MEINÃO FHonorários médicose políticas de saúde

a participação de todas asentidades que nos repre-sentam de forma unida ecoesa, mas é imperativa aparticipação de toda aclasse médica, procuran-

do influenciar as decisões que envolvem nossa ativi-dade profissional. É também necessário, cada vez mais,estreitarmos nosso relacionamento com a sociedadecivil, beneficiária de nossos serviços. A luta por hono-rários dignos é a mesma luta por melhorias na qualida-de dos serviços de saúde.

PROFESSIONAL REMUNERATION AND

HEALTH POLITICS

FLORISVAL MEINÃO

This article analyzes the public and private health politics and their influence onprofessional activity of physicians.

Key words: health politics, professional remuneration.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;4:292-5)RSCESP (72594)-1541

LEITURA RECOMENDADA

1. Revista Associação Paulista de Medicina. São Paulo, outubro/2004.

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ZILLI ECCooperativas médicas

COOPERAR – Do latim: “Cooperare”. Verbo trans. indi-reto. Operar simultaneamente. Trabalhar em conjunto.Ajudar, auxiliar, colaborar.COOPERATIVA – Substantivo feminino. Cooperativo.Sociedade ou empresa constituída por membros dedeterminado grupo social ou econômico, e que objeti-va desempenhar em benefício comum determinadaatividade econômica.(1)

“O cooperativismo, indiscutivelmente, será, no futuro,a melhor e mais edificante ferramenta para o progres-so e o desenvolvimento do ser humano.”(2)

Somos, hoje, protagonistas de um mundo, que sedebate em meio a várias crises. Assistimos atônitos,ora como atores ora como mero espectadores, atitu-des e conseqüências, que na maioria das vezes nãodesejamos ou concordamos, mas que invariavelmen-te, cedo ou tardiamente, nos envolvem e nos fazemalterar o ser, o estar e até mesmo o pensar.

O liberalismo, como estado social e filosófico, é postoem dúvida! As profissões liberais extinguem-se e abremespaço cada vez maior para outras formas de manifes-tação funcional e de organizações.

COOPERATIVAS MÉDICAS

EMILIO CÉSAR ZILLI

Cooperativas SBC

Endereço para correspondência: Estrada do Galeão, 1905 – Ilha do Governador –CEP 21931-001 – Rio de Janeiro – RJ

A relação atual entre emprego e salário, aliada à dificuldade cada vez maior deuma justa adequação do mercado de trabalho ao cardiologista brasileiro, vem pro-vocando, no seio da sociedade de especialidade, um clamor cada vez maior dosassociados na busca de uma solução que tenha alternativas mais justas e umapremissa mais técnica para o desenvolvimento da especialidade em nosso país. Acriação de cooperativas cardiológicas, fomentada pela Sociedade Brasileira de Car-diologia, constitui, assim, um caminho ético, racional e viável para o desenvolvimen-to da prática cardiológica em nosso meio.

Palavras-chave: cooperativas, cooperativismo, sistemas de trabalho, capital, em-prego.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;4:296-300)RSCESP (72594)-1542

Foi no século XIX, com o desenvolvimento do mé-todo anatomoclínico, que a medicina passou a ser con-siderada ciência.(3)

Na segunda metade daquele século, descobertascientíficas de grande impacto modificaram o pensamen-to ortodoxo, então dominante, e transformaram o “sa-ber” médico, fazendo-o caminhar celeremente em dire-ção à “era” da especialização.(4)

A cardiologia, como especialidade, foi especialmentecontemplada, graças à rápida implementação do mé-todo anatomoclínico aos estudos da doença cardíaca,mas sobretudo ao desenvolvimento de “fantásticos”aparelhos, como o estetoscópio, o esfigmomanômetroe o galvanômetro, que, mais tarde, evoluiria ao moder-no eletrocardiógrafo(5). Assim, o médico, antes interpre-tado pela sociedade como mais um (meio divino, é ver-dade) dentre tantos artesãos disponíveis, passa a ocu-par um espaço cada vez mais importante e decisivo,como agente de transformação e promoção social.

Entretanto, essa transformação é breve. Apenas umséculo e meio depois, já sob nossa presença, a partirda década de 60, a contenda entre capital e trabalhotorna-se uma das mais agudas crises em que se deba-te o mundo contemporâneo.

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ZILLI ECCooperativas médicas

E quais soluções seapresentam?

É interessante ressal-tar que, em um mundo quetanto evoluiu (?) em suasrelações sociais, filosófi-cas e comportamentais,as formas encontradaspara equacionar a menci-onada relação ainda con-templem apenas dois sis-temas de administração: o

sistema negocial, prevalente em países como França,Estados Unidos, Itália, Espanha e Japão e na maioriado mundo chamado desenvolvido, em que o Estadotem poder regulador sobre essa relação; e o sistemaestatutário, praticado em países como China, Cuba eBrasil, em que o poder do Estado se manifesta de for-ma constante, determinante e quase sempre arbitráriosobre essa relação.(6)

Pelo exposto, pode-se perceber que ambos os mo-delos não se adequam às realidades que interagem, oque é claramente demonstrado em nosso país. Sejapor remuneração insuficiente seja por inépcia na pro-dutividade, ou seja, como preconizam alguns especia-

listas, pelo alto custo operacional brasileiro, o chama-do “custo Brasil”, esses modelos, em nosso meio, de-vem ser reavaliados.

E aí, em minha opinião, é o momento de pensar-mos no Sistema Cooperativo. O modelo cooperativis-ta, como o conhecemos, iniciou-se em 1844, no pe-queno bairro de Rochdale, subúrbio de Manchester,Inglaterra, quando um grupo de 28 tecelões criou umaassociação, que mais tarde seria conhecida como “aCooperativa” (Fig. 1).(7)

Inicialmente, para fazer frente ao que entendiamcomo “exploração dos atravessadores”, criaram umpequeno armazém, onde venderiam seus produtos di-retamente aos consumidores. Com o passar dos anos,essa associação patrocinou a construção de casas pró-prias para os tecelões e organizou uma linha de produ-ção para trabalhadores desempregados, surgindo as-sim a primeira cooperativa do mundo moderno.

A cooperativa de trabalho:– aumenta o poder de negociação do participante;– flexibiliza a relação capital/trabalho;– maior capital – HUMANO;– protege corporativamente o cooperado;– reduz o custo operacional.

São princípios fundamentais do cooperativismo:

Figura 1. Os pioneiros de Rochdale (cópia do original). (Organização das Cooperativas Brasileiras – OCB/Iden-tidade das Cooperativas).

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ZILLI ECCooperativas médicas

– universalização;– autonomia;– educação;– intercooperação.

Segundo Meneses(8),em recente declaração, “omovimento cooperativistamédico vem crescendo noBrasil, a partir da necessi-dade dos médicos em res-gatar a autonomia do atomédico”. E mais: “Ao se

pensar na criação de uma cooperativa de trabalho naespecialidade, é indispensável resolver-se uma ques-tão: a necessidade da cooperativa é sentida pela mai-oria dos associados?”.

Essas duas questões, que me parecem fundamen-tais para o desenvolvimento de uma cooperativa detrabalho médica, já foram respondidas entre nós, car-diologistas associados à Sociedade Brasileira de Car-diologia, de forma clara. Se não, vejamos. Em dezem-bro de 2003, a Sociedade Brasileira de Cardiologia,por meio de sua Diretoria de Qualidade Assistencial,realizou pesquisa via Internet, em seu “website”, emque, em um universo de 1.314 cardiologistas (númeroconsiderado suficiente como amostra de nossa reali-dade, segundo os institutos de pesquisa), 93% respon-deram que apoiariam a formação de cooperativas detrabalho cardiológico patrocinadas pela Sociedade Bra-sileira de Cardiologia.

O outro ponto citado por Meneses, referente à “ne-cessidade do resgate da autonomia do ato médico”, jáse converteu, como é do conhecimento de todos emnossa categoria, em verdadeiro combate, que, extra-polando os preceitos técnicos e acadêmicos, vem cons-tantemente desembocando em tribunais das mais di-versas alçadas. Atualmente é objeto de projeto de lei25/2002(9), que deverá ser votado por nossos legisla-dores ainda no decorrer deste ano, e pelo qual deve-mos todos nós, médicos, muito menos por questõescorporativas e muito mais por preceitos éticos e filosó-ficos, estar vigilantes e mobilizados.

O trabalho de uma cooperativa médica privilegia oContrato de Serviços em relação ao tradicional Con-trato de Emprego. Nessa modalidade, o agente con-tratante, que poderá ser tanto o empregador tradicio-nal como o “plano de saúde”, reporta-se diretamente àcooperativa, como intermediadora e responsável pelacontratualização do(s) profissional(is) e dos serviçosacordados. Um exemplo bem-sucedido e magnifica-mente administrado em nosso meio é o da COOPER-CARDIO – Cooperativa Cardiológica de Pernambuco,que serviu de “base” para todo o modelo cooperativoproposto pela Sociedade Brasileira de Cardiologia parasuas filiadas em todo o Brasil.

Dados oficiais da Organização das CooperativasBrasileiras – OCB, publicados em dezembro de 2003 edispostos em seu “website” (www.ocb.org.br), informamque aproximadamente 11 milhões de cidadãos brasi-leiros são usuários de cooperativas médicas, enquan-to outros 3 milhões já utilizam as cooperativas odonto-lógicas(7).

As cooperativas de saúde no Brasil já são em nú-mero de 878, envolvendo 262 mil cooperados, e res-ponsáveis por mais de 25 mil empregos indiretos. Em1996, por força de regulamentação, as cooperativasmédicas que faziam parte do ramo “cooperativas detrabalho” passaram, para atender sua demanda, a fa-zer parte de um grupo específico, o das “Cooperativasde Saúde”, tendo a partir daquele ano aumentado emquase 20% sua participação nesse mercado.

Os princípios que regem uma cooperativa médicasão os mesmos princípios que orientam uma coopera-tiva geral, e entre eles cabe ressaltar os fundamentaispara a organização e o funcionamento, como se se-guem:– adesão livre e voluntária;– gestão livre e democrática;– participação econômica dos membros;– autonomia e independência;– educação, formação e informação;– intercooperação;– interesse pela comunidade.

Esses princípios orientaram a Sociedade Brasileirade Cardiologia no desenvolvimento de todo o proces-so de fomentação de Cooperativas Cardiológicas,acompanhadas permanentemente por nosso serviçojurídico, em estreita colaboração com os órgãos legis-ladores, desde a concepção do estatuto padrão até aformatação contratual dos acordos de prestação deserviços. Independentemente dessas disposições, osprocedimentos para constituição de uma cooperativamédica devem seguir os procedimentos básicos de umacooperativa geral e precisam estar em concordânciacom aqueles dispostos universalmente para a consti-tuição de uma cooperativa.

A lei 5.764 de 16 de dezembro de 1971 dispõe comonúmero mínimo de integrantes para a formação de umacooperativa 20 pessoas, que tenham um interesse eco-nômico comum e que estejam dispostas, para viabili-zar esse interesse, em constituir um empreendimentopróprio, em que o produto final, ou seja, seu resultado,seja distribuído proporcionalmente à participação decada cooperado.

Entretanto, em nossa opinião, mesmo que essesquesitos básicos estejam contemplados, ainda não sãoo bastante.

A atividade médica, por suas condições específi-cas e necessidades de auto-avaliações permanentes,não comporta espaço para erros negligenciais e/ou de

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ZILLI ECCooperativas médicas

conceituação. Outrasquestões tão importantesprecisam ser respondidas:– A necessidade da forma-ção da cooperativa é divi-dida por todos os interes-sados?– É a cooperativa a solu-ção mais adequada?– Já há alguma outra coo-perativa na mesma regiãoque produza serviços se-

melhantes?– O volume do negócios será proporcional aos eventu-

ais benefícios?Essas e outras questões deverão fazer parte de todo

o fundamento cooperativista, principalmente no cam-po saúde, em que cada vez mais a competência, atransparência e a objetividade se configuram comovalores primordiais, para que nos afastemos de formaconcreta desse verdadeiro caos estrutural e adminis-trativo, que políticas hipócritas e descompromissadasnos legaram.

Somos, atualmente, quase 11 mil cardiologistas as-sociados à Sociedade Brasileira de Cardiologia. Ao con-trário do que gostaríamos, temos hoje um mercado detrabalho cada vez mais restrito em relação a quantosomos e a quanto mais seremos em um futuro bastan-te próximo. Apesar da consciência crescente de quãodanosa é a proliferação das escolas médicas desquali-ficadas, cada vez mais elas se expandem. Segundodados do próprio Conselho Federal de Medicina, umanova escola médica foi inaugurada a cada três meses

em nosso país nos últimos dez anos, sendo atualmen-te de 135 o número de escolas médicas no Brasil(10).Recentemente, dados deste autor, em artigo publica-do no “Jornal SBC”, em dezembro de 2003, demons-travam a relação entre cardiologistas associados daSociedade Brasileira de Cardiologia/cooperados da(s)UNIMED(s), a principal cooperativa médica existenteno país, postulando que, em pelo menos quatro gran-des Estados da federação, esses dados sejam no mí-nimo preocupantes.

Tabela 1.

Estado Associados Cooperados

RJ 1.895 370 (C)SP 2.932 527 (I)RS 640 218 (I)MG 1.036 314 (C)

C = confirmado; I = informado.

Associados a esses, os dados publicados pela As-sociação Médica Brasileira informam que a taxa de re-muneração livre nos consultórios médicos, isto é, a por-centagem de pacientes que não pertencem a nenhumplano ou cooperativa de saúde, se encontra em “que-da livre”, estando atualmente em cerca de 25% do to-tal dos atendimentos, enquanto a porcentagem daque-les pertencentes aos “planos” já atinge cifras superio-res a 45%.

O que fazer? Serão as cooperativas de saúde umnovo caminho? Parece que sim.

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ZILLI ECCooperativas médicas

MEDICAL COOPERATIVE SYSTEM

EMILIO CÉSAR ZILLI

The present relationship between job and salary, allied to the ever bigger difficul-ty of a fair adaptation of the Brazilian cardiologist to the labour market, is causing astrong clamor in the breast of the societies of specialties among their associates inorder to find a solution with fairer alternatives and a more technical premise for thedevelopment of the specialty in our country. The creation of Cardiology cooperativesstimulated by the Brazilian Society of Cardiology constitutes a viable, rational, andethical way for the development of the practical Cardiology in our environment.

Key words: work systems, job, medical cooperatives.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;4:296-300)RSCESP (72594)-1542

REFERÊNCIAS

1. Ferreira ABH. Novo Dicionário da Língua Portugue-sa. Rio de Janeiro: Ed. Nova Fronteira; 1975. p. 380.

2. Cunha A. Organização das Cooperativas do Rio Gran-de do Sul. RBC. 2003;72-4.

3. Entralgo PL. La história clinica e teoria del relatopatográfico. 2 ed. Barcelona: Ed. Salvat; 1961. p. 141-57.

4. Castleman B, DeSanctis RW. Cardiac Clinicopatho-logical Conferences of the Massachusetts General

Hospital. Boston: Little, Brown Co.; 1962. p. 371-6.5. Postel-Vinay N. Measuring blood pressure. In: A Cen-

tury of Arterial Hypertension: 1896-1996. London:John Wiley & Sons, Ltd.; 1996. p. 10-30.

6. Castro M. Manual de Cooperativas. Ed. Santos; 1998.7. Organização das Cooperativas Brasileiras. www.ocb.

org.br8. Meneses JAG. Cooperativas de especialidades. Rev

Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2002;6:850-3.9. JAMB. 2003;XVIII (146):6.10. JAMB. 2003;XVIII (146):7.

Page 24: defesa profissional

Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 4 — Julho/Agosto de 2005 301

LUNA FILHO BAvaliação da

competência médica –reflexão crítica

“The higher the standard of education in a professionthe less marked will be the charlatanism.” (WilliamOsler)

INTRODUÇÃO

O conhecimento na área biológica nas últimas dé-cadas, particularmente na Medicina, evoluiu em pa-drão exponencial. Estima-se que cerca de 17 mil no-vos livros e mais de 2 milhões de artigos sejam pu-blicados anualmente. Esse avanço espetacular do co-nhecimento científico criou a necessidade de aper-feiçoar a maneira de transmiti-los à prática médica.(1)

Longe se vão os tempos em que os egressos do cur-so médico adentravam imediatamente no exercício

AVALIAÇÃO DA COMPETÊNCIA MÉDICA –REFLEXÃO CRÍTICA

BRÁULIO LUNA FILHO

Disciplina de Cardiologia – Setor de Cardiopatia Hipertensiva – UNIFESP-EPM

Endereço para correspondência: Rua Botucatu, 740 – CEP 04023-900 –São Paulo – SP

A evolução exponencial do conhecimento aumentou a importância da educaçãomédica continuada e tem fomentado discussões sobre as melhores estratégias. Asevidências científicas apontam que a eficácia das abordagens tradicionais tem serevelado insuficiente para cumprir os objetivos de informar e originar mudanças naconduta e na aquisição de habilidades, necessárias à prática médica. Não obstanteas variadas abordagens, o aspecto mais importante na incorporação de novos co-nhecimentos é o compromisso pessoal em ministrar cuidado médico de alto nível.Aspecto também relevante é a tendência mundial na certificação e na recertificaçãodos profissionais médicos. Premido pela evolução de novas técnicas e pela deman-da da sociedade por cuidados médicos cada vez mais eficientes, ocorre o aumentoda exigência da competência profissional. Nesse cenário, surgem propostas tantodas entidades médicas como de órgãos governamentais no sentido de exigir dosespecialistas a participação em programa de atualização em intervalo de temporegular.

Palavras-chave: educação médica continuada, competência, certificação, recertifi-cação.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;4:301-5)RSCESP (72594)-1543

profissional. Longe se vão os tempos em que os avan-ços diagnósticos e terapêuticos perpetrados em ou-tros países e continentes levavam meses ou anospara serem conhecidos em outros lugares. Longe sevão os tempos quando o conhecimento era uma aqui-sição tardia da prática individual e muitas vezes soli-tária de médico especialmente talentoso. Concomi-tantemente, porque filho profícuo dos avanços cien-tíficos, ocorreu a revolução da informação, que tãobem caracterizou a metade final do século XX, origi-nando novos caminhos e novas modalidades de trans-missão do conhecimento e suas técnicas.

Os compassos e as tonalidades que esse proces-so desenvolveu na área médica, assim como as ino-vações e os aperfeiçoamentos que se fazem mister

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302 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 4 — Julho/Agosto de 2005

LUNA FILHO BAvaliação da

competência médica –reflexão crítica

que continuem aconte-cendo em benefício deseus praticantes – osmédicos – e dos pacien-tes – a razão de ser daMedicina – é o que pre-tendemos abordar nesteartigo.

EDUCAÇÃO MÉDICACONTINUADA – UMCONSENSO; COMO

FAZER? QUANTO DISSENSO

A necessidade de atualização continuada dos mé-dicos é inconteste. Mas assim como a qualidade dagraduação médica vem sendo criticada e debatidaem todo o mundo, também as formas de estimular oaperfeiçoamento dos médicos vêm sendo alvo de dis-cussão. Embora pareça existir um “continuum” entreessas duas fases da vida dos médicos — como estu-dante ainda desenvolvendo habilidades e como espe-cialista no exercício diário daquelas habilidades —, há,sem dúvida, diferenças cruciais nos caminhos paraa proficiência profissional. Em princípio, destacamosque ao estudante geralmente é dito o que aprender,mas ao médico se exige que seja responsável pelodirecionamento do aprendizado que deverá realizardurante toda a vida(2).

Vários estudos demonstraram que as formas deatualização médica tradicional (seminário, congres-so, cursos específicos, discussão de casos, etc.)apresentam questionamentos em sua eficácia. Con-trário ao aparente bom senso, fatores regulatóriosjunto aos órgãos governamentais e outros, como dis-pensa para participação em congressos, jornadas,cursos de atualização, etc., têm tido pequeno impac-to.(3) Mas um ponto se destaca: o desejo do médicode ser mais competente em sua prática clínica é ofator motivacional mais importante no aprendizado ena atualização do conhecimento. A força motora namanutenção da competência através de décadas devida profissional é, sem dúvida, a satisfação que es-ses médicos têm em exercer uma prática adequada,concomitantemente ao melhor conhecimento cientí-fico.

Nesse cenário, é compreensível que aqueles mé-dicos cujas práticas se encontram muito abaixo dopadrão recomendável se constituam no maior desa-fio. Assim sendo, o que fazer? Há a idéia geral deque as escolas de Medicina e as sociedades médi-cas devam aperfeiçoar suas competências educaci-onais e elevar a qualidade da educação ministrada.

Além disso, faz-se necessário que os programas deeducação continuada estejam vinculados ao local detrabalho, inclusive em sintonia com as atividades maisfreqüentes e os instrumentos disponíveis naqueleambiente. Todavia, sabe-se que um número razoávelde médicos se encontra à margem dos esforços queas entidades médicas fazem para propiciar aos afili-ados informação atual e de qualidade. Outro aspectorelevante é que cada vez mais os médicos trabalhamcom outros profissionais de saúde. Essa situação criaum ambiente complexo para o sistema de aprendi-zagem e tem reflexo em como desenvolver um pro-grama adequado de educação continuada. Nessecontexto, surgiu, em vários países, quer por iniciati-va das organizações médicas quer por demanda dasociedade civil, a demanda pela avaliação da qualifi-cação médica de modo contínuo.

Não se pode olvidar que várias circunstâncias so-ciais contribuíram para que a expectativa de atuali-zação dos médicos se tornasse, em várias partes domundo, manchetes de jornais e outras mídias. Osavanços das ciências biológicas e, por extensão, tam-bém da área médica originaram uma exigência porresultados cada vez mais espetaculares. O resumoda história é que ocorreu o aumento da denúncia deerro médico e de má prática. A reação é conhecida.Nos países com melhor desenvolvimento econômicoe social e com tradição de cidadania, as entidadesmédicas passaram a discutir como tornar mais efici-ente o processo de atualização profissional(4). Deve-ria continuar voluntário ou deveria tornar-se obriga-tório? A mancha dos acontecimentos pende para acomprovação compulsória da atualização dos conhe-cimentos. É o que discutiremos a seguir.

LICENCIAMENTO, CERTIFICAÇÃO ERECERTIFICAÇÃO

De maneira paulatina, seja em função da formacomo os serviços médicos se organizam seja em fun-ção da maior ou menor influência das corporaçõesno controle do número de graduandos ou de especi-alistas, há uma tendência universal de controle cadavez mais rigoroso da capacitação dos egressos doscursos médicos(5).

Nos países de tradição anglo-saxônica, há umainequívoca postura de avaliação pré-entrada no mer-cado de trabalho. Em curso há várias décadas, ge-ralmente é realizada por organismo que se constituicom essa finalidade e independência das instituiçõesmédicas(6). Se considerarmos que naqueles paísesjá existe uma experiência de avaliação da qualidade,quer porque existe fiscalização governamental quer

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LUNA FILHO BAvaliação da

competência médica –reflexão crítica

porque sejam usuais asinstituições realizaremexames no final dos cur-sos, essa forma de avali-ação externa se consubs-tancia numa garantia quefatores objetivos, e nãooutros, tenham participa-ção importante nos resul-tados.

Part icularmente noBrasil, vivemos no pior

dos mundos: não há fiscalização governamental, nãohá avaliação terminal nas escolas de Medicina e nãohá, muito menos, avaliação externa por organismoindependente. E, para complicar, não há uma culturade avaliação dentro das escolas médicas. Nestas,após os estudantes cursarem as matérias básicas,raramente há avaliação adequada e rigorosa duran-te o período de treinamento das disciplinas clínicase cirúrgicas.

Em conseqüência desses fatos, a “European Uni-on of Medical Specialist” e o “Standing Committee ofEuropean Doctors” enfatizam a adoção de progra-mas de educação médica continuada voluntáriosentre seus membros, com a argumentação de queos médicos têm obrigação tanto moral como ética dese manter atualizados.(7, 8) Não obstante isso, em 2000o governo inglês aprovou lei no parlamento tornandoobrigatório tanto o licenciamento dos recém-gradua-dos como a recertificação dos especialistas e não-especialistas a cada cinco anos, sob penas de per-derem o registro profissional se não ficar comprova-da a atualização profissional.

Ressalte-se que as condições ideais de trabalhoe acesso à informação não são garantia de que osmédicos voluntariamente se manterão atualizados.Por exemplo, na Dinamarca, apenas 70% dos médi-cos inscrevem-se voluntariamente nos Programas deEducação Médica Continuada(3, 9).

Nos Estados Unidos, a maioria das especialida-des emite o título de especialista por período limita-do de tempo. No Canadá, há obrigatoriedade da re-certificação e a Universidade de MacMaster tem pri-mado pelo desenvolvimento de programas de com-petência com base no aprendizado em pequeno gru-po e em situações clínicas.(10)

De maneira geral, o que se observa nos paísesem que há o sistema de recertificação é que o mes-mo se fundamenta na documentação de participa-ção em atividade formal de educação. A contraparti-da da avaliação individual, ou em tempo real, tipoprograma de auditoria no consultório ou no hospital,

ainda é exceção pelas razões óbvias: custo e tempo.

AVALIAÇÃO É NECESSÁRIA

Existe uma expectativa do público leigo em rela-ção à prática médica, que está, intrinsecamente, re-lacionada à credibilidade dos médicos. Por conseguin-te, a competência não pode ser apenas presumida,mas é necessário que seja avaliada de maneira ob-jetiva. Nesse diapasão, na Inglaterra, o “Royal Colle-ge of General Practitioner” distingue entre competên-cia clínica – o que o médico pode fazer – e desempe-nho clínico – o que ele realmente faz. Dessa manei-ra, define competência como uma combinação deconhecimento, habilidade e atitude, que, quando apli-cados em uma situação particular, conduz a um de-terminado resultado. Vale ressaltar que, refletindosobre o tema da competência, Miller(11) descreve qua-tro estágios: começa pelo “saber”, progride pelo “sa-ber como” e pelo “mostrar como”, e culmina pelo “fa-zer”. O desempenho, assim, depende do contexto emque o médico trabalha com todas essas habilidades.

Embora possa não ser simples caracterizar umbom médico, é razoável exigir, em respeito às expec-tativas dos paciente e familiares, que a certificaçãodos estudantes de medicina e a recertificação dosmédicos sejam comparáveis, do ponto de vista fun-cional, à carteira de motorista, que, de tempos emtempos, tem que ser revalidada. Assim sendo, tantoos egressos do curso médico deveriam se submetera uma avaliação antes da obtenção da licença parao exercício profissional como os médicos, em geral,deveriam também ser reavaliados pelo desempenhodurante o tempo de prática(12). Esta última situaçãocontemplaria análise em forma de auditoria de

Tabela 1. Aspectos relevantes.

– Os programas tradicionais de Educação MédicaContinuada apresentam eficácias questionáveis.

– As Escolas e as Associações Médicas necessitamaperfeiçoar suas competências educacionais paraprover Educação Médica Continuada de alta qua-lidade.

– O fator mais importante nas mudanças de condutamédica e na aquisição de novos conhecimentos ehabilidades é o compromisso pessoal em minis-trar cuidados de alto nível.

– A Educação Médica Continuada deve atender a ne-cessidade do médico e basear-se não apenas emauto-avaliação ou aulas formais, mas também emavaliação externa e objetiva.

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LUNA FILHO BAvaliação da

competência médica –reflexão crítica

ASSESSMENT OF MEDICAL COMPETENCY –CRITICAL EVALUATION

BRÁULIO LUNA FILHO

The exponential development of the human knowledge has increased the impor-tance of the continuing medical education and has stimulated discussion about thepossible strategies. The scientific evidence points out that the traditional approa-ching revealed insufficiency to fulfill the goals to inform and generate changing in thebehavior and in the acquisition of new skills to the medical practice. Despite of diver-se approaching, the most relevant aspect is a worldwide tendency to certificationand recertification of the medical professionals. The advance of new technologiesand social demand for efficient and better medical care also increased the pressurefor medical competency. In this scenario, the Medical Associations and governmen-tal offices both recently requested that medical specialists attend educational pro-gram in regular period of time.

Key words: continuing medical education, competency, certification, recertification.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;4:301-5)RSCESP (72594)-1543

prontuário em consultó-rio/hospital bem comoatividades educacionaisformais que incluíssemprograma estruturado eobjet ivo de si tuaçõesclínicas freqüentes na-quela especialidade ouárea de atuação.

Indubitável que não há forma de avaliação perfei-ta, mas isso não é justificativa para não se fazer ne-nhuma avaliação. Imprescindível é que o médico sai-ba combinar sua habilidade clínica individual com asmelhores evidências científicas em benefício dospacientes. Utilizar as melhores evidências científicasé um condicionante ético da maior relevância, sendofundamental que sejam consideradas em todos osestágios da educação médica.

REFERÊNCIAS

1. Sacket DL, Richardson WS, Rosenberg W, Hay-nes RB. Evidence-based medicine. How to practi-ce and teach EBM. New York: Churchill Livings-ton; 1997.

2. Slotnik HB. How doctors learn: the role of clinicalproblem across the medical school-to-practice con-

tinuum. Acad Med. 1996;71:28-34.3. Holm HA. Quality issues in continuing medical edu-

cation. Br Med J. 1998;316:621-4.4. Leung WC. Competency based medical training:

review. Br Med J. 2002;325:693-5.5. Norman GR, Davis DA, Lamb S, Hanna E, Caul-

ford P, Kaigas T. Competency assessment of pri-mary care physicians as part of peer review pro-

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LUNA FILHO BAvaliação da

competência médica –reflexão crítica

gram. JAMA. 1993;270:1046-51.6. Bashook P, Parboosin-gh J. Recertification. BrMed J. 1998;316:545-8.7. European Union of Ge-neral Pract i t ioners(UEMO) Declaration onContinuing Medical Edu-cation. In: European Uni-on of General Practitio-ners Reference Book

1995/96. London: Kensigton Publications; 1996.8. European Union of Specialist Doctors (UEMS).

Charter on continuing medical education of medi-

cal specialists in the European Union. Brussels:UEMS; 1994.

9. Berwick DL, Enthoven A, Bunker JP. Quality mana-gement: the doctor’s role – II. Br Med J. 1992;304:304-8.

10. Manning PR, Clintworth WA, Sinopli LM, TaylorJP, Krochalk PC, Gilman NJ, et al. A method ofself-directed learning in continuing medical edu-cation with implications for recertification. Ann In-tern Med. 1987;107:909-13.

11. Miller GE. The assessment of clinical skills/competen-ce/performance. Acad Med. 1990;65:563-7.

12. Caraccio C, Wolfsthal SD, Englander R, FerentzK, Martin C. Shifting paradigms: from Flexner tocompetencies. Acad Med. 2002;77:361-7.

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FERREIRA JFM e col.A especialização

profissional

INTRODUÇÃO

As habilidades e os conhecimentos específicossão cada vez mais exigidos e aprofundados sobreum determinado assunto ou tema em todas as áreasprofissionais. O processo de aperfeiçoamento e es-pecialização implica a reestruturação da formaçãoinicial e continuada do profissional, acarretando as-pectos negativos e positivos como resultado desseprocesso. Apesar de próximos, os conceitos de for-mação, capacitação e habilitação são diferentes, so-bretudo no que se refere aos aspectos legais. No pre-sente artigo destacaremos a importância de cada umdesses aspectos que envolvem o processo de espe-cialização.

A ESPECIALIZAÇÃO PROFISSIONAL

JOÃO FERNANDO MONTEIRO FERREIRA, MIGUEL ANTONIO MORETTI

Instituto do Coração (InCor) – HC-FMUSP

Endereço para correspondência: Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 44 –Cerqueira César – CEP 05403-900 – São Paulo – SP

A especialização médica tornou-se necessária em decorrência dos inúmeros avan-ços no conhecimento das doenças e da aquisição de novas técnicas, o que repercu-te tanto no diagnóstico como na terapêutica. Entretanto, o tempo demonstrou quenão se pode deixar de lado a formação básica, e que a capacitação profissionaldeve ser encarada de forma séria e continuada.

O título de especialista é fornecido seguindo regras explícitas dos ConselhosRegional e Federal de Medicina, por meio da Associação Médica Brasileira, estavinculada às sociedades de especialidades. Serve como comprovação para a soci-edade civil da qualificação do profissional médico em determinada especialidade,sendo válido apenas quando registrado no Conselho Federal de Medicina.

A revalidação do título de especialista é um tema atual, tendo como finalidade oestímulo à educação continuada, sendo uma ferramenta de comprovação do esfor-ço desse profissional para manter-se atualizado e, portanto, preparado para ofere-cer a seus pacientes o que a medicina tem de mais atual.

Palavras-chave: título de especialista, revalidação, especialização, educação médi-ca continuada.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;4:306-10)RSCESP (72594)-1544

CAPACITAÇÃO E HABILITAÇÃO

Antes de a medicina adquirir a atual velocidadede aquisição de novos conhecimentos e técnicas, aformação profissional seguia a seqüência: curioso(admirador), talento, prática, amador e, por fim, pro-fissional. Atualmente esse processo vem se aprimo-rando e levando à necessidade de métodos mais pro-fissionais e técnicos envolvendo educação e forma-ção. Esse processo deve, naturalmente, ser geral noprimeiro momento e só depois específico. Quandose prioriza exclusivamente a formação específicarestringe-se muito o campo de atuação e de habili-dades para enfrentar a diversidade de doenças e dedoentes, o que acaba criando a figura do profissio-

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FERREIRA JFM e col.A especialização

profissional

nal setorizado, que nãoconsegue abordar seupaciente de forma gene-ralista. Algumas vezes,essas áreas técnicasacabam por se desenvol-ver demais e geram umanova profissão, que tam-bém irá depender de umaformação geral seguidade outra específica.

O profissional médico interage diretamente como paciente e o sistema, cada um com exigências di-ferentes pertinentes a sua realidade. O paciente co-bra eficiência, postura, dedicação e, sobretudo, re-sultados, que correspondam a suas expectativas. Jáo sistema espera cumplicidade com os aspectos so-ciais e econômicos, além de, especificamente na áreamédica, outro tipo de cobrança muito forte, personi-ficado no código de ética médica. Dessa forma, a for-mação e a unificação do conhecimento médico, alémdo ensino do conhecimento, envolvem também apostura. A faculdade sempre deve prover o conheci-mento técnico, mas deve atuar também na formaçãodo caráter e na formação pessoal. Assim, os cursosde graduação são responsáveis pela formação inte-gral do médico, ou seja, pela sua capacitação profis-sional.

As entidades de classe e os órgãos profissionaissão responsáveis pela habilitação profissional, de for-ma que o Conselho Federal de Medicina (CFM) e suasregionais são responsáveis pela fiscalização ética daprofissão e também pela habilitação para exercer aprofissão. Atualmente, todo médico capacitado emfaculdade de medicina reconhecida pelo Ministérioda Educação e Cultura (MEC) recebe diretamente doConselho Regional de Medicina (CRM) a habilitaçãopara exercer a atividade profissional, sem a necessi-dade de se submeter a qualquer outro tipo de avalia-ção. Nesse contexto, vem aumentando a discussãosobre o papel da implantação de um exame de habi-litação específico após a graduação, como o já exis-tente na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), como objetivo de garantir para a sociedade a qualidadetécnica desse profissional para o exercício da medi-cina.

ESPECIALIZAÇÃO

Durante congresso do “American College of Car-diology” (ACC), em 2003, um grupo da Universidade

de Duke apresentou os dados do estudo CRUSADE(“Can Rapid Risk Stratification of Unstable AnginaPatients Suppress Adverse Outcomes with Early Im-plementation of the ACC/AHA Guidelines”). Realiza-do com mais de trinta mil pacientes portadores desíndrome coronária aguda atendidos nas várias uni-dades de emergência participantes do estudo, foramavaliados alguns parâmetros como mortalidade hos-pitalar, evolução para infarto e outras complicaçõesdecorrentes da síndrome coronária aguda ou de seutratamento. Esses parâmetros foram comparadosentre os pacientes atendidos por cardiologistas e poroutros médicos não-cardiologistas. Observou-se queas taxas de mortalidade (3% vs. 6%), de evoluçãopara infarto (3% vs. 4%), de insuficiência cardíaca(8% vs. 14%), de acidente vascular cerebral (0% vs.1%) e de tempo de internação (4 dias vs. 5 dias) fo-ram significativamente menores nos pacientes aten-didos por cardiologistas.

Com a modernização da sociedade e o aumentode seu acesso ao conhecimento e à tecnologia deponta, o mercado de trabalho exige correspondentecapacitação e qualificação cada vez maior dos pro-fissionais. O conhecimento torna-se cada vez maiore mais específico, e o fenômeno da globalização fa-cilita seu acesso, exigindo maior dedicação e maistempo para o aprendizado. Por exemplo, nos últimosdez anos, foram publicados mais de 1.200 artigosclínicos originais (só com seres humanos) sobre in-farto agudo do miocárdio, o que tornaria necessáriaa leitura de pelo menos um artigo a cada dois diaspara que os médicos se atualizassem em “tudo” doinfarto do miocárdio.

Apesar da indiscutível necessidade da especiali-zação, o mercado ainda exige que esse profissionalcontinue a conhecer e a atuar sobre os aspectosbásicos e gerais inerentes a sua profissão, garantin-do a abordagem global do atendimento ao paciente.Entretanto, as vantagens auferidas pela superespe-cialização podem desaparecer em situações comoda perda de um emprego, levando esse profissionala trabalhar em tarefas que não condizem com suaformação ou especialidade, caracterizando o chama-do ônus da recolocação.

As especializações são alcançadas nos cursos depós-graduação, sendo a chamada Residência Médi-ca a forma mais conhecida.

TÍTULO DE ESPECIALISTA

O título de especialista não pretende definir se um

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FERREIRA JFM e col.A especialização

profissional

médico pode ou não exe-cutar determinada fun-ção. Para os ConselhosFederal e Regional deMedicina, essa titulaçãoserve como referênciapara veiculação da infor-mação. Um médico re-cém-formado pode reali-zar qualquer procedimen-to médico, mas só pode-

rá anunciá-lo se for portador do Título de Especialis-ta. Poderá atender pacientes cardiopatas, mas nãopode se identificar como especialista em doenças car-díacas pelo seu cartão de visitas, receituário ou ou-tro veículo de identificação sem ser portador do títu-lo. Ou seja, o título não coíbe o exercício da profis-são, ele regula a divulgação da habilidade do médi-co em executar determinada função.

Quem habilita o médico é o órgão de classe,mas quem certifica ou credita é a instituição queregulamenta a profissão e a formação. Essa cre-ditação para a especialização era fornecida pelaComissão Nac iona l de Res idênc ia Méd ica(CNRM), a qual credenciava os serviços formado-res de especialistas mediante normas e regula-mentações. Entretanto, recentemente, as Socie-dades de Especialidades, vinculadas e sob orien-tação da Associação Médica Brasileira (AMB),também passaram a expedir certificados de espe-cialista registrados pelo CRM.

A obtenção do Título de Especialista é uma viacada vez mais utilizada e prestigiada, a ponto de amaioria dos que fazem residência médica tambémprocurarem as Sociedades Especializadas para ad-quirir o Título de Especialista. O número crescentede médicos no mercado de trabalho somado às exi-gências mais específicas dos usuários estão forçan-do esse fato. Outro importante fato impulsionadorseria a escassez de centros formadores de especia-listas, impedindo que todos os médicos graduadospossam realizar sua especialização. Segundo dadosdo CNRM, divulgados em 2002, o Brasil possuía 74centros formadores com o reconhecimento de resi-dência médica. A maioria desses centros localiza-sena região Sudeste (62,1%), seguida da região Sul(16,2%) e, por fim, das regiões Nordeste e Centro-Oeste (10,8% cada). Esses centros contam, no ge-ral, com apenas 294 vagas para R1 (primeiro ano deresidência), 272 vagas para R2, 81 vagas para R3 e5 vagas para R4.

ÁREA DE ATUAÇÃO

A formação geral do indivíduo é a base para umaboa especialização; entretanto, deve-se ter cuidadona criação e na regulamentação dos cursos de es-pecialização para se evitar a criação de novas pro-fissões. A área de atuação representaria uma subes-pecialidade dentro da especialidade, como, por exem-plo, o cardiologista pediátrico, que é uma área deatuação dentro das especialidades de cardiologia clí-nica e pediatria. Nesse caso, é uma mesma área deatuação vinculada de comum acordo com duas es-pecialidades. Recentemente a comissão mista deespecialidades (CNRM, AMB e CFM) divulgou a listaatualizada de especialidades e de áreas de atuação.

Na realidade, não existe restrição à atividade mé-dica quando se fala em título de especialista, já quequalquer médico portador de registro em um conse-lho regional de medicina pode exercer atividade mé-dica. Assim, a titulação tem papel de demonstrar aqualificação desse profissional perante a sociedade,autorizando-o a divulgar sua especialidade ou áreade atuação. Atualmente, é permitido registrar, nosconselhos regionais de medicina, apenas duas es-pecialidades. Existe discussão quanto à regulamen-tação da especialização e do novo conceito da reva-lidação, e à adoção de uma ferramenta, como a cria-ção da ordem dos médicos, que possa regular a ha-bilitação de forma compatível com a capacitação edefinir o ato/procedimento médico com os órgãoscompetentes e fiscalizadores, seja na esfera socie-tária/profissional seja na esfera jurídica. Fica eviden-te, portanto, a necessidade de se criar regras quedefinam e regulamentem formação, capacitação equalificação profissional. Projetos de lei nos âmbitosfederal e estadual, envolvendo a comissão mista deespecialidades (CNRM, AMB e CFM), tratam da re-validação do título como o foco principal de estímulopara a educação continuada. Outros projetos viabili-zam a criação da Ordem dos Médicos ou regulamen-tam o Ato Médico.

REVALIDAÇÃO DO TÍTULO DE ESPECIALISTA

As informações médicas modificam-se com muitarapidez, as novidades são grandes e a medicina éuma das áreas de maior crescimento. A revalidaçãoperiódica dos títulos de cardiologia é uma tendênciamundial, sendo obrigatória em países como Portugale tendo início este ano na Inglaterra. Na maioria dospaíses, o intervalo adotado é de cinco anos, com cré-

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FERREIRA JFM e col.A especialização

profissional

THE PROFESSIONAL SPECIALIZATION

IN CARDIOLOGY

JOÃO FERNANDO MONTEIRO FERREIRA, MIGUEL ANTONIO MORETTI

Medical specialization is more and more necessary due to the increasing know-ledge of diseases and to the endless number of advances in technology, both intherapeutic and diagnostic spheres. But the basic education can not be left aside.The rules should be adequated and the professional qualification should be faced ina grave form.

The title of specialist is provided according to the rules of the Regional and Fede-ral Medicine Councils, throughout the Brazilian Medicine Association linked to thesocieties of specialties. The title of specialist is an evidence to the society of therating of a professional of health in one of the specialties, and it has to be validatedclose to the Federal Medicine Council.

The revalidation of the title of specialist is a present issue, aiming to stimulate thecontinuous medical education as well as being an instrument to confirm the effortsof the professional of health addressed to his updating, allowing him to offer to hispatients the most updated medicine.

Key words: continuous medical education, specialization, Cardiology Certificate,re-certificate.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;4:306-10)RSCESP (72594)-1544

ditos obtidos em partici-pação em congressos ecursos.O princípio básicoda revalidação é fazercom que o médico se atu-alize e possa se aprimo-rar por meio do estudocontinuado.

Em nosso meio, a So-ciedade Brasi leira deCardiologia (SBC) foi

uma das pioneiras em instituir tanto o Título de Es-

pecialista como sua revalidação. O Título de Especi-alista em Cardiologia fornecido pela SBC e aprova-do pela AMB já existe desde a década de 80, tendosido aprimorado e valorizado nesses últimos anosgraças aos esforços de sua comissão. A revalidação,após muito se discutir, passou a vigorar em nossasociedade desde 2000, fato que valorizou a cardiolo-gia brasileira no cenário mundial. Por medida de re-solução do CFM, desde o dia 2 de abril de 2005 arevalidação tanto do título de especialista como daárea de atuação passa a ser obrigatória para todasas especialidades.

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FERREIRA JFM e col.A especialização

profissional

LEITURA RECOMENDADA

1. Resolução CFM 1.755/04.2. Jornal do CFM. 2005;XX(154):21.3. Jornal do CFM. 2004;XX(152):11.

4. Jornal do CREMESP. 2005;213:5-7.5. Jornal do CREMESP. 2005;210:10.6. Jornal do CREMESP. 2004;199:2-11.7. Revista da APM. 2004;547:14-8.8. Diretrizes para Obtenção do Título de Especialista emCardiologia.9. Estudo CRUSADE.10. Código de Ética Médica.

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CURI JCMDefesa Profissionalnas Sociedades de

Especialidades Médicas

Para pensar como deveria ser o perfil da ação deDefesa Profissional de uma Sociedade de Especiali-dade Médica, obrigatoriamente temos de refletir sobreas últimas avaliações do médico brasileiro em relaçãoà profissão. O livro “O Médico e o seu Trabalho”, publi-cado em 2004 pelo Conselho Federal de Medicina, trazvárias novas informações sobre a nossa profissão eque já vinham sendo sinalizadas desde o levantamen-to anterior, de 1996. Fica claro, por esses dados, quenossa classe médica, em sua quase totalidade, se en-contra trabalhando na própria medicina (98%). No en-tanto, é crescente o número de colegas que exercematualmente múltiplas atividades (28%) na profissão.

Os médicos têm protagonizado uma autêntica ci-randa de ocupações nos diversos setores empregatí-cios: consultório, privado, público, filantrópico e docen-te. Isso sem falar que aproximadamente 10% possuemalgum tipo de trabalho fora da Medicina. É patente apreocupação dos médicos em garantir seu sustentoenquanto gozam de saúde tanto física como mental,

DEFESA PROFISSIONAL NAS SOCIEDADES

DE ESPECIALIDADES MÉDICAS

JORGE CARLOS MACHADO CURI

Disciplina de Cirurgia do Trauma – UNICAMPAssociação Paulista de MedicinaHospitais Irmãos Penteado e Samaritano – Campinas – SPCREMESP

Endereço para correspondência: Rua Antonio Fálcaro, 106 –Condomínio Arboreto dos Jequitibás – CEP 13105-652 – Campinas – SP

Honorários justos e condições adequadas para o exercício da Medicina são ape-nas duas das vertentes da Defesa Profissional. Estar vigilante quanto às pressõesque ferem a autonomia profissional, organizar serviços jurídicos contra a indústriado erro médico e lutar por justiça tributária, pela regulamentação da profissão e porrecursos para a saúde também são pontos fundamentais à defesa do médico.

Palavras-chave: diretrizes, tributos, Lei do Ato Médico, defesa profissional, CBHPM,defesa jurídica.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;4:311-4)RSCESP (72594)-1545

diferentemente de outras profissões em que, com oavançar dos anos, o cidadão tem certeza de contar comuma aposentadoria digna.

A maior parte (52%) atua em plantões, dos quais64% de forma presencial. Esse quadro reflete bem odesgaste da profissão referido por 58% deles. O acha-tamento da renda mensal é evidente, pois na pesquisaanterior os que recebiam até US$ 2.000,00 represen-tavam cerca de 45% e agora somam 52%. Já os querecebiam acima de US$ 4.000,00 eram 19% e agorasão cerca de 9%. Esse quadro se reflete na insatisfa-ção com sua vida relatada por um terço dos médicos,embora, como os dados demonstram, quase todospermaneçam nela e a maior parte (dois terços) se dizsatisfeito.

Somado a esse sombrio perfil de mercado, aparecea necessidade de atualização que nossa profissão exi-ge continuamente e a dificuldade que grande parte doscolegas tem para freqüentar congressos ou se ausen-tar de suas atividades. É também relevante considerar

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CURI JCMDefesa Profissionalnas Sociedades de

Especialidades Médicas

na área privada a enormerestrição de que os médi-cos se queixam em rela-ção à liberdade de fixaçãode honorários (84%), à di-minuição da autonomiaprofissional (78%) e à re-duzida liberdade de esco-lha para o paciente (52%).Quase 40% dos colegassão contrários ao atendi-mento de planos de saú-

de e outros 40% são pouco favoráveis; no entanto, amaioria sabe da necessidade de se manter o atendi-mento por esses planos. É evidente, portanto, que al-mejam a mudança da postura negativa dos mesmosem relação à classe e aos pacientes.

Não há dúvida de que existe enorme expectativaem relação à atuação de uma central reguladora, oucentral de convênios, que iniba essa ação predatória efavoreça atendimento adequado, além de honoráriosdignos. Na área pública – em que pese algum avançono atendimento do Programa de Saúde da Família(PSF), no qual os médicos têm atualmente valorizaçãoum pouco melhor –, é extremamente necessário quese crie um adequado plano de cargos e salários, con-dizente com a respeitabilidade e a complexidade daprofissão, para que esse segmento fundamental nãoseja encarado apenas como “bico”.

A tudo isso se acrescenta, ainda, a ação extrema-mente oportunista de empresas que gostariam queocorresse, em nosso meio, a proliferação da “indústriado erro médico”, com processos envolvendo quantiasfabulosas. É necessário considerar, ainda, os concei-tos trazidos pelo Código de Defesa do Consumidor, quepodem deturpar a boa relação médico-paciente, que jápassa por interrogações em decorrência dos grandesavanços tecnológicos, diagnósticos e terapêuticos daMedicina, que nos ajudam a salvar vidas, mas que tam-bém criam falsas ou fantasiosas expectativas e aumen-tam a dificuldade de a sociedade moderna entender aMedicina como uma ciência de meio e não de fim.

Outra dificuldade que os médicos têm, e que se apre-senta de forma sempre progressiva, diz respeito a comomontar e gerir seu consultório ou seu “negócio” e suavida contábil e financeira, pois, aturdido com a neces-sidade de ter múltiplos empregos e ocupações, e semo devido preparo, acaba sendo vítima freqüente dequestões burocráticas e trabalhistas, tributárias ou atémesmo de manutenção de sua estrutura de trabalho.Com a dificuldade de recebimentos de planos de saú-de e com a somatória de gastos para manter o consul-tório e, eventualmente, uma variedade de procedimen-tos com diferentes custos, como material, medicamen-tos, salários, impostos, etc., suas atividades podem

acabar sendo inviabilizadas.Assim, um Departamento de Defesa Profissional de

uma Sociedade de Especialidade, se quiser realmenteatuar em toda a extensão da defesa do trabalho deseus associados, deve desenvolver ações em todasessas situações e ter estrutura para isso ou realizá-lasem parceria com outras entidades. Não há dúvida deque existem inúmeras vantagens e conveniências paraque essas ações sejam empreendidas de maneira as-sociada ou em sintonia com a Associação Paulista deMedicina (APM), com a Associação Médica Brasileira(AMB) e outras entidades médicas (Conselhos Regio-nal e Federal de Medicina e Sindicatos), e, ainda, comtodas as inúmeras instituições que têm relacionamen-to às vezes vital com as especialidades, como as deensino, caso das Faculdades de Medicina, a Associa-ção Brasileira de Ensino Médico (ABEM) ou as Comis-sões Estadual e Nacional de Residência Médica, enti-dades hospitalares (como o Sindicato dos Hospitais doEstado de São Paulo – SINDOSP), entidades repre-sentantes de planos de saúde e medicina privada, re-presentantes da saúde pública nos vários níveis, dedefesa do consumidor (como a Fundação de Proteçãoe Defesa do Consumidor – Procon), jurídicas (como aOrdem dos Advogados do Brasil – OAB), e outras.

Dentre essas ações em parceria com as entidadesmédicas, convém realçar as mais importantes do mo-mento, que são a implantação da Classificação Brasi-leira Hierarquizada de Procedimentos Médicos(CBHPM), que, como o próprio nome diz, refaz a hie-rarquização de aproximadamente quase cinco mil pro-cedimentos médicos, dos quais quase mil são novos.Esse trabalho foi realizado por iniciativa da AMB, juntocom as demais entidades médicas nacionais (Conse-lho Federal de Medicina – CFM e representações sin-dicais) e as sociedades de especialidades médicas, pormeio de um trabalho totalmente técnico realizado pelaFundação Instituto de Pesquisa Econômica da USP(FIPE), de forma inédita, interagindo com todas as es-pecialidades e tornando a CBHPM uma referên-cia absolutamente coerente e única e que, portanto,pode ser adotada tanto pelo sistema suplementar comopelo Sistema Único de Saúde (SUS), pela legitimidadee pela coerência em sua arquitetura.

É lógico que um trabalho de tal envergadura pode edeve ser continuamente revisado para se manter atuale corrigir distorções. Neste último ano, as entidadesmédicas e as sociedades de especialidades estiveramenvolvidas em um movimento que, de maneira inédita,mobilizou os médicos de praticamente todo o país naluta por sua implantação. Tão importante é sua adoçãoque se tornou uma resolução do CFM e existe um pro-jeto de lei tramitando no Congresso Nacional (autoriado deputado Inocêncio de Oliveira e relatoria do depu-tado Rafael Guerra) para sua legítima adoção em todo

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CURI JCMDefesa Profissionalnas Sociedades de

Especialidades Médicas

o território nacional.Espera-se que o Minis-

tério da Saúde e a Agên-cia Nacional de Saúde Su-plementar (ANS) tenhamsensibilidade e determina-ção suficientes para enca-minhar a implantação daCBHPM. E ainda para via-bilizar uma contratualiza-ção adequada entre pres-tadores e planos de saú-

de, o que não foi conseguido pela regulamentação dosplanos de saúde (Lei 9656-98). Aliás, uma lacuna quetem sido péssima tanto para médicos como para paci-entes.

Infelizmente o poderoso “lobby” das operadoras deplanos de saúde tem se mostrado sempre presente nosentido de tentar impedir esse importante avanço queseria a aprovação da CBHPM e sua implantação paraa devida regularização da atividade médica e para obenefício dos pacientes.

Outra ação muito importante que vem sendo de-senvolvida e merece todo empenho em sua ampliaçãoé o Projeto Diretrizes, coordenado pela AMB em con-junto com o CFM e as sociedades de especialidadesmédicas. O projeto traz as melhores indicações, porintermédio da Medicina Baseada em Evidências, parao diagnóstico e o tratamento das diversas doenças, nor-teando os médicos a como melhor utilizar os milharesde procedimentos disponíveis atualmente. Isso é fun-damental, tanto no contexto público como no privado,já que os recursos são poucos e precisam ser bemaproveitados. Além do mais, esse trabalho, que deveser ampliado, poderia ser estendido inclusive com aparticipação das próprias empresas de planos de saú-de, que poderiam sinalizar quais os procedimentos demaior freqüência e sua repercussão. Isso, de algumaforma, já vem sendo feito.

Como prioridade, também no que tange à DefesaProfissional e em resposta aos processos contra osmédicos e que podem ser de ordem ética, penal oucivil, é estratégico que se estruturem serviços jurídi-cos, no sentido de prontamente planejar e realizar adefesa dos médicos que simplesmente ficam atordoa-dos e sem ação quando algo desse tipo lhes ocorre. E,nesse momento, é necessário calma e profissionalis-mo. Obviamente não pensamos em fazer seguros co-letivos para a classe, mas sim assegurar uma excelen-te defesa e tranqüilidade para realizá-la com compe-

tência quando algo inesperado ou infeliz ocorre. Certa-mente, não se pode proibir ninguém de fazer os segu-ros, e cada colega e cada especialidade devem anali-sar sua situação particular, mas a impressão das enti-dades médicas, e em especial da APM e suas regio-nais, que possuem um serviço de defesa para todosos seus associados no contexto do “Erro Médico”, é deque ter o seguro em larga escala significa exatamentefazer o que as empresas oportunistas querem, multi-plicando assim as ações e seus valores.

Finalmente é necessário referir, como uma das mai-ores prioridades de Defesa Profissional, a campanhanacional pela aprovação do projeto de lei do Ato Médi-co (PL 25-2002), que regulamenta a profissão médica.É curioso que a Medicina, a mais antiga das profissõesda Saúde (aproximadamente com 2.700 anos), sejapraticamente a última a procurar sua regulamentaçãoe que exista tanta resistência para que ela ocorra. Noentanto, é fundamental que aconteça rapidamente, poistemos a obrigação de esclarecer a sociedade sobre opapel de cada profissional e o melhor que cada umpode fazer pelos pacientes, inclusive de forma integra-da. Como um dos pilares de nossa sociedade, de nos-sa constituição e do próprio SUS, não podemos fazerdiscriminações e ter dois tipos de Medicina, uma paraos que podem e outra para os que não podem, como,por exemplo, nas Casas de Parto, em que atendimen-tos temerários podem ocorrer pela não presença ime-diata do médico. É muito importante, portanto, que to-dos os médicos se empenhem com todas as pessoasde sua relação e com seus deputados para que o pro-jeto de lei do Ato Médico seja aprovado.

Felizmente está se consolidando o conceito da ne-cessidade de se formar o médico com muito huma-nismo e que com muita sensibilidade usa toda suacapacidade para ouvir, observar e examinar seu pa-ciente, e assim determinar qual a melhor opção dediagnóstico e de terapêutica para o mesmo, sem exa-gerar na utilização de métodos auxiliares. É funda-mental que estejamos continuamente reafirmando edefendendo esse conceito, pois isso significa a pro-teção da essência da Medicina, desde os insuperá-veis princípios deixados por Hipócrates, e a defesade nossos pacientes e também nossa, pois perderisso seria igualar nossa espetacular e milenar profis-são a um simples comércio entre cliente e prestadorde serviço, o que ninguém quer, a não ser oportunis-tas que não enxergam a dimensão da Medicina ouque querem fragilizar a relação médico-paciente oumanipulá-la segundo seus interesses.

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CURI JCMDefesa Profissionalnas Sociedades de

Especialidades Médicas

MEDICAL SPECIALIST ASSOCIATION AND

PROFESSIONAL DEFENSE

JORGE CARLOS MACHADO CURI

To fight for fair remuneration and for adequate conditions for the exercise of theMedicine are only two of Professional Defense actions. To be vigilant on the pressu-res that wound the professional autonomy, to organize legal services against themedical error industry, to fight for tributary justice, for the regulation of the professi-on, for better resources for health care, among other points, also are basic to thedefense of the doctor.

Key words: guidelines, taxes, medical performance, laws.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;4:311-4)RSCESP (72594)-1545

LEITURA RECOMENDADA

1. CBHPM. Associação Médica Brasileira, 2003.2. Código de Ética Médica – Conselho Regional de

Medicina, 1988.3. Estatuto da Associação Paulista de Medicina, 2004.4. Estatuto da Sociedade de Medicina e Cirurgia de

Campinas, 2001.5. Projeto Diretrizes – Associação Médica Brasileira

2003/2004.6. Regimento do Departamento de Defesa Profissional

– APM – Jaú.7. Manual de Ética e Defesa Profissional – Sociedade

Brasileira de Pediatria.

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VILA JHAO ato médico em

Cardiologia esuas interfaces

INTRODUÇÃO

O ato médico, que aguarda regulamentação peloCongresso Federal, explicita, de forma simples e con-cisa, que o diagnóstico e a orientação terapêutica dasdoenças permanecem, como há milênios, atribuição ex-clusiva da classe médica, respeitando-se as interfacescom outros profissionais, como tem sido feito há mui-tos anos. É preciso que as pessoas compreendam quenossa profissão milenar merece, como as demais, essaregulamentação, até porque ela é necessária. Lembra-mos que há mais de 70 anos consta como crime, noCódigo Penal Brasileiro, o exercício ilegal da medicina.

Dentre as especialidades clínicas, entendemos quena Cardiologia o ato médico atinge toda sua plenitude,ou seja, desde a obtenção da história clínica inicial atéos mais sofisticados procedimentos invasivos exigem-se argúcia, equilíbrio, experiência e sentido humanísti-co do profissional médico, que não devem ser delega-dos a outros profissionais.

O ATO MÉDICO EM CARDIOLOGIA ESUAS INTERFACES

JOSÉ HENRIQUE ANDRADE VILA

Hospital Beneficência Portuguesa de São PauloCâmara Técnica de CardiologiaCREMESP

Endereço para correspondência: Av. Paulista, 2073 – Ed. Horsa I – 15º andar –sala 1512 – Cerqueira César – CEP 01311-300 – São Paulo – SP

O cardiologista, clínico por excelência, deve realizar pessoalmente toda a parteinicial de anamnese e exame clínico, por conterem informações freqüentemente denatureza crítica e também porque é nesse momento que se estabelece o bom rela-cionamento entre médico e paciente, que será de grande valia em futuras decisõesque se possam fazer necessárias. No pós-consulta e na reabilitação de maneirageral, o concurso de outros profissionais é desejado, inclusive no âmbito ambulato-rial, como será comentado no artigo.

Palavras-chave: ato médico, relação médico-paciente, médico e outros profissio-nais de saúde.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;4:315-8)RSCESP (72594)-1546

Discordamos de práticas correntes em países dePrimeiro Mundo, em que as informações da anamne-se, cruciais para o raciocínio diagnóstico, sejam obti-das por profissional não-médico, pois isso pode negli-genciar sintomas sutis ou levar a dispendiosos e inú-teis procedimentos diagnósticos. Características pró-prias da especialidade, com a gravidade potencial, comrisco de morte súbita após sintomas aparentementeinofensivos, exigem do cardiologista grande experiên-cia e adequado preparo, para que já no primeiro conta-to com o paciente sejam tomadas as providências enér-gicas que o caso requer, com o cuidado e a delicadezanecessários, levando em conta a parte psicológica, paraevitar situação de pânico entre pacientes e familiares.

Somente o profissional médico bem preparado podeconseguir resolver com sucesso essas difíceis situa-ções, tão freqüentes nos consultórios de cardiologis-tas, como arritmias graves, coronariopatias agudas,pacientes com hipertensão grave ou com descompen-sação aguda de ventrículo esquerdo. Quantos de nós

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VILA JHAO ato médico em

Cardiologia esuas interfaces

já abandonamos o consul-tório, após o início da con-sulta, para levar o pacien-te a um serviço de emer-gência em nosso próprioautomóvel?

O PAPEL DOCARDIOLOGISTA

Como já dissemos,consideramos sempre ne-

cessário que a história clínica seja obtida pelo médico.Elemento absolutamente crucial para o diagnóstico,apresenta, entretanto, sutilezas que somente ao médi-co cabe distinguir. Lembramos a ausência de dor pre-cordial típica no caso de isquemia miocárdica graveem pacientes idosos e diabéticos, que podem apresen-tar os chamados equivalentes anginosos, como tontu-ras, quadros pré-sincopais, náuseas inexplicáveis, fati-gabilidade súbita, etc. Repetimos que, apesar de serprática corrente em alguns países de Primeiro Mundo,não entendemos como atitude ética ou cientificamentedefensável em nosso país delegar a história clínica paraprofissional não-médico. A quem cabe a distinção en-tre o relevante e o irrelevante, que evitaria os excessosintoleráveis que às vezes assistimos, se não ao cardio-logista? Quadros de cervicobraquialgia à esquerdapodem em tudo mimetizar a doença coronária, porémsão facilmente esclarecidos com a reprodução dos sin-tomas, após a palpação das vértebras cervicais. Hámuitos anos nosso livro de cabeceira de semiologiacardiovascular, editado por Jules Constant e que reco-mendamos aos jovens colegas, traz um “checklist” muitoútil, porém quando aplicado por médico.

O exame físico em Cardiologia permanece comoelemento fundamental para a confirmação da suspeitadiagnóstica inicial advinda da anamnese e para a com-plementação de informações para o diagnóstico maiscompleto possível. Em nenhuma outra especialidadeclínica o uso dos sentidos pode trazer tantas informa-ções, até sobre a gravidade da doença, como em Car-diologia clínica. Lembramos a ausculta das valvulopa-tias mitrais e aórticas e das cardiopatias congênitas,como comunicação interatrial, tetralogia de Fallot e co-arctação da aorta, entre outras. Preocupa-nos a possibi-lidade de a multiplicidade e do alto nível dos exames au-xiliares levarem os jovens colegas a negligenciar essaarte, que se consolidou há mais de século, transforman-do os cardiologistas em propedeutas de excelência.

A palpação de todos os pulsos de grandes artériasdo pescoço, fúrcula e membros deve ser cuidadosa-mente feita e anotada, juntamente com as alteraçõesvenosas visíveis, além do minucioso exame do precór-dio, com inspeção, palpação e ausculta cuidadosas. No

exame abdominal, entendemos que o cardiologista,além das visceromegalias, também deva se preocuparcom a palpação da aorta para detecção de eventualaneurisma de aorta, tão freqüente em tabagistas inve-terados. Desnecessário mencionar a importância dapropedêutica pulmonar para a distinção entre os qua-dros de congestão das doenças próprias dos pulmões,freqüentemente confundidas quando se analisam, semgrande experiência, unicamente os dados radiológicos.

Delegar a verificação da pressão arterial a outrosprofissionais é prática freqüente e, a nosso ver, incor-reta. Somente o médico tem experiência para a distin-ção, em particular nos casos de insuficiência cardíaca,dos sons de Korotkoff, bastante apagados nessa con-dição, e sabe da utilidade de manobras como abrir efechar a mão do membro em que se verifica a pressão,medida nas posições em pé e sentado e nos membrosinferiores. Pior ainda quando, além da verificação dapressão arterial, é delegada também a decisão demedicar ou não o paciente internado, com base na-quela medida. Entendemos esse fato como falta éticaclara. A verificação da pressão arterial pelo pessoal deenfermagem nos horários indicados é útil para dar aomédico uma visão panorâmica dessa importante vari-ável nas 24 horas, porém não para medicação pontual.Em casos preocupantes, deve constar “frente a tal equal situação, avisar o médico”.

Dos exames auxiliares, entendemos que somentea eletrocardiografia de repouso pode ser realizada porprofissional bem treinado, sem a participação física domédico. Todos os outros exames, inclusive e particu-larmente a ecocardiografia, devem ser realizados pelomédico e/ou devem ser acompanhados em tempo realpelo especialista para que imagens falso-diagnósticasnão sejam impressas, levando a laudos incorretos ou,pior ainda, à negligência de dados importantes. A pri-meira condição ocorreu, como sabemos, na época dosexcessos diagnósticos de prolapso da válvula mitral.No teste de esforço, impõe-se a presença do médicoem todo o procedimento, pois não são incomuns situa-ções de emergência, que requerem pronta atuação doprofissional. No restante dos exames mais especiali-zados e invasivos, a atuação do médico é absoluta.

Na terapêutica clínica, no coroamento de toda a jor-nada conjunta de médico e paciente, a participação da-quele é absoluta na cuidadosa confecção da prescri-ção, com horários e advertências sobre o uso duranteou fora das refeições, possíveis sintomas colaterais,interações medicamentosas desfavoráveis, etc. Aqui,entretanto, o concurso de outros profissionais é bem-vindo e passaremos a considerá-lo adiante.

A INTERFACE COM OUTROS PROFISSIONAIS

É salutar que clínicas cardiológicas de vulto, como

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Cardiologia esuas interfaces

as dedicadas a insuficiên-cia cardíaca, além das de-dicadas a hipertensão ar-terial e doença coronaria-na, por exemplo, possuamenfermeiras, nutricionis-tas, fisioterapeutas, psicó-logos e professores deeducação física.

Os enfermeiros, alia-dos de primeiro grau daatividade médica, têm im-

portância inegável no pós-consulta: devem reforçar cri-teriosamente todas as informações da receita, devemdispor das medicações usuais, de preferência os ge-néricos, para exibir ao paciente, devem organizar mé-todos de controle de aderência terapêutica, etc. É bas-tante freqüente o fato de pacientes suspenderem porconta própria o uso de algum medicamento e não te-rem coragem de informar isso ao médico, por se senti-rem envergonhados, mas informam a outro profissio-nal, por sensação de culpa e preocupação. A freqüen-te agregação de toda a medicação matinal em umaúnica tomada, feita pelos pacientes, deve ser esclare-cida como perigosa, especialmente quando do uso devários vasodilatadores.

Os nutricionistas ocupam hoje papel relevante noapoio ao tratamento dos cardiopatas, não só quantoàs técnicas para restrição de sal como também para aabordagem dos difíceis casos de dislipidemia e obesi-dade. Vícios na técnica culinária, freqüentemente nãodetectados pelos médicos, são corrigidos por esses pro-fissionais.

Os psicólogos, principalmente diante de quadrosmais graves, como, por exemplo, candidatos a trans-plante cardíaco e portadores de transplante cardíaco,são também aliados muito úteis do cardiologista no di-

agnóstico de alterações psicológicas e na detecção dequadros mais graves, que exigem o concurso de psi-quiatras, etc. Freqüentemente dados importantes, comoo uso de substâncias tóxicas proibidas, são informa-dos ao profissional de psicologia, que se utiliza de téc-nicas mais sutis, e não ao médico cardiologista.

Os fisioterapeutas têm importância fundamental narecuperação de pacientes cardiopatas mais graves hos-pitalizados, bem como no pós-operatório de cirurgiacardíaca com ênfase na parte respiratória. Muitos ca-sos também podem se beneficiar dos cuidados fisiote-rápicos ambulatoriais para reforço de musculaturasespecíficas, permitindo o recondicionamento físico comsucesso.

O excesso de repouso, tão freqüentemente reco-mendado de forma incorreta por colegas do passado,foi um erro que a moderna Cardiologia corrigiu. Os pro-fessores de educação física, dedicados e com forma-ção específica em Cardiologia, são os melhores alia-dos para promover, após a necessária avaliação clíni-co-funcional, a reabilitação física desses pacientes, quesabemos hoje ser parte importantíssima na recupera-ção de muitos quadros, até avançados, de doença car-diovascular.

CONCLUSÃO

O cardiologista, clínico por excelência, deve reali-zar pessoalmente toda a parte inicial de anamnese eexame clínico, por conterem informações freqüente-mente de natureza crítica e também porque é nessemomento que se estabelece o bom relacionamentoentre médico e paciente, que será de grande valia emfuturas decisões que se possam fazer necessárias. Nopós-consulta e na reabilitação de maneira geral, o con-curso de outros profissionais é desejado, inclusive noâmbito ambulatorial, como comentamos no texto.

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VILA JHAO ato médico em

Cardiologia esuas interfaces

LEITURA RECOMENDADA

1. Semiologia Cardíaca – Diagnóstico e TratamentoJunto ao Leito. 5a ed. Lippincott Williams & Wilkins;2002.

2. Schlant RC, Alexander RW, O’Rourke RA, et al., eds.

THE MEDICAL ACT IN CARDIOLOGY AND

ITS INTERFACES

JOSÉ HENRIQUE ANDRADE VILA

The Cardiologist, clinician of excellence, must perform by himself the collectionof the clinical history and also the critical data from the physical examination, becau-se it is in this very moment that the important and decisive link between doctor andpatient begins and, if strong enough, will be a most valuable tool in the entire treat-ment of the patient. After this, in the orientation of the prescription to the patient andin the rehabilitation program at the ambulatory level, the participation of other healthprofessionals is welcome.

Key words: medical act, doctor-patient relationship, doctors and other health pro-fessionals.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;4:315-8)RSCESP (72594)-1546

Hurst’s the Heart: Arteries and Veins. 8a ed. NewYork, NY: McGraw-Hill, Inc.; 1994. p. 205-91.

3. Willerson JT, Cohn JN. Cardiovascular Medicine.1995. p. 1-31.

4. Théroux P. Acute Coronary Syndromes. 2003. p. 1-48.

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Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 4 — Julho/Agosto de 2005 319

GRINBERG MProntuário do paciente: o

papel na defesaprofissional do médico

“O papel do prontuário não é nem página virada, nempágina em branco, é folha corrida que deve valer a ár-vore que foi cortada.”

DIRETO DO ARQUIVO

Prontuário vem do latim “promptuarium”, lugar ondese guardam coisas que devem estar à mão.

Prontuário, em Medicina, é forma de comunicaçãoescrita, em que se usa uma linguagem de sinais e có-digos que a comunidade médica desenvolveu entreseus membros. Ela é registrada numa propriedade dopaciente, o qual, habitualmente, desconhece os sinais,os códigos e, inclusive, sua condição de proprietário. Omédico e a equipe de saúde constroem e resgatamessa linguagem peculiar a cada fato novo da relaçãomédico-paciente.

O prontuário pode aparentar ser um monólogo adois, mas, na verdade, em termos de Defesa Profissio-nal, é um precioso diálogo virtual que organiza mensa-gens para permitir a decodificação ética do atendimento.

PRONTUÁRIO DO PACIENTE: O PAPEL NA DEFESA

PROFISSIONAL DO MÉDICO

MAX GRINBERG

Unidade de Valvopatias – Instituto do Coração (InCor) – HC-FMUSP

Endereço para correspondência: Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 44 –Cerqueira César – CEP 04015-011 – São Paulo – SP

Prontuário em Medicina é forma de comunicação escrita. Sem prontuário não háMedicina, sem prontuário prejudica-se a ética, sem prontuário enfraquece-se a De-fesa Profissional. O cuidado com o prontuário presta-se, pois, tanto para os proble-mas de saúde do paciente como para a saúde profissional do médico. O prontuárioideal é aquele que cumpre seu papel, literalmente, o de ser o documento, testemu-nho com clareza e fidelidade, do vínculo entre médico e paciente. Pela visão deDefesa Profissional, não basta o médico agir com competência, é preciso documen-tá-la por escrito. A Defesa Profissional recomenda: prontuário, não saia da consultasem o preencher.

Palavras-chave: prontuário, defesa profissional, comunicação médica.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;4:319-27)RSCESP (72594)-1547

O médico deve ver o prontuário como elemento de con-dução de um vínculo profissional, sujeito a um proces-so de contínua interpretação.

Há limites e conseqüências da referida linguagem,o que faz lembrar a Semiótica (Teoria dos Sinais) dofilósofo Charles Sanders Peirce (1839-1914). O assi-nalado no prontuário representa o realismo pela pala-vra, que dá a idéia sobre uma verdade acontecida epermite que se desenvolva a percepção do que é infor-mação-foco e do que é informação-fundo.

Sem prontuário não há Medicina, sem prontuárioprejudica-se a ética, sem prontuário enfraquece-se aDefesa Profissional.

O prontuário colabora sobremaneira para uma ide-al constituição de Defesa Profissional, eficiente a pon-to de evitar uma desgastante batalha médico-pacienteà margem do solidário combate à doença.

ABRINDO O PRONTUÁRIO

Definido pela Resolução 1638/2002 do Conselho

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320 Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 4 — Julho/Agosto de 2005

GRINBERG MProntuário do paciente: o

papel na defesaprofissional do médico

Federal de Medicina(CFM), Prontuário é docu-mento único constituído deum conjunto de informa-ções, imagens e sinais re-gistrados, gerados a par-tir de fatos, acontecimen-tos e situações sobre asaúde do paciente e a as-sistência a ele prestada,de caráter legal, sigiloso ecientífico, que possibilita a

comunicação entre membros da equipe multiprofissio-nal e a continuidade da assistência prestada ao indiví-duo.

“O que merecer ser feito deve ser bem feito” apli-ca-se integralmente ao prontuário. Visto mais comu-mente como memória para o seguimento do caso,sua elaboração não pode prescindir da visão de ser-vir para esclarecimento de dúvidas éticas na condu-ção do caso(1).

O cuidado com o prontuário presta-se, pois, tantopara os problemas de saúde do paciente como para asaúde profissional do médico.

O médico, na qualidade de editor da biografia etica-mente autorizada sobre o paciente, tem em suas mãos,literalmente, a diferença entre estar ou não estar ético,já que devemos subentender que ser ético é o “default”de todo médico.

Prontuário não deve ser aquele cobertor curto quedesprotege ora o paciente ora o médico. É anotaçãoética em três vias virtuais, uma para o paciente, umapara a equipe de saúde e uma para os tribunais (ética,judiciário).

Cabe aqui menção ao aforismo, talvez não tão ori-ginal, de Miguel Couto (1865-1934): há doentes, nãodoenças. Essa frase tem grande impacto na DefesaProfissional pelo prontuário. Se cada paciente não ti-vesse sua própria doença, poderíamos simplesmenteescrever no prontuário, por exemplo, doença de Cha-gas, e o resto estaria dentro de um comportamento deestereótipo “de livro”.

Todavia, a realidade é totalmente diferente. Cadacaso é um humano, reagindo de modo peculiar, nãoimportam as superposições de CID. Valeria dizer quecada prontuário é impressão digital pela unicidade, sóque também apõe o dedo do médico que o elabora.

AÇÕES PRÓ-DEFESA PROFISSIONALDO MÉDICO

Há um decálogo de ações pró-Defesa Profissional(2).Tê-lo em mente e praticá-lo são consideradas atitudesúteis por médicos e não-médicos que têm vivência comdenúncias de erro profissional (Tab. 1).

Tabela 1. Dez ações pró-defesa profissional do médi-co. (Adaptado de Colon(2).)

1. Ter boa comunicação verbal.2. Ter boa comunicação por escrito.3. Respeitar os valores do paciente.4. Esmerar-se pela eficiência.5. Aplicar o considerado Beneficência.6. Ter em alta consideração a Não-Maleficência.7. Agir com honestidade quanto a limites do conheci-mento e da capacitação.8. Ter boa-fé nas atitudes.9. Zelar pelo sigilo.10. Acatar o Código de Ética Médica e as leis referen-tes ao exercício profissional.

COMUNICAÇÃO POR ESCRITO

Os dois primeiros itens do decálogo referem-se àsboas práticas da comunicação verbal ou por escrito.Elas permitem visibilidade e compreensão do cumpri-mento de preceitos da ética médica.

Pela visão de Defesa Profissional, não basta o mé-dico agir com competência, é preciso documentá-la porescrito. Essa lógica do conhecido ditado romano refe-rente à mulher de César é essencial quando a docu-mentação sobre o paciente sai do ambiente sagradoda saúde e vai parar no campo minado dos tribunais.

Diálogo e redação formam dupla eficiente da Defe-sa Profissional(3). Mas quando eles batem cabeça, odescuido na comunicação transforma-se em Ataque aoProfissional por um adversário eticamente temível: omau prontuário não somente não defende o médicocomo também o coloca na marca do pênalti, discutin-do com o juiz ou simplesmente fazendo gol contra.

Assim como é preciso ouvir-nos falar para evitar do-minar indevidamente um diálogo e ouvir-nos ouvir paranão nos distrairmos ou tirar conclusões apressadasapenas com nossa pretensiosa base interna de dados,devemos ver-nos escrever, desenvolver a habilidade danarrativa. Tinta de caneta economizada no prontuáriopode vir a ser usada para assinaturas em audiências ejulgamentos constrangedores.

O correto preenchimento do prontuário requer dis-ciplina, é uma ascensão ética, é um estado de espíritoem relação ao habitat natural das informações sobre arelação médico-paciente.

O prontuário ideal é aquele que cumpre seu papel,literalmente, de ser o documento, testemunho com cla-reza e fidelidade, de um vínculo entre médico e paci-ente.

É um papel plural na medida em que dele se pre-tende a satisfação de diferentes objetivos: assistenci-al, pesquisa, ensino, econômico-financeiro, ético, judi-cial, controle da qualidade. A empatia na relação médi-

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co-paciente deve transpa-recer impregnada na apa-rência do prontuário.

CÓDIGO DE ÉTICAMÉDICA, RESOLUÇÕESDO CONSELHOFEDERAL DEMEDICINA ELEI 10241/99 (SP)

Nosso Código de ÉticaMédica(4), as resoluções do CFM e a lei 10241/99 doEstado de São Paulo(5) fazem referências ao prontuá-rio. Os dez itens apresentados a seguir expressam aresponsabilidade do médico:1. É vedado ao médico deixar de elaborar prontuáriopara cada paciente (art. 69 do Código de Ética Médi-ca).2. É vedado ao médico negar ao paciente acesso aseu prontuário (art. 70 do Código de Ética Médica).3. É vedado ao médico facilitar manuseio e conheci-mento dos prontuários por pessoas não obrigadas aosigilo profissional (art. 108 do Código de Ética Médi-ca).4. É direito dos usuários da saúde acessar, a qualquermomento, seu prontuário, nos termos do artigo 3º daLei Complementar 791 de 7 de março de 1995 (art 2ºVIII da lei 10241/99).5. É direito dos usuários da saúde ter anotadas em seuprontuário, principalmente se inconsciente durante oatendimento, todas as medicações, com suas dosa-gens, utilizadas e o registro da quantidade de sanguerecebida (art 2º XIII da lei 10241/99).6. A criança, ao ser internada, terá em seu prontuário arelação das pessoas que poderão acompanhá-la inte-gralmente durante o período de internação (art 2º § 1ºda lei 10241/99).7. É obrigatória a criação da Comissão de Revisão deProntuários nos estabelecimentos e/ou instituições desaúde em que se presta assistência médica, que deveser coordenada por um médico (CFM Resolução 1638/2002).8. As instituições de saúde devem garantir supervisãopermanente dos prontuários sob sua guarda, visandoa manter a qualidade e a preservação das informaçõesneles contidas (CFM Resolução 1638/2002).9. Compete à instituição de saúde e/ou ao médico odever de guarda do prontuário e o mesmo deve estardisponível nos ambulatórios, nas enfermarias e nosserviços de emergência para permitir a continuidadedo tratamento do paciente e documentar a atuação decada profissional. Os prontuários em papel devem serpreservados por um prazo mínimo de 20 anos a partirdo último registro. Os prontuários arquivados em meio

eletrônico são de manutenção permanente (CFM Re-solução 1638/2002).10. É vedado ao médico na função de auditor realizaranotações no prontuário do paciente (CFM Resolução1614/2001).

CONFIANÇA E BOA-FÉ

A confiança entre os personagens envolvidos noatendimento precisa estar transferida para o prontuá-rio. Deve haver credibilidade na comunicação escritapelo médico em sintonia com cada passo dado, sejaeste firme ou hesitante.

Prontuário é guardião da verdade, inclusive na fun-ção de documentar uma moderação a respeito de ex-pectativas irrealistas de riscos e prognósticos, estimu-ladas pela expansão da divulgação da ciência médicaentre leigos.

Há uma tácita confiança na boa-fé do preenchimentodo prontuário pela equipe de saúde. “Sou leigo, comoeu poderia elaborá-lo?” expressa essa representação,mas o paciente delegar não significa que ele vá renun-ciar à supervisão de sua propriedade, à intenção de lê-lo quando assim o desejar, ao direito de dar sua opi-nião e ao direito de usá-lo como prova de acusaçãocontra o médico.

É lição da beira de leito o quanto deve haver deboa-fé, como virtude, como respeito à verdade, numtestemunho sobre a relação médico-paciente.

Pode até haver equívocos, mas tem que ser a ver-dade sobre a qual acreditamos de fato. Não percebe-mos uma terceira bulha à ausculta, nos enganamos,mas o registro foi autêntico, fiel ao apurado.

Assim, um prontuário elaborado com boa-fé podeconter dados originados por má captação, mas elessão verdadeiramente equivocados e, por isso, não con-figuram mentira.

O médico é assim verídico pela anotação conformeo que sabe ou o que crê realmente. O prontuário que ésincero dignifica o médico-cidadão, aliás é uma exigên-cia moral, porque nada mais antiético que a má-fé.

O prontuário elaborado com boa-fé não deixa, to-davia, de servir de base para ações de justiça, poisboa-fé não substitui a justiça, não vacina contra lapsose acidentes; mas um erro profissional seria isento deevidências de má intenção. O mau uso da boa-inten-ção pode ser atenuante e má-fé é sempre agravanteem situações de indícios de infração ao Código de Éti-ca Médica. É emblemática a vigilância ética pelo art.55 do Código de Ética Médica: “é vedado ao médicousar da profissão para corromper os costumes, come-ter ou favorecer crime”.

O crédito no prontuário é um dever ético, patrimô-nio da Medicina pelo qual todos devemos zelar. É prin-cípio fundamental do Código de Ética Médica (art. 4)

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que “ao médico cabe ze-lar e trabalhar pelo perfei-to desempenho ético daMedicina e pelo prestígioe bom conceito da profis-são”.

Desde a faculdade,aprende-se a usar o co-nhecimento acumulado ea deixar de lado a ilusão.Quem busca a verdadeconstantemente, no diag-

nóstico, na terapêutica, no prognóstico e na pesquisa,não poderia se comportar diferente na lide com oprontuário. Falso no médico, quem sabe, só o uso doplacebo, assim mesmo sob a mira condenatória decertas opiniões da bioética.

O prontuário não é uma crônica de felicidades e deinfelicidades, é um diário de momentos felizes e infeli-zes, de expectativas e resultados, de decisões e deintenções de humanização.

Por isso, o prontuário até pode não admitir certasverdades. É admissível não dizer – e não anotar – tudoem certas ocasiões. Há razões de não-maleficência,em que revelações naquele momento poderiam ser umaomissão de socorro psicossocial. E, daí, esconde-seuma parte da verdade, não falando e não escrevendo.O que precisa ficar bem claro é que a parte não revela-da não deve ser preenchida por palavras mentirosas;deliberadamente anotar o que não se crê não constróiuma base ética.

SEGREDO DO CONTEÚDO DO PRONTUÁRIO

O prontuário é aquele diário com fechadura, cader-no de anotações sob segredo, em que estão escritosmuitos fatos que o paciente nunca revelaria para maisninguém. São palavras que continuam pertencendo aopaciente, como que “emprestadas” para serem usadasem seu benefício e devolvidas em ações “doadas” pelaequipe de saúde.

Pela propriedade vem a privacidade e assim o con-teúdo do prontuário não pode ser “invadido” sem a ex-pressa autorização do “dono”. É um policiado pela ética.

Há duas previsões de permissão ética para quebrado sigilo pelo médico, independentemente da vontadedo paciente (art. 102 do Código de Ética Médica: pordever legal, atender expressa determinação judicial epara notificar compulsoriamente certas doenças àAgência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA). OCódigo Penal de 1940 prevê, em seu art. 269, deten-ção de seis meses a dois anos para o médico que dei-xar “de denunciar à autoridade pública doença cuja no-tificação é compulsória”, tipificado como crime contraa saúde pública. A Portaria nº 1943, de outubro de 2001,

do Ministério da Saúde relaciona mais de trinta doen-ças de notificação compulsória e cujo cumprimento, porser quebra do segredo, precisa estar registrado e justi-ficado no prontuário do paciente.

Médico e/ou instituição têm alta responsabilidadeem preservar o conteúdo do prontuário do conhecimen-to de quem desautorizado para tal. É de interesse daDefesa Profissional a redação do art. 107 do Códigode Ética Médica (“é vedado ao médico deixar de orien-tar seus auxiliares e de zelar para que respeitem o se-gredo profissional a que estão obrigados por lei”) e doart. 108 do Código de Ética Médica (“é vedado ao mé-dico facilitar manuseio e conhecimento dos prontuári-os, papeletas e demais folhas de observações médi-cas sujeitas ao segredo profissional, por pessoas nãoobrigadas ao mesmo compromisso”).(4)

O PRONTUÁRIO É DO PACIENTE

O prontuário pertence ao paciente, é elaborado pelaequipe de saúde e guardado pela instituição; portanto,a denominação prontuário do paciente é preferível aprontuário médico.

O prontuário é documento de porte obrigatório nasconsultas, mas nenhum paciente, habitualmente, sepreocupa em ter uma cópia ou “backup”. A idéia é deque o prontuário seja do doutor, pois a guarda é res-ponsabilidade do médico/instituição Aliás, não se cos-tuma observar interesse do paciente em conhecer oprontuário que lhe pertence, mas, como salientado,funciona, habitualmente, como posse virtual.

Esse comportamento, de raízes culturais, inclui re-jeitar um convite do médico para ler o que ele escre-veu. Por incrível que possa parecer, esses médicosexistem e uma pesquisa revelou que há receio por par-te do paciente em ler seu diagnóstico de moléstia gra-ve em geral, doença mental e, inclusive, os comentári-os sobre o caso; a rejeição acentua-se quando não hou-ve ainda uma discussão mais aprofundada sobre tra-tamento e prognóstico(6).

Aspecto interessante dessa virtualidade de propri-edade do prontuário pelo paciente é a falta que fazquando ocorre um atendimento fora do local onde eleestá guardado. Quantos plantonistas teriam podido darmelhor assistência se os pacientes estivessem na pos-se de suas informações por escrito? Paradoxalmente,o bom senso da Defesa Profissional recomenda que oprontuário só percorra um curto caminho, num círculode poucos metros, desde o arquivo, e devidamenteescoltado.

PRONTUÁRIO NO CONSELHO REGIONAL DEMEDICINA

Nenhum médico deseja que o prontuário por ele

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elaborado seja motivo deapreciação por colegasdelegados ou conselheirosdo Conselho Regional deMedicina (CRM). Algunsaté desejam para demons-trar que a reclamação é in-fundada, mas, obviamen-te, depois da denúncia,por si só já uma auto-ape-nação para quem não éum eticopata.

Desejando ou não desejando, o médico precisa evi-tar a má comunicação, reconhecer a diversidade natu-ral das pessoas e preparar-se para qualquer compor-tamento desagradável do paciente, desde um simplesmal-entendido até uma demanda complexa. Há recla-mações de fazer inveja aos mais criativos. Meses apóster sido submetido a esplenectomia em decorrência derotura do baço num acidente, que causara choque he-morrágico, o paciente manifestou ao CRM sua indig-nação por ter sido privado de um órgão sem sua auto-rização. Um prontuário impecável quanto à prestezado socorro e à intervenção cirúrgica determinou o ar-quivamento do expediente. Caso tivesse havido des-cuido na elaboração do prontuário, o médico teria fica-do em desvantagem, apesar do absurdo questionamen-to(7).

O cardiologista sabe que já passou o tempo em quea eletrocardiografia de 12 derivações era o supremotribunal das arritmias, e até já se esqueceu dessa fra-se célebre. Mas não dá para esquecer que o prontuá-rio representará eternamente um supremo tribunal darelação médico-paciente que sai do ritmo.

Cerca de 80% das reclamações ao CRM fundamen-tam-se em alguma modalidade de má comunicação. Omédico, envolvido no que lhe é rotina, muitas vezesnão se apercebe da importância de esclarecer a quemvê tudo como inédito; em conseqüência, surgem recla-mações por não ter falado ou não ter ouvido, e quemnão dialoga com o paciente tem mais chance de nãopreencher adequadamente o prontuário.

Todos são professores-doutores em preencher umprontuário, até o momento em que ele provoca umasituação desconfortável, ao não servir como o presen-te do passado E o que se verifica é que o contato fre-qüente do médico com ele, embora várias vezes aodia, não traz imunização natural contra a escassez deanotação. Prontuário mal administrado favorece con-denações por erro profissional e pagamentos de inde-nizações em vários países(8).

É rotina inicial de expedientes instaurados no CRMsolicitar o prontuário ou seu equivalente como ficha clí-nica. A palavra constante no prontuário, sobretudo paraos colegas, traz a credibilidade da antecedência à re-

clamação. O prontuário admite a seguinte lógica: “estáescrito no prontuário, foi feito; não está escrito, terá sidofeito?”.

Uma cicatriz na pele não é suficiente nem para afi-ançar que um órgão foi operado nem para assegurar aqualidade da técnica empregada; a descrição minucio-sa do ato operatório no impresso próprio é a comple-mentaridade eticamente correta. Esparadrapo sobre apele e caneta sobre o impresso da descrição cirúrgicano prontuário são símbolos da proteção pós-operató-ria para o paciente e para o cirurgião.

Pais desesperados acusam pediatra de erro profis-sional. Sua defesa é ter anotado no prontuário “ausên-cia de rigidez da nuca” na consulta em que o registrofoi de “virose” e que antecedeu por algumas horas avolta do paciente já em óbito em decorrência de me-ningite meningocócica. A Defesa Profissional fortale-ce-se com a experiência — temperada com intuição —,como é natural em qualquer ramo de atividade. Preo-cupar-se com condições sabidamente conflituosas,como a subtaneidade com que um quadro febril ines-pecífico se torna uma catástrofe, pode significar regis-trar no prontuário vários não propedêuticos, que funci-onam como comprovantes antinegligência.

Há situação de atenção da Defesa Profissional emque o ponto essencial é a deficiência das informaçõesprestadas pelo paciente; há carência de anamnese ini-cial ou nos adendos, ausente ou subqualificada quan-do o paciente não verbaliza certos acontecimentos,espontaneamente ou na anamnese dirigida(9).

A capacidade de ser um bom informante sofre influ-ências do momento clínico e de certas característicasda pessoa, como idade e nível social.(10) O impacto domau informante pode ser grande, tanto sob o ponto devista assistencial como no uso do prontuário comoDefesa Profissional. Intolerância a medicamentos(10%), omissão de tratamentos cirúrgicos (15%) e quei-xas crônicas (15%) são exemplos de omissões relati-vamente freqüentes(11). Entretanto, o maior porcentualde desinformação no prontuário (60%) parece ficar porconta de subvalorização da informação pelo própriomédico, por razões que não são claras(11). É possívelque aspectos relativos a particularidades da formaçãoprofissional de especialidades exerçam influência so-bre a valorização do detalhamento da história clínica.

A receita médica é raramente testemunha de defe-sa do médico nos conflitos, pois é documento na pos-se do paciente-reclamante. Ela só costuma aparecercomo peça de acusação; por isso, cada medicamentoprescrito precisa ser anotado no prontuário, evitando-se o não incomum “digo + HCT + iECA”. É convenienteescrever o nome do sal, a dosagem do comprimido, adose diária, o período de uso, etc. Muitas vezes só va-lorizamos o que perdemos, e nenhum médico gostariade reconhecer, posteriormente, o valor da oportunida-

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de perdida para bem ano-tar sua conduta.

REFLEXÕES SOBREO PAPEL DOPRONTUÁRIO NADEFESA PROFISSIONAL

Parece-nos que as dezreflexões a seguir sãoúteis para promover asboas práticas da Defesa

Profissional na utilização de um prontuário(12). Parte-sedo pressuposto de que um bom prontuário não neces-sariamente dá razão ao médico, mas que um mau pron-tuário é sempre desvantajoso para o médico.1. Não se deve economizar palavras sobre o que sefez ou o se que pretende fazer. Não deixe de anotar oque foi dito para o paciente; evite ambigüidades; nãodeixe espaços em branco; registre atitudes destoan-tes; não abrevie o que não for de praxe; mantenha có-pias de relatórios e atestados emitidos e guarde cartasde encaminhamento. Desenvolva um estilo que conci-lie praticidade e segurança. O registro de dados nega-tivos no sentido de estarem sendo aguardados ou deterem afastado possibilidades pode ser útil. Informa-ções que faltam trazem o perigo de poderem ser “com-pletadas na mente” de acordo com interesses contrári-os de momento.2. Todas as informações precisam ser legíveis ou com-putadorizadas e gramaticalmente corretas. “Letra demédico” já perdeu, há muito, o charme que um dia teve.As anotações devem ser acompanhadas de data, assi-natura e carimbo com número do CRM (ou equivalenteeletrônico). Facilidade de leitura, de identificação doprofissional e de compreensão das idéias contribui parauma boa impressão sobre o autor, sendo o inverso ain-da mais verdadeiro.3. É conveniente exercer a supervisão de informaçõesregistradas por outros profissionais da saúde que es-tejam sob sua responsabilidade.4. Todas as informações devem ser organizadas. Umasugestão é utilizar o acrônimo SOAP(12): Subjetivas, asreferidas pelo paciente/familiar; Objetivas, as obtidaspela equipe de saúde; Analíticas, raciocínios e justifi-cativas; Planejamento, estratégias de tratamento, acom-panhamento e prevenção. Um prontuário organizadocomo SOAP “é limpo, reduz atritos e fica mais difícil deser pego”. A Bioética da beira do leito(13-16) cabe bemnas páginas de um prontuário organizado por quemvaloriza a humanização. A integração entre S e O fun-damenta as condutas para que A e P selecionem ascom perspectivas de útil e eficaz. A beneficência tembase na experiência individual e na coletiva da literatu-ra científica, como, por exemplo, em recomendações

classes I e IIa de diretrizes propedêuticas e terapêuti-cas. A não-maleficência, como atitude antiimprudên-cia, é organizada em hierarquia superior à beneficên-cia. É o caso da conduta conceitualmente benéfica, masque não se comporta dessa maneira na circunstância,ou daquele caso cujo histórico não recomenda. A ano-tação do por que não foi aplicado é essencial para nãosoar como negligência, como já referido. Habitualmen-te, o raciocínio sobre não-maleficência restringe-se aoaspecto clínico, mas não podem ser esquecidos cer-tos aspectos morais, que são entendidos como preju-diciais pelo paciente. Essa não-maleficência, que evitaprejuízo moral, é um dos pontos fortes de reflexõessobre o princípio da autonomia. É praxe subentenderque a disposição do paciente em cumprir está embuti-da no registro dos exames solicitados ou da condutarecomendada. Dá ensejo, contudo, a dúvidas, quandode análises retrospectivas, quanto a ter havido simplesanuência (heteronomia) ou consentimento de fato (au-tonomia). Anotações sobre o grau de participação dopaciente na decisão podem vir a se tornar úteis, princi-palmente naqueles casos em que houve divergênciasde opinião. Ajustes de conduta podem ter acontecidoapós o exercício das três modalidades de autonomia: ado paciente, a do médico e a da instituição. A chamada“escolha de Sofia” exemplifica o valor de uma organi-zação de registro de raciocínios e justificativas (A deSOAP). É importante, em termos de Defesa Profissio-nal, que fique assegurado que quando há, por exem-plo, dois pacientes para única vaga de internação adecisão foi ajustada por boa-fé, o que não invalida, to-davia, nenhum ponto de vista entendendo ter havidoinjustiça. E que a escolha resultou de uma conjugaçãoda autonomia do médico que representou o persona-gem Sofia e da instituição por meio de seus critériosde serviço. Em outro pólo fica o predomínio do enten-dimento do paciente, que discorda explicitamente doconselho do médico ou das normas institucionais e tomainiciativas contrárias. Por isso, é fundamental que oprontuário sirva de registro além das ações da equipede saúde relativas ao conhecimento científico e à ca-pacitação técnica. A Defesa Profissional exige que oprontuário contenha também memória das atitudes.Essa prática torna-se essencial, porque costuma seruma atitude do médico que desagradou que dá início àmaioria das divergências na relação médico-paciente.Exemplos não faltam na Seção de Denúncias de umCRM, incluindo omissão de socorro, atestados, hono-rários, dificuldade de vagas, assédio(7). O descumpri-mento de orientação médica é uma verdade do cotidi-ano e a frustração pelo evento que poderia ter sidoevitado pode provocar acusações ao médico do tipo“eu não sabia e nada foi dito”. Exemplo é o registro queo paciente recebeu orientação para controle laborato-rial periódico de anticoagulação oral, que não foi cum-

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prida; a anotação facilitoua absolvição da acusaçãode negligência, alegadapelo “desinformado”, apóster sofrido evento hemor-rágico. Nesses casos deacusações de erro profis-sional por parte do “deso-bediente”, desencadeadaspela perda da aposta comas realidades da vida, oprontuário que registra

uma “crônica das idas e vindas” funciona como um ver-dadeiro bumerangue da idoneidade tanto profissionalcomo moral do médico, que volta ao eventual contes-tador(17). Uma ocasião em que a anotação de atitudesse torna fundamental em termos de Defesa Profissio-nal é quando não seguimos exatamente uma diretriz.É preciso deixar explícito que não foi por desconheci-mento da mesma; pelo contrário, sua atitude foi umaprecaução, que privilegiou a não-maleficência. Diría-mos, uma dupla não-maleficência: a ação acautelató-ria, que visou a não prejudicar o paciente (“primum nonnocere”), e a redação, que objetivou não prejudicar opróprio médico. O Projeto Diretrizes da AMB/CFM(18)

registra, com muita propriedade, que a relação entrequalidade de estudo e grau de recomendação é insufi-ciente se utilizada de maneira isolada, cabendo ao mé-dico julgar a forma, o momento e a pertinência da utili-zação, conforme a diretriz. Um aspecto do dia-a-dia sãoas orientações, os ajustes, os acréscimos e as redu-ções do que foi anotado no prontuário, realizados portelefone. Não é hábito da maioria buscar a ficha e es-crever o que acabou de recomendar, fora as ligaçõesna residência ou pelo celular. Essa virtualidade da in-formação que agora substitui realmente a registradamerece reflexões sobre a rotina de atenção ao prontu-ário em termos de Defesa Profissional.5. Não devem ser feitos comentários degradantes so-bre a pessoa do paciente. Lembre-se, além de tudo, deque o prontuário pertence ao paciente; é como o médi-co atirar pedra na vidraça do vizinho tendo telhado devidro. Aquelas anotações de mãe chata, paciente ma-nipulador ou que só vem para falar mal do marido de-vem sofrer pronta autocensura.6. Não anote no prontuário do paciente uma observa-ção desrespeitosa a um colega também envolvido noatendimento. Evite, de modo geral, o supérfluo e o des-cabido, que denotam falta de profissionalismo e nãosão de interesse para o paciente. Embora o prontuárionão seja local para “lavar roupa suja”, um plantonistaescreveu, na evolução, que o médico-assistente deve-ria publicar aquela conduta que entendia inusitada(7).Há certas situações em que caberiam anotações ex-pressando que o médico pretendeu mas não aconte-

ceu por fatores dependentes de um colega ou do hos-pital. Algo como “eximir da responsabilidade”, escritode modo o mais respeitoso possível: “insistido para virfazer a interconsulta”, “informado de que não há dispo-nibilidade do material no momento”, “suspensa a cirur-gia pela administração do Centro Cirúrgico”.7. Proteja o prontuário contra quebra da confidenciali-dade de seu conteúdo. Devemos quebrar o sigilo dadoença não do doente, o que, aliás, é do juramento naformatura.8. Não se disponha a usar papeizinhos afixados comclipes ou autocolantes, pois são estranhos aos impres-sos e estão sempre em iminente perigo de perda.9. Não adultere o conteúdo do prontuário. É infraçãoeticamente inafiançável. O eticamente correto é anotarà medida que as informações se tornam disponíveis.Não faça acréscimos com data prévia. Não use o cor-retor “branquinho” para não suscitar que se pretendeuesconder alguma informação indesejada e comprome-tedora. Não faça anotações do tipo rodapé ou no meioda frase, pois podem dar margem a dúvidas de quan-do de fato elas aconteceram. É conveniente deixar àmostra o que eventualmente for imediatamente corrigi-do, para dar uma idéia, no futuro, da natureza da modi-ficação. Quando errar, não fique riscando várias vezesem cima, basta um risco e seguir anotando, afinal nãoestamos encaminhando um artigo para publicação.Anotações enganosas no prontuário retiram do médi-co a condição de homem livre. As concessões o tor-nam refém das mesmas. O preço do resgate moral podeser alto ou impossível de ser pago. O que fazer quandohá extravio do prontuário ou acidente com a anotaçãoeletrônica, incluindo “backup”? O caminho é, também,o da sinceridade e da reconstrução do que for possí-vel. Nova anamnese, lembranças do exame físico e daevolução, resgate de exames originais guardados como paciente ou de cópias de instituições efetoras podemcompor uma segunda via. A participação do paciente éessencial, em primeiro lugar para ser comunicado doacontecido e depois para colaborar na reposição deinformações. Esse novo conjunto de informações deveser explicitamente nomeado como anotação de repo-sição e com a data atual. Caso tenha havido algumdano reconhecido no local do armazenamento ou nocomputador, é útil registrá-lo por fotos ou documentos,para contornar futuras alegações de intencionalidade.10. Na eventualidade de ser necessário fazer uma cor-reção tempos depois e de se querer evitar que alguémleia a anotação original como a verdade antes de che-gar no adendo corretor, basta riscar uma linha sobre oque se deseja modificar e escrever “vide adendo”, oqual deve ser informado após a última anotação pre-sente naquele momento e acompanhado da data dacorreção e assinatura. Fraudes podem ser como óleona água para experientes e muitas delas podem ser

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Edições Mandacaru, 2000.6. Ridsdale L, Hudd S. What do patients want and not

want to see about themselves on the computer scre-

descobertas por métodoscientíficos Um caso verídi-co é a identificação do usode uma tinta que só foi lan-çada no mercado doisanos depois da data do re-gistro(12).

FECHANDO OPRONTUÁRIO

É na faculdade que oshábitos da boa documentação começam a ser educa-dos, em meio ao desenvolvimento das práticas segun-do os preceitos da ética médica; contudo, há muitos

exemplos de que esses ensinamentos acadêmicos seperdem no cotidiano das atribulações do exercício pro-fissional. Assim, em prol da Defesa Profissional, é útilque o tema “Prontuário como Papel da Defesa Profis-sional” seja incluído em programas de educação conti-nuada de todas as especialidades médicas.

ARQUIVANDO O PRONTUÁRIO

Há aspectos da consulta médica que não preci-sam ser documentados; para todos os demais existeo prontuário. Ele é a apólice de seguro de vida pro-fissional.

A Defesa Profissional recomenda: prontuário, nãosaia da consulta sem o preencher.

MEDICAL RECORD: THE PAPER INTHE PROFESSIONAL DEFENSE

MAX GRINBERG

Medical record is a way of written communication. Without medical record thereis no Medicine, the Ethics becomes impaired, and the Professional Defense growsweak. The care with the medical record helps to attend both health problems and thedoctor’s professional health. The medical record is supposed to be a document thatclearly and accurately reports the relation between the doctor and his patient. Ac-cording to the point of view of Professional Defense, the doctor’s expertise is notenough, it is mandatory to write it down. The Professional Defense reccomends: anappointment should be concluded only after the filling up of the medical record.

Key words: medical record, Professional Defense, Medical communication.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;4:319-27)RSCESP (72594)-1547

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BOYACIYAN KInstalação do

processo ético:o processo de

julgamento

A atividade do médico está sujeita a ampla fiscali-zação e julgamento tanto pelos poderes judiciais, nasesferas criminal e civil, como pelos Conselhos de Me-dicina, na esfera ético-profissional.

O Código de Ética Médica em vigor representa aconsolidação dos princípios éticos assumidos por umasociedade. Amplia e atualiza os ensinamentos hipocrá-ticos e os princípios bioéticos, regulamentando suaaplicabilidade aos assuntos práticos da profissão.

Com 14 capítulos e 145 artigos, o Código de ÉticaMédica foi instituído pela Resolução do Conselho Fe-deral de Medicina No 1.246/88, de 8 de janeiro de1988(1). Possui caráter normativo, pois tem a força daLei Federal No 3.268/57, de 30 de setembro de 1957(2),regulamentada pelo Decreto Federal No 44.045/58, de19 de julho de 1958(3).

As falhas médicas no exercício profissional deter-minam, geralmente, dano e sofrimento aos pacientes.Resultados indesejáveis em conseqüência da ação ouda omissão dos médicos, estando em pleno gozo desuas faculdades mentais, são geralmente imputados aimperícia, imprudência ou negligência dos mesmos,conforme se encontra tipificado no artigo 29 do atualCódigo de Ética Médica: É vedado ao médico – Prati-

INSTALAÇÃO DO PROCESSO ÉTICO:O PROCESSO DE JULGAMENTO

KRIKOR BOYACIYAN

Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo

Endereço para correspondência: Rua Nebraska, 199 – ap. 81 – CEP 04560-010 –São Paulo – SP

O autor descreve, pormenorizadamente, o processo ético-profissional que regu-lamenta as infrações contidas no Código de Ética Médica em vigor. Faz considera-ções desde o recebimento da denúncia e a instauração do processo disciplinar até ojulgamento dos profissionais médicos pelo Conselho Regional de Medicina do Esta-do de São Paulo.

Palavras-chave: ética, Código de Ética Médica, Código de Processo Ético-Profissi-onal, responsabilidade.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;4:328-31)RSCESP (72594)-1548

car atos profissionais danosos ao paciente, que pos-sam ser caracterizados como imperícia, imprudênciaou negligência.

A imperícia fundamenta-se na incapacidade, no des-conhecimento ou na falta de habilitação para o exercí-cio profissional. De acordo com a legislação em vigor,o médico pode exercer a Medicina em qualquer de seusramos ou especialidades, exigindo-se somente o re-gistro do diploma do curso médico e a inscrição noConselho Regional de Medicina.

A imprudência caracteriza-se pela ausência ou omis-são de cautelas e pela transgressão de normas técni-cas. O ato médico tem uma seqüência de passos, des-crita na literatura técnica pertinente; o profissional, comoregra geral, não deve ter conduta pessoal própria so-bre aquilo que não foi adequadamente testado.

A negligência baseia-se na falta de observância dosdeveres que as circunstâncias exigem; caracteriza-sepor indolência, desatenção, desleixo ou ausência.

Como assinalamos anteriormente, na esfera da res-ponsabilidade ético-profissional, compete aos Conse-lhos Regionais de Medicina receber, apurar e julgartodas as denúncias contra os profissionais médicos,na abrangência de cada Estado da Federação onde o

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Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 4 — Julho/Agosto de 2005 329

BOYACIYAN KInstalação do

processo ético:o processo de

julgamento

médico estiver escrito, aotempo do fato punível oude sua ocorrência. Essatarefa é toda regulamenta-da pela Resolução doConselho Federal de Me-dicina No 1.617/01, de 16de maio de 2001, conhe-cida como Código de Pro-cesso Ético-Profissional(4).

Assim, o processo éti-co-profissional, no Conse-

lho Regional de Medicina, rege-se por esse Código (Re-solução do Conselho Federal de Medicina No 1.617/01) e tramita em sigilo processual.

Dessa forma, quando o médico é denunciado, estásujeito à apuração da denúncia, que, basicamente, éconstituída por duas fases: a sindicância e a instaura-ção de processo ético-profissional.

A abertura de expediente (sindicância) é a fase pre-liminar para averiguação dos fatos denunciados. Pode-rá o expediente ser aberto a partir de reclamação en-caminhada ao Conselho Regional de Medicina, porescrito ou tomada a termo, na qual conste o relato dosfatos e a identificação completa do denunciante; pelaComissão de Ética Médica, Delegacia Regional ouRepresentação que tiver ciência do fato com supostosindícios de infração ética, devendo esta informar, deimediato, tal acontecimento ao Conselho Regional; ou,então, por iniciativa do próprio Conselho Regional (“ex-officio”).

Instaurada a sindicância, é nomeado um Conselhei-ro sindicante, que apresenta relatório contendo a des-crição dos fatos, as circunstâncias em que ocorreram,a identificação das partes (denunciante ou denuncian-tes e médico ou médicos denunciados) e a conclusãosobre a existência ou a inexistência de indícios de in-fração ética.

Da referida conclusão do relatório da sindicância,que é apreciada por uma Câmara de Julgamento deExpedientes do Conselho Regional de Medicina, po-derão resultar o arquivamento da denúncia com suafundamentação, a homologação de procedimento deconciliação ou a instauração do processo ético-profis-sional.

A conciliação orienta-se pelos critérios de simplici-dade, informalidade e economia processual e exige ex-pressa concordância das partes (denunciante ou de-nunciantes e médico ou médicos denunciados).

Realizada a audiência e aceita, pelas partes, a con-ciliação, o Conselheiro sindicante elabora relatório cir-cunstanciado sobre o fato, para aprovação pela Câma-ra de Julgamento de Expedientes, com a respectivahomologação pelo Plenário do Conselho Regional deMedicina.

Realizada a audiência e não aceita, pelas partes, aconciliação, a sindicância prosseguirá regularmente emseus termos.

Tendo a Câmara de Julgamento de Expedientes de-liberado pela instauração de processo ético-profissio-nal, no Parecer Inicial deverão constar os fatos e a ca-pitulação do(s) delito(s) ético(s), fundamentada peloCódigo de Ética Médica em vigor. É nomeado um Con-selheiro instrutor que irá coordenar a instrução do pro-cesso, quando as partes terão iguais oportunidades deapresentar provas de acusação e defesa.

Aberto o processo ético-profissional, o mesmo nãopoderá ser arquivado por desistência das partes, ex-ceto pela ocorrência de óbito do médico denunciado,quando então será extinto o feito.

O denunciante é qualificado e interrogado sobre ascircunstâncias da infração e as provas que possa indi-car, tomando-se por termo suas declarações.

O médico denunciado é qualificado e, depois de ci-entificado da denúncia, interrogado sobre os fatos re-lacionados com a mesma e o que tem a alegar sobreos fatos. Se houver mais de um denunciado, cada umé interrogado individualmente.

Os advogados das partes ou o defensor dativo nãopoderão intervir ou influir de qualquer modo nas per-guntas e nas respostas, durante as audiências, sendo-lhes facultado apresentar perguntas por intermédio doConselheiro instrutor.

Cada parte poderá arrolar até cinco testemunhas,que serão ouvidas individualmente. As perguntas daspartes serão requeridas ao Conselheiro instrutor, que,por sua vez, as formula às testemunhas, recusando asque não tiverem estrita relação com os fatos ou impor-tarem em repetição de outra(s) já respondida(s).

O Conselheiro instrutor, quando julgar necessário,poderá ouvir outras testemunhas, além das arroladaspelas partes (testemunhas da instrução), sempre fun-damentando sua decisão.

Todos os depoimentos são registrados e assinadospelos depoentes, pelas partes e pelo Conselheiro ins-trutor.

Se o intimado, na condição de denunciante, denun-ciado ou testemunha, for médico e não comparecer aodepoimento sem motivo justificado ficará sujeito àssanções previstas no Código de Ética Médica; se nãofor médico, estará sujeito às sanções previstas em Lei.

Concluída a instrução do processo, após a apre-sentação das alegações finais pelas partes e a análisedo parecer processual da Assessoria Jurídica do Con-selho Regional de Medicina, o Conselheiro instrutorapresenta relatório circunstanciado.

Em seguida, são designados um Conselheiro rela-tor e um Conselheiro revisor, os quais ficam responsá-veis pela elaboração de seus respectivos relatórios,após análise pormenorizada dos autos.

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BOYACIYAN KInstalação do

processo ético:o processo de

julgamento

Recebidos os relatóri-os dos Conselheiros rela-tor e revisor, é marcado ojulgamento, e as partessão intimadas com antece-dência mínima de dezdias.

Na sessão de julga-mento, o Conselheiro rela-tor e o Conselheiro revisorfazem a leitura de seus re-latórios e, em seguida, o

Presidente da sessão dá a palavra, sucessiva-mente, ao(s) denunciante(s) e ao(s) médico(s)denunciado(s), para sustentações orais, pelo tem-po de dez minutos.

Efetuadas as manifestações orais, os Conse-lheiros solicitam esclarecimentos sobre o proces-so aos Conselheiros relator e revisor e, por inter-médio do Presidente da sessão de julgamento,às partes.

Finalizados os esclarecimentos, há a discus-são dos fatos e do mérito, pelos Conselheiros, e,na seqüência, são concedidos cinco minutos, su-cessivamente, ao(s) denunciante(s) e ao(s)médico(s) denunciado(s), para novas manifesta-ções orais, se desejarem.

Após a manifestação final das partes, os vo-tos são proferidos, quanto às preliminares, cul-pabilidade, capitulação e apenação, quando hou-ver, oralmente e seqüencialmente, pelos Conse-lheiros relator e revisor, pela manifestação devoto, divergente ou não, quando houver, e, aofinal, pelos demais Conselheiros. Proferidos to-dos os votos, o Presidente da sessão anuncia oresultado do julgamento, designando para redi-gir o acórdão o Conselheiro relator ou o Conse-lheiro revisor; se estes forem vencidos, a reda-ção caberá ao Conselheiro que propôs o votodivergente vencedor.

O julgamento é realizado em ambiente dota-do de toda privacidade para que o sigilo proces-sual seja preservado, sendo permitida apenas apresença das partes e seus procuradores (advo-gados).

As penas disciplinares aplicáveis pelos Con-selhos Regionais de Medicina a seus membrossão as previstas no artigo 22 da Lei Federal No

3.268/57, de 30 de setembro de 1957(2), e são asseguintes:– Pena A – advertência confidencial em aviso reserva-

do;– Pena B – censura confidencial em aviso reservado;– Pena C – censura pública em publicação oficial;– Pena D – suspensão do exercício profissional até trinta

dias;– Pena E – cassação do exercício profissional “ad refe-

rendum” do Conselho Federal de Medicina.Da imposição de qualquer penalidade cabe recurso

de apelação, que pode ser interposto por qualquer daspartes, no prazo de trinta dias contados a partir do re-cebimento do acórdão, para o pleno do Conselho Re-gional de Medicina (se foi realizado em Câmara de Jul-gamento) ou, então, para o Conselho Federal de Medi-cina. O recurso “ex-officio” é obrigatório nas decisõesde que resultar cassação do exercício profissional (penaE).

A Figura 1 resume os procedimentos do Código deProcesso Ético-Profissional.

Julgado o recurso em todas as suas instâncias epublicado o acórdão na forma estatuída pelo ConselhoFederal de Medicina, os autos são devolvidos à instân-cia de origem do processo ético-profissional, para a

Figura 1. Fluxograma de procedimentos do Código de Pro-cesso Ético-Profissional.

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BOYACIYAN KInstalação do

processo ético:o processo de

julgamento

INITIATION OF ETHICS PROCEEDINGS:THE TRIAL PROCESS

KRIKOR BOYACIYAN

The author describes, in details, the proceedings involved in professional ethicstrials due to infractions of the actual Code of Medical Ethics. Aspects analyzed inclu-de the registration of the complaints, installment of the disciplinary process and thetrial of the denounced physicians by the Regional Council of Medicine of the State ofSão Paulo.

Key words: Ethics, Medical Ethics Code, Professional Ethics Code Process, res-ponsibility.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;4:328-31)RSCESP (72594)-1548

execução do decidido.No período de janei-

ro de 1994 a dezembrode 2004, o ConselhoRegional de Medicinarecebeu 24.678 recla-mações contra médicos:

REFERÊNCIAS

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2. Conselhos de Medicina: Lei Federal No 3.268/57 (pu-blicado no Diário Oficial da União; 1957; Out 4).

3. Regulamento dos Conselhos de Medicina: Decreto

Federal No 44.045/58 (publicado no Diário Oficial daUnião; 1958; Jul 25).

4. Código de Processo Ético-Profissional. Brasil: Con-selho Federal de Medicina; 2001. (Resolução CFMNo 1.617/01, publicado no Diário Oficial da União;2001; Mai 16).

5. Conselho Regional de Medicina do Estado de São Pau-lo. Seção de Registro Profissional. São Paulo; 2005.

20.470 (82,9%) foram arquivadas; 70 (0,3%), con-ciliadas; e 4.138 (16,8%), transformadas em pro-cesso disciplinar.

Há, ainda, inúmeros processos em instrução, masgrande parte dos médicos denunciados já foi julga-da: aproximadamente 50% desses profissionais fo-ram inocentados(5).

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PROENÇA JMMResponsabilidadelegal do médico –

civil, penale administrativa

RESPONSABILIDADE LEGAL DO MÉDICO –CIVIL, PENAL E ADMINISTRATIVA

JOSÉ MARCELO MARTINS PROENÇA

Faculdade de Direito – Universidade de São PauloFaculdade de Direito Damásio de Jesus – Complexo Jurídico Damásio de JesusEscola Superior de Advocacia – Seccional Paulista –Ordem dos Advogados do BrasilEscritório Approbato Machado Advogados

Endereço para correspondência: Av. Paulista, 2073 – Ed. Horsa I – 15º andar –sala 1512 – Cerqueira César – CEP 01311-300 – São Paulo – SP

O artigo informa sobre as responsabilidades dos profissionais de saúde em ra-zão de sua conduta profissional, sinalizando a interpretação dos tribunais judiciaisbrasileiros sobre o assunto. Nesse contexto, a matéria é dividida em três tópicosdistintos: implicações do Direito Civil, implicações do Direito Penal e implicaçõesadministrativas. No âmbito do Direito Civil, a atividade médica pode gerar a proposi-tura de ações indenizatórias, em razão de uma conduta culposa que tenha geradodanos ao paciente, dependendo a condenação da comprovação de existência donexo de causalidade. Ao lado da responsabilidade civil dos profissionais de saúde, aatuação médica pode ensejar a instauração de inquéritos policiais e processos pe-nais para apuração de eventual crime. O objetivo, nesse campo, é o de impor aoprofissional uma penalidade pelo desvalor da ação ou da omissão. A penalidadepode ser de restrição da liberdade de ir e vir (prisão), monetária (multa) ou de outranatureza, chamada de pena alternativa (como a de prestar gratuitamente serviços àcoletividade). O terceiro tópico tratado deriva dos Códigos de Ética Profissional, queregulam as profissões liberais. Ao lado das responsabilidades civil e penal, o profis-sional da área da saúde pode, em razão de sua conduta (omissiva ou comissiva),sujeitar-se a processo ético. Nesse caso, as penalidades possíveis são: advertênciaconfidencial, em aviso reservado; censura confidencial, em aviso reservado; censu-ra pública, em publicação oficial; suspensão do exercício profissional até 30 dias; oucassação do exercício profissional. Todas as disciplinas legislativas citadas poderãoincidir em razão de um único ato médico, sujeitando-se o profissional a três proces-sos distintos: ação de indenização na esfera civil, visando ao ressarcimento dosdanos ocasionados; processo criminal, para a averiguação da prática de determina-do crime; e processo ético administrativo, para a apuração de eventual transgressãode norma ética profissional.

Palavras-chave: erro médico, responsabilidades civil e penal médica, processomédico, negligência, imperícia, imprudência.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;4:332-40)RSCESP (72594)-1549

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PROENÇA JMMResponsabilidadelegal do médico –

civil, penale administrativa

Este artigo visa a infor-mar as responsabilidadesdos profissionais de saú-de em razão de sua con-duta profissional, tudo se-gundo a legislação nacio-nal e a interpretação des-sas normas manifestadapelos nossos tribunais.Dito de outra forma e sen-do mais específico e fiel aseu exato conteúdo, pre-

tendemos demonstrar a forma pela qual o Poder Judi-ciário vem trabalhando com as inúmeras ações judici-ais promovidas contra os profissionais de saúde emrazão do exercício da profissão.

A matéria pode ser dividida em três tópicos distin-tos, uma vez que temos que nos ater às três responsa-bilidades médicas. Como será explicitado no decorrerde nosso trabalho, o profissional de saúde, em razãodo exercício de sua profissão, sujeita-se aos dispositi-vos do Código Civil, no que se refere à responsabilida-de civil; sujeita-se às normas do Direito Penal, poden-do ser processado criminalmente; e sujeita-se, ainda,a seu Código de Ética Profissional, podendo sofrer pro-cesso administrativo perante o Conselho Profissionala que estiver submetido.

No âmbito do Direito Civil, a atividade ou a inativi-dade humana, profissional ou não, pode gerar a pro-positura de ações indenizatórias, em razão de umaconduta culposa, ou seja, negligente, imperita ou im-prudente, que tenha gerado danos a alguém.(1)

A doutrina jurídica há alguns anos vem demonstran-do, contrariando o que vinha ocorrendo, que o homemmoderno se mostra dia a dia menos tolerante com da-nos de qualquer espécie, motivo do crescimento con-siderável das ações indenizatórias tramitando peranteo Poder Judiciário, inclusive daquelas envolvendo pro-fissionais de saúde.

Os usuários dos serviços de saúde, mesmo aque-les que provêm de camadas sociais menos afortuna-das, em decorrência, parece-nos, do aumento da dis-seminação da informação, têm uma idéia clara de seusdireitos como pacientes. De fato, o exercício da advo-cacia na área médica permite-nos afirmar que os usu-ários dos serviços de saúde, hoje, detêm clara percep-ção do erro inescusável, da imperícia inadmissível, danegligência criminosa, sendo incentivados, portanto, àbusca da reparação dos respectivos danos decorren-tes da conduta de determinado profissional.

Especificamente para os profissionais de saúde, oCódigo Civil Brasileiro regula essa responsabilidadecivil, ou seja, a obrigação de reparar os danos causa-dos, em seu artigo 951(2), nos seguintes termos: “O dis-posto nos artigos 948, 949 e 950 aplica-se ainda no

caso de indenização devida por aquele que, no exercí-cio de atividade profissional, por negligência, impru-dência ou imperícia, causar a morte do paciente, agra-var-lhe o mal, causar-lhe lesão, ou inabilitá-lo para otrabalho”.(3)

Quanto a essa responsabilidade civil, ou seja, essaobrigação de reparar os danos, existem duas teoriassobre sua natureza: a da responsabilidade objetiva, emque o causador do dano, sem qualquer avaliação daculpa, é obrigado a indenizar o dano causado(4), e a daresponsabilidade subjetiva, em que, para haver a con-denação em indenizar pelos danos causados, é mistera existência de culpa, ou seja, de imprudência, imperí-cia ou negligência na conduta de alguém.

No campo da responsabilidade dos profissionais desaúde, em regra, o elemento de referência é a análiseda culpa, nos exatos termos do artigo 951 transcrito.Trata-se, portanto, da responsabilidade subjetiva.

Esse é o entendimento manifestado, reiteradamen-te, pelos nossos tribunais. Nesse sentido, o Tribunal deJustiça do Estado de Santa Catarina entendeu que,em se tratando de indenização decorrente de erro mé-dico, a responsabilidade civil é subjetiva, de modo quecabe à vítima do dano provar a imprudência, a negli-gência e a imperícia do profissional para ser plenamenteressarcida.(5) O Tribunal de Justiça do Estado do Rio deJaneiro, do mesmo modo, entendeu que a responsabi-lidade civil dos médicos somente decorre de culpa. Nãoresultando provadas imprudência, imperícia ou negli-gência, nem o erro grosseiro, fica afastada a respon-sabilidade dos doutores em medicina em virtude, mes-mo, da presunção de capacidade constituída pelo di-ploma obtido após as provas regulamentares.(6) Essemesmo Tribunal, em outro julgamento, manifestou oentendimento da inexistência de culpa profissional naconduta de profissional de saúde que, no atendimentode paciente, se utiliza de meios adequados e indica-dos pela experiência, pelo simples fato de não ter comseu atendimento alcançado o resultado exitoso.

A responsabilidade do profissional da saúde é, en-tão, em regra, “de meio”, e não “de resultado”. Cumprea ele utilizar-se de toda perícia, diligência e prudênciano atendimento de seus pacientes, não se obrigando,contudo, à respectiva cura ou a determinado resultadoespecífico.

Repita-se: a análise da aplicação da legislação na-cional permite-nos afirmar que o profissional de saúdese obriga pelos meios que oferece à cura e não aoresultado que, muitas vezes, independe daquela. O Tri-bunal de Justiça do Paraná entendeu que, tratando-sede atividade-meio, na qual o médico não se compro-mete a curar, mas a aplicar toda a diligência na cura,não se pode falar de culpa quando não chega o profis-sional ao resultado desejado. Desde que o diagnósticofoi correto e a terapêutica adequada, não há que cogi-

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PROENÇA JMMResponsabilidadelegal do médico –

civil, penale administrativa

tar de relação de causa eefeito entre a atividade domédico e o dano.(7) Domesmo modo, entendeu oTribunal de Justiça do RioGrande do Sul que, em setratando de obrigação demeio, se exija dos médicosque envidem todos os es-forços e todo seu empe-nho para a busca de umresultado satisfatório ao

paciente.(8) O Tribunal de Justiça de São Paulo, na mes-ma esteira, em determinado caso entendeu que, sen-do a prescrição da medicação pertinente e cercada dascautelas recomendáveis, e não havendo prova de queo profissional da medicina foi negligente, imperito ouimprudente, improcede a ação de indenização.(9)

Verifica-se, portanto, que, para se impor ao profis-sional de saúde a obrigação de indenizar pelos danoscausados em razão de sua conduta, não importa a ve-rificação da efetividade ou não do resultado esperado,mas, sim, da existência ou não de conduta culposa doprofissional. Em outras palavras, a conclusão é a se-guinte: a doutrina jurídica qualifica a obrigação do pro-fissional de saúde como obrigação de meio, ou seja,ele não se compromete a curar, mas a proceder deacordo com as regras e os métodos da profissão. Es-pecificamente em caso de cardiopatia, o E. Tribunal deJustiça do Estado do Paraná entendeu que não ocor-reu erro médico em caso de paciente internado comdiagnóstico de labirintite e que 24 horas depois faleceupor infarto agudo do miocárdio. Consta do acórdão:“Causa do óbito não relacionada com a do internamento– sintomatologia que apontava para o diagnóstico apre-sentado – ausência de quaisquer das modalidades deculpa do profissional – ônus da prova a cargo dos au-tores, porque a obrigação do médico era de meio, enão de resultado – ... O extrato de monografias no es-tudo da chamada ‘morte súbita’ circunscrito ao campoda cardiologia indica, na incidência de isquemia mio-cárdica silenciosa, como fator imprevisível e irreversí-vel de razoável freqüência, a ocorrência de nenhumsintoma aparente” (acórdão n. 14.559, relator - Desem-bargador Ulysses Lopes).

Contrariamente a essa, na obrigação de resultado,o profissional obriga-se a atingir determinado fim; o queinteressa é o resultado de sua atividade, sem o qualnão terá cumprido a obrigação e, portanto, deverá in-denizar os prejuízos causados, o que, repise-se, nãoocorre, em regra, para os profissionais da área médi-ca.

Verificada que a culpa, a atuação culposa, é condi-ção indispensável para a condenação do profissionalde saúde em indenizar os danos causados, é mister

nos aprofundarmos nessa questão.Para a caracterização da culpa não se torna neces-

sária a intenção, basta a simples voluntariedade de con-duta, que deverá ser contrastante com as normas im-postas pela diligência, pela prudência ou pela períciacomuns. A culpa, assim, nos exatos termos da legisla-ção, é caracterizada pela negligência, pela imprudên-cia ou pela imperícia.

A negligência caracteriza-se por inação, inércia, pas-sividade, configurando-se pela falta de observância aosdeveres que as circunstâncias exigem. Trata-se de umato omissivo, como o abandono do doente, a omissãode tratamento, o esquecimento, em cirurgia, de corpoestranho no abdome do paciente.

Nesse sentido, o Tribunal de Justiça do Paraná en-tendeu que “é induvidosamente negligente o médicoque, após realizar uma episiotomia em parturiente, nãodá maior atenção a suas queixas posteriores, deixan-do de proceder a um exame mais detalhado, muito em-bora o quadro anormal, permitindo a formação de umabscesso de graves proporções do reto, que exigiu ci-rurgia de emergência no dia imediatamente após a úl-tima consulta com o profissional, sem que qualquerprovidência mais atuante fosse tomada”.(10) Por sua vez,o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro entendeu que oato de esquecer agulha de sutura no organismo dopaciente configura grave violação dos deveres impos-tos ao cirurgião e equipe, assim como ao hospital con-veniado, incidindo reparação civil e reconhecendo anegligência médica.(11) O mesmo tribunal, em determi-nado caso, entendeu que o médico, ao deixar o bisturielétrico junto da mão da paciente, provocando-lhe quei-maduras, agiu com negligência, de modo a configurarsua conduta culposa e, conseqüentemente, o dever deindenizar.(12) O Superior Tribunal de Justiça, por sua vez,reconheceu a obrigação de indenizar decorrente daconduta negligente do médico quanto aos cuidadosposteriores à intervenção cirúrgica.(13) Para um casocardiológico, entendeu o Tribunal de Justiça de SãoPaulo que houve falha do hospital por não atentar àevolução rápida de dores e do estado geral de pacien-te, que, mesmo sem poder se comunicar, foi mantidoem sala de repouso, vindo a falecer “em razão de gra-ve problema que o vulgo costuma denominar de sínco-pe ou ataque cardíaco”(14).

Na imprudência há culpa comissiva. Age com im-prudência o profissional que tem atitudes não justifica-das, açodadas, precipitadas, sem usar de cautela. Im-prudência é o contrário de prudência e prudência é si-nônimo de previdência. A doutrina exemplifica casosde imprudência como o do cirurgião que não esperapelo anestesista, realizando, ele mesmo, a anestesia;como o médico que resolve realizar em trinta minutoscirurgia que, normalmente, é realizada em uma hora.

Nesse sentido, entendeu o Tribunal de Justiça de

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PROENÇA JMMResponsabilidadelegal do médico –

civil, penale administrativa

São Paulo que é impru-dente o profissional da or-todontia que se utiliza detécnicas cirúrgicas nãoaprovadas pela comunida-de científica em virtude docomprometimento deenervações e da estrutu-ra óssea.(15)

A imperícia, por suavez, consiste na falta deobservação das normas,

deficiência de conhecimentos técnicos da profissão,despreparo técnico. Trata-se da incapacidade para exer-cer determinados ofícios, por falta de habilidade ou au-sência dos conhecimentos necessários, rudimentares,exercidos em uma profissão.

A doutrina exemplifica casos de imperícia como ode um médico que emprega meio de tratamento ante-riormente utilizado, mas já abandonado; o caso de umginecologista que empregou, sistematicamente, um mé-todo que não oferecia mais todas as garantias requeri-das pela boa técnica; o de obstetra que, na operaçãocesariana, corta a bexiga da parturiente.

Nossos tribunais, por sua vez, já manifestaram oentendimento de que comete erro profissional, sob amodalidade de negligência e imperícia, o médico que,ao atender criança vítima de desastre por queda sobreuma cerca, faz sutura em sua face sem constatar apresença de estrepe encravado na carne e ainda dei-xa de ministrar vacina antitetânica, causando a mortedo infante.(16) O Tribunal de Justiça do Rio Grande doSul proferiu entendimento de que age com negligên-cia, imperícia e imprudência o médico que sem saberexatamente o quadro clínico como um todo, a exten-são da moléstia ou, ainda, a integralidade da enfermi-dade realiza cirurgia de catarata congênita na criança,que padecia de processo infeccioso.(17) Por sua vez, oTribunal de Justiça de São Paulo entendeu ser imperi-to e negligente o médico cardiologista que não enca-minhou ou reencaminhou um paciente senil ao profis-sional adequado (neurologista), dados os sintomas queapresentava, tendo sido apurado, posteriormente, queo paciente, em razão do traumatismo craniano decor-rente de uma queda, apresentava quadro neurológicograve, com a presença de hematoma subdural de pro-gressão lentificada.(18)

Para sintetizar todos os elementos configuradoresda culpa, expressivo é o entendimento manifestado peloTribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: “É negligen-te o médico plantonista do setor de urgência que deixade investigar corretamente as circunstâncias do aci-dente, no seu aspecto de gravidade, e que deixa deencaminhar a exame radiológico ao profissional habili-tado. É imperito o facultativo que examina chapas de

raio X e delas não extrai o que a ciência lhe obrigara. Éimperito o médico que não constata lesões externasno mesmo dia diagnosticadas na necropsia e impru-dente é o profissional da medicina que libera meninode onze anos com história de acidente envolvendo umcaminhão e que padece de fortes dores, prescrevendoanalgésicos e pomada inflamatória”.

A título de contraponto e conclusão, deve-se enten-der que não é imperito quem não sabe, mas aqueleque não sabe aquilo que ordinariamente um profissio-nal da saúde deve saber; não é negligente quem des-cura alguma norma técnica, mas aquele que descuranorma que todos os outros observam; não é impruden-te quem usa experimentos terapêuticos perigosos, masaquele que os utiliza sem necessidade.

Para a subsistência da responsabilidade civil, ouseja, da obrigação de indenizar os danos causados,não basta a conduta culposa, é necessária a existên-cia efetiva de um dano. O dano revela-se, portanto, ele-mento constitutivo da responsabilidade civil, que nãopode existir sem ele. Mesmo em se constatando con-duta culposa, em não havendo dano, nada haverá aindenizar.

Os danos advindos da conduta médica podem ser:a) Físicos – Trata-se do prejuízo corporal e se compõe

de elementos variáveis, indenizáveis separadamenteconforme a invalidez parcial ou total, permanenteou temporária. Exemplo: perda de movimentos cor-póreos, amputação de membros, cicatrizes, etc.

b) Materiais – Trata-se de conseqüências dos danosfísicos. Exemplos: lucros cessantes, despesas mé-dico-hospitalares, medicamentos, viagens, contra-tação de enfermeiros, pensão alimentícia daquelesque se privaram em caso de evento morte, etc.

c) Morais – Trata-se da dor sofrida, o profundo mal-estar advindo de danos causados à esfera das rela-ções sociais, a frustração pela abrupta cessaçãode uma atividade profissional ou perda de ente que-rido, etc.De acordo com os danos apurados, especifica-se

ou arbitra-se o montante para o ressarcimento.Os danos podem ser classificados em emergentes,

ou seja, o que se perdeu (como as despesas com no-vos tratamentos ou cirurgias, transporte, etc.), ou lu-cros cessantes, ou seja, aquilo que se deixou de ga-nhar (como a suspensão do recebimento de rendasem razão da incapacidade temporária ao trabalho).(19)

Assim, em caso de uma conduta culposa de profis-sional de saúde que tenha causado a morte de pacien-te pai de família, poderá haver condenação ao reem-bolso de todas as despesas com hospitais, médicos,medicamentos, funeral, etc. (a título de danos emer-gentes), ao pagamento de pensão alimentícia aos fi-lhos e dependentes do falecido (lucros cessantes), bemcomo ao dano moral, a ser arbitrado pelo Juízo, em

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face da dor proporcionadaaos familiares do pacien-te.

Por fim, é mister ressal-var que a leitura atenta dojá transcrito artigo 951 doCódigo Civil leva-nos àpercepção de que, alémda ação ou da omissãoculposa e da efetividadedo dano, para a existênciada obrigação de indenizar,

deve haver ainda a demonstração do nexo de causali-dade entre a ação culposa e o dano, ou seja, o danoocorrido tem que ter por causa a ação ou omissão cul-posa.

Verificada a existência de dano, de prejuízo à saú-de do paciente, mas não evidenciado o liame de cau-salidade desses danos com o comportamento do pro-fissional de saúde, improcedente deverá ser o pleitoindenizatório.

No tocante ao nexo de causalidade, deve-se des-pender maior cuidado na análise da sua (in)existência.A prática tem-nos mostrado que pacientes poliqueixo-sos, após serem submetidos a um tratamento ou cirur-gia, com ou sem sucesso, tendem a responsabilizar oprofissional de saúde pelos outros males, preexisten-tes ou supervenientes. Aduzem que o primeiro trata-mento foi incorreto, que trouxe seqüelas, etc., não obs-tante os males reclamados decorrerem, na verdade,da própria condição orgânica do paciente ou mesmoserem preexistentes à atuação do profissional de saú-de.

Frise-se, ainda, nesse tópico, que a verificação donexo de causalidade, em alguns casos, pode ser ex-tremamente difícil. Dois pacientes acometidos do mes-mo mal e tratados de modo idêntico podem apresentarreações absolutamente distintas à terapia: num caso,a cura; noutro, o agravamento da enfermidade ou mes-mo o óbito.

Assim, em ações judiciais envolvendo profissionaisde saúde, nunca se deve descartar a ponderação acer-ca das condições orgânicas ou preexistentes do paci-ente, nem sempre possíveis de avaliação pelo profissi-onal. Essas condições podem ser as responsáveis peloeventual dano sofrido pelo paciente, ou seja, indepen-dentemente da conduta desenvolvida pelo profissionalde saúde, o dano efetivou-se, inexistindo, portanto, nexode causalidade entre a ação ou a omissão do profissi-onal e o dano ocorrido.

Tal problema é bastante enfrentado pelos tribunais.Em caso de paciente com histórico de luxação congê-nita displásica bilateral dos quadris submetido a cirur-gia, sem maior sucesso, gerando, ao contrário, agra-vamento de suas condições de locomoção, entendeu

o Tribunal de Justiça de São Paulo que, em razão dacomprovação da regularidade da cirurgia, que era aindicada pela patologia diagnosticada, é lícito presu-mir que o insucesso decorreu muito mais de fatoresimponderáveis relacionados à natureza biológica dapaciente. No mesmo sentido, conforme decisão profe-rida pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, “as con-dições clínicas inerentes a cada paciente, como bióti-po, hipertensão arterial, situação emocional e outrosfatores, são capazes de interferir no resultado da cirur-gia, independentemente da boa técnica cirúrgica utili-zada”, motivo pelo qual foi julgada improcedente a pre-tensão do paciente em ser indenizado pelos prejuízosque alegou ter sofrido(20).

Assim é que, mesmo que tenha ocorrido dano aopaciente, poderá inexistir a responsabilidade em inde-nizá-lo, quer pela falta de conduta médica culposa querpela inexistência de nexo de causalidade. Nesse senti-do: “Responsabilidade civil. Deformidade decorrente demoléstia palmar – ‘contratura de Dupruyten’. Cardiopa-tia hipertensiva constatada após a realização de cirur-gia. Prova pericial que atestou a inexistência de erromédico. Nexo causal não configurado. Apresenta-seimprocedente o pleito que busca responsabilizar médi-co cirurgião-plástico por deformidade na mão, decor-rente da moléstia denominada Contratura de Dupruyten,quando não houve comprovação de ser inadequado otratamento ministrado. Nexo causal não configurado aensejar a obrigação do médico a ressarcir os danospostulados na inicial”.(21)

Ao lado dessa responsabilidade civil dos profissio-nais de saúde, que enseja o dever de indenizar pelosdanos causados, a atuação na área da saúde podeainda ensejar a instauração de inquéritos policiais eprocessos penais para apuração de eventual crime. Oobjetivo, nessa seara, não é impor a obrigação de in-denizar a vítima do evento pelos prejuízos experimen-tados, mas sim o de impor ao profissional uma penali-dade pelo desvalor da ação ou da omissão. Em outraspalavras, o objetivo, no âmbito do direito penal, é imporao agente uma sanção que vise a, primordialmente,desestimular a reiteração da conduta dada como ilícitapelo legislador. A penalidade pode ser de restrição daliberdade de ir e vir (prisão), monetária (multa) ou deoutra natureza, chamada de pena alternativa (como ade prestar gratuitamente serviços à coletividade).

Os principais tipos penais relacionados com a atua-ção de profissionais de saúde estão descritos a seguir.

a) Homicídio culposo, estabelecido no artigo 121,parágrafo 3o, do Código Penal (pena de um a três anosde detenção) – O homicídio é considerado culposoquando o agente deu causa ao resultado por impru-dência, negligência ou imperícia, que, dentro do direitopenal, são entendidas de maneira semelhante ao di-reito civil, ou seja: a imprudência está relacionada com

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a prática de atos não jus-tificados, precipitados,sem cautela; a negligên-cia, com desleixo, inaçãoe torpidez; e a imperícia,com o despreparo técnicoprático ou insuficiência deconhecimentos técnicosno exercício de uma pro-fissão. A pena poderá seraumentada em um terçose o crime resultar da

inobservância de regra técnica, de profissão, ou se oagente deixar de prestar imediato socorro à vítima, nãoprocurar diminuir as conseqüências de seu ato ou fugirpara evitar a prisão em flagrante. Nossos Tribunais, aoenfrentarem questões relacionadas aos profissionaisde saúde, entenderam que um profissional médico co-meteu homicídio culposo, agindo com negligência, aodeixar de examinar convenientemente uma criança emestado de saúde precário, que, logo após ter deixado ohospital em que foi atendido, em situação anormal etecnicamente desaconselhável e sem medicação pres-crita, veio a falecer.(22) Em outro caso, entendeu o Tri-bunal de Alçada Criminal de São Paulo que desenga-nadamente pratica homicídio culposo o médico que,sem previamente providenciar testes de sensibilidadeem paciente, encarrega, sem sua supervisão, um es-tagiário de enfermagem de aplicar injeção de soro an-titetânico, vindo a vítima a falecer, instantes depois, emrazão de problema cardiopático.(23)

b) Lesão corporal culposa, prevista no artigo 129,parágrafo 6º do Código Penal (pena de dois meses aum ano de detenção, podendo ser ela aumentada nosmesmos termos do homicídio culposo) – Para a confi-guração desse tipo penal é mister que o profissionalde saúde, no desempenho de sua profissão, venha aagir com imprudência, negligência ou imperícia, cau-sando danos à integridade física do paciente. Comoexemplo, pode-se conjeturar o caso de um cirurgiãoplástico que, ao ignorar regras técnicas médicas, cau-sa deformidade em seu paciente. A jurisprudência bra-sileira mostra o caso de um médico que, ao realizaruma operação de fimose, com emprego de bisturi elé-trico, após a anestesia geral do paciente, procedeu àassepsia da região pubiana com a tintura “mertiolate”,passando à cauterização da veia do frênulo com o bis-turi elétrico. Nesse momento, conforme explicação domédico, ocorreu o acidente como um choque elétrico,tendo sido produzidas queimaduras na glande, no pre-púcio, no corpo do pênis e, inclusive, na pele do escro-to. As queimaduras determinaram a necrose do órgãogenital do paciente, tornando-se necessária a ablaçãodo mesmo. O entendimento manifestado pelos julga-dores foi o de que: “Ao iniciar o trabalho de cauteriza-

ção, utilizando-se do bisturi elétrico – logo após a as-sepsia efetuada com “mertiolate” –, o médico pratica-mente ateou fogo na região pubiana do paciente. Cum-pria-lhe, em verdade, retardar a intervenção cirúrgicadurante o tempo necessário a que o anti-séptico apli-cado perdesse, pela evaporação, a característica desubstância inflamável. Logo, houve delito culposo, in-discutivelmente, pela omissão de cautela necessária aimpedir o resultado antijurídico”. O médico, nesse caso,foi condenado à pena de cinco meses de detenção,com “sursis” pelo prazo de dois anos.(24) Em outro jul-gado, entendeu o Tribunal de Alçada Criminal de SãoPaulo que “comete crime de lesão corporal culposa omédico que por imperícia, ao submeter vítima à cirur-gia para retirada de pino metálico inserido em osso le-sado, pinça nervo ciático conjuntamente com vaso san-grante, acarretando total comprometimento desse ner-vo, atrofia do membro atingido e equinismo do pé.”(25)

c) Omissão de socorro, previsto no artigo 135 doCódigo Penal (pena de um a seis meses de detençãoou multa, sendo a pena aumentada em metade se daomissão resultar lesão corporal de natureza grave, etriplicada se resultar em morte). Trata-se de crime con-sistente na vontade consciente e livre de não prestar opossível socorro à pessoa em grave ou iminente peri-go ou não pedir, nesse caso, o socorro da autoridadepública. Sobre esse tipo penal, expressivo foi o julga-mento, já ocorrido, com a condenação de um médicodo interior que, estando de plantão na Santa Casa lo-cal, deixou de atender pessoa que ali se apresentoucom forte crise de bronquite, em razão de a mesmanão possuir convênio hospitalar. Cuidava-se de situa-ção de grave e iminente perigo enfrentada pelo paci-ente. Entenderam os julgadores que “o dever de pres-tar socorro a quem se acha especialmente afetado emsua incolumidade física ou fisiológica nasce da situa-ção de fato e fundamenta-se no valor ético social dasolidariedade humana”. Ainda nesse sentido, confor-me decisão proferida pelo Tribunal de Alçada Criminalde São Paulo, configura o crime de omissão de socor-ro a conduta de médico que recusa assistência a do-ente grave, a pretexto de falta de pagamento de hono-rários.(26) O mesmo tribunal, em outra decisão, enten-deu que “responde por omissão de socorro o médicoque, embora solicitado, deixa de atender de imediato opaciente que, em tese, corria risco de vida, omitindo-se no seu dever de facultativo.(27) Em outro caso, en-tendeu o Tribunal de São Paulo que não se encontratipificado o crime de omissão de socorro quando omédico se recusa a mandar ambulância buscar partu-riente com rompimento de bolsa do líquido amniótico,face à ausência de perigo imediato e grave, uma vezque o parto não é imediato ao rompimento da bolsa.

Não obstante serem esses três tipos penais os deincidência mais freqüente na área da saúde, outros ti-

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pos podem incidir pelaconduta dos profissionaisdessa área, como o abor-to ilícito, prescrito nos ar-tigos 125 e 126 do CódigoPenal (com pena de atédez anos de reclusão).

Também é reiterada-mente discutido no âmbi-to dos profissionais dasaúde o crime de falsida-de ideológica, previsto no

artigo 299 do Código Penal (pena de reclusão de um acinco anos e multa, se o documento é público, e reclu-são de um a três anos e multa, se o documento é par-ticular), caracterizado pela omissão, em documentopúblico ou particular, de declaração que dele deviaconstar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração oudiversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudi-car direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobrefato juridicamente relevante, bem como o de falsidadede atestado médico, previsto no artigo 302 do CódigoPenal (pena de detenção de um mês a um ano, quepoderá ser cumulada com a pena de multa, se o crimefor cometido com o fim de lucro), que se caracterizaespecialmente pela conduta do médico, no exercícioda profissão, quando emitir atestado falso.

O terceiro tópico a ser tratado deriva dos Códigosde Ética Profissional, típicos instrumentos reguladoresdas profissões liberais. Assim, ao lado das responsa-bilidades civil e penal, já ventiladas, o profissional daárea de saúde poderá ainda, em razão de sua conduta(omissiva ou comissiva), sujeitar-se a processo éticoperante seu órgão de classe.

Nesse sentido, o Código de Ética Médica (Resolu-ção do Conselho Federal de Medicina nº 1246/88) pres-creve um rol de condutas, cuja prática é vedada aosmédicos. Exemplos: artigo 29 – Praticar atos profissio-nais danosos ao paciente, que possam ser caracteri-zados como imperícia, imprudência ou negligência; ar-tigo 42 – Praticar ou indicar atos médicos desnecessá-rios ou proibidos pela legislação do País; artigo 46 –Efetuar qualquer procedimento médico sem esclareci-mento e/ou consentimento prévios do paciente ou deseu responsável legal, salvo em iminente perigo de vida;artigo 57 – Deixar de utilizar todos os meios disponí-veis de diagnóstico e tratamento a seu alcance em fa-vor do paciente.

Instaurado o processo administrativo, que tramita eé julgado pelo próprio órgão de classe, poderá o pro-fissional sofrer as penalidades estampadas na próprialegislação, quais sejam: a) advertência confidencial, emaviso reservado; b) censura confidencial, em aviso re-servado; c) censura pública, em publicação oficial; d)suspensão do exercício profissional até trinta dias; e e)

cassação do exercício profissional.É importante salientar que todas as disciplinas le-

gislativas citadas (civil, penal e ética) poderão incidirem razão de uma única conduta médica, sujeitando-se, assim, o profissional de saúde, em razão daquelaúnica conduta, a três processos distintos – ação deindenização na esfera civil, visando ao ressarcimentodos danos ocasionados; processo criminal, para a ave-riguação da prática de determinado crime; e processoético administrativo, para a apuração de eventual trans-gressão de norma ética profissional. Assim, exemplifi-cando, pode-se conjeturar que, configurada a condutaculposa em parto gerando o óbito do nascido, poderáser instaurado um processo civil de natureza indeniza-tória, um processo penal sob o argumento da ocorrên-cia de homicídio culposo, e um processo ético peranteo Conselho Regional da respectiva profissão.

De outro lado, salientamos que poderá haver umaconduta de profissional de saúde que configure ato ilí-cito civil, com a conseqüente condenação na obriga-ção de reparar os danos causados, sem que haja con-denação na esfera criminal e ética e vice-versa. Exem-plos: falsidade ideológica, sem qualquer conseqüênciana esfera civil – há a incidência da norma penal, sem,contudo, qualquer relevância de natureza civil; e firmarcontrato de assistência médica que subordine os ho-norários ao resultado do tratamento ou à cura do paci-ente, sem qualquer conotação civil ou penal.

Antes de finalizar este artigo sobre a responsabili-dade legal do médico, não poderíamos omitir as dispo-sições do Código de Defesa do Consumidor relaciona-das com os profissionais de saúde. Referida legisla-ção, vigente em nosso País desde 1990, trouxe novasregras para as relações de consumo (relações entrefornecedores e consumidores de produtos ou serviços),em que se inclui, sem dúvida, a relação entre pacientee profissional de saúde.

O artigo 14 do Código de Defesa do Consumidorprevê: “O fornecedor de serviços responde, indepen-dentemente da existência de culpa, pela reparação dosdanos causados aos consumidores por defeitos à pres-tação dos serviços, bem como por informações insufi-cientes e inadequadas sobre sua fruição e risco”.

Assim é que, em um primeiro momento, poderia seafirmar que os profissionais de saúde, após o adventodo referido Código, responderiam, objetivamente, ouseja, sem averiguação de culpa, pelos danos sofridospelos seus pacientes.

Entretanto, o parágrafo quarto do referido artigo es-tabelece, em relação aos profissionais liberais, a ne-cessidade da existência de culpa como pressupostoda responsabilidade civil. Assim, os profissionais desaúde, como os advogados e os contadores, respon-dem pelos danos ocasionados a seus pacientes ou cli-entes, quando comprovada uma atuação negligente,

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imperita ou imprudente.Em conclusão, o erro,

quer para profissionais desaúde quer para todas asoutras atividades, podeacarretar conseqüênciasjurídicas relevantes e de-

sagradáveis, motivo pelo qual procedimentos e investi-mentos de qualquer ordem para preveni-lo configuramconduta inteligente, devendo ser incentivados. Assim éque o velho brocardo “é melhor prevenir do que reme-diar”, largamente utilizado pelos profissionais de saú-de em destinação a seus pacientes, também deve ba-lizar a conduta desses profissionais.

LEGAL RESPONSIBILITY OF THE PROFESSIONAL

OF HEALTH – CIVIL, PENAL, AND ADMINISTRATIVE

JOSÉ MARCELO MARTINS PROENÇA

The article is focused on the responsibilities of the professionals of health regar-ding their professional procedure, according to the Brazilian judicial courts. It is divi-ded in three distinct topics: implications of the Civil Law, implications of the PenalLaw, and administrative implications. Regarding to the Civil Law, the medical activitycan generate compensate actions, on account of a faulty procedure that has gene-rated mischief to the patient, depending on the condemnation of the high connectionbetween medical act and damage. Besides the civil responsibility of the professio-nals of health, the medical action is able to start police inquiries and penal trialsaiming at the verification of occasional crime. The penalty can be of restraint of theliberty of go and come (prison), monetary (fine), or of another nature, called alterna-tive penalty. The third topic is based on the Codes of Professional Ethics, whichregulate the liberal professions. Besides penal and civil responsibilities, the professi-onal of health is able to, on account of his conduct, subject himself to ethical trial. Inthat case, the possible penalties are: confidential warning, in private notice; confi-dential censure, in private notice; public censure, in official publication; suspensionof the professional exercise for 30 days; or permanent suspension of the professio-nal exercise.

Key words: medical malpractice, penal and civil medical responsibilities, medicalactivity, negligence, unskilfulness, carelessness.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2005;4:332-40)RSCESP (72594)-1549

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NOTAS

1. Nesse sentido, a reda-ção do artigo 186 do Có-digo Civil Brasileiro de 10de janeiro de 2002 – Lei10.406: “Aquele que, poração ou omissão voluntá-ria, negligência ou impru-dência, violar direito e cau-sar dano a outrem, aindaque exclusivamente moral,

comete ato ilícito”.2. Referido artigo substituiu o de número 1.545 do Có-

digo Civil anterior, de 1916, que assim disciplinavaa questão: “Os médicos, cirurgiões, farmacêuticos,parteiras e dentistas são obrigados a satisfazer odano, sempre que da imprudência, negligência ouimperícia em atos profissionais resultar morte, ina-bilitação de servir ou ferimento”.

3. Os artigos 948, 949 e 950 citados no próprio artigo951 transcrito referem-se aos danos a serem repa-rados:Artigo 948 – “No caso de homicídio, a indenizaçãoconsiste, sem excluir outras reparações: I - no pa-gamento das despesas com o tratamento da víti-ma, seu funeral e o luto da família; II – na prestaçãode alimentos às pessoas a quem o morto os devia,levando-se em conta a duração provável da vida davítima”.Artigo 949 – “No caso de lesão ou outra ofensa àsaúde, o ofensor indenizará o ofendido das despe-sas do tratamento e dos lucros cessantes até o fimda convalescença, além de algum outro prejuízo queo ofendido prove haver sofrido”.Artigo 950 – “Se da ofensa resultar defeito pelo qualo ofendido não possa exercer seu ofício ou profis-são ou se lhe diminua a capacidade de trabalho, aindenização, além das despesas do tratamento elucros cessantes até o fim da convalescença, incluirápensão correspondente à importância do trabalhopara que se inabilitou ou da depreciação que elesofreu.Parágrafo único – O prejudicado, se preferir, pode-rá exigir que a indenização seja arbitrada e paga deuma só vez.”

4. Como exemplo, pode-se citar a hipótese descrita no

artigo 936 do Código Civil: “O dono, ou detentor, deanimal ressarcirá o dano por este causado, se nãoprovar culpa da vítima ou força maior”.

5. Decisão proferida nos autos da Apelação Cível nº97.003506-3, Relator Des. Sérgio R. Baasch Luz.

6. Decisão transcrita na Revista dos Tribunais 558/178.7. Decisão transcrita na Revista dos Tribunais 714/206.8. Decisão proferida nos autos dos Embargos Infrin-

gentes nº 70003739042, Des. Relator Clarindo Fa-vretto.

9. Decisão transcrita na Revista dos Tribunais 613/46.10. Decisão transcrita na Revista dos Tribunais 608/

160.11. Decisão proferida nos autos da Apelação Cível nº

4486/93, Rel. Des. Pedro Américo Rios Gonçalves.12. Repertório de jurisprudência IOB – nº 4/2002 – ca-

derno 3 – p. 90.13. Decisão proferida nos autos do Recurso Especial

nº 73.958, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar.14. Decisão proferida nos autos da Apelação Cível n.

113.803-4/9-00, relator Des. José Osório.15. Decisão proferida nos autos da Apelação Cível

94.807, Rel. Des. Renan Lotufo.16. Decisão proferida pelo Tribunal Regional Federal

da 1ª Região, nos autos da Apelação Cível89.01.226480.

17. Decisão proferida nos autos da Apelação Cível nº70002471480, Rel. Des. João Pedro Pires Freire.

18. Decisão proferida nos autos da Apelação Cível no

83.927.4/2, Rel. Des. Ivan Sartori.19. A indenização deve ser fixada de acordo com os

artigos 948, 949 e 950, transcritos na Nota 3.20. Decisão proferida nos autos da Apelação Cível nº

6928/94, Relator Des. Marlan Marinho.21. Acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do

Sul de no 700002384857/2001/Cível.22. Decisão proferida pelo Tribunal de Alçada Criminal

de São Paulo, nos autos da Apelação Criminal nº20855.

23. Decisão proferida nos autos da Apelação Criminalnº 198237.

24. Decisão transcrita na Revista dos Tribunais 578/391.

25. Decisão proferida nos autos da Apelação Criminalnº 579959/4.

26. TACrSP, julgados 83/321.27. Jurisprudência do TACrimSP 47:223.