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Deleuze, G. L’épuisé.
Deleuze, G. Lpuis. Traduo para o portugus de Lilith C. Woolf e Virginia Lobo. Paris: Minuit, 1992.
O esgotado Gilles Deleuze I O esgotado muito mais do que o cansado. No apenas cansao, no estou mais apenas cansado, apesar da subida.1 O cansado no dispe mais de qualquer possibilidade (subjetiva): no pode, portanto, realizar a mnima possibilidade (objetiva). Mas esta ltima permanece, porque nunca se realiza todo o possvel, faz-se, inclusive, nasc-lo, na medida em que se o realiza. O cansado apenas esgotou a realizao, enquanto o esgotado esgota todo o possvel. O cansado no pode mais realizar, mas o esgotado no pode mais possibilitar. Farei o possvel, como sempre, no podendo ser de outro modo.2 No h mais possvel: um spinozismo obstinado. Ele esgota o possvel porque ele prprio esgotado, ou ele esgotado porque esgotou o possvel? Ele se esgota ao esgotar o possvel, e inversamente. Esgota o que no se realiza no possvel. Acaba com o possvel, para alm de todo cansao, para acabar de novo. Deus o originrio ou o conjunto de toda possibilidade. O possvel no se realiza a no ser no derivado, no cansao, enquanto se esgotado antes de nascer, antes de realizar ou de realizar seja o que for (renunciei antes de nascer).3 Quando se realiza um possvel, em funo de certos objetivos, projetos e preferncias: calo sapatos para sair e chinelos para ficar em casa. Quando falo, quando digo, por exemplo, dia, o interlocutor responde: possvel..., pois ele espera saber o que pretendo fazer do dia: vou sair porque dia...4 A linguagem enuncia o possvel, mas o faz preparando-o para uma realizao. E, sem dvida, posso utilizar o dia para ficar em casa; ou ento posso ficar em casa graas a um outro possvel ( noite). Mas a realizao do possvel procede sempre por excluso, pois ela supe preferncias e objetivos que variam, sempre substituindo os precedentes. So essas variaes, essas substituies, todas essas disjunes exclusivas (a noite-o dia, sair-voltar...) que acabam por cansar. Bem diferente o esgotamento: combinam-se variveis de uma situao, sob a condio de renunciar a qualquer ordem de preferncia e a qualquer organizao em torno de um objetivo, a qualquer significao. No mais para sair nem para ficar, e no se utilizam mais dias e noites. No mais se
realiza, ainda que se execute algo. Sapatos: sai-se; chinelos: fica-se. No se cai, entretanto, no indiferenciado, ou na famosa unidade dos contraditrios, e no se passivo: est-se em atividade, mas para nada. Estava-se cansado de alguma coisa, mas esgotado, de nada. As disjunes subsistem, e a distino entre termos , inclusive, cada vez mais grosseira, mas os termos disjuntos afirmam-se em sua distncia indecomponvel, pois no servem para nada salvo para fazer permutaes. Acerca de um acontecimento mais do que suficiente dizer que ele possvel, pois ele s ocorre por no se confundir com nada e por abolir o real por ele pretendido. No h existncia a no ser existncia possvel. noite, no noite; chove, no chove. Sim, fui meu pai e fui meu filho.5 A disjuno torna-se inclusiva, tudo se divide, mas por si mesmo, e Deus, o conjunto do possvel, se confunde com Nada, do qual cada coisa uma modificao. Simples jogos que o tempo entretm com o espao, ora com esses brinquedos, ora com aqueles outros.6 Os personagens de Beckett jogam com o possvel sem realizlo, eles tm muito a fazer, com um possvel cada vez mais restrito em seu gnero, para se preocupar com o que ainda vai ocorrer. A permutao das pedras para chupar em Molloy uma das passagens mais famosas. Desde Murphy, o heri se entrega combinao das cinco bolachas, mas sob a condio de ter superado qualquer ordem de preferncia e conquistar, assim, os cento e vinte modos da permutabilidade total: Derrotado por essas perspectivas, Murphy jogou-se de cara sobre a grama, ao lado dessas bolachas das quais se poderia dizer, to verdadeiramente quanto pode ser dito das estrelas, que cada uma era diferente da outra, mas as quais ele no poderia apreender em sua plenitude at que ele tivesse aprendido a no preferir uma a qualquer outra.7 I would prefer not to, seguindo a frmula beckettiana de Bartleby. E toda a obra de Beckett ser percorrida por sries exaustivas, isto , esgotantes, notadamente Watt, com sua srie de equipamentos (sapato-meias, botina-sapato-chinelo), de mveis (cmoda-penteadeira-mesa de cabeceira-toucador, de p-pernas para o ar-deitado de costas para cima-deitado de barriga para cima-deitado de lado, cama-porta-janela-fogo: quinze mil disposies).8 Watt o grande romance serial em que o Senhor Knott, sem outra necessidade que a de no ter necessidade, no reserva qualquer combinao a um uso particular que excluiria as outras combinaes, e para as quais seria preciso aguardar as circunstncias. A combinatria a arte ou a cincia de esgotar o possvel, por disjunes inclusivas. Mas apenas o esgotado pode esgotar o possvel, uma vez que ele renunciou a toda necessidade, preferncia, finalidade ou significao. S o
esgotado suficientemente desinteressado, suficientemente escrupuloso. Ele est certamente forado a substituir os projetos por tabelas e programas destitudos de sentido. O que conta para ele em qual ordem fazer aquilo que deve ser feito, e segundo quais combinaes fazer duas coisas ao mesmo tempo, quando ainda tiver necessidade, por nada. A grande contribuio de Beckett lgica a de mostrar que o esgotamento (a exaustividade) no funciona sem um certo esgotamento fisiolgico: um pouco como Nietzsche, quando mostrava que o ideal cientfico no funciona sem uma espcie de degenerescncia vital, por exemplo, no Homem da sanguessuga, o consciencioso de esprito que tudo queria conhecer do crebro da sanguessuga. A combinatria esgota seu objeto, mas porque seu sujeito , tambm ele, esgotado. O exaustivo e o exausto (exhausted). preciso estar esgotado para se dedicar combinatria, ou ento a combinatria que nos esgota, que nos leva ao esgotamento, ou os dois juntos, a combinatria e o esgotamento? H a, ainda, disjunes inclusivas. E pode ser como o avesso e o direito de uma mesma coisa: um sentido ou uma cincia aguda do possvel, junto, ou melhor, disjunto de uma fantstica decomposio do eu. O quanto vale para Beckett o que Blanchot disse sobre Musil: a mais elevada exatido e a mais extrema dissoluo; a troca indefinida de formulaes matemticas e a busca do informe ou do informulado.9 So os dois sentidos do esgotamento: preciso ambos para abolir o real. Muitos autores so demasiadamente polidos e se contentam em proclamar a obra integral e a morte do eu. Mas ficamos no abstrato enquanto no mostrarmos como , como se faz um inventrio, incluindo os erros, e como o eu se decompe, incluindo o mau cheiro e a agonia: assim Malone morre. Uma dupla inocncia, porque, como diz o/a esgotado/a, a arte de combinar ou a combinatria no culpa minha, um castigo do cu. Quanto ao resto, eu diria: no culpvel.10 Mais do que uma arte, trata-se de uma cincia que exige longos estudos. O combinador est sentado escrivaninha: [Devo agora compor minha alma, / Obrigando-a a estudar] / Em uma douta escola / At a runa do corpo, O lento enfraquecimento do sangue / O excruciante delrio / Ou a entorpecente decrepitude, / [Ou mal pior por vir / A morte de amigos, ou a morte / De todo brilhante olho / Que arrancou algum suspiro . / No parecem seno nuvens no cu / Quando o horizonte desaparece; / Ou o sonolento grito de um pssaro / No meio das crescentes sombras].11 No que a decrepitude ou o enfraquecimento venham interromper o estudo. Ao contrrio, realizam-no, tanto quanto o condicionam e o acompanham: o esgotado continua sentado escrivaninha,
cabea pendida repousando sobre as mos, mos assentadas sobre a mesa e cabea assentada sobre as mos, cabea rente mesa. Postura do esgotado, que Nacht und Trame retoma, ao desdobr-la. Os danados de Beckett formam, depois de Dante, a mais impressionante galeria de posturas, de modos de andar e de posies. E, sem dvida, Macmann observava que se sentia melhor sentado que em p e deitado melhor que sentado.12 Mas tratava-se de uma frmula que convinha mais ao cansao do que ao esgotamento. Deitar-se nunca o fim, a ltima palavra, a penltima, e corre-se o grande risco de ficar descansado demais, para poder, se no se levantar, ao menos, virar-se ou rastejar. Para deter aquele que rasteja, preciso coloc-lo num buraco, plant-lo num vaso, nos quais, no podendo mais agitar seus membros, agitar, entretanto, algumas lembranas. Mas o esgotamento no se deixa deitar e, quando chega a noite, continua sentado mesa, cabea cavada sobre mos prisioneiras, Cabea cada sobre mos atrofiadas. Sentado uma noite sua mesa a cabea sobre as mos [...].[...] levanta sua cabea desfalecida para ver suas desfalecidas mos, Crnio sozinho no escuro lugar fechado inclinado sobre uma tbua [...], As duas mos e a cabea formam um pequeno monte [...].13 a posio mais horrvel para se esperar a morte: sentado, sem poder se levantar nem se deitar, espreitando o golpe que nos far levantar uma ltima vez e nos deitar para sempre. Sentado, custa-se a crer, no se pode agitar sequer uma lembrana. Desse ponto de vista, a cano de ninar ainda imperfeita: preciso que ela se detenha. Poderia ser feita uma distino entre a obra deitada de Beckett e a obra sentada, nica e ltima. que entre o esgotamento sentado e o cansao deitado, rastejante ou parado, existe uma diferena de natureza. O cansao afeta a ao em todos os seus estados, enquanto o esgotamento concerne apenas ao testemunho amnsico. O sentado o testemunho em torno do qual o outro gira, ao desenvolver todos os graus de seu cansao. Ele est ali antes de nascer, e antes que o outro comece. Ter havido um tempo em que eu tambm girava assim? No, estive sempre sentado neste mesmo lugar [...].14 Mas por que o sentado est espreita das palavras, das vozes, dos sons? A linguagem nomeia o possvel. Como se poderia combinar o que no tem nome, o objeto = X? Molloy encontrase diante de uma pequena coisa inslita, feita de dois X reunidos, na altura da interseco, por uma barra15, igualmente estvel e indiscernvel sobre suas quatro bases. provvel que os arquelogos futuros, se o encontrarem em nossas runas, vero nele, conforme seu costume, um objeto
de culto utilizado nas preces ou nos sacrifcios. Como entraria ele numa combinatria se no se tem seu nome: descansatalher? Entretanto, se a combinatria tem a ambio de esgotar o possvel com palavras, necessrio que ela constitua uma metalinguagem, uma lngua to especial, que as relaes entre os objetos sejam idnticas s relaes entre as palavras, e que as prprias palavras, conseqentemente, no proponham mais o possvel a uma realizao, mas dem ao possvel uma realidade que lhe seja prpria, precisamente esgotvel, Minimamente menos. No mais. Bem encaminhado para a inexistncia como para o zero o infinito.16 Chamemos lngua I, em Beckett, essa lngua atmica, disjuntiva, recortada, retalhada, em que a enumerao substitui as proposies, e as relaes combinatrias substituem as relaes sintticas: uma lngua de nomes. Mas, caso se espere, desse modo, esgotar o possvel com palavras, no menos preciso ter esperana de esgotar as prprias palavras: da a necessidade de uma outra metalinguagem, de uma lngua II, que no mais a dos nomes, mas a das vozes, que no procede mais por tomos combinveis, mas por fluxos misturveis. As vozes so as ondas ou os fluxos que conduzem e distribuem os corpsculos lingsticos. Quando se esgota o possvel com palavras, cortam-se e retalham-se tomos e, quando as prprias palavras so esgotadas, estacam-se os fluxos. este problema, o de agora acabar com as palavras, que domina desde O inominvel: um verdadeiro silncio, no um simples cansao de falar, pois no se trata absolutamente de guardar silncio, preciso ver tambm o tipo de silncio que se guarda.17 Qual seria a ltima palavra e como reconhec-la? Para esgotar o possvel, preciso remeter os possibilia (objetos ou coisas) s palavras que os designam por disjunes inclusivas, no interior de uma combinatria. Para esgotar as palavras, preciso remet-las aos Outros que as pronunciam, ou, antes, que as emitem, que as secretam, segundo fluxos que ora se misturam ora se distinguem. Esse segundo momento, muito complexo, no deixa de ter relao com o primeiro: sempre um Outro que fala, uma vez que as palavras no esperaram por mim e que no existe outra lngua a no ser a estrangeira; sempre um Outro o proprietrio dos objetos que ele possui ao falar. Trata-se sempre do possvel, mas de uma nova maneira: os Outros so mundos possveis, aos quais as vozes conferem uma realidade sempre varivel, conforme a fora que elas tm, e revogvel, de acordo com os silncios que elas fazem. Ora elas so fortes, ora fracas, at que elas se calam, em algum momento (de um silncio de cansao). Ora elas se separam e at mesmo se opem, ora se confundem. Os Outros, isto , os mundos possveis com seus
objetos, com suas vozes, que lhes do a nica realidade qual eles podem pretender, constituem histrias. Os Outros no tm outra realidade que no aquela que a sua voz lhes d, em seu mundo possvel.18 Murphy, Watt, Mercier e todos os outros, Mahood e consortes, Mahood e companhia: como acabar com eles, suas vozes e suas histrias? Para esgotar o possvel, nesse novo sentido, deve-se novamente, enfrentar o problema das sries exaustivas, ainda que sob o risco de cair em uma aporia. Seria preciso falar deles, mas como chegar a isso sem se introduzir a si prprio na srie, sem prolongar suas vozes, sem voltar a passar por eles, sem ser, um por um, Murphy, Molloy, Malone, Watt.. etc., e tornar a cair no inesgotvel Mahood? Ou ento, seria necessrio que eu chegasse a mim, no como a um termo da srie, mas como a seu limite, eu, o esgotado, o inominvel, eu, inteiramente s, sentado no escuro, transformado em Worm, o anti-Mahood, destitudo de toda voz, ainda que eu no pudesse falar de mim a no ser com a voz de Mahood e no pudesse ser Worm a no ser transformando-me de novo em Mahood.19 A aporia consiste na srie inegostvel de todos esses esgotados. Quantos somos afinal? E quem fala neste momento? E para quem? E de quem?. Como imaginar um todo que faa companhia? Como formar um todo com a srie, ao percorr-la para cima, para baixo, e com 2 se um fala ao outro, ou com 3 se um fala ao outro de um outro mais?20 A aporia encontrar sua soluo caso se considere que o limite da srie no est no infinito dos termos, mas talvez em qualquer lugar, entre dois termos, entre duas vozes ou variaes da voz, no fluxo, j atingido bem antes que se saiba que a srie se esgotou, bem antes de que seja informado que, desde h muito tempo, no h mais possvel, no h mais histria.21 Esgotado, h muito tempo, sem que se saiba, sem que ele saiba. O inegostvel Mahood e Worm, o esgotado, o Outro e eu, so o mesmo personagem, a mesma lngua estrangeira, morta. H, pois, uma lngua III, que no remete mais a linguagem a objetos enumerveis e combinveis, nem a vozes emissoras, mas a limites imanentes que no cessam de se deslocar, hiatos, buracos ou fendas, dos quais no se daria conta, sendo atribudos ao simples cansao, se eles no aumentassem de uma s vez, de maneira a acolher alguma coisa que vem de fora ou de algum outro lugar: Hiatos para quando as palavras se forem. Quando de nenhum modo ainda. Ento tudo visto como apenas ento. Desobscurecido. Todo o desobscurecido que as palavras obscurecem. Todo o assim visto desdito.22 Esse algo visto, ou escutado, chama-se Imagem, visual ou sonora, desde que liberada das cadeias em que as duas outras lnguas a mantm. No se trata mais de
imaginar um todo da srie com a lngua I (imaginao combinatria maculada pela razo), nem de inventar histrias ou de inventariar lembranas com a lngua II (imaginao maculada pela memria), ainda que a crueldade das vozes no pare de nos perfurar com lembranas insuportveis, com histrias absurdas ou com companhias indesejveis.23 muito difcil romper todas essas aderncias da imagem para atingir o ponto Imaginao Morta Imagine. muito difcil fazer uma imagem pura, no maculada, nada mais do que uma imagem, atingir o ponto em que ela surge em toda sua singularidade sem nada guardar de pessoal, nem tampouco de racional, e ao aceder ao indefinido como ao estado celestial. Uma mulher, uma mo, uma boca, dois olhos..., azul e branco... [du bleu et du blanc...], um pouco de verde com manchas de branco e de vermelho, uma extenso de campina com papoulas e ovelhas...: [...] pequenas cenas sim na luz sim mas no com freqncia no como se uma luz se acendesse sim como se sim [...] ele chama isso de vida em cima sim [...] no so memrias no [...].24 Fazer uma imagem, de tempos em tempos (est feito, fiz a imagem), a arte, a pintura, a msica, podem elas ter outra finalidade, ainda que o contedo da imagem seja bastante pobre, bastante medocre?25 Uma escultura de porcelana de Lichtenstein, de sessenta centmetros, ergue uma rvore de tronco marrom, com copa na forma de uma pequena bola verde, ladeada, direita e esquerda, por uma pequena nuvem e por uma nesga de cu, em alturas diferentes: que fora! No se exige mais nada, nem a Bram van Velde nem a Beethoven. A imagem um pequeno ritornelo, visual ou sonoro, quando chegada a hora: a hora preciosa.... Em Watt, as trs rs misturam suas canes, cada uma com sua cadncia prpria, Krak, Krek e Krik. As imagens-ritornelo percorrem os livros de Beckett. Em Primeiro amor, ele v uma nesga do cu estrelado oscilar, e ela canta baixinho. que a imagem no se define pelo sublime do seu contedo, mas por sua forma, isto , por sua tenso interna, ou pela fora que ela mobiliza para produzir o vazio ou fazer buracos, afrouxar o torniquete das palavras, secar a ressudao das vozes, para se desprender da memria e da razo, pequena imagem algica, amnsica, quase afsica, ora se sustentando no vazio, ora estremecendo no aberto.26 A imagem no um objeto, mas um processo. No se sabe a potncia de tais imagens, por mais simples que sejam do ponto de vista do objeto. Trata-se da lngua III, no mais a dos nomes ou das vozes, mas a das imagens, sonantes, colorantes. O que h de enfadonho na linguagem das palavras a maneira pela qual ela est sobrecarregada de clculos, de lembranas e de histrias: no
se pode evit-lo. certamente preciso, neste meio tempo, que a imagem pura se insira na linguagem, nos nomes e nas vozes. E, assim, talvez isso se d no silncio, por um silncio ordinrio, no momento em que as vozes parecem ter-se calado. Mas poder tambm se dar pelo sinal de um termo indutor, na corrente da voz, Bing. Bing imagem praticamente nenhuma quase nunca um segundo tempo sideral azul e branco ao vento.27 Pode tratar-se ainda de uma voz montona muito particular, como se predeterminada, preexistente, a de um Locutor ou Apresentador, que descreve todos os elementos da imagem por vir, mas qual falta ainda a forma.28 Ou, enfim, a voz consegue vencer suas repugnncias, suas aderncias, sua m vontade e, arrastada pela msica, torna-se fala, capaz de fazer, por sua vez, uma imagem verbal, como em um lied, ou de fazer a msica e a cor de uma imagem, como em um poema.29 A lngua III pode, pois, reunir as palavras e as vozes s imagens, mas segundo uma combinao especial: a lngua I era a dos romances, culminando com Watt; a lngua II traa seus caminhos mltiplos atravs dos romances (O inominvel), banha o teatro, explode no rdio. Mas a lngua III, nascida no romance (Como ), atravessa o teatro (Oh, os belos dias; Atos sem palavras; Catstrofe), encontra na televiso o segredo de sua montagem, uma voz pr-gravada para uma imagem em vias de, a cada vez, tomar forma. H uma especificidade da obra-televiso.30 Esse fora da linguagem no apenas a imagem, mas a vastido, o espao. Esta lngua III no procede apenas por imagens, mas por espaos. E, da mesma maneira que a imagem deve aceder ao indefinido, estando, ao mesmo tempo, completamente determinada, o espao deve ser sempre um espao qualquer, sem designao especfica [dsaffect], sem forma especfica [inaffect], ainda que seja, geometricamente, todo ele determinado (um quadrado, com tais lados e diagonais, um crculo com tais zonas, um cilindro com cinqenta metros de permetro e dezesseis de altura). Esse espao qualquer povoado, percorrido; ele, inclusive, que ns povoamos e percorremos, mas ele se ope a todas nossas extenses pseudoqualificadas, e se define sem aqui nem ali dos quais nunca se aproximaro nem se distanciaro um milmetro todos os passos da terra.31 Do mesmo modo que a imagem aparece quele que a faz como um ritornelo visual ou sonoro, o espao aparece quele que o percorre como um ritornelo motriz, posturas, posies e maneiras de andar. Todas essas imagens compem-se e decompem-se.32 Aos Bing, que desencadeiam imagens, misturam-se os Hop, que desencadeiam estranhos movimentos em direes espaciais. Uma maneira de andar no menos um ritornelo que uma
cano ou uma pequena viso colorida: entre outras, a maneira de andar de Watt, que vai em direo ao leste, girando o busto em direo ao norte e jogando a perna direita em direo ao sul e, depois, o busto em direo ao sul e a perna esquerda em direo ao norte.33 V-se que essa maneira de andar exaustiva, j que ela envolve ao mesmo tempo todos os pontos cardeais: o quarto ponto , evidentemente, a direo de onde se vem sem se distanciar. Trata-se de cobrir todas as direes possveis, indo, entretanto, em linha reta. Igualdade entre a reta e o plano, entre o plano e o volume. Isso significa dizer que a considerao do espao d um novo sentido e um novo objeto ao esgotamento: esgotar as potencialidades de um espao qualquer. O espao goza de potencialidades na medida em que torna possvel a realizao de acontecimentos: ele precede, pois, a realizao, e a prpria potencialidade pertence ao possvel. Mas no este tambm o caso da imagem, que propunha j uma maneira especfica de esgotar o possvel? Dir-se-ia, desta vez, que uma imagem, tal como ela se sustenta no vazio, fora do espao, mas tambm distncia das palavras, das histrias e das lembranas, armazena uma fantstica energia potencial que ela detona ao se dissipar. O que conta na imagem no o contedo pobre, mas a louca energia captada, pronta a explodir, fazendo com que as imagens no durem, nunca, muito tempo. Elas se confundem com a detonao, a combusto, a dissipao de sua energia condensada. Como partculas ltimas, elas nunca duram muito tempo, e o Bing desencadeia imagem praticamente nenhuma quase nunca um segundo. Quando o personagem diz Basta, basta, as imagens, no apenas porque est enojado delas, mas porque elas no tm outra existncia que a efmera. Nenhum azul mais fim do azul.34 No se inventar uma entidade que seria a Arte, capaz de fazer durar a imagem: a imagem dura o tempo furtivo de nosso prazer, de nosso olhar (fiquei trs minutos diante do sorriso do Professor Pater, a fitlo). 35 H um tempo para as imagens, um momento certo em que elas podem aparecer, inserir-se, romper a combinao das palavras e o fluxo das vozes, h uma hora para as imagens, quando Winnie sente que ela pode cantar a Hora preciosa, mas um momento bem prximo do fim, uma hora prxima da ltima. A cano de ninar um ritornelo motriz que tende para seu prprio fim, e nele precipita todo o possvel, ao ir cada vez mais rapidamente, cada vez mais lentamente, at, em breve, brusca parada. A energia da imagem dissipadora. A imagem acaba rapidamente e se dissipa, uma vez que ela prpria o meio de terminar. Ela capta todo o possvel para fazer o fim saltar. Quando se diz fiz a imagem que, desta
vez, acabou, no h mais possvel. A nica incerteza que nos faz continuar que mesmo os pintores, mesmo os msicos, nunca esto seguros de ter conseguido fazer a imagem. Que grande pintor no se disse, morte, que ele tinha fracassado em fazer uma nica imagem, ainda que pequena e bem simples? Ento, , sobretudo o fim, o fim de toda possibilidade, que nos ensina que fizramos, que acabramos de fazer a imagem. E o mesmo vale para o espao: se a imagem tem, por natureza, uma durao muito pequena, o espao tem, talvez, um lugar muito restrito, to restrito quanto o que aperta Winnie, no sentido em que Winnie dir: a terra justa, e Godard justo uma imagem. O espao mal acaba de ser feito e j se reduz a um buraco de agulha, tal como a imagem em um microtempo: uma mesma escurido, enfim esta certa escurido que sozinha pode certa cinza; bing silncio hop acabado.37 H, pois, quatro maneiras de esgotar o possvel: formar sries exaustivas de coisas, estancar os fluxos de voz, extenuar as potencialidades do espao, dissipar a potncia da imagem. O esgotado o exaustivo, o estancado, o extenuado e o dissipado. Os dois ltimos se unem na lngua III, lngua das imagens e dos espaos. Ela permanece em relao com a linguagem, mas se ergue ou se estira em seus buracos, seus desvios ou seus silncios. Ora, ela prpria opera em silncio, ora, serve-se de uma voz gravada que a apresenta e, bem mais que isso, fora as palavras a se tornarem imagem, movimento, cano, poema. Ela nasce, sem dvida, nos romances e nas novelas, passa pelo teatro, mas na televiso que atinge sua operao prpria, distinta das duas primeiras. Quad ser Espao com silncio e, eventualmente, msica. Trio do Fantasma ser Espao com voz apresentadora e msica... seno nuvens... ser Imagem com voz e poema. Nacht und Trume ser Imagem com silncio, cano e msica. II Quad, sem palavras, sem voz, um quadriltero, um quadrado. Ele , entretanto, perfeitamente determinado, tem certas dimenses, mas no tem outras determinaes que no sejam suas singularidades formais, vrtices eqidistantes e centro, sem outros contedos ou ocupantes a no ser os quatro personagens semelhantes que o percorrem sem parar. um espao qualquer fechado, globalmente definido. Os prprios personagens, baixos e magros, assexuados, encapuzados, no tm outra singularidade a no ser a de partir, cada um, de um vrtice, como se de um ponto cardeal se tratasse, personagens quaisquer que percorrem o quadrado, cada um seguindo um percurso e em direes dadas. Sempre se pode atribuir-lhes
uma luz, uma cor, uma percusso, um rudo dos passos que os distingam. Mas seria uma maneira de reconhec-los; eles no esto, em si mesmos, determinados a no ser espacialmente; eles no esto designados por nenhuma outra coisa que no seja sua ordem e sua posio. Trata-se de personagens sem designao [innafects] em um espao indesignvel [innaffectable]. Quad um ritornelo essencialmente motriz, tendo por msica o roar dos chinelos. Ratos, dir-se-ia. A forma do ritornelo a srie, que aqui no mais diz respeito a objetos a combinar, mas apenas a percursos sem objeto.1 A srie tem uma ordem, de acordo com a qual ela cresce e decresce, volta a crescer e a decrescer, seguindo a apario e a desapario dos personagens nos quatro cantos do quadrado: trata-se de um cnone. A srie tem um curso contnuo, seguindo a sucesso dos segmentos percorridos, um lado, a diagonal, um lado... etc. A srie tem um conjunto, que Beckett caracteriza assim: quatro solos possveis, todos assim esgotados; seis duos possveis, todos assim esgotados (dos quais dois por duas vezes); quatro trios possveis duas vezes, todos assim esgotados, um quarteto quatro vezes. A ordem, o curso e o conjunto tornam possvel o movimento, tanto mais inexorvel quanto ele sem objeto, como uma esteira transportadora que fizesse aparecer e desaparecer os mbiles. O texto de Beckett perfeitamente claro: trata-se de esgotar o espao. No h dvida de que os personagens se cansam, e seus passos se tornaro cada vez mais arrastados. Entretanto, o cansao diz respeito sobretudo a um aspecto menor do empreendimento: o nmero de vezes em que uma combinao possvel realizada (por exemplo, dois dos duos so realizados duas vezes; os quatro trios, duas vezes; o quarteto, quatro vezes). Os personagens cansam-se de acordo com o nmero de realizaes. Mas o possvel conclui-se, independentemente desse nmero, pelos personagens esgotados e que o esgotam. O problema : em relao a qu vai se definir o esgotamento, que no se confunde com o cansao? Os personagens realizam e se cansam nos quatro cantos do quadrado, nos lados e nas diagonais. Mas eles concluem e se esgotam no centro do quadrado, ali onde as diagonais se cruzam. Est ali, dir-se-ia, a potencialidade do quadrado. A potencialidade um duplo possvel. Trata-se da possibilidade de que um acontecimento, ele prprio possvel, se realize no espao considerado. A possibilidade de que alguma coisa se realize, e a de que algum lugar o realize. A potencialidade do quadrado a possibilidade de que os quatro corpos em movimento, que o povoam, se encontrem, aos 2, aos 3, aos 4, segundo a ordem e o curso da srie.2 O centro precisamente o ponto em que eles podem se encontrar; e seu
encontro, sua coliso, no um acontecimento entre outros, mas a nica possibilidade de acontecimento, ou seja, a potencialidade do espao correspondente. Esgotar o espao exaurir sua possibilidade, tornando todo encontro impossvel. A soluo do problema est, portanto, nesse leve desencaixe central, nesse requebro do corpo, nesse desvio, nesse hiato, nessa pontuao, nessa sncope, nesse rpido esquivar-se ou pequeno salto, que prev o encontro e o conjura. A repetio no retira nada do carter decisivo, absoluto, de um tal gesto. Os corpos, respectivamente, evitam-se, mas eles evitam o centro absolutamente. Eles requebram no centro para se evitar, mas cada um requebra, em solo, para evitar o centro. O que despotencializado o espao. Pista apenas suficientemente larga para nico corpo nunca dois a se cruzam.3 Quad est prximo de um bal. As concordncias gerais da obra de Beckett com o bal moderno so numerosas: o abandono de todo privilgio da estatura vertical; a aglutinao dos corpos para se manterem em p; a substituio das extenses qualificadas por um espao qualquer; a substituio de toda histria ou narrao por um gestus, como lgica de posturas e posies; a busca de um minimalismo; a apropriao, pela dana, do caminhar e de seus acidentes; a conquista de dissonncias gestuais... normal que Beckett exija dos caminhantes de Quad uma certa experincia da dana. No so apenas as caminhadas que o exigem, mas tambm o hiato, a pontuao, a dissonncia. Ele est prximo tambm de uma obra musical. Uma obra de Beethoven, Trio do fantasma, aparece em outra pea para televiso de Beckett e lhe d o ttulo. Ora, o segundo movimento do Trio, que Beckett utiliza, nos faz assistir composio, decomposio, recomposio de um tema com dois motivos, dois ritornelos. como o crescimento e o decrescimento de um composto mais ou menos denso, sobre duas linhas meldicas e harmnicas, superfcie sonora percorrida por um movimento contnuo, obcecante, obsessivo. Mas h tambm algo bem diferente: uma espcie de eroso central que se apresenta, inicialmente, como uma ameaa nos baixos, e se exprime no trilo ou na tremulao do piano, como se deixando a tonalidade por uma outra ou por nada, perfurando a superfcie, mergulhando numa dimenso fantasmtica em que as dissonncias viriam apenas pontuar o silncio. E exatamente o que Beckett enfatiza, cada vez que ele fala de Beethoven: uma arte das dissonncias inaudita at ento, uma tremulao, um hiato, uma pontuao de deiscncia, um acento dado pelo que se abre, se esquiva e se arruna, um desvio que no pontua mais que o silncio de um fim ltimo.4 Mas por que o Trio, se ele apresenta efetivamente
esses traos, no vem acompanhar Quad, com o qual combina to bem? Por que ele vai pontuar uma outra pea? Talvez porque no haja razo para Quad ilustrar uma msica que recebe um papel em outra parte, ao desenvolver diferentemente sua dimenso fantasmtica. Trio do fantasma compe-se de voz e msica. Ele ainda tem a ver com o espao, com a finalidade de esgotar suas potencialidades, mas de uma maneira inteiramente diferente de Quad. Inicialmente pensar-se-ia tratar-se de uma extenso qualificada pelos elementos que o ocupam: o cho, as paredes, a porta, a janela, o catre. Mas esses elementos so desfuncionalizados, e a voz os nomeia sucessivamente, enquanto a cmera os mostra em close, partes cinzas retangulares homogneas e homlogas de um mesmo espao, que se distinguem apenas pelas nuances de cinza: na ordem de sucesso, um recorte do cho, um recorte de parede, uma porta sem maaneta, uma janela opaca, um catre visto de cima. Esses objetos no espao so estritamente idnticos a partes de espao. Trata-se, pois, de um espao qualquer, no sentido j definido, inteiramente determinado, embora ele seja determinado localmente, no de maneira global, como em Quad: uma sucesso de faixas cinzas iguais. Trata-se de um espao qualquer, fragmentado por semicloses, correspondendo ao que Robert Bresson sugeria como sendo a vocao do filme: a fragmentao indispensvel se no se quiser cair na representao... Isolar as partes. Torn-las independentes a fim de lhes dar uma nova dependncia.5 Desconect-las em favor de uma nova conexo. A fragmentao o primeiro passo para uma despotencializao do espao, por via local. certo que o espao global foi, de incio, mostrado em viso panormica. Mas, mesmo a, no como em Quad, em que a cmera est fixa e sobrelevada, exterior ao espao plano fechado, e opera necessariamente de maneira contnua. certo que um espao global pode ser esgotado unicamente pela fora de uma cmera fixa, imvel e contnua, operando em zoom. Um caso clebre Wavelenght, de Michael Snow: o zoom de quarenta e cinco minutos explora um espao retangular qualquer, e descarta os movimentos medida que avana, dotando-os to-somente de uma existncia fantasmtica, por exemplo, por sobre-impresso negativa, at encontrar a parede do fundo, coberta com uma imagem de mar vazio em que todo espao se precipita. Pode-se dizer que se trata da histria da diminuio progressiva de uma pura potencialidade. 6 Mas, alm do fato de que a Beckett no agradam os procedimentos especiais, as condies do problema, do ponto de vista de uma reconstruo local, exigem que a cmera seja mvel, com travellings, e descontnua, com
cortes livres: tudo est anotado e quantificado. que o espao do Trio no est determinado mais que sobre trs lados, leste, norte e oeste, o sul estando constitudo pela cmera como parede mvel. No mais o espao fechado de Quad, com uma nica potencialidade central, mas um espao com trs potencialidades, a porta ao leste, a janela ao norte, o catre a oeste. E, como so partes de espao, os movimentos da cmera e os cortes constituem a passagem de uma outra, e sua sucesso, suas substituies, todas essas faixas cinzas que compem o espao segundo as exigncias do tratamento local. Mas tambm (e isso o mais profundo do Trio, todas essas partes mergulham no vazio, cada uma sua maneira, cada uma fazendo subir o vazio no qual elas mergulham, a porta entreabrindo-se para um corredor escuro, a janela dando para uma noite chuvosa, o catre inteiramente raso que mostra seu prprio vazio. Embora a passagem e a sucesso de uma parte a uma outra no faam mais do que conectar ou juntar insondveis vazios. essa a nova conexo, propriamente fantasmtica, ou o segundo passo da despotencializao. Passo que corresponde msica de Beethoven, quando ela pontua o silncio, e quando uma passarela de sons no conecta mais do que abismos de silncios insondveis.7 Particularmente, o Trio, em que a tremulao, o tremolo, j indicam os ocos de silncio sobre os quais, custa de dissonncias, ocorre a conexo sonora. A situao esta: uma voz de mulher gravada, prdeterminada, vaticinante, exterior ao campo, anuncia, murmurando, que o personagem vai acreditar que ouve a mulher aproximar-se. Sentado num banco, perto da porta e carregando um gravador, o personagem levanta-se, larga o aparelho e, como um guarda-noturno ou um sentinela fantamstico, aproxima-se da porta, depois da janela, depois do catre. H reincios, retornos posio sentada, e a msica no sai do gravador a no ser quando o personagem est sentado, inclinado sobre o aparelho. Essa situao geral no deixa de ter alguma semelhana com a de Dis Joe, que a primeira pea de Beckett para televiso. Mas as diferenas com o Trio so ainda maiores. que a voz feminina no apresentava os objetos e esses no se confundiam com partes planas e equivalentes do espao: alm da porta e da janela, havia um armrio que dava uma profundidade interior ao quarto, e a cama, em vez de ser um catre apoiado diretamente no cho, tinha ps. O personagem estava acossado, e a voz tinha por funo no nomear nem anunciar, mas relembrar, ameaar, perseguir. Era ainda a lngua II. A voz tinha intenes, entonaes, invocava lembranas pessoais insuportveis ao personagem, e se afundava nessa dimenso
memorial, sem elevar-se dimenso fantasmtica de um impessoal indefinido. apenas o Trio que atinge esse ponto: uma mulher, um homem e uma criana, sem nenhuma coordenada pessoal. De Dis Joe ao Trio produz-se uma espcie de depurao vocal e espacial, que faz com que a primeira pea tenha mais um valor preparatrio e introdutrio sua obra para televiso, no constituindo plenamente parte dela (no reproduzida aqui).8 Em o Trio, a voz murmurante tornou-se neutra, sem timbre, sem inteno, sem ressonncia, e o espao tornou-se um espao qualquer, sem fundo nem profundidade, no tendo outros objetos que no suas prprias partes. o ltimo passo da despotencializao, um passo duplo, uma vez que a voz estanca o possvel, ao mesmo tempo em que o espao exaure suas possibilidades. Tudo indica que a mesma, a mulher que fala do exterior e a que poderia surgir nesse espao. Entretanto, entre os dois, a voz exterior ao campo e o puro campo de espao, h ciso, linha de separao, como no teatro grego, no N japons ou no cinema de Straub e de Marguerite Duras.9 como se fosse realizada a transmisso de uma pea radiofnica e, simultaneamente, fosse projetado um filme mudo: nova forma de disjuno inclusiva. Ou, antes, como um plano de separao em que se inscrevem, de um lado, os silncios da voz, e do outro, os vazios do espao (cortes livres). sobre esse plano do fantasma que se eleva a msica, conectando os vazios e os silncios, seguindo uma linha de pice, como um limite ao infinito. Os trios so numerosos: a voz, o espao, a msica; a mulher, o homem e a criana; as trs posies principais da cmera; a porta ao leste, a janela ao norte, o catre a oeste, trs potencialidades do espao... A voz diz: ele vai agora acreditar que ouve a mulher aproximar-se. Mas no devemos pensar que ele tenha medo e se sinta ameaado; isso verdadeiro quanto a Dis Joe, mas no mais aqui. Ele tampouco deseja e espera a mulher; ao contrrio. Ele s espera o fim, o fim ltimo. Todo o Trio est organizado para dar-lhe um fim; o fim to desejado est muito prximo: a msica de Beethoven inseparvel de uma converso ao silncio, de uma tendncia abolio nos vazios que ela conecta. Em verdade, o personagem exauriu todas as possibilidades do espao, na medida em que tratou as trs fontes como simples partes semelhantes e cegas flutuando no vazio: ele tornou impossvel a chegada da mulher. Mesmo o catre to raso que d testemunho de seu vazio. Por que, entretanto, o personagem recomea, muito tempo aps a voz ter-se calado, por que volta porta, janela, cabeceira do catre? Ns o vimos: que o fim ter sido muito antes que ele possa sab-lo: tudo
continuar por si, at que chegue a ordem de tudo parar.10 E quando o pequeno mensageiro mudo surge, no para anunciar que a mulher no vir, como se fosse uma m notcia, mas para trazer a ordem to esperada de tudo parar, tudo estando inteiramente acabado. Ao menos, o personagem tinha um meio de pressentir que o fim estava bem prximo. A lngua III no se compe apenas do espao, mas tambm da imagem. Ora, a pea tem um espelho, que desempenha um papel importante, e se distingue da srie porta-janela-catre, uma vez que ele no visvel a partir da posio panormica da cmera e no intervm na apresentao do incio; o espelho estar, alis, emparelhado com o gravador (pequeno retngulo cinza, das mesmas dimenses que o gravador), e no s trs coisas. Mais que isso: quando o personagem se inclina sobre ele pela primeira vez, sem que ainda se possa v-lo, a nica vez em que a voz vaticinante se v surpreendida, ao ser pega desprevenida: Ah!; e quando se v, enfim, o espelho, na posio mais prxima da cmara, surge a Imagem, isto , o rosto do personagem abominvel. A Imagem deixar seu suporte e se tornar flutuante, enfocada num semiclose, enquanto o segundo movimento do Trio conclui seus ltimos compassos amplificados. O rosto se pe a sorrir, surpreendente sorriso, prfido e ardiloso, de algum que atinge a meta de seu delrio maligno: ele fez a imagem.11 O Trio vai do espao imagem. O espao qualquer j pertence categoria de possibilidade, uma vez que suas potencialidades possibilitam a realizao de um acontecimento, ele prprio possvel. Mas a imagem mais profunda, uma vez que ela se descola de seu objeto para ser ela prpria, um processo, isto , um acontecimento como possvel, que no tem sequer mais que se realizar num corpo ou num objeto: algo como o sorriso sem gato de Lewis Carroll. Da o cuidado com que Beckett faz a imagem: j em Dis Joe, o rosto sorridente surgia em imagem, mas sem que se pudesse ver a boca, a pura possibilidade de sorrir estando nos olhos, e nas duas comissuras dirigidas para cima, o resto no estando includo na tomada. Um terrvel sorriso sem boca. Em ...seno nuvens..., o rosto feminino quase no tem cabea, um rosto sem cabea suspenso no vazio; e em Nacht und Trume, o rosto sonhado como que conquistado pelo pano que enxuga o suor, tal como um rosto de Cristo, e flutua no espao.12 Mas, se verdade que o espao qualquer no se separa de um habitante que exaure suas possibilidades, a imagem, com mais forte razo, continua inseparvel do movimento pelo qual ela se dissipa de si prpria: o rosto inclina-se, volta-se, apaga-se ou se desfaz como uma nuvem, como fumaa. A imagem visual arrastada pela msica, imagem sonora que se dirige para sua
prpria abolio. Ambas fogem em direo ao fim, todo possvel tendo sido esgotado. O Trio nos levava do espao s portas da imagem. Mas ...seno nuvens... penetra no santurio: o santurio o lugar onde o personagem vai fazer a imagem. Ou, antes, num retorno s teorias ps-cartesianas de Murphy, h agora dois mundos, um fsico e um mental, um corporal e um espiritual, um real e um possvel.13 O fsico parece feito de uma extenso qualificada, com uma porta esquerda dando para estradinhas da redondeza, pela qual o personagem sai e entra, direita um quartinho de depsito no qual ele troca de roupa e, no alto, o santurio em que ele some. Mas tudo isso no existe a no ser na voz que a do prprio personagem. O que vemos, ao contrrio, apenas um espao qualquer, determinado como um crculo contornado de preto, cada vez mais sombrio medida que nos aproximamos da periferia, cada vez mais claro quando nos aproximamos do centro: a porta, o cubculo, o santurio no so mais que direes no crculo, oeste, leste, norte e, longe, ao sul, fora do crculo, a cmera imvel. Quando vai numa direo, o personagem apenas mergulha na sombra; quando ele est no santurio, aparece apenas em uma tomada de meio-corpo, de costas, sentado sobre um banco invisvel, curvado sobre uma mesa invisvel. O santurio no tem, pois, mais que uma existncia mental; trata-se de um gabinete mental, como dizia Murphy, e que corresponde lei dos inversos, como ele esclarece: todo movimento nesse mundo do esprito exigia no mundo do corpo um estado de repouso. A imagem precisamente isso: no uma representao de objeto, mas um movimento no mundo do esprito. A imagem a vida espiritual, a vida l em cima de Como . No se pode esgotar as alegrias, os movimentos e as acrobacias da vida do esprito, a no ser que o corpo permanea imvel, agachado, encolhido, sentado, sombrio, ele prprio esgotado: o que Murphy chamava de a conivncia, o acordo perfeito entre a necessidade do corpo e a necessidade do esprito, o duplo esgotamento. O sujeito de ...seno nuvens... essa necessidade do esprito, essa vida l em cima. O que conta no mais o espao qualquer, mas a imagem mental qual ele conduz. Certamente, no fcil fazer uma imagem. No basta pensar em algo ou em algum. A voz diz: Enquanto eu pensava nela... No... No, no bem assim.... preciso uma obscura tenso espiritual, uma intensio segunda ou terceira, como diziam os autores da Idade Mdia, uma evocao silenciosa, que seja tambm uma invocao e mesmo uma convocao, e revogao, uma vez que ela eleva a coisa ou a pessoa ao estado indefinido: uma mulher... Apelo para os
olhos do esprito, clamava Willie.14 Novecentas e noventa e oito vezes em mil, fracassa-se e nada surge. E quando se bem sucedido a imagem sublime invade a tela, rosto feminino sem contorno, e ora rapidamente desaparece, num mesmo flego, ora se demora antes de desaparecer, ora murmura algumas palavras do poema de Yeats. De toda maneira, a imagem responde s exigncias de Mal visto Mal dito, Mal visto Mal entendido, que reinam no reino do esprito. E, enquanto movimento espiritual, ela no se separa do processo de sua prpria desapario, de sua dissipao, prematura ou no. A imagem um sopro, um flego, mas expirante, em vias de extino. A imagem o que extingue, o que se consome, uma queda. uma intensidade pura, que se define como tal por sua elevao, isto , seu nvel acima de zero, que ela s descreve ao cair.15 O que se retm do poema de Yeats a imagem visual de nuvens passando no cu e se desfazendo no horizonte, e a imagem sonora do grito de um pssaro que se extingue na noite. nesse sentido que a imagem concentra uma energia potencial que ela arrasta em seu processo de auto-dissipao. Ela anuncia que o fim do possvel est prximo, para o personagem de ...seno nuvens..., assim como para Winnie que sentia um zfiro, um sopro, exatamente antes da escurido eterna, da noite escura sem sada. No h mais imagem, nem espao: para alm do possvel no h seno escurido, como no terceiro e ltimo estado de Murphy, ali onde o personagem no se move mais em esprito, mas se torna um tomo indiscernvel, ablico, na escurido da liberdade absoluta.16 a palavra do fim, de nenhum modo. toda a ltima estrofe do poema de Yeats que convm a ...seno nuvens...: os dois esgotamentos para produzir o fim que arrebata o Sentado. Mas o encontro de Beckett com Yeats ultrapassa essa pea: no que Beckett retome o projeto de introduzir o N como coroamento no teatro. Mas as convergncias de Becket com o N, ainda que involuntrias, pressupem, talvez, o teatro de Yeats, e manifestam-se por conta prpria na obra de televiso.17 O que se chamou um poema visual, um teatro do esprito, que se prope no a desenvolver uma histria, mas a erguer uma imagem; as palavras que servem de cenrio para uma rede de percursos num espao qualquer; a extrema mincia desses percursos, medidos e recapitulados no espao e no tempo, em relao ao que deve permanecer indefinido na imagem espiritual; os personagens como super-marionetes, e a cmera como personagem que tem um movimento autnomo, furtivo ou fulgurante, em antagonismo com o movimento de outros personagens; a rejeio dos meios artificiais (cmara lenta, sobre-impresso, etc.), por no combinarem com os
movimentos do esprito...18 Apenas a televiso, segundo Beckett, cumpre essas exigncias. Fazer a imagem ainda a operao de Nacht und Trume, mas desta vez, o personagem no tem voz para falar e no ouve, assim como no pode se mover, sentado cabea vazia sobre mos atrofiadas, olhos fechados arregalados. Trata-se de uma nova depurao. De nenhum modo menos. De nenhum modo pior. De nenhum modo nada. De nenhum modo ainda.19 noite, e ele vai sonhar. preciso acreditar que ele adormece? Melhor acreditar em Blanchot, quando declara que o sono trai a noite, porque faz dela uma interrupo entre dois dias, permitindo ao seguinte suceder ao precedente.20 Limitamo-nos, com freqncia, a distinguir entre o devaneio diurno, ou o sonho em viglia, e o sonho do sono. Mas trata-se de uma questo de cansao e de descanso. Perdemos, assim, o terceiro estado, talvez o mais importante: a insnia, a nica adequada noite, e o sonho de insnia, que uma questo de esgotamento. O esgotado o arregalado. Sonhava-se no sono, mas sonha-se ao lado da insnia. Os dois esgotamentos, o lgico e o fisiolgico, a cabea e os pulmes, como diz Kafka, tm um encontro por trs de nossas costas. Kafka e Beckett pouco se assemelham, mas tm em comum o sonho insone.21 No sonho de insnia no se trata de realizar o impossvel, mas de esgotar o possvel, seja dandolhe um mximo de extenso, que permite trat-lo como um real diurno acordado, maneira de Kafka, seja, como Beckett, ao reduzi-lo a um mnimo que o submete ao nada de uma noite sem sono.O sonho o guardio da insnia, para impedi-lo de dormir. A insnia o animal em tocaia, que se estende tanto quanto os dias e se retrai tanto quando a noite. Aterrorizante postura da insnia. O insone de Nacht und Trume prepara-se para o que tem que fazer. Ele est sentado, as mos assentadas sobre a mesa, a cabea assentada sobre as mos: um simples movimento das mos, que se instalariam na cabea ou que, ao menos, se soltariam, uma possibilidade que no pode aparecer a no ser em sonho, como um banco voador... Mas este sonho, preciso faz-lo. O sonho do esgotado, do insone, do ablico, no como o sonho do sono, que se faz inteiramente sozinho na profundeza do corpo e do desejo; um sonho do esprito, que deve ser feito, fabricado. O sonho, a imagem, ser o mesmo personagem na mesma posio sentada, invertida, perfil esquerdo em vez de perfil direito, e acima do sonhador; mas, para que as mos sonhadas se liberem em imagem, ser preciso que outras mos, de uma mulher, pousem sobre a cabea e a levantem, dando-lhe de beber de uma xcara, enxuguem-na com um pano, de maneira
tal que, cabea agora elevada, o personagem sonhado possa estender suas mos em direo a uma daquelas mos que condensam e distribuem a energia na imagem. Parece que esta imagem atinge uma intensidade dilacerante at que a cabea volte a cair sobre trs mos, a quarta se instalando sobre o crnio. E quando a imagem se dissipa, acreditar-se-ia ouvir uma voz: o possvel est consumado, est feito fiz a imagem. Mas no h nenhuma voz que fale, como tampouco havia em Quad. No h seno a voz de homem que cantarola e trauteia os ltimos compassos do humilde ritornelo trazido pela msica de Schubert, Retornem, doces sonhos..., uma vez antes do surgimento da imagem, uma vez aps a sua desapario. A imagem sonora, msica, toma a vez da imagem visual, e abre o vazio ou o silncio do fim ltimo. Desta vez, Schubert, to amado por Beckett, que opera um hiato ou salto, uma espcie de desencaixe, de um modo muito diferente de Beethoven. a voz meldica mondica, que escapa do suporte harmnico, reduzido ao mnimo, para explorar intensidades puras a serem experimentadas na maneira pela qual o som se extingue. Um vetor de abolio acavalado pela msica. Em sua obra para televiso, Beckett esgota duas vezes o espao, e duas vezes a imagem. Ele suportava cada vez menos as palavras. E sabia, desde o incio, a razo pela qual ele devia suport-las cada vez menos: a dificuldade particular de cavar buracos na superfcie da linguagem para que aparecesse, enfim, o que est escondido atrs. Pode-se fazlo sobre a superfcie da tela pintada, como Rembrandt, Czanne ou Van Velde, sobre a superfcie do som, como Beethoven ou Schubert, para que surja o vazio ou o visvel em si, o silncio ou o audvel em si: mas h uma nica razo para que a superfcie da palavra, terrivelmente tangvel, no possa ser dissolvida.22 No apenas que as palavras sejam mentirosas; elas esto to sobrecarregadas de clculos e de significaes, e tambm de intenes e de lembranas pessoais, de velhos hbitos que as cimentam, que a sua superfcie, to logo seja rachada, volta a se fechar. Ela adere. Ela nos aprisiona e sufoca. A msica chega a transformar a morte de uma certa jovem em uma jovem morre, ela opera essa extrema determinao do indefinido como intensidade pura que perfura a superfcie, como no Concerto em memria de um anjo. Mas as palavras, com suas aderncias, que as mantm no geral ou no particular, no podem fazer isso. Faltalhes essa pontuao de deiscncia, essa desvinculao, que vem de uma onda sbita e profunda e que prpria da arte. a televiso que, de um lado, permite a Beckett superar a inferioridade das palavras: seja ao no se servir das palavras faladas como em Quad e em Nacht und Trume; seja
utilizando-se delas para enumerar, apresentar, ou servir de cenrio, o que permite afroux-las e inserir entre elas coisas ou movimentos (Trio do fantasma,... seno nuvens...); seja retendo algumas palavras, distanciadas segundo um intervalo ou um compasso, o restante acontecendo num murmrio mal e mal audvel, como no fim de Dis Joe; seja ao apanhar algumas delas na melodia que lhes d a pontuao faltante, como em Nacht und Trume. Na televiso, entretanto, uma coisa diferente das palavras, msica ou viso, que vem, assim, afrouxar seu torniquete, desvi-las, ou at mesmo deix-las inteiramente de lado. No existe, pois, nenhuma salvao para as palavras, como um novo estilo, enfim, em que as palavras se desviassem delas mesmas, em que a linguagem se tornasse poesia, de maneira a produzir efetivamente as vises e os sons que permanecem imperceptveis por trs da antiga linguagem (o velho estilo)? Vises e sons, como distinguilos?, to puros e to simples, to fortes, que os chamamos de mal visto mal dito, quando as palavras se rasgam e se viram, sozinhas, do avesso, para mostrar seu prprio fora. Msica prpria da poesia lida em voz alta e sem msica. Beckett, desde o incio, reclama um estilo que procederia, ao mesmo tempo, por perfurao e proliferao do tecido (a breaking down and multiplication of tissue), estilo que se elabora por meio dos romances e do teatro, aflora em Como , explode no esplendor dos ltimos textos. E ora so breves segmentos que se juntam, sem parar, no interior da frase, para retesar, at tudo romper, a superfcie das palavras, como no poema Comment dire [What is the Word]: Folie vu ce ce comment dire ceci ce ceci ceci-ci tout ce ceci-ci folie donn tout ce vu folie vu tout ce ceci-ci que de que de comment dire voir entrevoir croire entrevoir vouloir croire entrevoir folie que de vouloir croire entrevoire quoi [...].23 folly -
folly for to for to what is the word folly from this all this folly from all this given folly given all this seeing folly seeing all this this what is the word this this this this here all this this here folly given all this seeing folly seeing all this this here for to what is the word see glimpse seem to glimpse need to seem to glimpse folly for to need to seem to glimpse [...]. loucura loucura em em como dizer loucura nisso dado loucura dado isso em visto loucura visto isso isso como dizer isso aqui todo este isso-aqui visto loucura visto todo este isso-aqui em em como dizer ver entrever crer entrever querer crer entrever
loucura em querer crer entrever o qu [...]. E ora so rasgos que crivam a frase para reduzir sem parar a superfcie das palavras como no poema Cap au pire [Worstward Ho]: Le meilleur moindre. Non. Nant le meilleur. Le meilleur pire. Non. Pas le meilleur pire. Nant pas le meilleur pire. Moins meilleur pire. Non. Le moins. Le moins meilleur pire. Le moindre jamais ne peut tre nant. Jamais au nant ne peut tre ramen. Jamais par le nant annul. Inannulable moindre. Dire ce meilleur pire. Avec des mots qui rduisent dire le moindre meilleur pire. [...] Hiatus pour lorsque les mots disparus.24 Less best. Worse for want of better less. Less best. No. Naught best. Best worse. No. Not best worse. Naught not best worse. Less best worse. No. Least. Least best worse. Least never to be naught. Never to naught be brought. Never by naught be nulled. Unnullable least. Say that best worst. With leastening words say least best worse. [...] Blanks for when words gone. Menos melhor. No. Nada melhor. Melhor pior. No. No melhor pior. Nada no melhor pior. Menos melhor pior. No. Mnimo. Mnimo melhor pior. Mnimo nunca ser nada. Nunca a nada ser levado. Nunca por nada ser anulado. Inanulvel mnimo. Diga aquele melhor pior. Com minimizantes palavras diga mnimo melhor pior. [...] Ocos para quando as palavras acabadas.