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Digestibilidade In Situ
Nos sistemas usuais de produção, os ruminantes obtêm a maioria dos
nutrientes a partir de volumosos, porém o nível de produção desejado nem sempre é
conseguido. Daí a necessidade de melhor entendimento dos mecanismos que
governam a digestão ruminal dos nutrientes consumidos. A avaliação da
alimentação para ruminantes, baseada apenas na quantidade de nutrientes
fornecidos, tem sido reconhecida por muito tempo como insuficiente, buscando-se
novas metodologias para avaliações específicas da utilização dos nutrientes da dieta
pelos animais. Assim, trabalhando a proporção com que nutrientes específicos
tornam-se disponíveis aos microorganismos ruminais e a quantidade que escapa da
fermentação ruminal tem elucidado o efeito da performance animal. Para
estabelecer as quantidades e relações de nutrientes necessários para um ótimo
desenvolvimento microbiano e resposta animal, deve-se em primeiro lugar predizer
adequadamente a medida com que os nutrientes de várias fontes de alimentos,
tornam-se disponíveis no rúmen (NOCEK, 1988).
O conhecimento de como ocorre à degradação dos alimentos no ambiente
ruminal é de extrema importância em estudos de avaliação de alimentos para
ruminantes. Alguns países disponibilizam tabelas com parâmetros de degradação
ruminal de vários alimentos, o que facilita o uso dos mesmos na alimentação animal.
No Brasil, alguns trabalhos desenvolvidos estão voltados ao estudo desses
parâmetros, pois devido às condições edafoclimáticas, das diferentes regiões,
principalmente no uso de forrageiras, muitas informações não estão disponíveis.
Rossi Júnior et al. (1997) destacaram a necessidade de uma avaliação mais precisa
do valor nutritivo dos alimentos, concentrados e volumosos, devido à variação na
composição química e à diversificação de métodos de análises das frações dos
alimentos para a determinação de alguns parâmetros ruminais.
A primeira limitação da fermentação ruminal é a quantidade de nitrogênio
disponível no órgão, sendo a concentração ótima aquela que proporciona máxima
produção de proteína microbiana por unidade de substrato fermentado ou máxima
taxa de fermentação (LENG, 1990). Em dietas com predomínio de forragens o pH do
fluído ruminal situa-se entre 6,2 e 7,0, enquanto dietas baseadas em concentrados
resultam em valores de 5,5 a 6,5, sendo a digestão da celulose inibida quando o pH
atinge valores inferiores a 6,0, o que pode prejudicar a digestibilidade da dieta.
Tendo em vista a grande importância do entendimento da dinâmica ruminal
sobre o processo digestivo dos ruminantes, é de grande importância determinar as
taxas de passagens das frações líquida e sólida, e o pH ruminal. As taxas de
passagem dos alimentos são marcadas pela fibra e pela proteína. As variações das
taxas de passagem observadas são reflexos das características das fibras, sendo a
densidade volumétrica e a gravidade específica determinantes para o
comportamento de cada material (MINSON E TUDOR, 1982; WELCH, 1986). Os
tempos médios de retenção ruminal (TMRR) para as pastagens são marcados
também pela fibra e pela proteína. A menor permanência no rúmen pode ter
resultado em menor digestibilidade dessa forrageira, não estando essa relacionada
ao menor aporte de nutrientes pelo animal, pois menores TMRR normalmente estão
relacionados a maiores consumos de alimento (FORBES, 1995).
Além disso, a taxa de passagem para fora do rúmen está ligada ao tipo da
dieta, ao nível de ingestão e as formas das partículas (ALLEN, 2000; OWENS E
GOETSCH, 1988). Barbi (1991) sugeriu que a taxa de passagem ruminal para
forrageiras estaria em torno de 4,16% por hora. O ARC (1984) considera três valores
médios para taxa de passagem, 0,02 para mantença, 0,05 para ganho de peso e
0,08 para produção de leite acima de 15 kg. A fase líquida avalia o volume do líquido
ruminal, a taxa de diluição, o tempo de reciclagem, a taxa de reciclagem e a taxa de
fluxo. Essas diferenças estão ligadas às peculiaridades dos volumosos oferecidos,
gramíneas frescas e gramíneas fenadas, e ao nível de consumo evidenciando a
grande influência do alimento e da fase fisiológica do animal no enchimento ruminal.
A relação entre os constituintes da parede celular e a digestibilidade de forragens é
um assunto amplamente abordado pela comunidade científica visando à nutrição de
ruminantes. O interesse em se determinar a digestibilidade de um alimento
volumoso ocorre devido à relação positiva existente entre digestibilidade destes
alimentos e seu consumo, como foi recentemente demonstrado por STEEN et al.
(1998).
O conhecimento atual dos padrões cinéticos dos nutrientes no rúmen, de
acordo com Mertens (1993), se deu em função do desdobramento conceitual da
celulose, no início da década de 70. A quantidade de alimento que desaparece do
rúmen é resultado direto da competição entre as taxas de degradação e de
passagem (VAN SOEST, 1994). A manipulação dessas taxas pode culminar em
maior ou menor escape de determinado nutriente e na maximização do crescimento
microbiano, o que resulta em diferentes formas de utilização de energia e do
nitrogênio contidos na dieta (RUSSELL et al., 1992). As técnicas de avaliação dos
parâmetros cinéticos da degradação ruminal dos alimentos compreendem estudos
sobre o desaparecimento da massa de amostra incubada no ecossistema ruminal
permitindo conhecer a adequação nitrogenada no rúmen e nos intestinos.
Técnica da Cinética Ruminal
Baseia-se no desaparecimento da amostra de alimento acondicionado em
sacos de náilon ou outro material sintético e incubados no rúmen por diferentes
períodos de tempo.
A técnica do saco de náilon suspenso no rúmen para estimar a
degradabilidade de determinado alimento, por intermédio do desaparecimento do
mesmo após diferentes tempos de incubação no rúmen, apresenta-se como
alternativa viável, principalmente em função de sua simplicidade e economicidade
(ØRSKOV e McDONALD, 1979).
A técnica permite o contato do alimento teste com o ambiente ruminal,
embora o alimento não esteja sujeito a todos os eventos digestivos, como
mastigação, ruminação e passagem (NOCEK, 1988). É uma técnica amplamente
utilizada em estudos do desaparecimento da fração nitrogenada da amostra, que
fornecem informações na elaboração de sistemas para exigências nutricionais.
A utilização dessa técnica expõe características inerentes a determinado
alimento e seu comportamento durante o processo digestivo. Os sistemas mais
modernos de dietas para ruminantes levam em consideração a cinética da
degradação das diferentes frações dos alimentos, particularmente da proteína e dos
carboidratos não estruturais, além de permitir o potencial de crescimento microbiano
a partir da fração fermentável (TONANI et al., 2001). No Brasil, vem sendo utilizada
com sucesso para determinação da degradabilidade ruminal da matéria seca e
carboidratos (BERCHIELLI et al., 2006).
O conhecimento da degradabilidade ruminal das diferentes frações dos
alimentos e, especialmente, da proteína é de grande importância (TONANI et al.,
2001). Permite identificar fatores que afetam o consumo voluntário de forragens,
como o grau de maturidade, a relação caule-folha e a forma de processamento
(LADEIRA et al., 2001). A degradação ruminal dos alimentos é fundamental para se
avaliar a qualidade do nutriente (MOREIRA et al., 2003) e a quantidade de nutrientes
disponível para os microrganismos no rúmen que chega ao intestino (BARBOSA et
al., 1998). Como os microrganismos do rúmen degradam as fontes proteicas,
produzindo nitrogênio amoniacal (QUEIROZ et al., 1998), a técnica in situ tem sido
adotada como metodologia padrão para caracterização da degradabilidade ruminal
do nitrogênio, por fornecer melhores comparações com os resultados in vivo
(MOLINA et al., 2002).
Metodologia da técnica
O método ou técnica in situ utiliza sacos de náilon com porosidade e
dimensões conhecidas, introduzidas no rúmen através de fístula ruminal. A remoção
dos sacos é feita ao longo do tempo de incubação, determinando-se o
desaparecimento da matéria seca, fibra em detergente neutro e proteína bruta em
função do tempo. Consiste em identificar os sacos de náilon com tinta aprova d’água
(Figura 1), secar os sacos em estufa a 60°C por 12hs colocar em dessecador por
0,5h e pesar (tara); e colocar 3 a 5g de amostras em cada saco de náilon (15 x 8
cm), selar ou amarrar o mesmo, secar em estufa a 60°C por 24hs, colocar em
dessecador por 0,5h, pesar (tara + matéria seca) e, por diferença obter a matéria
seca da amostra. As amostras são colocadas nos sacos de náilon, em quantidades
aproximadas de 1g de MS por saco, amarradas com uma corrente (Figura 3) e
incubados na parte ventral do rúmen de cada animal fistulado (Figura 2, e 4) nos
tempos de: 0, 6, 48, 96 e 144 horas. Retira cada saco no tempo determinado, ou
introduz cada um em um determinado tempo e retira todos de uma só vez. Após a
retirada do rúmen, os sacos devem ser colocados de molho em água com agitação e
troca de água frequente até clarear. Cumprida esta fase, seca em estufa a 60°C por
24hs, coloca no dessecador por 0,5h e pesa (tara + resíduo). Por diferença obtêm o
peso seco do resíduo. Os sacos referentes ao tempo zero (utilizados para se
determinar a fração prontamente solúvel) serão lavados em água corrente e
posteriormente receberão os mesmos procedimentos destinados aos demais
tempos. A digestibilidade da matéria seca é determinada após 24h de fermentação.
Na determinação da matéria orgânica determina-se e desconta as cinzas do
substrato e do resíduo. Digestibilidade da matéria seca e dada pela fórmula:
DMS= gMS substrato – gMS residual x 100
gMS substrato
Fig. 1 - Amostras de forragem identificadas Fig. 2- Caprino Moxotó fistulado
Fig. 3- Sacos presos em correntes prontos para serem colocados no rúmen.
Fig. 4- Colocando os sacos das amostras do rúmen.
Os resíduos remanescentes nos sacos serão analisados quanto aos teores
de fibra em detergente neutro (VAN SOEST; ROBERTSON; LEWIS, 1991), matéria
seca e proteína bruta. Os procedimentos para a determinação da degradação da
FDN, PB, e MS serão obtidos por diferença de peso encontrado para cada
componente entre as pesagens, antes e após a incubação ruminal e expressos em
porcentagem.
Os dados obtidos nos diferentes tempos de incubação (variável
independente) para MS e PB serão ajustados para uma regressão não linear pelo
método de Gauss-Newton (NETER; WASSERMAN; KUTNER, 1985), contido no
pacote computacional SAEG – Sistema de Análises Estatísticas e Genéticas,
conforme a equação proposta por Orskov e McDonald (1979):
Y = a + b (1 - e-c t), onde:
Y = degradação acumulada do componente nutritivo analisado, após um tempo t;
a = intercepto da curva de degradação quando t é igual a 0, que corresponde à
fração solúvel em água do componente nutritivo analisado;
b = é o potencial de degradação da fração insolúvel em água do componente
nutritivo analisado;
a + b = degradação potencial do componente nutritivo analisado quando o tempo
não é um fator limitante;
c = taxa de degradação por ação fermentativa de b;
t = tempo de incubação.
Para o estudo da cinética de degradação da FDN, utiliza-se o modelo assintótico
exponencial decrescente de primeira ordem proposto por Mertens (1993):
Y = b x exp (-c x t) + I
Em que:
Y = o resíduo no tempo t;
b = a fração potencialmente degradável;
c = a taxa de degradação;
t = tempo de incubação;
I = a fração não degradável.
A determinação da fração não degradada (I) é feita por diferença (100-(a+
b)) e a taxa constante de degradação da fração “c” foi obtida pela regressão do
logaritmo natural do resíduo potencialmente degradável.
Para a descrição do comportamento cinético da digestão da FDN, PB e MS,
no rúmen utiliza-se o modelo exponencial de ØRSKOV e McDONALD (1979):
DP= a + b [1- e (-c x t)]
Neste modelo, DP representa a degradação potencial no tempo t; “a” é a
fração rapidamente solúvel em água; “b” é fração insolúvel em água, mas
potencialmente degradável; “c” é a taxa de degradação da fração b; e “t” é o tempo
de incubação em horas.
A degradabilidade efetiva ou teórica de MS, FDN e PB são calculadas pela
equação:
DE= a + [(b x c) / (c+ k)]
Nesta equação, DE é a degradabilidade efetiva a uma taxa “k” de passagem
do alimento pelo rúmen, e “a”, “b” e “c” têm o mesmo significado anterior.
A taxa de determinação de passagem (k) é feita pela infusão de 10g de
óxido de cromo (Cr2O3) em dose única no rúmen e pela retirada de amostras nos
intervalos de tempo 0, 3, 6, 9, 12, 24,36 e 48h. A taxa de passagem é obtida pela
fórmula:
Y= Y0 x e-kpt
Em que Y = concentração do indicador no tempo t;
Y0= Concentração estimada do indicador no tempo zero;
Kpt= é a taxa de passagem no tempo.
e = base do logaritmo neperiano (2,714);
Vantagens da técnica
Propicia uma estimativa rápida e simples da degradação dos nutrientes no
rúmen;
Permite acompanhamento de degradação ao longo tempo (Mehrez e Orskov,
1977);
O processo ocorre em condições reais no rúmen;
Determina o efeito da adição de grãos e concentrados sobre a ação
celulolítica do rúmen;
Determina o efeito dos nutrientes (minerais, gordura, etc) sobre a
digestibilidade da celulose no rúmen;
Determina o efeito de níveis de amônia no rúmen sobre a atuação de
microrganismos;
Estima o valor nutritivo dos alimentos (MS, MO, celulose, FDN, proteína e
energia);
Determina a degradação, a taxa de digestão, a taxa de passagem e o
consumo;
Apresenta baixo custo e rapidez na estimativa do valor nutritivo.
Desvantagens da técnica
Pode ocorrer contaminação do resíduo da fermentação resultante da
colonização das partículas pelos microrganismos.
Necessidade de um grande número de horários de incubação ruminal entre 3
e 6 dependendo da alimentação avaliada.
A manutenção de animais fistulados para o estudo dos eventos digestivos
constitui altos custos e requer cuidados especiais com estes animais durante
toda sua vida.
Não há segurança de que o material removido do saco seja absorvido no trato
digestivo.
Cuidados importantes no uso da técnica
Observar porosidade dos sacos de náilon, considerar uma porosidade
adequada que permita a entrada dos microrganismos no interior dos sacos
para degradação do alimento, remoção das perdas de amostras não
degradadas (Van Hellen e Ellis, 1977), o tamanho do poro mais recomendado
é 45-50 micrometros.
Cuidados na determinação do número de horários de incubação que depende
do alimento avaliado. De acordo com Orskov et al (1988) para a maioria dos
suplementos protéicos os tempos 2, 6, 12, 24 e 36 horas são suficientes. No
caso de fenos, palhas e outros materiais fibrosos geralmente são requeridos
tempos de incubação até 144 horas.
Os sacos no rúmen devem ser livre movimentação permitindo a entrada de
líquido ruminal, de forma que todas possam ser colonizadas e possibilitem as
trocas de fluidos internos e externos ao saco.
A quantidade de amostra a ser incubada deve ser suficiente para as
determinações laboratoriais. Nocek (1988) cita a relação 10 a 20 mg/cm² para
forragens e concentrados.
O tamanho das partículas das amostras devem ser moídas e representar o
processo mastigatório do animal. Para forragens secas e cereais 2,5 a 3 mm
e para forragem verdes, úmidas e ensiladas 5 mm.
Adaptação dos animais fistulados a dieta experimental, para que o ambiente
ruminal esteja adaptado aos ingredientes a serem avaliados e os
microrganismos colonizem e degradem de forma eficiente o tipo de material
incubado.
Considerações Finais
O uso dessa técnica é de extrema importância na avaliação nutritiva dos
alimentos, pois quantifica a eficiência de aproveitamento do alimento no rúmen,
proporcionando assim uma visão qualitativa e funcional dos alimentos, permitindo
alterar ingredientes utilizados nas rações, tornando assim uma alternativa na
composição de rações de acordo com a exigência nutricional de cada animal
dependendo das suas características produtivas, maximizando a produtividade e
minimizando os custos.
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