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DEFICIÊNCIAS E PROPENSÕES DO SER HUMANO Carlos Bernardo González Pecotche RAUMSOL

DEFICIÊNCIAS E PROPENSÕES DO SER HUMANO

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D E F I C I Ê N C I A S E

P R O P E N S Õ E S D O

S E R H U M A N O

Carlos Bernardo González Pecotche

RAUMSOL

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NINGUÉM PODE AFIRMAR

QUE DOMINA CONSCIENTEMENTE

O CAMPO DE SUA PRÓPRIA

PSICOLOGIA, SE NÃO ENFRENTOU

ANTES, COM ÊXITO, AS

FALHAS CARACTEROLÓGICAS

QUE O ANGUSTIAM.

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Intermedio Logosófico, 216 págs., 1950. (1)

Introducción al Conocimiento Logosófico, 494 págs., 1951. (1) (2)

Diálogos, 212 págs., 1952. (1)

Exégesis Logosófica, 110 págs., 1956. (1) (2) (4)

El Mecanismo de la Vida Consciente, 125 págs., 1956. (1) (2) (4) (6)

La Herencia de Sí Mismo, 32 págs., 1957. (1) (2) (4)

Logosofía. Ciencia y Método, 150 págs., 1957. (1) (2) (4) (6) (8)

El Señor de Sándara, 509 págs., 1959. (1) (2)

Deficiencias y Propensiones del Ser Humano, 213 págs., 1962. (1) (2) (4)

Curso de Iniciación Logosófica, 102 págs., 1963. (1) (2) (4) (6)

Bases para Tu Conducta, 55 págs., 1965. (1) (2) (3) (4) (5) (6)

El Espíritu, 196 págs., 1968. (1) (2) (4) (7)

Colección de la Revista Logosofía (tomos I (1), II (1), III (1)), 715 págs., 1980.

Colección de la Revista Logosofía (tomos IV, V), 649 págs., 1982.

(1) Em português

(2) Em inglês

(3) Em esperanto

(4) Em francês

(5) Em catalão

(6) Em italiano

(7) Em hebraico

(8) Em alemão

ÚLTIMAS PUBLICAÇÕES DO AUTOR

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Título do original:

Deficiencias y Propensiones del Ser HumanoCarlos Bernardo González Pecotche (Raumsol)

REVISÃO DA TRADUÇÃO: José Miranda de Oliveira

CAPA E PROJETO GRÁFICO: Silvia Ribeiro

ASSISTENTES DE DESIGN : Nicole Boehringuer e Clarice Uba

PRODUÇÃO GRÁFICA: Adesign

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

González Pecotche, Carlos Bernardo, 1901-1963.Deficiências e propensões do ser humano /

Carlos Bernardo González Pecotche (Raumsol) ;[traduzido do espanhol por Filiados da FundaçãoLogosófica ; revisão da tradução José Miranda de Oliveira]. -- 13. ed. -- São Paulo : Logosófica, 2012.

Título original: Deficiencias y propensionesdel ser humano

ISBN 978-85-7097-078-7

1. Comportamento humano 2. Conduta de vida3. Logosofia I. Título.

11–14002 CDD-179.8

Índices para catálogo sistemático:1. Deficiências humanas : Ética 179.8

Copyright da Editora Logosóficawww.editoralogosofica.com.brwww.logosofia.org.brFone/fax: (11) 3804 1640Rua General Chagas Santos, 590-A – Saúde CEP 04146-051 – São Paulo-SP – Brasilda Fundação Logosófica Em Prol da Superação Humana

Sede central: Rua Piauí, 762 – Bairro Santa Efigênia CEP 30150-320 – Belo Horizonte-MG - Brasilvide representantes regionais na última página

EDITORA AFILIADA

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13ª edição Editora LogosóficaSão Paulo – 2012

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RAUMSOLCarlos Bernardo González Pecotche

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Primeira Parte

Metodologia das

Deficiências e Propensões

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ntes de entrar em cheio no desenvolvimentodesta obra, será necessário oferecer ao leitor umconjunto de explicações que porão à sua dis-

posição os elementos mínimos exigidos por tão impor-tantíssima parte do conhecimento de si mesmo: a que cor-responde às deficiências psicológicas, por serem causasdeterminantes da incapacidade e impotência dos esforçoshumanos na pro cura do despertar consciente nas altasesferas do espírito.

Desde que o homem começou a ter as primeirasnoções de moral, vem-lhe sendo repetido que deve serbom, que deve elevar sua vida e ser melhor. Entretanto,foi-lhe ensinado positivamente como fazer para alcançarsemelhante desiderato? A resposta, por demais sugestiva, éoferecida pelo estado de incrível desorientação em quehoje ele se encontra. Não lhe foi ensinado como sermelhor . Os que pretenderam fazê-lo careciam de

Introdução

A

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conhecimentos capazes de substanciar esse propósito e, nafalta disso, adotaram o sistema de inculcar no semelhante,desde a mais tenra idade, pensamentos e sugestões incom-patíveis com sua razão e sua sensibilidade.

Inculcar ideias que não respondem a fins superiores, esim a fins de submissão – como sempre se procurou, emparte com êxito –, é fazer das mentes humanas moldes rígi-dos, destinados à recepção cega de um saber quimérico. Edizemos “quimérico” porque o autêntico saber nãoendurece a mente, não a fanatiza nem a submete a farsasdogmáticas; ao contrário, propicia as manifestações dolivre-arbítrio e desperta a consciência individual.

Sempre se buscou – é bom destacar, para que ninguémse engane –, sempre se buscou, repetimos, o fácil, o ilusórioe sedutor, a fim de conquistar adeptos para uma ou outraseita religiosa, para uma ou outra tendência filosófica ouideológica extremista, nas quais o ser depois fica enjauladoatrás das grades dos inúmeros preconceitos que a creduli-dade infunde. Entretanto, se bem que a alma humana sejasugestionável por excelência e sofra, com incompreensívelresignação, o aniquilamento de sua capacidade perceptiva eanalítica, o espírito reclama, ao contrário, com indagadorainsistência, tratamento e respeito próprios de sua paridadeexistencial. Explica-se assim como, através das gerações, seveio acentuando uma rebeldia espontânea, gestada emespíritos indômitos; naqueles, logicamente, que serecusaram a admitir esse tratamento assaz contrário àevolução integral do homem.

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De nossa parte, declaramos inoperantes e sem con-

sistência os métodos ensaiados até aqui com vistas ao aper-

feiçoamento humano, por não conterem os conhecimen-

tos básicos sobre a estruturação mental, psicológica e espi -

ritual que caracteriza cada indivíduo, nem tampouco o

domínio dos fatores que governam a vida interna.

Nossa concepção parte do estudo da própria mente,

por ser ela, especificamente considerada, o órgão promotor

da vida psíquica, e se projeta sobre os pensamentos, por

serem os agentes naturais que configuram a vida de cada

homem em seus aspectos mais preponderantes. Uma prova

de que os caminhos até agora seguidos foram equivocados

nos é dada, sem mais rodeios, pelo fato de que nenhum

deles levou o homem a meta alguma que evidenciasse a

culminação de um processo de aperfeiçoamento integral e

consciente. Não podia ser de outro modo, já que se deixou

de começar pelo essencial: conhecer, bloquear, debilitar e

anular todas as deficiências psicológicas que afetam a criatu-

ra humana, para que sua nefasta influência não prejudique

nem detenha o processo de evolução mediante o qual se

rompem as limitações a que está sujeito o ser corrente, por

falta de preparação e fortalecimento internos adequados.

Queremos com isso dizer que não houve, no estudo das

possibilidades humanas, referência alguma a este gênero de

conhecimentos que hoje a concepção logosófica ofe rece. Já

se falou, esporadicamente e em termos gerais, dos vícios e

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defeitos do homem, mas em nenhum momento a reflexão

de filósofos e psicólogos se deteve para investigar a origem

de tais deficiências caracterológicas e, menos ainda, para en -

contrar uma fórmula ou procedimento capaz de extirpá-las.É certo que isso não haveria de ser possível com as

antiquadas e inoperantes concepções vertidas até agorasobre a psicologia humana. Era necessário, pois, abrir umabrecha que conduzisse o homem ao conhecimento de simesmo. Isso é o que a ciência logosófica tem feito, e dissodeixamos evidência no presente livro, no qual plasmamosimagens didáticas e claras sobre o que o ser humano devefazer para conhecer suas falhas e predispor-se a eliminá-las.

Dissemos anteriormente que uma das proposições quea Logosofia apresenta como necessárias ao conhecimentodo homem é a das deficiências que o escravizam e que, emmaior ou menor grau, cada um acusa, sem poder evitar asderivações contraproducentes que têm sobre sua psicolo-gia. A isso acrescentamos que o estudo e o empenho cons -tante por neutralizá-las, bem como por anular sua nefastainfluência na vida do ser, é parte irrenunciável do processode evolução consciente que ele deve realizar.

Deliberadamente, separamos o estudo das deficiênciasdos que formam a imagem central do conhecimento de simesmo, por razões inerentes à pedagogia logosófica. Nãoobstante isso, advertimos que, quando se trate de aplicar oresultado de seu exame, deverão ser usados todos os recursos provenientes daqueles outros, por se tratar de

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estudos paralelos, que concorrem em sua totalidade para oaperfeiçoamento que se persegue.

O quadro das deficiências que a criatura humana apre-senta, desde que nasce até o final de sua velhice, poderiaparecer desalentador. Entretanto, isso não deve abater oânimo, porquanto é preferível conhecer que inimigostemos dentro, para combatê-los com lucidez mental, aignorá-los, enquanto ficamos à mercê de sua influênciadespótica, suportando docilmente a maioria dos desgostose depressões que diariamente nos acarretam. E se compro-vamos que uma ou outra deficiência não existe no âmbitopessoal, acaso não é um sincero e efetivo humanismo o quese pode exercer, ajudando os demais a se desprenderemdela? A ausência de um gesto dessa índole poria adescoberto uma falha censurável, o egoísmo, que revelapor sua vez falta de solidariedade humana.

Facilmente se poderá apreciar que a forma natural epositiva que usamos para apresentar essas realidadesimpede, seja qual for o ponto de vista, criar um complexode inferioridade em quem quer que seja, pois oferecemosem cada oportunidade os conhecimentos que permitemao homem desembaraçar-se de tão penosa carga; e já sesabe com quanto viço, frescor e força revive a árvoredepois que lhe podamos os galhos inúteis, livrando-a daspragas que a consomem.

Ao revelar ao entendimento individual essa realidadeque se desconhecia, ou que se resistia a conhecer, como é

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a do enraizamento de deficiências em sua própria vida, nãofoge ao nosso propósito neutralizar o complexo de su pe -rio ridade que a maioria das pessoas apresenta em sua psico -logia, visto que esse complexo de superioridade é o quedissimula ou oculta os defeitos ou falhas psicológicas quetanto afetam o desenvolvimento das possibilidades mentaise espirituais que todo ser humano possui internamente.Isso haverá de levar o investigador consciente a deter seuexame e sua análise sobre nossos pronunciamentos, bemcomo a observar com serenidade de juízo a utili dade quepode extrair deles, desde que se coloque em atitude impar-cial ao fazer suas apreciações pessoais.

Nosso ensinamento destrói a inconsistente e pre-sunçosa afirmação, tão frequentemente citada: “Pau quenasce torto morre torto”, pois que, ao modificar as causasque determinam a defeituosa configuração psicológica doindivíduo, modifica-lhe também a vida na totalidade de seuconteúdo. Ter-se-á em conta, portanto, que com a citadaafirmação o homem estende um véu sobre sua própriarealidade interna, fechando o caminho a toda possibilidadede enobrecer sua conduta, sem perceber que tal coisaimplica negar à criatura humana todo direito ao aper-feiçoamento e, do mesmo modo, negar a lei de evolução.

O fato de uma pessoa assegurar que padece esta ouaquela deficiência nem sempre prova que esteja certa, jáque com frequência isso provém do desconhecimento quetem de si mesma. Por outro lado, não são poucos os que

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preferem se ignorar a ter de se confessar em falta ante suasconsciências, pelo descuido em que incorrem a respeito detão primordial dever para consigo mesmos.

A Logosofia, ao introduzir o homem em seu própriomundo interno, faz com que perceba o erro de insistir ematitudes que entorpecem seu desenvolvimento moral.Pouco a pouco, ele compreende quão nociva é essa postu-ra e o valor de aplicar-se ao cultivo das qualidades quesurgem espontâneas da alma, após o desarraigamento dosdefeitos que a oprimem.

Diante do esquema palpável e eloquente que apresen-tamos neste livro sobre as numerosas deficiências que apessoa humana revela ter, e sobre a possibilidade de suaerradicação ou eliminação, não estranharemos se alguém sesurpreender e até manifestar certo desdém, como se setratasse de alguma rara utopia que, por ser inalcançável ouquimérica, merecesse ser posta de lado.

A semelhantes atitudes temos oposto sempre ademons tração muito evidente de nossas afirmações. Asnumerosas pessoas que praticam com acerto e dedicação asverdades logosóficas ratificam, diariamente, o que ainda ématéria de dúvida para quem nada faz por esclarecê-las.

Devemos fazer notar, contudo, que o ponderável bene-fício que flui dos recursos semeados ao longo desta obra,para libertar cada ser humano das correntes psicológicas re -presentadas por suas deficiências, é magro fruto comparado

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ao que se obtém seguindo o método logosófico, o qual, aomesmo tempo que guia para o conhecimento de si mesmo,ensina a realizar o processo de evolução consciente, singularlabor interno em que tanto o homem quanto a mulherencontram o verdadeiro rumo de suas vidas.

Quando se perceber que a instituição desses compor-tamentos superiores do homem vai plasmando uma sólidacultura, que é ao mesmo tempo base de uma nova civiliza-ção, mais consciente de seus progressos quanto ao desen-volvimento das potências do espírito e à sua vinculaçãocom o mundo transcendente ou metafísico, ninguém dese-jará ficar para trás, nem aceitará voluntariamente umaexclusão que o deixe fora do curso deste grande movi-mento de superação humana.

Se alguém chegasse a supor que o estudo e a realizaçãologosófica lhe haveriam de exigir muito tempo, repetimosaqui o que dissemos outras vezes: bastará apenas reduzir aque-le que cada um emprega em excesso nas coisas triviais davida. O estudo e a realização logosófica não requerem maisdo que isso. Por outro lado, muitos buscam “matar o tempo”,entregando-se com fervor a seus “hobbies”. Por que não con-verter em tema favorito aquilo que haverá de propi ciarbenefícios e satisfações mais valiosos, ou seja, dedicar-se àtarefa de estudar cada deficiência em si mesmo e provar, pe -ra n te a própria consciência, que é capaz de superá-las?

O que dissemos talvez chegue a dar uma ideia aproxi -mada dos efeitos benéficos que podem ser obtidos com

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este novo ensinamento, tão necessário nos tempos atuais,faltos de uma palavra convincente e reitora que orien te ogênero humano.

Deficiência e .....................................................................................

Antideficiência....................................................................................................

DEFICIÊNCIA: A Logosofia chama assim ao pensamentonegativo que, enquistado na mente, exerce forte pressãosobre a vontade do indivíduo, induzindo-o de modo con-tínuo a satisfazer seu insaciável apetite psíquico. É o pensa-mento tipicamente dominante ou obsessivo, que, aomesmo tempo que cumpre uma função totalmente preju -dicial, tem tanta influência na vida do ser humano e se evi-dencia de tal maneira que este é apelidado por seussemelhan tes com o nome do pensamento-deficiência queo caracteriza. Por isso mesmo é que, em alguns casos, oindivíduo é chamado de vaidoso, rancoroso, egoísta,teimoso, intolerante e, em outros, de presunçoso, hipócri-ta, fátuo, intrometido, obstinado, néscio, etc. O curioso éque seu possuidor em geral permanece alheio a isso, talvezporque aqueles que o identificam com o defeito de quepadece não lhe digam nada, por se tratar de um segredoque gostam de comentar pelas costas.

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A configuração de uma deficiência pode variar nummes mo indivíduo. Isto quer dizer que nem sempre uma defi -ciência se comporta da mesma forma, o que às vezes tornadifícil seu reconhecimento. Daí que seja tão importanterealizar o processo de evolução consciente que leva ao co -nhecimento de si mesmo, porque nele cada deficiência podeser observada sem se perdê-la de vista, e pode ser reconheci-da nos traços típicos de sua exaltação, sejam quais forem asvariações que apresente ou as aparências de que se revista.

Toda deficiência é produto do desvio experimentadopelo homem na integração de suas qualidades e do mau usode suas condições intelectivas, psíquicas e morais. O desco -nhecimento de seu próprio existir como entidade cons -ciente e capaz o leva a cometer inúmeros erros, que depoisafloram como deficiências impressas em sua psicologia.

As deficiências, em suma, atuam à maneira de quintas--colunas psicológicas, introduzidas em nosso ser internopelos agentes do mal. Daí o trabalho que custa descobri-las,convencer-se de sua realidade e enfrentar com inteireza atarefa de erradicá-las e expurgar nossa vida, à qual elastanto prejudicam e deprimem.

ANTIDEFICIÊNCIA: É o pensamento específico queselecionamos para conferir-lhe a missão de opor-se adeterminada deficiência. Sob seu influxo, a vontade se for-tifica e atua sobre a inteligência, instando-a a realizar movi-mentos mentais tendentes a anular o despotismo que opensamento-deficiência exerce sobre os mecanismos men-tal, sensível e espiritual do homem.

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Antideficiência é um pensamento-polícia que deveser ins ti tuído na mente, com a finalidade de vigiar,repreender e pa ra li sar, temporária ou definitivamente, opensamento-deficiência.

Técnica para enfrentar...........................................................................................................................................................

as Deficiências.........................,,......................................................................

Nos começos do labor, sem dúvida que se tropeçaráem dificuldades, sobretudo no terreno da compreensão,pois se impõem repetidas provas antes de encaminhar comuma respeitável margem de precisão os trabalhos que serealizem para localizar cada deficiência. Uma vez con-seguido isso, será preciso levar a investigação bem a fundona discriminação da forma que as deficiências possamapresentar, a fim de se descobrir a sutileza com que atuamos pensamentos que as configuram, tendo em vista queestes, para escapar da observação pessoal, costumam enco-brir a intenção com grande diversidade de aparências.Guardam estreita semelhança com o camaleão, que dissi -mula sua presença tomando a cor da pedra ou da árvoreonde se encontra. Daí que, quando se inicia o trabalho comuma deficiência, seja necessário perseverar na vigilânciasobre ela, já que sua argúcia poderia impedir que fosse

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surpreendida no instante de sua manifestação. Um atinadoexame feito “a posteriori” oferecerá a oportunidade deconhecer seus ágeis movimentos e estabelecer de quemaneira, e em que dimensão, afetam o ser psicológico erepercutem na vida, podendo-se, além disso, observar se oafetado se acha mais disposto a transigir com ela – conce-dendo-lhe indulgência ou condescendendo com seusimpulsos – do que reforçar a resolução de combatê-la.

Estabelecido o grau de prejuízo que uma deficiênciacau sa, deverá ser aplicado, sem perda de tempo, o métodode extirpação gradual, debilitando-a com oportunos rea-justes. Para tal efeito, deverá manter-se inalterável opropósito de superação e a atenção sobre a conduta, que háde ser paulatinamente adaptada às demandas da antidefi-ciência. Da compenetração desse labor interno, consciente-mente cumprido, irá surgindo cada vez mais ativo o poderda vontade para dominar qualquer deficiência que preten-da alterar a conduta.

Forme agora o leitor a imagem de um fazendeiro deoutra época, cujas terras tenham sido invadidas por feras, asquais, após assolar seus campos, sedentas de sangue selançam contra sua vivenda, com o objetivo de acabar comele. Suponha também que alguém tenha feito chegar aofazendeiro armas de fogo para a defesa de sua vida e de seusbens, armas que ele jamais viu, e cujo uso consequente-mente desconhece. Que fará com elas, se não sabeempregá-las? Porque as feras, embora se assustem com osestampidos, cedo se acostumam a eles e voltam ao assédio,

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tão logo comprovam sua inoperância. Pois bem, os co -nhecimentos logosóficos serão tão inoperantes como asarmas, caso não se saiba como empregá-los; faz-senecessário, portanto, aprender a usá-los, servindo as pre-sentes recomendações de guia seguro para isso.

Tenha-se ainda em conta que, por sua vez, as deficiên-cias são também feras, feras mentais que não se conformamem devorar os pensamentos e projetos úteis que cada umarmazena ou cultiva em seu campo mental. Seu afã dedestruir – como acontece com o pessimismo, a obstinação,o descuido, a irritabilidade, a veemência, etc. – as induz aatentar contra os sentimentos mais nobres, e inclusive con-tra a própria vida de seu dono. É preciso, pois, que acabe-mos com tais pensamentos, se não quisermos que elesacabem conosco. Por conseguinte, deveremos exercitar apontaria, pondo-nos com cautela a persegui-los, até caçá--los, livrando a propriedade mental de todo ente maligno.

Todas as deficiências, desde a mais benigna até a maisincômoda, afetam a vida psíquica, tal como fazem as enfer-midades em relação ao corpo. Ninguém se iluda, acredi-tando que uma deficiência, por leve ou inofensiva quepareça, possa permanecer em sua mente sem prejudicá-lo,porque poderia suceder-lhe o mesmo que ao camponêsque descobriu dois filhotes de tigre e, presumindo que aseu lado cresceriam mansos e inofensivos, levou-os para suafazenda e os criou. Certo dia, já crescidos, esqueceu-se delevar-lhes alimento; impelidos pela fome, os tigres, ao vê--lo, atiraram-se sobre ele e o destroçaram para devorá-lo.

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As feras, enquanto não forem eliminadas, serão sempreferas, assim como as deficiências serão sempre deficiênciasenquanto o homem nada fizer para extirpá-las.

É indubitável que, neste gênero de realizações, seagilizam os movimentos internos que melhor respondemàs aspirações individuais de aperfeiçoamento. Munido o serdos elementos que a Logosofia aproxima a seu entendi-mento, não lhe será difícil encaminhar seus esforços comdecisão e acerto para a consecução desse fim. Mas convémrecordar o que antes dissemos, e que agora repetimos: aaplicação de um conhecimento logosófico sobre determi-nada deficiência não deve limitar-se a uma só vez; a açãocombativa deve ser constante, exercida não combrusquidão, mas com firmeza e resolução.

Assinalaremos ainda, como meio altamente eficaz paracombater tão detestáveis inimigos da sensibilidade humana,a observação de deficiências em nossos semelhantes, obser-vação que será feita sem se perderem de vista as próprias, so -bre tudo quando se trate de irregularidades que se asse me -lham às que temos empenho em neutralizar. No efeito desa -gradável que nos produzem as más atuações alheias, pode-seavaliar o que causamos em circunstâncias análogas, surgindode tão simples confronto, com maior vigor que antes, a reso -lução de nos tornarmos mais gratos e suportáveis.

O citado procedimento – que jamais deverá ser empre-gado para criticar, mas sim como motivo de aperfeiçoa-mento – encontra a complementação que seu equilíbrioexige quando se tem cuidado de observar também a ótima

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impressão que as virtudes do próximo produzem. Eis aí oestímulo natural que nos deve inspirar a desenvolver iguaisvirtudes e a nos converter em exemplos vivos de captaçãoe assimilação de valores espirituais e éticos, valores que asensibilidade e a consciência reclamam como indispensáveispara mover e ativar as próprias bases internas de superação.

Deficiências generalizadas....................................................................................................................................................................

no ser humano.......................................................................................

FALTA DE VONTADE

IMPULSIVIDADE

SUSCETIBILIDADE

INDISCRIÇÃO

INADAPTABILIDADE

OBSTINAÇÃO

VAIDADE

FALSA HUMILDADE

INDOLÊNCIA

DESOBEDIÊNCIA

IRRITABILIDADE

TIMIDEZ

SOBERBA

DESASSEIO

FALTA DE MEMÓRIA

PRESUNÇÃO

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NECEDADE

DISPLICÊNCIA

IMPACIÊNCIA

DEBILIDADE

INTROMETIMENTO

INDISCIPLINA

ASPEREZA

EGOÍSMO

DESORDEM

BRUSQUIDÃO

INTEMPERANÇA

INDIFERENÇA

COBIÇA

VERBORRAGIA

RANCOR

DESCUMPRIMENTO

VEEMÊNCIA

INTOLERÂNCIA

AMOR-PRÓPRIO

TEIMOSIA

CREDULIDADE

INCONSTÂNCIA

HIPOCRISIA

CURIOSIDADE

FATUIDADE

NEGLIGÊNCIA

RIGIDEZ

PETULÂNCIA

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A fim de que se possa levar a cabo com a devida eficá-cia a erradicação das deficiências que afetam a psicologia,classificamo-las em três grupos, a saber: a) dominantesmaiores, b) dominantes menores, c) benignas.

Mediante um amplo e detido exame pessoal damaneira de ser e do comportamento habitual, poderão serdeterminadas as deficiências que têm influído com maiorou menor preponderância sobre o caráter, sobre as incli-nações, sobre a conduta de maneira geral e, especialmente,sobre os pensamentos.

É indubitável que, por mais indulgência que o sertenha consigo ao realizar esse exame, haverá de reconhecerque uma, duas ou quatro de suas deficiências figurarão noprimeiro grupo, e algumas outras no segundo, correspon-dendo as restantes ao terceiro, ou seja, ao das benignas.

É fácil concluir que essa primeira classificação seráprovisória e terá, mais propriamente, um caráter de ensaio,pois o natural é que, à medida que o ser se autoinvestigue,se produzam em sua avaliação mudanças que modi fiquemo critério anterior. Poderá suceder, por exemplo, que uma

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ou várias das deficiências incluídas no primeiro grupo cor-respondam ao segundo, ou vice-versa. Também poderáocorrer que alguma do grupo benigno atue surpreenden-temente, predominando em determinada circuns tância,fato este que deverá ser observado com especial atenção, afim de se vigiar sua possível reincidência, o que a colocariano segundo ou no primeiro grupo. Aconselhamos não des-cuidar deste ponto e manter um firme controle sobre adeficiência em estudo, a fim de determinar sem equívocosonde colocá-la.

Como neutralizar ......................................................................................................

uma Deficiência............................................................................................

Sugerimos trabalhar com empenho sobre as que inte-gram o primeiro grupo, por serem as que mais preju-dicam a vida do indivíduo, e desde já prevenimos que nãoé tarefa fácil, porém muito interessante e de inques-tionável valor.

O essencial é que quem se proponha levar a cabo essatarefa saiba, sem a menor sombra de dúvida, que uma defi-ciência pode ser substituída por uma eficiência, ou seja,anulando-se o deficit pode-se desfrutar a margem positivaque resulta do labor cumprido.

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Suponhamos, agora, que uma dessas deficiências seja asuscetibilidade, sinônima de melindre. É bem sabido que apessoa que a padece se ofende no trato comum pelo maisinsignificante motivo, e até sem nenhum, buscando inclu-sive pretextos que lhe concedam razões para responder deforma inconveniente aos que convivem com ela. O eficaz,pois, desde o instante em que se começa a enfrentar tal defi-ciência, é opor-lhe a antideficiência correspondente, nestecaso a equanimidade. Isso significa que a equanimidadeserá o objetivo a alcançar, e neste sentido se deverá pôr omáximo empenho. Aonde nos levará o cultivo da antidefi-ciência? A precisar em nós o sentido da inaltera bilidade. Eladará maior equilíbrio a nosso juízo, mais clareza a nossoentendimento e, seguramente, nos acharemos muito acimadas pequenezas que tão profundamente ferem nossasuscetibilidade. Evitaremos, portanto, as alterações que adeficiência promove, e alcançaremos isso permanecendoatentos em todos os momentos de nossa atividade cotidia -na. Veremos, assim, quantos fatores incidem nas alteraçõesde nosso temperamento, principalmente nossos pensamen-tos, os quais teremos de aquietar e disciplinar.

Uma vez que esta deficiência expõe a frequentes atritose ressentimentos com os semelhantes, convém, no tratocom eles, ter muito cuidado com qualquer mágoa ou irri-tabilidade sintomáticas dela. Isso deverá ser repetido tantasvezes quantas forem necessárias, até automatizar o procedi-mento, com o que se terá conseguido debilitar

Deficiências e Propensões do Ser Humano

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consideravelmente a deficiência. Mas, por maior que seja asatisfação e a alegria que esse exercício nos proporcione,nossa exigência ainda não deverá ficar conformada; seránecessário mais; será necessário chegar a neutralizá-la porcompleto, não lhe dando em momento algum oportu-nidade de reincidir em nosso prejuízo.

Vejamos, a seguir, outro exemplo do que acontecequando o ser analisa suas atuações aplicando a observaçãoconsciente.

Descobrimos que habitualmente atua em nós um pen-samento impulsivo, de velho enraizamento em nossamente; que seus frequentes arrebatamentos gravaram emnossa psicologia os traços irreflexivos da deficiência à qualpertence: a impulsividade. Conscientes agora dos excessosa que nos conduz e dos contratempos que nos acarreta,gostaríamos de nos livrar dela e desenvolver, por outrolado, a condição oposta, cabalmente determinada e cons -cientemente forjada, isto é, a contenção. Alcançada essacompreensão, deveremos entregar-nos à tarefa de incorpo-rar à vida mental a contenção, ou seja, o pensamento sele-cionado para neutralizar a deficiência. Esse pensamentodeverá ser exercitado dentro da mente, e, quando tenhaadquirido vida própria e força suficiente, ver-se-á como eleinduz o entendimento a voltar uma e outra vez ao estudoatento e minucioso do ensinamento logosófico que haveráde robustecê-lo. Também se verá que esse fato aguça aobservação sobre si mesmo e até sobre aqueles nos quais seobserva idêntico defeito; que estimula a atenção às própriasatuações, para que se tenha oportunidade de associar à vida

Carlos Bernardo González Pecotche (raumsol)

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os elementos extraídos das duas operações anteriores, istoé, do estudo e da observação; que permite extrair con-clusões e anotar os resultados que vão sendo obtidos, paraque seus frutos tenham vigência duradoura na vida. Comtudo isso, o pensamento de contenção irá assumindo cadavez maior autoridade e, por conseguinte, maior ação den-tro do espaço dimensional da mente, que é seu meio psi-cológico natural.

Relação das Deficiências e..............................................................................................................................................................

Antideficiências tratadas.......................................................................................................................................................

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Deficiências e Propensões do Ser Humano

Amor-próprio

Aspereza

Brusquidão

Cobiça

Credulidade

Curiosidade

Debilidade

Desasseio

Descumprimento

Desobediência

Desordem

Displicência

Egoísmo

Falsa humildade

Modéstia

Afabilidade

Suavidade

Honestidade

Saber

Circunspecção

Fortaleza

Asseio

Formalidade

Obediência

Ordem

Expansão do ânimo

Desprendimento

Sinceridade

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Carlos Bernardo González Pecotche (raumsol)

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Memória consciente

Decisão

Simplicidade

Veracidade

Paciência inteligente

Contenção

Adaptabilidade

Perseverança

Interesse

Disciplina

Discrição

Autodeterminação

Continência

Tolerância

Circunspecção

Temperança

Prudência

Diligência

Transigência

Cordura

Modéstia

Bondade

Flexibilidade

Humildade

Equanimidade

Docilidade

Resolução

Modéstia

Serenidade

Concisão

Falta de memória

Falta de vontade

Fatuidade

Hipocrisia

Impaciência

Impulsividade

Inadaptabilidade

Inconstância

Indiferença

Indisciplina

Indiscrição

Indolência

Intemperança

Intolerância

Intrometimento

Irritabilidade

Necedade

Negligência

Obstinação

Petulância

Presunção

Rancor

Rigidez

Soberba

Suscetibilidade

Teimosia

Timidez

Vaidade

Veemência

Verborragia

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É o pensamento negativo que trata de enquistar-se namente do indivíduo, enquanto exerce pressão sobre a von-tade para satisfazer a tendência que o particulariza.

Difere da deficiência, que atua dominando o campomen tal e volitivo e se caracteriza por sua filiação claramentearbitrária, em que a propensão se manifesta como sintomapredisponente da anomalia que reflete. Não gera, comoaquela, o impulso indômito, e sim promove o re la xamentocircunstancial do juízo, ao qual incita a pronunciar-se comligeireza, isto é, sem o devido resguardo por parte da razão,da observação, do pensar e do sentir da pessoa.

A propensão se manifesta esporadicamente; a deficiên-cia, permanentemente. Uma e outra são, com frequência,produto da própria herança, podendo neutralizar-se aprimeira com relativa facilidade, ao passo que a segundapersiste indefinidamente, se não é enfrentada com a firmedeterminação de vencê-la.

O conhecimento dessa particularidade psicológica,unido aos preceitos que aconselhamos para sua identifi-cação dentro da esfera individual, dá ao homem as defesasmentais que o libertam de sua nociva influência.

P R O P E N S Ã O

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Relação das Propensões ............................................................................................................................................

tratadas.................................................

AO ENGANO

A ADULAR

À FRIVOLIDADE

À DISSIMULAÇÃO

A PROMETER

A CRER

À ILUSÃO

AO DELEITE DOS SENTIDOS

AO ISOLAMENTO

AO EXAGERO

AO FÁCIL

AO ABANDONO

À DISCUSSÃO

AO DESALENTO

AO DESESPERO

À DESATENÇÃO

À IRA

A CONFIAR NO ACASO

AO VITUPÉRIO

AO PESSIMISMO

À LICENCIOSIDADE

AO DESCUIDO

Carlos Bernardo González Pecotche (raumsol)

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Segunda Parte

Deficiências

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Eis aqui uma das deficiências mais comuns no serhumano, a que mais prejuízos lhe ocasiona e a que influiparticularmente para que as demais o dominem.

Começa a manifestar-se quase sempre na infância,umas vezes por sua origem congênita e outras porque aausência de incentivos ou de necessidades, durante esseperíodo, atrofia de certo modo a zona temperamentalque define a capacidade de iniciativa ou de empresa. Oimpulso volitivo fica assim paralisado, isto é, seu desen-volvimento não se vigoriza com o exercício natural deenfrentar obrigações e dificuldades, e só se manifestadiante daquelas coisas fáceis de fazer ou conseguir, sem-pre do agrado da criança.

Se a idade juvenil encontra o ser em tais condições, éindubitável que, na melhor das hipóteses, ele usará sua von-tade quando a necessidade o obrigar ou quando algo lheapetecer, mas faltará a essa vontade o incentivo capaz demovê-la na procura de horizontes mais amplos e promis-sores para sua vida. Acostumado a fazer só o indispensável,

D E F I C I Ê N C I A : Falta de Vontade

A N T I D E F I C I Ê N C I A : Decisão

Deficiências e Propensões do Ser Humano

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Carlos Bernardo González Pecotche (raumsol)

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o que as circunstâncias lhe exigem, e até menos, deixarátudo o mais irremediavelmente postergado e, acossadopela apatia, não será difícil que termine imerso na abuliamo ral e psíquica.

É comum que na idade madura a bulastenia apresentecaracterísticas crônicas, devendo aqueles que com tantaintensidade a padecem, classificar esta deficiência noprimeiro grupo, ou seja, no das dominantes maiores, já queela propicia, como dissemos, o fortalecimento de muitasoutras. Mas nem sempre a abulia chega à cronicidade, e nãoé difícil deduzir que quanto menor for seu enraizamentona pessoa que ela domine, tanto mais fácil será superá-la.

Temos de nos referir também àqueles casos em que afalta do impulso volitivo sobrevém inesperadamente diantede circunstâncias adversas, tais como fracassos ou frus-trações que o homem experimenta na vida, às vezes reite -radamente, ante os quais sucumbe por falta de um adequa-do adestramento que o conduza, antes de tudo, a fazer bomuso de sua faculdade de pensar, pois se sabe que quem nãopensa está longe de mobilizar seus pensamentos e sua von-tade na elaboração de incentivos que tornem mais benig-no o processo de sua existência.

Vontade é a força psíquica que move as energias hu - manas e põe em atividade as determinações da inteligên ciapara o bem, defesa e superação do indivíduo. A falta devon tade anula essas possibilidades e prostra o ser naindifere n ça e na inércia, faz sua inteligência fracassar e

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chega até a perverter sua sensibilidade, porque o expõe atodas as tentações e contingências que o ameaçam.

Os movimentos da vontade, pequenos ou grandes, sãoimpulsionados por dois fatores de primordial importância,que se alternam e se substituem de forma temporária oupermanente: a necessidade e o estímulo.

A necessidade atua sobre a vontade determinandomovimentos quase automáticos, que forçam o ser a realizarmesmo aquelas coisas que ele não quer ou que devia terfeito espontaneamente, por determinação do próprio pen-sar e sentir; seu principal agente é a premência, que nãoadmite demoras de nenhuma espécie enquanto urge ocumprimento de uma obrigação, de um dever, ou a satis -fação de uma exigência inevitável.

O estímulo age também sobre a vontade, mas ativapor sua vez a inteligência e o sentimento, despertando onobre afã de substituir a escassez pela abundância em cadaum dos setores da vida em que a vontade desempenhapapel preponderante.

A vontade se excita e toma brios quando este últimofator intervém. Por mais cansada que uma pessoa se sintaao término de uma jornada, se lhe é oferecida a oportu-nidade de recrear-se ou distrair-se com algum passatem-po favorito, dificilmente deixará de fazê-lo. Isto significaque a perspectiva de passar um momento agradável influi,aqui, diretamente sobre a vontade, ativando-a. Fica assimdemonstrado como a vontade se mobiliza, incitada por

Deficiências e Propensões do Ser Humano

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um estímulo qualquer, o que dá ideia do muito que sepode conseguir quando ela se ativa em virtude de estí-mulos altamente edificantes, como são os que o conheci-mento trans cendente proporciona.

Quando o futuro é para o homem uma noite sem

estrelas, um suceder monótono onde naufragam todas as

suas esperanças, a vontade, carente de estímulos, perde

vigor e fica à mercê do acaso. A vida não pode ser, no

entanto, o páramo ou a estepe em cujos dilatados confins

nós devamos nos perder irremediavelmente. É preciso

fazer dela um lugar pleno de encantos, a fim de que nossa

alma encontre, em todo o momento e a cada passo, o

incentivo necessário para avançar segura e decidida pelos

caminhos do mundo.

Conhecida a causa determinante da falta de vontade

que nos acossa, nada mais lógico e urgente que eliminar

essa causa. Se, diante da perspectiva de uma longa viagem,

com todo o gosto nos preocupamos em fazer as malas,

com maior razão ainda temos de nos preparar para o

longo percurso de nossa existência, abastecendo nossa

vontade com estímulos capazes de satisfazer integral-

mente as necessidades da vida diária. Quais são esses estí-

mulos? Certamente variam em cada indivíduo. Aquilo

que em uns age incitando à ação, em outros se mostra

inoperante. O melhoramento econômico constitui um

estímulo para quem o procura, porque sabe que, uma vez

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alcançado, terá satisfeito uma longa e acalentada aspi-

ração; o mesmo estímulo não tem valor para aquele que

já desfruta uma posição folgada ou é indiferente a ela.

Existe toda uma escala de estímulos, desde os mais

fracos até os de mais alto poder; como, porém, seu valor

é relativo, o próprio homem deve aprender a criá-los

dentro de si quando não os sinta surgir espontaneamente.

O estímulo aflora do propósito, do projeto, iniciativa

ou fim que se procura realizar, e sustenta o entusiasmo,

que é necessário manter permanentemente durante o

prosseguimento da obra. Mas tenha-se em conta que o

entusiasmo originado de uma esperança não deve jamais

ser inflado pelos excessos da ilusão, capaz de aumentá-la até

o ponto de sufocar esse mesmo entusiasmo.

Conformarmo-nos com pequenas esperanças, enquanto

nos capacitamos para semear de estímulos positivos a área de

nossa vida, é conhecer o segredo para que frutifiquem, numa

sucessão feliz, esperanças e entusiasmos maiores.

Se já vimos, em muitas circunstâncias da vida, que a

vontade atua por pressão da necessidade, por que não

exercitá-la por meio de incentivos que substituam esse

imperativo e a obriguem a nos servir docilmente e com

toda a eficiência? Dar-nos-á alento, por um lado, saber

que podemos fazê-lo e, por outro, pensar na satisfação

que haveremos de sentir no momento do triunfo, ao co -

lhermos os frutos do esforço.

Deficiências e Propensões do Ser Humano

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A antideficiência que aconselhamos aplicar nos casosde falta de vontade é a decisão. Para que seja efetiva, teráde ser praticada conscientemente, com responsabilidade – como toda antideficiência exige –, sobrepondo-se comempenho à apatia até triunfar no forcejo psicológico. Oser deve demonstrar que é capaz de contrapor à abuliaque o domina a decisão de combatê-la. Conseguirá,assim, ter vontade para tudo.

Será necessário, em primeiro lugar, querer uma coisaou querer fazer algo; mas querê-lo com força, para per-mitir que a antideficiência entre em vigor. O simples fatode pensar que estamos levando à prática uma disposiçãoemanada de nós mesmos, que tem por fim imediato nossopróprio benefício, contribuirá de maneira decisiva e semmaiores tropeços para a conquista daquilo que buscamos.

É no princípio de execução de todo propósito debem que, com frequência, a falta de vontade se faz pre-sente; mas, sabendo que a causa desse mal está na preguiçafeita hábito, enfrentá-la-emos com resolução, avaliandoem todo o seu volume os prejuízos que ela nos ocasionae sem alimentar, nem por mais um instante, nenhum dospensamentos negativos que promove.

É natural que isso exija estar ativo, mas o esforço quetal atividade demanda logo é compensado, porque per-mite viver a vida com maior intensidade, sem que elaescape do próprio ser com o tempo que se perde quandose é vítima desta deficiência.

Carlos Bernardo González Pecotche (raumsol)

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Deficiências e Propensões do Ser Humano

Trata-se, pois, de ser consciente na luta que começa ao

se defrontar o homem com esse inimigo que atenta con-

tra o melhor que ele possui dentro de si: as energias que

sustentam e dão conteúdo a sua vida moral e espiritual.

A decisão vigoriza o temperamento e faz com que o

ânimo se recupere no instante mesmo em que começa a

decair. A vontade, assim fortalecida, vai se erigindo em

valor inapreciável, constituindo-se na força que move o

homem na procura dos bens que prometeu para sua vida

e seu destino.

Tendo isso presente, não serão deixadas para amanhã

as coisas que podem ser feitas hoje, já que fazê-las opor-

tunamente permite ganhar um tempo que, no dia se -

guinte, poderia ser destinado a outros afazeres.

É certo que em alguns casos esta deficiência pode ser

neutralizada mediante uma rigorosa disciplina, mas acon-

selhamos a todo aquele que cultive nossos estudos que,

antes de recorrer a imposições rígidas, mais que tudo for-

taleça seu ânimo e ofereça à própria vontade estímulos

capazes de convertê-la no centro dinâmico de suas

energias internas.

Quem realiza o processo de evolução consciente,

cumprindo na medida de sua capacidade as exigências do

adestramento interno, aprende a mobilizar seus pensamen-

tos e os faz servir à causa do próprio aperfeiçoamento. É muito o que o homem pode conquistar no campo

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Carlos Bernardo González Pecotche (raumsol)

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das realizações superiores, sendo o saber a prerrogativamáxima que lhe foi concedida. Não existe, pois, maior estí-mulo para sua vida.

O saber aumenta a vontade e faz com que tudo se con-substancie na ação.

Esta deficiência atua de forma intempestiva, pois o arre -batamento mental que a caracteriza influi irresistivelmentesobre a vontade, obrigando-a a ceder. O pensamento que aexcita pareceria estar espreitando uma oportunidade parasaltar como a cobra de pano encerrada na caixa de surpresa.

A impulsividade é, em síntese, um pensamento impe -tuoso que provoca a reação imediata da mente ante qual-quer incitação ou motivo que surja açulando-o. Em todosos casos se manifesta como ato irrefletido do indivíduo.

Há circunstâncias em que ela configura um quadro psi-cológico contraditório, pois pessoas habitualmente sere nasinesperadamente põem em evidência sinais inconfundíveisdesta imperfeição, isto é, alteração do ânimo e consentimen-to ao desafogo mental.

D E F I C I Ê N C I A : Impulsividade

A N T I D E F I C I Ê N C I A : Contenção

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Deficiências e Propensões do Ser Humano

Dissemos, em outra parte deste livro, que há deficiên-cias que influem direta ou indiretamente sobre as demais,ora ativando-as, ora forçando-as a compartilhar suaintenção; uma delas é, precisamente, a impulsividade. Temmuito a ver com a indiscrição, pois o impulso irrefletidoleva, às vezes, a expressar o que se sente ou se pensa arespeito de pessoas, assuntos ou coisas, apesar do propósitoque se tinha de mantê-lo em reserva. Também há circuns -tâncias em que a deficiência atua por causa de sua vincu-lação com a suscetibilidade, o orgulho, a presunção, etc.

Por sua peculiar índole arbitrária, a impulsividadealtera continuamente a paz interior. Por outro lado, oimpulsivo não mede as consequências dos impactos queproduz no semelhante, e de seus desplantes surgem comfrequência atitudes que destoam do trato exigido pela con-vivência, tanto dentro da órbita familiar como no meiosocial que frequenta, onde não são poucas as pessoas que seprevinem contra ele.

Esta deficiência faz agir fora de hora, sem oportu-nidade, sem cálculo, sem medida, e do mesmo modo queafeta com sua manifestação as zonas mentais do indivíduo,influi, nos temperamentos emotivos, sobre a região sensí -vel. Percebe-se isso no choque emocional que impele oser a identificar-se desmedidamente com a dor alheia. Emalguns casos, a exteriorização do ímpeto emotivo é tãoacentuada que alcança contornos lamentáveis. Referimo--nos àquelas pessoas que, esquecendo seus deveres natu-

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rais, se deixam envolver em excesso por fatos que deveri-am reclamar tão somente uma parte de sua comiseração.

Poucos são os seres humanos afetados pela impulsivi-dade que têm cabal consciência de que ela é causa demuitos de seus infortúnios. Deter-se com o propósito deimpedir que suas insolências perturbem a tranquilidadeinterior ajudará a estabelecer o hábito da contenção, quesignifica nada menos que o domínio de uma reação, sem-pre arbitrária, com efeito deprimente sobre o ânimo.

Se temos deveras interesse em levar adiante essepropósito, começaremos por fazer um estudo da deficiên-cia, anotando cada uma das circunstâncias que ocorram àrecordação, para mostrar-nos como se manifesta nossaimpulsividade e os efeitos negativos que produz. Em segui-da, será posta em atividade a antideficiência, a qual, exerci-tada em todos os momentos, não tardará em nos dar provade sua grande eficácia como elemento neutralizador daimpulsividade.

O hábito da contenção floresce ao se debilitar a impul-sividade, ou seja, quando se consegue imobilizá-la,impedindo-a de descarregar seus arrebatamentos.

Carlos Bernardo González Pecotche (raumsol)

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Deficiências e Propensões do Ser Humano

Quando esta deficiência se circunscreve às formasbenignas de sua manifestação, logicamente não implicagravidade para quem a padece, mas quando a epidermepsicológica do suscetível se mantém em constante eriça-mento, eis aí o claro indício de que a falha chegou a seuapogeu, com os consequentes prejuízos para o ser, quesofre já com intensidade sua influência transtornadora eexperimenta, com amargura, que seu trato consigo mesmoe com seus semelhantes se faz cada vez mais difícil.

O suscetível é uma pessoa predisposta a ver no pró -ximo uma segunda intenção, o que dá lugar a que semelindre ou se ofenda com extrema facilidade. Sua imagi -nação desfigura palavras e atitudes e, em decorrência disso,se mortifica e atormenta. Com frequência acredita ver noseme lhante o propósito de desmerecê-lo, ou se ressente damais leve desatenção, e não há gesto, palavra ou atitude dequem tenha tido ocasionalmente alguma diferença comele que sejam justamente interpretados.

Próprio da tenacidade de seu defeito é não se deixarpersuadir dos erros que comete; nem mesmo a reflexãomais serena e honesta consegue algo nesse sentido. Em tão

D E F I C I Ê N C I A : Suscetibilidade

A N T I D E F I C I Ê N C I A : Equanimidade

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deplorável estado mental, fruto da perturbação que sofreseu entendimento, tudo o incomoda, pois não há coisaalguma que se enquadre na rigidez de seu pensamento ouesteja de acordo com seu juízo, seus projetos, desejos ouambições. Nem a perda de amizades, nem o distanciamen-to daqueles que tiveram de tolerá-lo até a culminação deseus excessos, conseguem às vezes convencê-lo de seu erro.

É também um fato certo que o suscetível, em razão deseus desacertos, aumenta continuamente seus receios ou osmotivos que o ofendem, pois supõe que sua conduta pro-move comentários adversos, desconformidade, desagrado, eisso mesmo influi para que se sinta afetado por qualqueralusão que lhe pareça suspeita.

A suscetibilidade acompanha geralmente as pessoasincapazes de se colocar com modéstia nos cargos ouposições que ocupam, onde esperam sempre um reconhe -cimento amplo de seus valores, reais ou efêmeros, porparte dos demais.

Esta deficiência fomenta em alguns casos o recurso deadular, coisa que o ser faz com o fim de obrigar à recipro-cidade no trato. O suscetível busca a adulação como o toxi -cômano o alcaloide; daí que, quando essa adulação não semanifesta, ele se ressinta, revelando com frequência grandefalta de discrição e tato.

Deixaremos ao leitor a tarefa de enumerar as múltiplasdeficiências que se associam a esta falha psicológica e quecontribuem para acentuar sua ação negativa.

Quando quem padece este mal psicológico decide

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Deficiências e Propensões do Ser Humano

empenhar-se na tarefa de realizar o processo de evoluçãoconsciente, comprova que a negatividade de sua deficiên-cia adquire um significado especial, porquanto ela entor-pece constantemente a louvável decisão de orientar a vidapelo limpo caminho do aperfeiçoamento, ao criar-lhesitua ções que não condizem com a integridade que devemani festar-se nele. A repetição de tais perturbaçõescomove permanentemente seu campo mental, ao chocar--se com o alheio, em razão das circunstâncias promovidaspor seu próprio temperamento melindroso.

A equanimidade é o sentido de justiça e, ao mesmotempo, a medida exata com que são apreciados os valoresopostos. Ela mantém o homem protegido das atitudesextemporâneas da suscetibilidade, que surgem impulsio -nadas pelas ligeirezas do juízo.

Iniciado o ser no exercício da equanimidade, poderáainda associar a seu esforço a afabilidade, que, cultivadacom boa compreensão do objetivo que se persegue,favorecerá grandemente o trabalho de neutralizar e eli -minar esta deficiência.

A afabilidade é o mel que, derramado sobre o vinagrepsicológico, melhora seu sabor.

Ela tem sua estirpe nas excelências da alma, ao passoque a suscetibilidade é gerada nos domínios do instinto.

Quem quiser experimentar essa notável transiçãoanímica e temperamental deve seguir a indicação exposta,o que lhe permitirá superar uma das deficiências maisdetestáveis e penosas.

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O benefício que se obtém com a mudança é de dimen-sões insuspeitadas. Sua realidade se encarregará de mostrarisso e fazer com que seja desfrutado plenamente.

É característico desta deficiência impelir a pessoa a falare a agir irrefletidamente, sem acerto nem responsabilidade.Assim como a induz a divulgar prematuramente uma ideia,um propósito ou projeto, debilitando com isso a inteirezade suas forças psíquicas e morais, cuja soma constitui areserva dinâmica das energias que robustecem a vontade,torna-a imprudente na emissão de um juízo, inoportuna,falante em excesso algumas vezes e, outras, desconsideradae desleal para consigo mesma e para com o semelhante.

Tanto no homem como na mulher esta deficiênciapode ter igual enraizamento, mas é ela, em particular, queminflige a si mesma os maiores agravos quando não sabe seesquivar de suas instâncias. Estamos nos referindo ao danoque a deficiência lhe ocasiona, quando se manifesta emdetrimento da delicadeza que lhe é própria e que toma sua

D E F I C I Ê N C I A : Indiscrição

A N T I D E F I C I Ê N C I A : Discrição

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Deficiências e Propensões do Ser Humano

expressão no pudor. A entrega que faz a outros – seja porvaidade, seja por despeito, seja por inadvertência ouingenuidade – de vivências de estrita ordem pessoal a vaidesmerecendo, e, embora depois se arrependa disso, se vêobrigada a reconhecer que afetou um bem que devia con-servar intacto. Cometida a indiscrição, as intimidadesperam bulam de boca em boca, disputadas pela curiosidadedo ambiente. Ao tratar deste particular, não excluímos adeli cadeza que o homem deve conservar, a qual em muitose consubstancia com sua própria honra.

A indiscrição costuma afetar não só o foro íntimo dopróprio ser, mas também o dos demais. Será preciso recor-dar, por certo, a forma pela qual empreendimentos ehomens se malogram por culpa desta deficiência, de cujanefasta influência não têm escapado sequer as relaçõesentre governos e povos.

Em nosso conceito, a indiscrição assume um significa-do especial, que define seu conteúdo específico. Logo so fi -ca mente, é “viver fora de si mesmo”, ou seja, exteriorizarde forma inveterada o que pertence ao âmbito privado.

Deter-nos-emos neste aspecto da deficiência, por serde particular interesse para quem leva consigo o propósitode cultivar-se espiritualmente.

Assim como em seus aspectos correntes a indiscriçãotem quase sempre origem em descuidos da educação, o as -pecto que agora nos ocupa tem sua raiz na falta de conhe -cimento de si mesmo, ou seja, na carência de noções acer-ca do verdadeiro comportamento interno. A ignorân cia

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daquilo que cada um tem o dever de preservar do olhar edo ouvido alheios dá lugar à indiscrição, que tão profunda-mente afeta a vida íntima, patrimônio exclusivo e sagradodo indivíduo. Sua persistência no ser obedece, pois, à faltade consciência a respeito dessa vida íntima, dessepatrimônio, repetimos, vedado pelas leis naturais à intro-missão estranha. Para alcançar essa consciência que falta,deve-se começar por conhecê-la mediante um rigorosoprocesso de ativação de seu funcionamento mental e psi-cológico. Isso habilita o ser para determinar com precisãoas fronteiras que separam a vida interna da externa e, alémde impedir que se confundam as funções de uma e deoutra, evita toda interferência por parte de quem as vive easpira a ser dono de ambas.

Compreender-se-á quão indispensável é pôr um limi -te às exteriorizações desta deficiência, sempre inoportu-nas e às vezes temerárias. Quando ela já se apegou aopróprio temperamento, deve-se renovar continuamente opropósito de eliminá-la, pondo os olhos do entendimen-to na antideficiência que nos levará à consecução dessepropósito, a discrição, virtude que protege, qual escudoinvulnerável, os caros segredos da intimidade.

Como auxiliar dessa virtude, impõe-se a reserva, quecontribui para evitar as inconfidências da indiscrição.

O discreto sabe medir suas palavras e atos, e seexpande ou se contém segundo o que seu juízo e prudên-cia lhe aconselham.

Quem se proponha a corrigir em si mesmo esta falha

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haverá de dizer-se amiúde para si mesmo: “Devo ser dis-creto. Em consequência, não devo ser veículo de discórdiae tenho de manter este propósito, a fim de preservar-me e,por extensão, preservar meus semelhantes dos desgostosproduzidos pela falha que me aflige. Não voltarei a satis-fazer aos que alimentam suas mentes com o que extraemda imprevisão e ingenuidade alheias. Não permitirei jamaisque minhas palavras ou meus atos me atraiçoem poresquecimento destes propósitos.”

Se aspiramos a ser donos absolutos de nosso foro ínti-mo, façamos dele o encanto de nossa existência, o refúgiosem-par de nossas penas, o albergue sublime de nossa feli-cidade e alegria.

A discrição é a chave de segurança que fecha a portadas confidências mais doces e sensíveis, só pronunciáveisdentro de nós mesmos.

Seu cultivo há de ser sempre uma das tarefas maisgratas ao espírito do homem.

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É esta uma deficiência pronunciadamente negativa, quepõe a pessoa em situações incômodas e a submete adolorosas experiências, por causa da permanente falta deboa colocação em que a deixa, impedindo-a de amoldar-seaos novos acontecimentos que a vida traz consigo, bemcomo a toda circunstância que, de um modo ou de outro,implique uma mudança em seus pensamentos, atitudes oucostumes. Em outros termos, obriga a pessoa a viver emdesacordo com a realidade que a rodeia e, portanto, fazcom que experimente de forma constante os ingratosresultados de sua obstinada resistência à lei de adaptação.

Sem nos determos nas comprovações biológicas arespeito do ponderável grau de adaptação das formas de vidavegetal e animal, veremos que fatos históricos de mons tram aenorme capacidade natural do homem para adaptar-se àsmais variadas e inclementes condições de vida. Forçado a isso, sua adequação ao meio e a toda espécie de pressões enecessidades é um fato certo, o qual não o impede todavia derebelar-se e afundar-se em incompreensões que repercutemdolorosamente nele. A inadaptabilidade não corresponde,

D E F I C I Ê N C I A : Inadaptabilidade

A N T I D E F I C I Ê N C I A : Adaptabilidade

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pois, ao físico, e sim ao psíquico, ou, mais diretamente, àparte mental do indivíduo, por ser na mente onde se deveverificar a passagem de um estado a outro de compreen-são. A inteligência desempenha um papel sumamenteimportante nas decisões do livre-arbítrio. Ela aceita ourechaça os câmbios a que o ser deve submeter-se em razãode necessidades, circunstâncias ou pressões. Na mente nãose produz, então, como no caso do físico, a adaptaçãoespontânea que reflete o sutil movimento de conservaçãoda vida por meio das alternativas a que se vê exposta. Não;nela, a adaptação se realiza em virtude dos acertos dainteligência na elaboração de uma razão que sirva para sus-tentar uma posição ou um comportamento que é precisoadotar em substituição a outro.

Com frequência se invocam razões de hábito, de con-ceito, quando não motivos derivados de alguma situaçãoparticular, para justificar a falta de ajustamento às circuns -tâncias que sobrevêm – mesmo aquelas que são conse-quência de erros cometidos –, sendo certo que se recorrea tais argumentos para escapar aos câmbios que essascircuns tâncias forçam cada um a realizar em si mesmo.

Esta deficiência esconde sempre o ídolo da falsa per-sonalidade. Por trás dos bastidores do cenário psicológicodo ser, a inadaptabilidade, escudada nesse ídolo, move sigi -losamente os fios de sua argúcia e é, definitivamente, a quese rebela contra as situações ou acontecimentos adversos, ea que reage, até à teimosia, contra toda ideia que tenda amodificar sua rígida postura.

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Por sua falta de moderação, esta falha dificulta asrelações com os demais. As pessoas, mesmo quando a edu-cação o dissimule, poucas vezes suportam a atitude doinadaptável, ao pretender ele, como ocorre frequente-mente, impor seu modo de ser, de pensar ou de sentir, semoferecer nenhuma flexibilidade de sua parte.

A pessoa submetida aos transtornos que esta deficiên-cia ocasiona, atrasa sensivelmente o processo de sua vida.Sem se decidir a imitar o exemplo dos que saltam comagilidade os obstáculos que comumente se levantam paraprovar a fortaleza e a têmpera, permanece à espera de queestes desapareçam, em virtude de algum milagre especial-mente realizado para sua exclusiva comodidade.

A adaptação é um poder consubstancial com anatureza física e psíquica do homem, que lhe permitesuportar os maiores sofrimentos e incômodos sem perderas prerrogativas de seu gênero. Mas, mesmo sendo con -subs tancial, esse poder só se manifesta com todo o vigorde sua potencialidade quando se leva a adaptabilidade àprática, depois de sua assimilação como conhecimento. Érazão de sobra para se proceder ao exercício voluntáriodesse poder que promove a adequação da vida às mil euma dificuldades que se lhe apresentam, evitando o des-gaste de resistências inúteis.

A evolução consciente requer que o ser ajuste o pen-sar, o sentir e os hábitos de toda ordem aos câmbios e àsnovas modalidades que ela auspicia. Compreender-se-áentão quão importante é afastar do caminho uma defi-ciência que constitui tão sério obstáculo para o desenvolvimento de nossa vida interna.

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É sintoma de obstinação o capricho, que aparece nainfância e aumenta continuamente com o afago daquelespais que consentem, solícitos, os desejos extravagantes eveementes de seus filhos. É assim que surge, mais tarde, oobstinado, o que se compraz em contrariar os gostos, aopinião ou a vontade dos demais; o que sempre se opõe,por palavra ou ato, a toda mudança que diga respeito a suaconduta ou a seu modo de pensar.

Mas a obstinação, como tantas outras deficiências, nãoé uma falha cujo enraizamento possa ser sempre atribuí-do a uma educação defeituosa; muitas vezes é congênitae, assim como pode aumentar com o tempo, também ésuscetível de diminuir, em razão do acerto na orientaçãoa que o ser é submetido desde pequeno.

A obstinação é uma deficiência que trava as facul-dades de pensar, de entender e de raciocinar, porque assufoca, impondo-lhes o argumento que lhe serve deobjeção. Quem a padece é um ser que não vê nem ouveoutra coisa que não seja aquilo que ele admite.

D E F I C I Ê N C I A : Obstinação

A N T I D E F I C I Ê N C I A : Transigência

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Esta falha se manifesta no indivíduo toda vez quealguém discorda de sua maneira de encarar as coisas. Éentão que o desagrado lhe provoca uma crise e sobrevéma obstinação, sendo sua psicologia alterada por esse estadonegativo, que se reproduz tantas vezes quantos sejam osincidentes que sua desatinada conduta promova. Nãoadmite a possibilidade de um equívoco, nem tampouco écapaz de ceder se isso lhe for mostrado de forma evidente,chegando sua intransigência a produzir atritos verdadeira-mente lamentáveis com aqueles que com ele tratam, e atémesmo, distanciamentos definitivos.

O choque com a realidade geralmente o submerge emobscuras abstrações, nas quais oculta, ensimesmado, seuressentimento ou pesar.

A obstinação se apresenta às vezes sob o disfarce deforça de vontade, constância ou empenho. Referimo-nosaos casos em que o ser parece perseverar em alcançar deter-minado fim, atitude que não é bem assim, pois não é difí-cil descobrir nele o obstinado que, vítima da teimosia e dacegueira, pretende alcançar o que sua deficiência lheimpõe. Há ocasiões, todavia, em que as circunstânciasfavorecem seus planos, mas sua própria obstinação os malo -gra em seguida, por faltar-lhe a mesura e o tato que sem-pre devem apoiar o desenvolvimento e a manutenção dequalquer empreendimento.

É comum e sensato que as determinações adotadascom base num plano sejam modificadas, se isso fornecessário, pois até as resoluções longamente amadurecidas

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podem impor variantes no curso de sua execução. O obsti-nado não admite, contudo, variantes nem retificações denenhuma espécie, atitude que evidencia o aspecto negati-vo de sua conduta.

Ficaria bem representada a teimosia do obstinado numsujeito que, diante de uma porta definitivamente fechada,se empenha em passar por ela, enquanto os demais entrame saem pela que se abriu em seu lugar; o obstinado é aindacapaz de crer que lhe fecharam propositadamente essaporta para impedir sua passagem.

Não se deve esquecer que a obstinação recebe oinfluxo de outra deficiência, o amor-próprio, e que, emconsequência, se deve buscar o modo de combater a ambasao mesmo tempo.

A transigência transforma em dócil a parte rude daobstinação, tornando-a permeável ao trabalho da reflexão.Eis aqui a fórmula que, metodicamente aplicada, serámuito eficaz para se conseguir o câmbio e livrar-se de umadeficiência tão incômoda quanto desagradável.

É muito natural que se predisponha a combater em simesmo esta deficiência aquele que, com amplitude devisão, se reconheça obstinado, pois ninguém melhor doque ele sabe quantos desgostos experimenta por sua causa.Para tal fim, é preciso recordar que é essencial transformá--la em empenho consciente da vontade.

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Como tantas outras deficiências, a vaidade se insinuaquase sempre na infância, vigorizando-se por inadvertênciados pais, propensos com frequência a fomentá-la ou afechar os olhos a suas manifestações. O certo é que os con-sentimentos e elogios, quando prodigalizados sem medidaalguma pelos adultos, influem desfavoravelmente na for-mação caracterológica da criança, sendo essa condutaduplamente nociva quando se trata de crianças inclinadaspor natureza a contrair a deficiência.

A valorização que em sua presença se costuma fazer desuas aptidões, tanto físicas como de talento, assim como ofato de elas se sentirem donas de roupas, brinquedos e obje-tos que as destacam entre as demais crianças, contribuempara fomentar nelas o desejo de serem admiradas e o prazerpela lisonja, o que vai definindo rapidamente as característi-cas do vaidoso. Uma vez acentuada a deficiência, e aguçadasoutras que por afinidade incidem em sua psicologia, vai-secriando no ser, já adulto, um complexo de superioridade,tão pernicioso como o seu oposto, o de inferioridade.

Nem sempre, entretanto, a vaidade tem essa origem. Éfrequente ver como seres que nunca tiveram de que se

D E F I C I Ê N C I A : Vaidade

A N T I D E F I C I Ê N C I A : Modéstia

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envaidecer, de repente revelam essa particularidade nega-tiva em consequência de um êxito, de um acerto, de umamudança favorável de fortuna, etc., o que nos mostra quãosuscetível é a criatura humana à vaidade, e quão necessárioé que ela cimente em si mesma a qualidade moral que lhesirva de resguardo contra tais ciladas.

Esta deficiência reveste de ouropel a figura da pes-soa, que, comprometida por essa circunstância, se vêobrigada a exaltar ante parentes e amigos suas própriasluzes, méritos ou qualidades, os quais raramente pas samdo medíocre.

É fácil comprovar que a vaidade não pode manifestar--se sem menoscabo dos méritos alheios, e ela poderiamuito bem ser definida como uma sutil ofensa que se fazao semelhante, colocado sempre em inferioridade decondições pelo vaidoso.

Esta falha psicológica fecha o entendimento e prostra afaculdade de raciocinar ante a autoestima levada à exalta çãoe até ao paroxismo. Numa palavra, entorpece o livre jogodas faculdades da inteligência. Se estas – as facul dades depensar, de observar ou de raciocinar, por exemplo – ope ras -sem no vaidoso com inteira liberdade, não se poderia admi-tir que tivessem deixado de adverti-lo dos prejuízos quesuas deficiências lhe ocasionam, sobretudo o desconceito.

A vaidade se resume na jactância, que se reve la nãosó na palavra, mas também na atitude e na expre s são.É uma né voa psicológica que obscurece a mente,

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impedindo de ver e sentir honestamente a justa medidado próprio conceito.

Quem vive cegado por esta falha não concebe para si amodéstia, antípoda da vaidade, mas lhe agrada, isso sim,que os demais sejam modestos e, ademais, estejam dispos-tos a suportar sua vanglória.

Tacitamente, o vaidoso descarta essa virtude comoalgo que não combina com suas pretensões; mais ainda, écomo se a modéstia fosse uma postura que diminuísse – permitam-nos o risonho paradoxo – sua pequenaestatura de “gigante”.

O cultivo da modéstia requer que as perspectivas da vidase circunscrevam à mais estrita realidade. Quem a isso sededicar logo conseguirá um lugar de preferência entre osseus semelhantes, lugar que nunca poderá ocupar aqueleque, incitado pela vaidade, persiste em granjear respeito esimpatia realçando ficticiamente as qualidades de sua pessoa.

Os valores que em verdade possuímos, não é necessárioexibi-los: eles se evidenciam por si sós.

A modéstia, sinal de boa estirpe, deve ser natural, jamaisafetada. É virtude que surge espontânea da alma, permitin-do que as pessoas se sintam cômodas e seguras, seja qual foro lugar onde se encontrem.

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Esta deficiência, de trama sutil, inverte de tal modo oconceito da humildade, que aquele que a ela está sujeitofinalmente acaba por ser levado a crer que possui tal vir-tude, ou que ela atua nele como condição natural, inata.

A falsa humildade é um hábito bastante generalizado.Na verdade, não são poucas as pessoas que costumamdiminuir seus méritos, revestindo-se de modéstia, paraobrigar os que, desprevenidos, as escutam, a exaltar osvalo res de que dissimuladamente elas fazem gala. É umadas tantas formas de surpreender a boa-fé do próximo, acuja observação são submetidas palavras e atitudes, dando--lhes uma aparência de virtude.

Indubitavelmente, ela inferioriza a pessoa pela índoledo fim que persegue: exibir-se como humilde. E quãofácil é comprovar, após o contato com sua “inofensiva pelede ovelha”, que ali, debaixo daqueles “alvos” pelos, seoculta às vezes o gato-do-mato de afiadas unhas, prontopara saltar sobre quem o descobre em sua impostura. É areação, não isenta de violência, que põe a descoberto ofalso humilde, o hipócrita da virtude.

Quando se encara a luta contra esta deficiência, é pre-ciso ter presente que ela age em paralelo com outra não

D E F I C I Ê N C I A : Falsa Humildade

A N T I D E F I C I Ê N C I A : Sinceridade

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menos negativa e dominante, o amor-próprio, chegandoambas a se confundirem na intenção que manisfestam.Citando um exemplo, se por um lado se faz alarde de vir-tude, ostentando humildade, por outro brota o amor--próprio, com os traços inconfundíveis da pessoa que sesuperestima, os quais definem o orgulhoso de si mesmo. Éa exaltação da personalidade, pretendendo dar relevo aoque não se é nem se tem, sem se aperceber do efeito con-trário que produz. Trata-se de uma consequência natural, eao mesmo tempo lógica, para quem tenha buscadoconsidera ção e estima por meio tão censurável.

Descobrir esta deficiência em si mesmo é bastantedifícil, pois, como dissemos, sendo sua função enganar, oprimeiro a ser enganado costuma ser o próprio indivíduo.Consegue-se identificá-la por meio do conhecimentoque ilustra sobre seus artificiosos manejos, o que permitedescobri-la tanto na própria pessoa como nas demais.Uma vez identificada, cabe supor que, naturalmente, nãose pode continuar alimentando o pensamento ignóbil quegera este defeito.

Do estudo desta deficiência nascerá, pois, como impe -rativo impostergável, a necessidade de cultivar a sinceri-dade. Contrapor esta virtude à falsa humildade é opor-lhe uma realidade que terminará por aniquilá-la.

A sinceridade, quando não é inata, deve ser adquiridaà cus ta de atenção e tenaz empenho, sem se esquecer, emne n hum instante, o aspecto verídico e leal de suaexpressão ética.

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1 Ver A Herança de Si Mesmo, do autor.

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Ela exclui todo esse suplemento artificioso sugeridopela ênfase de quem, ao falar de si, mostra ao mesmotempo uma humildade que não possui.

Esta deficiência tem por origem a própria herança1, massua manifestação e desenvolvimento dependem de diversosfatores: ambiente familiar, amizades, falta de estímulos, etc.Educar a criança numa disciplina que a obrigue a mantersua mente ativa pelo estudo ou pelas tarefas habi tuais édefendê-la do possível aparecimento desta falha, quecomeça a se manifestar como preguiça mental e, acentuan-do-se com o tempo, pode desembocar em completa apatia.

A indolência paralisa os recursos ativos da vontade emergulha o ser numa passividade nociva, que afeta sua psi-cologia, tornando-o improdutivo e inábil para qualquerfunção de responsabilidade. Desprovido de interesse e ini-ciativa, move sua vida lentamente, como se te me sse que omenor esforço viesse a interromper permanentemente

D E F I C I Ê N C I A : Indolência

A N T I D E F I C I Ê N C I A : Autodeterminação

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seu inveterado costume de não fazer nada. Pode-se muitobem dizer que ele só vive, e mesmo assim precaria mente, aquarta parte de sua vida, pois desperdiça lamentavelmenteas outras três.

O embotamento mental, que entorpece as energiasvitais e debilita a existência, é seu efeito mais penoso. Semdegustar o conteúdo da vida, feito de atividade, o indolentea vive de forma vegetativa e rotineira.

Esta falha não deixa a pessoa cumprir satisfatoria-mente suas obrigações, sendo isso motivo para que não seconfie nela e para que sejam pouco valorizados osserviços que presta.

Poderá ser honrada como as demais, mas não deixará dese expor a que outros se aproveitem de sua indolência paraconsumar atentados ao patrimônio alheio, fazendo-a vítimaindireta do desfalque.

A indolência é uma das tantas singularidades da psi-cologia humana, pois manifesta contradições muito visíveisentre os pensamentos, palavras e atitudes do ser. Bastacomeçar a examiná-la para que se perceba que ela atuasobre os centros volitivos do indivíduo, que nada têm a vercom a capacidade mental. É como se atuassem no indolenteduas forças antagônicas. Pois bem, se atássemos a uma viatu-ra duas forças iguais, uma puxando para o norte e a outraem sentido contrário, teríamos como resultado a imobiliza-ção do veículo. Algo parecido acontece com o indolente.Pode ser que se trate de uma pessoa normalmente dotadapara o estudo, ou com boas aptidões para o trabalho, mas,ao não desenvolvê-las por causa da apatia e da falta de

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interesse com que encara seu desenvolvimento, sua vidanão progride, estanca-se. O mesmo acontece com quemdesenvolve sua atividade num só sentido, enquanto vãoficando postergadas outras possibilidades igualmente pro-dutivas de sua inteligência. Como se vê, ambas as vidaspoderiam dar excelente fruto, mas se malogram oureduzem suas prerrogativas em razão dessa dualidade a quenos referimos. É óbvio que ocorre o contrário quandoessas duas forças se unem e se orientam numa mesmadireção, e tudo propende para um só objetivo: a con-sumação daquilo a que o ser se propôs realizar em sua vida.

Se por um instante o indolente pensasse com seriedadenas funestas consequências que esta deficiência acarreta,talvez encontrasse forças para sair de sua inabilitação. Masele não pensa nem se comove ante a desoladora perspecti-va de seu futuro; daí que lhe falte decisão e valentia parafazê-lo, e prefira deixar-se estar à mercê do acaso, enquan-to o tempo passa e, com ele, a vida.

Os que vivem sob o peso desta afecção psicológica sãocomo aqueles enfermos que, crendo-se incuráveis, seentregam resignados à sua sorte, negando a si mesmos a pos-sibilidade de cura, esperança esta que jamais se deveria perder.

Na verdade, se o indivíduo indolente não tem a seualcance um auxílio direto e eficaz, poucas probabilidadesterá de sobrepor-se a seu defeito, e menos ainda de vencê--lo. Tenha-se em conta que as energias internas, adormeci-das faz tempo, não despertam por arte de magia. Énecessário reeducá-las no exercício de suas funções. É isso

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precisamente o que o conhecimento logosófico faz, aopromover nessas energias uma saudável reação, em virtudeda atividade que as estimula. Mas o indolente conseguiráinteressar-se por isso? Preparar-se-á com firmeza para opropósito de desembaraçar-se de sua falha? Dizemos issoporque tal empresa requer decisão no comportamento,autodeterminação, atitude que só pode ser adotada poraquele que anele de verdade superar tal inconveniente.

Partindo também neste caso da infância, na qual têmorigem, como dissemos, muitos defeitos psicológicos, sur-preendemos a desobediência manifestando-se geralmentecomo rebeldia. Isso ocorre porque não se ensinam à crian -ça as razões pelas quais deve obedecer e os benefícios quetal atitude traz para a vida, seja como tônica construtiva sobo pátrio poder, seja a serviço do desenvolvimento har-mônico de uma atividade, da execução de uma obra ou dasleis que regem a ordem social.

D E F I C I Ê N C I A : Desobediência

A N T I D E F I C I Ê N C I A : Obediência

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É um fato comprovado que o instinto suscita prema -tu ramente no ser humano o problema de sua liberdade,ao confundir este, desde tenra idade, obediência comsubmissão e reagir em consequência disso. Mas a criançase faz homem e, com o tempo, à medida que sofre osembates da vida e que sua capacidade reflexiva o per-mite, forçoso é que compreenda que a obediência, etambém outras disciplinas, são necessárias, pois corrigemos desvios em que o indivíduo poderia continuar incor-rendo indefinidamente, tanto com respeito a si mesmocomo à vida de relação e às leis estabelecidas.

Para poder enfrentar a tempo esta inclinação defeituo -sa ou eliminá-la de si mesmo, antes de experimentar seuspenosos efeitos, é imprescindível fazer a criança saber quea obediência está condicionada a princípios de disciplina ede bem; por conseguinte, ela não deverá obediência a nadaque contrarie esses princípios. Será educada adquirindoconsciência desse dever e será capacitada para cumpri-locom lucidez mental. Jamais lhe será imposto o acatamentocego e, para tanto, lhe será propiciado o lógico discerni-mento sobre os motivos da obediência a tal ou qual ordem,indicação ou encargo.

É notório que, quando a desobediência se enraíza napessoa, influi decididamente sobre seu ânimo. Um empre-gado que desobedece reiteradamente a seu chefe se expõea perder a confiança nele depositada, e até mesmo seuemprego. Isso significa que cedo ou tarde sua conduta lheacarretará consequências adversas e, portanto, dolorosas,que abaterão seu ânimo.

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Com frequência se desobedece por temor de perderou diminuir a própria autonomia, pois se ignora que estapode ser mantida plenamente, apesar da obediênciaobservada ante os deveres que as circunstâncias, as obri-gações ou o meio familiar ou social impõem. Justamentepor não levar isso em conta é que o ser sofre, às vezes, asdesvantagens derivadas da deficiência, tão contrária aobom proceder.

O acatamento inteligente do indivíduo a normas,regras, deveres e leis contribui para estabilizar a harmoniana convivência humana.

Uma razão equilibrada – salvo nos casos de involun-tário descuido – jamais cometerá a torpeza de desobedecerà ordem social e jurídica, e quem cientemente o fizesse sedeclararia menos sagaz que o rato, cujo instinto o freia nomomento em que é tentado pelo queijo da ratoeira, se seuolfato lhe denuncia que outros de sua espécie deixaram alio vestígio de seu sangue.

Consideramos oportuno, agora, apresentar à reflexãoindividual algumas proposições que haverão de contribuir,não temos dúvida, para um maior esclarecimento no estu-do desta deficiência:

a) Proponho-me a ser mais ativo, falar o necessário,prestar mais atenção a meus afazeres, não me distrair, nãome violentar, etc., e não cumpro. Desobedeci a uma ordemque eu mesmo me havia imposto.

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b) Marco encontro com uma pessoa para determinadahora e me apresento tarde, ou não compareço. Desobedeci àpalavra que empenhara com o propósito de ser pontual.

c) Depois de elaborar ou tecer vários projetos, optopor um deles, empreendendo com entusiasmo sua exe-cução; mas, pouco depois de começar, abandono a empre-sa. Desobedeci ao pensamento que engendrou a iniciativae à minha vontade para levá-la a cabo.

d) Aspiro a conquistar uma posição honrosa na vida,mas não contribuo com meu empenho e constância parao desenvolvimento desse propósito, e ele se malogra.Desobedeci a um anelo que não deveria ter defraudado.

e) Sei que o abuso do cigarro, da bebida, do jogo, etc.,aruína minha saúde ou minhas economias. Não obstante, re -i n cido nisso. Desobedeci a meu próprio juízo, cujo conse -lho não ouço, e a minha sensatez, que reclama moderação.

f) Anelo com fervor ser melhor e saber mais; sei,porém, que para consegui-lo devo fazer algum sacrifício,mas fujo disso. Desobedeci a meu espírito, manifestadonesse sentir.

g) Sei que há coisas que não devo fazer, que contra -riam meu pensar ou meu sentir, e apesar disso eu as faço.Desobedeci à minha consciência.

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Apreciadas com ampla compreensão, estas considera -ções servirão de guia para julgar as atuações próprias econduzir melhor as rédeas do governo individual.

Esta deficiência violenta o caráter, ocasionando abati-mento no ânimo de quem a padece. Esconde-se às vezespor detrás de uma modalidade aparentemente calma, etambém sob a aparência jovial do indivíduo.

Tem origem numa alteração psíquica e nervosa oca-sionada por conflitos internos com os quais muito têm aver o sentir e o pensar. Revela um estado quase perma-nente de desgosto e dá lugar a manifestações contraditóriasdo ânimo. A um instante de otimismo se segue brusca-mente outro de pessimismo; a um de prazer, outro de aze-dume; e assim sucessiva e inevitavelmente. No fundo, ocul-ta-se um descontentamento que aflora à superfície porqualquer circunstância propícia. É um misto de amargura eviolência, uma alergia mental que provoca frequentes crisesno ânimo. Daí que o irritável reaja, geralmente, pormotivos mais aparentes que reais.

D E F I C I Ê N C I A : Irritabilidade

A N T I D E F I C I Ê N C I A : Temperança

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A irritabilidade é um fator de perturbação psíquica emoral que atraiçoa constantemente o próprio sentir. Pro -du zido o descontrole mental, o ser se torna presa fácil daviolência, a qual, mesmo quando temperada pela boa edu-cação, manifesta a desafinação na conduta e, por con-seguinte, o desconcerto no semelhante.

Esta deficiência se acentua quase sempre por induçãode outras formas negativas de sentir, como a inveja, porexemplo, que costuma oferecer múltiplos motivos para areação violenta do ânimo, trate-se do êxito de fulano, dafacilidade com que beltrano solucionou seus problemas, oude qualquer outro motivo que comova a pessoa em suapretensão de triunfadora única.

A ação destruidora e deprimente desta deficiência serácontida pela temperança, sedativo psicológico que mo deraas rudezas do temperamento até a sua total extinção.

Em sendo a temperança uma virtude conatural, seupossuidor a traz consigo como sinal de seu avanço nagrande experiência evolutiva.

Quando se trata de adquiri-la para opô-la a uma defi-ciência como a irritabilidade, é necessário o maior e maispersistente esforço, até alcançar a satisfação do propósito.O simples intento de consegui-lo debilita em certo graua deficiência, ainda que isso seja apenas o primeiro passo.Será preciso fazer muito mais; será preciso experimentara fundo as delícias proporcionadas pelo prazer de domaruma característica tão pouco favorável, e que põe emguarda todos aqueles que convivem com quem revelouser sua vítima.

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Esta deficiência reflete um estado de abatimento doânimo que inibe o ser em seu trato com os demais, preju -dicando quase sempre o valor das próprias aptidões, queficam diminuídas e até negadas pela coibição que eleexperimenta tanto ao falar como ao atuar.

O complexo psicológico da pessoa escravizada poresta falha está demarcado pelo efeito sugestionante e ator-mentador que o olhar alheio produz sobre seu ânimo,efeito que se traduz em temor ao fracasso, ao ridículo, aodesa ce r to; temor de não saber expressar com exatidãoaquilo que pensa ou sente, no qual toma parte muito ativaa subestimação de si mesma e o escasso mérito que atribuia suas ideias e qualidades, em contraste com o valor exces-sivo que concede às alheias.

É na infância e na adolescência que pais e professoresdevem combater os sintomas desse complexo de temor, ver-gonha e covardia, que é a timidez, ou impedir seu apareci-mento. Quantos sofrimentos poderiam ser evitados ao ser, seele fosse liberado a tempo de semelhante opressão!

Qualquer criança normalmente dotada pode contraireste defeito, se for submetida a um trato repressivo que tolha

D E F I C I Ê N C I A : Timidez

A N T I D E F I C I Ê N C I A : Resolução

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sua espontaneidade, e se não lhe for dado o apoio de quenecessita para crescer livre de temores, confiante em suasforças e na capacidade que desenvolva. Mas a acanhada pornatureza, a criança tímida, seguramente terá seu mal agrava-do se procederem inadequadamente com ela. Cortar-lhecom rispidez o uso da palavra, quando procura expressar oque pensa ou lhe ocorre; envergonhá-la ou confundi-la, ca -çoando de seus ditos ou argumentações; privá-la do exercí-cio saudável que a convivência com seus semelhantes impli-ca; menosprezar indiscriminadamente suas iniciativas, desejosou decisões, em vez de alentá-las conforme convenha à anu-lação de seu defeito, tudo isso são partes de uma conduta queseguramente aumentará a coibição que a retrai, e que estánegando à sua natureza o prazer de manifestar-se livremente.

A timidez, que com frequência assume característica decomplexo de inferioridade, é consequência da falta deconfiança em si mesmo. Essa confiança pode ser, entretan-to, criada e aumentada, se, ao tomar-se a determinação decombatê-la, após o reconhecimento periódico dos pensa-mentos e atitudes que marcam um progresso na modali-dade, consegue-se um saldo favorável.

Sabemos que quem padece seus prejudiciais efeitos écom frequência avassalado pelo temor, que o torna inseguro,o envergonha e confunde. Nada mais aconselhável, então,que bloquear o defeito com pensamentos de entusiasmo,otimismo e coragem, para poder, assim, dominar a articulaçãodos impulsos internos com vistas à sua total normalização.

Agilizando a mente com o estudo, prática e conheci-mento da atividade que os pensamentos desenvolvem

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dentro do próprio campo mental, o tímido obterá comoresultado um aumento gradual, e em proporção cada vezmaior, de seu próprio valor, valor que se irá configurandopouco a pouco em ousadia. Consequentemente, em virtudedesse exercício ele adquirirá, além de outras vantagens igual-mente apreciáveis, maior facilidade de expressão, pois que,com o adestramento que recomendamos, surge efetivamentea inteireza, que estimula o ânimo e permite expressar-secom desembaraço. Isso significa que o inibido se liberta deuma das dificuldades que mais o deprimem, já que sua defi-ciência, ao impedi-lo de comunicar e fazer valer seus juízos,o coloca em inferioridade de condições diante dos demais.

A timidez é má companheira, e quanto antes o serpuder se livrar dela, tanto mais à vontade se sentirá entreseus semelhantes e mais vantagens obterá de sua novaforma de ser.

Aquele que em verdade quiser escapar de seu domíniofará da resolução seu ponto forte e, tantas vezes quantasforem necessárias, repetirá mentalmente para si mesmo quedeve ser valente, que nada deve temer, procurando, é claro,manter-se em consonância com o que pensa. Recorde-seque é necessário favorecer a própria reso lução, se se quersentir o influxo da coragem e agir de forma consequente.

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É a mente embriagada de ficção, o absolutismo doinstinto, a negação da sensatez, o reverso da compaixão.

Denuncia falta de sentimentos humanitários, por quan -to sob seu domínio o ser termina por insensibilizar-se.

Na juventude, e até na infância, a soberba já mostraseu rosto, às vezes com bastante crueza, mas nem mesmochegando o ser à idade adulta a deficiência se manifestacom aquele absolutismo e aquela força que adquire, deimediato, quando ele se sente respaldado por um cargo deimportância, uma função de mando ou a posse de riquezasou outros bens materiais.

É inegável que os quadros psicológicos de maiorenvergadura como expressão de soberba são observadosnas posições de privilégio, nas quais se ostenta e se fazvaler a categoria social, a hierarquia e o poder. Mas asoberba influi sobre o temperamento humano até mesmonas mais limitadas esferas pessoais. Nota-se isso claramentena pessoa de condição modesta que se rebela ante aautoridade do superior e que, tão logo ascende a funçõesde maior responsabilidade, é dura e de escassa considera -ção com o subordinado, desafogando contra ele toda a

D E F I C I Ê N C I A : Soberba

A N T I D E F I C I Ê N C I A : Humildade

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mescla de arrogância, de altivez e de desdém que contevedurante sua forçada situação de dependência.

Tanto o indivíduo que aspira a ocupar posições deimportância sem ter capacidade nem cultura, como o quepretende alcançar riquezas apelando para imaginários direi -tos, sem pôr esforço pessoal de sua parte, ao fracassarem emseus intentos se convertem em ressentidos sociais. Essesseres, ao que parece, querem depois satisfazer seus desejosde vingança, mostrando-se altivos quando, surgindo a situa -ção, devem pôr-se a serviço dos que se encontram acimadeles, em razão da posição social e econômica que ocupam.Eis aí outra evidente mostra de soberba, própria mais pre-cisamente das baixas camadas sociais.

O soberbo não necessita possuir condições ou aptidõesque o destaquem para convencer-se de sua excepcionali-dade; é um ser que não tolera que seus méritos sejamdesconhecidos e que, por insignificante que seja sua pessoa,sofre tremendas mortificações quando não é tido em contaou não é considerado como pretende.

Não são poucos os casos em que esta deficiência seoculta por trás da falsa humildade. Quando ambas as fa -lhas se combinam, produzem seres astutos e matreiros.

O soberbo é violento, e sua palavra, lacerante. Gosta dehumilhar e menosprezar. É também ambicioso; aspira aotrono material e não vacila se, para ascender a ele, deve sevaler de meios pouco dignos e em prejuízo do próximo.Nada de positivo, porém, ele consegue com isso, porque,mesmo ocupando o posto mais elevado, fica semprepatente sua pequenez moral e espiritual.

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Falamos da soberba referindo-nos aos casos mais agu-dos, cuja depuração exige, por certo, um longo processo,sobretudo porque, chegando a esse estado, a pessoaconside ra que a evolução é um mito. Mas nossas palavrastalvez sirvam para prevenir os que a padecem nas formasmenos graves contra seu possível crescimento e, por fim,contra o arraigamento de um mal que desmerece e invali-da a vida.

O exercício da humildade evitará, sem dúvida, asabsorventes e sugestionantes miragens da soberba, toda vezque a imaginação projetar a própria figura no altar doendeusamento pessoal.

Aconselhamos sua prática por ser uma virtude que seconsubstancia na simplicidade e na naturalidade; ela haveráde ser útil se se aspira a erigir no mundo interno, porprópria iniciativa, um pedestal à honestidade do proceder.

A soberba, convém lembrar, não tem guarida nas almasgrandes nem nos espíritos fortes e bem equilibrados.

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Ainda que esta deficiência aparente ser de ordem pura-mente física, sua origem é, entretanto, psicológica. Namaioria dos casos, além de responder a hábitos contraídosdesde a meninice em meios familiares descuidados, ou àfalta de um treinamento eficaz das aptidões durante osperíodos da infância e juventude, esta deficiência tem àsve zes origem nas grandes comoções que o sentimentoexperimenta em consequência de profundos padecimentose desilusões, porque tais acontecimentos, quando o ser nãoé dono de si mesmo, facilmente o mergulham no abando-no, que por sua vez é causa do desleixo e do desalinho, ou,numa palavra, do desasseio, que tanta repulsa nos produz.

Esta deficiência desconceitua quem cai sob seu rigor, eaté os méritos que a pessoa possa ter noutros aspectossofrem uma diminuição por essa mesma causa, ou nãoalcançam o grau de valorização que merecem.

O desasseio não implica, em todos os casos, uma desres-peitosa falta de preocupação do indivíduo para com seu serfísico. Quando, por exemplo, o descuido se evidencia napalavra, revela que não há limpeza na mente de quem fala,que seus pensamentos carecem de higiene mental,

D E F I C I Ê N C I A : Desasseio

A N T I D E F I C I Ê N C I A : Asseio

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principalmente quando quem assim se expressa busca,deliberada e insistentemente, a grosseria e o desali nhodaqueles que afinam com suas preferências linguísticas.Quem usa de palavras que ferem a moral, como aquele queemprega termos que afetam a convivência, violentando asnormas do trato em comum, ou ainda quem mente com aintenção de menosprezar ou difamar o semelhante, põem àmostra o império desta deficiência. Isso quer dizer que, emtal caso, a falha concerne ao ser moral, podendo afetar aomesmo tempo a ambos, ou aparecer também em pessoasque, muito bem-apresentadas por fora, se mostram mental emoralmente desalinhadas.

A deficiência de que tratamos revela falta de escrúpulo,o que é de todo indesculpável na pessoa que tenha cultiva-do pelo menos em parte sua inteligência e seus sentimentos.Como pode um ser medianamente culto permanecerindiferente à impressão causada por seu deteriorado aspectopsicológico – venha ou não acompanhado da mesma dete-rioração em seu ser físico –, ou deixar de perceber o con-traste que sua pessoa produz no ambiente que frequenta?

Há aqueles que creem que ocupar-se do espíritoimplica o abandono do ser físico, pois, segundo eles, este éum simples veículo que não exige maior atenção. Crassoerro. O cultivo do espírito desenvolve, precisamente, aconsciência do asseio corporal e do vestir limpo e decente.

Sem que isso implique cair nos extremos, o asseio deveagir no ser integralmente, à maneira de detergente. Masserá preciso, claro está, que a antideficiência seja aplicadacom a firme resolução de dar fim a esta falha que tanto

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empobrece a figura do indivíduo, seja no aspecto físico, sejano moral e espiritual.

No que diz respeito ao ser interno, impõe-se umaesmerada preparação da mente, visto que esta, depois deacostumada ao desasseio, sentirá incômodo quando tiverde mover-se com cuidado para não incorrer em novos ouvelhos descuidos. Sabido é quanto custa, a quem sehabituou ao desalinho no vestir, passar a usar, de ummomento para outro, roupas que o obriguem a guardarcircuns pecção e compostura.

Das reflexões anteriores surge claro este conselho:Sede asse ados no vestir e no pensar, e haverá limpeza emvossa con duta.

Esta falha surge, às vezes, desde tenra idade, motivadapela dureza de entendimento e, mais frequentementeainda, pela distração. As crianças são comumente distraídase, em consequência, esquecidiças, defeito que vão cor-rigindo mediante as disciplinas do estudo e o cuidado queos maiores têm em fazê-las mudar de conduta. Em alguns

D E F I C I Ê N C I A : Falta de Memória

A N T I D E F I C I Ê N C I A : Memória consciente

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casos, todavia, a falta de memória persiste por fatoresprovenientes da herança1, isto é, trata-se de uma falha psi-cológica que aparece porque não sofreu câmbio desde suaperspectiva anterior. Observa-se, em tais circunstâncias,frouxidão no exercício da memória, desatenção, acentua-da aversão ao estudo.

A distração, assim como a desatenção – ausência men-tal e sensível por parte do ser diante de muitos dos motivosque o rodeiam ou se lhe oferecem –, justificável por certona infância, é, em jovens e adultos, seriamente nociva,porquanto diminui as possibilidades no sentido de ampliara própria capacidade com os aportes que, por via da atençãoe do interesse, passam ao entendimento e, dali, à memória.Depois do episódio que se presencia, da explicação queilustra ou da oportunidade de extrair um elemento útil e deproveito para o próprio saber, o esquecimento paira comouma densa névoa; e já sabemos quanto custa, depois, rompero cerco das limitações cria das pela falta de memória.

Na flexível idade da juventude, a memorização per-mite a muitos cumprir com assombrosa facilidade os pro-gramas ins tituídos para a capacitação intelectual e aforma ção da cul tura. Mas, satisfeitas essas exigências, odomí nio dos elementos que a memória reteve duranteesse período decai, por que o estudante se habituou a usara me mó ria como ins trumento de repetição, e não a com-penetrar-se daquilo que estuda mediante o exercíciocons ciente do ato de pensar.

1 Ver A Herança de Si Mesmo, do autor.

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Detenhamo-nos agora um instante sobre os que pade-cem de falta de memória por agirem maquinalmente,como robôs. Observar-se-á que essas pessoas se movem eatuam de forma não planejada, quase sempre em obediên-cia à lei cíclica que lhes permite desempenhar uma funçãopor simples repetição de movimentos, mas sem pensar noque realizam, e disso sempre resultam situações incô-modas, transtornos, perdas de tempo, etc. Não controlam,como deveriam, suas determinações, e vão de um ladopara outro, instadas por suas necessidades ou obrigaçõeshabituais, mas com a atenção ausente, seja porque algumaideia atraente as subjugue, seja porque um pesar as invada,seja por se deixarem absorver habitualmente por qualquercircunstância relacionada com sua vida. Sucede a tais sereso mesmo que às crianças, que pensam e fazem muitascoisas sem se recordarem depois por que as pensaram oufizeram. É aconselhável, pois, que se evite pensar e agirmaquinalmente, já que isso expõe a perder o valioso con-curso da faculdade de recordar.

Há pessoas que vivem sob a pressão de pensamentosque absorvem a maior parte de suas energias, pensamentosque, sem chegar a ser dominantes ou obsessivos, se impõeme até anulam temporariamente a faculdade de recordar. Tal é o caso dos pensamentos que levam ao deleite dossentidos, entre os quais cabe incluir os da ambição.Produzem estes um efeito semelhante ao das preo cupações,que tiram da faculdade da memória grande parte da suaeficácia, porque a pessoa circunscreve seu esforço mental ao

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problema que lhe urge resolver e relega tudo o mais asegundo plano.

Ainda que pareça paradoxal, a ausência de memóriapode ser consequência do muito uso que se tenha feitoda faculdade de recordar. Os que carregam sobre sigrandes responsabilidades: financistas, pesquisadores,homens de ciência ou de empresa, etc. – com tarefas quedemandam um esforço intenso e continuado dessa fa -culdade –, frequentemente fazem com que sua memóriase ressinta. A verdade é que, às vezes, se confia nela a talextremo, que nem ao menos se procura aliviá-la comanotações parciais do que se exige que ela retenha. Semdúvida, a falta de memória em tais casos não é tempera-mental, mas provém de alterações sofridas pela célulanervosa. A manutenção de um ritmo de atividade men-tal que force ao máximo a faculdade de recordar faz essacélula ressentir-se com o tempo, sobrevindo a falta dememória, pois não se observou uma medida prudenteentre o esforço mental e o descanso anímico. A estafa é,com frequência, a culminação desse estado de esgota-mento da célula cerebral, excessivamente sobrecarre-gada em suas funções. Regular o uso da memória, semforçá-la em excesso na sua função retentiva, é, em parte,conservar sua plenitude. Convém ainda ter em contaque, à medida que se avança em idade, a me mó ria nãosuporta o peso das recordações nela acumuladas.

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Mas a importância da função da memória assume ou -tros contornos, considerada do ponto de vista daevolução, na qual desempenha um papel relevante. Nela,impõe-se a memorização consciente, porque, não sendoassim, a pessoa se mantém em desconexão com suaprópria vida, ou seja, o contrário do que o processo deevolução consciente promove. Isso fica mais bem enten-dido ao esclarecermos que a vida humana não se definetão somente pelo que se pensa ou se faz, mas sim pelatotalidade de seu conteúdo, pelo que constitui opatrimônio integral do ser. Tudo o que hoje ingressa emnosso haver mental deve perdurar como elemento ativo, afim de atender ao que faremos amanhã, do mesmo modoque o que ingressou ontem há de servir-nos deantecedente útil nos dias atuais. Mas seria sem dúvidauma pretensão desmedida querer manter vivo namemória tudo o que nos foi acontecendo no transcursode nossa vida, assim como seria absurda a pretensão derecordar todas as coisas, grandes ou pequenas, que hou-véssemos guardado ou acumulado ao longo de muitosanos numa casa. Certo é que, neste caso, se pode contarcom o recurso de revolver tudo e até fazer um inventário,mas é outra coisa quando se trata do plano mental, e aprópria faculdade de recordar se rebela ante o esforço fre-quentemente inútil que se vê forçada a realizar. Ninguémdesconhece, por certo, o muito que às vezes custa atua -lizar algum assunto, pensamento ou fato em momentos

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em que sua presença na mente é de todo necessária.Torna-se imponderável a importância que adquire nestecaso a consciência, fator indispensável, capaz de auxiliar emesmo suprir a memória em sua função retentiva.

Muitas pessoas recordam com assombrosa facilidadetudo quanto ingressa em suas mentes, por exaltação dafaculdade da memória, mas há também aquelas que, semcontar com a mesma retentiva, as igualam em eficácia e assuperam em fidelidade, utilizando conscientemente amemória e fixando na mente tudo o que se propõem.Interessa, porém, destacar aqui a importância que adquirea fixação consciente de todas as passagens ou aconteci-mentos da vida, já que, ao se adotar essa forma de proce -der, os pensamentos, os atos e as palavras, em vez de flu-tuarem no espaço mental, penetram no mundo interno doser, isto é, fixam-se na consciência, cuja missão é manterviva a recordação de todas as coisas que lhe são confiadas.

Para poder fixar na consciência a recordação do quese quer ter à disposição da vontade, é necessário que omotivo seja vivido intensamente; desse modo se gravaráde forma indelével, tal como ocorre com as coisas quemais nos impressionaram ou mais vivo interesse desper-taram em nós. Não cabe dúvida de que aquilo quecomoveu com mais força nossa sensibilidade – tal comoo que se observou, se escutou ou se leu com atenção –per dura na recordação. Convirá, pois, tanto aos que con-tam com uma considerável memória como aos que têm

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essa faculdade reduzida, não confiar na simples função dememória para a evocação das coisas que amanhã desejariam recordar, sobretudo se tencionam ter em contao que foi realizado em favor desse futuro que dia a dia sevai vivendo, até apagar-se a existência.

Dissemos antes que a vida deve ser abarcada pelohomem na totalidade de seu conteúdo, o que dá ideia dograu de participação que a consciência deve ter em tudo oque nos acontece, por ser a encarregada de arquivar asvivências que promovemos no transcurso de nossa vida, e aque haverá de nos propiciar o elemento útil e adequado àscircunstâncias que o exigirem de nós.

O método logosófico mostra como se deve manejar amemória para neutralizar esta deficiência ou, mais claramen -te, como se deve manejar a faculdade de recordar, caso sequeira que nada escape ao domínio consciente da memória.

Como atua o método logosófico? Prescrevendo que,quando for preciso recorrer às próprias vivências parafacilitar o desenvolvimento de nosso ser interno, a facul-dade da memória nos auxiliará com o elemento útil eproveitoso que nossa consciência, arca das recordações,porá ao nosso alcance. Compreender-se-á que, na buscade um fim de tal transcendência, não deverá preocupar oesquecimento de motivos que poderiam denominar-seacessórios, isto é, de pouca importância, pois o que pre-cisa nos interessar parti cu lar mente é a retenção de ele-mentos úteis e de valor positivo.

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Adicionaremos, finalmente, que as imagens gravadas naretina mental com a participação da consciência raras vezessão esquecidas. Existem na vida humana passagens, fatos,condutas, fragmentos de existência, que tiveram a virtudede conceder-nos instantes de felicidade, alegria, paz ouventura. Esquecê-los é enterrá-los no passado, como coisamorta. Tamanha ingratidão afeta, entretanto, essas partes daexistência que, por serem inseparáveis da vida, reclamamsua recordação. Quando buscadas, convertem-se em estí-mulos poderosos; são como porções de vida fresca que, aopalpitarem em nós, reverdecem o ânimo e nos impulsio -nam para diante, enquanto nos inclinamos para saudar,com silencioso recolhimento, a magna obra da Criação.

Reiteramos que o método logosófico não só reduz osinconvenientes da falta de memória, mas também introduzna vida humana o recurso que faz da memória um instru-mento inestimável e indispensável na realização do proces-so de evolução consciente.

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Esta deficiência põe à mostra a superestimação da pes-soa por parte de si mesma e a crença absurda de que é obje-to de admiração entre seus semelhantes. Crença absurda,dizemos, porque é condição do presunçoso revestir-se deméritos imaginários.

O simples fato de viver à margem da realidade, porcrer-se na posse de dons e aptidões que não tem, impede--o de alcançá-los. É por isso que, apesar de seu empenhoem destacá-los, só consegue mostrar sua mediocridade, e,por isso também, aqueles que observam sua conduta exper-imentam a desagradável impressão que o insensato provo-ca ao embriagar-se com sua própria lisonja.

A honradez, a fidalguia, a simplicidade estão ausentesem quem se preza em demasia, circunstância que define apobreza do conceito que se forja.

Esta deficiência fecha as portas mentais a todo conse -lho ou insinuação que tendam a corrigi-la. Salta à vista,portanto, que ela empobrece a vida moral e impede o me -lhoramento das aptidões, pois quem imagina possuir tudocarece de estímulos para alcançá-lo de verdade.

D E F I C I Ê N C I A : Presunção

A N T I D E F I C I Ê N C I A : Modéstia

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Cada um é livre para fixar o preço que julgue corres -ponder a seu próprio valor, mas deverá fazê-lo com rigor,com seriedade, não como faz o presunçoso, que tende amanter uma inflação permanente na cotação de sua pes-soa. Entretanto, seu empenho é vão, pois, ao primeiroarranhão que sua inflada personalidade sofre, ele perdeseus ares de suficiência, que escapam pelas frestas de suainfundada excelência.

Para livrar-se da escravidão a que esta deficiência sub-mete, dever-se-á ensaiar tenazmente a técnica que aconse -lhamos usar contra toda deficiência, sendo imprescindívelanalisar em cada circunstância os motivos pueris que levama fazer má figura ante os olhos dos demais.

Quão útil, conveniente e grato é para o homem ado-tar a modéstia, a simplicidade, a lhaneza, e, em vez de enga-nar-se crendo ser o que em verdade não é, oferecer a simesmo a possibilidade de sê-lo, mas nunca para ostentação,senão como uma exigência da própria condição de serracional e consciente.

O homem culto e seguro de seus merecimentos jamaisos antepõe aos olhos de ninguém; ao contrário, dissimula-os.

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Característica inequívoca do néscio é seu prurido decontradizer e sustentar com teimosia o pouco que sabe ousabe mal.

É um ser carente de luzes, incapaz de aprofundar umaideia e confuso em seus pensamentos.

Além de ignorante, é um renitente discutidor e temamor-próprio levado à saturação.

Pretendendo convencer, esgrime critérios que quasenun ca lhe pertencem e cujos fundamentos nem sequerconhece.

Assim como é enganado facilmente mediante ponde -ra ção e lisonja, o néscio é sensível à menor insinuação ouatitude que roce seu amor-próprio. Isso faz com que inter-prete erroneamente palavras e intenções, o que, além deinflamar seu fátuo rubor, o leva a uma série de erros. Comoconsequência dos conflitos que por tal causa ele cria parasi, mantém-se em constante prevenção, temeroso de que sepense ou se fale mal de sua pessoa.

Esta deficiência, como toda afecção psicológica quese deixa progredir, propende à cronicidade, razão pela

D E F I C I Ê N C I A : Necedade

A N T I D E F I C I Ê N C I A : Prudência

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qual é importante detê-la no começo, o que está mais aoalcance de pais e educadores do que do próprio ser, poisnos referimos à idade em que este se acha em formaçãoe pode ser defendido de qualquer propensão defeitu osaem sua natureza.

Pois bem, como mostrar sua deficiência a quem sóescuta a si mesmo, ou não entende o que é dito para seubem, vangloriando-se até o ridículo com suas asas de cera?Como fazê-lo compreender que deve mudar seu modo deser, se sua própria ignorância e presunção o impedem?

Não pretendemos tirá-lo de sua situação, mas sim evi-tar que quem não tenha iguais travas em seu entendi-mento atue às vezes como se as tivesse, negando a simesmo a possibilidade de compreender e de atuar comsensatez e inteligência.

É de singular eficácia aplicar a tal comportamento aprudência, o que, se feito com pleno conhecimento doobjetivo que se persegue, dará excelente resultado.Anotem-se as atuações que, por serem equivocadas, pro-movem desgosto e, caso se queira, faça-se um resumodiário delas. Logo se decidirá se convém continuar sofren-do por reincidir nelas, ou se é melhor adotar um compor-tamento mais reflexivo e judicioso.

Talvez tudo isso se faça com certa insegurança a princí-pio, mas, tão logo se observem os resultados e se experi-mente o efeito das atuações felizes, aumentará, em quem setenha dedicado a essa tarefa, a decisão de não esquecernunca esta antideficiência, para que influa permanentemente

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sobre seus pensamentos e, em consequência, dentro docenário de sua vida tudo seja uma demonstração da prudên-cia com que se rege para moderar seus desatinos.

Talvez seja esta falha uma das mais benignas, embora im -prima nos gestos, palavras e atitudes da pessoa uma moda li -dade pouco grata, que a define como descortês e insociável.

O displicente se compraz em adotar posturas des denho sase indiferentes. Seu trato não é aprazível, mais por desali nho deseus pensamentos – ora pessimistas, ora depreciativos – do queem consequência das circunstâncias que o rodeiam.

Seu humor é variável, com acentuada tendência aodesagrado. Raramente coincide com os estados plácidos oualegres de seus semelhantes, aos quais já faz demasiada con-cessão quando compartilha com eles um momento grato.

Por seu modo de ser, mais artificioso do que natural,em muitos casos lhe é difícil introduzir melhoras em suavida, já que as oportunidades de progresso se tornam esqui -vas ou se malogram por sua passividade ou inadver tên ciaante o obstáculo que sua própria deficiência lhe opõe.

D E F I C I Ê N C I A : Displicência

A N T I D E F I C I Ê N C I A : Expansão do ânimo

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O displicente tem de si um conceito que sua imagi-nação cuida de alimentar com os estímulos artificiais doautoafago.

Seu desdém cimenta-se na ilusão, com a qual convivepreferentemente.

Esta deficiência deriva a miúdo dos inocentes des -varios da juventude. Os sonhos dourados que animamessa época da vida, unidos à inexperiência, influem mani -festamente na formação de um complexo de superiori-dade que induz o ser a olhar os semelhantes por cima doombro. Às vezes, sua presença mental não passa do graude predisposição; outras vezes, acentua-se com os anos,por força de sua gravitação sobre o caráter.

O indivíduo manejado por esta deficiência não é felize, com frequência, deve sofrer o forte e instrutivo golpe darea lidade, destinado a corrigir o rumo de seus pensamentos.

A expansão do ânimo surge aqui para contrapor-seaos efeitos nocivos da displicência, visto que, enquantoesta última faz com que a natural disposição para osdesafogos da alma se contraia, aquela move a pessoa a serampla, comunicativa e generosa. Mas, para que o ânimose manifeste livremente, será necessário sentir a vida comintensidade, experimentar a realidade do próprio existir.Então, florescerá o interesse não só pela vida da qualsomos donos, mas também pela que vivem os demais, jáque a dos outros costuma dar-nos elementos valiosos, osquais, além de enriquecerem nosso acervo pessoal, nosfazem consequentes com nossos semelhantes.

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Eis aqui um dos males psicológicos mais generalizadosna atualidade. Em épocas anteriores, a vida humana corriasem as premências, as preocupações e as exigências do pre-sente. Os trabalhos rurais, o artesanato e as próprias funçõesestatais, então tarefas correntes, eram desem penhados sem apressão do tempo. O relógio, tortura do mundo atual, nãoinquietava o homem, cuja existência se desenvolvia sem asdemandas da urgência. Cada homem e cada povo vivia,pois, a vida a seu modo, embora não tivesse consciênciacabal da forma de fazê-lo.

Os progressos técnicos que depois sobrevieram, osconflitos trabalhistas, o declínio da moral e, finalmente, aluta pela existência deram origem às inúmeras compli-cações que agora perturbam a vida.

Com o crescente desenvolvimento material, cujosavanços estimulantes nos surpreendem a cada dia, cresce -ram também, é inegável, as dificuldades e problemas quehoje enfrentamos, os quais, ao superexcitar o ânimo do

D E F I C I Ê N C I A : Impaciência

A N T I D E F I C I Ê N C I A : Paciência Inteligente

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homem, fazem com que ele caia irremediavelmente naimpaciência. Em tal estado, qualquer demora ou inconve-niente vinculado a preocupações ou responsabilidadesfazem explodir o indivíduo, que a ninguém perdoa, emenos ainda ao causador do dano – causador verdadeiroou suposto –, a quem atribui, é claro, tudo o que poderiaadvir em prejuízo de sua pessoa ou de seus interesses.

Hoje em dia, são poucos os que não experimentamos efeitos das mudanças ocorridas no mundo. Uns vivemangustiados pelo afã de não infringir nenhuma das tantasleis que regem a comunidade. Outros se veem acossadospelo problema econômico, da moradia ou do transporte.Os inconvenientes que surgem diariamente e as demo rassuportadas sem pausa, com a consciência do tempo quese perde, aumentam, sem dúvida, o número de fatoresmolestos que incitam o ânimo e estimulam o impulsofebril da urgência. Diante da mesa do funcionário indo-lente e despreocupado, qual pessoa, mesmo a considera-da paciente, não explode durante a espera, excitada porsua ostentosa passividade? Seguramente se conseguiriamais, nesses casos, antecipando a ele estas palavras:“Disponho de tempo, senhor. Atenda-me quandopuder”, pois é comum encontrar no ânimo dos sereshumanos certo prurido de fazer o contrário daquilo quelhes é pedido.

Inegavelmente, justifica-se que a impaciência se tenhaconvertido numa deficiência generalizada, que fustiga e

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perturba o sistema nervoso do homem. A impaciência adquire, frequentemente, caráter de

obsessão. Quando atinge tal extremo, qualquer espera, porcurta que seja, assume no impaciente perfis de tragédia.Supõe que tudo se conjurou para torturá-lo, só respiran-do com satisfação quando vence algum contratempo.

O impaciente é um escravo do tempo, desse tempofantasmagórico que nada tem a ver com o autêntico, quetão frequentemente o homem dissipa em banalidades, jus-tamente por desconhecer seu valor real.

Esta deficiência cria, artificialmente, a angústia dotempo e faz viver em permanente agitação interna, sismomental que impede instituir dentro de si a calma. Quema padece vive sob a pressão constante de pensamentos queo impelem a apressar tudo quanto pensa fazer ou faz – como se existissem para ele prazos peremptórios emtodos os seus afazeres –, e o mantêm em aguda afliçãodurante o tempo em que seu interesse se acha pendentede algo: uma notícia, uma resposta importante, umasolução, etc.

Além do muito que sofre moral e fisicamente, oimpaciente malogra muitas oportunidades, projetos ouideias que, caso seguissem um processo normal, se teriamtransformado em êxitos rotundos, como coroamento deesforços conduzidos inteligente e pacientemente.

Na verdade, custa muito ao impaciente entender quecada coisa requer seu tempo, assim como lhe é difícil

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entender que aqueles que lhe prestam seu concurso, ou osecundam em seus esforços, nem sempre podem ou estãodispostos a seguir o ritmo que sua deficiência lhes pre-tende impor.

Que ganhamos sendo impacientes? Solucionaremoscom isso o problema que as exigências desta deficiêncianos criam? Formulemo-nos essas perguntas tantas vezesquantas experimentemos suas pressões e, seguramente, logonos será fácil pôr em ação a antideficiência que corres -ponde aplicar, ou seja, a paciência inteligente1, que lhetirará força e finalmente a vencerá.

Ao dizermos paciência inteligente, referimo-nos àpaciência ativa. Não à que induz a esperar passivamente,mas sim à que, além de infundir serenidade, torna ohomem compreensivo, permitindo-lhe pensar com utili-dade e proveito, como também estar atento a suas necessi-dades e deveres durante todo o tempo, curto ou longo,abrangido pela espera.

A paciência é uma das virtudes mais valiosas e tam-bém mais difíceis de alcançar. Todavia, sua posse não éimpossível, caso seja seguido rigorosamente o processo decompreensão, adestramento e realização que a porá aonosso alcance.

Aplique-se cada um ao cultivo desta virtude e saberácumprir com satisfação o mandato da vida.

1 Ver Logosofia. Ciência e Método, do autor.

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A debilidade ou fraqueza é uma fonte tributária doinstinto humano.

Integram-na pensamentos mimados, que relaxam oânimo, a vontade, e afetam a capacidade vital e psicológicada pessoa.

É próprio desta deficiência ceder ante a menor pressãodo instinto ou do pensamento sedutor que faz estragos navontade e obriga a reincidir na prática de transgressões.

Provoca o enfraquecimento da fortaleza, manifes ta do naausência de energia nas determinações do ânimo, que cedeou se dobra ante o obstáculo ou ante o vigor da resistênciaalheia, ou se revela impotente diante das paixões.

É interessante destacar como a razão, que deveriacumprir sempre sua função reitora no ser, é neutralizada esubmetida à fascinante influência de uma debilidade, e atéparalisada, toda vez que atinge o auge o deleite circuns -tancial para cuja manifestação deu motivo.

Há aqueles que consideram as debilidades como válvu-las de escape do instinto. Daí que se intente com frequênciasua defesa, cada qual justificando a forma que elas assumem

D E F I C I Ê N C I A : Debilidade

A N T I D E F I C I Ê N C I A : Fortaleza

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em sua vida. O consentimento comum as dissimula, ate -nuando em muitos casos sua ação negativa, como se faz coma criança mimada, cujas travessuras são permitidas.

A debilidade, que em todos os casos evidencia ausên-cia de domínio mental, rouba ao indivíduo muito tempo eenergia, sobretudo quando a deficiência se particularizapela entrega total da pessoa às demandas do instinto,enchendo-se de vícios.

Damos à fortaleza, antideficiência que concorre parao seu desalojamento, o sentido de defesa, de reabilitação oureconstituinte.

O fortalecimento da vontade – ou, melhor ainda, doquerer do indivíduo – trará como repercussão lógica o atoinibitório de suas debilidades e, por conseguinte, sua gra -du al extinção. Esta antideficiência tem também a particu-laridade de atuar sobre outras deficiências, favorecendo seuprocesso de desintegração.

Naturalmente que se deverá instituí-la e dar-lhe vida,se se quer que cumpra com êxito sua finalidade; para isso,será preciso reunir com adequado critério todos os ele-mentos que, afins com as nobres aspirações que se tenham,possibilitem essa extraordinária realização.

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Esta falha se denuncia quase sempre como hábito nega -tivo, contraído na infância e robustecido com o tempo poruma educação precária.

Acusa falta de cultura e também de seriedade, mesmoquando a pessoa aparente o contrário.

O intrometido é um ser que deseja ardentemente, e sópor curiosidade, saber o que pensam, dizem ou fazem osdemais, e é particularmente afeito a exercer gratuitamenteo papel de mexeriqueiro, crendo agradar ou agir bem.

Não tem geralmente maus sentimentos, mas deve so -frer com frequência a recriminação e o rechaço de seussemelhantes, como se os tivesse.

Com evidente superestimação de si mesmo ou de suaefi cácia, supõe que um ou outro de seus conhecidos necessi -ta de seu conselho para resolver ou superar dificuldades, e lávai ele oferecê-lo, sem reparar que não lhe pediram tal coisa.

Não é lamentável ter que observar a falta de tino e detato que pessoas desse tipo manifestam, ao se envolveremrepetidamente em assuntos que não lhes dizem respeito?

O intrometido não percebe que com tal comporta-mento desmerece seu conceito, que sua palavra é escutada

D E F I C I Ê N C I A : Intrometimento

A N T I D E F I C I Ê N C I A : Circunspecção

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com prevenção e que sua conduta, embora lhe pareça bemintencionada, choca os demais, que ficam com receio dele.

Como se faz com o maçante crônico, procura-seevitá-lo.

É sabido que o intrometimento e a indiscrição andamde braços dados. Os afetados pelo comportamento dos queadotam ambas as deficiências não são poucos, pois suasintervenções inoportunas acarretam um bom número decontratempos e complicações, e até são causa do malogrode planos e projetos em pleno desenvolvimento.

Tanto o que leva aos ouvidos de outrem uma palavra,um dado, uma notícia, sem a responsabilidade de quemsabe medir as consequências do que faz, como o queaverigua o que não lhe compete, ou indiscretamente seintroduz onde não é chamado, não somente causam aprópria desdita, mas também enchem os outros de incô-modos e prejuízos.

Para apreciar melhor a fealdade desta deficiência, con-vidamos a examiná-la nos demais. Observemos queimpressão recebemos de uma pessoa que vemos imis cuir--se na vida alheia ou intervir no que os outros dizem oufazem, sem que seja de sua conta. Evidentemente, aimpressão não nos agrada. Que conceito pode, então,merecer de nós essa pessoa? Muito pobre, sem dúvida.

Depois dessa análise, transportemos a apreciação paranós mesmos. Não tardaremos em eliminar tal falha, secomprovamos que, levados por ela, enfeamos a conduta.

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A circunspecção, aplicada com tato e acerto ao própriodiscernimento, impedirá que – com a desculpa de ofere-cer atenção e ajuda, mas sem pensar se isso é oportuno –a deficiência resvale em qualquer possível descuido.

Bem entendida como antideficiência, a circunspecçãoatua em todos os casos como agente direto da inteligência,em sua função reguladora das atitudes humanas suscetíveisde alterar a eficiência do indivíduo.

A indisciplina se incuba no ânimo do ser auspiciadapelo instinto, em permanente rebeldia contra o ordena-mento da vida imposto pela convivência humana parapropiciar o desenvolvimento harmônico de suas atividades.

É esta uma falha que debilita consideravelmente ospropósitos perseguidos, ou os entorpece, já que, em razãoda habitual despreocupação que promove com respeito àordem que a realização de todo empreendimento ou

D E F I C I Ê N C I A : Indisciplina

A N T I D E F I C I Ê N C I A : Disciplina

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projeto demanda, retarda sua consecução, dificultando-a e,em consequência, diminuindo o entusiasmo que provavel-mente animou seu início.

Corrigir desde a infância a indisciplina, persua din do acriança das vantagens de submeter-se a uma for ma organi-zada de viver e induzindo-a aos bons hábitos, é cooperarna formação de um indivíduo socialmente apto e moral-mente sadio. Crescerá protegida contra os des vios queameaçam a juventude, desvios que fomentam a desordeme a negligência, tornando às vezes difícil sua re cuperação.

A indisciplina dissocia as ideias, promovendo entre elasum forte antagonismo. Poder-se-ia dizer que a mente doindisciplinado é uma fortaleza cuja guarnição se acha emcontínua rebeldia.

Aqueles que se encontram nesse estado confundemindisciplina com liberdade e, sob pretexto de defendê-la,não fazem caso das leis e normas que regem a vida civil, eaté se vangloriam disso, pretendendo demonstrar, semdúvida, que são donos absolutos de sua vontade.

Para eles, disciplina é a imagem da submissão. Em todaideia de ordem veem um jugo. Todavia, se a aplicassem a simesmos, ainda que em pequena escala, muito prontamentecomprovariam seu valioso rendimento.

Em muito se beneficiará o indisciplinado se enxergaraté que ponto a deficiência dificulta seus afazeres diários,visto que, quando ela governa, pouco vale ao indivíduo serativo, porquanto a indisciplina subtrai ao esforço grandeparte de energia, fomenta a irregularidade na ação, a

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descontinuidade, a sobrecarga de trabalho, e tudo isso cons -pira contra a condução feliz do que se tem em mãos.

Poucas vezes a indisciplina atua sozinha. Geralmente seassociam a ela a desobediência, a inadaptabilidade, a negli -gência, a indiferença, a distração, etc. No melhor dos casos,acusa tão só falta de domínio, de empenho e ainda decapacidade para regular a própria diligência e torná-la maiságil, produtiva e estimulante.

Seja como for, tenha-se sempre presente que a indisci-plina, com seus fascinantes argumentos, faz perder muitotempo. Justamente o que poderia servir para introduzir navida a ordem que lhe falta, com os melhores resultados.

Há duas classes de disciplina aplicáveis a esta deficiên-cia: a rígida e a elástica. Disciplina rígida é a que secumpre ao pé da letra, sem admitir circunstâncias capazesde fazer variar as causas que deram origem a esta ou àquelanorma, afazer ou conduta. Disciplina elástica é a que cadaqual aplica com suavidade e firmeza a seu modo de ser, atéacostumar a vida a um ritmo regular e duradouro. Nósoptamos pela última.

A nosso juízo, o indisciplinado o é, antes de maisnada, em seus próprios pensamentos. É aí onde se há deestabelecer a disciplina; é aí onde se há de pôr ordem. Oesforço em tal sentido não fatiga, se for levado em contao bem que se persegue; no máximo, a sensação deimpotência que se segue aos primeiros ensaios desconcer-tará um pouco. Em tal circunstância, aconselhamos não

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esquecer que a chave está em não interromper a aplicaçãode nosso método, a fim de que a antideficiência suplanteem breve a falha.

A Logosofia, que a tudo transforma em fértil e pro -veitoso, não dá lugar à indisciplina no campo de aplicaçãoprática de seu ensinamento. O processo de evolução cons -ciente a debilita de tal modo que, finalmente, ela desaparece.

É esta uma falha temperamental que faz a sensibilidadecontrair-se, sufocando os sentimentos.

Se o indivíduo se abandona a ela, converte-se nummaníaco encerrado no estreito círculo de sua própriainclemência mental.

“Ele não pode com seu gênio”, costuma-se dizer paradesculpá-lo. E nós perguntamos: não tem inteligência evontade para lutar contra esta insociável deficiência?

A aspereza torna o caráter acre e sombrio; impele aoisolamento. O ser evita o contato com seus semelhantes,

D E F I C I Ê N C I A : Aspereza

A N T I D E F I C I Ê N C I A : Afabilidade

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e estes, o seu, porque a ninguém agrada uma modalidadeáspera e pouco amistosa. Seja no lar junto aos seus, sejafora dele, sua atitude, oposta a toda demonstração jovialou afetuosa, provoca rechaço, pois sua presença é semprerecebida com escassas mostras de satisfação. Não é difícilque o áspero, tão maldotado no que diz respeito aocaráter, conte com méritos pessoais, isto é, capacidadepara o estudo ou para o trabalho, conduta honesta,responsabilidade, etc. Mas sua companhia, pela própriaíndole de suas atitudes, sempre cambiantes, é motivo deincômodo e preocupação para os demais.

Pensamentos de bom humor, de tolerância e alegriaexercem ponderável influência sobre a aspereza, terminan-do por suavizar as agudas arestas do temperamento. Deixarque eles saturem o ânimo é propiciar o abrandamento deum defeito que impede degustar as bondades que o senti-mento nos oferece. Mas, como vai conseguir a permanên-cia de tais pensamentos em sua mente quem vive aferradoa outros de natureza tão oposta? Como vai cultivar a anti-deficiência, capaz de acabar com esta falha, quem se com-porta de forma totalmente contrária?

Quem quiser deixar de ser áspero encontrará em nossométodo precisas indicações para realizar sua aspiração.Seguindo-as com juízo, elas o ajudarão a desarraigar amodalidade que aflige seu ser moral e psicológico.

De muito bom grado aconselharíamos, a quem sedecidisse por essa tarefa, colocar no bolso um pe sa domedalhão de chumbo, numa de cujas faces se lesse a palavra“áspero”. O incômodo lastro, acompanhando-o por todas

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as partes, seguramente lhe recordaria a cada instante a defi-ciência que leva sobre as costas, des per tando-lhe o desejode tirá-la de cima de si quanto antes. Naturalmente, pode--se evitar tal procedimento, des de que se consiga o mesmofim ao conservar em sua men te a imagem do medalhão,unida à sensação de incô mo do que a aspereza lhe ocasiona.Caso ponha empe nho ni s so, poderá muito prontamentealiviar sua carga, e a afa bilidade lhe permitirá, ao modificarseu caráter, sentir e desfrutar as vantagens da mudança. Valea pena fazer a experiência.

O egoísmo é uma deficiência cujas raízes remontam aidades primitivas, quando os homens, em permanente lutacontra o rigor do meio, atendiam tão somente a sua defe-sa e conservação. É, pois, uma deficiência intimamenterelacionada com o instinto de conservação, despertado noindivíduo por imperiosa necessidade da vida. Daí que avejamos aparecer, quase sem exceção, desde tenra idade.

O egoísmo não é sentimento, como se costuma admi-tir, nem mesmo supondo ter ele uma origem bastarda.

D E F I C I Ê N C I A : Egoísmo

A N T I D E F I C I Ê N C I A : Desprendimento

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Prova concludente disso é que o egoísta luta com frequên-cia com seus próprios sentimentos, quando, em determi-nadas circunstâncias, estes pretendem abrandar-lhe ocoração, endurecido, precisamente, pelo domínio que oinstinto exerce sobre ele.

Quando a cobiça sacia o egoísta com a satisfação deseus apetites materiais, limitados ao exclusivo prazer pes-soal, ele parece acalmar a mesquinhez que o consome; suamente, porém, está sempre alerta para resguardar seusintere sses contra qualquer eventualidade.

A pessoa egoísta nega a incumbência do espírito navida humana e resiste a toda ideia a respeito de sua funçãoreitora no destino do homem. A simples menção de Deus,quando tem por finalidade abrandar seu egoísmo, parecetranstornar-lhe o juízo – prova muito evidente de que estadeficiência é produto inveterado do instinto, último dosmoirões humanos afins com a animalidade, que sugerequão necessário é trocar os estados inferiores pelos denatureza elevada.

O egoísmo fecha de tal modo os ouvidos do entendi-mento, que não permite ao homem compreender a inexo -rável e dura lição repetida em todo o tempo e idade, isto é,que o acúmulo de bens exclusivamente materiais agrava atransição que se verifica nele ao cessar a vida; que o espíri-to nada leva deste mundo, quando, ao abandoná-lo, o seroferece ao juízo de sua própria herança existencial um tãoinjustificável espetáculo de pobreza1.

1 Ver A Herança de Si Mesmo, do autor.

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Esta deficiência corrói os sentimentos. Quando estes ea sensibilidade se acham afetados por ela, de fato se produzno egoísta uma anormalidade, um desequilíbrio, uma mul-tiplicação de desejos que jamais se satisfazem, ou só se sa -ti s fazem em parte.

Se cada um vigiasse seus pensamentos com o propó -sito de verificar se está livre desta deficiência, é quasecerto que surpreenderia pelo menos algum vestígio dela,pois poucos são os que não levam consigo algumapartícula egoísta. Encontrando-se numa festa, por exem-plo, poderá cada qual identificá-la no desejo ambiciosoque acaso experimente de ser o mais admirado, ou o quemais se destaque; ou talvez a veja presente em outromomento da vida, ao sentir dentro de si a força que seopõe a algum gesto desinteressado, ou ao conter a tempo,no caso de se achar diante de uma apetitosa mesa, oimpulso de esco lher o melhor bocado.

O egoísta põe o preço mais baixo em tudo, pois crê quea vida é um comércio, onde aquele que escamoteia comhabilidade os valores que anseia para si tira mais vantagens.

Em contraposição às almas grandes, que são de todogenerosas, as almas pequenas são egoístas, insignificantes eprivadas do respeito que aquelas que dão mostras dedesprendimento inspiram.

Esta falha opõe tenaz resistência à evolução cons -ciente e obscurece muito o caminho do conhecimentode si mesmo.

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É possível que alguém se pergunte, e não com poucoceticismo, por qual brecha mental poderia penetrar noegoísta o pensamento construtivo, capaz de se contrapor àsua deficiência. Certamente, não se concebe mudançafavorável em quem se endureceu sob a influência do egoís-mo, mas isso não deve ser tido como impossível naquelesque, a tempo de reverem sua situação, possam sentir-se dis-postos a abandonar seus erros, aguilhoados por algumaaspiração cuja nobreza os tenha conquistado. Sem dúvida,o altruísmo age como clarificador de ideias e conceitosobscurecidos pelo egoísmo.

O ensinamento logosófico, pródigo por excelência,convida o egoísta a comportar-se à altura de seu generosoesforço. Se o tem em conta, pouco a pouco os primeirossintomas do desprendimento começarão a manifestar-senele, e a antideficiência poderá desalojar, definitivamente,tão incômodo e mesquinho hóspede.

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Indubitavelmente, existe no desordenado uma visívelresistência a tudo o que implique sujeição a uma ordem, aum método. Pretende que a disposição sistemática das coisaso tiraniza e priva da liberdade de fazer tudo quanto lheapraz. É tal o fundo negativo da deficiência, que o ser pareceexperimentar prazer em tudo desarranjar e tirar do lugar.

O desordenado desconhece, não estima o valor nem asvantagens de manter o local destinado a cada peça do ves-tuário ou objeto a cujo uso deverá recorrer cotidiana-mente, e tal descuido reduz, é lógico, seu tempo, transtor-nando muitos de seus movimentos e empenhos.

A desordem se associa comumente à negligência, porconcorrerem ambas ao mesmo fim.

Ocorre com muita frequência ser o desordenado umapessoa credora de estima na atividade que desempenha,permanecendo, não obstante, alheia ao contraste oferecidopelo abandono em que vive, quando alguém tem oportu-nidade de apreciá-lo.

Assinalamos, como raiz desta deficiência, a desor dem que por força existe no interior de quem cedeu à sua in flu ê n cia;de quem ignora ou parece ignorar que a organização da vida,

D E F I C I Ê N C I A : Desordem

A N T I D E F I C I Ê N C I A : Ordem

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nas tarefas rotineiras e detalhes concernentes à esfera privadade cada um, deve ser preocupação inevi tável. Não seriademais dizer que quem se encontra em tal estado tem dehaver carecido em sua infância e em sua juventude de umaassistência que lhe imprimi sse há bi tos de ordem, coisa detodo necessária como base de uma vida organizada.

Opõe-se ao avanço desta deficiência – e, mais ainda,contribui para o seu desaparecimento – estabelecergradu almente a ordem que, como dizíamos, falta dentroda men te, começando pelo adestramento das faculdadesda inte ligência, em particular a de pensar. Com a práticametódica de tal atividade, ordenam-se os movimentosmentais que põem em execução os projetos traçados paraalcançar o propósito que se persegue, e para isso se faráuma prévia averiguação, tal como indicamos em outraparte deste livro, dos pensamentos que se tenham namente: quais servem a um propósito e quais não, ajudan-do os melhores a cumprir seu papel. Qualquer outra con-duta fará perder o tem po em prejuízo próprio, e a desor-dem, mesmo que se ate nue, continuará existindo, comrisco de tornar-se crônica.

É esta uma tarefa que dificilmente uma pessoa qual -quer, sem o auxílio dos conhecimentos logosóficos, po de -rá executar, pela simples razão de que não tem a seu alcancenenhum método semelhante que lhe per m i ta ava liar aprópria realidade, da qual está alheia. Quan tos são, porexemplo, os que pensam que o que está acumulado em sua

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mente pode não ter toda a utilidade que lhe atribuem?Quantos os que já ordenaram seus pen samentos, de modoa se servirem deles sem que se jam obstáculo aos fins desteou daquele projeto ou conduta a seguir?

A concepção logosófica da ordem implica ductilidadenaquilo que à própria ordem diz respeito. Entenda-se,porém, que nos referimos à ordem mental, que cumpre umobjetivo muito útil, porque abrange tudo o que se rela-ciona com a vida do ser.

A disposição inteligente e cuidadosa das coisas exter-nas há de responder, pois, à ordem estabelecida dentro damente, ou ser sua consequência, ficando com isso eviden-ciado que deve existir uma correspondência entre a ordemexterna e a interna. Dessa maneira, a pessoa se preservaráda tirania que seus pensamentos exercem, ao submetê-la auma conduta da qual não pode se safar.

Tenha-se presente que, para aplicar a esta falha a anti-deficiência que corresponde, impõe-se haver comprovadopor si mesmo que, efetivamente, a desordem impera noâmbito mental da própria vida; uma desordem que pode-ria, em muitos casos, não impedir o normal desenvolvi-mento das atividades ou afazeres diários, mas que nem porisso deixará de afetar sensivelmente um ou outro dospropósitos ou aspirações que se tenham.

Quando a vida não segue um ordenamento ágil, forja-do no saber e na experiência, perde o grande incentivo dasegurança, que tanto anima a vontade do ser.

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A capacitação gradual da inteligência incita a manteruma ordem natural e lógica em tudo o que concerne ou sevin cula à própria vida, uma ordem que o indisciplinadodes denha, pretendendo que tudo se ajuste à sua modalidade.

Pôr ordem nos pensamentos, na vida, em tudo o quedepende de nós e nos pertence, deve ser um imperativoda consciência.

A brusquidão nos define uma pessoa cujos gestos, pa la-vras e atitudes sofrem repentinas variações, pelo súbito ap a -recimento de impulsos sobre os quais ela não tem governo.

É própria de temperamentos inquietos, impacientes eviolentos, e assume suas formas mais ingratas naqueles que,por falta de cultura, não conseguiram limar as asperezas deseu caráter.

Exterioriza-se, com as consequentes saídas de tom,diante de contrariedades, incômodos ou desgostos ocasio-nados voluntária ou involuntariamente por terceiros, etambém se exterioriza por meio de rápidas e inesperadas

D E F I C I Ê N C I A : Brusquidão

A N T I D E F I C I Ê N C I A : Suavidade

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determinações, que causam surpresa e perturbação naque-les que rodeiam o afetado.

As pessoas bruscas, apesar de sua deficiência, podemser afetivas e cordiais e contar com muito boas qualidadesmorais. A eliminação desta falha não será em tais casosdifícil, sobretudo se a pessoa já se deu conta de quãopenosas costumam ser suas consequências, tanto para avida própria como para a de suas relações, afetadas ambaspor seus efeitos.

Com uma pessoa de modalidades e atitudes bruscas ésumamente difícil conviver em harmonia, a não ser que seconte com uma boa dose de benevolência e tolerância. Eisaí uma razão poderosa para modificar a conduta, poupan-do a familiares e amigos a ingrata surpresa dos repentes queperturbam e alteram o bom entendimento.

Embora apontemos como antideficiência a suavi-dade, que é sua oponente mais apropriada, isso nãoimplica precisamente que por si só ela aja como antído-to. Tal como acontece com as demais deficiências, quemaspira a corrigi-la deve prestar especial atenção a seuspensamentos e, se tem consciência de sua brusquidão,trate no possível de ser suave, freando a tempo todoimpulso contrário.

Projete sobre sua tela mental a imagem de um serdominado por uma falha semelhante à sua. Imagine-o emseus gestos e movimentos bruscos, em suas inesperadasexplosões, em suas atitudes impróprias, e veja-se a simesmo em toda a sua rudeza. Ensaie isso o tempo que o

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desaparecimento da deficiência exigir, enquanto oferece àsuavidade seus melhores empenhos, para que ela caracte rizedaí por diante seu modo de ser.

Pelo fato de a intemperança sugerir falta de moderação,não é possível subtrair o pensamento à imagem doexagera do e extremoso.

Enquadrada esta deficiência na figura descrita, e tendoem conta que o intemperante é um indivíduo sem medidapara controlar e regular seus apetites passionais, é fácildescobrir sua ação sobre os seres, ilustrados ou incultos.

A intemperança se revela toda vez que se manifesta umestado psíquico anormal. Transforma o ser num autômato,incapaz de enfrentar ou anular sua influência perniciosa.Quem a suporta carece de governo sobre seus atos, aosquais falta a ética que a convivência normal entre os sereshumanos reclama.

Esta deficiência atua sobre a razão e outras faculdades deação igualmente moderadora, provocando nelas um efeitoparalisante. Implica por tal motivo um sério entorpecimento

D E F I C I Ê N C I A : Intemperança

A N T I D E F I C I Ê N C I A : Continência

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para o livre jogo da vida interna do ser e é, ao mesmotempo, causa dos dissabores e dos deprimentes estados deânimo que se seguem a todo excesso, a todo exagero, poisquando a deficiência cessa em suas demandas a pessoa seacha livre para refletir sobre o mesquinho saldo deixado porsuas dissipações.

Quando de verdade se quer vencer uma deficiência, oconveniente é empregar o recurso que tornará efetivo essepropósito. Neste caso, deve-se apelar para a continência,que age prontamente sobre a intemperança, moderandoseus excessos. Mas não basta recordar com frequência quenão se quer ser por mais tempo intemperante; é precisounir a isso a vontade de substituí-la pela continência,prati cando-a sem titubeios, até reduzir essa manifestaçãoirreflexiva na conduta dos seres.

A indiferença provoca um absentismo mental e sensí -vel que impede a pessoa de perceber, a respeito das coisas,circunstâncias e seres que a rodeiam, a atração ou interesseque aqueles que se acham livres desta falha experimentam.

D E F I C I Ê N C I A : Indiferença

A N T I D E F I C I Ê N C I A : Interesse

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Na maioria dos casos, por detrás da indiferença se ocul-ta a imagem da desconformidade. Fracassos, decepções,perdas irreparáveis, reveses de fortuna, aspirações insatis-feitas – quantas vezes porque a ambição ou a imaginaçãoinspirou os mais audazes projetos –, costumam prostrar naindiferença, mal psicológico que adormece o ânimo, sub-mergindo o ser em tal passividade que chega a não lheimportar nada de quanto lhe acontece, bom ou mau, tristeou alegre, e ainda afasta de sua preocupação o futuro de fi -lhos, esposa e demais seres queridos.

Às vezes, a indiferença é mais aparente que real.Riquezas, joias, viagens, posições destacadas, enfim, tudoquanto o ser supõe irrealizável ou difícil de alcançar, pare-ceria carecer de interesse ou não existir para ele, mesmoquando subsista, lá no mais recôndito de sua alma, nãofrustrada ainda, a ressonância de uma comoção sensívelante a existência de tais bens.

A indiferença assume em certos casos característicassuicidas. Isso ocorre quando afeta a saúde, que se desatendeou se descuida com menosprezo da própria vida. Outrasvezes, acusa falta de sentimentos humanitários; referimo--nos aos que, podendo fazer o bem, passam de longe pelamiséria, pela necessidade ou dor alheias.

Quando o estado de ânimo que particulariza esta defi-ciência se aguça, é porque se perderam ou faltam os estí-mulos que promovem a atração.

Quem se der plena conta de semelhante norma com-preenderá quão eficaz e benéfica lhe será a aplicação da

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antideficiência, ou seja, o interesse, precedido por novos epoderosos estímulos.

A vida não deve ser indiferente a nada. A morte, sim, éindiferente a tudo, e a frialdade da indiferença se asseme -lha eloquentemente ao mutismo da tumba.

Será necessário, pois, voltar a sentir o grato palpitar davida; senti-lo não só dentro de si, senão também por tudoo que a alma percebe como nobre e bom.

Um tal propósito será sem dúvida ajudado pelaseguinte reflexão: “A indiferença que me acossa, comotodas as deficiências, me indica falta de realização inter-na. Já que me encontro no mundo, onde convivo commeus semelhantes, devo acostumar-me a não ser indife -re n te a nada. Tudo deverá interessar-me na medida emque minha inteligência seja capaz de valorizar cada fatoou coisa que se relacione direta ou indiretamente comminha vida. Não devo, pois, manter-me estranho a nadado que acontece na humanidade, porque a humanidadetambém está no mundo.”

Diremos por último que o conhecimento causal oulogosófico, que transcende todo o conhecido em virtudede sua particularíssima função criadora e instrutiva, ajudana recuperação total, pois desperta o interesse e induz abuscar incentivos em tudo o que de uma forma ou deoutra pode ser útil, agradável ou benéfico.

Quando a indiferença cai vencida mortalmente pe lanobre espada do conhecimento, após ele surge o in -centivo, a boa vontade, o querer; com isso, a vida se

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enche de encantos e a alma abandona, finalmente, sualetal indiferença.

Já se disse, e com razão, que a cobiça é insaciável. Aobservação demonstra, por sua vez, que ela inferioriza asqualidades e condições do ser.

Consideramo-la como uma das deficiências mais ne -gativas e perturbadoras, porquanto desvia a capacidade decriação da inteligência, alterando constantemente o exercí-cio de suas faculdades e das do sistema sensível, já que ocobiçoso as põe ao exclusivo serviço de seus afãs de lucroe posse, único fim de sua vida.

Na verdade, esta deficiência provém de uma obstinadadesconformidade, que açula os sentidos para um desejar con-tínuo de coisas, mesmo daquelas que estão muito distantesdas próprias possibilidades e, portanto, fora de alcance. Estaúltima circunstância, longe de persuadir a pessoa da con-veniência de abandonar seu ambicioso afã, buscando noesforço sensato a medida que regule seus desejos de ganho,precipita-a numa ação ainda mais veemente e insaciável.

D E F I C I Ê N C I A : Cobiça

A N T I D E F I C I Ê N C I A : Honestidade

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A cobiça é uma comichão, um prurido psicológicoque o afetado em nenhum momento trata de anular; aocontrário disso, ele o mantém, pois lhe causa um prazer –mórbido, entenda-se. Como pensamento enquistado queé, influi poderosamente no ânimo do ser, o qual, paraacalmar sua repetida incitação, se lança obstinado embusca de maiores bens ou de novas e alucinantes posses,sem titubear no que arrisca.

Entre os cobiçosos, observa-se o caso daquele quedeseja com ardor o alheio, sem consegui-lo nunca. É assimque surge o ressentido com a própria sorte, e também como destino, ao qual acusa de favorecer em excesso os demais,deixando-o de lado.

Muito frequentemente a cobiça convive com a inve-ja, sendo então maiores seus estragos. A vítima desseconúbio psíquico experimenta com singular violênciasuas incitações, atormentando permanentemente sua vidacom a visão do bem ou da riqueza de outros.

Quando a cobiça já alcançou os limites da obses são,a vida mesma é absorvida por ela. Tanto as faculdadesda inteligência como a vontade ficam então prati ca -men te anuladas. Compreender-se-á quão difícil é a rea -bili ta ção de quem permitiu à cobiça assenhorear-se detais prendas.

Esta deficiência, ao viciar as faculdades da inteligênciae da sensibilidade, passa a exercer, como já dissemos, plenodomínio sobre a vida, vendo-se por essa causa que elaaparece, em inumeráveis casos, como principal instigadora

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de atos delituosos: espoliações, fraudes, furtos, violências. Certamente, aqueles que já chegaram à obsessão não

haverão de ser os que busquem nestas páginas elementospara sua recuperação, mas sim aqueles que, menos afetadose conscientes do prejuízo pessoal, procuram livrar-se desuas acometidas. Fará bem a estes recordar que a vidahumana não foi feita para amontoar riquezas materiais e,menos ainda, para envilecê-la com inspirações cobiçosas.

Se esta deficiência nos impulsiona a desejar aquilo queoutros, mais favorecidos pela vida, conseguiram para si,oponhamos a tais instâncias o sentir honesto que modera asmiras ambiciosas.

Só a honestidade poderá curar o extravio a que acobiça conduz. Como antideficiência, deve agir comempenho e sem violência, procurando cada pessoa am pliarseu raio de ação psíquica e buscar, nas fontes do sentir e dopensar honestos, a força sustentadora que a fará prevalecersobre tão defeituosa inclinação humana.

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Próprio da pessoa que revela esta deficiência é falar emexcesso, sem um controle que lhe permita ajustar o uso dapalavra às exigências do tempo e ao momento em que o faz.

Não considera as energias que malgasta nem o tempoque perde, e menos ainda considera o que faz os demaisperderem, entre os quais, embora existam aqueles que oescutam de bom grado, não faltam os que dissimulam seuaborrecimento e seu incômodo, enquanto esperam queseu assunto se esgote, ou que o cansaço providencial-mente o emudeça.

Eis aqui uma falha que deleita seu dono, o qual, alémdo prazer que experimenta ao dar livre curso à sua tagare-lice de papagaio, escutando-se a si mesmo com incontidaeuforia, compraz-se com a admiração que desperta ou crêdespertar em seu auditório.

O ruim para a correção desta deficiência é que quema sofre não percebe seu engano, como não percebe o tantoque se prejudica e, menos ainda, os incômodos que oca-siona a seus amigos e a todos aqueles que ele aborrece comsua falação.

Quanto bem lhe faria inteirar-se de que as pessoas

D E F I C I Ê N C I A : Verborragia

A N T I D E F I C I Ê N C I A : Concisão

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ocupadas e ativas fogem dele, de que as sensatas e formaiso evitam, e de que quem o aguentou uma vez não se dis-põe de novo a ser sua vítima.

É condição do falador averiguar tudo, para ter sempremuito o que dizer quando a oportunidade se lhe apresen-tar; também é comum nele repetir muitas vezes a mesmacoisa, esgotando a paciência de seu interlocutor, que, res-ignado, pensa como é possível alguém levar às costassemelhante calamidade, sem percebê-la.

A verborragia parece andar de braço dado com aociosidade, porque quem muito fala não pode empregarseu tempo em fazer algo útil.

Acontece muitas vezes que esta deficiência afeta pes-soas cujas obrigações exigem estar ativas, o que não asimpede, todavia, de falar até pelos cotovelos, segundo seucostume, usando um tempo do qual não dispõem. Emconsequência, o trabalho se atrasa e acumula, e depois vêmas lamentações de quem, por própria e exclusiva culpa, évítima de situações que ele mesmo criou.

Vemos, pois, quantas qualidades apreciáveis faltam aoque tem esta deficiência, o que é muito de se lamentarquando se trata de alguma pessoa que goza, nos demaisaspectos de sua vida, de uma boa e merecida reputação.

Quem quiser sobrepor-se a esta falha deve formularpara si as seguintes perguntas: Minha conversa é útil?Serve em realidade para alguma coisa? Não ando abusan-do da paciência alheia? Não estarei malgastando o meutempo e o dos demais?

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Feito isso, recorra à concisão como antideficiência.Alertado por ela, procure falar menos e pensar mais, recor-dando que o excesso de palavras soa vazio, e que ninguémleva a sério a quem fala muito; se alguma vez diz algoimportante, corre o risco de passar despercebido.

As palavras não devem ser esbanjadas, porque podemfaltar quando for necessário que seu peso influa em algu-ma circunstância decisiva da vida.

Definiremos o rancor como uma transpiração mentalcu jos tóxicos provocam um constante envenenamentopsíquico.

Alimentada pelo instinto, esta deficiência adquire volu -me como pensamento obsessivo, condenando a pessoa aprolongada tortura.

O prisioneiro do rancor raramente guarda recor-dação dos fatos e coisas que o beneficiaram, dando-lhesatisfação e enchendo-o de alegria, mas se lembra, comânimo sombrio, de todos os que lhe foram adversos. É

D E F I C I Ê N C I A : Rancor

A N T I D E F I C I Ê N C I A : Bondade

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um ressentido, capaz de passar a vida alimentando esserepudiável pensamento de ódio, que corrói seus senti-mentos, sem reparar que o mal que anseia para os outrosse volta contra ele centuplicadamente, já que devesuportar as angústias de uma situação que às vezes ter-mina tão somente com a morte.

O rancoroso não guarda gratidão para com ninguém, eainda se estima credor de considerações pelos serviços quefez ou que presume ter feito. É comum que ele respondacom seu mau sentir a qualquer atitude que não satisfaça,como pretende, às suas petições, e até negue ou menosprezeo zelo daqueles que têm o propósito de servi-lo.

Incapaz de fechar os ouvidos às falsas razões que lheassistem e o aconselham, descarrega seu rancor contra osemelhante, espreitando em silêncio e com dissimulada ati-tude a ocasião de retribuir o mal que a seu juízo lhe fize ram.Qualquer desgraça, qualquer contratempo que recaia sobre apessoa que seja alvo de seu despeito, equivale para ele aoprazer que haveria de oferecer-lhe a própria vingança.

Esta deficiência recrudesce e se propaga nos âmbitosincultos da sociedade, ali onde a moral é vista comdesprezo. Todavia, também se manifesta em esferas demaior nível. O certo é que sempre denuncia inferioridademoral e, mesmo quando seus traços não estejam acentua-dos, desqualifica invariavelmente a quem se deixa arrastarpor sua influência.

Já dissemos que o rancoroso busca sempre consumar suaintenção, e o faz prejudicando de algum modo aquele que,com ou sem motivo, provocou seu ressentimento. Isso prova

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Deficiências e Propensões do Ser Humano

a fixidez do pensamento que define a deficiência, pois nãoadmite, enquanto persegue seu objetivo, a intervenção dosentimento, ao qual afeta por lesar a sensibilidade.

Se ainda se está a tempo de corrigir esta deficiência, aco n se lhamos opor a ela a bondade ou, o que é a mesma coi -sa, de i xar que se manifeste o sentimento com plenitude dian -te de tudo o que é belo e grato aos olhos da sensibilidade.

O bom sentir fará desaparecer os efeitos do rancor sóde pensarmos que é preferível ser credor, e não devedor, ouseja, fará com que experimentemos a sensação feliz de nossabermos seguros de não cometer aquelas faltas que antescensurávamos em nossos semelhantes.

Quem se entregar à tarefa de dominar esta deficiênciatransformará em oásis de paz seu inferno interior.

Esta deficiência reflete um estado de ânimo especial,propenso ao descuido do dever, da palavra empenhada, docom promisso contraído. Em todos os casos implica não só

D E F I C I Ê N C I A : Descumprimento

A N T I D E F I C I Ê N C I A : Formalidade

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fal ta de responsabilidade, mas também de escrúpulo. Éuma das tantas falhas da psicologia humana próprias dodescuido na educação infantil, que persistem e seavolumam com o transcurso do tempo, por desconheci-mento da vida e atividade dos pensamentos.

Trata-se de uma falha que atenta contra as ideias,propósitos e interesses do próprio ser, desde o momentoem que, por sua causa, ele deixa de cumprir com muitosdos fins a que se propõe para seu bem.

Quem tem esta deficiência não poderá nunca con-servar a confiança depositada nele por seus semelhantes;tampouco conseguirá inspirar respeito, pois não podemerecê-lo quem mostra não respeitar suas própriasdeterminações, sobretudo se é daqueles que, ao empe -nhar a palavra, não reparam no prejuízo que seu des-cumprimento pode ocasionar.

Para o descumpridor, é muito pouco conhecido o valorreal das palavras em relação à força anímica que as alenta. Issonão significa que se tenha de ser escravo da palavra que seemite, mas sim que se deve honrá-la. Deve-se saber que hámeios muito eficazes para conciliar situa ções, sem deixar porisso de gozar de absoluta liberdade. Tais meios são: a prudên-cia, que recorda impedimentos pessoais e demais dificul-dades para cumprir uma promessa; o senso de medida, quedefende contra a imprevisão, evitando faltar à palavra diantede eventuais riscos; a sensatez, que propicia a exatidão naavaliação do motivo que cria a obrigação; etc.

Formalidade é a palavra de ordem, a virtude paraconquistar a extinção desta deficiência. Mas não basta o

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anelo de ser formal para combatê-la e liquidar com ela;faz falta uma boa dose de vontade para distanciarprimeiro a repetição de suas manifestações, e eliminá-ladepois totalmente.

Será preciso, é natural, manter-se atento ao pensamen-to que favorece as demonstrações do descumprimento evigiar todo movimento mental tendente a dificultar opropósito concebido. O empenho inicial posto nele deveser acompanhado da necessidade de sustentá-lo, para sentiro gozo proporcionado por esse traço de integridade queincorporamos a nosso conceito, no qual se espelha o quepensamos e somos capazes de realizar.

Esta deficiência tem muito de paixão. Sob sua influên-cia, a pessoa é impulsionada a atuar de maneira involuntáriae irrefletida, sem domínio mental nem pessoal.

Geralmente, esta não tem tempo de elaborar aca -badamente seus juízos ou suas decisões, pois isso lhe é impedido pela urgência que a leva a encarar assuntos que

D E F I C I Ê N C I A : Veemência

A N T I D E F I C I Ê N C I A : Serenidade

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excitam ou acaloram seu ânimo. O homem veemente crê que pode suprir, com a

aparente firmeza de seus arrebatos, a segurança de quecarecem seus atos impensados.

É um ser volúvel por natureza. Sua própria irreflexãocontribui para variar seus estados de ânimo, sujeitos àfogosidade ou ao entusiasmo que desejos e paixõesexercem sobre ele.

Tal deficiência não nega ao ser a boa intenção que lhepossa assistir ao agir, mas é indubitável que ela amiúdeentorpece, e até mesmo malogra, o bom propósito que oinspira, como acontece toda vez que palavras e ações sãopromovidas pela precipitação, pela violência ou pelaimpetuosidade. Não se deve esquecer, por outro lado, queo veemente se vê forçado a frequentes desafogospsíquicos para aquietar seus nervos e seu ânimo, razãopela qual seus arrebatos intempestivos com frequênciacausam surpresa.

Nas discussões, costuma apossar-se de tal forma dasideias que sustenta, ainda que às vezes não sejam suas, queaté chega a assumir ares de autêntico fanático. Se lhe fal-tam razões, argui com frenética insistência e, para dar maisvalor a suas afirmações, costuma apelar para dados falazese citações apócrifas. É certo que em tais casos o quadroaparece complicado pela participação de outras deficiên-cias que igualmente contribuem para cegar o entendi-mento, tais como a superestimação de si mesmo, a falta decordura, a teimosia, etc. É portanto natural que, presa de

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Deficiências e Propensões do Ser Humano

semelhantes calamidades, o ser se esqueça de que a pa -lavra serena e espontânea, mesmo sendo simples, tem maisforça e deixa sentir melhor as potências do pensamento eda ideia do que a palavra expressada com ardor e pas-sionalidade, mas sem a solidez de uma convicção.

Quando a veemência domina uma pessoa que é tam-bém generosa ou simplesmente sentimentalista, costumalevá-la a extremos de prodigalidade que depois deverálamentar. O mesmo ocorre toda vez que o entusiasmo e afogosidade levam a ultrapassar os limites do discreto, doprudente e do que se ajusta a um proceder correto. Valedizer que a veemência, ao se opor ao ato reflexivo, ao atode pensar, anula também a moderação e o equilíbrio quedeveriam caracterizar sempre as ações do homem.

Desarraigar a veemência é tão necessário ao veículopsicológico humano como o é, para o automóvel, a trocade uma peça defeituosa do motor. Em ambos os casos amarcha melhora.

Relembramos a nossos leitores a fórmula recomenda-da para a extinção da impulsividade1, assegurando-lhes aomesmo tempo que a veemência é um dos males caracte -rológicos mais fáceis de vencer, bastando tão somenteapelar para o controle mental que, em forma progressiva, aLogosofia ensina a praticar conscientemente.

1 Ver “Impulsividade”, nesta obra.

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A intolerância fecha os caminhos da compreensão, aomesmo tempo que os da sensibilidade, caminhos aos quaissó têm acesso as almas que sabem de sua semelhança comas demais almas.

Manifesta-se no rigor com que a pessoa pretende quese cumpra ou execute o que ordena, seja por própriaimposição, seja pela vigência de regulamentos ou dis-posições de cuja observância é responsável.

O intolerante é um ser rígido, duro, inflexível, afer rado aseu estreito critério, em cujo coração o afeto pelo seme -lhante é oprimido e até sufocado por sua invete ra da falta derespeito às ideias, aos afazeres e ao compor ta mento alheios.

Incuba-se geralmente em outra deficiência, a soberba,da qual toma sua implacável dureza. Concorrem paraintensificá-la uma excessiva superestimação de si mesmo eum excessivo consentimento às adulações recebidas daque-les que, sob pressão de autoridade ou privilégios concedi-dos, se sentem obrigados a fazê-las.

Em maior ou menor grau, o intolerante é sem pre im -pie do so, e o será enquanto os que devam sofrer seu rigor

D E F I C I Ê N C I A : Intolerância

A N T I D E F I C I Ê N C I A : Tolerância

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Deficiências e Propensões do Ser Humano

estejam abaixo dele. Jamais a intolerância se mani fes ta paracom os de cima, nem contra aqueles de quem se espera tirarpartido, o que não impede ser into lerante nos juízos ou nasapreciações que sobre tais pessoas se fazem.

Nada poderia definir melhor esta deficiência do quea própria conduta do afetado, manifestada em sua cabalpobreza de espírito. As grandes almas jamais foramintole rantes, pois a grandeza é incompatível com a estrei -teza mental dos que desconhecem as alturas e relevosmorais nela configurados.

O intolerante cria em seu redor um ambiente hostil,que o impede de levar uma vida grata. Daí muitos de seuspesares; daí também a escassa simpatia com que conta.

Não foram poucas as vezes em que esta deficiência de -generou em perseguições sociais, políticas, religiosas e ide o - lógicas, abrindo abismos profundos entre homens e povos.

É óbvio dizer aqui que não nos referimos às pequenasou esporádicas manifestações de intolerância, fáceis deemendar por não serem peculiares do caráter, mas sim àdeficiência ativa, ao extremo de quem a padece merecer oqualificativo com que é individualizado.

Contrapor-se-á a esta falha a tolerância, consideradapor nós elemento indispensável à convivência harmônica.

De sua aplicação inteligente e equilibrada depende emboa parte o prestígio individual, pois quem respeita seupróximo é, por sua vez, respeitado, consideração da qualcarecem os que fazem o contrário.

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Para que não se desvirtue sua nobre função, a tolerân-cia deve ser sempre construtiva. Portanto, não se deveesquecer que prodigá-la em demasia é tão nocivo comonegá-la. Daí nosso axioma: A tolerância termina quandocomeça o abuso.

A tolerância está intimamente ligada à paciência– ambas se combinam na ação – e se apoia no respeito e naconsideração ao proceder alheio.

Todo aquele que se sinta animado pelo anelo de aban-donar sua deficiência deve procurar, pois, usar a paciênciaem cada ocasião propícia, porque o ajudará a manter e acumprir o propósito de combatê-la. Terá também presentea deficiência em toda a sua fealdade e desamor, e consul-tará a própria sensibilidade sempre que precise pronunciar-se sobre o comportamento dos demais, ou seja obrigado aaplicar uma sanção.

Isso irá moderando no intolerante a conduta, até que,finalmente vencedor, poderá adicionar uma satisfação a maisàs já conseguidas em seu trabalho de superação individual.

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Deficiências e Propensões do Ser Humano

Esta deficiência resume o amor desmedido a si mesmo,um amor mil vezes maior, inquestionavelmente, pela per-sonalidade, influenciada por tudo o que é mate rial, do quepelo espírito, de cuja existência e função nunca se teveconhecimento exato.

Conduz o ser à egolatria, ao egocentrismo, e é causaconstante de sua dificuldade de colocar-se bem onde querque atue. Este pretende sempre para si o que nega aosdemais. Esquece a lei de correspondência, que obriga à reci -procidade do amor, do respeito, da consideração e demaisdeveres entre os seres humanos, e busca, em troca, embria-gar-se com os acentos da admiração que tributa a si mesmo.

Esta deficiência tem muito de passional e, por con-seguinte, muito de instintivo. Fecha o entendimentohumano às objeções da sensibilidade e fecha também, brus-camente, a comunicação do ser com sua consciência, que éposta de lado no último rincão de seu aposento interno.

O amor-próprio inferioriza o homem e dificulta neletoda elevação de propósitos. É talvez o fator mais prejudi-cial à individualidade, o que a escraviza com preconceitosque anulam sua evolução. É, noutras palavras, o inimigo

D E F I C I Ê N C I A : Amor-Próprio

A N T I D E F I C I Ê N C I A : Modéstia

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número um da pessoa humana, porque entorpece tudoquanto esta se propõe a fazer no sentido de seu aperfeiçoa-mento. O simples fato de exceder-se na apreciação do quese é, comprazendo-se no encarecimento da própria capaci-dade e possibilidades, é suficiente obstáculo para não sechegar jamais a ser o que se tenha pretendido ser.

Consideramos essencial, portanto, que a prodigalidadeno conceito que o ser possa ter de si não tenha anulado suarazão, como costuma acontecer, impedindo-o de entenderque o que conta não é o conceito que ele tenha forjado desi, senão o que os demais tenham conseguido forjar de suapessoa.

Esta deficiência se acha estreitamente vinculada à sus -cetibilidade, à vaidade, à fatuidade, à petulância, à presun -ção, etc., de maneira que, quando se prepara o ânimo paraenfrentá-la, há de se ter presente que é também ne ce s sárioafastar-se de todas essas influências.

Ajustar-se à antideficiência que propomos, ou seja, àmodéstia, implica afastar os males provenientes do amor--próprio, guardando um comportamento acorde com arealidade do ser.

Modéstia significa modo de ser singelo e equânime,significa linha de conduta traçada pelo próprio saber, emoposição a toda exteriorização de endeusamento pessoal.

Se tomássemos a pessoa humana tal qual ela é em suaignorância, vê-la-íamos à semelhança de um recipiente – um cântaro, por exemplo – cheio de fumaça, cujo con-teúdo, amor-próprio, é tanto que às vezes transborda. À

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medida que consegue lançar dentro desse cântaro coisas devalor – conhecimentos, digamos –, estas ocupam o lugarque a fumaça inútil da deficiência vai deixando livre ao serdesalojada. Esses conhecimentos – referimo-nos aos queingressam no patrimônio interno do ser, enriquecendomoral e espiritualmente sua vida – traduzem-se emmodés tia, que é uma das virtudes que mais distinguem apessoa de valor da que só vale em aparência.

Cabe-nos ainda acrescentar, já que isso haverá dereforçar a ação da antideficiência, que oposto ao amor--próprio se acha o verdadeiro amor ao ser real, ao ente des-personalizado que surge como entidade aperfeiçoável, aoser que evolui e enobrece a vida, enquanto manifesta ina-preciáveis qualidades de natureza superior. É um amor semegoísmo, não limitado por paixão alguma. É o amor aobem que o ser faz a si mesmo e ao semelhante. O amor aoideal de perfeição, no qual concentra seus esforços eencaminha a vida. Finalmente, esse amor é o que se trans-forma em compreensão sublime de tudo o que o indiví-duo é e pode chegar a ser em relação direta com a lei deevolução, que vigora para todos como supremo mandatodo Criador.

Deficiências e Propensões do Ser Humano

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Por pouco que se observe e considere esta deficiência,ver-se-á que ela é própria de pessoas incultas, de compreen-são limitada ou educação insuficiente. Apresenta-se sob aforma de obstrução mental, como se de repente o livre movi-mento dos recursos da inteligência ficasse travado.

Teimosia implica lentidão mental. Daí o aferramento dapessoa à ideia, pensamento ou opinião que, após fatiganteesforço, conseguiu formar em sua mente. De nenhummodo mudaria de parecer ou de critério. Pensar num novoesforço mental a faz estremecer. Prefere entrin cheirar-seatrás de sua convicção, ainda que seja errônea, protegendo--se tal como faz a toupeira na escuridão de sua cova.

Nem é preciso dizer que as faculdades da inteligênciaficam inibidas por esta deficiência, desaproveitando-se seuinapreciável concurso quando se trata de determinar a bon-dade de um juízo, de uma opinião, de um conselho ou ideia.

Esta deficiência pode inabilitar toda uma vida e sub-metê-la a sofrimentos que o afetado jamais conseguiráneutralizar, se não se decidir a examiná-la e corrigi-lacom consciência.

D E F I C I Ê N C I A : Teimosia

A N T I D E F I C I Ê N C I A : Docilidade

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Aconselhamos aplicar contra ela a docilidade, reco -mendando ao mesmo tempo a antideficiência correspon-dente à aspereza.

Impõe-se com rigor dar um lugar de preferência namente à lembrança de combater esta falha, sendo aomesmo tempo de suma utilidade concentrar a atenção nanecessidade de abrandar a dureza que ela imprime nocaráter. Dessa forma, a antideficiência começará a influirsobre o ânimo, deixando sentir sua bondade.

Seu cultivo permite romper a limitação criada pelateimosia e assimilar prontamente a compreensão de situa -ções que, aproveitadas a tempo pelo que sofre seus prejuí-zos, podem ser muito benéficas para sua vida, especial-mente se essas situações têm o que ver com seu futuro.

A docilidade deve ser uma modalidade que prestecons trutivo serviço à maneira de viver de cada um, deacordo sempre – convém não esquecê-lo – com asexpressões mais sensatas do pensar e sentir individual.

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Torna-se evidente esta deficiência na pessoa que dácrédito fácil a tudo quanto ouve, sem prevenir-se contra oerro ou a falsidade, e sem avaliar as consequências de aceitartudo sem prévia participação do entendimento.

Obedece à falta de experiência no trato com as pessoas,como também ao pouco proveito extraído dessa experiên-cia como moderadora dos excessos de confiança no pró -ximo. É natural que seja comum nas pessoas simples eingênuas, que tudo aceitam de boa-fé.

Seja qual for a causa que determina a credulidade, elasempre acusa na pessoa a entrega submissa da mente à su -gestão alheia.

Ocorre às vezes que uma pessoa assim, depois de cairnas múltiplas ciladas armadas para sua candidez, reage detal maneira contra ela que abraça decididamente oextremo oposto, convertendo-se de repente no maisdesconfiado dos seres, tanto que até perde as melhoresoportunidades, justamente por recear quando menos de -veria fazê-lo. Tudo isso é fruto da inconsciência, já que talcoisa não acontece a uma consciência ativa, que sabe

D E F I C I Ê N C I A : Credulidade

A N T I D E F I C I Ê N C I A : Saber

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mobilizar a tempo os elementos de juízo requeridos pelarazão quando vai comprometer, em sua totalidade ou emparte, o patrimônio físico, moral ou espiritual do ser aquem assiste.

Mediante a assimilação de conhecimentos de um poten-cial fora do comum, como os logosóficos, a mente humanaestabelece defesas que a imunizam contra os inconvenientesdesta deficiência. Tão logo a inteligência começa a enrique-cer psicológica e espiritualmente a vida individual, aumen-tam os acertos e diminuem os erros. Nasce e afirma-se den-tro do ser a confiança em si mesmo, e já não cai na credu -lidade, porque consulta invariavelmente o próprio juízoantes de aceitar o alheio; já não há perigo de cair na renún-cia do próprio pensar, cedendo tão legítimo direito – comotantas vezes já ocorreu às vítimas desta deficiência – aos fal-cões da dialética social, política ou religiosa, os quais,deslumbrando as mentes com os voos da imaginação, agar-ram suas presas, já previamente escolhidas.

A credulidade põe em perigo a independência do ser.Eis aí a razão fundamental que nos assiste ao sustentar,como temos feito sempre, que o homem não deve crer,mas sim saber, pois somente a posse do conhecimentogarante a liberdade própria e protege a vida contra todaintromissão estranha.

O saber é muito difícil de realizar. Exige empenho,sacri fício, estudo e experiência, mas a compensação queoferece é tão grande que, em podendo avaliá-la, ninguémdeixará de tentar sua posse.

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Não é necessário, por certo, chegar à sabedoria paraeliminar a credulidade. Nada disso; bastará munir-se doselementos que a Logosofia oferece para que o ser fortifiquesua vulnerável psicologia e contraponha, à sedutora voz doengano, suas defesas mentais.

Desarraigar a credulidade por meio do saber é afas tarpa ra sempre um mal que os seres humanos têm padeci dohá séculos, por falta de uma sadia e construtiva orien-tação espiritual .

Por sua índole temperamental, a inconstância está estrei ta -mente ligada à falta de vontade. Oposta à constância, que pres - supõe resolução inquebrantável, posterga e até malogra to daideia, projeto ou plano que se tenha decidido levar à prá tica.

A inconstância se desenvolve nas mentes desorgani-zadas e acusa falta de responsabilidade. Submete a pessoa auma permanente mudança, manifestada na facilidade comque interrompe sua dedicação a uma coisa para dedicar-sea outra, variando continuamente seus motivos de interesse.

D E F I C I Ê N C I A : Inconstância

A N T I D E F I C I Ê N C I A : Perseverança

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Produto da inconsciência a respeito dos valores fun-damentais da vida, esta deficiência revela falta de noçãocabal sobre a importância que assume, para a própriaexistência, a continuidade em cada um dos processos queo ser põe em marcha ao longo dela. Ao interromper essesprocessos, o inconstante desaproveita o tempo, anula osesforços feitos e diminui a eficácia dos elementos queusou em cada oportunidade.

É sabido que aquilo que se começa hoje e se abandonaamanhã conduz a estados psicológicos de permanenteinsatisfação. Esta deficiência não permite desfrutar situa -ções estáveis, resultado de projetos levados até o fim. Nãopermite degustar a felicidade de um propósito perdurá vel,de uma ideia construtiva em vias de desenvolvimento, eainda expõe a perder o que se tem.

A inconstância transtorna a vida, desunindo-a sem ces-sar. Entrecorta-a em múltiplos fragmentos, que depois o sernão pode unir ou une mal. Isso mantém sua vida vazia deconteúdos duradouros.

A perseverança, antideficiência cuja adoção irá impri-mindo uma favorável mudança na modalidade de quemtem esta falha, é uma força que se radica na vontade etraduz uma postura ativa. Toda ideia, todo pen samento, aomanifestar-se na mente com vistas a proje tar-se na reali-dade física, requer, necessariamente, o auspício dessa forçapara alcançar seu desenvolvimento e culminação.

O inconstante que leia estas linhas trate de recordarcada um dos fracassos a que foi levado por sua deficiência,

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promotora de sua instabilidade, e então lhe será rela -tivamente fácil compreender que a perseverança é o mais inestimável fator do existir em todas as ordens da vida, maisainda na realização de seus altos desígnios.

A perseverança deverá, pois, substituir a inconstância, sem -pre que haja a certeza de que o objetivo pelo qual se perseve -ra seja alcançável e justifique todo esforço que por ele se faça.

A natureza e a própria vida nos dão um exemplo de per-severança, ao se realizarem ininterruptamente nelas os proces-sos que fazem possível a existência universal e humana.

Toda obra exige coesão, continuidade, para conservar oviço e a força do pensamento que a inspirou.

A inconstância faz murchar o verdor dos estímulos quees tão ligados ao esforço e ao tempo que se dedicam àsesperanças e objetivos que formam o capital mais apre-ciável da vida.

A hipocrisia define uma pessoa cuja conduta se apoiano distorcido propósito de dissimular seu verdadeiro modo

D E F I C I Ê N C I A : Hipocrisia

A N T I D E F I C I Ê N C I A : Veracidade

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de ser, revestindo-se de aparências quanto à qualidade desuas aptidões, sentimentos, intenções, etc.

O hipócrita é um ser que nunca diz o que pensa ousente; melhor dizendo, não é veraz nem sincero. Ma ne ja oembuste com habilidade, enquanto oculta o pensa mentoque o anima. Engana o semelhante em sua boa-fé, aomesmo tempo que aparenta a mesma boa-fé que procuraencontrar.

Mesmo que às vezes ele consiga muito em benefíciopróprio, nunca poderá edificar nada de permanente, tantoem amizades quanto em feitos importantes da vida.

Há seres tão tomados por esta deficiência que não con-cebem que se possa ser ou atuar de outra maneira.Desnecessário é dizer quão distante estão de poder emen-dar sua conduta; por essa causa, melhor que esperar suareforma é informar-se sobre os detalhes de suas artima-nhas, a fim de evitar seus enganos.

Esta deficiência às vezes se define desde tenra idade,por própria inclinação, anunciando-se como traço negati-vo da conformação psicológica do ser, e encontra um meiocômodo para seu desenvolvimento nos ambientes poucodepurados, onde sempre falta o bom exemplo.

A carência de conceitos claros sobre a conduta e acorreção que a convivência impõe é sempre uma portaaberta à adoção de recursos como este, utilizados semescrúpulo e em prejuízo do procedimento correto. A issose deve, em boa parte, a presença desta falha, que seapodera do ser até dominá-lo totalmente, à medida que

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ele, seduzido pelos resultados que obtém – sempre háalgum desprevenido que cede à sugestão de sua palavra –,se exercita no fingimento de tudo aquilo que o faz pare-cer digno de estima ante os demais.

Felizmente, nem todos os que têm esta deficiência aevidenciam em seus aspectos e manifestações mais acen-tuados e nocivos. Em algumas pessoas, não é tampoucouma deficiência, senão mais propriamente um recursoque usam de vez em quando para granjear a simpatia ouo favor alheios.

Para enfrentar a experiência que se promoverá ao sedecidir a substituir esta deficiência pela antideficiênciaque haverá de ocupar seu lugar, será necessário manterviva a atenção sobre todas as atuações, a fim de localizaraquelas em que a hipocrisia intervém. Além destaprimeira norma introduzida na conduta, se praticarácom frequência a veracidade, até alcançar suas manifes-tações naturais.

A antideficiência deverá ser empregada com a com-preensão cabal de sua utilidade, e tendo sempre por obje-tivo o bem dos demais. Quem fizer isso logo se con-vencerá de que a hipocrisia deve ser decididamente aban-donada, porquanto desmerece em grau máximo aqueleque a põe em evidência, sendo, por conseguinte,imprópria de toda pessoa que anela ser melhor e consti-tuir-se em fator de bem para seus semelhantes.

A veracidade impõe tão grande respeito pela palavraque se emite, que esta nunca poderá trair o pensar nem o

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sentir de quem a pronuncia. Recorde-se: uma deficiência tanto mais se debilita

quanto menos ocasião lhe é dada de manifestar-se.

A curiosidade deve sua manifestação a um impulsoinstintivo.

No homem primitivo, esse impulso era excitado pelosruídos estranhos da selva, o rugido das feras, o canto dospássaros, a chuva, os trovões, etc., e tudo isso o movia ainvestigar o que existia além de seus limites visuais. Desdeentão, essa rudimentar forma de excitar o entendimento,que levou os mais civilizados a desenvolver uma atividademental sempre crescente em busca de novos e frutíferosdescobrimentos, na maior parte das pessoas se foi acen-tuando de forma negativa, até converter-se em deficiência.Isso equivale a dizer que a maioria, em vez de superaraquele originário impulso instintivo, que tanto contribuiupara a subsistência do gênero humano na terra, serviu-sedele para satisfazer demandas ociosas de sua natureza,

D E F I C I Ê N C I A : Curiosidade

A N T I D E F I C I Ê N C I A : Circunspecção

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farejando e averiguando tudo para acalmar os ardores deinteresses passageiros e pueris.

Na criança, sempre à espreita de tudo quanto ocorre aoseu redor, reproduz-se em pequeno o mesmo processoseguido pelo gênero humano. O impulso instintivo aparecenela como meio natural de satisfazer a inata ansiedade deseu incipiente juízo. Quando é educada e instruída, essemeio natural de ativar seu entendimento fica sujeito àsdiretrizes da inteligência. Ao contrário, quando ela crescesem disciplina nem método que a conduza pela via dacompreensão até um grau de maior desenvolvimento, anecessidade de saber se desenvolve nela caprichosamente,amiúde em sentido oposto, ou se corrompe em razão dosestímulos que intervêm sem planejamento, sem medida esem ordem em sua vida.

Eis aí de onde provém a curiosidade, modalidade nega -tiva que mantém a pessoa sempre ávida de informação eatenta ao que menos deveria importar-lhe.

Em tal estado, o ser não inquire para obter um resulta-do útil ou benéfico para ele ou seus semelhantes, e a urgên-cia que mostra em dissipar a expectativa de novas notíciasque ocasionalmente lhe invadem o ânimo, não guarda ne -nhuma relação com o pouco que dura a sua repercussão,uma vez satisfeito esse afã.

Associam-se a esta deficiência a indiscrição e ointrometimento. O curioso é, com efeito, um ser indiscre-to e intrometido, que vive pendente de tudo quanto se falaou está ocorrendo ao seu redor, ainda que não lhe diga

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respeito, e que, impulsionado por sua sede de informação,é capaz de lançar mão de qualquer recurso, sem contar seé de todo lícito ou honesto. Vigia um aqui, segue outroacolá, pergunta, investiga, escuta conversas, e com maiorinteresse ainda se forem reservadas. Na verdade, ocupa-sede todo o mundo, menos de si mesmo.

Quem não faz caso da presença da curiosidade em si,como é comum acontecer em relação a todo o negativoincrustado na modalidade própria, está longe de supor asvantagens de sua eliminação. É óbvio que só quem é cons -ciente dos desserviços que recebe dela é capaz de avaliar aimportância de abandoná-la.

A curiosidade é para a mente o que a comichão é parao corpo. Há um meio muito comum de acalmá-las, o qualem ambos os casos proporciona deleite, um efêmerodeleite, porque depois tanto uma quanto a outra aparecemde novo, provando que não se destruiu a causa de ondecada uma provém.

Quando é a curiosidade o que preocupa, e se aspira alivrar-se dela, é preciso aplicar o recurso que permita darfim a seus inoportunos chamados.

Opor-lhe a circunspecção é o que aconselhamos;entretanto, em que medida seremos capazes de promoversua substituição?

Antes de tentar tal coisa, convirá saber que a circuns -pecção impõe uma mudança, a qual consiste em passar dosuperficial ao profundo das coisas, do intranscendente aoimportante e transcendente, da curiosidade ao interesse que

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o fim procurado justifica. Também se terá em conta que elainflui sobre o entendimento, interessando-o em ob je tivosúteis e importantes, e também sobre o comporta men to, quevariará de maneira fundamental mediante a pru dência queaconselha e a responsabilidade que desperta.

Após esse primeiro passo, deixar-se-á que a deficiênciase manifeste quantas vezes queira, enquanto se pratica a cir-cunspecção até convertê-la numa necessidade íntima, numamodalidade que haverá de proporcionar muitas satis fações.A deficiência terá, assim, menos oportunidades de se fazerpresente, até desaparecer por inanição; e quando a curiosi-dade já não intervém naquilo que se pergunta ou se inves-tiga, mas sim a inteligência, o ato de indagar responde aimperativos da consciência.

A consciência se ativa no cumprimento de processos deevolução superior, enquanto a inteligência, constituída emvigia permanente do homem, leva sua atenção a todos oscampos férteis do mundo mental e físico, para enriquecercom suas observações a vida que o espírito alenta em todoser humano.

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Esta deficiência se configura no ser falto de luzes, no deescasso entendimento, que pouco ou nada sabe, mas que sepreza em demasia e ainda se atribui talento.

A fatuidade torna a pessoa presunçosa e leviana. Dopedestal em que se coloca, supõe que todos são carentes deaptidões para julgar os méritos que se arroga e, diante dequem quer que seja, adota ares muito acentuados deautossuficiência, os quais, em vez de lhe trazerem admi-ração, como pretende, lhe criam demérito.

É certo que já se nasce com inclinação a contrair esta de -ficiência, mas não se poderá negar que são muitos os pais quecontribuem, desprevenidamente, para despertá-la em seus fi -lhos, ao prodigar-lhes todo tipo de adulações e lisonjas.

Por suas pretensões e pelo avultado conceito que temde si, o fátuo pode ser comparado a um indivíduo que,devendo fazer uma viagem de ônibus, pretende não sótomar assento, mas também obrigar os demais passageiros aque lhe cedam os deles, e até mesmo todo o veículo, paradar à sua pessoa maior comodidade e espaço.

A fatuidade afasta amizades e, finalmente, acarreta odesprestígio, que reduz o ser a suas justas e reais dimensões.

D E F I C I Ê N C I A : Fatuidade

A N T I D E F I C I Ê N C I A : Simplicidade

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É realmente difícil para o fátuo corrigir ou superar estedefeito de sua psicologia, porque sua própria necedade oimpede de aceitar correções em seu modo de ser. Não ten-temos convencê-lo, e deixemos tal possibilidade para oproveito daqueles que, em tempo de se liber tarem de suadesfavorável influência, sintam a necessidade de proceder àsua eliminação.

Todas as deficiências se desenvolvem e se apoderam doindivíduo favorecidas pela ignorância em que ele per-manece a respeito de si mesmo, e é fácil deduzir que seuenraizamento será tanto mais firme quanto mais eledesconheça a participação que elas têm em sua vida e odano que lhe ocasionam.

Apesar disso, as deficiências não têm por que perdurarno ser até o fim de seus dias, como quase sempre ocorre.Nossos conhecimentos abrem às possibilidades do homemum panorama novo e estimulante e, além de interessá-lonos altos conteúdos que oferecem, despertam nele a neces-sidade de sair do estancamento em que vive, para alcançarobjetivos mais amplos. De posse de tão valioso elemento,que, além de ilustrá-lo, o ajudará a compenetrar-se de cadaum dos aspectos que configuram sua psicologia, o desalo-jamento de suas deficiências será apenas questão de deter-minação e empenho.

O cultivo da simplicidade, que de certo modo ésinôni mo de naturalidade, unido ao fomento constante decer tas normas de conduta, permite a quem quer corrigiresta de ficiência observá-la e surpreendê-la cada vez que

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Deficiências e Propensões do Ser Humano

tente se manifestar. A nova atitude do entendimento per-mite também contemplá-la em toda a sua fealdade, aguçan-do-se assim a resolução de expulsar tão indesejável hóspede.

Com esse procedimento, a fatuidade perderá terreno eterá cada vez menos motivos para se impor. Então se com-preenderá quão mais importante e honroso é deixar que osdemais avaliem em sua justa medida o que somos, do quenos empenharmos em ser avaliados pelo que aparentamos.

É esta uma falha que relaxa a vontade do ser e atentacontinuamente contra os bons propósitos que ele possa ter.

Indica instabilidade no pensar e no sentir e acusa ausên-cia de consideração para com a própria vida. Em outraspalavras, dificulta em alto grau o cumprimento dos deveresque pesam sobre o ser: os físicos, os morais e os do espírito.

A negligência implica atraso de vida e abandono.Psicologicamente, a pessoa apresenta um aspecto similar aode uma casa cujo jardim, por descuido do dono, está

D E F I C I Ê N C I A : Neglicência

A N T I D E F I C I Ê N C I A : Diligência

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coberto de mato. As plantas de cultivo, privadas dasatenções que periodicamente requerem, contrastam, porseu escasso desenvolvimento, com a exuberância da vege-tação silvestre que as rodeia. Se a isso adicionarmos o dete-riorado estado da casa, teremos o quadro completo danegli gência. Ninguém, ao vê-la, deixará de pensar mal dapessoa que a habita.

Má conselheira é sem dúvida esta falha, que se apoderado ânimo e induz a fazer as coisas fora de tempo, comdemora, e sem pôr atenção nem cuidado naquilo que se faz.

Pareceria que os repetidos fracassos que o indivíduodeve suportar por sua causa nenhuma impressão causamnele, porque sempre se vê com disposição de deixar tudoposposto ao gozo que lhe produz sua atitude despreo -cupada e irresponsável.

A antideficiência que sugerimos usar contra esta falha,aplicada com inteligência, isto é, com decisão invariável,sem pressa, dando tempo à sua gradual erradicação,poderá impor-se em pouco tempo à deficiência, com aconsequente alegria de quem teve de suportar sua preju-dicial influência.

A diligência se mostrará então como qualidade alta-mente valiosa pelos benefícios que proporciona, pois secomprovará com satisfação que, enquanto a deficiênciaobrigava a viver com atraso, a diligência permite avantajar--se ao tempo, ou seja, ampliar a vida, prolongá-la, para des-frutá-la em toda a sua potencialidade, aquela potencialidadeantes estática ou usada só por necessidade, mas cujo usoverdadeiro se desconhecia.

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Deficiências e Propensões do Ser Humano

A diligência é no homem a força psicodinâmica gera -dora de sua atividade. Essa atividade pode ser plena e cons -ciente, se os melhores empenhos são consagrados em prolda própria evolução, já que por meio dela o homem podetranscender as limitações do saber comum e conhecer osmistérios que sua própria pessoa encerra como ente físico,psicológico e espiritual.

Esta deficiência responde a um pensamento inflexívelque governa a mente do indivíduo e influi sobre seucaráter, tornando-o duro e contumaz.

A rigidez afeta os sentimentos, não permitindo que semanifestem, em virtude do silêncio a que os submete.Conduz os seres à intransigência, pelo endurecimento quepromove nos condutos sensíveis. Disso dão prova suaspróprias fisionomias, nas quais aparece refletida, em traçosmarcantes, a pertinácia que particulariza esta deficiência.

Todo sentimento de conciliação é anulado pela forçadesta falha temperamental, que raramente se abranda, nem

D E F I C I Ê N C I A : Rigidez

A N T I D E F I C I Ê N C I A : Flexibilidade

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mesmo ante as exigências da realidade. Isso nos leva a con-siderar que, por detrás da rigidez, atua disfarçadamenteoutra deficiência: a obstinação.

É próprio do rígido o excesso de zelo no desem penhode suas funções, sejam elas públicas ou privadas, sendo issocausa de sua inflexibilidade com os que estejam sob suasordens. Um exemplo disso temos num chefe de escritórioque, diante de uma informação desfavorável sobre a con-duta de um de seus empregados, apressado pelo afã deaplicar-lhe um corretivo, não se detém em averiguaçõesque comprovem a exatidão da versão recebida e, sem vernem ouvir mais nada, pune o subordinado, vítima talvez deum erro ou, o que seria pior, de alguma calúnia. Posturasdessa ordem deixam ver a presença de outra falha, a intole -rância, irmã siamesa da rigidez.

A deficiência de que nos ocupamos induz e até obrigao ser a confiar unicamente em seu juízo. Dificilmente con-corda em considerar viáveis outras opiniões que não sejamas próprias a respeito de uma questão, causa pela qualdiverge com frequência do juízo alheio.

A rigidez paralisa a ação dos pensamentos construtivos,que necessitam mover-se com liberdade enquantocumprem seu papel na vida diária. Isso pode ser observadoem diversas circunstâncias. Uma delas poderia ser aseguinte: por ocasião de estarem reunidas várias pessoas,procurando elucidar um assunto, uma delas, em razão daanomalia de que estamos tratando, pretende impor comcerto absolutismo seus pontos de vista. Apesar da boa von-tade dos que participam da reunião, o propósito perde força

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pela posição inflexível e nada conciliadora de uma daspartes, que, sob o influxo mental de sua deficiência, nãorepara que, variando convenientemente o enfoque, seujuízo sobre o que se está considerando poderia mudar totalou parcialmente, pondo-se em sintonia com as demaisopiniões. Isso nos mostra quão nociva é a rigidez, porquan-to inabilita o ser para superar as limitações de seu juízo,condena-o ao equívoco e faz com que atue em consonân-cia com esse quadro.

Sua influência sobre a mente é muito sutil e, ignoran-do isso, a pessoa se entrega a ela docilmente. Tal fatoocorre, por exemplo, quando reage contra um ou outro deseus semelhantes, aos quais tacha de rígidos, sem se aperce-ber de que isso que vê neles não é mais que sua própriarigidez, manifestada em seu trato com eles.

Quem observa uma pessoa rígida experimenta a sen-sação de encontrar-se ante um ser metido psicologica-mente dentro de um espartilho; igual sensação experimen-ta o rígido sob a inflexível pressão de seus pensamentos.

Dominado por este defeito, sofre continuamente asconsequências de seu comportamento, umas vezes semperceber de onde provêm tais consequências, e outras sempoder evitá-las. Sabe que sua pessoa não é grata a seussemelhantes, e o lamenta, mas não pode com a própriaintransigência. Em muitos casos, é possuidor de belas quali -dades, que empalidecem por causa de seu temperamentoduro, provocando contrariedades em sua vida, cuja imagemevoca o “locus supplicii” da antiga Roma.

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Esta deficiência também nos recorda a rigidez de umcadáver, e pensamos que ninguém que tenha isso emconta gostará de continuar se olhando num espelho tãopouco alentador.

Uma falha tão prejudicial para o homem bem mereceque, contra ela, se adote uma conduta capaz de reduzi-lae anulá-la. Mas, tomada a decisão, procurar-se-á que emnenhum momento sua força se sobreponha ao desejo decombatê-la.

Praticar a flexibilidade como antideficiência implicasuavizar as asperezas do caráter, fazê-lo dúctil e elástico.Implica exercitar o ânimo na condescendência e naconcili ação, favoráveis ambas ao bom entendimento comos demais e até consigo mesmo.

Se a rigidez faz o indivíduo colocar-se mal e o afastada realidade, nada mais oportuno nem conveniente queabrandar semelhante dureza psicológica, tornando-seamplo e compreensivo em toda a extensão da palavra. Paratanto contribuirá a sensibilidade, fator de êxito nessaempresa, mas ela terá de ser libertada da opressão que sofrepor causa da rigidez.

Entregar-se com paciência e firmeza ao cultivo dossentimentos permitirá assistir muito prontamente à suaplena manifestação.

A rigidez se aferra ao passado e oferece resistência aofuturo, que sempre traz consigo novas oportunidades paraaqueles que querem aproveitá-las.

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Deficiências e Propensões do Ser Humano

Petulante é a pessoa que oculta no fundo de sua defi-ciência a avessa intenção de humilhar. Se tem autoridadesobre outros, usa-a nos tons mais ostensivos, e, se possuialguma qualidade intelectual ou sobressai em determinadaatividade, vale-se disso para fazer-se admirar, procurandodiminuir a estatura dos demais.

Esta deficiência exalta a personalidade do ser, queexibe com jactância seus pretensos privilégios.

O atrevimento e a presunção que de forma inveteradaele manifesta, ao emitir seus pontos de vista ou darsoluções a problemas ou situações que não domina, o tor-nam pouco menos que insuportável. Em geral, toma oprudente silêncio alheio como assentimento a seus ima -ginários achados.

Esta deficiência engana o petulante, fazendo-o crerque possui dotes e prerrogativas consideráveis. Daí queseja a pessoa influente por antonomásia, já que, por estarsugestionada, faz os demais crerem que ela é capaz deconseguir tudo, pelo simples fato de a isso se propor. Apromessa é o elemento de que se vale para manter seu

D E F I C I Ê N C I A : Petulância

A N T I D E F I C I Ê N C I A : Cordura

Deficiências e Propensões do Ser Humano

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prestígio, ainda que seja somente enquanto dura a ex -pectativa dos que nela confiaram.

O petulante vive em permanente estado de auto-engano; exacerbado por sua irreflexão e passionalismo,adota as mais desatinadas e irresponsáveis atitudes.

É indubitável que, nos casos em que a deficiência estáacentuada, custa muito a quem a padece submeter-se à auto-censura e, consequentemente, desprender-se dela. Qualquermudança de importância quanto à conduta ele deverá espe -rar que provenha principalmente dos rudes golpes que arealidade possa aplicar-lhe. As variações desfavoráveis queacossam e põem à prova a têmpera talvez um dia o obriguema buscar o centro de gravidade de suas próprias reações. Masisso no melhor dos casos, visto que também poderia deixar-selevar, como costuma ocorrer, pelos impulsos sempre incons-cientes da violência ou do desespero.

Com nosso método, o afetado enfrenta sua própriarealidade, e é aí onde o processo de evolução conscientemuda o quadro de suas perspectivas futuras. A corduraaparece então como imperativo de consciência, acentuan-do-se nele cada vez mais a necessidade de terminar com acausa de todas as perturbações em sua vida.

A cordura, ao serenar o ânimo e propiciar a reflexão,atua diretamente sobre a deficiência e a imobiliza. Masantes é necessário compreender que a petulância constituium dos piores recursos para impor um conceito de simesmo, porque dessa forma ninguém o admite.

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Deficiências e Propensões do Ser Humano

Terceira Parte

Propensões

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Esta propensão responde a dois estados característi -cos da psicologia humana: a) ignorância da malíciaalheia; b) ambição.

No primeiro caso, o indivíduo tende ingenuamente aconfiar no que lhe é dito ou proposto, sem se deter aexaminá-lo e sem se prevenir contra possíveis intenções,ocultas no pensamento do semelhante. No segundo, oentendimento é turbado momentaneamente pela ambição,pois se impõe um pensamento cobiçoso, facilmente perce-bido por quem tenta fazê-lo vítima de suas maquinações.Este pensamento, que entorpece a função de raciocinar,que dificulta o assessoramento da consciência e ainda chegaa silenciar a sensibilidade, mantém o ser enfeitiçado e àmercê do embusteiro, de quem só conseguirá se livrarquando este lhe tenha subtraído quanto pôde, isto é, quan-do dessa entrega incondicional surja o desfalque mental,moral ou econômico do incauto.

O homem, ‘‘de per si” muito afeito ao ócio mental,sente-se, por outra parte, atraído por tudo o que é fácil,pelo que não lhe custa esforço e lhe proporciona, em troca,rápidas conquistas em qualquer ordem da vida. Daí sua

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Ao Engano

Deficiências e Propensões do Ser Humano Deficiências e Propensões do Ser Humano

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propensão a ser enganado. A realidade se encarrega depoisde adverti-lo de seu erro; mas é lamentável que deva supor-tar inexoravelmente as consequências, em geral difíceis deaguentar, que todo engano traz consigo.

A propensão ao engano, na qual representa um papelimportante a faculdade de imaginar, ou, para dizer em ter-mos comuns, a imaginação, deixa a mente desguarnecida.Denuncia um adormecimento temporário da inteligência,incapacitando-a para exercer controle sobre os pensamen-tos sedutores que atentam contra o ser e sobre os atos a queele se vê compelido, em razão de sua predisposição adeixar-se enganar pelo próximo.

Para neutralizar esta funesta tendência, aconselhamos anão se entregar à ilusão e a confiar em si mesmo antes deconfiar nos outros.

A observação desta propensão põe em relevo dois tipospsicológicos bem definidos: a) o que adula para conseguirvantagens; b) o que adula para ser adulado.

O primeiro item dessa classificação se refere a indivíduos

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A Adular

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que, sem méritos próprios e muitas vezes com acentuada faltade escrúpulos, buscam suprir sua condição precária com umafingida submissão aos superiores ou a outras pessoas de quemesperam algum benefício, adulando-as e procurando mostrar-seante elas – quantas vezes mediante intrigas ou enredos – comoúnicos capazes de serem tidos em conta. O segundo itemdefine os traços do ególatra, do fátuo, e nos evidencia apobreza moral dos que necessitam da adulação e a buscam,distribuindo lisonjas e elogios em torno de si, a fim de queesse favor lhes seja retribuído.

A classificação precedente revela as raízes desta propen-são, ou seja, as causas de onde ela provém, o que ilustrasobre a importância de dedicar-se à tarefa de extirpar taisraízes, já que disso depende que a propensão a adular desa-pareça ou se robusteça com o tempo, somando-se comodeficiência às demais.

A propensão a adular, inofensiva quando não excedeo grau de tolerância que as maneiras corteses lhe outor -gam, de ge nera – ao se tornar hábito – em hipocrisia oufalsidade, pois o adulador vê tudo pelos objetivos de umpensa men to que se traduz em especulação, vantagem,conveniência.

A adulação, a lisonja, a bajulação – destacamos isto –,nada têm a ver com a admiração, os gestos aprobatórios oua emotiva gratidão que as palavras, os pensamentos e as obrasde uma pessoa possam suscitar na alma dos se res. Nesse caso,a manifestação de aplauso é um dever e de modo algumafeta o conceito de quem, com desprendimento pessoal, a

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recebe; no outro caso, e aqui nos afastamos das manifestaçõesque obedecem a desdenháveis motivos de interesse, o aplau-so é um simples compromisso, que se cumpre para estar debem com os convencionalismos, e prejudica unicamente aquem abusa dele, tanto ao oferecê-lo como ao desfrutá-lo.

Mencionaremos de passagem, e tão só para destacar oscaprichosos contrastes que a psicologia humana oferece, ocaso daqueles que, gostando de ser adulados, são incapazesde adular, pois, impedidos por pensamentos mesquinhos,nem sequer por razões de cortesia podem ponderar ummérito nem oferecer a alguém uma palavra de aprovação.

O homem íntegro, o que conquistou por seu próprioesforço um lugar de honra entre seus semelhantes, érefratário à adulação, a qual, queira-se ou não, rebaixa ovalor ético das pessoas que com ela se deleitam.

Quem deseje apagar de sua vida a propensão a adular,busque sempre a forma mais agradável, natural e sincera demanifestar a opinião e o sentir reclamados pelas circuns -tâncias. E se, além de adular, gosta de ser adulado, recordeque a consciência do próprio valor contribui com toda aeficácia para anulá-la.

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Quando a vida do indivíduo carece de incentivossuperiores, a propensão à frivolidade se manifesta nelecomo consequência inevitável de sua falta de conteúdo.

Esta propensão é o sintoma precursor da deficiênciaque aparecerá mais tarde, se ele, em vez de se aplicar ao cul-tivo dos valores, continua atraído pelo intranscendente efútil, como se sua vontade se achasse imantada ao superfi-cial e carente de densidade.

Como toda propensão, a que se refere à frivolidade évacilante e inconsequente no princípio, pois a ação dopensamento que a move se detém por considerações natu-rais do recato. Mas como sua simples manifestação já ativade certo modo os fermentos da reação instintiva, o pensa-mento passa gradualmente de propensão a deficiência,porque seu predomínio sobre a vontade do ser se agrava.

A propensão à frivolidade encontra estímulo naquelesque não pensam com seriedade; nos que não formaram umverdadeiro conceito da vida, de seus valores e de sua trans -cen dência; nos que alimentam sua fantasia, deixando a imagi -nação correr em busca de satisfações efêmeras. Em semelhan -te situação, acredita-se que o que entretém um instante é oque realmente importa, e se evitam preocupações e

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À Frivolidade

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problemas, concedendo às coisas frívolas o tempo que sedeveria ocupar em enfrentá-los.

Em sua fase de propensão, e mesmo mais tarde, a frivo -lidade costuma ser neutralizada pelas mudanças inesperadasque a vida depara a cada indivíduo, ao colocá-lo diante darealidade; mas será melhor, e talvez menos penoso, desligar--se dela voluntariamente e a tempo, opondo ao pensamen-to que a sustenta outros de contextura sólida, que o destro-cem e o substituam. Isso somente será possível quando osuperior, o efetivo, o verdadeiramente importante, o queinteressa ao bem-estar e ao aperfeiçoamento, deixe de serindiferente e passe a ocupar um lugar de preferência naprópria vida. Nisso cada um encontrará, não duvidamos,incentivos de inestimável valor, que suprirão com eficáciaaqueles outros que levam à frivolidade.

Não será difícil, para quem compreenda isso, encarar aspo s sibilidades de sua existência sobre uma base mais concre-ta e mais de acordo com as prerrogativas que se oferecem aquem anela para sua vida a realização de um elevado destino.

Esta propensão consiste na tendência do indivíduo a

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À Dissimulação

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mudar, perseguindo sempre algum motivo, a face verdadeira das coisas, revestindo-as de uma aparência quecostuma chegar a imitações surpreendentes da realidade.Isso quer dizer que alguém pode estar à beira de umaderrocada econômica, mas, incitado por motivos banaisou por algum interesse de outra ordem, é capaz de simu-lar despreocupação e até se permitir esbanjamentos quedeem a impressão de que seus bens se encontram emestado florescente. Em outras palavras, pretende con-vencer que o que finge é realidade.

A vida de aparências influi particularmente na gênesedesta propensão, embora tenhamos de admitir que podeser inata. A superficialidade que reina nela faz da dissimu -lação um meio do qual se lança mão para disfarçar comargúcia sentimentos e intenções, ganhar prestígio, desper-tar admiração e satisfazer, enfim, a todo tipo de puerili-dades. Exibe-se, em suma, o que não se é nem se tem;trata-se de um vão afã, que age poderosamente sobre umgrande número de pessoas. Cada um pensa que o con-curso da dissimulação é necessário e, sem perceber, apropensão a fazer uso dela se acentua, cria raízes, torna avida artificiosa e o situa fora da realidade.

É certo que podem ser citados outros fatores que origi -nam esta propensão. Em primeiro lugar, a má formaçãoeducativa, de onde provêm quase sempre todos os demaisfatores, a saber: vaidade, ambição, frivolidade, hipocrisia ealguns outros que denunciam condições caracterológicasmuito sérias, que não vem ao caso citar. Esses fatores – ou,mais claro ainda, essas deficiências –, que configuram,

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poderíamos dizer, o fundo da propensão de que nos ocu-pamos, segundo o grau de negatividade que alcancem noindivíduo, influem sobre a propensão e a agravam, conver-tendo-a em norma de conduta pessoal, de onde resultamdepois formas de dissimulação frequentemente condenáveis.

Poderíamos acrescentar que, no melhor dos casos, apropensão à dissimulação é a arte de ocultar difíceis situa -ções pessoais, aparentando o contrário do que sucede. Abem da verdade, não cabe censurar as pessoas que lançammão deste recurso para evitar a deprimente situação de terde confessar aos demais o momento difícil que atravessam.Feita a ressalva, aconselhamos nunca incorrer no erro defazer da dissimulação um hábito, pois isso implica cairinevitavelmente no desconceito.

Esta propensão revela falta de seriedade e de cons -ciência pe rante a responsabilidade contraída ao se fazeruma promessa.

Compreender-se-á que nos referimos aos que tendema abusar dela, ou a usam com tanta prodigalidade que

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A Prometer

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põem em relevo, nesse mesmo fato, o pouco que se com-prometem com seu cumprimento. Entre estes, desta-camos os que prometem muito com mentirosa suficiên-cia, e só para se atribuírem importância; os que se valemda promessa para ocultar a própria inoperância; os quevoluntariamente se sobrecarregam de compromissos parase proporcionarem, com isso, um prazer. Em cada umdesses casos, a pessoa sabe de antemão que vai defraudaras esperanças do próximo, o que denuncia sua grandeirresponsabilidade e o pouco que lhe preocupa evitar queos demais o censurem como ele merece.

Algumas pessoas prometem por uma disposição natu-ral que as faz parecer obsequiosas, amáveis e dispostas emtodo o momento a se colocarem a serviço do semelhante;entretanto, em que pese a boa intenção que as anima, nemsempre conseguem que sua vontade lhes responda nomomento de dar fim ao que prometem, ou não podemcumpri-lo por carecerem de recursos. Observamos nessecaso que a causa do excesso reside numa imperdoável ati-tude de brandura com respeito à responsabilidade deprometer, e fazemos notar o muito que se ganharia com osimples fato de ser mais prudente e contido.

Disso se conclui que a propensão a prometer anda debraços dados com a irresponsabilidade, e não são poucas asvezes em que é sustentada pela vaidade. Mas também cos-tuma ser respaldada pela audácia, circunstância esta queagrava a situação do indivíduo, o qual faz da promessa ummeio para surpreender a boa-fé do próximo em seupróprio benefício. Assim é a posição de quem planeja um

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negócio enganoso e o difunde para atrair os crédulos, querecorrem a ele sonhando em aumentar suas economias.Embora esse fato marque extremos na conduta, não seriademais mencioná-lo, já que permite avaliar o trabalho dopensamento perturbador, ou seja, a audácia, a qual,ampliando seus meios de ação, cria primeiro a propensão edepois a robustece com seu exercício.

É frequente que se consinta com a manifestação destapropensão, sem reparar que, por suas consequências, elarepre senta uma carga inútil que gratuitamente o ser assume,às vezes só por um equivocado afã de oferecer ajuda.

A lembrança do compromisso que não se cumpre pesadepois sobre o ânimo, em parte porque soma uma preo -cupação a mais às que ordinariamente angustiam a vida, eem parte porque nunca é grato ao “desmemoriado” quesuas promessas lhe sejam recordadas ou que se lhe exija ocumprimento delas.

Os que fazem da promessa uma espécie de indústriapessoal estão, certamente, longe de conceder valor a suapalavra, apesar de pretenderem que os demais o concedam.Ignoram que a palavra empenhada contém algo de nossavida futura e que, passando o tempo, quando esta nosdemandar o cumprimento dessa palavra empenhada, colo-car-nos-á diante de uma realidade: a de nos sentirmosdonos de tal palavra ou carentes dela, por havermosdesconhecido seu valor.

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Toda vez que a propensão a crer se manifesta na pes-soa, excitada por algum motivo circunstancial, as facul-dades da inteligência ficam afetadas em suas funções, poisse produz o adormecimento temporário da mente.

Esta propensão costuma ter efeitos danosos para a alma,porque, ao provocar a inércia da inteligência, pode levar aofanatismo, que é a negação da prudência e do bom tino.

Sua causa real é a ignorância. Pode-se observar quequem tem esta propensão revela um estado mental inci -piente ou precário.

A propensão a crer é própria de quem não pensa, dequem não quer pensar, seja por hábito, seja por comodis-mo, e que, antes de se decidir a investigar por si mesmo asquestões que o preocupam ou lhe interessam, se atém con-fiado ao juízo ou opinião alheios. Refratário ao estudoatento, sereno, reflexivo, sua posição revela incapacidade eo expõe a qualquer engano. É comum ao que tem estapropensão mostrar-se fanático de uma ideia, uma crença,etc., estado a que nunca chega o homem acostumado apensar livremente, a raciocinar com amplitude, a formarpara si um juízo consciencioso das coisas.

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A Crer

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Já dissemos que o propenso a dar crédito a tudo o que,de um modo ou de outro, lhe chega aos ouvidos, não pensa.Pois bem, ninguém negará que são muitos, no mundo, osque não pensam, donde se deduz que também hão de sermuitos os que servem de veículo a toda ideia, pensamentoou boato que ocorra a uma mente qualquer propagar.

É na infância, quando ainda não despertou no ser aaurora das reflexões e a mente ainda permanece alheia atoda noção de saber, que se costuma introduzir, com o pre-tenso propósito de resolver sua orientação espiritual,crenças que, ao debilitarem sensivelmente o poder defensi-vo das faculdades de pensar e raciocinar, agem como fatoresque favorecem o desenvolvimento desta propensão. Comisso queremos destacar que a falha em questão tem muitasvezes origem na orientação defeituosa que a criançarecebe, quando não é iniciada no uso das faculdades de suainteligência para que possa discernir, por si mesma, o realdo irreal, o verdadeiro do falso, o sensato do absurdo, per-mitindo-se, ao contrário, que sua mente seja tomada pelascrenças, de fácil assimilação.

Tal como acabamos de expressar, tem-se pretendidoresolver por esse meio a orientação espiritual da criança, masnão se vê – e menos ainda se compreende – que com isso écriado para ela um dos problemas mais difíceis que terá deenfrentar quando adulta: o problema da própria capacitaçãoe experiência na condução da vida, especialmente no quediz respeito à parte moral e espiritual do seu ser.

Grandes são as desvantagens que a propensão a crer

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pode acarretar ao homem, e grande também a insegurançaque lhe cria. Isso será melhor compreendido se se tiverpresente cada uma de suas consequências, e se estas foremcomparadas com as bondades que experimenta aquele quesabe, qualquer que seja o terreno em que se coloque ouatue, já que o saber é o conselheiro que, emergindo dointerior de nosso ser, nos oferece com toda a amplitude ainformação de que necessitamos em cada caso.

Quem permite que o saber seja suplantado pela crençanão poderá senão aceitar as consequências de conduzir-sesubmetendo o livre-arbítrio à crença abraçada ou inculca-da, visto que, no final das contas, isso não é outra coisa quea claudicação da inteligência.

O saber que se adquire por meio do estudo e da expe -riência coloca o homem a salvo dos riscos a que estapropensão o expõe.

Ao examinar os motivos que influem nas manifestaçõesdes ta propensão, temos de levar em conta a acentuada cara c -te rística volúvel sempre presente na pessoa que a padece.

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À Ilusão

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Já na infância, pelo fato mesmo de que nessa idade nãose pensa nem se discerne, o ser experimenta uma atraçãoirresistível pelo quimérico, pelo que está além das reali-dades objetivas e subjetivas a seu alcance. Se bem isto sejanatural em todas as crianças, existem entre elas as que secaracterizam por um manifesto excesso de fantasia em tudoo que lhes ocorre. Tal exuberância quimérica é, contudo,passível de modificar-se, porque a criança não está inabili-tada para captar, raciocinar e compreender, e pode fazê-lomuito bem, auxiliada pelo próprio espírito, quando pais eprofessores concorrem para guiá-la adequadamente.

Temos de mencionar aqui a faculdade de imaginar,por ser ela a que desde tenra idade exalta e afaga areflexão com projetos irrealizáveis e a distrai com seu fan-tástico desdobramento de imagens. Mas recordemos oque foi dito no princípio, ao assinalarmos que a volubi -lidade é um traço característico de quem tem estapropensão, pois temos de pensar que não somente oexcesso de imaginação influi nela, mas também a existên-cia na pessoa de um estado negativo afim com o traço quedefine sua tendência. Eis aqui descrito o campo favorávelao desenvolvimento da propensão à ilusão, que tantodomínio chega a adquirir sobre o ser, quando nada seopõe a seu apogeu quimérico.

A ilusão é como um véu mágico e esplendoroso queoculta a verdadeira face das coisas; um véu que só permitever o fácil e o formoso de tudo quanto se reflete comoprojeto na tela mental, enquanto impede a visão do quenele é difícil e ingrato, e até da inoperância – se é que

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existe – do próprio esforço para levá-lo a cabo, a qual sefará presente, não há dúvida, tão logo o ser se disponha aconcretizar esse projeto. Poderíamos considerá-la comouma antecipação, quase sempre excessivamente generosa,que pretendemos nos fazer de um bem ou objeto cujaposse anelamos. Assemelha-se de certo modo a um sonho,já que a imagem que a recordação nos traz dele durante avigília dista muito da realidade. A ilusão é também com-parável a essas efêmeras e diminutas mariposas que pare-cem nascer espontaneamente em torno de um foco lumi-noso, visto que, do mesmo modo que elas, morta umasurge outra, como se o homem necessitasse de semelhantefalácia para estimular sua vida.

Aquele que não se entrega à ilusão suporta com menosdor os golpes que a realidade lhe aplica, por achar-se pre-venido; mas quem confia nela totalmente, seduzido pelosartifícios da imaginação, cujo canto de sereia é precursordo engano, permanece por um tempo mergulhado emobscuro desalento, pois o golpe que recebe fere crua esutilmente sua sensibilidade.

Seguindo os passos da pessoa afetada por esta propen-são, pode-se apreciar quão insegura se torna a vida quandose afasta do real e positivo. Ela é capaz de pôr em perigo oequilíbrio moral e material dos seres. Muito conhecido éo caso daqueles que, alentados pela ilusão de aumentar seuslucros, seja num negócio, seja no jogo, terminam compro-metendo seus bens e até sua honra. Mais de um suicídionos faz evocar o processo seguido pelos que não tiveram,depois, força nem ânimo para suportar o triste saldo de suatemerária aventura.

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A exacerbação de desejos ocultos costuma ser causa desituações como as que acabamos de citar; por isso, é bomprevenir-se, gravando bem no entendimento que a ilusão,ao transgredir os cânones da realidade, expõe sempre adesenlaces pouco felizes.

Uma vigilante atenção sobre esta tendência permitiráneutralizar rapidamente a sedução que o ilusório exercesobre os sentidos, com o que se experimentará a efetivi-dade do autodomínio, tão valioso como necessário na vidaconsciente do ser.

Ao nos referirmos a este tópico, devemos esclarecerque consideramos os sentidos dentro da ordem que corres -ponde estritamente ao instinto. Em outras palavras, nãoconcedemos aos sentidos prerrogativa espiritual alguma,salvo quando o instinto se liberou de sua influência noci-va, em virtude do processo de evolução consciente, queconduz ao equilíbrio dos impulsos passionais.

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Ao Deleite dos Sentidos

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Concorrem para despertar esta propensão fatoresexternos e internos. São fatores externos as leituras libidi-nosas, os filmes luxuriosamente crus, as conversas indeco-rosas, a música excitante e tudo o que, de um ou de outromodo, estimule as baixas paixões. Fatores internos são ospensamentos que respondem à influência do instinto, queé o que exacerba as paixões.

A propensão ao deleite dos sentidos indica princípiode relaxamento da vontade, diminuição da capacidade pararesistir à influência dos estímulos passionais, inibição espi -ritual progressiva, debilidade crescente pelas coisas pas-sageiras ou efêmeras; em suma, implica uma atitude psi-cológica negativa, porquanto inclina o ser a desfrutar pre -ferentemente os gozos materiais. Esta propensão chega aestados de embriaguez psíquica, porque ocasiona o relaxa -mento transitório das faculdades mentais, das quais o serchega a prescindir nos momentos de excitação.

Prova das perturbações que a pessoa sofre, quando apropensão se acha em vias de converter-se num maldomi nante, nos dão: o homem que abandona família e larem troca de uma vida escandalosa e desordenada; o que,suges tionado pelo jogo, se entrega a ele sem reparos deconsciência, disposto a expor tudo o que tem; o quedestrói a si mesmo e sacrifica os afetos mais caros pelosprazeres que o álcool lhe proporciona; o que mancha suareputação e sua honra por uma vida econômica fácil epródiga em luxos e prazeres.

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Para neutralizar esta propensão, deve-se adotar umaabstinência gradual, enquanto se dá tempo para que oprocesso de evolução consciente repare os efeitos de tãoingrata característica e ofereça, em substituição aos falsosgozos que proporciona, as satisfações inefáveis que opróprio espírito se encarrega de conceder.

Quando o homem consegue transcender sua propensãoao deleite dos sentidos, coloca-se numa excelente posiçãopara encarar os problemas inerentes a uma vida mais ampla ede maiores possibilidades para o cultivo do seu espírito.

Esta propensão sobrevém quando o indivíduo étomado por estranhos pensamentos de ceticismo e in -diferença. Perdida a fé em seus semelhantes e em suas pos-sibilidades, ele procura o isolamento como meio segurode imunidade social. Mas a propensão a isolar-se tem tam-bém sua causa na curteza mental, na escassa capacidade – tantas vezes motivo da falta de confiança em si mesmo –,

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Ao Isolamento

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na reserva, na aspereza, etc., e também se descobre suaorigem na criança coibida, na apoucada ou retraída. Aesse respeito, diremos que, embora se deva ser cautelosono uso dos estímulos que se dão à criança para fomentarsua desenvoltura – tudo requer uma medida prudente –,é preciso empregá-los abundante e empenha damentenaquela que apresenta esta tendência, procurando neu-tralizá-la quanto antes, se se quer evitar que algum pen-samento indesejável ou improdutivo, incubando-se nelasecretamente, domine um dia sua vontade e, com os anos,transtorne seu juízo.

Seja qual for a origem desta propensão, concluiremossempre que isolar-se é um erro cuja persistência leva oindivíduo a lamentáveis extremos de misantropia.

O isolamento voluntário endurece os sentimentos dohomem e trava as faculdades de sua inteligência. Faz comque viva na ilusão de um retiro psicológico que crê des-frutar sozinho, sem admitir que o acompanham em suafuga pensamentos que o tornam estranho e intratável.

Sobram razões para pensar que quem se empenha emviver isolado é, além de insociável, egoísta, pois não tomaconhecimento das aflições e problemas da humanidade, emcujo contato está obrigado a viver por lei natural.

A convivência entre os semelhantes, dentro da esferaonde cada qual desenvolve suas atividades e manifesta seusgostos, aptidões, preferências ou inclinações, é tão ne -cessária e útil ao homem como a mobilidade para evitar oentorpecimento de seus membros.

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Esta propensão constitui uma inclinação muito fre-quente, cuja presença no indivíduo nos faz ver que a imagi -nação trabalha nele sem o controle das demais faculdadesde sua inteligência.

É vista quase sempre nas pessoas de curtos alcances ouescassa cultura, e em suas manifestações existe algo desuperestimação de si mesmas.

O exame desta propensão nos mostra o ser que enganaa si mesmo, crendo que seus exageros fazem aumentar aforça de convicção de suas palavras, sem reparar que essamesma hipertrofia as expõe a cair no vazio. A pessoa tende aagigantar o volume das coisas, seduzida pelo afã de impres-sionar, de assombrar, de chamar a atenção. No fundo, é umrecurso artificioso com que procura suprir a carência demeios para alcançar por via natural o mesmo efeito. Fosse opropenso bom observador, comprovaria quão rapidamenteaumenta o número dos que fogem dele, e se dedicaria a fazeralgo mais efetivo em proveito de si mesmo.

Quando o exagero deixa de manifestar-se como simplespropensão, para estabelecer-se como hábito, a pessoa fala,move-se e atua sob o predomínio da ficção, devendo sofrercontinuamente as consequências de viver fora da realidade.

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Ao Exagero

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Quem sofre desta propensão experimenta invariavel-mente o desejo de ser acreditado e, quando o consegue,sente-se invadido pela emoção torpe e vulgar de um tri u n - fo fútil. Quão oposto é esse estado de ânimo daquele que sedesfruta após a eliminação paulatina desta tendência,enquanto se ativam internamente as possibilidades de ser,fazer e possuir, sem que o engano se oponha a isso.

O escasso exercício da faculdade de pensar faz comque o ser, por gravitação de sua própria inexperiênciamental, se incline para o fácil. Exemplo disso temos noindivíduo que, acossado por algum problema, assunto ousituação que o preocupa, corre habitualmente em busca dealguém que o resolva, livrando-se assim do esforço que acircunstância lhe exige; isso quer dizer que se vale damente alheia, não da própria, para sair da situação.

Esta propensão debilita a vontade, pois inibe o ânimoe detém o pronunciamento de qualquer determinação queimplique incorporar uma atividade maior ou mais impor-tante do que aquela que se cumpre ordinariamente.

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Ao Fácil

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Sinal evidente de mediocridade – já que sob suainfluência o indivíduo espanta ou rechaça tudo o que lhedemanda um maior uso de suas energias volitivas –, elaimpede que se exercite a própria aptidão no prossegui-mento de novos objetivos. A pessoa busca conduzir sua vidasem obrigá-la a maiores esforços, opondo-se por esse moti-vo até ao medianamente difícil e limitando ao mínimo oesforço pessoal.

Os seres propensos ao fácil estão ameaçados por umavida de rotina. Seja por não se obrigarem a um maiorrendimento de sua capacidade, seja por acovardamento ouindeterminação diante do fantasma dos inconvenientes,sempre estão prontos para rechaçar toda oportunidade deintroduzir melhoras em sua vida.

São seres que carecem de aspirações e que, no caso detê-las, as nutrem com ilusões, confiando ao acaso suasconquistas.

Nunca é conveniente facilitar em demasia os pequenosproblemas dos filhos, se se quer impedir que a propensãoao fácil apareça mais tarde neles, inabilitando-os pararesolverem por si mesmos suas dificuldades e para procu-rarem maiores possibilidades de desenvolvimento na vida.

As energias que movem a vontade são geradas pormeio do esforço e mínguam quando são tidas comodesnecessárias. A propensão ao fácil tira força da vontade,porque a mantém pouco menos que imóvel, impedindoque o homem, em consequência disso, forje determinaçõesque o conduzam a posições futuras mais vantajosas.

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Esta propensão tem como causa a inércia da mente,que provém, por sua vez, da incapacidade de manter emconstante atividade as faculdades da inteligência e o exer-cício dos pensamentos.

Define-se pelo desprezo que o ser sente por sua vida,como se cada dia vivido nas condições de abandono quesua propensão lhe vai criando, acentuasse um oculto ran-cor para com sua própria pessoa.

Contribuem para sua manifestação a ausência deincentivos, a desesperança, os fracassos reiterados – sem seterem extraído deles consequências proveitosas –, oobscurecimento mental que anula no ser toda possibilidadede encontrar uma saída feliz para sua situação, etc.

É comum no homem que carece de defesas morais ede capacidade para encontrar, em cada experiência da vida,por mais amarga que seja, o ensinamento positivo destina-do a orientar seus passos futuros. Nem sempre, porém, osque mostram esta propensão são pessoas abatidas pelaadversidade. Propendem também ao abandono muitosseres que não sofreram nem fracassos nem decepções, masque cresceram privados de toda disciplina formativa, ou

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Ao Abandono

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foram vítimas do abandono em que viveram seus pais oudo meio em que foram criados.

Tanto a vida desregrada e sem ordem, como a falta deobediência e sujeição a toda norma que tenda a enaltecere dignificar a conduta podem descambar para o abandono.Prova disso nos dá a juventude de nossos dias, perturbadapelo relaxamento dos costumes, que corre inconsciente-mente para a destruição de seus valores morais e espiri tuais.A vida pareceria ter perdido para ela seus nobres estímulos,tal a despreocupação com que a vive, transformando-a emvulgar passatempo.

É por demais doloroso o quadro que o ser propenso aoabandono nos oferece. Quão longe se encontra ele de pen-sar, em que pese ser fácil fazê-lo, que é mister tomar gostopela vida e descobrir as ilimitadas prerrogativas que ela ofere -ce. Precisamente a isso conduz o processo de evolução cons -ciente que se pode realizar por meio da Logosofia, processoque faz florescer a alegria de viver e vigoriza a energia inter-na, transformando-a em potencial dinâmico da vontade.

A segurança com respeito a isso é o que nos tem leva-do a afirmar, mais de uma vez, que nossa ciência é capaz deorientar e encaminhar a mente do homem para um laborgrato e positivo, o qual, longe de interná-lo em caminhosincertos, o conduz a reavivar o fogo do espírito e a sentiro palpitar da vida em pulsações profundas, cheias deesperan ça no próprio futuro e de confiança na própriacapacidade de ação.

O encaminhamento da vida, feito sob uma orientaçãofirme e adequada às necessidades vitais da alma humana,

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permite o reordenamento das ideias e dos pensamentos e, emconsequência, soluciona o problema dessa decadência moralmanifestada na propensão que acabamos de considerar.

Referimo-nos à pessoa que discute por discutir,porque lhe agrada ou a entretém; à pessoa que não leva emconta – ou não se importa com isso – os conflitos inamis-tosos que costumam surgir da discussão, e a ela se lançalevada pelo prurido de prevalecer em qualquer tema quelhe dê motivo para sustentar seus pontos de vista.

Em tais casos, discute-se apenas pelo afã de oposição e,com frequência, com a intenção de deixar mal o con-tendor, que por sua vez pode ser teimoso ou obstinado, oupredisposto a acalorar-se e ressentir-se.

É comum que os que discutem, levados por estatendência, sejam os menos idôneos nas questões de quetratam, o que não diminui em nada a veemência com quesustentam as razões que sua pobre e obstinada dialética dácomo certas.

Geralmente, o afetado por esta propensão procura criar

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À Discussão

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objeções a qualquer raciocínio, por mais acertado que seja,usando de todos os meios ao seu alcance para destacar oufazer prevalecer o próprio, atitude que o particularizacomo pessoa presunçosa e de pouca considera ção para comseus semelhantes.

Se quem tem esta predisposição se colocasse em frentea um espelho e discutisse consigo mesmo, facilmentedescobriria em sua figura a inoperância de sua própriainsipidez mental.

A propensão a discutir leva sempre ao mesmo resulta-do: perder inutilmente o tempo que poderia seraproveitado em algo útil. Para evitá-la, basta não dar rédeasolta à língua, quando esta se desata em argumentos dis-cursivos e sofísticos.

É certo que a propensão a discutir deixa de ser umainclinação defeituosa na pessoa que procura encontrar, pormeio dela, pontos de concordância que conciliem asdifere nças com o próximo. Neste caso, busca-se o inter-câmbio de critérios, o qual, levado a cabo com um fimconstrutivo entre pessoas respeitadoras da opinião alheia ezelosas da cordialidade que as une, permite encontrar aforma transigente que as aproxima da coincidência.

A discussão assume seu verdadeiro caráter no livreexame, no qual os critérios se harmonizam e se unemmediante a observação, a experiência e o grau de realiza-ção individual alcançado pelas partes, sem nunca se perderde vista que toda atitude ou pensamento estranho aopropósito que ali prevalece, altera a ordem que deve reinarpara que os resultados sejam ótimos. Não se pode negar o

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caráter construtivo que tem a discussão quando os que nelaintervêm procuram confirmar algum acerto, ou semostram permeáveis ao reconhecimento de um erro ma -nifestado pela opinião contrária.

Esta propensão ganha força no ser por causa de fracas-sos ou reveses reiterados.

Manifesta-se como incapacidade da pessoa paraenfrentar situações penosas, somando-se a isso a incom-preensão do que lhe sucede, cujas causas com frequênciapresume alheias a suas culpas.

É própria de seres moralmente débeis e, portanto,expostos a que qualquer circunstância dolorosa esgotesua resistência.

Esta propensão pode sobrevir de súbito, sob a forte pre s -são de acontecimentos adversos, e aparecer depois, intermi-tentemente, após cada um dos acontecimentos tristes da vida.

A inclinação do ânimo para o desalento invalida umtanto a faculdade de pensar e oprime a sensibilidade, pri-vando-a de uma de suas manifestações mais belas: a que

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Ao Desalento

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faz reverdecer as esperanças e mantém vivo o anelo de umfuturo melhor.

Pode-se avaliar, assim, a importância que tem livrar-sequanto antes desta propensão que angustia a vida e a pros-tra na esterilidade.

O conhecimento transcendente explica os diferentesacontecimentos que nos surpreendem na vida diária epropicia as soluções que, em vão, o homem implora àProvidência, por ser ele mesmo quem deve providenciarpara si os recursos que haverão de fortalecer sua alma elivrá-la do desalento, como de um mal que tem de afastarde si definitivamente.

A propensão a desesperar-se é típica da inibição psico -lógica que alguns seres experimentam diante de dificulda des,problemas ou acontecimentos ingratos que devem en fren tar.Revela-se, sem dúvida, em pessoas impotentes para su portaro infortúnio, ou pouco acostumadas a lutar contra ele.

Qualquer fato adverso ganha em sua mente exageradasdimensões e as precipita na desesperança, sendo fácil supor

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Ao Desespero

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o estado em que haverão de submergir-se quando o moti-vo de seus padecimentos alcançar um real volume.

Geralmente, o propenso é acompanhado por um pen-samento obsessivo, que lhe faz ver todos os seus malescomo irreparáveis e seus problemas impossíveis de resolver.Essa pessoa revela impaciência, insegurança e grandedescontrole mental, fatores esses que convergem para odesassossego, cujo escape é a explosão nervosa. Chegado aesse ponto crítico, o afetado acusa um sensível debilita-mento da vontade.

Essa angustiante tendência se atenua, e até pode sereliminada, ao se vigorizar a vida com nosso método deadestramento mental e do espírito; ao mesmo tempo quea alenta, permite sustentar o ânimo com valentia em cadatranse que põe suas forças à prova.

Remédio eficaz para combater esta propensão é pensarque a crise circunstancial que se padece poderia ter sido dezvezes maior. Que se teria feito então? Que essa reflexãosirva, pois, de elemento equilibrador e, a seguir, que se pro-cure fazer o que se julgue melhor para dominar esses esta-dos que abatem o ânimo e quebrantam a moral. Nossosconhecimentos atuam em todos os casos como “antibióti-cos” mentais, eliminando os “micróbios” psicológicos dadesdita humana, isto é, os pensamentos negativos.

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São causas desta propensão a ociosidade mental, ohábito de perder-se em abstrações estéreis e a falta de umaideia clara a respeito da responsabilidade que se impõe nacondução da vida.

Revela falta de atividade mental consciente. O homemque não pensa vive geralmente distraído, cooperando comisso para seu empobrecimento moral e espiritual.

Esta é uma propensão particularmente negativa,porquanto intercepta o normal desenvolvimento das ativi-dades ou atuações diárias, sendo evidente que quem nãoprocura destruí-la a tempo termina por sentir seus efeitosde forma acentuada, sendo continuadamente perseguidopor percalços, contratempos ou outras situações ingratas,carreadas sem necessidade sobre si.

Esta propensão pode tirar defesas do homem, já que adesatenção subtrai da observação múltiplos detalhes,importantíssimos quando se trata de tomar uma resolução,formar um juízo, extrair uma conclusão, decidir uma con-duta, etc. Além disso, o ser que não está atento a tudo quan-to ocorre em torno dele ou no mundo, costuma acolhercom temerária ingenuidade qualquer versão que escute,sem prevenir-se contra seus riscos.

Nada construtivo poderá fazer em sua vida quem

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À Desatenção

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passa a maior parte do tempo sem consciência da reali-dade que interpenetra seu ser e move os fios de suaexistência individual.

A atenção a tudo o que se faz, a todo acontecimentoda vida, não somente é fator de atividade, mas também estí-mulo poderoso para o desenvolvimento amplo dasaptidões. Se a isso se soma a atenção requerida pelo proces-so de evolução consciente, que cada ser humano deverealizar para conhecer a si mesmo e a realidade cósmicaque o rodeia, assegurar-se-á o concurso permanente daconsciência, que é, definitivamente, a que deve reger omecanismo da atenção.

Esta reação violenta do ânimo se produz no propensopor motivos que o indignam e o fazem ressentir-se, inci-tando-o a adotar represálias contra a pessoa que por ato oupalavra o ofendeu, causou-lhe algum dano ou simples-mente cometeu o erro de excitá-lo. Predomina nesse ser odescontrole mental, e suas explosões repentinas se repeteme se incrementam por indução de deficiências que seaninham nele, como a intolerância, o orgulho e, sobretudo,o ressentimento ou o rancor.

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À Ira

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Fácil é deduzir que os estados de ira se desencadeiam porvia do instinto; daí que suas exteriorizações adquiram traçosinconfundíveis de irracionalidade.

Quando nenhum fator moral e espiritual contribui paramoderar esta propensão, ela tende a descartar totalmente asatitudes serenas, de sorte que a pessoa, pela violência e pelafúria que a caracterizam, termina por afastar de si os seme -lhantes, fato que mostra às claras o agravamento do mal.

O desconhecimento da própria psicologia e a ignorân-cia a respeito da ação tirânica de certos pensamentos inci-tantes que a mente abriga, fazem com que o homempropenso à ira não possa se conter e permaneça à mercê deseus arrebatamentos.

Sendo esta propensão acentuadamente temperamental,compreender-se-á que sua eliminação requer uma vontadea toda a prova e uma cuidadosa vigilância dos pensamentosque têm predominância na mente. A observação ajudará adescobrir os fatores negativos que, vindos de dentro, ativama propensão, aos quais cumprirá primeiramente aquietar, edepois desarraigar. Será também de grande eficácia ter pre-sente o espectro desagradável da inutilidade desta propen-são e de suas consequências, sempre ingratas.

Livrar-se da ira é retirar do caminho um dos tantos suplí-cios internos que mantêm a vida em permanente angústia eaborrecimento. Impõe-se, pois, lutar contra um mal que esma-ga os sentimentos e converte em infeliz quem o padece.

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Esta é uma propensão que inibe o homem no sentidode tomar determinações oportunas e felizes, com partici-pação ativa de seu esforço e aptidões. Atraído pela parteartificiosa do acaso, prefere confiar em temerários desen-laces, que poucas vezes acabam sendo favoráveis.

Pode-se perceber quanta ilusão, ingenuidade e insen-satez convivem na pessoa que assim se conduz.

A impossibilidade de conquistar pelos próprios meioso que se deseja, seja por incapacidade, seja por despro-porção entre as ambições e as aptidões para alcançá-las, égeralmente a causa desta propensão no homem, cuja mentecomeça a ativar-se com a ideia de que o acaso pode satis-fazer seus desejos, solucionar seus problemas ou convertê--lo da noite para o dia em privilegiado da fortuna. Dessaatitude ilógica nasce o que leva tantas pessoas a correrincansavelmente em busca do sugestivo feitiço da sorte.

Quem confia no acaso põe nisso boa parte de especu-lação, pois tende a fazer o menos possível em favor de suasnecessidades ou aspirações. É isso o que mostra quem rea -liza uma operação comercial sem um prévio e criterioso

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A Confiar no Acaso

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exame dos problemas que essas questões envolvem, e semassegurar-se da forma de enfrentar eventuais reveses; quemempreende uma longa viagem sem colocar seu veículo emcondições; quem pretende sair de uma enfermidade semfazer de sua parte nada para dela se livrar; quem emprestaou compromete valores, confiando em que haverão de semultiplicar prodigiosamente; quem confia no jogo pararemediar suas precárias economias.

A confiança no acaso submete o indivíduo a situaçõesde aperto. Sua vida é insegura, ameaçada pela imprevisão,pois sob o fascínio do acaso ele chega a arriscar tudo, sempensar nas consequências.

Nem as aflições nem a realidade mais convincentecuram a pessoa de sua cândida tendência, porque sempreensaia alguma justificativa, a modo de consolo, para atenuarseu erro. Quantos fracassos, quantos desenganos ela precisaexperimentar para chegar ao epílogo de sua equivocadaconduta.

Para evitar que esta propensão se converta, com otempo, em força psicológica dominante, aconselhamosesperar tudo da própria capacidade. Recorde-se que ofuturo jamais deve ser deixado nas mãos do acaso, pois comisso se corre o risco de anular as próprias possibilidades.

Confiar em si mesmo, eis aí a chave. Confiar em simesmo sem recorrer jamais a uma aparente Providência,manifestada sob o signo do acaso.

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Esta propensão é muito frequente, às vezes com claroscontornos de deficiência, nos seres menos capacitadosmentalmente, nos quais se revela como atitude poucobenévola, sempre disposta a lesar a reputação do seme -lhante e poucas vezes a defendê-la. Manifesta-se por rivali -dade, por represália, por simples desejo de causar dano, etc.,o que demonstra que esta propensão atua por influência dealguma outra deficiência de muito baixo nível, como ainveja, o rancor, a malignidade, o ódio, cuja presença noindivíduo é totalmente desqualificadora.

É comum que esta propensão se incube na infância,quando se pode vê-la insinuar-se na criança que censuralevianamente o que os outros dizem ou fazem, na que dis-tribui apelidos e motejos de forma disparatada, ou naquelaque acusa sem reparos seus irmãozinhos e companheiros deescola ou de brinquedo. É certo que, da mesma forma comotais sintomas desaparecem na criança que se forma dentro deum ambiente culto, eles se acentuam quando ela recebe atoda a hora estímulos que fomentam sua tendência, ouquando cresce órfã de noções que a ilustrem sobre as vanta-gens do bem sobre o mal. Pode-se dizer que, salvo os casosem que a propensão revela a persistência do que é natural ou

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Ao Vitupério

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inato, a manifestação defeituosa prontamente cede sob apressão saudável da educação e do bom exemplo. Assim,pois, quando observamos uma pessoa já adulta deleitando-secom a difamação, com a censura ou com a maledicência,admitamos como possível que isso seja o resultado de havervivido desprotegida durante a primeira idade, em que o serestá totalmente à mercê dos estímulos que recebe.

Deve-se combater este mal com grande tenacidade,propiciando em si mesmo a boa intenção toda vez que seemite um juízo sobre o semelhante.

O conhecimento dos pensamentos e sua seleção dentroda mente neutralizam tão ingrata tendência, permitindo aoser edificar um bom conceito de sua pessoa, porque o guiapara uma atuação reparadora de seus erros anteriores.

Esta propensão se caracteriza por um estado depressivodo ânimo, que debilita a vontade e adormece as faculdadesda inteligência. Isso quer dizer que o afetado está expostoa malograr as prerrogativas naturais que lhe assistem,porque seu próprio mal afasta de si os estímulos necessáriospara torná-las efetivas.

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Ao Pessimismo

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Situando-se por momentos fora da realidade, tende aver tudo com o olhar obscurecido, talvez por recônditodespeito, e sua mente se povoa de tristes vaticínios quejamais se cumprem (porque tudo na vida segue o cursoque deve seguir), prova de que não são tidos em conta.

O propenso ao pessimismo justifica sua apatia fir-mando-se na ideia de que nada há de lhe sair bem. Anteuma perspectiva que se lhe mostra promissora, somenteparece esperar a desfavorável mudança de rumo queimprevistamente ela poderia tomar, causando surpresacomo sua propensão consegue ensombrecer sua mente,melhor disposta, diríamos, a receber a notícia de um novofracasso do que a de um êxito.

Cada revés que experimenta é um motivo a mais queele soma aos que já alimentam sua desconfiança, e, comose isso não bastasse, acumula em sua mente uma infinidadede fatos adversos ocorridos com seus semelhantes.

Com o tempo, esta propensão faz perder o gosto pelavida; além de inepto, torna o ser insensível aos poderosos estí-mulos que ela lhe oferece, para que desfrute seus bens comalegria. Na verdade, o pessimismo é em tal grau funesto, quenão permite que frutifiquem na mente ideias felizes.

A pessoa vegeta enquanto dura sua estéril vida. Talvez láno íntimo de seu ser ainda conserve a imagem de algumaesperança que alentou sua vida, mas cuja recordação só lheserve agora para aumentar o descontentamento que dele seapoderou. Geralmente termina seus dias renegando seu des-tino, mesmo quando tenha dependido só de seu esforço edeterminação que esse destino lhe tivesse sido propício.

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Quando somente se tem propensão ao pessimismo,convém pensar que com o tempo se poderia chegar aconver ter-se num ser moral e espiritualmente vencido,num ser care nte de estímulos que convidam a viver. Talvezisso leve a decidir por querer aumentar o caudal desses estí-mulos antes que se esgote e, levando em conta as recomen-dações deste livro, se opte por fazer o que em primeirolugar corresponde, isto é, uma minuciosa revisão dos pen-samentos que circunstancialmente deprimem o ânimo eenchem a mente de ceticismo. O conhecimento transcen-dente, energia viva e estímulo permanente, ajuda a desalo-jar esses pensamentos tão logo se estabelece uma firme vin-culação com ele, pois insufla na vida alegria e otimismo, eimpulsiona em direção a possibilidades totalmentealcançáveis, motivos esses que fazem a propensão perdertoda influência sobre o ser.

Esta propensão acusa negligência e falta de escrúpulo,por parte da pessoa, para com aquilo que, na ordem doscostumes e da conduta, merece respeito dentro dasociedade. Influenciado por ela, tende à desconsideração de

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À Licenciosidade

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toda norma ou princípio ético e sensível, sem levar emconta sua importância social e sem ter noção do dano que,com isso, ocasiona tanto a si mesmo como aos semelhantes.Numa palavra, tende a menosprezar o correto, confundin-do os meios que fazem possível a convivência decente ehonesta com aqueles outros que propiciam a libertinagem.

Sob o rótulo de liberdade individual, tão explorado pelaspretensas ideias democráticas, o propenso a desmedir-se, sejano que for, logo termina por incorrer em excessos quepõem em relevo o rápido arraigamento de uma modalidadeque se tornou seriamente negativa e perigosa. A propensão,transformada agora em deficiência, traduz-se por manifes-tações de rebeldia, sendo difícil extirpá-la, pois os que a pos-suem se acham sob a pressão de ideias dissolventes, tão per-niciosas como as que o próprio fanatismo fomenta.

Esta negativa tendência é percebida em todos os níveissociais. Pode ser observada entre operários e demaisempregados, estudantes e profissionais de nível superior, eem todos os casos revela o ser que não tem ideia clara arespeito da liberdade com que pretende reger-se, ou nãosabe que liberdade significa também respeito, comedimen-to, dignidade, considerando-a tão somente quando tolera oabuso e o desenfreio. Há de se saber, não obstante, que aliberdade não se concebe nem se exerce cabalmente se aresponsabilidade não a acompanha, como faz a sombraem relação ao corpo que a projeta.

Terreno propício para a expansão da licenciosidade é afalta de uma sólida e efetiva educação social, que habilite ocidadão para defender sua vida contra a tremenda avalancha

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de estímulos negativos da hora presente; hora que arrastaconsigo os germens da decomposição moral e espiritual,propaga a corrupção dos costumes, o desprezo pela digni-dade humana, e abre um espaço fácil no seio da juventude,vítima da inexperiência, da desorientação e do desamparo.

Tendo em conta, pois, seu rápido avanço em todos ossetores da sociedade, convém não esquecer que, se o númerode afetados cresce à medida que o mal se estende, ou seja, emproporção ao avanço da licenciosidade convertida emnorma, o esforço daqueles que não desejam aumentar seunúmero deve refletir-se na própria conduta, conferindo a elaum alto grau de dignidade, honestidade e respeito.

Esta propensão afeta sensivelmente o indivíduo, porquese opõe ao aproveitamento de suas aptidões, as quais eleutiliza irregularmente, ou seja, sem a constância e o esmeronecessários a seu bom rendimento.

O descuido revela indolência mental. Preocupações eresponsabilidades são esquecidas pela pessoa, tão logo suaatenção, habituada a mover-se sem controle, muda de

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Ao Descuido

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direção, atraída por outros motivos, frequentemente fúteis,que afinam com seus gostos e que não lhe acarretamgrandes esforços nem contrariam sua disposição de fugirde suas obrigações.

Esta propensão subtrai eficiência do estudo e do tra-balho, porque a pessoa não persevera nem se esforça naatenção que tais atividades reclamam. Age com leviandade,com despreocupação e irresponsabilidade, procurandodiminuir esforços e sem pensar que as consequências aatormentarão depois, seguramente, como acontece quandonão se tomam providências.

A propensão ao descuido não implica sempre, comoparece, carência de aptidões. Isso fica provado pela facili-dade, habilidade ou engenhosidade que alguns descuidadosmanifestam, quando, esquecendo talvez alguma tarefa ime-diata, se dispõem voluntariamente a fazer algo que condizcom suas predileções, algo geralmente improdutivo, pornão responder a deveres nem a necessidades, mas que,como um entretenimento a mais, vem preencher o tempo“ganho” em cada descuido.

A distração e a irresponsabilidade próprias da idadeinfantil costumam gerar esta propensão, que persiste quan-do o ser chega à juventude, e ainda é levada às costas até amaturidade. Referimo-nos aos que talvez cresceram sob oolhar indiferente e a falta de capacidade, para conduzi-los,daqueles que acompanharam sua infância. Eis aí de ondesurge com frequência esta propensão, que expõe o homema sofrer consequências muito variadas, desde as que provêmde sua atuação nos meios que frequenta, traduzidas em

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demérito para sua pessoa, até aquelas que resultam de fatosmais graves e irreparáveis, por não ter levado em contadetalhes ou não ter feito oportunamente aquilo quepudesse evitá-los.

A evolução consciente desterra esta propensão, poispromove no ser a atividade da consciência, e com isso odescuido se vai debilitando até seu total desaparecimento.Medite o leitor sobre isso, e compare as consequências queo descuido acarreta com os benefícios que podem seralcançados, tendo sempre em mãos o fio condutor de todosos assuntos que nos preocupam, cuja esmerada atenção noscabe a todos por igual.

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INTRODUÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Deficiência e antideficiência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Técnica para enfrentar as deficiências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

DEFICIÊNCIAS GENERALIZADASNO SER HUMANO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Classificação das deficiências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Como neutralizar uma deficiência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Relação das deficiências

e antideficiências tratadas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

PROPENSÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Relação das propensões tratadas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Falta de vontade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Impulsividade. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Suscetibilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Indiscrição . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ..

Inadaptabilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Obstinação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

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354245485255

S U M Á R I O

Primeira Parte

Metodologia das Deficiências e Propensões

Segunda Parte

Deficiências

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Vaidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Falsa humildade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Indolência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Desobediência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Irritabilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Timidez . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ...

Soberba . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Desasseio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Falta de memória . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Presunção . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Necedade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Displicência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Impaciência. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Debilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Intrometimento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Indisciplina . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Aspereza . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Egoísmo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Desordem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Brusquidão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Intemperança . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Indiferença . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Cobiça . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Verborragia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Rancor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Descumprimento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Veemência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Intolerância . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Amor-próprio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Teimosia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Credulidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Inconstância . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

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Page 209: DEFICIÊNCIAS E PROPENSÕES DO SER HUMANO

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Hipocrisia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Curiosidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Fatuidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Negligência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Rigidez . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Petulância . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Ao engano . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

A adular . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

À frivolidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

À dissimulação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

A prometer . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

A crer . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

À ilusão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Ao deleite dos sentidos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Ao isolamento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Ao exagero . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Ao fácil . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Ao abandono . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

À discussão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Ao desalento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Ao desespero . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

À desatenção . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

À ira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

A confiar no acaso . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Ao vitupério . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Ao pessimismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

À licenciosidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Ao descuido . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

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Terceira Parte

Propensões

Page 210: DEFICIÊNCIAS E PROPENSÕES DO SER HUMANO

�208

representantes regionais

Belo HorizonteRua Piauí, 742 - Funcionários30150-320 - Belo Horizonte - MGFone (31) 3218 1717

BrasíliaSHCG/NORTE - Quadra 704 - Área de Escolas70730-730 - Brasília - DFFone (61) 3326 4205

ChapecóRua Clevelândia, 1389 D - Saic89802-411 - Chapecó - SCFone (49) 3322 5514

CuritibaRua Almirante Gonçalves, 2081 - Rebouças80250-150 - Curitiba - PRFone (41) 3332 2814

FlorianópolisRua Deputado Antonio Edu Vieira, 150 - B. Pantanal88040-000 - Florianópolis - SCFone (48) 3333 6897

GoiâniaAv. São João, 311 - Q 13 Lote 23 E - B. Alto da Glória74815-280 - Goiânia - GOFone (62) 3281 9413

Rio de JaneiroRua General Polidoro, 36 - B. Botafogo22280-001 - Rio de Janeiro - RJFone (21) 2543 1138

São PauloRua Gal. Chagas Santos, 590 - Saúde04146-051 - São Paulo - SPFone (11) 5584 6648

UberlândiaRua Alexandre de Oliveira Marquez, 113 - B. Vigilato Pereira38400-256 - Uberlândia - MGFone (34) 3237 1130

Page 211: DEFICIÊNCIAS E PROPENSÕES DO SER HUMANO

“As deficiências são também feras, ferasmentais que não se conformam em devorar ospensamentos e projetos úteis que cada umarmazena ou cultiva em seu campo mental. Seuafã de destruir – como acontece com o pes-simismo, a obstinação, o descuido, a irri-tabilidade, a veemência, etc. – as induz aatentar contra os sentimentos mais nobres, einclusive contra a própria vida de seu dono.

é preciso, pois, que acabemos com taispensamentos, se não quisermos que elesacabem conosco.”

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