Definição de Mercados Relevantes e Medidas de Concentração No Setor Elétrico - Análise Comparada Da Experiência Brasileira

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    Universidade de BrasíliaInstituto de Ciências HumanasDepartamento de Economia

    Mestrado em Economia da Regulação e Defesa da Concorrência

    Definição de mercados relevantes e medidas deconcentração no setor elétrico:

    análise comparada da experiência brasileira

    Valdomiro José de Almeida

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    Valdomiro José de Almeida

    Definição de mercados relevantes e medidas deconcentração no setor elétrico:

    análise comparada da experiência brasileira

    Dissertação aprovada como requisito para a obtenção do título deMestre em Economia daRegulação e Defesa da Concorrênciado Programa de Pós – Graduação em Economia –Departamento de Economia da Universidade de Brasília, por intermédio do Centro deEstudos em Regulação de Mercados. Comissão Examinadora formada pelos professores:

    Dr. César Costa Alves de Mattos (Orientador)

    Dr. Paulo César Coutinho

    Dra. Élbia Vinhaes

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    AGRADECIMENTOS

    Agradeço ao Dr. João Grandino Rodas, ilustre Presidente do Conselho Administrativo deDefesa Econômica - CADE, que tornou possível minha participação e de outros membros da

    assessoria do Conselho no curso de mestrado do CERME/UnB, iniciativa fundamental paraminha qualificação profissional.

    Às minhas colegas de Gabinete, Maria dos Anjos e Cíntia Custódio que, com compreensão, praticamente assumiram minhas responsabilidades no trabalho, facilitando a conclusão destalonga jornada. Agradeço, também, à Sebastiana Fanhani, que me deu apoio em momentosimportantes para o prosseguimento do trabalho.

    Meu agradecimento ao economista e professor, Dr. César Mattos, aplicado no estudo daeconomia antitruste e da regulação, meu orientador (não apenas nesta dissertação), mostrou-me que os princípios da economia são fundamentais para uma boa análise antitruste.

    Professor, sempre solícito e esmerado no ensino, dando o melhor do seu conhecimento. Asmuitas citações de seus trabalhos aqui feitas, atestam o quanto hauri de suas pesquisas em

    uma área da ciência de aplicação relativamente nova entre nós a regulação

    principalmente como auxílio na formulação de políticas públicas.

    Agradeço também, ao ilustre Conselheiro do CADE, Cleveland Prates Teixeira, e aoseconomistas, Drª Élbia Vinhaes, do Ministério das Minas e Energia, e Alexandre Bastos, quenão se furtaram em me abastecer de informações sobre a economia e a regulação da indústriade energia elétrica.

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    Não posso deixar de agradecer também ao Ronaldo Mota e ao Alexandre Aldrigues Ferreira

    (do Centro de Processamento de Dados do CADE) que muito me ajudaram para que eutornasse este trabalho mais compreensível e organizado.

    Aos meus filhos queridos, Carolina e Victor, que com compreensão, e resignação às vezesrelutante, privaram-se da convivência e do lazer com o pai. Em parte eles foram a razão e ainspiração para este trabalho. A eles dedico-o com muito amor. Sou grato também à Ivalcyque se desdobrou junto aos dois, dando-me a paz necessária para realizar esta tarefa.

    À minha esposa Halê, de quem, em razão dos estudos, roubei inúmeras horas de companhia, eque apesar disso, soube me incentivar.

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    SUMÁRIO

    1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 1

    2. A INDÚSTRIA DE ENERGIA ELÉTRICA ..................................................................... 82.1 - O Produto ......................................................................................................................... 82.2 – A Demanda..................................................................................................................... 112.3 – Segmentação vertical e coordenação ........................................................................... 12

    2.3.1 – A geração................................................................................................................. 122.3.2 – As redes de transmissão e de distribuição............................................................ 152.3.3 – Coordenação: o despacho central ......................................................................... 17

    2.4 Os modelos estruturais da indústria e os mecanismos de mercado............................. 212.4.1 - Os modelos estruturais da indústria de energia elétrica .....................................212.4.2 – A comercialização...................................................................................................272.4.3 – Mecanismos de mercado ........................................................................................28

    2.5 Conclusão .......................................................................................................................... 353. O ENFORCEMENT DA POLÍTICA DE DEFESA DA CONCORRÊNCIA NO

    SETOR ELÉTRICO BRASILEIRO (SEB)................................................................... 373.1 As Resoluções nº 94/98 e nº 278/2000 da ANEEL.......................................................... 373.2 A análise de concentrações (SEB)...................................................................................44

    4. MERCADO RELEVANTE, PODER DE MERCADO E MEDIDAS DECONCENTRAÇÃO NO SETOR ELÉTRICO................................................................ 49

    4.1 Revisão do conceito de mercado relevante..................................................................... 494.2 Poder de mercado em mercados de eletricidade ...........................................................544.3 Efeitos das restrições de capacidade não captados pelos índices de concentração HHI

    e CR-4................................................................................................................................634.4 Conclusão .......................................................................................................................... 70

    5. A EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL NA DELIMITAÇÃO DE MERCADOSRELEVANTES NO SETOR ELÉTRICO 73

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    6. ANÁLISE DA EXPERIÊNCIA BRASILEIRA NA DEFINIÇÃO DE MERCADOSRELEVANTES NO SETOR ELÉTRICO..................................................................... 103

    6.1 Relatório da pesquisa em pareceres e votos.................................................................1036.2 A dimensão dos mercados relevantes nas análises de atos de concentração do SEB104

    6.2.1 - Dimensão do produto/serviço............................................................................... 1046.2.2 - Dimensão geográfica............................................................................................. 108

    6.3 - Análise comparativa das definições de mercado relevante no SEB........................ 1106.4 Fatores e condições a serem observados para a delimitação de mercados relevantes

    no SEB............................................................................................................................. 1126.4.1 - Os produtos relevantes a serem considerados..................................................1136.4.2 - Os fatores determinantes da dimensão geográfica ..........................................117

    6.5 Determinação das parcelas de mercado ( market shares ) e medida do grau deconcentração do(s) mercado(s) relevante(s)................................................................. 125

    6.6 Conclusão ........................................................................................................................ 126

    7. CONCLUSÕES ................................................................................................................128

    REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................................... 131

    ANEXO I - ALGUMAS EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS EM FUSÕES EAQUISIÇÕES NO SETOR ELÉTRICO....................................................................... 138

    ANEXO II - EXPERIÊNCIA DA ARGENTINA NA ANÁLISE DA FUSÃOAES/GENER..................................................................................................................... 142

    ANEXO III - MERCADO RELEVANTE DE PRODUTO E GEOGRÁFICO EMALGUMAS ANÁLISES DE CONCENTRAÇÃO DO SETOR ELÉTRICO NOBRASIL (1998-2002)........................................................................................................ 143

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    1. Introdução 2

    SUMÁRIO DE TABELAS E QUADROS

    Pág.TABELA 3.1 RESTRIÇÕES À CONCENTRAÇÃO DE MERCADO PELA

    RESOLUÇÃO ANELL 278/200042

    TABELA 3.2 PARTICIPAÇÃO DAS PRINCIPAIS EMPRESAS DEGERAÇÃO NA CAPACIDADE INSTALADA DOS

    SISTEMAS INTERLIGADOS REGIONAIS E NACIONAL

    43

    TABELA 3.3 PARTICIPAÇÃO DAS PRINCIPAIS EMPRESAS NOMERCADO DE DISTRIBUIÇÃO DOS SISTEMASREGIONAIS E NACIONAL (OUT. 2001/SET. 2002)

    43

    TABELA 5.1 ANÁLISE INICIAL DAS REQUERENTES, DOS MARKETSHARES NO MERCADO RELEVANTE DE ENERGIA DECURTO PRAZO NA ÁREA DO POOL PJM (1993-1995)

    83

    TABELA 5.2 ANÁLISE PRELIMINAR (DAS REQUERENTES) DASVENDAS NO ATACADO DE ENERGIA NO MERCADOPJM (1993-1995)

    84

    TABELA 5.3 ANÁLISE DE MARKET SHARES E HHIs PELOSTAFFTÉCNICO DA FERC PARA O MERCADO PJM

    86

    TABELA 5.4 COMPARAÇÃO ENTRE MARKET SHARES BASEADOS EMCAPACIDADE E VENDAS EFETIVAS DE ENERGIA NOATACADO EM PJM

    89

    TABELA 5.5 DESCONTOS DAS OBRIGAÇÕES DE CARGA NO VAREJO COMCORREÇÃO DAS REQUERENTES (CAPACIDADE ECONÔMICAMENOS CARGA MÉDIA DE VAREJO)

    91

    TABELA 5.6 SIMULAÇÃO DE CAPACIDADE DISPONÍVEL PARA OMERCADO ATACADISTA A VÁRIOS PREÇOS DEMERCADO (JAN.-SET./96

    92

    TABELA 6.1 ATOS DE CONCENTRAÇÃO DO SETOR ELÉTRICOAPRESENTADOS AO SISTEMA BRASILEIRO DEDEFESA DA CONCORRÊNCIA (1998-2002)

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    SUMÁRIO DE FIGURAS

    Pág.FIGURA 2.1 – CURVAS DE OFERTA E DEMANDA PARA DESPACHO EFORMAÇÃO DE PREÇO 22FIGURA 2.2 – ESTRUTURA DO MERCADO DE COMPETIÇÃO NOVAREJO 28FIGURA 4.1 – OFERTA E DEMANDA EM UM MERCADO COMRESTRIÇÕES DE CAPACIDADE 60FIGURA 4.2 – PODER DE MERCADO EM PERÍODOS DE PICO EM UMMERCADO COM GERADORES DE DIFERENTES TAMANHOS 69FIGURA 4.3 – CONCENTRAÇÃOVS. MARGEM PREÇO-CUSTO 70FIGURA 4.4 – MARGEM PREÇO-CUSTOVS. CONCENTRAÇÃOAJUSTADA 72FIGURA 6.1 – SISTEMA BRASILEIRO DE TRANSMISSÃO-2005 –CIRCUITOS NO LIMITE 123FIGURA 6.2 – SISTEMA BRASILEIRO DE TRANSMISSÃO-2005 (CMO’s

    POR BARRA) 124

    LISTA DE SÍMBOLOS, NOMENCLATURA E ABREVIAÇÕES

    ANATEL – Agência Nacional de TelecomunicaçõesANEEL – Agência Nacional de Energia ElétricaANP – Agência Nacional do PetróleoCADE – Conselho Administrativo de Defesa EconômicaCEMIG – Centrais Elétricas de Minas GeraisCESP – Companhia de Eletrificação de São PauloCGSE – Comitê de Revitalização do Modelo do Setor ElétricoCMO – Custo Marginal de OperaçãoCR-4 ou C-4 – Razão de Concentração das quarto maiores firmasDOJ – Departamento de Justiça dos EUA (Department of Justice)

    FERC – Federal Energy Regulatory CommissionFTC – Federal Trade Commission (EUA)HHI – Herfindahl-Hirschmann ÍndicekW – KilowattMAE – Mercado Atacadista de EnergiaMW – Megawatt

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    1. INTRODUÇÃO

    Até muito recentemente, os governos da maioria dos países consideravam todoo setor elétrico ummonopólio natural1 devendo, portanto, ser fortemente regulado peloEstado. Mas, atualmente o setor elétrico está passando por reformas em países do mundointeiro, sendo tais mudanças devidas ou ensejadas pela ocorrência concomitante de trêscategorias de fatores: mudanças estruturais na economia mundial, o surgimento de novastecnologias e os avanços na teoria econômica (cf. Newbery, 1995).

    O foco central das reformas tem sido a introdução da competição nossegmentos da geração e da venda de eletricidade por meio da liberalizacão dos mercados.2

    Isso significa mudar o centro de decisão do Estado, ou de entidades influenciadas peloEstado, para o mercado e, muitas vezes, dar aos consumidores uma opção de escolha na

    compra.

    Conforme Newbery (2000:175), o caráter monopolista do setor elétrico

    começou a ser quebrado a partir da década de 1970, quando se iniciou o movimento da produção independente de eletricidade, primeiro nos EUA, e depois em países de todos oscontinentes. Isso se tornou possível com o aperfeiçoamento da tecnologia de turbinas a gáscom ciclo combinado (TGCC) aliado à expansão da oferta de gás natural. Mas, o golpe fatal para a quebra dos monopólios no setor elétrico foi as reformas neste setor, no final dos anos

    1 Um monopólio natural existe em um mercado particular se uma única firma pode servir àquele mercado acustos mais baixos do que qualquer combinação de duas ou mais firmas. O monopólio natural decorre das propriedades da tecnologia de produção, às vezes, em associação com a demanda do mercado, e não dasatividades de governos ou rivais (cf. OECD, Glossary of Industrial Organisation Economics and CompetitionLaw, s/l, s/d).

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    1. Introdução 2

    70 e início dos anos 80, no Chile e na Inglaterra, que precederam a venda das suas empresasestatais de energia elétrica.

    A reforma regulatória do setor elétrico, em geral, envolve uma complexainteração de fatores. Em particular há um dinâmico relacionamento entre reestruturação dasempresas estatais, mudanças no regime de propriedade e mudanças nas instituiçõesregulatórias, que são pré-requisitos aptos para a introdução da competição, especialmente se a

    indústria é muito concentrada horizontalmente e verticalmente integrada.3

    Nesse novo contexto dedesregulamentação, as fusões e consolidações estãoentre as opções estratégicas disponíveis para as companhias que procuram reposicionar-se emresposta ao emergente ambiente competitivo. É de praxe nos países de economia de mercado,no entanto, estabelecer que os atos de concentração econômica sejam submetidos à apreciaçãode órgãos encarregados de zelar pela defesa da concorrência. No Brasil, a Lei 8.884/94instituiu o que passou a ser chamado o sistema de defesa da concorrência composto pelaSecretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça (SDE), Secretaria deAcompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda (SEAE) e pelo ConselhoAdministrativo de Defesa Econômica (CADE). De acordo com a lei, as fusões econsolidações só poderão ser autorizadas se não limitarem ou prejudicarem a livreconcorrência, nem resultarem na dominação de mercados relevantes de bens ou serviços.

    No caso do setor elétrico, a Lei federal 9.427, de 26.12.96 (com asmodificações feitas pela Lei 9.648/98), em seu art. 3º, inciso VIII e IX, deu à Agência

    Nacional de Energia Elétrica - ANEEL, a agência reguladora do setor, a atribuição deestabelecer restrições e limites com vistas a propiciar condições e impedir a concentração nosserviços de energia elétrica. Incumbiu-lhe também de zelar pelo cumprimento da legislação dedefesa da concorrência.

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    1. Introdução 3

    A competência para a aplicação da lei de defesa da concorrência, ou leiantitruste, entretanto, é dos órgãos de defesa da concorrência — SDE, SEAE e CADE. Poroutro lado, embora dotados de competência legal para instruir, investigar e expedir decisõessobre os atos de concentração no setor elétrico e nos demais setores regulados — já que a Lei8.884/94, não prevê imunidade a nenhum agente econômico —, os órgãos antitrusteressentem-se do necessário conhecimento sobre especificidades próprias dessas indústrias.4 Obviamente, na medida do possível, sempre se busca a necessária interação e articulação comas agências reguladoras (ANEEL, ANATEL, ANP etc.), mas as dificuldades persistem naexecução dos procedimentos de análise das condutas e dos atos de concentração dessessetores.

    As especificidades do setor elétrico o colocam como um dos setores onde essas

    dificuldades se explicitam com mais evidência. Por outro lado, o processo de reestrutuaçãoem curso no setor elétrico, no Brasil, e em outros países, tornam os efeitos das fusões nomercado, e a forma como esses efeitos são avaliados, criticamente importante. Uma acuradaavaliação desses efeitos depende de uma criteriosa delimitação dos mercados, em termos de produtos relevantes e em termos geográficos – os mercados relevantes.

    A hipótese que motivou a realização deste trabalho é que os procedimentos dedefinição dos mercados relevantes nas análises dos atos de concentração no setor elétrico brasileiro (SEB) não são capazes de possibilitar uma avaliação adequada do impactoconcorrencial das concentrações neste setor. Isso ocorre, porque as definições agregadas, porsegmento de atividade (geração, transmissão etc.), às vezes, excessivamente presas às regrasde cunho regulatório, não refletem a dinâmica concorrencial dos mercados e dos agenteseconômicos, do ponto de vista antitruste, ou seja, quanto à possibilidade de exercício abusivodo poder de mercado.

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    1. Introdução 4

    preço no despacho pela ordem de mérito etc., e, geograficamente, é necessário levar na devidaconsideração, as possibilidades reais das restrições de transmissão e os custos de transmissão.

    Para atingir o objetivo buscado com a realização do trabalho, pretende-seapresentar o atual estágio das discussões em torno do poder de mercado, definição demercados relevantes e medidas de concentração no setor elétrico. O passo seguinte da análisecomparativa que se propõe é contrastar os avanços conceituais já alcançados em outros países,

    principalmente nos EUA, com o procedimento de definição do mercado relevante seguido noBrasil, tanto pelo regulador setorial, a ANEEL, quanto pelos órgãos de defesa daconcorrência. A partir da constatação na literatura, de diferenças metodológicas significativasque indicam a existência de elementos importantes a serem considerados na delimitaçãodesses mercados, tem-se, então, uma base conceitual para avaliar o procedimento adotado nas

    análises de atos de concentração no setor elétrico brasileiro. As questões a serem respondidas,e que, portanto, norteiam o trabalho são:1) Quais são os fatores que conformam asdimensões dos mercados relevantes no setor elétrico (em especial naqueles em processo dereestruturação)?2) As análises dos atos de concentração no setor elétrico brasileiro,atualmente consideram adequadamente esses fatores?

    A importância dessa discussão, que tem particular interesse para a regulaçãosetorial e também para oenforcementda política de defesa da concorrência no setor elétrico,fundamenta-se nos seguintes alicerces jurídicos e econômicos: Primeiro, os atos deconcentração que criam ou elevam o poder de mercado das empresas não devem serautorizados nem pela agência reguladora, nem pelos órgãos de defesa da concorrência; esegundo, atos que não criam nem elevam o poder de mercado não devem sofrer nenhumainterferência governamental. Ou seja, só tem sentido intervir no domínio privado dasempresas, se a intervenção for necessária para prevenir o abuso do poder de mercado do

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    1. Introdução 5

    significativos, isto é, mercados onde seja logicamente possível exercer poder de mercado paraaumentar os preços.

    A atualidade do tema e a necessidade de sua discussão são óbvias. Há umcaráter de “novidade” nas questões técnicas envolvidas nas novas competências legaisassumidas com relação ao setor elétrico brasileiro, tanto do lado da agência reguladora(ANEEL), quanto do lado dos órgãos antitruste (SEAE, SDE e CADE). Convém lembrar que

    somente após a efetivação das reformas, com as privatizações e com a quebra dos monopóliosestatais na geração e na comercialização de energia elétrica, é que se fez necessária a análisedos atos de concentração quanto aos seus efeitos na livre concorrência, nos mercados.5

    De fato, um recente balanço conjunto daOrganisation for Economic Co-operation and Development – OECD e da International Energy Agency – IEA (OECD/IEA,2001), sobre a experiência dos seus países-membros na reforma dos mercados de eletricidade,observou que

    [ A]s instituições regulatórias têm que adaptar-se para responder aos novosdesafios colocados pelas reformas da indústria de energia. ... a introdução decompetição implica que a Lei de Concorrência passa a ser aplicada às empresasde energia elétrica. Isso requer que as autoridades de defesa da concorrência e osreguladores do setor assumam novos papéis para aplicar a Lei(p. 117)6.

    Antes de entrar na análise de como os mercados relevantes no setor elétrico sãodefinidos e delimitados (começando pela experiência estrangeira), far-se-á uma breveapresentação da indústria de energia elétrica, no capítulo 2. Esse passo é necessário, pois, parte-se do princípio de que uma boa análise antitruste depende de um sólido entendimento daeconomia e da estratégia de negócios no mercado analisado, bem como da configuração jurídico-institucional vigente.

    Tendo em vista que a finalidade da definição de mercado relevante é a

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    1. Introdução 6

    passos necessários para a definição de um mercado relevante, como por exemplo, o teste domonopolista hipotético. Também neste capítulo se fará uma síntese da literatura apontando asdificuldades apresentadas na utilização para o setor elétrico, dos índices de concentraçãousualmente empregados em outros setores de atividade.

    No capítulo 4, busca-se apresentar a experiência internacional na definição demercados relevantes em casos concretos já analisados pelas autoridades antitruste no Reino

    Unido, no Canadá, na Espanha, na Nova Zelândia, na Argentina e nos EUA. Os resultadosestão reunidos nos Anexos I e II. Dadas algumas semelhanças, nos EUA e no Brasil, dodesenho institucional para oenforcement das políticas regulatória e de defesa da concorrênciano setor elétrico, entendeu-se conveniente observar como essas políticas são conciliadasnaquele país, com longa tradição, tanto na política regulatória quanto na política antitruste.

    Procurar-se-á descrever como o órgão regulador federal do setor elétrico nos EUA, aFederalEnergy Regulatory Commission – FERC, define os mercados relevantes nas propostas defusão que lhe são apresentadas. O objetivo é buscar um ponto de referência na experiência deimplementação das políticas de concorrência e regulatória.

    A comparação das experiências norte-americana e brasileira na definição demercados relevantes no setor elétrico – ponto focal da dissertação, será feita no capítulo 5. O ponto de partida é o resultado de uma pesquisa feita nos pareceres e decisões dos órgãos dosistema antitruste, SDE, SEAE e CADE. Essa pesquisa consistiu no levantamento dasdefinições de mercado relevante nos casos já apreciados por esses órgãos, cujos resultadosconstam no Anexo III. Será discutido também como a ANEEL tem definido os mercados parafins de controle dos atos de concentração, conforme os critérios estabelecidos na ResoluçãoANEEL nº 278/2000. Após comparar essas análises com o que é feito em outros países passa-se a uma avaliação crítica das definições de mercado relevante dadas pelo órgão regulador e

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    2. A INDÚSTRIA DE ENERGIA ELÉTRICA

    Uma indústria é o conjunto de firmas que produzem diferentes produtos a partir da mesma base técnica, insumos e processo produtivo; contrasta com o mercado quereúne os produtos que os consumidores entendem como substitutos entre si; a indústria

    corresponde ao lado da oferta no mercado.

    Antes de iniciar a discussão sobre os fatores determinantes dos mercadosrelevantes nos mercados de oferta de energia elétrica é conveniente fazer uma breve descriçãoda organização industrial do setor elétrico, o que permitirá situar melhor as questõesespecíficas que serão abordadas nos capítulos seguintes. Como se verá, existem algumas peculiaridades no setor elétrico que fazem com que o funcionamento dos mercados nessesetor seja necessariamente diferente dos mercados padrões abordados pela teoria econômica.7

    2.1 - O PRODUTO

    O primeiro objeto que devemos analisar para entender o funcionamento dosetor elétrico é o produtoenergia elétrica . A energia elétrica tem muitas características que adistinguem de outros produtos de energia – e da maior parte de outrascommodities. Algumasdas principais características da eletricidade são:

    − a eletricidade tem que ser produzida e consumida ao mesmo tempo, isto é, ela é um bem não-estocável ou bem instataneamente perecível . Baterias conservam aeletricidade por algum tempo, mas com a tecnologia existente não é possível conservareletricidade nas quantidades requeridas de modo econômico. Essa característica é a

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    2. A indústria de energia elétrica 9

    instante. Essa é uma das razões porque o setor tem se mantido verticalmente integrado.Essa característica será determinante na definição das normas operacionais domercado necessárias para se garantir o fornecimento de energia de forma confiável.

    − a energia elétrica é um bemintrinsecamente homogêneo . O dono de uma fábrica, deuma loja, ou uma dona de casa não se importa, e nem sequer consegue distinguir se oselétrons que oscilam nos fios de seu estabelecimento são propelidos por uma centralhidrelétrica a centenas de quilômetros, ou de uma usina termelétrica a carvão nomunicípio, ou de células fotovoltáicas no teto do edifício vizinho.8 Nesse aspecto, portanto, a energia elétrica é bastante propícia para ser transacionada num mercadocompetitivo, já que um dos principais requisitos teóricos para a existência de mercadosem concorrência perfeita é a homogeneidade dos produtos. Por outro lado, não sendo possível distinguir os elétrons, torna-se difícil definir os direitos de propriedade, daí anecessidade de uma regulação mais detalhada da oferta no setor.

    − A energia elétrica é um bem não-dirigível . O fluxo de energia elétrica peloscondutores segue o caminho de menor resistência, conforme a Lei de Ohms. Assim,não se pode reservar uma rota específica para a transmissão de energia de um ponto para outro. Numa rede de transmissão bem integrada, o destino da energia produzida por uma determinada usina dependerá da geração e consumo de energia em toda arede. Dessa forma, a rede de transmissão e distribuição se assemelha mais a umreservatório de água do que a uma malha de rodovias ou de circuitos detelecomunicações, onde se poderia preestabelecer rotas a serem seguidas. Na redeelétrica os fluxos são espontâneos, assim como num reservatório onde o nível da água permanece o mesmo em todo o reservatório, independente de onde entra e sai a água,apresentando, no máximo, alguma turbulência resultante da entrada ou saída repentinade grandes volumes de água. Essa característica, somada à anterior, torna necessária

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    2. A indústria de energia elétrica 10

    distribuição. Essa coordenação centralizada é essencial para se manter a confiabilidadee a qualidade do sistema elétrico.

    Essas características, somadas às flutuações da demanda, como veremos aseguir, criam o que é conhecido como um “problema de pico de carga (demanda): se toda acarga precisa ser suprida, então a capacidade precisa igualar ou exceder a carga em todos osmomentos.9

    Uma quarta característica do produto é o fato de ele ser composto de várioscomponentes:energia ativa e reativa; voltagem (tanto a sua magnitude como o seu ângulo

    de fase ); e a freqüência . A energia ativa, medida emwatts é o componente que de fato étransacionado e medido no mercado. Os outros componentes podem ser consideradosexternalidades ou fatores qualitativos da energia elétrica em corrente alternada. Instabilidadena energia reativa, medida emkvars, resulta da indução eletromagnética inicial de bobinas degrandes transformadores e motores industriais. A existência de problemas de instabilidade deenergia reativa exige a instalação de capacitores ou o aumento da oferta de energia. Amagnitude da voltagem e a freqüência impõem custos adicionais por tornarem necessária adisponibilidade constante de alguma(s) usina(s) para estabilizar a corrente alternada. Ainstabilidade desses componentes da corrente alternada pode causar danos a equipamentos(tanto do produtor como dos consumidores); segue daí a necessidade de mantê-la dentro decertos limites. O custo da oferta excessiva de carga, ou queda total ou parcial (blackouts),também é considerável. Devido ao fato de a instabilidade da energia reativa, da voltagem e dafreqüência terem que ser resolvidas por usinas localizadas próximas às partes da rede quesofrem a instabilidade, pode existir um certo poder de mercado para algumas usinas provedoras desses serviços de estabilização localizada.10 Essa energia diferenciada chamadade “serviços do sistema” torna necessária a delimitação de mercado relevante próprio, como

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    2. A indústria de energia elétrica 11

    2.2 – A DEMANDA

    A demanda de energia elétrica requer uma última transformação na forma finaldesejada de energia, p. ex., luz, calor, resfriamento, ou força motriz. Isso é possibilitado pelaversatilidade da energia elétrica.11 Pode-se, dizer, assim, que a demanda por energia elétrica é

    uma demanda derivada , pois a demanda não advém da utilidade do bem em si, mas dautilidade obtida pelo bem que utiliza a energia elétrica como insumo.

    Tradicionalmente, devido ao fato de se tratar de uma demanda derivada,suprida por monopólio (ás vezes, ineficientes) e com tarifas padronizadas, a elasticidade- preço da demanda por energia tem sido muito baixa. Os equipamentos de transformação dosconsumidores (os eletrodomésticos, por exemplo) são de longa vida útil. Um estudo recentedo Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (IPEA), citado por Hochstetler (ob. cit.)estimou uma elasticidade-preço dentre –0,05 e –0,07 e uma elasticidade-renda de 0,21 para oBrasil, resultados esses que condizem com as estimativas internacionais.12 No longo-prazo oBrasil apresenta uma elasticidade menor, provavelmente, pelo fato de que a maior parte dademanda residencial é para uso de aparelhos eletroeletrônicos e iluminação, que não dispõe desubstitutos energéticos próximos (a iluminação a querosene é cada vez mais substituída pelailuminação elétrica e o gás natural só agora está se tornando disponível nas maiorescidades).13

    A demanda de eletricidade flutua em um padrão diário e sazonal, comvariações aleatórias sobrepostas, largamente (mas não inteiramente) devido ao fato de quemuito dela é consumido em usos relacionados às condições climáticas (calor e cozimento). Ouso dos bens que usam eletricidade segue um padrão sazonal diário, semanal e anual. Devido

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    2. A indústria de energia elétrica 12

    à não-estocabilidade da energia elétrica, é necessário que a produção siga o mesmo padrão dademanda.

    2.3 – SEGMENTAÇÃO VERTICAL E COORDENAÇÃO

    Normalmente se divide o lado da oferta em três segmentos distintos:geração,transmissão e distribuição. Esses segmentos mostram claras diferenças em suas funções

    interindustriais, tecnologia e custos.14 Entretanto, mais recentemente, a evolução tecnológica eas reformas do setor elétrico têm encorajado a emergência dacomercialização (paraconsumidores finais, ou não) como uma função separada e distinta. Assim, como ossegmentos de geração, transmissão, distribuição e comercialização geram bens ou serviçosdistintos, devem constituir-se em uma primeira aproximação para a delimitação dos mercados

    de produto.

    2.3.1 – A geração

    Geração é a transformação, em usinas elétricas, de alguma outra forma de

    energia, chamada de energia primária (petróleo, carvão, potencial hidráulico etc.), em energiaelétrica. A geração é composta de vários tipos de usinas, que se distinguem por utilizaremdiferentes insumos na produção; utilizarem os fatores de produção em proporções diferentes;apresentarem características operacionais diversas; etc.15

    Duas tecnologias de geração bem distintas serão aqui mais detalhadas porserem as mais relevantes no contexto brasileiro: a das usinas termelétricas e a das usinashidrelétricas. Existem outras tecnologias de geração como geração eólica, fotovoltáica, solar,maremotriz etc., as quais não consideradas no trabalho, por terem uma participação muito

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    As usinas termelétricas são unidades que geram a partir de um processotermodinâmico. Elas incluem usinas a carvão, a bagaço de cana (ou outro biocombustível), agás natural, a óleo combustível e nucleares. A característica principal desse tipo de tecnologiaé que o único fator limitante é a potência máxima instalada da usina (que é a soma dacapacidade máxima de geração de todos os geradores, em kW ou MW). As outrascaracterísticas dessa tecnologia são:

    - sua potência máxima é constante e conhecida;- a tecnologia é padronizada, portanto os custos de implantação e operação

    são bem conhecidos;- seu ciclo de implantação é relativamente curto;16 - a tecnologia permite sua instalação em qualquer lugar, o que possibilita a

    instalação em locais estratégicos (próximo às fontes dos insumos e/ou próximo à demanda);

    - seu custo variável é incerto devido à volatilidade do preço do combustível;- apresenta restrições operacionais que exigem um determinado tempo e

    custo de aquecimento antes de iniciar a produção e de desaquecimento após a operação.

    Essa classificação bastante genérica que engloba diversas tecnologias degeração térmica é útil apenas para destacar algumas diferenças fundamentais que existem comrelação ao outro grupo de tecnologia de geração que são as usinas hidrelétricas.

    A característica principal das usinas hidrelétricas é o uso de um recurso naturalcuja oferta é condicionada pelos estados da natureza, pois nelas a água é o fator principal paraa produção de energia. A disponibilidade desse fator natural é o fator limitante das usinashidrelétricas. Esse fator geralmente apresenta uma sazonalidade anual, devido aos períodos deh i i á i U i d d é

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    Essas usinas também têm uma potência máxima instalada, porém a energiatotal que se pode produzir não é predominantemente determinada por esta, como no caso datecnologia anterior, mas sim pela disponibilidade de água. O custo marginal de aumentar a potência de usinas hidrelétricas é pequeno em relação ao custo total das usinas, de forma quea dimensão da potência máxima não é o fator principal que define o custo fixo.

    Essa característica é a principal diferença entre as usinas hidrelétricas e as

    termelétricas. Enquanto nas usinas termelétricas a potência máxima instalada é a principalrestrição, nas usinas hidrelétricas a disponibilidade do fator natural é a principal restrição.

    Dentre as demais características dessa tecnologia destaca-se:

    - a possibilidade de instalar reservatórios para armazenar água para gerar

    energia posteriormente;- sua capacidade de geração é incerta, dependente da água e da capacidade

    do reservatório;- a tecnologia de geração é dependente de características específicas do sítio

    em que é localizado, especificamente da topografia e hidrologia. Isso

    inviabiliza a padronização da tecnologia, o que resulta em incertezasquanto ao tempo e custo de implantação;

    - seu ciclo de implantação é relativamente longo;- apresenta grande flexibilidade operacional (não há custos de aquecimento),

    desde que a disponibilidade de água seja suficiente;

    - seu custo variável é próximo de zero;

    O Brasil possui o maior sistema elétrico de predominância hidrelétrica domundo. A Noruega é outro país que possui um sistema de predominância hidrelétrica mas em

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    Uma característica comum a todas as usinas de geração de energia elétrica é aexistência de custos de instalação relativamente grandes. Esses custos são basicamente oscustos fixos da firma. Utiliza-se o termo custos de instalação para enfatizar o fato de que setrata de um capital bastante específico, que possui poucas possibilidades de uso alternativo,tendo, portanto, fortes características de custos irrecuperáveis (sunk costs). Isso constitui umabarreira de entrada e saída do mercado de geração de energia elétrica.

    Os custos variáveis das usinas termelétricas advêm dos custos do combustível eda operação e manutenção da usina. As usinas geralmente só podem operar próximo da potência máxima instalada ou serem desligadas. Abaixo ou acima da potência máximainstalada, a usina perde eficiência rapidamente, havendo a possibilidade de se danificar osequipamentos quando se aproxima desses limites. No entanto, a potência máxima de cada

    usina é pequena relativa à carga agregada do sistema. Assim, as usinas geralmente serãodespachadas com fator capacidade igual a um ou desativadas. Isso também vale para as usinashidrelétricas, para as quais, além de haver as limitações e perdas de eficiência ao se operar ausina abaixo do nível de plena capacidade, há também a possibilidade de redução dorendimento das turbinas de acordo com o nível do reservatório, pois, a medida que esse nível

    abaixa, a pressão da água é reduzida, o que reduz a potência das turbinas. Nas usinashidroelétricas os custos variáveis são virtualmente nulos pois não há custos relacionados aofator natural (as águas dos rios), existindo portanto, somente os custos de operação emanutenção.

    2.3.2 – As redes de transmissão e de distribuição

    Os segmentos de transmissão e de distribuição são responsáveis pelo transporteda energia elétrica da geração até o consumidor final. A transmissão possibilita a transferência

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    ser definida como a rede de transporte varejista, que transporta em volumes relativamente pequenos (em baixa voltagem) da rede de transmissão até o usuário final.

    Um sistema de transmissão moderno interconectado requer coordenaçãominuto-a-minuto entre geradores e operadores dogrid a fim de protegê-lo de danos. Essacoordenação entre operadores da geração e ogrid de transmissão dá lugar a economias deintegração vertical entre essas duas partes da indústria. Assim, essa necessidade de

    coordenação é uma restrição chave numa possível mudança estrutural do setor.

    A experiência indica que os retornos crescentes de escala crescem ligeiramentena transmissão.18 Segue que a implantação de linhas de transmissão adicionais além donúmero necessário para dar confiabilidade ao sistema, seria indesejável. Em ambos ossegmentos — transmissão e distribuição — os custos são formados quase exclusivamente porcustos de instalação. Essa característica, adicionada ao fato de haver ganhos de escala eescopo numa determinada área geográfica, resulta em custos subaditivos , pois uma firma pode prover toda a área a um custo menor do que o que prevaleceria se fosse provido por duasou mais firmas. Isso distingue esses dois segmentos como sendo monopólios naturais .19 Aliteratura tradicionalmente consagra a situação demonopólio natural como o único tipo deestrutura de mercado suscetível de justificar teoricamente a regulação pública, na expectativade que os ganhos de custos unitários associados à instalação e operação de uma única unidade(planta ou empresa) mais que compensem os custos e riscos da ineficiência de sua regulação. Newbery (1995) afirma, no entanto, que essa condição não é suficiente por si só para justificara preservação da indústria como um monopólio regulado; a vantagem de custo teria que sersuficiente para justificar os custos adicionais de regular o monopólio resultante. Todavia,qualquer reforma do setor elétrico deve manter alguma regulação nos segmentos datransmissão e da distribuição.

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    As redes de transmissão e de distribuição desempenham um papel fundamentalna determinação da extensão do mercado, que por sua vez é um dado essencial para se definiro grau de competição prevalecente (ou potencial) nesse mercado. Por isso, na definição demercados relevantes é indispensável analisar a rede de transmissão. Uma malha bem integradacontribuirá para a formação de um mercado propício à competição; já uma malha bastantefragmentada, com vários pontos de estrangulamento, contribuirá para a obtenção de umsignificativo poder de mercado para certas usinas localizadas em locais estratégicos. Ascompanhias de transmissão (“Transco” ou “Gridco”) também são muito importantes para

    garantir a concorrência na geração elas devem permitir que os geradores conectem sua

    eletricidade na rede em uma base não-discriminatória. Por isso, um dos aspectos maisimportantes das recentes mudanças na regulação, nos diversos países, é a introdução de regrasde livre acesso.

    A magnitude da carga conectada à rede de transmissão também é importante pois define o número de firmas geradoras que o mercado comporta. Como adiante se verá, asrestrições de transmissão são fatores que devem ser levados em conta na definição dos limitesgeográficos dos mercados relevantes. O mesmo ocorre com os custos de transmissão. Os

    limites físicos no tamanho do mercado são dados pelos custos de transmissão, que variamaproximadamente à proporção da distância e inversamente com o quadrado da voltagem detransmissão. À medida que tem crescido a carga de energia (demanda), transmissões a extra-alta voltagens (atualmente de 230 a 765 kilovolts) têm se tornado lucrativo, reduzindo, assim,significativamente, os impedimentos à transmissão à longa distância. Um exemplo de grandes

    redes de transmissão encontra-se nos EUA, como a interligaçãoPacific Northwest-PacificSouthwest , de 850 milhas e 750 kilovolts, conectandoColumbia River com Los Angeles (cf.Weiss, 1975)20

    d d h l

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    por meio dodespacho centralizado das usinas. O órgão responsável pelo despacho definequais usinas entram em operação, quanto cada uma deve produzir e quais usinas permanecemem stand by. O grau de centralização no despacho varia de acordo com a estrutura do sistema.Em alguns países, o controle do despacho tem função meramente operacional para garantir oequilíbrio elétrico do sistema, evitando sobrecargas e déficits; em outros, como o Brasil, odespacho busca também minimizar o custo global de produção de eletricidade.

    Isso significa que há uma ordem para o despacho da planta, a chamada ordem de mérito , que minimiza os custos totais da energia, fazendo as plantas entrarem em operaçãode acordo com os crescentes custos de operação à medida que a demanda aumenta (ou seja,não mais que o necessário para atender a demanda em um dado momento). Assim, em umsistema baseado no custo, capacidades com baixos custos variáveis e altos custos fixos, como

    a geração nuclear, é operada tanto quanto possível. Esse tipo de capacidade é chamadacargabase. O reverso se mantém para as plantas a gás, que são operadas emcarga de picoouintermediária.

    O despacho centralizado é operacionalizado basicamente de duas formas: pormeio do chamado esquema de oferta de preços ou com base no custo. Segue os detalhes decada um e uma comparação entre os dois.

    a) Esquema de oferta de preços

    O preço de qualquer mercadoria num ambiente de mercado resulta doequilíbrio entre as curvas de oferta – cuja disposição a produzir tipicamente aumenta com o preço – e de demanda – cuja disposição a consumir tende a diminuir com o preço. O setorelétrico não é exceção: na maioria dos países onde este setor foi reformado, os geradores

    oferecem ao final de cada dia curvas de produção× preço (MWh; $/MWh) para cada hora do

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    Como ilustrado na Figura 2.1, o encontro das curvas de oferta e demandadetermina o montante de produção de cada gerador despachado (MWh) e, naturalmente, omontante da demanda a ser atendida. Neste contexto, os preços ofertados pelos geradores sãotambém utilizados para a definição do despacho das usinas geradoras, ou seja, o despacho érealizado por ordem de mérito dos preços por eles ofertados.

    FIGURA 2.1

    CURVAS DE OFERTA E DEMANDA PARA DESPACHO E FORMAÇÃO DEPREÇO

    Fonte: Comitê de Revitalização do Setor Elétrico. Relatório de Progresso nº 3, p. 12

    O encontro das curvas de oferta e demanda também determina o preço daenergia P* ($/MWh) naquela hora. Este preço é utilizado na contabilização e liquidação dascompras e vendas de energia de curto prazo: os geradores recebem – e os consumidores pagam - um montante ($) resultante do produto de sua produção – ou consumo - (MWh) pelo preço P* .21

    b) Despacho por custo

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    crescente de custo variável de produção ($/MWh) até que a produção total seja igual aoconsumo total. O despacho por custo também produz o chamadocusto marginal de operação(CMO), que epresenta o custo de atender um MWh adicional de demanda. Será visto adianteque o CMO é usado como uma “proxy” do preço da energia.

    c) Despacho por custo versus oferta de preço22

    O objetivo de cada agente num esquema de oferta é naturalmente o de

    maximizar seu lucro, dado pelo produto da energia produzida pela diferença entre o preço deequilíbrio P* e o seu custo unitário médio de produção23. Em contraste, o despacho por custotem como objetivo a minimização dos custos de produção. Isto sugere que o despacho porcusto faria um uso mais eficiente dos recursos do sistema.

    Entretanto, pode-se mostrar que sob condições de competição perfeita, o preçode oferta que maximiza o lucro é justamente o custo marginal de produção24. Em outras palavras, o esquema de oferta incentiva os geradores a utilizarem seus verdadeiros custosunitários de produção, levando também a um despacho que minimiza os custos de produção.A vantagem do esquema de ofertas neste caso é que não é necessário que um agente centralrecolha informações e faça auditorias sobre custos operativos e disponibilidade de todos osgeradores; cada agente gerencia sua própria informação.

    O processo de formação de preços para usinas hidrelétricas e térmicas comcontrato de combustível requer uma análise probabilística dos cenários futuros de preços. Odespacho por custo, por sua vez, também utiliza o conceito de custo de oportunidade,

    realizando uma análise probabilística na “árvore de cenários” semelhante à do esquema deoferta, embora o enfoque seja o de minimizar o custo esperado de operação.

    Uma desvantagem do despacho por custo é a necessidade de recolher e

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    oferta futura etc. Por outro lado, o esquema de oferta incorpora adiversidade de percepçõesdos agentes com relação às incertezas futuras na oferta, demanda, preços de combustível econdições hidrológicas, que no caso de um sistema como o brasileiro são muito grandes. Estavariedade de percepções leva, por sua vez, a uma heterogeneidade deações que contribui parauma operação maisrobusta do sistema diante de eventos inesperados.

    Outra desvantagem do despacho por custo se refere aos parâmetros econômicos

    e, em particular, o uso de uma penalidade, o chamado custo de déficit, para representar oajuste da demanda no caso de escassez de energia. Este custo é calculado de maneira a refletiro custo social resultante da escassez.25 Entretanto, sua determinação na prática éextremamente difícil, tanto em termos metodológicos como de dados.

    O enfoque atualmente adotado no Brasil para a formação de preços da energiaé o de despacho por custo. O custo de oportunidade das hidrelétricas e o CMO são calculados por um modelo computacional – NEWAVE – que, por meio de um procedimento conhecidocomo programação dinâmica estocástica dual minimiza o custo operativo médio (soma doscustos variáveis + custo de déficit) ao longo dos próximos cinco anos, utilizandoimplicitamente uma árvore de cenários.

    2.4 OS MODELOS ESTRUTURAIS DA INDÚSTRIA E OS MECANISMOS DEMERCADO

    2.4.1 - Os modelos estruturais da indústria de energia elétrica

    De acordo com Hunt & Shuttleworth (1996), do ponto de vista da competiçãono mercado de produto (no caso, da energia elétrica), há fundamentalmente quatro diferentesformas de estruturar a indústria, embora haja muitas possíveis variações em cada uma dessasform s Os tores então definem q tro modelos correspondentes ess s estr t r s com

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    eles correspondam aos sistemas elétricos reais, os autores tentam, com esses modelos,explicar a natureza essencial das estruturas da indústria.

    Os modelos são os seguintes:

    Modelo 1 – Monopólio em todos os níveis. A geração não está sujeita à competição enenhum dos agentes tem alguma escolha de fornecedor; uma única companhiamonopolista se encarrega da produção de eletricidade e sua entrega por meio da rede

    de transmissão às companhias de distribuição e/ou consumidores finais.

    Modelo 2 – Agência compradora (Purchasing agency). Permite um únicocomprador, a agência compradora, escolher entre vários geradores para encorajar aconcorrência na geração. O acesso aos fios da transmissão para a venda aosconsumidores finais não é permitido. A agência compradora tem um monopólio nas

    redes de transmissão e nas vendas ao consumidor final.Modelo 3 – Competição no atacado. Permite às Companhias de Distribuição( Distcos) comprar diretamente de um produtor e entregar por meio da rede detransmissão. As Distcos ainda detém um monopólio sobre os consumidores finais.Há o livre acesso à rede de transmissão.

    Modelo 4 – Competição no varejo. Permite a todos os consumidores escolher seufornecedor. Há livre acesso às redes de transmissão e de distribuição. A atividade dedistribuição (delivery) é separada da atividade de venda a varejo do produto, e estaúltima é competitiva.

    Não por acaso, os modelos têm muitas variantes de arranjos comerciais. Porisso, requerem diferentes tipos de arranjos contratuais e têm exigências regulatóriasdiferentes. Além disso, diferentes modelos podem requerer diferentes arranjos de propriedade para as companhias atuantes no setor. Essas dimensões, no entanto, não definem os modelos.

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    PIE’s ( Independent Power Producers – IPP). Nesse modelo (o Modelo 2), somente a agênciacompradora está habilitada a comprar dos PIE’s., por isso chamado, às vezes, de modelo do“único comprador”. O padrão dos contratos de compra de energia (Power Purchase Agreements – PPAs) é a maior característica do Modelo 2.26

    No Modelo 3, é dado às companhias distribuidoras (em inglês, DistributorCompanies, ou Distcos) o direito de comprar diretamente dos Produtores Independentes de

    Energia - PIEs, mas estas retém uma concessão local (monopólio) sobre os consumidores navenda a varejo.27 O PIE necessitará, entretanto, teracesso à rede de transmissão a partir de“arranjos comerciais” especiais para a rede, cujos requisitos são

    - o “operador independente” do sistema, com a função de fazer o despachocentralizado, para manter estável a freqüência e a voltagem do sistema de

    transmissão;28

    - um mercadospot de energia, dentro do qual compradores e vendedores dêem

    lances que estabeleçam um preçospot ;29 - preços de transmissão que reflitam os custos marginais da transmissão;

    26 Um contrato de compra de energia (PPA) é um contrato para a venda de energia, disponibilidade e outrosserviços de geração de um produtor independente de energia (PIE). Nos sistemas do Modelo 2 (competição nageração, o comprador é a agência central de compra, que pode ser o operador de um grid de transmissão quedesempenha também os papéis de despacho e controle de rede, ou alternativamente uma companhia de geraçãointegrada. Entretanto, os PPAs podem também serem usados em sistemas mais competitivos como os do Modelo3 (competição no atacado) e Modelo 4 (competição no varejo), para vendas de energia de um só PIE para umatacadista de energia. O atacadista combinaria as compras sob vários PPAs com aquisições e vendas spot, paracompletar o volume de eletricidade requerido para o serviço no atacado ou varejo. PPAs podem, entretanto,serem encontrados em qualquer sistema onde é possível estabelecer um PIE (ou seja, uma companhia de geraçãoseparada).

    27 Uma “Distco” é uma companhia que possui ambas os fios de distribuição e a venda a varejo (retail) deeletricidade. Um varejista (retailer ) é um comerciante que vende eletricidade aos clientes finais, mas nãonecessariamente possui os fios nos quais a eletricidade é transportada. No Modelo 3, todas as Distcos sãovarejistas – nem todos varejistas são Distcos (cf. Hunt & Shutleworth, ob. cit. p. 12).

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    g

    - um mercado a termo (mercado forward ) no qual as partes podem contratar bilateralmente; e,

    - liberdade de entrada e saída do mercado.

    O “desenho” de sistemas comerciais é a principal característica no Modelo 3.

    No Modelo 4, chamado de “competição no varejo” ou “acesso direto” é dado odireito aos consumidores no varejo de comprar de um PIE. Essa expansão da lista decompradores que podem escolher seus fornecedores para abranger também as unidadesfamiliares significa que os arranjos comerciais e a provisão de acesso podem tornar-se maiscomplexos na prática. Tanto o acesso às redes de transmissão quanto o acesso às redes de

    distribuição é requerido. Este é o modelo buscado, no longo prazo, com as reformasimplementadas no Setor Elétrico Brasileiro (SEB).30

    No Modelo 4, o consumidor final pode escolher comprar de geradores atuandocomo varejistas, de varejistas independentes, ou ainda de outros fornecedores (utilities). OModelo é mostrado diagramaticamente na Figura 2.2. Nesse Modelo há liberdade paracompra e venda de energia, todos os clientes têm acesso aos geradores que competem entre si,

    diretamente, ou por meio da escolha de seus revendedores varejistas.31

    O caso básico dacompetição no varejo teria completa separação da geração e da comercialização, dos negóciosde transporte, em ambos os níveis da transmissão e da distribuição. Não há nenhummonopólio sobre o varejo, e os revendedores varejistas podem desempenhar os mesmos papéis como ocorre em outros mercados. A distribuição provê livre acesso, como um

    transportador comum, exatamente como já acontece com a transmissão no Modelo 3.

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    FIGURA 2.2 ESTRUTURA DO MERCADO DE COMPETIÇÃO NO VAREJO

    Fonte: Shmuel S. Oren (1999).

    Estes sistemas desverticalizados dão origem a uma estrutura complexa, comdois mercados distintos. Há o mercado atacadista entre geradores e distribuidores/grandes

    consumidores, com a energia em alta tensão; e o mercado varejista, entre distribuidores e pequenos consumidores (incluindo os consumidores cativos, isto é, sem liberdade de escolhade fornecedor).

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    consumidores, por meio de menores preços, o que deverá ser alcançado em razão da pressãocompetitiva.

    As reformas no Brasil foram planejadas para a implementação do modelo decompetição no varejo (Figura 2.2), baseado na desverticalização (unbundling) do sistemaentão vigente e no maior grau de competição possível, a competição no varejo, que se darácom a gradual redução dos critérios para a classificação na categoria de “consumidores

    livres”.

    Há livre entrada e saída nos mercados de geração e na comercialização para osvarejistas. A comercialização é uma função nova no Modelo 4, e não requer propriedade deredes de distribuição, embora em muitos casos o possuidor de fios também concorra como umcomercializador.

    O Modelo 4 não é um modelo de um só comprador. Os pools do Modelo 4 nãosão agências compradoras, são leiloeiros. Os pools nunca são proprietários da energia, nãoassumem os riscos do mercado; não podem fazer discriminação de preços. Para facilitar ocomércio bilateral é necessário um transportador e os arranjos comerciais são mecanismos

    para viabilizar a entrega física de energia. Isso significa que inevitavelmente todo o comérciotem que ser realizado sobre uma rede integrada de fios. Nos arranjos em pool, há o sistema deofertas em um mercado spot para facilitar o despacho pela ordem de mérito. O operador do pool age como um leiloeiro juntando oferta e demanda e determinando o preço spot em cadameia hora.

    O Modelo necessita de livre acesso a todos os fios (transmissão e distribuição).Um mecanismo similar ao pool precisa ser introduzido para permitir extenso comércio bilateral através da rede.

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    O paradigma de um modelo de “mercado” aplicado à eletricidade visualiza produtores que fazem vendas na rede para varejistas e pagam pelo transporte, e varejistas que

    vendem a clientes finais nas redes de distribuição, pagando pelo uso dos fios de distribuição.Se o sistema comercial é montado para acomodar as transações bilaterais de energia, acompetição garantirá que arbitragem e entrada no mercado pressionem o preço dessesserviços para o nível competitivo. A otimização do sistema é um resultado do normalfuncionamento do mercado (cf. Hunt & Shuttleworth, 1996).

    Na seção 2.4.2, a seguir destaca-se o surgimento da “comercialização” comoum segmento distinto na estrutura do mercado. Na seção 2.4.3, os mecanismos de mercadoserão discutidos, dando-se ênfase na descrição dos diferentes “arranjos comerciais”.

    2.4.2 – A comercialização

    A comercialização32 pode se dar no atacado ou no varejo.33 Com o objetivo demaior clareza Hunt & Shuttleworth (1996:53) explicam que a diferença entre transações noatacado e no varejo é definida pelo tipo do comprador: se o comprador é um consumidor final,a transação é de varejo; se o comprador é um varejista, a transação é de atacado (uma “venda

    para revenda”). Ainda conforme esses autores, a expressãomercado atacadista, (um pooldeenergia, p. ex., como o MAE, no Brasil) é usada mais vagamente com relação ao tipo dos participantes — é um mercado (muitos compradores e vendedores, um produto, um tempo,um lugar) no qual os vendedores são predominantemente produtores (geradores) e oscompradores são predominantemente varejistas (revendedores, distribuidores) mas, não

    exclusivamente.

    Assim, a comercialização pode ser exercida pelas distribuidoras que oferecemos serviços de distribuição para os clientes cativos dentro de territórios exclusivos. Nesse

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    preservar o repasse de custos menores aos consumidores, e ao mesmo tempo incentivar e premiar as empresas mais hábeis na aquisição de energia.

    As empresas de comercialização negociam energia livremente no mercado e,no caso do Brasil, representam os novos participantes do sistema elétrico que comprarão ouvenderão a energia das empresas de geração, de distribuição e de consumidores livres.34 Aseparação entre distribuição e comercialização, no Brasil, foi uma inovação que alterou as

    bases conceituais e a estrutura de funcionamento do mercado de energia elétrica, na medidaem que rompe o monopólio da venda de energia elétrica das distribuidoras locais junto aosconsumidores localizados na área de concessão. A atividade de comercialização pode serexercida por agente comercializador, importador, exportador, produtor independente,concessionário de distribuição e concessionário de geração.

    Nos dias atuais, percebe-se que um papel ativo na comercialização de energia érelevante tanto na questão da concorrência quanto no correto funcionamento do mercado deenergia e, portanto, na formação de preços.35

    2.4.3 – Mecanismos de mercado

    Tradicionalmente o fornecimento de energia elétrica era provido por uma firmaverticalmente integrada (geração, transmissão e distribuição) num determinado território. Osetor elétrico era visto como sendo um monopólio natural numa determinada área que, portanto, somente podia ser provido eficientemente por uma única firma mediante concessão. Na última década essa noção começou a ser questionada. Muitos países estão optando pelacriação de mercados competitivos no segmento de geração e na atividade de comercializaçãoda energia elétrica baseados na hipótese de que a competição resultará numa indústria maisdinâmica e, conseqüentemente, em menores custos para os consumidores. A quebra dos

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    Os arranjos comerciais (trading arrangements) em um modelo são o conjuntode regras que compradores e vendedores têm que seguir quando fazem transações. A demanda

    variável por eletricidade e a necessidade de resposta instantânea significam que semprehaverá diferenças entre o que os negociantes contratam e a geração e consumo efetivos. Omecanismo de mercado precisa dar conta desses desequilíbrios.

    Nesta seção serão discutidos os mecanismos alternativos que permitem que os

    benefícios da competição sejam alcançados sem que os custos de coordenação resultantes daseparação vertical se tornem elevados ou anulem estes benefícios. Ou seja, otrade offeconomias de integraçãovs. custos de coordenação que se apresenta para os policy-makers. Além disso, esses mecanismos terão de ser compatíveis com a otimização da geração.

    Na Seção anterior destacou-se as características da eletricidade que tornamnecessário um alto grau de coordenação entre os segmentos da cadeia produtiva. Numcontexto competitivo, em que as decisões são tomadas de forma descentralizada, a falta decoordenação pode resultar em custos maiores. Hochstetler (1998) destacou algumas dessascaracterísticas da eletricidade que podem dificultar a obtenção de resultados eficientes nummercado competitivo.

    Em primeiro lugar, tem-se duas características da eletricidade que, juntas,tornam difícil a coordenação num mercado competitivo: a não-estocabilidade da energiaelétrica e a alta sazonalidade da demanda. A não-estocabilidade da energia elétrica exige quea oferta seja igualada à demanda em tempo real. A alta sazonalidade da demanda torna

    necessária uma coordenação constante para ajustar a oferta à demanda ao longo do tempo.Essa exigência de coordenação constante e instantânea é difícil de ser atendida pelo processode tatônement do mercado competitivo, em que a coordenação da oferta e da demanda érealizada unicamente por meio dos preços. O mercado competitivo não garante o equilíbrio

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    não-dirigibilidade e à perfeita homogeneidade (no sentido de o consumidor não poderdistinguir a fonte da energia) tornam difícil definir-se os direitos de propriedade e

    responsabilidade, o que resulta numa série deexternalidades.36

    Esses problemas tradicionalmente têm sido resolvidos por meio da integraçãovertical e horizontal da geração.37 Mas o que as reformas recentes têm mostrado é que existemoutras formas de resolver esses problemas sem centralizar a propriedade numa única firma.38

    Entretanto, para analisar as possibilidades de introduzir a competição no segmento de geraçãoé necessário contrapor os benefícios da competição com oscustos de coordenação que podemadvir com as mudanças introduzidas.39

    Os arranjos alternativos às grandes firmas multiunidades de geração integradasà transmissão/distribuição que preservam os ganhos, tanto com economias de escala, quantocom os custos de coordenação, são (a) os poolsestreitamente coordenados (tight pools) e (b)os contratos individuais abrangentes entre companhias independentes mas fortementeinterconectadas, para transações com energia firme, assistência emergencial, intercâmbio eeconomia de energia.

    Os tight poolsdesenvolvidos nos EUA, a partir dos anos 60, comumenteenvolvem projeções conjuntas de demanda, planejamento de capacidade em uma base de joint

    36 Na teoria econômica, uma externalidade ocorre quando as atividades de um agente econômico afetam asatividades de um outro agente em formas que não são captadas nas transações de mercado. Por isso, éconsiderada uma falha de mercado. Diante das características da energia elétrica, de não-dirigibilidade e perfeitahomogeneidade, será necessário alguma forma de ação do Estado para garantir não só os investimentos na produção do bem, mas também a qualidade do serviço prestado, pois, em caso de falha, o consumidor final nãoterá condições de identificar o responsável pela mesma. Hochstetler (1998) observa que a necessidade defiscalização sempre existiu no setor elétrico, mas torna-se mais crucial num ambiente competitivo, no qual astransações não são necessariamente feitas entre os mesmos agentes (ou internalizado numa mesma firma).

    37 Hochstetler (ob. cit.) usa a expressão “integração horizontal parcial da geração” porque segundo o autor,

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    venture ou escalonada, e reservas compartilhadas. Alguns estabeleceram, também, o despachoconjunto centralizado e, virtualmente todos provêem termos predeterminados para a venda da

    energia excedente. Se tais pools são substitutos adequados para a propriedade unificada(common ownership) depende da habilidade dos parceiros para obter acordos ótimos (i) sobreo momento, localização, escala e tecnologia de nova capacidade e como ela é dividida entreos membros; (ii) sobre o nível da energia de reserva — qual firma se encarregará dessareserva e como essa firma será compensada; e (iii) sobre os termos e condições para as vendas

    de energia excedente (economy energy). Testes econométricos realizados nos EUA, indicaramque esses pools parecem tão bem coordenados quanto firmas do mesmo tamanho, e a maioriaoferece aumento de escala para seus membros. Além de maior escala, os pools podemoferecer a seus membros maior confiabilidade e economias do compartilhamento de reserva,diversidade, e intercâmbio de energia excedente. Uma outra virtude do pool é que, se

    mudanças forem necessárias, ele pode ser mais facilmente re-arranjado do que no caso defusões (cf. Weiss, 1975).40

    Conforme Weiss (ob cit.) a questão crucial é saber se poolse/ou contratos entrefirmas independentes podem alcançar tais economias de escala tão eficientemente quanto asfirmas multiunidades. Tanto Hochstetler (1998) quanto Solanes (1999) mencionam estudosque detectaram consideráveis custos da separação vertical, mas que também reconheceramque a competição tem outros benefícios que poderiam compensar os custos da coordenaçãoresultantes da separação vertical. Esses mesmos autores mencionam também os estudos deKwoka (1996) e Gilbert, Kahn e White (1997), dos quais o primeiro detecta economias decoordenação consideráveis num sistema integrado, mas sugere que a redução dos custosobtida com a integração vertical e horizontal pode ser substituída por um mecanismo de

    mercado como ostight pools. O segundo estudo conclui que esses mecanismos possibilitamredução dos custos através da redução da capacidade de reserva instalada.

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    qualquer sistema elétrico e para a configuração dos mercados relevantes de energia elétrica,far-se-á uma breve descrição de cada um deles.

    1) O mercado de contratos bilaterais

    O mercado de contratos bilaterais proporciona um compromisso completoentre o consumidor e o vendedor. Uma vez fechado um contrato, o preço e a quantidadeestarão fixos, somente podendo ser alterados por acordo mútuo, o que proporciona segurança para a firma geradora fazer os investimentos necessários. É o mecanismo que prevaleceuhistoricamente no setor. Num mercado de contratos bilaterais cada comprador no atacado (afirma distribuidora ou grande consumidor independente) é responsável pela compra deenergia necessária para suprir a sua demanda. Como a demanda e oferta de energia elétricatêm que ser igualadas em cada instante, será necessário fechar um outro contrato para o

    fornecimento da energia de ajuste, com preços pré-estabelecidos, mas com quantidades aserem determinadas.

    Para adotar este sistema num contexto competitivo, geralmente se estabeleceum produtor independente para responsabilizar-se pelo fornecimento da energia de ajuste. O

    comprometimento proporcionado pelos contratos bilaterais estabelece a estrutura certa para aotimização do investimento ao longo do tempo. Além disso, permite que a demanda participedo processo de determinação do preço de forma ativa, o que aumenta a concorrência. Essemecanismo é fraco, entretanto, na otimização da operação. A operação é preestabelecida peloscontratos, e será efetuada mesmo quando torna-se anti-econômicaex-post . Esse mecanismo

    também não é desejável pelo fato de atender o mercado de forma descentralizada, o que podeacarretar deseconomias.

    2) O mercado spot

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    outros custos do sistema já terão sido cobertos. O mercadospot é, entretanto, parte de umcontrato muito maior que cobre as obrigações dos membros de um poolde construir e manter

    as plantas de produção (cf. Hunt & Shuttleworth, ob. cit., p. 39).41

    O mercadospot , ao priorizar a otimização da operação (o outro extremo doespectro de opções de mecanismos de mercado), proporciona completa flexibilidadeoperacional. Quando adotado no setor elétrico, no entanto, é necessário fazer algumas

    adaptações. Devido à necessidade de se alcançar a igualdade entre a oferta e a demandainstantaneamente, os preços têm que ser preestabelecidos. Assim, o mercado normalmente éestruturado de forma que os produtores fazem lances de preço para o fornecimento de energiado dia seguinte. O operador do sistema então aciona as usinas pela ordem de menor lance, deforma a igualar a oferta e demanda ao longo do dia. O mecanismo assemelha-se a um leilão

    no qual as firmas geradoras lançam a disponibilidade das suas usinas (quantidades que podemgerar) e os preços aos quais estão dispostas a operar. As usinas são despachadas, então, emordem de menor lance. Como o preço da energia no mercado spot pode ser volátil (em razãodas variações do preço do combustível, da escassez de água, ou de acréscimos na demanda) osriscos para o investimento são mais elevados nesse ambiente de baixo compromisso.

    O preço da energia elétrica é dado pelo custo marginal de operação, que nocaso da hidrelétrica é praticamente nulo. Assim, não se pode prever qual será ocomportamento esperado do preçospot num mercado em que as usinas hidrelétricas predominam. Nesse mecanismo de mercado, as transações são tratadas de forma agregada, oque evita as deseconomias oriundas de um mercado descentralizado. O sistema também

    garante a operação ao menor custo. Contudo, nesse mecanismo, os consumidores participamde forma passiva. A falta de compromisso entre os compradores e vendedores aumenta osriscos para as firmas geradoras. Entretanto, essa falta de compromisso pode ser sanada atravésd i d ã d i fi i d i i i

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    3) O mercado a termo (mercado forward)

    Trata-se de obrigação contratual entre duas partes, visando a troca, em datafutura, de certo bem ou instrumento pelo preço pré-determinado. O mercado a termo( forward ) é um mercado de contratos que são vendidos num mercado centralizado. Taiscontratos são semelhantes aos contratos bilaterais em termos de comprometimentos, porémsão diferentes na medida em que são divididos em pequenos blocos padronizados a serem

    vendidos para os consumidores. A vantagem do mercado a termo é a padronização e pulverização da oferta de energia. Assim, o consumidor poderá diversificar as suas fontes deenergia, pulverizando o risco. O mercado a termo pode oferecer lotes para durações diferentesem tempos diferentes, o que permite ao consumidor fazer umhedge no tempo. A padronização também possibilita a criação de um verdadeiro mercado secundário, o que permite que os agentes se ajustem às mudanças de expectativas no tempo. O mercado tambémé centralizado, o que garante a obtenção de economias de coordenação e a disseminação dasinformações entre os agentes.

    O mercado a termo assemelha-se ao mercadospot por definir o preço e aquantidade para um determinado local e período, e diferencia-se dele por lidar somente com

    os preços e quantidades a serem transacionados em algum período futuro. Isso permite quetanto as firmas geradoras como os consumidores possam participar do processo, pois não énecessário determinar os preços e quantidades instantaneamente. Os preços e quantidades sãodefinidos através de leilão, no qual as firmas geradoras submetem lances de venda e osconsumidores submetem lances de compra. Os lances de venda de menor preço são

    associados aos lances de compra de maior preço. Todos os lances de compra superiores ouiguais aos de venda são realizados. O mecanismo de mercado fundamentado no mercado atermo ( forward ) só pode ser adotado em conjunto com um mercado de ajuste ou um mercado

    j f d d l42

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    descrições pareçam diferentes, os detalhes operacionais das soluções são muito similares. Secontratos terão que ser realizados por meio de uma rede elétrica, alguns mecanismos terão que

    ser desenhados para lidar com o fato de que o que é vendido e o que é efetivamentedespachado serão diferentes surgirão desequilíbrios ou porque os clientes mudam seus

    usos de eletricidade, ou porque as plantas de geração quebram, ou por causa das restrições detransmissão. Em eletricidade, os desequilíbrios exigem ajustes do operador do sistema emtempo real. Este tem que corrigir os desequilíbrios em segundos, e para fazer isso ele tem que

    ter ofertas de preço incremental de todos os participantes, e escolher a fonte mais barata. Se o preço do ajuste estabelecido em base de mercado, combina lances de oferta e demandainstantaneamente, um mercado spot é efetivamente criado. Assim, existindo um preçospot , os participantes têm a escolha de usar o mercado spot, ou firmar contratos físicos. Eles podemescolher fazer ambos ou podem escolher comprar nospot e fazeremhedge do risco de preço

    com contratos financeiros.

    2.5 CONCLUSÃO

    Neste Capítulo procurou-se identificar e destacar as peculiaridades ecaracterísticas da indústria de energia elétrica, a começar pelo produto energia elétrica. Essas

    características fazem com que o funcionamento dos mercados de eletricidade seja diferente dofuncionamento de outros mercados abordados pela teoria econômica. Por outro lado, adefinição de mercados relevantes em qualquer atividade econômica requer um conhecimentomais detalhado da indústria. Por isso, as observações desenvolvidas neste Capítulo tornam-noum passo preliminar indispensável para a discussão sobre a definição de mercados relevantes

    no setor.

    Algumas características do produto energia elétrica, como a não-estocabilidade, por exemplo, têm importância direta na conformação dos limites do mercado

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    para uma boa compreensão de como se estabelece o preço nos mercados de energia elétrica edo sistema de despacho por custo no Brasil.

    Uma descrição dos modelos estruturais da indústria de energia elétrica, comênfase no modelo de completa competição (competição no varejo) – para onde apontava a proposta de reforma no Brasil - permitiu distinguir dois mercados nos sistemasdesverticalizados: o mercado atacadista e o mercado varejista. O modelo retrata os diversos

    tipos de transações e agentes que gradualmente passariam a existir nos mercados.Tendo em vista a definição de mercados relevantes é necessário conhecer em

    detalhes a operação dos possíveis mercados no âmbito atacadista. Por isso, descreveu-se ofuncionamento dos mercados de contratos bilaterais (como um incentivo para otimizar oinvestimento de longo prazo na geração), do mercado spot (como um meio de proporcionar

    flexibilidade operacional, otimizando, portanto, a operação) e do mercado a termo (mercado forward ), este último reunindo as vantagens do mercado de contratos bilaterais com as domercado spot.

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    3. O ENFORCEMENT DA POLÍTICA DE DEFESA DA CONCORRÊNCIA NOSETOR ELÉTRICO BRASILEIRO (SEB)

    3.1 AS RESOLUÇÕES 94/98 E 278/2000 DA ANEEL

    No Brasil, a ANEEL tem a atribuição de controle das condições estruturais

    dos mercados no setor elétrico (art. 3º, inc. VIII, da Lei 9.427 e Anexo do Decreto 2.335,art. 4º, XI e XII).43 Previu, assim, o sistema jurídico, certa complementaridade entre asatribuições da ANEEL e dos órgãos antitruste na defesa da concorrência no setor.

    Um exame da estrutura regimental da ANEEL permite concluir, conformeMello (ob. cit.), que a ANEEL tem e pode desempenhar um importante papel preventivo para a preservação das condições de concorrência e ao combate às condutasanticoncorrenciais no setor elétrico. Conforme observado por Mello (ob. cit.):

    [ A]o executar suas ações – de normatização, licitação, gestão de contratos e fiscalização-, a agência estará determinando as condutas obrigatórias, proibidas ou permitidas paraos agentes do setor. Portanto, se a elas se incorporam os princípios de defesa daconcorrência – e particularmente se o pessoal encarregado aplica conjuntamente

    critérios da lei antitruste em suas rotinas de trabalho – evita-se que, no futuro, empresas processadas por comportamentos anticompetitivos se defendam alegando que seus atostenham sido autorizados ou obrigados pela agência reguladora. É importante tambémque os agentes encarregados da fiscalização e da gestão dos contratos de concessãotenham alguma formação básica nos princípios da lei antitruste, a fim de que possamaplicá-los nas suas rotinas de trabalho, conforme previsto nos incisos XIV, XV e XXXIIdo art. 4º do Anexo do Decreto 2.335/97. A elaboração e condução dos processoslicitatórios constituem uma instância crucial para o controle preventivo das condições deconcorrência, à medida que a definição do objeto licitado e os critérios de julgamentoestabelecidos nos editais sejam pautados pela finalidade de evitar o aumento daconcentração de mercado nas áreas concedidas facilitando a entrada de novoscompetidores (art. 4º, inc. XXX, do Dec. 2.335/97). Isso pode ser feito tanto pelaimposição de limites à participação de empresas já estabelecidas na licitação para novasconcessões, quanto pelo uso de fórmulas para atribuir vantagens a entrantes, em

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    3. O Enforcement da Política de Defesa da Concorrência no Setor Elétrico Brasileiro (SEB) 38

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