DEIXA O TEMPO - Monografia Rafael Soal

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    RAFAEL DE SOUZA ALVES

    DEIXA O TEMPO:

    anlise da trajetria da banda Fresno nas pginas daRolling Stone

    Belo Horizonte

    Centro Universitrio de Belo Horizonte (UNI-BH)

    2011

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    RAFAEL DE SOUZA ALVES

    DEIXA O TEMPO:

    anlise da trajetria da banda Fresno nas pginas daRolling Stone

    Monografia apresentada ao curso de Jornalismo do CentroUniversitrio de Belo Horizonte (UNI-BH) como requisito parcial obteno do grau de Bacharel em Jornalismo.

    Orientador: Prof. Maurcio Guilherme Silva Jr.

    Belo Horizonte

    Centro Universitrio de Belo Horizonte (UNI-BH)

    2011

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    Para S Louro.

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    RESUMO

    O presente estudo buscou investigar as inseres da banda de rockbrasileira Fresno na revista

    Rolling Stone, no perodo de fevereiro de 2007 a janeiro de 2011. Alm de quantificar tais

    inseres, foi realizada anlise de contedo acerca de temas relacionados banda e discutidos

    pela revista: o movimento emo; as crticas aos produtos culturais lanados pela Fresno e as

    trs grandes reportagens nas quais os msicos foram destaque. Com base em nesse material

    emprico, a pergunta principal a ser aqui respondida foi: seria a Fresno uma aposta editorial da

    Rolling Stone?

    Palavras-chave: Jornalismo Cultural, Rolling Stone, Indstria Cultural, msica, cultura de

    nicho.

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    LISTA DE ILUSTRAES

    Grfico 1Edies em que a banda foi notcia ...................................................................... 56

    Grfico 2Tabela 1: Anlise quantitativa .............................................................................. 57

    Grfico 3Tabela 2: Anlise quantitativa .............................................................................. 58

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    SUMRIO

    1 INTRODUO .................................................................................................................. 07

    2 IDENTIDADES CULTURAIS, INDSTRIA CULTURAL E MSICA ..................... 10

    2.1 Das identidades culturais s tribos .................................................................................... 10

    2.2 Indstria Cultural: conceitos .............................................................................................. 13

    2.2.1 Os olimpianos ................................................................................................................. 17

    2.3 Msica e Indstria Cultural ............................................................................................... 19

    2.3.1 A angstia dos formatos: mudanas nos modos de consumo de msica........................ 19

    2.3.2 O atual mercado fonogrfico .......................................................................................... 22

    2.3.3 Mercado de hits x mercado de nicho .............................................................................. 24

    2.3.3.1 O declnio dos campees ............................................................................................. 24

    2.3.3.2 A teoria da Cauda Longa: como funciona o mercado de nicho................................... 26

    2.3.3.3 A nova lgica de mercado ........................................................................................... 29

    3. JORNALISMO CULTURAL EM REVISTA ................................................................ 31

    3.1 Jornalismo e vida social ..................................................................................................... 31

    3.2 O jornalismo dito cultural ............................................................................................. 323.2.1 Afinal, o que cultura?................................................................................................... 32

    3.2.2 O jornalismo cultural ..................................................................................................... 34

    3.2.2.1 Algumas sees do jornalismo cultural ....................................................................... 35

    3.2.2.1.1 As colunas de opinio ............................................................................................... 35

    3.2.2.1.2 A reportagem ............................................................................................................ 35

    3.2.2.1.3 Perfis e entrevistas .................................................................................................... 36

    3.2.2.2 A questo da crtica ..................................................................................................... 36

    3.2.2.3 Os problemas do jornalismo cultural ........................................................................... 38

    3.2.2.4 Jornalismo cultural e internet ...................................................................................... 40

    3.3 Jornalismo de revista ......................................................................................................... 41

    3.3.1 Especificidades do gnero .............................................................................................. 41

    3.3.2 Elementos grficos de uma revista ................................................................................. 43

    3.3.3 O texto de revista ............................................................................................................ 44

    3.4Rolling Stone: cultura pop, msica e jornalismo ............................................................... 46

    3.4.1 Histria ........................................................................................................................... 463.4.2 Especificidades, sees e editorias ................................................................................. 46

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    4 A FRESNO SEGUNDO A ROLL ING STONE................................................................ 49

    4.1 Metodologia ...................................................................................................................... 49

    4.1.1 Critrios de anlise ......................................................................................................... 504.2 A Fresno ............................................................................................................................ 50

    4.3 A Fresno em nmeros ........................................................................................................ 52

    4.4 A Fresno em conceitos ..................................................................................................... 59

    4.4.1 ARolling Stone, a Fresno, o emo................................................................................ 59

    4.4.2 As resenhas crticas: da revanche redeno ................................................................. 62

    4.4.3 A trade das grandes matrias ......................................................................................... 66

    4.4.3.1 A Fresno ps-prmios .................................................................................................. 66

    4.4.3.2 A Fresno pronta paraRevanche................................................................................... 69

    4.4.3.3 A Fresno na capa ......................................................................................................... 72

    4.5 Entrevista em profundidade .......................................................................................... 74

    4.5.1 O editor-chefe daRolling Stone..................................................................................... 74

    5 CONCLUSO ..................................................................................................................... 78

    REFERNCIAS .................................................................................................................... 81

    ANEXOS ................................................................................................................................ 86

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    1 INTRODUO

    Bebida gua.

    Comida pasto.Voc tem sede de qu?

    Voc tem fome de qu?

    (Tits)

    Desde cedo, somos levados a acreditar por meio de lendas, fbulas, contos, religio que

    somos dois em um. Isso mesmo. Somos compostos de corpo e, tambm, de alma, conceito

    complexo que todos dizemos entender.

    Filosofia de lado, direto ao ponto. Para termos fora e enfrentar as emoes do dia, nossocorpo precisa de alimento. no arroz, no feijo, na carne, no verde (e por que no? na

    batata frita?) que esto todos os componentes biolgicos responsveis pela manuteno de

    nosso ser, pelo menos a parte fsica. Mas... E a parte etrea? E a alma? Acreditemos, por um

    momento, sem objeo, que ela exista e est em ns. Como alimentamos nossa alma? A

    resposta, como a prtica do seu prprio conceito, tambm simples. Um sorriso, uma

    conversa, uma paixo... Tudo isso alimento altamente calrico para a alma. Em suma, o

    alimento para a alma a comunicao.

    Com o passar dos tempos, claro, tambm mudamos nossos hbitos alimentares e a maneira

    como consumimos o alimento. Com a arte, no poderia ser diferente. No que se refere

    msica, por exemplo: ressalta-se que, hoje, ela consumida por ns, em grande quantidade,

    em todos os momentos do dia. Tamanha velocidade, s vezes, deixa para trs o sabor, o gosto

    e o prazer a ser proporcionado pela expresso musical. como trocar um belo prato de

    comida por um McDonalds. Comida industrializada, msica industrializada: a sina da

    sociedade fast food. E, se cada dia mais, os consultrios dos nutricionistas abarrotam-se de

    gente em busca de vida mais saudvel, por que no fazemos o mesmo com a arte? Nesse caso,

    o mdico pode ser o jornalista de cultura. E o remdio, talvez, uma boa revista.

    Em se tratando de msica e cultura pop, no Brasil, a Rolling Stonetornou-se uma importante

    referncia. Trata-se de revista bastante jovem no Pasaonde chegou h apenas cinco anos,

    mas que vem de um bero muito nobre (a edio americana j ultrapassa os 50 anos). O ramo

    musical nunca foi bem assistido por publicaes em solo brasileiro: quando surgia alguma,

    seu domnio j nascia com hora marcada para terminar. A Rolling Stone, ao que tudo indica,

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    anda muito bem de sade e j apresentou, ao leitor que se interessa por entretenimento, capas

    com estrelas bastante significativas, entres as quais Caetano, Gil, Rita Lee, Raul Seixas e

    Fresno... Fresno? Sim, Fresno! Alis, essa uma das bandas que mais figurou nessa meia

    dcada de vida daRolling Stone Brasil.

    Mas, como? ARolling Stoneapoiando uma banda emo? Justo aquela que canta as dores de

    cotovelo? Com tanta novidade em todo o Pas, por que tal despropositada atitude? O que

    haveria por trs disso? Sim, alguma coisa deve haver... Ao buscar respostas a algumas dessas

    perguntas que o presente trabalho foi pensado. Ao longo desta monografia, recorreu-se

    interpretao de textos tericos, e anlise de contedo, justamente, com o intuito de buscar

    solues para tais questes.

    Desse modo, no captulo 2, tratamos dos temas que sustentaro a pesquisa, como a questo da

    identidade nesses tempos, cada vez mais malevel e, ao mesmo tempo, procurada. A Fresno

    foi uma banda que mudou sua identidade durante a estadia no chamado mainstream. Por falar

    nisso, a Indstria Cultural e seus conceitos principais so abordados, para que possamos

    compreender, especificamente, no campo musical, por que todos aqueles que esto de fora

    temem o mainstream, enquanto os que esto do lado de dentro, compreendem-no to bem.No referido captulo, tambm so discutidas as fases dos formatos musicais, do gramofone

    ao revolucionrio MP3, e o modo como a tecnologia foi fundamental para que um mercado,

    de alicerces quase inabalveis, se visse no dever de evoluir com o objetivo de enfrentar a

    competio cada vez mais acirrada do mercado de nicho. Por ltimo, investigam-se os

    olimpianos e as celebridades do rock, mquinas de sonhos tanto dos fs quanto do mercado

    de consumo.

    As prticas jornalsticas especificamente, na cultura e nas revistas so o tema do terceiro

    captulo desta monografia. A importncia do ofcio para a sociedade e seus cidados, as

    prticas e desafios encontrados pelo jornalismo cultural e as especificidades de se escrever

    para uma revista revelam-se alguns dos assuntos abordados. Como fazer uma comunicao

    eficiente a partir do uso dos recursos modernos da internet? Realizou-se, ainda, breve

    histrico da revista Rolling Stone, de modo a mostrar sua importncia para a cultura

    americana. No que se refere edio brasileira, a estruturao editorial da revista foi descrita

    detalhadamente. Por fim, a partir da aplicao de tais conceitos em permanente dilogo

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    entre si buscou-se compreender os motivos que levaram a Rolling Stone Brasil, de forma

    gradativa, a fazer da banda Fresno uma de suas apostas editoriais.

    Eis o cardpio principal. Bom apetite!

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    2 IDENTIDADES CULTURAIS, INDSTRIA CULTURAL E MSICA

    2.1 Das identidades culturais s tribos

    Hall (2001) defende a ideia de que o indivduo moderno est fragmentado. Alm disso,

    ressalta que as antigas identidades, que por tanto tempo se mantiveram estveis, esto

    declinando, abalando a ideia que temos de ns prprios como sujeitos integrados. Esta perda

    de um sentido de si estvel chamada [] de deslocamento ou descentrao do sujeito

    (HALL 2001, p. 9).

    O autor distingue trs concepes de identidade, que se estabeleceram como verdade em

    determinados perodos da histria do homem. A primeira, o sujeito do Iluminismo,

    compreendia a pessoa humana como indivduo centrado, unificado e dotado de razo. O

    centro desse indivduo emergia no momento de seu nascimento e apenas se desenvolvia

    durante a vida, mas a essncia permanecia a mesma. Como Kellner (2001) elucida, a

    identidade nas sociedades pr-modernas no era sujeita a reflexes. O indivduo nascia com

    um papel social predestinado, explicado por meio de mitos e religio. Os indivduos no

    passavam por crises de identidade, e esta no era radicalmente modificada. Algum eracaador e membro de tribo, e por meio desse papel e dessas funes obtinham sua identidade

    (KELLNER, 2001, p. 295).

    O sujeito sociolgico (a segunda concepo), por sua vez, era capaz de refletir e absorver para

    si as mudanas que aconteciam no mundo, e sua identidade e valores eram formados a partir

    do convvio social com outros indivduos (HALL, 2001). O indivduo se constitua, portanto,

    a partir do contato com a cultura exterior a que era submetido, fazendo da identidade o eloentre o interior e o exterior.

    A terceira concepo, um prolongamento do sujeito sociolgico, trata o indivduo como

    portador de vrias identidades, sendo algumas at contraditrias. Esse o sujeito ps-

    moderno.

    A identidade torna-se uma celebrao mvel: formada e transformada continuamente em

    relao s formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturaisque nos rodeiam. [] medida que os sistemas de significao e representao cultural semultiplicam, somos confrontados por uma multiplicidade desconcertante e cambiante de

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    identidades possveis, com cada uma das quais poderamos nos identificar ao menostemporariamente (HALL, 2001, p. 13).

    Na modernidade, a identidade passa a ser mais mvel, pessoal, reflexiva e sujeita a mudanas

    e inovaes (KELNER, 2001). O sujeito passa a conciliar diversas identidades, alm de criar

    ou recriar novas identidades, medida que surgem novas possibilidades de vida filho, pai,

    av, operrio, catlico, entre outras. A figura do outro e da sociedade tambm passa a ser

    importante: preciso que ambos reconheam o indivduo para, ento, sua identidade ser

    validada. A identidade pode cristalizar, o que torna os indivduos cansados ou entediados com

    a vida que levam.

    Outro fator da identidade moderna a individualidade. Segundo Hall (2001), na falta de um

    Estado-nao ou tribo para nomear o indivduo, este passa a faz-lo sozinho, por conta

    prpria, caindo, muitas vezes, na armadilha do esteretipo e do consumismo.

    Nas sociedades [...] surgidas depois da Segunda Guerra Mundial, a identidade tem sidocada vez mais vinculada ao modo de ser, produo de uma imagem, aparncia pessoal. como se cada um tivesse de ter um jeito, um estilo e uma imagem particulares para teridentidade, embora, paradoxalmente, muitos dos modelos de estilo e aparncia provenhamda cultura de consumo (KELLNER, 2001, p. 297).

    A Reforma e o Protestantismo, o Humanismo Renascentista, o Iluminismo e as teorias sociais

    foram movimentos do pensamento moderno determinantes para a transformao do sujeito

    antes estabelecido dentro de identidades culturais e nacionais em seres individualizados e

    fragmentados (HALL, 2001). Porm, a partir de meados do sculo XX, a globalizao trata de

    deslocar, por completo, as identidades culturais nacionais.

    Hall (2001) enumera possveis consequncias da globalizao em relao identidade: a

    principal, talvez, seja a compresso do espao-tempo. Com a acelerao tecnolgica, a

    comunicao entre sujeitos, separados por grandes quilmetros de terra, tornou-se possvel.

    Se antes, para ouvir um disco de sucesso, produzido na Europa, era preciso encomendar e

    esperar meses por sua chegada, hoje, ele pode ser oferecido via internet por um amigo

    estrangeiro. Os lugares permanecem fixos; neles que temos razes. Entretanto, o espao

    pode ser cruzado num piscar de olhos por avio a jato, por fax ou por satlite (HALL,

    2001, p. 72-73).

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    A globalizao, diferentemente do que pensa o senso comum, trabalha com a diferenciao.

    dessa forma que consegue atingir o indivduo sentado na sala de estar. Ela capta as principais

    predilees de um grupo e transmite a ideia de que, tendo acesso a elas, ele pode ser dono de

    um estilo nico. E mais: existem outros como ele espalhados pelo planeta. O paradoxo est

    aqui: Na [...] globalizao, so ainda as imagens, os artefatos e as identidades da

    modernidade ocidental, produzidos pelas indstrias culturais [...], que dominam as redes

    globais (HALL, 2001, p. 79).

    Isso gera a ideia, defendida por Bauman (2005), da liquidez da sociedade moderna:

    Para a grande maioria dos habitantes do lquido mundo moderno, atitudes como cuidar dacoeso, apegar-se s regras, agir de acordo com os precedentes, e manter-se fiel lgica dacontinuidade, em vez de flutuar na onda das oportunidades mutveis e de curta durao,no constituem opes promissoras. (BAUMAN, 2005, p. 60).

    A partir dessa mudana, vm as consequncias: as identidades esto se desintegrando, visto

    que a cultura de um pas pode entrar facilmente, por meio do ciberespao, nos domnios de

    outro pas; as identidades nacionais e locais passam a se reforar para resistir ao processo de

    globalizao. Surgem novas identidades, ou identidades hbridas (HALL, 2001), sendo

    absorvidas, principalmente, pela juventude.

    Arajo (2004) joga luz figura do jovem que, em meio a tal fragmentao identitria e s

    incertezas quanto ao futuro, passa desesperadamente a procurar por prazer, diverso e

    indivduos com pensamentos e ideias semelhantes, a fim de recompor sua prpria identidade e

    sentimento de pertencimento. Assim surgem as tribos urbanas, segundo Pais (2004).

    Sendo uma manifestao reflexiva de diversos atritos sociais [...], as chamadas convidam-nos a uma valorizao analtica da sua potencial dimenso subversiva.[...] As tribos geram sentimentos de pertena e os seus macros conviviais so garante (sic)de afirmaes identitrias. Por isso, nesses grupos encontramos manifestaes deresistncia adversidade, mas tambm vnculos de sociabilidade e de integrao social. [...]O que a metfora da tribosugere a emergncia de novas formaes sociais que decorremde algum tipo de reagrupamento entre quem, no obstante as suas diferenas, procura uma

    proximidade com outros que, de alguma forma, lhe so semelhantes (PAIS, 2004, p. 18,23).

    Pais (2003) afirma que a identidade das tribos formada por meio de um estilo, um conjunto

    mais ou menos coerente de elementos materiais ou imateriais de afirmao simblica (PAIS,2003, p. 235). No universo da msica, as tribos de rock usam cabelo desgrenhado, jaqueta

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    de couro, medalhes, enquanto os headbangers(ou metaleiros) andam todos trajados de preto

    e com os cabelos muito longos. Os emos, por sua vez, usam roupas mais justas, franjas e,

    independentemente do sexo, maquiagem delineadora nos olhos. A tatuagem, porm, um

    elemento atpico, pois faz parte do visual e estilo de vida de praticamente todas as tribos

    musicais. Esses estilos, na verdade, so uma espcie de escudo, ou mesmo mscara, usado

    pelos jovens como forma de resistncia cultura dominante (PAIS, 2003). Trata-se de estilos

    que no representam fielmente a realidade dos indivduos. Um f de heavy metalque possui

    tatuagens nos braos, por exemplo, sempre aconselhado a cobri-las enquanto estiver no

    expediente do trabalho.

    Um comum equvoco praticado, principalmente, pelos meios de comunicao miditicos, ode encontrar nesses estilos fontes inesgotveis para matrias depreciativas. Embora a

    etimologia da palavra tribo relacione-se com atrito, resistncia, errneo ligar os movimentos

    urbanos ao vandalismo, alienao ou homossexualidade. Ao agir dessa forma, a imprensa

    cai no erro da definio verbal. Este processo de etiquetagem origina realidades

    representacionais, discursivas, mitificadas. [...] As etiquetas criam realidades sociolgicas

    (PAIS, 2004, p. 9-10).

    Quando includos nesse processo, os jovens integrantes de tribos urbanas so vistos com

    pssimos olhos, e, em grande parte, olhos que desvirtuam a verdadeira proposta defendida por

    aquela tribo. A situao, portanto, mantm-se a mesma: os jovens, que procuraram a tribo

    para se sentirem pertencentes ao mundo em que vivem, por esse mesmo motivo, so tidos

    como marginalizados, fora das regras que regem a sociedade.

    2.2 Indstria Cultural: conceitos

    Horkheimer e Adorno (2000) so contestadores do modo de produo cultural instalado na

    sociedade capitalista. A cultura, antes fonte de libertao do homem, capaz de transport-lo a

    um plano de discusso, conhecimento e fruio, h muito se encontra pasteurizada. O cinema,

    a TV e o rdio so indstrias, e, como tais, buscam o lucro. Por hora, a tcnica da ind stria

    cultural s chegou estandardizao e produo em srie, sacrificando aquilo pelo qual a

    lgica da obra se distinguia da lgica do sistema social (HORKHEIMER; ADORNO, 2000,

    p. 170).

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    A cultura de massa tem sua origem junto Revoluo Industrial, quando os trabalhadores

    deixam suas casas para trabalhar nas grandes fbricas (DUARTE, 2010). Com o passar do

    tempo, e as vitrias das reivindicaes trabalhistas, tais trabalhadores passam a ter jornada de

    trabalho regular e salrios. Neste ponto, ocorre uma diviso no tempo dos operrios: o tempo

    de trabalho dentro das fbricas; e o tempo livre, usado para o descanso. nesse tempo

    livre que os operrios comeam, ento, a procurar o lazer em quermesses e bares.

    Os empresrios percebem a abertura de um promissor ramo de negcios, e passam a organizar

    eventos culturais. Como o lucro sempre a prioridade quando se fala de capitalismo, os

    pequenos eventos tomam grandes propores e, na mesma medida, so nivelados em termos

    de qualidade e contedo, para que possa ser apreciado tanto pela classe proletria quantopelos burgueses. Com a solidificao do ramo do entretenimento, os profissionais envolvidos

    artistas, empresrios, produtores comeam a se especializar, tornando seu ofcio ainda

    mais rebuscado. O tempo livre, ento, passa a fazer parte do capitalismo monopolista.

    Por esse motivo, Adorno e Horkheimer, quando da elaborao do ensaio A Dialtica do

    Esclarecimento, resolveram adotar o termo Indstria Cultural: diante do desejo da massa

    trabalhadora em adquirir lazer fcil, os poderosos do ramo transformam o entretenimentonuma verdadeira indstria, criando grandes corporaes e cartis, monopolizando o territrio

    cultural e, por conseguinte, de forma subliminar, transferindo para os espectadores algo mais

    do que simples diverso.

    O estilo de vida apresentado no apenas nos filmes hollywoodianos, mas tambm [] narealidade cotidiana de seus astros e estrelas, sinalizava uma existncia sensvelaparentemente feliz e ensolarada, [] livre das rgidas hierarquias e cdigos de conduta[]. Por outro lado, do ponto de vista do ento novo capitalismo monopolista, era a

    propositura de um mtodo de adaptao a um mundo econmico [...], totalmentedeterminado pelo ritmo da maquinaria de produo e da programao para o consumosuprfluo que, por sua vez, deveria realimentar a produo (DUARTE, 2010, p. 42).

    Para Morin (2011), as invenes tcnicas foram cruciais para que a Indstria Cultural se

    impusesse, com destaque para o rdioe, com ele, o surgimento da indstria fonogrfica e

    a televiso. Essas so indstrias ultraligeiras pelo aparelhamento produtor, so ultraligeiras

    pela mercadoria produzida (MORIN, 2011, p. 14). Como consequncia, a Indstria Cultural

    dominou os meios de comunicao de massa.

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    Para que todo esse aparato funcionasse, foi necessria uma concentrao burocrtica. A arte

    produzida, antes de chegar aos olhos dos consumidores, passa por diversos filtros: primeiro, a

    organizao burocrtica, que filtra as ideias de acordo com sua possvel rentabilidade ou

    oportunidade poltica. Logo aps, cai nas mos da organizao tcnica, que cuida da

    manipulao dessa ideia, de acordo com os desejos da empresa. O poder cultural, aquele do

    autor da cano, do artigo, do projeto de filme, da ideia radiofnica se encontra imprensado

    entre o poder burocrtico e o poder tcnico (MORIN, 2011, p. 15).

    Lipovetsky (1987) afirma que a cultura dos mass-mediatornou-se uma mquina comandada

    pela lei da renovao acelerada, do sucesso efmero []. A uma indstria cultural que se

    organiza sob o princpio soberano da novidade corresponde um consumo excepcionalmenteinstvel (LIPOVETSKY, 1987, p. 205). A Indstria Cultural, ao mesmo tempo que trabalha

    sob um sistema burocrtico, precisa de mecanismos de criao para atender a um pblico que,

    cada vez mais, atrado pelo produto novo e individualizado.

    O funcionamento da Indstria Cultural se d a partir desses dois pares antitticos: burocracia-

    inveno, padro-individualidade. A questo da individualizao resolvida alterando o

    conjunto dos elementos que constituem o esqueleto bsico dos produtos criados pela indstriacultural (MORIN, 2011). E, mesmo quando necessrio a inveno, essa feita de forma

    bastante sutil, de forma que no abale as estruturas j consolidadas dessa indstria. A

    indstria fonogrfica, por exemplo, vive, atualmente, o boom dos discos remasterizados. A

    obra idntica original, mas passa por um processo de reciclagem. Com a moderna

    aparelhagem disponvel nos estdios, tais obras so embaladas em capa de luxo e apresentada

    aos consumidores, assduos com a promessa de grande melhoria no som, quando, na verdade,

    a percepo de algum melhoramento significativo quase impossvel.

    Coelho (1980) ressalta que, junto a essas caractersticas, deve-se colocar um elemento

    fundamental para essa discusso: a prpria cultura e suas formas de manifestao: a cultura

    superior, a cultura mdia (midcult) e a cultura de massa (masscult). A questo levantada no

    momento em que se faz a diviso dos produtos culturais entre esses eixos, gerando em uma

    classificao errnea. O lbum duplo Exile on Main St., dos Rolling Stones, lanado em

    1972, sofreu as mais pesadas crticas. Foi considerado um produto culturalmente fraco, feito

    para agradar apenas aos fs. Hoje, 39 anos depois, Exile... considerado o melhor lbum da

    carreira da banda, suas cpias em vinil so disputadas a preo de ouro, e a crtica entre

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    outros elogios refere-se a ele como fruto da melhor fase dos Stones. Segundo Duarte

    (2010), essa mudana de comportamento tambm se relaciona grande perda de qualidade

    dos produtos culturais ao longo dos anos, chegando ao ponto de reconhecer, em uma obra,

    antes considerada inferior, qualidades dignas de obras-primas.

    A tarefa de rotulao no tranquila. [...] Deve-se lembrar que frequentemente, na histria,a passagem de um produto cultural de uma categoria inferior para outra superior questode tempo. [...] Devia-se era reprovar essa mesma indstria cultural e a midcult porexplorarem propostas originrias da cultura superior, apresentando-as de modo a fazer comque o pblico acredite estar consumindo obras de grande valor cultural [...]. A midcultsurge como filha bastarda do subproduto da cultura de massa. Nesse processo, ela sediferencia da masscult [...] por tomar emprestado procedimentos da cultura superior, [...]facilitando-os [...], por vend-los como cultura superior e, por conseguinte, tentar convencero consumidor de que teve uma experincia com a verdadeira cultura (COELHO, 1980, p.

    20).

    Duarte (2010) enumera pontos negativos da Indstria Cultural. O primeiro deles, a

    manipulao retroativa, envolve a questo da qualidade dos produtos culturais. Os

    responsveis por eles, em grande parte, entregam produtos superficiais, sem contedo esttico

    ou crtico, e tem o seu suporte ideolgico no fato de que ela se exime cuidadosamente de

    tirar todas as consequncias de suas tcnicas em seus produtos (ADORNO, 1987, p. 290).

    Aliado a esse processo, esto as precisas estatsticas encomendadas pelos grandes estdios de

    entretenimento, que captam os interesses dos consumidores, de modo a no haver equvocos

    na produo das obras. Adorno (1987) atribui a isso o nome destatus quo: com esses trmites,

    a indstria cultural segue como promissor ramo de negcios e, ao mesmo tempo, no recebe

    nenhuma objeo.

    Atravs da ideologia da indstria cultural, o conformismo substitui a conscincia: jamais aordem por ela transmitida confrontada com o que ela pretende ser ou com os reaisinteresses dos homens. [] Estes pretendem, com efeito, que se trata de algo como uma

    cultura surgindo espontaneamente das prprias massas, em suma, da forma contemporneada arte popular. [] Em todos osseus ramos fazem-se, mais ou menos segundo um plano,produtos adaptados ao consumo de massas e que em grande medida determinam esseconsumo. Os diversos ramos assemelham-se por sua estrutura, ou pelo menos ajustam-seuns aos outros. Eles somam-se quase sem lacuna para constituir um sistema (ADORNO,1987, p. 287 e 293).

    As pesquisas que mapeiam os gostos dos consumidores levam a outro problema da Indstria

    Cultural, pois retiram do indivduo a faculdade do juzo, o discernimento de saber se aquele

    produto cultural ou no de seu gosto. Como resultado, o que se v so produtos altamente

    previsveis, mas que no deixam de satisfazer o cliente. Essa usurpao de esquematismo,portanto, faz parte do mecanismo da manipulao retroativa. O espectador no deve

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    trabalhar com a prpria cabea; o produto prescreve toda e qualquer reao: no pelo seu

    contexto objetivo [], mas por meio de sinais. Toda conexo lgica que exija alento

    intelectual escrupulosamente evitada (HORKHEIMER; ADORNO, 2000. p. 185).

    2.2.1 Os olimpianos

    A importncia da figura clebre fruto da ascenso da sociedade pblica (ROJEK, 2008).

    Quando a sociedade dos sculos XVII e XVIII, caracterizada pela imobilidade social, entrou

    em declnio, bem como a crena popular no direito divino dos reis e em Deus, o capital

    cultural foi transferido aos homens comuns, capazes de vencer, sozinhos, os obstculos mais

    adversos e adquirir sucesso e prestgio. Os olimpianos estavam incumbidos, a partir de ento,do importante papel de integradores sociais.

    Essa ideologia [a do homem comum] legitimou o sistema poltico e sustentou o comrcio ea indstria, contribuindo assim imensamente para a transformao da celebridade emmercadoria. Celebridades substituram a monarquia como os novos smbolos dereconhecimento e pertencimento, e conforme a crena em Deus minguou, as celebridadestornaram-se imortais (ROJEK, 2008, p. 16).

    Rojek (2008) trata o termo celebridade como a atribuio destatusglamouroso (favorvel) ou

    notrio (desfavorvel) a um indivduo dentro da esfera pblica. Os responsveis por essa

    mediao so os chamados intermedirios culturais (produtores, agentes, publicitrios,

    fotgrafos e todo o time de profissionais por trs do brilho da estrela). O star system pode ser

    definido como a fbrica encantada de imagens de seduo. [] A estrela construo

    artificial, e [] o star system estetizao do ator, de seu rosto, de toda sua individualidade

    (LIPOVETSKY, 1987, p. 214).

    Morin (2011) atribui informao midiatizada o surgimento desse novo Olimpo. As notciase as capas de revista focadas em informaes da vida privada das celebridades, conseguem

    transformar situaes banais do dia a dia em verdadeiros acontecimentos histricos. Nesse

    sentido, transmitida ao pblico a ideia de que, mesmo com o manto da sobrehumanidade, o

    olimpiano, vez ou outra, apresenta traos verdadeiramente humanos, mortais, o que cria

    imediatamente um elo entre estrela e pblico.

    Os novos olimpianos so, simultaneamente, magnetizados no imaginrio e no real,

    simultaneamente, ideais inimitveis e modelos imitveis; sua dupla natureza anloga dupla natureza teolgica do heri-deus da religio crist: olimpianas e olimpianos sosobre-humanos no papel que eles encarnam, humanos na existncia privada que eles levam.A imprensa de massa, ao mesmo tempo que investe os olimpianos de um papel mitolgico,

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    mergulha em suas vidas privadas a fim de extrair delas a substncia humana que permite aidentificao (MORIN, 2011, p. 101).

    O status de celebridade implica uma diviso entre um eu privado e um eu pblico. Durante

    uma apresentao pblica, o artista, de fato, faz uma encenao, mostrando apenas uma

    face de si, deixando boa parte do seu eu reservada. A cultura olimpiana , portanto,

    construda por relaes superficiais, na qual a distncia social a precondio tanto para a

    celebridade quanto para a notoriedade (ROJEK, 2008, p. 14).

    Trs abordagens em relao aos olimpianos baseadas em diferentes correntes de

    pensamento so propostas por Rojek (2008): a primeira, o subjetivismo, est ligado

    singularidade pessoal do artista. A celebridade o porque imana um talento inato, raro,

    impossvel de ser explicado racionalmente. O puro subjetivismo, portanto, afirma que a

    celebridade nica. [...] A base da celebridade so os dons criativos, incomparveis, divinos

    (ROJEK, 2008, p. 36).

    Na corrente estruturalista, a celebridade investigada como a expresso de regras estruturais

    universais enraizadas na cultura (ROJEK, 2008, p. 36-37). A indstria cultural sustenta que

    as corporaes da indstria do entretenimento so modeladoras de conduta, de controle social,tendo como objetivo principal ampliar o domnio do capital. O Olimpo de vedetes seria,

    portanto, um dos meios criados pelo capitalismo para que esses objetivos fossem alcanados.

    A identificao da massa com o artista seria falsa, pois so invenes, e no reflexos da

    sociedade.

    Ideologia e transformao em bens de consumo funcionam mascarando e corrompendo anatureza humana ao alienar uma pessoa da outra. [...] O capitalismo nos aliena tanto uns aosoutros, e de nossas prprias naturezas, que projetamos nas celebridades as nossas prprias

    fantasias de pertencimento e satisfao, ou seja, formas idealizadas do que rotineiramentedegradado na cultura de bens de consumo (ROJEK, 2008, p. 39).

    Morin (1960), citado por Rojek (2008), define as celebridades como servos do capital:

    cumprem muito bem as suas funes dentro da complexa rede de entretenimento, e, quando

    no mais conseguem o feito, so simplesmente abandonadas e substitudas por outra. O poder

    dos olimpianos, para Morin (2011), vem do fato de eles representarem ou projetarem as

    necessidades mais secretas do pblico. A cultura de massa elabora modelos, normas; [...] A

    eficcia dos modelos propostos vem, precisamente, do fato de eles corresponderem saspiraes e necessidades que se desenvolvem realmente (MORIN, 2011, p. 103).

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    J no ps-estruturalismo, o olimpiano tido como indivduo tipificado, dotado de cdigos e

    smbolos por meio dos quais essa imagem possa ser reproduzida e consumida (ROJEK,

    2008). Mas, aqui, diferente de outros pensamentos, essa tipificao recebe carter volvel,podendo ser alterada de acordo com o contexto histrico, socioeconmico e cultural ao qual o

    olimpiano est vinculado. Para usar um termo do ps-estruturalismo, a celebridade

    intertextualmente construda e desenvolvida (ROJEK, 2008, p. 49). De acordo com essa

    lgica, os verdadeiros donos do poder so os produtores operrios do star system

    responsveis pela mediao do artista com seu pblico.

    2.3 Msica e Indstria Cultural

    2.3.1 A angstia dos formatos1: mudanas nos modos de consumo de msica

    Os primeiros passos da indstria fonogrfica datam do ano de 1877. Segundo Harry Crowl

    (2009), esse o marco inicial do som gravado. Thomas Edison criara um aparelho munido de

    duas agulhas, capaz de gravar e reproduzir sons em um cilindro de cera: o fongrafo. A

    inveno foi de grande aplicabilidade at o incio do sculo XX, por exemplo, para finscientficos, possibilitando a gravao de dialetos de diversos povos, bem como o registro de

    diversas canes folclricas.

    Ainda que considerados a mais nova maravilha da cincia, o fongrafo e seus cilindrosapresentavam limitaes tcnicas para a formao de uma indstria em termos massivos.Primeiramente, se o aparelho permitia a gravao e reproduo sonora, ele deixava escapara possibilidade de reprodutibilidade tcnica do som, pois no havia como fazer cpias dasgravaes: uma vez gravado, o contedo estava condenado a permanecer no mesmocilindro, tornando-se uma pea nica. A prpria durabilidade do formato tambm deixava a

    desejar, pois o papel estanho logo se desgastava, alm dos cilindros [...] facilmentequebrarem tornando sua vida curta (DE MARCHI, 2005, p. 7).

    Em 1888, o inventor alemo Emile Berner (1851-1929) patenteou o gramofone. A nova

    inveno trouxe novidades, como a utilizao do disco para gravao e reproduo. O formato

    era composto de sulcos laterais em apenas um lado do objeto. (DE MARCHI, 2005). Nesse

    1O termo, usado pelo jornalista Arthur Dapieve, foi aproveitado como ttulo para o artigo cientfico de DeMarchi (2005). Angstia dos formatos traduz o contnuo consumo de um mesmo contedo em diferentestecnologias de informao. No caso da msica, possvel escutar uma mesma obra em diversas tecnologias: ovinil, o K-7, o CD, e, principalmente na ltima dcada, o MP3.

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    ponto, a reprodutibilidade tcnica dos discos j era uma realidade: feitos com goma-laca,

    tornaram-se, em pouco tempo, padro de consumo das massas.

    O aperfeioamento tecnolgico ps-Primeira Guerra Mundial trouxe o rdio para o mercado

    da msica. A mudana mais significativa que o meio trouxe para a indstria fonogrfica foi a

    gravao eltrica, com uso de microfones em estdios e caixas amplificadoras. Essas

    gravaes foram armazenadas em um novo formato: o 78 r.p.m. (rotaes por minuto), com

    durao de quatro minutos em cada lado (DE MARCHI, 2005). No demorou muito para

    tornar-se o padro da indstria.

    Segundo De Marchi (2005), a Segunda Guerra Mundial foi fundamental para a busca deaprimoramento tecnolgico na indstria da msica. Buscaram-se novas matrias-primas para

    os discos, uma vez que o exrcito japons cortara o suprimento, para os EUA e Europa, de

    goma-laca produzida na sia. Experincias com plsticos trmicos resultaram na escolha do

    vinil como o material mais apropriado (DE MARCHI, 2005, p. 9). Paralelamente, foi

    descoberta uma forma de gravao em micro-sulcos (ou microgrooves). Os dois achados

    foram a base para que surgisse uma nova gerao de mdias no mercado: a fita magntica e o

    Long-Play.

    O LP foi entendido como uma revoluo do consumo fonogrfico. Comeando pelonome dado tecnologia: Long Play literalmente, longa durao , [...] sugerindo umanova experincia de consumo sonoro, temporalmente alongada em relao aos formatosanteriores. Quando, da dcada de 1960, os discos comearam a utilizar tecnologia estreo(Frith, 1981), tal percepo foi "autenticada pela tecnologia, contribuindo decisivamente

    para sua imagem de nova experincia de mediao sonora (DE MARCHI, 2005, p. 13).

    Com a consolidao do LP no mercado, a esttica do lbum foi concebida. Muitos artistas

    comearam a pensar um lbum no como um conjunto de msicas soltas, mas como reuniode canes que se comunicam entre si (como exemplo, temos o lendrio Sgt. Peppers Lonely

    Hearts Club Band, dos Beatles, ou Tommy, do The Who), o chamado lbum conceitual.

    Somando-se a isso a crescente preocupao em apresentar um consistente trabalho grfico nas

    capas, o LP passa a ser visto como verdadeira obra de arte, devendo ser, portanto, consumido

    como umsuporte fechado passvel de coleo em discotecas privadascom status de objeto

    cultural (DE MARCHI, 2005, p. 13).

    Em meados de 1960, comeam a surgir as fitas pr-gravadas, com o mesmo contedo dos

    vinis. As fitas K-7, embora dotadas de qualidade claramente inferior ao LP, provocaram

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    mudanas no modo de consumir msica e, consequentemente, no futuro da indstria

    fonogrfica (CROWL, 2009). A partir dali, a msica poderia ser ouvida nos carros, e no

    apenas num ambiente individualizado ou caseiro (essa autonomia fica ainda maior quando, na

    dcada de 1980, a Sony lana o Walkman). Segundo De Marchi (2005), a pirataria comea a

    ser explorada, visto que os consumidores podiam fazer seleo de msicas de diferentes LPs

    em uma nica fita K-7 e comercializ-lo, ou repassar a cpia a outras pessoas. Foi a mesma

    Sony, em parceria com a Philips, que trouxe ao mercado, em 1982, o compact disc, mais

    conhecido como CD.

    As principais vantagens [...] residiam na limpidez do registro sonoro e da sua reproduo,no acrscimo do tempo de gravao disponvel dos novos discos e, sobretudo, a sua menor

    susceptibilidade aos efeitos do uso. A qualidade do som digital resulta em grande medidados processos de registro e reproduo sonoros, executados com base em tecnologia laser,de elevada preciso, capazes de eliminar a quase totalidade dos rudos e produzir um somde uma limpeza nunca antes visto (ABREU, 2010, p. 163).

    Inicialmente, os novos aparelhos de CDs conquistaram o pblico de msica clssica, j que

    prometiam uma qualidade cristalina dos escopos sonoros. Com o mercado de fitas cassetes

    bastante aquecido, e a elevada quantia em dinheiro necessria para fazer do CD o formato

    padro de consumo no mercado (era necessrio produzir novos aparelhos de som, relanar

    digitalmente todos os catlogos das grandes gravadoras), o compact disc s chegou s casas

    dos consumidores, efetivamente, em meados de 1980. Paula Abreu (2010) afirma que a

    indstria fonogrfica, novamente, recebeu um sopro de vida, ao ver o aquecimento do

    mercado. Para usufruir dos CDs, seria preciso substituir todos os vinis pela nova tecnologia,

    comprar novos tocadores de som. As grandes gravadoras, por sua vez, passaram a cobrar um

    preo mais alto pelo produto.

    A partir da dcada de 1980, a informtica j comeava a se desenvolver e a ocupar o ambientecaseiro. Por volta de 1987, o Fraunhofer Institut Integrierte Schaltungen criou a tecnologia

    que, futuramente, poria o negcio de discos em apuros: O ISO-MPEG udio Layer 3, mais

    conhecido por MP3, chega efetivamente ao mercado comercial em 1992, na gravao de CD-

    ROMs e outras atividades que no necessitavam de uma alta qualidade de udio. Com o

    MP3 possvel reduzir o som original de um CD [] com uma perda mnima. [] Seria

    possvel converter todo o contedo de um CD para um espao12 vezes menor sem grande

    perda de qualidade (CROWL, 2009, p. 152-153).

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    2.3.2 O atual mercado fonogrfico

    No atual momento do mercado fonogrfico marcado por crises e reconfiguraes

    (AMARAL, 2009), a mudana mais importante para se entender todos os outros trmites a

    mudana na forma de se consumir msica. Segundo S (2006), o processo de digitalizao

    que resulta no MP3 transforma a msica ou um lbum inteiroem bits, dados que podem

    ser acessados de qualquer computador, ou enviados a qualquer pessoa, por meio de e-mail ou

    redes sociais. Com os home studioscaseiros, ainda existe a possibilidade de o usurio editar

    todo o material pronto como bem entender (seja aumentando o volume, acelerando o

    andamento ou equalizando a cano).

    Dessa forma, a concepo de lbum como proposta artstica completa perdeu o sentido.

    Diante da multiplicao de opes disponveis na internet ao consumidor, escutar um disco do

    comeo ao fim considerado perda de tempo na atual cultura sonora. A banda britnica

    Arctic Monkeys um exemplo recente: uma semana antes do lanamento de seu quarto

    lbum, Suck It And See, em junho de 2011, a banda liberou porstreaming, em seu site oficial,

    a audio das 12 faixas do disco. O jornalista da Folha de S. Paulo, Andr Barcinski, relatou

    em blog2

    desastroso resultado.

    A primeira msica do disco, She's Thunderstorms, foi ouvida pouco mais de 150 milvezes. A faixa seguinte, Black Treacle, j caiu para 120 mil audies. Ou seja: 20% dosfs s ouviu a primeira msica, mesmo de graa. impressionante: o nmero de audiesvai caindo, faixa aps faixa. A 12 e ltima msica do disco, That's Where You're Wrong[...], teve pouco mais de 50 mil audies. Concluindo: quase 70% dos fs que ouviram a

    primeira msica no tiveram pacincia de ouvir o disco at o fim. E olha que um discocurto, de apenas 40 minutos.

    Fica claro que o consumidor, mesmo os fs, j no se interessam pelo conceito da obra. Esto

    mais imediatistas, e colocam no seu MP3 Player apenas as msicas do disco que realmente

    lhe agradaram. Some-se a essa nova cultura a proliferao das redes P2P3, e pagar por um

    disco fsico tarefa ainda mais difcil e escassa. A msica, cada vez mais, est atrelada ao

    mundo virtual.

    2A matria completa encontra-se no link

    3P2P, do ingls peer-to-peer (par-a-par), um formato de rede de computadores que descentraliza as funesconvencionais de rede, fazendo o computador de cada usurio conectado realizar funes de servidor e decliente, de forma simultnea. Seu surgimento possibilitou o compartilhamento em massa de msicas e filmes.

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    O consumo est se deslocando: em vez de comprar o CD oficial, baixa-se ou compra-secpias piratas. Parte do dinheiro que ainda circulava no comrcio legal de msica em redefsica ou virtual investido pelo ouvinte [...] para a obteno de conexes de internet de altavelocidade, aparelhos reprodutores de MP3 com grande capacidade de armazenamento,

    celulares que armazenam e tocam msicas baixadas na rede e na compra de produtospiratas (LIMA, 2011, p. 48).

    Amaral (2009) ressalta as mudanas tambm trazidas pelas redes sociais, em particular o

    MySpacee o Last.fm, que alteraram, principalmente, o papel do f no panorama do mercado

    fonogrfico. Antes responsvel apenas por lotar os espetculos e comprar os lbuns dos seus

    dolos, agora desempenham o papel de divulgadores, crticos e recomendadores do artista. O

    MySpace, de forma abrangente, um site de relacionamentos de bandas. Nele, encontram-sebandas que tocam em bares, at aquelas que j integram o chamado mainstream, sendo

    considerado, portanto, um portflio virtual e timo canal para criar vnculos profissionais. O

    Last.fm somente orientado pela questo do compartilhamento e das recomendaes

    musicais, incluindo uma agenda de recomendao de shows [] e de msicas conforme cada

    perfil (AMARAL, 2009, p. 100).

    As evolues acima culminaram por desestruturar uma antiga e j consolidada economia que,

    at pouco tempo, girava em torno do oligoplio das quatro grandes majors, ou gravadoras:

    Universal, Warner, EMI e Sony Music (HERSCHMANN, 2010). o que Nakano (2010)

    denomina verticalizao da cadeia produtiva da msica. As majors eram responsveis por

    garimpar talentos promissores, fornecer o aparato tcnico e eletrnico para que estes

    pudessem gravar seus discos, ficar com os direitos de execuo das msicas e cuidar da

    publicidade do artista.

    O que vemos agora a desverticalizao da msica (NAKANO, 2010). As gravadoras

    delegam algumas destas responsabilidades a empresas menores. A busca por talentos no

    mais com antigamente: elas apenas monitoram a internet e redes sociais, a fim de enxergar no

    discurso do prprio pblico quem tem mais chances de estourar. A gravao do disco

    confiada a estdios menores, mas de grande qualidade. Nesse caso, as gravadoras ficam

    apenas com a divulgao do disco, posto que ainda tm grande influncia nos meios de

    comunicao.

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    No Brasil, a crise fonogrfica abriu enorme espao para cena independente brasileira (DE

    MARCHI, 2006). Os artistas independentes daqui souberam muito bem aproveitar as

    oportunidades: Lobo criou a revista Outra Coisa (HERSCHMANN; KISCHINHEVSKY,

    2005), totalmente voltada para esse nicho, e trazia, todo ms, um disco de um artista

    independente feito com verba da Lei de Incentivo Cultura. A revista revelou, entre outras

    bandas, o Vanguart, hoje referncia de qualidade pelos crticos especializados. Assistimos,

    recentemente, a um fenmeno da internet que deu certo: Mallu Magalhes, aos 15 anos de

    idade, criou uma pgina no MySpace e disponibilizou trs msicas, entre elas o hit

    Tchubaruba, que teve mais de um milhode acessos (LIMA, 2011).

    2.3.3 Mercado de hits x mercado de nicho

    2.3.3.1 O declnio dos campees

    Chris Anderson (2006) afirma que, nos ltimos 50 anos, o crescimento da indstria do

    entretenimento deu-se por meio dos campees de bilheteria. Esses produtos culturais, alm de

    lucrativos, tornaram-se a lente pela qual todos os indivduos enxergam a prpria cultura. A

    grande maioria dos meios de comunicao no foge regra: percebem e avaliam apenasaquilo que sucesso. Definimos nossa era em funo de nossas celebridades e dos produtos

    de mercado de massa esses so os tecidos conjuntivos de nossa experincia comum

    (ANDERSON, 2006, p. 1).

    A era digital trouxe consigo mais do que mudanas estruturais: inaugurou um novo modo de

    produzir e consumir cultura. Em um mundo digital e interconectado, os produtos nunca antes

    divulgados pela indstria do entretenimento e cultura de massa tornam-se disponveis a todos.

    O consumidor, cada vez mais segmentado, tem a oportunidade de escolher o que deseja

    consumir, e como consumir. Gravaes musicais consideradas raras ou artigos de

    colecionador, hoje, encontram-se a poucos cliques de um mouse. E de forma gratuita. a

    ascenso do mercado de nicho.

    Uma maneira de raciocinar sobre as diferenas entre as escolhas limitadas de ontem e aabundncia de hoje comparar nossa cultura com um oceano em que s aflorassem nasuperfcie as ilhas de sucessos. [] Imagine as linhas de flutuao como sendo [] ovolume de vendas necessrio para satisfazer os canais de distribuio. [...] Perscrute o

    horizonte cultural e o que se destaca so os picos de popularidade elevando-se acima dasondas. [] No entanto, as ilhas so, na verdade, apenas os cumes de grandes montanhassubterrneas. Quando o custo de distribuio cai, como se o nvel da gua baixasse no

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    oceano. De repente, despontam na superfcie reas at ento submersas. E o que estembaixo da linha d'gua muito maior do que tona (ANDERSON, 2006, p. 24).

    A indstria fonogrfica, em especfico, o setor que mais se transformou com as mudanas

    trazidas pela internet. Na dcada de 1990, as grandes majors haviam solidificado

    definitivamente a mquina de hits musicais. Surgiram artistas com forte apelo ao pblico de

    massa, e seus discos vendiam milhes de cpias, abastecendo as caixas registradoras das

    empresas. Na ltima dcada, porm, a supremacia desse modo de produo foi posta em

    xeque.

    Em 21 de maro de 2000, a Jive Records demonstrou sua fora, com o lanamento de NoStrings Attached, segundo lbum da *NSYNC []. O lbum vendeu 2,4 milhes de

    exemplares na primeira semana, transformando-se na mquina de vendas mais rpida detodos os tempos, [...] chegando a 11 milhes de cpias at o fim do ano. [...] Contudo, aomesmo tempo em que a *NSYNC comemorava sua grande vitria, o solo tremia nas basesdo setor. [...] Algo fundamental mudara em 2000. As vendas caram 2,5% em 2001, 6,8%em 2002 e se mantiveram em queda. Em fins de 2005, depois de cair mais 7%, as vendas demsicas [...] encolheram mais de um quarto desde o pico. [...] muito provvel que orecorde da primeira semana da *NSYNC nunca venha a ser quebrado. Imagine se essa

    banda entrar para a histria [...] por atingir o pico da bolha dos hits, o ltimo popmanufaturado a usar a mquina de marketing bem sintonizada do sculo XX com toda a suacapacidade, antes do emperramento das engrenagens e da quebra dos eixos (ANDERSON,2006, p. 29-30).

    Anderson (2006) apresenta dois fatores essenciais para compreenso da mudana no consumode msica. A primeira a pirataria. A disseminao da tecnologia de gravao de CDs

    associada s redes P2P gera uma economia clandestina de consumo de discos piratas, com

    preos mais acessveis e maior variedade do que as prateleiras das lojas especializadas, visto

    que possvel baixar qualquer obra, de qualquer poca, em poucos minutos e de graa. A

    segunda o iPod, lanado em 2001 pela Apple(no Brasil, os aparelhos genricos, chamados

    apenas deMP3 players, foram mais aceitos, principalmente, por custarem muito menos que o

    iPod).

    Milhes de arquivos de MP3 sendo trocados entre milhes de usurios significa a

    possibilidade de seleo musical ilimitada. Automaticamente, o campo das descobertas foi

    acionado. Esse marketing viral, segundo Anderson (2006), trouxe tona muitas bandas do

    underground, que adquiriram novos fs, que, por sua vez, recomendaram suas msicas a

    outros amigos, e assim por diante. Em lugar da estrela solitria, surge um enxame de

    microestrelas, e um nmero minsculo de elites de mercados de massa converte-se em

    nmero ilimitado de demi-elites ou quase elites. A quantidade de hits se multiplica, cada um

    com pblico menor, porm, supostamente, mais engajado (ANDERSON, 2006, p. 33). A

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    cultura de nicho torna-se promissor mercado, alterando as bases econmicas vigentes por

    tantos anos.

    2.3.3.2 A teoria da Cauda Longa: como funciona o mercado de nicho

    Para explicar as mudanas e a fora que o mercado de nicho provocou na economia

    fonogrfica (e em todos os outros ramos de entretenimento), Anderson (2006) recorre teoria

    da Cauda Longa: o autor usa como exemplo as 25 mil faixas mais vendidas da loja virtual

    americana Rhapsody, no perodo de dezembro de 2005. Do lado esquerdo (a cabea da

    cauda), encontram-se os hits, que, como esperado, so os melhores resultados de download.

    Uma loja de discos fsica teria seu corte em algum ponto deste pico, j que as prateleiras tmum custo e costumam abrigar apenas os produtos que so certeza de vendas. Por se tratar de

    uma loja virtual, as prateleiras so infinitas. O resultado pode ser visto medida que o olhar

    direcionado para a direita. A curva de vendas diminui drasticamente quando entra no territrio

    dos nichos, mas nunca encosta no zero. Cada faixa daRhapsody, mesmo estando na ponta da

    cauda, baixada pelo menos uma vez por ms. Como o custo de estocagem zero, as receitas

    s podem ser muito positivas.

    Onde sempre supnhamos que basicamente no houvesse demanda expressiva, as baixasainda se situam na mdia de 250 por ms. E como os no hits so to numerosos, suasvendas, embora pequenas para cada faixa, rapidamente atingem volumes considerveis.[], cerca de 22 milhes de baixas por ms, quase um quarto do negcio total daRhapsody. [] Individualmente, nenhuma dessas msicas popular, mas elas so tantasque, no conjunto, compem um mercado significativo. [] Sempre h algum que baixa,

    pelo menos uma vez por ms, no s algumas de suas 60 mil faixas mais vendidas, mastambm outras de suas 100 mil, 200 mil ou 400 mil faixas principais (ANDERSON, 2006,

    p. 19-20).

    Se Cauda Longa escolha infinita, torna-se necessrio um importante gatilho para o pleno

    funcionamento desse mercado: a reduo dos custos para alcanar os nichos (ANDERSON,

    2006). A soluo do problema est no uso conciso das trs foras da Cauda Longa: a

    democratizao das ferramentas de produo, a democratizao da distribuio e a ligao

    entre a oferta e a demanda.

    A democratizao das ferramentas de produo, oriunda do acelerado desenvolvimento

    tecnolgico das ltimas dcadas, disponibilizou os equipamentos e programas usados para

    produo de msicas que, antes, eram artigos exclusivos dos grandes estdios.

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    O melhor exemplo disso o computador pessoal [...]. O poder do PC significa que asfileiras de produtores [...] aumentaram milhares de vezes. [...] A GarageBand da Apple[...] cumprimenta o usurio com a sugesto Grave seu prximo grande hit, e fornece asferramentas para fazer isso (ANDERSON, 2006, p. 52 e 60).

    Um dos efeitos desse processo o aumento da quantidade de produtos lanados na WEB

    diariamente. Segundo as estatsticas usadas por Anderson (2006), em 2004, a produo de

    msicas chegou a aproximadamente 44 mil ttulos. Em 2005, esse nmero subiu para 60 mil.

    Embora se crie uma saturao de novos produtos, o efeito positivo, visto que o talento no

    universal, mas revela-se bastante difuso: d a uma quantidade bastante grande de pessoas a

    capacidade de criar e da sem dvida surgiro obras de valor. [...] Vez por outra, o talento

    acabava conquistando acesso s ferramentas de produo; agora o contrrio (ANDERSON,

    2006, p. 52 e 61).

    A forma de se pensar a economia, nos mercados de nicho, tambm diferenciada. A cabea

    da cauda trabalha com nmero muito elevado de cifras. Portanto, as grandes empresas no

    podem arriscar ou darem-se ao luxo de lanar um produto por demais diferenciado. O saldo

    dos investimentos dos grandes hits deve ser satisfatrio. A economia sempre vir antes da

    criatividade (ANDERSON, 2006). J no mercado de nicho, onde os custos de produo e

    distribuio so praticamente zero, o lucro medido por meio da reputao, que pode ser

    convertida em outras coisas de valor: trabalho, estabilidade, pblico e ofertas lucrativas de

    todos os tipos (ANDERSON, 2006, p. 71).

    A internet ferramenta vital para a segunda fora, a democratizao da distribuio. O fato

    de qualquer um ser capaz de produzir contedo s significativo se outros puderem desfrut-

    lo. O PC transformou todas as pessoas em produtores e editores, mas foi a internet que

    converteu todo o mundo em distribuidores (ANDERSON, 2006, p. 53). na WEB que estoos mais importantes agregadores da Cauda Longa. O iTunes e outros sites de vendas de

    msica, como o Sonora, so chamados agregadores de bens digitais, pois trabalham

    exclusivamente com msicas no formato digital, intangveis. O MySpace, por sua vez, um

    agregador de comunidades ou pessoas. Anderson (2006) afirma que, quanto mais uma

    empresa agregadora on-line digitaliza o seu estoque, maior a capacidade de prolongamento

    da Cauda Longa. Um estoque formado apenas por bens digitais (como o caso do iTunes e do

    Sonora), tem, consequentemente, uma capacidade de estoque muito maior, ou quase infinita.

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    A terceira fora, a ligao entre a oferta e a demanda, diz respeito aos novos formadores de

    preferncias. Durante boa parte do sculo XX, o rdio era o nico meio de transformar um

    lbum em grande sucesso. Na dcada de 1980, veio a MTV e os videoclipes, tornando-se a

    segunda maneira de divulgar um lbum de sucesso. E agora? Como comercializar msicas?

    As gravadoras sabem que a resposta est on-line, explorando as foras da propaganda bocaa boca que esto substituindo o marketing tradicional na criao de demanda. [...] A f na

    propaganda e nas instituies que pagam por ela est diminuindo aos poucos, enquanto acrena nos indivduos encontra-se em ascenso. As pessoas confiam em outras pessoasiguais a elas. [...] O coletivo agora controla a mensagem. [...] As formigas tm megafones(ANDERSON, 2006, p. 96-97).

    A propaganda boca a boca amplificada o trunfo da terceira fora (ANDERSON, 2006). E os

    sites de vendas de msica digital e as rdios on-line j sabem disso. Para tanto, eles criaramdiversos tipos de medidores de audincia. Por meio dos dados pessoais dos clientes, das

    quantidades de acessos dos mesmos em determinadas msicas e dos espaos oferecidos para

    comentrios sobre a faixa, possvel fazer o perfil e a faixa etrias de ouvintes de

    determinada banda. O termo [...] que se aplica s recomendaes e a todas as outras

    ferramentas que o ajudam a encontrar qualidade na Cauda Longa filtros. [...] O principal

    efeito dos filtros ajudar as pessoas a se deslocar do mundo que conhecem ('hits') para o

    mundo que no conhecem ('nichos') (ANDERSON, 2006, p. 107). Os filtros ajudam tanto asgravadoras, que erram muito menos ao lanar um artista novo num mercado j decadente,

    quanto o consumidor, que orientado a selecionar o que realmente de boa qualidade em

    meio absurda quantidade de produtos ao longo da cauda.

    De acordo com Anderson (2006), os filtros sempre existiram. Em um mercado de escassez,

    necessria uma triagem inicial, que faa chegar s prateleiras apenas aquilo que pode gerar

    lucro e sucesso. Porm, os primeiros filtros (ou pr-filtros) trabalhavam com previses. Asrecomendaes, as tecnologias de busca e os blogs conceituados so considerados ps-filtros,

    cujo papel encontrar o melhor entre o que se encontra nas respectivas reas de interesse,

    destacando o bom [...] e relegando ou mesmo ignorando o ruim. [...] Esses ps-filtros so a

    voz do mercado (ANDERSON, 2006, p. 120).

    A primeira fora, democratizao da produo, povoa a cauda. A segunda fora,democratizao da distribuio, disponibiliza todas as ofertas. [...] S quando essa terceirafora, que ajuda as pessoas a encontrar o que querem nessa nova superabundncia de

    variedades, entra em ao que o potencial do mercado da Cauda Longa de fato liberado(ANDERSON, 2006, p. 105).

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    Assim, o mercado de nicho tambm desestabilizou o monoplio das gravadoras. Para

    Anderson (2006) e Herschmann (2010), as majorsexistem para exercer, basicamente, quatro

    funes: descobrir talentos, financi-los e cuidar da distribuio e marketing quando do

    lanamento do trabalho musical dos mesmos. Pela internet, uma banda desconhecida do

    grande pblico capaz de, sozinha, se fazer descobrir (por meio do uso de MySpace, blogs,

    malas diretas para o e-mail de amigos e produtores musicais, Twitter etc); com a reduo dos

    custos de produo e do surgimento de estdios caseiros, a prpria banda pode investir capital

    na gravao de msicas para divulgao e distribuio (viral, por e-mail,MySpace) e divulgar

    sua prpria msica.

    2.3.3.3 A nova lgica de mercado

    Os hits, antes de qualquer pressuposto, so a base da indstria do entretenimento. Essa, por

    sua vez, est inserida na economia, e intimamente ligada ao fator escassez. Um canal de

    televiso, acontea o que acontecer, ter disponveis 24 horas por dia para alocar sua grade de

    programao. No cinema de um shopping, o mesmo sistema: uma quantidade 'X' de salas para

    comportar as dezenas de filmes que chegam ao mercado todo ms. No seria diferente com as

    lojas de discos e as prateleiras.

    As empresas responsveis pela produo de um bem cultural (um disco, por exemplo)

    investem quantia exorbitante de dinheiro para fazer com que seu projeto gere lucros: pagam

    por um estdio de gravao, contratam os melhores profissionais do ramo (produtores,

    engenheiros de gravao, mixagem e masterizao), buscam a prensagem do disco, assim

    como sua publicidade e, claro, pagam pelo uso das prateleiras das lojas. Diante disso, apenas

    os artistas que vendem bem permanecem de p. A qualidade relegada segunda posio,pois no importa que tenham sido aclamados pela crtica ou que tenham sido ouvidos ou

    vistos por milhes de pessoas. Se no recuperarem o dinheiro neles investido vrias vezes,

    no esto cumprindo a misso de sustentar o resto do portflio. (ANDERSON, 2006, p. 37).

    O mercado de nicho, por sua vez, ultrapassa com facilidade todos esses embates. Em vez de

    economia de escassez, economia de abundncia. Mas, para Anderson (2006), ainda assim, o

    mercado de hits no foi, nem ser totalmente suprimido; ele ainda possui tarefas importantes,

    mesmo nessa nova lgica de mercado. Nenhum indivduo vive todo o tempo na internet, e,

    por mais que se esquea, ainda parte de um mundo fsico, de relacionamentos presenciais. E,

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    quando querem se encontrar para jogar conversa fora, geralmente recorrem aos produtos

    culturais de massa de contedos mais gerais.

    E, mesmo na cultura de nichos, os campees de vendas funcionam como um farol para

    iluminar a descida pela cauda (ANDERSON, 2006). Quando uma pessoa cria uma conta no

    MySpace, por exemplo, inicialmente ela adiciona como amigos as bandas do mainstream, e

    analisando a rede de amigos dessa banda que o usurio passa a procurar novos sons.

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    3. JORNALISMO CULTURAL EM REVISTA

    3.1 Jornalismo e vida social

    Beltro (1992) define jornalismo, antes de tudo, como informao. Informao, bem

    entendida, de fatos atuais, correntes, que meream o interesse pblico, porque, informar sobre

    fatos passados, fazer histria (BELTRO, 1992, p. 65-66). Para tanto, orientao e direo

    so atributos essenciais. A obra jornalstica diria, por isso: os fatos devem noticiados

    periodicamente aos indivduos.

    Entre todas as atividades humanas, nenhuma responde tanto a uma necessidade do espritoe da vida social quanto o jornalismo. prprio da nossa natureza informar-se e informar,reunir a maior soma de conhecimentos possvel do que ocorre no nosso grupo familiar, nasvizinhanas, na comunidade em que vivemos, entre os povos que nos rodeiam e, mesmo,nos mais longnquos rinces do mundo. Atravs desse conhecimento dos fatos, o homemcomo que alimenta o seu esprito e, fortalecendo-se no exame das causas e consequnciasdos acontecimentos, sente-se apto a ao (BELTRO, 1992, p. 33).

    Frana (1998) trata o jornalismo como fenmeno de linguagem tendo sua materialidade

    originada a partir do discurso inscrito em suas pginas, e nasce a partir da vontade de dizer e

    expressar o outro e ao outro os diversos acontecimentos do mundo. , portanto, uma fora que

    influi na sociabilidade do homem.

    A imprensa escrita resultado tanto do avano tecnolgico quanto das necessidades criadas

    com a modernizao do mundo ocidental (FRANA, 1998). Os movimentos sociais, tais

    como a Reforma, o Iluminismo, a Reforma Protestante e o surgimento do capitalismo

    trouxeram melhorias sociedade, como a alfabetizao, a cinciamelhorando setores como

    o da sade, o entretenimento etc. A comunicao, por conseguinte, tambm evoluiu. J no

    era possvel reportar tantas informaes numa conversa informal. As reas onde se

    estabeleciam as relaes sociais ampliaram-se, e, no final do sculo XVI e durante o sculo

    XIX, surgiram as primeiras publicaes peridicas.

    Em meados do sculo XIX, porm, os grandes jornais (chamados de imprensa de baixo

    preo) passam a circular nas cidades e ganham a admirao de muitos leitores. Inaugura-se,

    assim, a imprensa regulada pelo mercado, e no mais pela simples panfletagem. O jornal

    torna-se mercadoria e suas notcias so redigidas mediante tcnica elaborada, de fcil

    compreenso e criativa. Surgem, desse modo, o jornalismo e a comercializao da

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    informao. Embora faa parte de um sistema mercadolgico, o jornalismo no apenas a

    venda da informao, mas a evoluo da forma de se fazer comunicao, que sempre existiu

    de acordo com os aparatos disponveis em cada poca.

    O mercado uma das esferas aptas a determinar as caractersticas do jornalismo atual. No a

    nica, porm; ele o espao mesmo de circulao da informao, mas no constitui sua

    pulso de origem. Dito de outra forma, a sociedade industrial moderna no inaugurou as

    relaes de informao; ela desenvolveu novas necessidades e moldou novas formas de

    atend-las. [...] O jornalismo assim, de fato, o comrcio (e no a comercializao) da

    informao, a palavra que desde sempre a sociedade dirige a ela mesma, a propsito dela

    mesma (FRANA, 1998, p. 27).

    3.2 O jornalismo dito cultural

    3.2.1 Afinal, o que cultura?

    O conceito de cultura , talvez, um dos mais discutidos pelos tericos. Entre as diversas

    respostas encontradas, algumas melhor definem o conceito dentro da lgica da comunicao.Para Santos (2010), compreender a cultura uma das maiores preocupaes contemporneas,

    pois assim podemos entender os passos da humanidade ao longo dos sculos.

    Segundo Morin (2011), a cultura responsvel pelo condicionamento dos indivduos, desde a

    juventude, de forma a prepar-los para a vida em sociedade.

    Uma cultura orienta, desenvolve, domestica certas virtualidades humanas, mas inibe ou

    probe outras. H fatos de cultura que so universais [...] mas as regras e modalidades dessaproibio diferenciam-se segundo as culturas. [...] H, de um lado, uma cultura que define,em relao natureza, as qualidades propriamente humanas do ser biolgico chamadohomem, e, de outro lado, culturas particulares segundo pocas e sociedades (MORIN, 2011,

    p. 5).

    Thompson (2007) afirma que o conceito de cultura possui histria prpria e j foi alvo do

    estudo de vrios pensadores, o que contribui para a sua constante reformulao. O primeiro

    deles surgiu no sculo XVIII, entre os filsofos e historiadores alemes, que trabalhavam com

    o conceito de cultura baseado no processo de desenvolvimento intelectual ou espiritual doindivduo a concepo clssica de cultura. No fim do sculo XIX, com o surgimento da

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    disciplina de antropologia, o conceito de cultura, como no podia deixar de ser, ganhou ares

    antropolgicos e diversas concepes distintas. Thompson (2007) cita dois deles: a concepo

    descritivae a concepo simblica.

    Na concepo descritiva, a descrio etnogrfica das sociedades no-europeias o foco. Para

    tanto, foi usada abordagem ampla, baseada no exame dos costumes, habilidades, artes,

    ferramentas, religio etc., de vrios povos e tribos. Como resultado, a cultura de um grupo ou

    sociedade o conjunto de crenas, costumes, ideias e valores, bem como os artefatos, objetos

    e instrumentos materiais, que so adquiridos pelos indivduos enquanto membros de um

    grupo ou sociedade (THOMPSON, 2007, p. 173).

    A concepo simblicabaseia-se na capacidade dos seres humanos de produzirem, receberem

    e codificarem smbolos, sejam eles expresses lingusticas, usadas na comunicao, ou

    expresses no lingusticas (uma obra de arte, por exemplo). A partir deste princpio,

    Cultura o padro de significados incorporados nas formas simblicas, que inclui aes,manifestaes verbais e objetos significativos de vrios tipos, em virtude das quais osindivduos comunicam-se entre si e partilham suas experincias, concepes e crenas(THOMPSON, 2007, p. 176).

    Thompson (2007) aponta equvocos nas duas anlises e prope uma terceira definio, mais

    completa e baseada no carter simblico dos fenmenos culturais e na importncia do

    contexto social para que eles adquirissem valor e significado. A concepo estrutural da

    cultura, portanto,

    o estudos das formas simblicas isto , aes, objetos e expresses significativas devrios tiposem relao a contextos e processos historicamente especficos e socialmente

    estruturados dentro dos quais, e por meio dos quais, essa formas simblicas so produzidas,transmitidas e recebidas (THOMPSON, 2007, p. 181).

    A partir da contextualizao que cada cultura d aos smbolos que a formam, ocorre o que

    Thompson (2007) denomina processos de valorizao, que pode se desmembrar em duas

    formas que, embora antagnicas, so interligadas pelas indstrias da mdia. Um objeto,

    portanto, pode receber tanto o valor simblico (originado do apreo dos produtores e

    consumidores da obra) quanto o valor econmico (quando atribudo aos objetos de valor

    simblico um valor, para que estes possam ser trocados no mercado ou comercializados).Quando a valorizao econmica ocorre, o objeto ganha statusde bem simblico. Em ambas

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    as valorizaes, ocorrem conflitos: um objeto pode ter mais apreo ou valor, dependendo da

    cultura na qual se insere.

    A aquisio de valor simblico, quando atribudo por outros ou quando derivado do prestgioacumulado de seu produtor, pode aumentar o valor econmico de um bem simblico

    (THOMPSON, 2007, p. 205). So instauradas, ento, diversas estratgias de valorizao.

    Trata-se das armas de guerra usadas pelas indstrias da mdia para o consumo de cultura entre

    os indivduos.

    H uma cultura veiculada pela mdia cujas imagens, sons e espetculos ajudam a urdir otecido da vida cotidiana, dominando o tempo de lazer, modelando opinies politicas e

    comportamentos sociais, e fornecendo o material com as pessoas forjam sua identidade. Ordio, a televiso, o cinema e os outros produtos da indstria cultural fornecem os modelosdaquilo que significa ser homem ou mulher, bem-sucedido ou fracassado, poderoso ouimpotente. [] A cultura veiculada pela mdia fornece o material que cria as identidades

    pelas quais os indivduos se inserem nas sociedades tecnocapitalistas contemporneas,produzindo uma nova forma de cultura global (KELLNER, 2001, p. 9).

    Kellner (2001) define a cultura ditada pela mdia como industrial, ou seja, opera a partir de

    mtodos de produo em larga escala, gerando diversos produtos culturais, cada um com suas

    caractersticas especficas e pblico alvo definido. , portanto, uma cultura comercial, que

    visa o lucro. Morin (2011) afirma que, de todas as culturas existentes, a cultura de massa

    aquela que passeia por todas as outras e retira delas suas caractersticas. A cultura de massa

    uma cultura: ela constitui um corpo de smbolos, mitos e imagens concernentes vida prtica

    e vida imaginria. Ela se acrescenta cultura nacional, cultura humanista, cultura

    religiosa, e entra em concorrncia com essas culturas (MORIN, 2011, p. 6).

    Kellner (2001), porm, confirma a importncia da crtica, por parte do indivduo, para que o

    mesmo tenha discernimento na hora de escolher um produto cultural para seu consumo. Aatitude cega de apenas receber o que a cultura miditica considera como bom, sem o uso de

    um olhar mais apurado sobre a obra, deve ser condenada. Por isso, a importncia dos meios de

    comunicao que tratam de criticar de forma consistente esse mundo cada vez mais

    contagiante do entretenimento.

    3.2 O jornalismo cultural

    O ano de 1711 pode ser considerado o marco inicial do jornalismo cultural. Segundo Piza

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    (2004), nesse ano, dois ensastas ingleses, Richard Steele e Joseph Addison, fundaram a

    revista diria The Spectatorcom a finalidade de tornar a filosofia um assunto discutido tanto

    em universidades quanto em bares. A publicao tratava de todos os assuntoslivros, peras,

    msica, comportamento. O ensasmo e a crtica, porm, s foram se tornar grande influncia

    em meados do sculo XIX. E foi nesse mesmo sculo que o jornalismo cultural chegou tanto

    nos EUA quanto no Brasil.

    A arte moderna, enfim, j derrubava muros e o jornalismo cultural comeara a se renovar.[] A modernizao da sociedade transformou tambm a imprensa, [] o jornalismocultural tambm esquentou: descobriu a reportagem e a entrevista, alm de uma crtica dearte mais breve e participante. (PIZA, 2004, p. 18-19).

    Segundo Cunha, Teixeira e Magalhes (2002), o conceito de cultura, abordado em jornalismo

    cultural, bem mais restrito em relao aos conceitos de leitura descritos acima. O JC tende

    a optar por um conceito mais restrito de 'cultura', que se concentra nas atividades artsticas e

    no entretenimento (CUNHA; TEIXEIRA; MAGALHES, 2002, p. 4).

    3.2.2.1 Algumas sees do jornalismo cultural

    3.2.2.1.1 As colunas de opinio

    Esta seo marcada, principalmente, pela possibilidade de o jornalista escrever num tom

    mais solto, como um dirio de suas opinies e reflexes, ate porque lida tambm com a

    continuidade do leitor, que, ao mesmo tempo em que discorde bastante das posies do

    colunista, vai sendo cativado por aquela espcie de amizade intelectual (PIZA, 2004, p.

    79). Uma das preocupaes que o colunista deve ter, como afirma Piza (2004), o de no

    abordar assuntos banais, ou dizer o que todos os outros colunistas dizem. O espao reservado coluna, em uma publicao impressa, um tanto reduzido para que se perca tempo com

    temas irrelevantes.

    3.2.2.1.2 A reportagem

    Por ter menor relao com as notcias quentes, a reportagem cultural est ligada agenda de

    lanamentos e eventos. Enquanto outros cadernos lidam com o presente ou passado, areportagem cultural visa o futuro. Tal premissa pode ser quebrada, contudo, quando o assunto

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    do texto diz respeito, por exemplo, aos processos culturais. Piza (2004) reafirma que, como

    em outras modalidades de textos culturais, o sucesso de uma reportagem passa pelo caminho

    de uma pauta bem produzida, do conhecimento prvio do assunto por parte do jornalista, alm

    de sua criatividade e imparcialidade na abordagem. Seu objetivo central levar uma

    novidade ao leitor (PIZA, 2004, p. 81).

    J nas matrias de apresentao, cujo objetivo apresentar ao leitor algo at ento

    desconhecido (uma banda, por exemplo), a subjetividade bem-vinda. O jornalista pode

    apresentar mais do seu olhar na matria, alm de suas impresses pessoais, como forma de

    explicar ao leitor a relevncia do tema, tomando ares de narrador.

    3.2.2.1.3 Perfis e entrevistas

    O perfil um tipo de reportagem interpretativa, que, comumente, exige grande espao nas

    publicaes,

    Mas pode ser leitura saborosa quando consegue contar passagens relevantes da vida ecarreira do entrevistado, colher suas opinies em assuntos importantes, ouvir o que dizemdele os amigos e os inimigos, mostrar como faz e o que faz. [...] o bom perfil nunca esquece

    que aquele criador esta em destaque pelo que fez ou pela reputao que ganhou fazendo oque fez. intimista, sem ser evasivo; e interpretativo, sem ser analtico (PIZA, 2004, p. 84).

    No caso das entrevistas (na forma de perguntas e respostas, ou pingue-pongue), o jornalista

    tem de estar preparado, para, assim, evitar pedir informaes de pesquisas bsicas sobre o

    entrevistado. (PIZA, 2004). Tambm no se deve fugir das perguntas contestadoras e, caso

    alguma seja mal respondida, preciso ser incisivo e buscar respostas adequadas do

    entrevistado. Perguntas repetitivas, que todo jornalista pergunta, devem ser evitadas. As

    respostas a elas devem ser buscadas no momento de pesquisa.

    3.2.2.2 A questo da crtica

    Ao se produzir a crtica de um produto, a imprensa deve abandonar o costume de apenas

    endossar aquilo que supem ser de interesse do seu pblico (PIZA, 2004). necessrio elevar

    uma obra consistente, mas, a princpio, desconhecida, ao patamar de novo sucesso. Piza

    (2004) discute certos tipos de resenha, encontradas no atual jornalismo cultural: aimpressionista, em que o autor relata suas reaes imediatas diante da obra, fazendo uso de

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    adjetivos para sua qualificao; a estruturalista, que aborda os aspectos estruturais da obra,

    apresentando pontos de referncia concretos para uma discusso acerca da mesma; a que se

    baseia, antes da obra em si, num retrospecto da carreira do artista, trazendo tona o debate

    sobre o conhecimento ou desconhecimento do autor, ou o porqu de tanto sucesso ou

    insucesso. Por ltimo, aparece a resenha com apelo sociolgico, mais interessada em discutir

    o tema proposto pela obra do que a obra em si.

    Mas o que deve ter um bom texto crtico? Primeiro, [] clareza, coerncia, agilidade.Segundo, deve informar ao leitor o que a obra [...], resumindo sua histria, suas linhasgerais. [...] Terceiro, deve analisar a obra de modo sinttico mas sutil, [...] evitando o tomde balano contbil ou a mera atribuio de adjetivos. At aqui, tem -se uma boa resenha.Mas h um quarto requisito, [...] que a capacidade de ir alm do objeto analisado, de us-lo para uma leitura de algum aspecto da realidade, de ser ele mesmo, o crtico, um autor,um intrprete do mundo (PIZA, 2004, p. 70).

    A figura do crtico cultural, segundo Cunha (2009), passou a ter relevncia entre os sculos

    XVI e XVIII. A classe burguesa estava em ascenso, e, por no ser nobre de bero, mantinha-

    se privada do acesso s obras culturais. Coube ao crtico cultural ( poca, crtico judicial,

    visto que apenas dizia se aquela obra era de valor ou no), geralmente da prpria aristocracia,

    ocupar o cargo de mediador. A presena do juiz tambm se tornou vlida para os artistas, que

    viam seus antigos colaboradores perderem poder econmico.

    Percebia-se, desde ento, o problema relacionado cultura, tambm abordado por Piza

    (2004): a submisso de uma classe dita inferior (que abdica de seus gostos pessoais), por uma

    classe dita superior, que introduz sua bagagem cultural como sendo a de nico valor.

    Com relao aos artistas, tratava-se de uma postura claramente restritiva, na medida em quenegava valor s obras que no se enquadravam. Com relao ao pblico, tratava-se de uma

    postura elitista, na medida em que apenas um pequeno circulo de espritos eleitos,

    devidamente familiarizados com as regras, era considerado apto para reconhecer o valor deuma obra artstica (CUNHA, 2009, p. 6).

    A quantidade de pautas em relao ao tempo escasso, o deadlinebastante exguo e a disputa

    de espao com outros gneros jornalsticos em uma publicao so alguns dos fatores

    expostos por Cunha (2009) para explicar as fracas resenhas crticas encontradas no jornalismo

    cultural. Somados a esses, o jornalista ainda deve ter a preocupao de rechear o texto com

    conceitos especficos e densos, visto que a crtica ser apreciada por uma gama de leitores de

    diversas camadas intelectuais, em grande parte por aqueles que procuram apenas por umaorientao sobre qual obra ele deve assistir ou escutar primeiro.

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    Cunha (2009) afirma que a maioria das crticas produzidas atualmente so de carter apenas

    jornalstico, ou seja, um texto opinativo sobre uma obra cultural com o intuito apenas de dizer

    se ela boa ou no. Mas h outra crtica, a acadmica, em que a avaliao de uma ob ra s

    faz sentido dentro do contexto em que ela foi criada []. O critrio primordial deixa de ser o

    belo [...] em favor de conceitos como autenticidade e de qualidade, que no podem ser

    deduzidos de [...] modelos estticos (CUNHA, 2009, p. 9).

    Cunha (2009) prope que o critico cultural abandone as amarras criadas pela rotina da

    redao e brigue por um espao que lhe permita fazer uma crtica usando um meio termo

    dessas duas concepes: um texto complexo, que contextualize a obra e proponha reflexes,mas que tambm seja sedutor, leve, que apresente atrativos para o leitor. Abre-se mo [...] da

    profundidade, da densidade conceitual, porm isso feito em favor de um maior alcance de

    suas ideias (CUNHA, 2009, p. 12).

    3.2.2.3 Os problemas do jornalismo cultural

    Atualmente, porm, o jornalismo cultural passa por dificuldades. Seduzido pelas criaes damdia cultural, as pginas das revistas e jornais esto repletas de produtos culturais, de crticas

    rasas, de reportagens que falam apenas do artista ou autor da obra, fazendo dele um produto

    de destaque muito maior que sua prpria obra. o que Cunha e Teixeira (2007) definem

    como a lgica do iceberg: a imprensa trata apenas dos produtos culturais, esquecendo -se

    dos processos culturais (os fatores que fazem um produto ascender superfcie cultural), que

    ficam submersos, agindo s escuras.

    Hoje em dia no existe mais critica cultural na grande imprensa. O que se encontra nosjornais e revistas so apenas textos curtos e superficiais, s vezes meramente informativos,prximos de um release, outras vezes recheados de achismos, com pouca ou nenhumaopinio formada (CUNHA, 2009, p. 1).

    Piza (2007), ao mesmo tempo em que confirma os cadernos e revistas culturais como os

    impressos mais procurados pelos leitores, reconhece o momento crtico, promovido, segundo

    ele, pela forma relapsa com que os profissionais tm lidado com o verdadeiro sentido do

    ofcio jornalismo: