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DELIBERAÇÃO DO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO DA
ENTIDADE REGULADORA DA SAÚDE
(VERSÃO NÃO CONFIDENCIAL)
Considerando que a Entidade Reguladora da Saúde exerce funções de regulação, de
supervisão e de promoção e defesa da concorrência respeitantes às atividades
económicas na área da saúde nos setores privado, público, cooperativo e social;
Considerando as atribuições da Entidade Reguladora da Saúde conferidas pelo artigo 5.º
dos Estatutos da ERS, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 126/2014, de 22 de agosto;
Considerando os objetivos da atividade reguladora da Entidade Reguladora da Saúde
estabelecidos no artigo 10.º dos Estatutos da ERS, aprovados pelo Decreto-Lei n.º
126/2014, de 22 de agosto;
Considerando os poderes de supervisão da Entidade Reguladora da Saúde estabelecidos
no artigo 19.º dos Estatutos da ERS, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 126/2014, de 22 de
agosto;
Visto o processo registado sob o n.º ERS/064/2016;
I. DO PROCESSO
I.1. Origem do processo
1. A Entidade Reguladora da Saúde (ERS) tomou conhecimento de uma exposição
subscrita por L.F., em 23 de fevereiro de 2015, visando a Unidade Local de Saúde do
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Alto Minho, E.P.E. (ULSAM), na qual refere que a utente MCF, sua mulher, recorreu ao
serviço de urgência daquela unidade no dia 11 de abril de 2014 pelas 21h40 no âmbito
de um episódio de aneurisma cerebral, tendo, alegadamente, aguardado, cerca de 12
horas sem qualquer assistência.
2. A queixa subscrita por LF foi, inicialmente, tratada na ERS, no âmbito do processo de
reclamação registado sob o n.º REC/14712/2015.
3. Subsequentemente, considerando a necessidade de adoção de diligências instrutórias
adicionais foi aberto o processo de avaliação registado sob o n.º AV/135/2016.
4. Nesse âmbito face aos elementos carreados para os autos, considerou-se necessária a
adoção de uma intervenção regulatória que acautelasse os direitos e interesses
legítimos dos utentes, em especial o direito de acesso a cuidados de saúde de
qualidade e em tempo útil e adequados à sua situação clínica, e dessa forma
procurando evitar a repetição futura de situações como as verificadas nos presentes
autos;
5. Pelo que, ao abrigo das atribuições e competências da ERS, o respetivo Conselho de
Administração deliberou, por despacho de 28 de setembro de 2016, proceder à
abertura do presente processo de inquérito, registado sob o n.º ERS/064/2016.
I.2 Diligências
6. No âmbito da investigação desenvolvida pela ERS, realizaram-se, entre outras, as
diligências consubstanciadas em:
(i) Pesquisa no Sistema de Registo de Estabelecimentos Regulados (SRER) da ERS
onde se constatou que a ULSAM se encontra registada no SRER da ERS, sob o n.º
13077, e é detentora de um estabelecimento denominado Hospital de Santa Luzia de
Viana do Castelo, registado sob o n.º 104645 e sito na Estrada de Santa Luzia 4900 -
858 Viana do Castelo.
(ii) Pedido de elementos à ULSAM, em 8 de agosto de 2016, e análise da respetiva
resposta rececionada em 18 de agosto de 2016;
(iii) Pedido de parecer técnico a consultor médico da ERS e respetivo relatório de
apreciação clínica de 17 de setembro de 2016;
(iv) Notificação de abertura de processo de inquérito ao exponente em 19 de outubro
de 2016;
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(v) Notificação de abertura de processo de inquérito e pedido de elementos à ULSAM,
em 19 de outubro de 2016, e análise da respetiva resposta rececionada em 15 de
novembro de 2016;
(vi) Novo pedido de parecer técnico a consultor médico da ERS e respetiva adenda ao
relatório de apreciação clínica de 19 de dezembro de 2016.
II. DOS FACTOS
II.1. Da reclamação
7. Em suma refere o exponente, na sua reclamação, o seguinte:
“[…] Em 7 de Julho de 2014, há sete (7) meses atrás, dirigi uma carta-denuncia a V/
Exa., conjuntamente com minha cunhada, em representação da família, por morte da
minha esposa – [MCF] -ocorrida no Hospital Distrital de Santa Luzia, cidade de Viana
do Castelo, após um episódio de aneurisma cerebral.
Neste último hospital, onde deu entrada cerca das 21.40 do dia 11 de Abril de 2014,
esteve doze (12) horas sem qualquer assistência, apenas análises clinicas ao
sangue, num canto da sala de OBS, não tendo, os médicos [JC], inicial e [DE],
posteriormente, dado a necessária e indispensável assistência a uma pessoa que às
19h40m daquele dia, desmaiou sem razão aparente, em sua casa, aguardando a
confeção do jantar para aquele dia.
Como foi dito na carta inicial, o problema começou na própria triagem, onde a doente
com os sintomas apresentados (desorientação / confusão / vómitos e mal estar
geral), lhe foi atribuída a pulseira AMARELA.
Nesse dia, a única conversa tida com os médicos em causa, com a minha pessoa,
que durante quinze horas acompanhei a minha esposa, foi realizada cerca das vinte
e duas horas (22) daquele fatídico dia 11/04/2014, onde foi indicado ao referido Dr.
[JC], o que tinha acontecido e mencionado a medicação que estava a realizar, em
virtude de ser uma doente com Artrite Reumatoide.
E aí surge a primeira pergunta?
Pelo simples facto de ter caído desmaiada, sem causa aparente deveria ter sido
investigada não só a causa em si, como perceber se não haveria lesão intracraniana
motivada pela queda?
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Sendo doente de artrite reumatoide, doença crónica, embora controlada, não deveria
a paciente em causa, ter tido uma atenção mais cuidada, visto o seu sistema
imunitário ser mais frágil e por tal efeito ter sido afetado?
Mas não, o sossego do gabinete era bastante melhor e reconfortante.
A medicação ministrada a partir daí pela enfermeira de serviço na OBS e como se
pode observar na folha informática do próprio serviço, nada tem a ver com o estado
grave da doente.
Foram administrados calmantes para quê?
Se não sabiam o que tinha a doente uma vez que os sintomas poderiam ser de
diversas opções porque não fizeram despistes diversos?
Apenas análises e calmantes?
Porque não chamaram neurologia de imediato?
Porque é que o Dr. [JC], não verificou "in loco" o que se estava a passar e tentar dar
solução ao problema ocorrido, chamando outras especialidades e realizando
exames?
Porquê calmantes?
Mais uma vez o sossego do gabinete foi reparador, embora estivesse como médico
escalado para fazer urgência, naquela noite, na OBS do Hospital Distrital de Viana
do Castelo.
Quanto à Dr.ª [DE], substituta do referido médico a partir das 00h do dia 12 de Abril
de 2014, também não se dignou aproximar-se da doente, antes contatando a
enfermeira de serviço na OBS e visionar o processo no computador.
Isso posso afirmar, visto estar a menos de um metro do ocorrido.
É lógico que com o efeito dos calmantes ministrados a doente ficou prostrada com o
efeito destes e como é óbvio deixou de reagir à dor ou a qualquer outro sintoma.
Após esse visionamento, só veria uma vez, na sala, a Dr.ª [DE], a caminhar para o
lado da urgência geral e regressando ao gabinete médico, simplesmente, desligou a
luz do seu interior, para nunca mais ser vista.
Neste período das 00h/08h a minha esposa teve uma reação violenta, que consistiu
no arranque de toda a tubagem (soro e oxigénio) e levantando-se falou, pela última
vez, Consciente, dizendo que queria ir ao WC e ocorreu o episódio já narrado na
carta inicial.
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E isto leva-me a uma segunda pergunta?
O que foi feito para colmatar tal reação?
Nada, simplesmente nada, a enfermeira voltou a entubar e ministrar-lhe mais
medicação, julgo serem calmantes, sem qualquer interferência médica.
Pelo atrás dito, o que fizeram os dois médicos para fazer a urgência na noite de
11/12 de Abril de 2014, na busca do salvamento e menorização do estado duma
doente, que entrou no hospital em causa?
O que fizeram aqueles clínicos para minorar a patologia, ou patologias, que a doente
em causa padecia?
Nada, simplesmente, descansaram no gabinete!
Cerca das 8 horas da manhã do dia 12 de abril de 2014 como foi indicado na
primeira missiva, a doente foi enviada para a urgência geral, onde somente cerca
das 10/10.30h lhe foi dada atenção presumo com exercícios de reanimação, num
gabinete de enfermagem, paralelo ao corredor central, sem nunca me terem dado
nenhuma informação do que se estava a passar, para cerca das 12.30 (e só nessa
altura) a neurologista Dr.ª [RF], me descreveu o estado clinico grave da minha
(Falecida) Esposa e o envio urgente para o Hospital de Braga.
Porque somente às 12.30 do dia 12 de Abril de 2014, a paciente [MCF] foi enviada
para Neurocirurgia do hospital de Braga?
Porque não chamaram a neurologista mais cedo?
Tinham dúvidas no diagnóstico? Várias hipóteses, porque as não excluíram?
Porque deixaram a veia aberta, assim foi o aneurisma sangrando durante 15 (quinze)
horas, mais 3 horas para transferência para Braga, claro que o desfecho seria este.
Refiro não houve qualquer intervenção de neurologia atempadamente. Porquê?
Se há médicos sem vocação, devem estes procurar outros caminhos e não deixar
morrer pacientes, que recorrem às urgências hospitalares, como tem acontecido em
todo o País, embora encaputadamente e na urgência do Hospital Distrital de Viana
do Castelo.
Por fim, o que me leva a recorrer a V. Exa. Sr. Ministro da Saúde: o inquérito aberto
pela Unidade Local de Saúde do Alto Minho, pelo percurso moroso e ainda
desconhecido, já devia estar concluído e comunicado aos mais diversos
intervenientes no processo de denúncia a Procuradoria-Geral da Republica,
Provedoria de Justiça, Ministro da Saúde, Inspeção Geral das Atividades em Saúde,
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ARS do Norte, Ordem dos Médicos e anexado ao processo aberto no Ministério
Publico do Tribunal de Viana do Castelo.
A sua demora (quase 1 ano) pressupõe branqueamento da situação para os autores
materiais do episódio em causa.
No entanto, tal branqueamento implicará, em última analise, a responsabilidade
criminal da Unidade Saúde do Alto Minho, pelos acontecimentos, atrás mencionados
e bem patentes em peças processuais evidentes.
Há, procedimentos a tomar, em último recurso, se tal não for devidamente
esclarecido, tanto a nível nacional como internacional, o que levará a verdade a vir à
tona da água e a culpabilização dos autores individuais e ou coletivos.
O tempo foi passando, faz em breve 1 Ano, e ainda não obtive qualquer resposta,
assim subescrevo esta nova missiva esperando que a resposta seja mesmo
assinada por Vª Exª Sr. Ministro, pois estou cansado de esperar. […]”
II.2. Do primeiro pedido de informação à ULSAM
8. Ainda no âmbito do processo de avaliação, e considerando a necessidade de obtenção
de informação adicional para a análise mais aprofundada da situação, foi solicitado, em 8
de agosto de 2016, à ULSAM que viesse aos autos prestar os seguintes esclarecimentos:
“[…]
1. Explicitem de forma fundamentada, se possível acompanhada de elementos
documentais, a situação descrita na referida exposição;
2. Envio de identificação da utente (nome completo, número de utente), e cópia do
relatório do episódio de urgência da utente (Alert), em 11/12 de abril de 2014;
3. Confirmação de que a situação foi enquadrada em sede da Via Verde AVC, ou, em
caso negativo, indicação da(s) raz(ões) para que tal não tenha sucedido;
4. Envio de cópia, acompanhada de todos os elementos documentais necessários e
relevantes à análise do caso concreto, do relatório de transferência para o Hospital
de Braga, em 12 de abril de 2014;
5. Remetam cópia do processo de inquérito interno aberto pelo Conselho de
Administração da ULSAM, bem como cópia de todos os elementos disponíveis;
6. Envio de quaisquer outros elementos, documentos ou esclarecimentos adicionais
tidos por relevantes para o completo esclarecimento da situação em apreço. […]
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9. Por ofício de 18 de agosto de 2016, a ULSAM veio aos autos informar que:
[…] Junto se remete cópia do processo de inquérito n.º 15/2014, da ULSAM, E.P.E..
Relativamente ao solicitado nos pontos 3 e 4, entendemos que a resposta se extrai
no auto de declarações constante a fls 73, do processo antes referido. […]”
10. O prestador vem juntar aos autos a exposição de LF e MS, datada de 23 de junho de
2014, que, para o que ao presente processo importa se transcreve:
“[…] A- Factos
Pelas 19:40 (dezanove horas e quarenta minutos) do passado dia 11 de Abril, [MCF]
foi acometida de desmaio súbito, em sua casa, aquando se preparava para fazer o
jantar.
O marido, coautor da presente reclamação, tentou reanimá-la, procurando levantá-la
do chão da cozinha, mas ato subsequente desmaiou novamente.
Tentou, de seguida, procurar ajuda no exterior do apartamento e encontrou à porta
do centro comercial Rio Lima, zona onde reside, um elemento dos bombeiros
voluntários de Ponte de Lima, que de imediato, procurou socorrer a vítima.
Contactado de seguida, o 112, tal serviço fez deslocar-se à residência, uma
ambulância dos bombeiros voluntários de Ponte de Lima, que após os
procedimentos iniciais que acharam necessários e com o apoio da central do INEM,
decidiram encaminhar a doente para os serviços de urgência do hospital distrital de
santa Luzia, na cidade de Viana do Castelo, onde chegaram às 21:40 (nove e
quarenta) do referido dia 11 de Abril, na companhia do marido.
Após a triagem rápida foi encaminhada para a sala de observações, localizada nos
corredores da urgência, ou seja à esquerda da entrada da aludida urgência e não ao
corpo central dessa mesma valência hospitalar.
E aí começou o calvário.
O médico de serviço só passados uns longos 20 (vinte) minutos é que chamou o
acompanhante (marido da utente) para receber explicações do que teria acontecido,
sendo informado detalhadamente do sucedido e indicando os medicamentos que a
doente tomava, visto padecer de artrite reumatoide.
Este médico não se dignou deslocar-se junto da doente, que foi colocada numa
maca junto da parede norte das OBS's, próximo do corredor que dá, internamente,
para a urgência geral.
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O referido médico veio a ser substituído por uma médica, cerca da meia-noite, que
se deslocou, somente, junto da doente meia hora depois retirando-se de seguida e
imediatamente, para o consultório médico da OBS onde permaneceu incontactável.
A utente, desde a sua entrada nas OBS, foi colocada a soro, ao qual juntaram 2 ou 3
(duas ou três) vezes um calmante, a utente estava também a receber oxigénio.
Calmantes? Para quê?
Qual o diagnóstico até este momento para lhe ser administrada medicação sem
terem sido realizados exames para antever a razão de desmaios consecutivos?
Quando deu entrada nas OBS’s a doente, deixou de reagir, aparentemente estava a
dormir com o efeito de medicação administrada mas notava-se uma respiração
ofegante. Porque não foi observada por cardiologia? Se o foi, deixaram assim
permanecer? Porquê?
As horas foram passando, tendo sempre do seu lado marido, que foi aconselhado a
retirar-se do local para descansar, visto sendo um caso com um largo tempo de
espera.
Qual espera? Por volta das 2H (duas horas da manhã), do dia 12 de Abril tendo uma
reação bastante enérgica, a doente retirou toda a tubagem e deslocou em direcção
ao referido corredor de acesso à urgência geral, […] (esta foi a última vez que a
doente falou), o marido tentou controlá-la com a indicação de que as casas de banho
eram no lado oposto e sentando-se a doente numa cadeira de um gabinete existente
no local e no prolongamento do referido corredor para as urgências e aninhando-se
ali mesmo, e assim o fez.
Julga-se (agora após a morte) que seria o 2º aneurisma/e ou prolongamento da
hemorragia. Dizem ter sido a causa da morte mas nada foi feito até esta hora para
haver tal diagnóstico SIM ou NÃO Eis a questão!? Após o ato, foi novamente
entubada pela enfermeira de serviço (já era a segunda, visto a inicial ter sido
substituída), porque não foi o marido informado de tal diagnóstico, estando no
corredor da referida urgência?
Numa pequena ausência de junto da maca pelo marido, para estender as pernas nas
cadeiras, com suporte existente na zona oposta (junto das casas de banho), a utente
foi levada a efetuar, segundo indicação da enfermeira, um RX, regressando ao fim de
20/30 minutos.
Em virtude de não ter dormido nem jantado durante toda a noite (dia 11/04/14), por
volta das 8H (oito horas) do dia 12 de Abril, o acompanhante deslocou-se ao bar do
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hospital na volta como não encontrou a doente no local onde tinha sido colocada,
averiguou, junto da enfermeira o que estava a acontecer, sendo informado que tinha
sido transferida para a urgência geral, fui encontra-la no corredor central por volta
das 08:30 (oito e trinta).
Aí continuei a acompanhar a minha esposa, em pé e durante três horas e meia.
(ninguém me ofereceu uma cadeira apesar de meu estado de saúde bem visível ser
debilitado e extremamente cansado, apesar da minha deficiência motora, e ao abrigo
da Convenção Internacional da Pessoa com Deficiência ser bem clara toda a gente
dessa urgência ignora e nem uma cadeira me foi disponibilizada).
Por volta das 11:30h a doente foi transferida par uma das salas de urgência paralela
ao corredor (julgo que a primeira da direita do mesmo, onde as enfermeiras) julgo
que três tentaram algo que desconheço (passando-se isto no período de uma hora),
e nem assim me informaram do que se estava a passar com o estado de saúde de
minha esposa. Que se passava então? O que estava a ser feito á doente após tantas
horas em espera num corredor? Quero que expliquem todos estes passos, quem
eram os médicos de serviço, horas dos exames efetuados, relatórios médicos do
episódio de urgência.
À 12:00 (dia 12 sábado) como a fome já apertava e com a finalidade de informar os
familiares do que se estava a passar o marido deslocou-se ao átrio central do
hospital dirigindo-se ao bar para comer algo.
No regresso, que foi cerca do 12:45, não encontrei a maca de minha esposa, nem no
corredor nem na sala anexa, procurando informações junto do pessoal de
enfermagem, então foi -me dito, que alguém me iria informar do que estaria
acontecer, mas o silêncio permaneceu. Nunca até aqui 13h do dia 12/04 fui
informado de nada, apesar de ter questionado.
Cerca das 13:30h, o marido foi informado de que o estado de saúde da esposa seria
bastante grave que iria ser transferida para os serviços neurocirúrgicos do hospital
distrital de Braga, informação que já tinha obtido, tendo sido transmitido pelo
cunhado (marido da outra reclamante) e obtida junto do balcão da urgência. Só
depois de ter ficado absurdo com tal procedimento visto o meu cunhado ter sido
primeiro informado e não eu como acompanhante durante toda a noite que
permaneci ao seu lado, foi que alguém da urgência creio que medico me disse o que
se estava a passar e daí a transferência para Braga
B - Reclamação
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Porque que a doente em causa não foi encaminhada pela triagem para
neurologia/cardiologia sabendo que esta esteve inconsciente em casa apos ter
entrado ai de ambulância (terá um enfermeiro capacidade para efetuar diagnósticos
e colocar um doente em espera num corredor até que o medico decida chamar?
Mesmo sabendo que esteve inconsciente sem motivo aparente?
A cor da pulseira que lhe foi atribuída, (e permaneceu no pulso da doente) diga-me
qual o grau de urgência que cabe a esta, pois é sem dúvida logo à chegada que
ficamos a saber como se tratam casos destes, após desmaios sucessivos tendo o
INEM sido avisado disto tal como o médico que perguntou o que tinha acontecido a
esta doente.
• Qual é o papel das médicas da urgência ou do OBS’s perante as doentes em perigo
de vida. É descansar?
• Qual foi o resultado do referido RX que foi realizado na madrugada do dia 12 de
Abril?
• Que detetou este exame, sabendo que este tipo de exame só dizia se havia fratura
craniana. Porque não foi feito a TAC.
• Não havia técnicos para realizar a TAC? Ou simplesmente nem sequer foi pedida?
Queremos saber a que horas foi realizado e pedido este exame, pela médica da
urgência que esteve de serviço nesta noite.
Porque que não foi dada nenhuma informação nem alguma indicação?
Onde estaria o médico NEUROLOGISTA/CARDIOLOGISTA/ CIRURGIÃO, durante a
noite de 11 para 12 de Abril? A descansar, enquanto alguém lutava pela própria vida
ou nem sequer foi chamado?
• Desejo saber esta informação detalhada e a que horas foi feita a TAC, e a que
horas foi vista por neurologia mesmo tendo sido o seu estado de saúde agravado
durante o decorrer das horas em espera na noite do dia 11 para 12,mesmo quando a
sua respiração começou a ser ofegante não apareceu mais ninguém para verificar o
estado clinico da doente. Entrou para OBS / foi depois colocada na reanimação, mas
já tudo se tinha complicado, durante o tempo em espera, sem diagnóstico, ou se
tinha, não agiram em conformidade.
Porque não foi o marido informado, ao longo das 15 (quinze horas), que permaneceu
na urgência do hospital de Santa Luzia, do estado de saúde da sua esposa?
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• Porquê, que após a entrada ou durante a noite e após o aludido RX não foi logo
evacuada para o hospital de Braga? Continuo a questionar quem faz diagnósticos?
Porque não efetuaram exames mais concisos após desmaios, com perda de
consciência pois foi esse o motivo para se deslocar para um hospital, e permaneceu
no corredor numa maca durante horas... Até que seu estado clinico se foi
agravando?
• Se desde logo foi detetado um aneurisma, porque não houve de imediatos
procedimentos condizentes com a Grave situação?
• Transferida para o Hospital de Braga para o serviço de NEUROCIRURGIA, onde foi
tratada com extrema dedicação, quer pelo corpo clinico, quer pelo de enfermagem e
psicólogos que de imediato acompanharam os familiares e aí nos puseram ao
corrente da grave e complexa situação estando esta utente já em coma irreversível,
mesmo após a cirurgia realizada ao cérebro. Fomos tratados com extrema
delicadeza, sempre informados ao pormenor, e como a situação era já muito, muito
grave, na segunda-feira FALECEU.
• Questiono: São ambos unidades de saúde pública, porque somos tratados de forma
tão distinta? Será por falta de formação desse pessoal, para tratar de casos tão
delicados?
• Porque escondem a gravidade clinica aos familiares aí presentes?
Esperamos que em tempo útil ao abrigo da Constituição da República Portuguesa e
do Código de Procedimento Administrativo, nos sejam dadas respostas às perguntas
acima formuladas, com muita precisão, de horas e nomes de quem a atendeu, e
como tudo se processou.”.
11. O prestador vem ainda juntar cópia do processo de inquérito que correu termos na
ULSAM, registado com o n.º 15/2014, que para o que ao presente processo importa se
passa a transcrever:
“[…] OS FACTOS E SUA ANÁLISE
Consultados os registos clínicos e ouvidos os depoimentos de vários profissionais de
saúde, envolvidos no processo, (Médicos, [JC], [DE], [RF], [LC], [PM], [CC], [AP] e os
Enfermeiros, [RF], [AG], e [VB]) constatou-se que:
1. A D. [MCF], foi admitida no Serviço de Urgência (SU) da Unidade Local de Saúde
do Alto Minho (ULSAM), às 21:44h do dia 11 de abril de 2014;
2. Foi atendida, na Triagem, pelo enfermeiro [VB], às 21:55h desse mesmo dia,
queixando-se de "vómitos persistentes, diarreia e eventual perda de consciência com
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quadro confusional", mas, nesse momento, com estado de consciência normal, o que
determinou a seleção do Fluxograma "Vómitos" (do protocolo de Triagem de
Manchester), tendo como discriminador "Vómitos persistentes" e a consequente
atribuição de prioridade de atendimento, "Amarelo";
3. Entre as 21:55 horas e as 22:51 horas, foi observada pelo médico de Medicina
Geral e Familiar (MGF), Dr. [JC], o qual registou o episódio de perda de consciência,
no domicílio, como lipotimia, confirmando um estado de consciência normal no
momento em que avaliou a doente, com pontuação de 15 na Escala de Glasgow
(registo efetuado pelas 22:54h) e sem outras alterações significativas ao exame
físico, para além de alguma palidez/astenia;
4. Não havia referência a cefaleias nem evidência de traumatismo craniano;
5. Considerando a hipótese clínica de GASTROENTERITE AGUDA, segundo referiu,
requisitou Exames Auxiliares de Diagnóstico (EAD), no sentido de avaliar possíveis
causas/consequências dos vómitos e diarreia descritos bem como de diagnósticos
diferenciais possíveis - tal como, por exemplo, a pancreatite aguda;
6. Como prática comum, contactou, de seguida, o acompanhante/ familiar da doente,
colocando-o ao corrente da situação clínica e da necessidade da mesma permanecer
sob observação, no SU, ficando a aguardar-se o resultado dos exames solicitados e
o efeito da terapêutica a administrar (metoclopramida, butilescopolamina,
paracetamol e fluidoterapia intravenosa) (IV);
7. O Dr. [JC] terminou o seu turno pelas 24:00h do dia 11 de Abril de 2014,
transmitindo, à colega de MGF que o veio substituir, Dra. [DE], a habitual
necessidade de verificação dos resultados dos exames em curso e de vigilância da
situação;
8. Os resultados analíticos reforçaram, em parte, as hipóteses clínicas colocadas,
mantendo-se a doente colaborante e orientada, embora com queixas de desconforto
e mal-estar abdominal (sem vómitos ou diarreia presenciados), pelo que, pela 01:50h
do dia 12 de abril de 2014, apesar de considerar tratar-se apenas de uma
GASTROENTERITE AGUDA com consequente hipovolémia, a Dra. [DE] requisitou
uma Radiografia (Rx) do abdómen simples em pé, a qual foi realizada às 02:07h do
mesmo dia, e que, de facto, nada revelou de anormal;
9. Por volta desta mesma hora, a doente mostrou alguma agitação e ansiedade, com
vontade de sair da maca para urinar, o que acabou por fazer, desconectando o
sistema de soros e levando a enfermeira de serviço, [AG] a comunicar o sucedido à
equipa médica do turno da noite;
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10. Estando por perto a outra médica de MGF, Dra. [CC], que completava a equipa
de Triagem médica do SU, embora a mesma não consiga lembrar-se inteiramente do
ocorrido nessa noite, considerou não lhe ter chamado atenção especial qualquer
situação fora do comum mas que poderá eventualmente ter recomendado a
administração de medicação ansiolítica (benzodiazepina);
11.Nenhuma das médicas de serviço à Triagem Geral do SU, durante a noite de 11
para 12 de Abril de 2014, se recordava de ter sido alguma vez abordada pelo marido
da doente, mas referiram ser sua prática habitual a comunicação aos familiares da
necessidade de manutenção dos doentes no SU, para vigilância;
12. Por volta das 05:00h da madrugada de 12/04/2014, a Dra. [DE] reavaliou a D.
[MCF], que se encontrava a dormir calmamente, segundo recorda, acordando ao
chamamento, e apresentando-se consciente, colaborante e orientada, eupneica,
descrevendo, à referida médica, as mesmas queixas de indisposição, náuseas
persistentes e dor/mal-estar abdominal, pelo que esta solicitou então parecer de
Cirurgia Geral (05:52h), através da aplicação informática Alert;
13. Na avaliação das 06:51h, a doente apresentava hipertensão arterial sistólica (já
conhecida nos seus antecedentes pessoais) e mantinha náuseas, pelo que foi
medicada com anti-hipertensor (captopril, 06:54h) 25 mg oral e antiemético
(metoclopramida, 06:55h), mantendo-se com fluidoterapia iv;
14. Estando em curso o pedido de avaliação por Cirurgia Geral, pelas 08:00h da
manhã do dia 12 de Abril de 2014, a doente foi deslocada da Triagem Geral para o
corredor central do SU;
15. Interrogado o Dr. [AP], especialista de Medicina Interna e, à data do sucedido,
Diretor do Serviço de Urgência, o mesmo confirmou terem sido respeitados os
"timings" de resposta, segundo prática interna recomendada, quer pela Triagem, quer
pela primeira observação médica ou mesmo no pedido/realização dos vários exames
auxiliares de diagnóstico e na articulação entre as várias especialidades médicas;
16. No intervalo entre as 05:00h e as 11:36h do dia 12 de Abril de 2014 (altura em
que voltaram a ser colhidas análises para reavaliação), não soaram quaisquer sinais
de alerta relativamente à evolução do estado da D. [MCF], nomeadamente
despoletados pelo seu familiar/ acompanhante que, de algum modo, pudessem
chamar a atenção dos profissionais de saúde para uma situação de maior gravidade;
17. Pelas 12:00h, uma enfermeira de serviço ao turno da manhã, no SU, desse dia
12 de Abril de 2014, [RF], notou, na doente, respiração ruidosa e mais acelerada,
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tendo desde logo alertado a médica de Cirurgia Geral, Dra. [LC], para a necessidade
de re-examinar a doente;
18. A médica prontificou-se desde logo a reavaliar a doente (estando então
acompanhada pelo marido que se encontrava calmamente a seu lado e sem nada
assinalar de anormal), constatando, no exame físico que a palpação abdominal já
não despertava dor mas que a D. [MCF] se encontrava arreativa ao estímulo verbal,
sem abrir os olhos, com movimentos de extensão ao estímulo doloroso (pontuava 4
na Escala de Coma de Glasgow);
19. A médica requisitou, então, uma Tomografia Axial Computorizada
Craneoencefálica (TAC CE, 12:15h) e os pareceres de Neurologia e Medicina Interna
(12:25h), pois, nesse momento, o quadro clínico passou a ser sugestivo, não de
patologia abdominal ou digestiva mas sim neurológica;
20. Efetuou ainda colheita de sangue para análise dos gases sanguíneos, a qual
revelou alcalose respiratória com normal oxigenação (saturação de O2 98% epO2
l00mmHg, em ar ambiente);
21. A Neurologista de serviço ao SU, nesse dia 12 de Abril de 2014, Dra. [RF]
observou a D. [MCF], de imediato, ou seja, também pelas 12:00h (registo gravado às
12:29h), confirmando o coma de pontuação de 4 na Escala de Glasgow e colocando
a hipótese clínica de Acidente Vascular Cerebral Vertebro-basilar (AVC VB);
22. Ficou a aguardar o resultado da TAC CE que entretanto a doente já fora fazer;
23.O resultado deste exame revelou a existência de "Extensa hemorragia
subaracnóide e ventricular... talvez por rotura de aneurisma";
24. Por inexistência da Especialidade de Neurocirurgia na ULSAM, foi estabelecido
pronto contacto com o Serviço de Neurocirurgia ([Dr. R]) do Hospital de referência
(Braga), o qual aceitou transferência da doente;
25. Para assegurar as melhores condições de transporte da doente, de acordo com
as Normas da Sociedade Portuguesa de Cuidados Intensivos, foi ativada a equipa da
Unidade de Cuidados Intensivos da ULSAM, tendo sido convocado o Dr. [PM], de
serviço nesse dia à Unidade, para estabilização hemodinâmica, garantia de
permeabilidade da via aérea e transporte adequado da doente até Braga;
26. Entretanto, entre a primeira e a segunda avaliação de Neurologia (entre as
13:25h e as 13:37h, altura em que a doente é transferida), houve agravamento do
estado neurológico, surgindo anisocoria e, pelas 14:24h, consta dos registos clínicos
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de enfermagem a descida da pontuação da Escala de Glasgow para 3 (coma mais
profundo);
27. Tanto a Neurologista, Dra. [RF], como o médico de Medicina Interna/Intensiva,
Dr. [PM], asseguraram ter comunicado, cada um a seu tempo, ao familiar da doente,
qual o ponto da situação, nível de gravidade, expectativas terapêuticas e prognóstico
provável;
IV-CONCLUSÃO
Atendendo a tudo quanto fica dito, conclui-se:
28. Embora pese o destino fatídico de uma senhora ainda jovem, no presente caso, o
quadro de sinais e sintomas apresentado à data da admissão era inespecífico,
embora favorecendo a hipótese clínica de GASTROENTERITE AGUDA, sem nunca
haver referência a cefaleias que, mais facilmente orientariam o diagnóstico para a
etiologia correta, havendo, por outro lado a queixa de diarreia, atípica nessa
situação;
29. Os vários profissionais foram colocando hipóteses diagnosticas alinhadas com
patologia abdominal aguda, com rebate no estado geral, até que um súbito
agravamento do estado de consciência colocou a médica de Cirurgia na pista de um
evento cerebrovascular, mesmo assim não parecendo claramente um processo
hemorrágico à Neurologista que observou a doente, já que levantou apenas a
suspeita de AVC VB, só se confirmando o diagnóstico de Hemorragia Subaracnoide
posteriormente, após o resultado da TAC CE;
30. Só se tornou possível equacionar um novo diagnóstico e orientar devidamente a
situação após o quadro clínico ter evoluído de forma inesperada face à hipótese
inicial de Gastroenterite aguda (entendida como a mais provável, de acordo com o
quadro clínico na admissão) mas, infelizmente, já numa fase de rápida progressão de
lesão cerebral.
31. Deste modo, parece poder concluir-se que a forma de apresentação e a evolução
clínica, atípicas no presente caso, perturbaram o percurso do diagnóstico e
determinaram o seu penoso desfecho.
V - PROPOSTA
Assim, com base no descrito nos pontos III e IV deste Relatório, propõe-se nos
termos da alínea a), n° 1, do art° 71, da Lei 58/2008 (Estatuto Disciplinar dos
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Trabalhadores que Exercem Funções Públicas), o arquivamento do presente
Processo de Inquérito. […]”.
12. O prestador vem ainda juntar cópia do episódio de urgência referente ao dia 11 de abril
de 2014, que para o que ao presente processo importa se passa a transcrever:
a) a utente deu entrada no dia 11 de abril de 2014, pelas 21:44;
b) foi triada, pelas 21:55 do dia 11 de abril de 2014 , com pulseira amarela (fluxograma
vómitos – discriminador : vómitos persistentes), por vómitos persistentes, diarreia e terá
perdido consciência com quadro confusional;
c) pelas 22h51 do dia 11 de abril de 2014, é vista pelo médico que refere “lipotimia no
domicílio, encontrada pelo marido. Doente com quadro de vómitos persistentes,
diarreia, desorientação/confusão”;
d) pelas 12h25 do dia 12 de abril de 2014 novo registo onde se pode ler: “História de
lipotimia/síncope no domicílio ontem pelas 20h […] estado confusional e agitação
durante a noite […] peço TAC CE e OBS por neuro e MI”;
e) nas notas de enfermagem, pelas 05h09 do dia 11 de abril de 2014, pode ler-se “vem
por lipotimia no domicílio. Vómitos persistentes, diarreia, desorientação/confusão. […] à
entrada consciente, confusa, pouco colaborante […] mantém-se agitada e
desorientada, faz levante do leito e retirou acesso venoso, foi repuncionada.”
f) pelas 06h51 do dia 11 de abril de 2014 nova entrada de enfermagem “cerca das 2 h
por se encontrar muito agitada fez diazepam […] tendo sossegado; Mantém períodos
de agitação e confusão mental.”.
II.3. Do primeiro pedido de parecer clínico
13. Tendo em conta a necessidade avaliação técnica dos factos em presença, foi solicitado
parecer ao consultor médico da ERS, cujas conclusões, em suma, se reconduzem a:
“[…]Trata-se de situação de falecimento de doente com quadro de ruptura de
aneurisma cerebral, após entrada no SU da ULS Alto Minho, onde o quadro clinico,
de apresentação atípica, foi entendido como gastroenterite aguda.
A observação inicial da doente, realizada pelo Dr. [JC] às 22h51m do dia 11 de Abril
de 2014, refere “Historia de lipotimia no domicílio, trazida ao SU por vómitos, diarreia
e desorientação/confusão”.
A interpretação destes achados clínicos como secundários a hipovolemia (conforme
referido no processo de inquérito) parece não ter sustentabilidade nos resultados
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analíticos obtidos na colheita de sangue à entrada da doente, que apresenta
ionograma normal, ainda que com subida de glicemia, nem sinais de
hemoconcentração nos valores do hemograma. Por outro lado, pelas duas horas da
manhã está registado por enfermagem, agitação e confusão mental e que fez 10 mg
de Diazepam, não estando referido qualquer contacto com médico.
A evolução do quadro clinico, conforme descrita pelos diversos intervenientes
(médicos e enfermeiros) é confusa, parecendo haver vários contactos entre
enfermeiros e médicos ao longo da noite, que parecem contraditórios, com algumas
prescrições orais e ausência de reavaliações registadas.
Em face da apreciação clínica que antecede, cumpre apresentar as seguintes
conclusões e recomendações:
A assistência (ou ausência de) prestada à doente durante o período nocturno parece
ter sido fulcral para o desfecho da situação, devido a um diagnóstico que, embora
inicialmente pudesse explicar o quadro clinico, apresentava algumas lacunas que
poderiam ter levado a questionar o mesmo, em especial perante os resultados
analíticos iniciais. Parece que a doente não terá sido reobservada (pelo menos não
existem registos que o contradigam), havendo prescrições orais, também não
registadas, feitas apenas com base em informação de enfermagem e sem
reobservação da doente.
Com base no quadro clinico e resultados analíticos iniciais, as alterações de
comportamento não se poderiam explicar apenas como sendo devidas a hipovolemia
secundária à diarreia e aos vómitos (conforme processo de inquérito) pelo que o
diagnóstico inicial deveria ter sido questionado. A solicitação de observação por
Cirurgia Geral não aparece nos registos mas teria sido feita pelas 6h do dia 12
(conforme processo de inquérito), antes da mudança de equipa de urgência, não
tendo a doente sido observada por essa equipa.
É meu entendimento que não foram cumpridas as regras de segurança dos doentes
uma vez que, a doente foi apresentando evolução do quadro clinico, sem reavaliação
pelos clínicos de serviço, com várias prescrições não registadas, não sendo possível
perceber se foram apenas orais ou se foram decididas pelos elementos de
enfermagem, pelo que proponho que o processo seja enviado às respectivas Ordens
Profissionais. […]” – cfr relatório de apreciação clínica junto aos autos.
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II.4. Do segundo pedido de informação à ULSAM
14. Já em sede de processo de inquérito, foram solicitados esclarecimentos adicionais ao
prestador, em 19 de outubro de 2016, designadamente o envio de:
“[…]1. Remetam cópia dos procedimentos em vigor nessa unidade que permitam
concluir que “[…]os “timings” de resposta, segundo prática interna recomendada,
quer pela triagem, quer pela primeira observação médica ou mesmo
pedido/realização dos vários exames auxiliares de diagnóstico com articulação entre
as várias especialidades médicas […]” foram respeitados, de acordo com as
declarações do Diretor do Serviço de urgência, transcritas no ponto 15 do processo
de inquérito interno registado sob o n.º 15/2014.
2. Remetam cópia dos registos de enfermagem da utente [MCF] referente aos dias
11 e 12 de abril de 2014;
3. Procedam ao envio de quaisquer esclarecimentos complementares julgados
necessários e relevantes à análise do caso concreto. […]”
15. Em 15 de novembro de 2016, o prestador veio aos autos prestar a seguinte
informação:
[…] 1 e 3 - No caso em apreciação e até reavaliação pela especialidade, solicitada
através do programa informático ALERT, a responsabilidade da situação é do médico
que solicita tal colaboração. Só após a observação pelo especialista requisitado há
transferência de responsabilidade.
No caso de agravamento de estado do doente, o primeiro médico deverá contatar
pessoalmente o especialista já solicitado, via ALERT.
Esta circunstância não se terá verificado neste caso face ao aparecimento tardio de
sinais e sintomas que alertaram para uma patologia mais grave do que a inicialmente
apresentada.
2 - Remetemos em anexo cópia dos registos de enfermagem da utente MCF,
referentes aos dias 11 e 12 de Abril de 2014. […]
II.5 Da adenda ao parecer clínico
16. Tendo em conta a necessidade de avaliação técnica dos novos elementos trazidos ao
conhecimento da ERS pela ULSAM, foi solicitado novo parecer ao consultor médico da
ERS, o qual elaborou uma adenda ao seu relatório de apreciação inicial, referindo o
seguinte:
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“[…] A resposta ao segundo pedido de informação só dá mais consistência ao atrás
referido. Não tenho mais nada a acrescentar.[…]”.
III. DO DIREITO
III.1. Das atribuições e competências da ERS
17. De acordo com o preceituado no n.º 1 do artigo 4.º e no n.º 1 do artigo 5.º, ambos dos
Estatutos da ERS, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 126/2014, de 22 de agosto, a ERS
tem por missão a regulação, a supervisão e a promoção e defesa da concorrência,
respeitantes às atividades económicas na área da saúde dos setores privado, público,
cooperativo e social, e, em concreto, à atividade dos estabelecimentos prestadores de
cuidados de saúde;
18. Sendo que estão sujeitos à regulação da ERS, nos termos do n.º 2 do artigo 4.º dos
mesmos Estatutos, todos os estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde, do
setor público, privado, cooperativo e social, independentemente da sua natureza
jurídica.
19. Consequentemente, a Unidade Local de Saúde do Alto Minho, E.P.E, é uma entidade
prestadora de cuidados de saúde, com o NIPC 508786193, registado no SRER da
ERS, sob o n.º 13077, detentor de um estabelecimento denominado Hospital de Santa
Luzia de Viana do Castelo, registado sob o n.º 104645 e sito na Estrada de Santa Luzia
4900 - 858 Viana do Castelo.
20. As atribuições da ERS, de acordo com o n.º 2 do artigo 5.º do dos Estatutos da ERS
compreendem “a supervisão da atividade e funcionamento dos estabelecimentos
prestadores de cuidados de saúde, no que respeita […entre outros] [ao] “cumprimento
dos requisitos de exercício da atividade e de funcionamento”, [à] “garantia dos direitos
relativos ao acesso aos cuidados de saúde”, e à “prestação de cuidados de saúde de
qualidade, bem como dos demais direitos dos utentes”.
21. Com efeito, são objetivos da ERS, nos termos das alíneas b), c) e d) do artigo 10º dos
Estatutos da ERS, “assegurar o cumprimento dos critérios de acesso aos cuidados de
saúde”; “garantir os direitos e interesses legítimos dos utentes” e “zelar pela prestação
de cuidados de saúde de qualidade”.
22. No que toca, ao objetivo regulatório previsto na alínea c) do artigo do artigo 10.º dos
Estatutos da ERS, de garantia dos direitos e legítimos interesses dos utentes, a alínea
a) do artigo 13.º do mesmo diploma estabelece ser incumbência da ERS “apreciar as
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queixas e reclamações dos utentes e monitorizar o seguimento dado pelos
estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde às mesmas
23. Já no que se refere ao objetivo consagrado na alínea d) do artigo 10.º dos Estatutos
da ERS, a alínea c) do artigo 14.º do mesmo diploma prescreve que compete à ERS
“garantir o direito dos utentes à prestação de cuidados de saúde de qualidade”.
24. Para tanto, a ERS pode assegurar tais incumbências mediante o exercício dos seus
poderes de supervisão, consubstanciado, designadamente, no dever de zelar pela
aplicação das leis e regulamentos e demais normas aplicáveis, e ainda mediante a
emissão de ordens e instruções, bem como recomendações ou advertências
individuais, sempre que tal seja necessário, sobre quaisquer matérias relacionadas
com os objetivos da sua atividade reguladora, incluindo a imposição de medidas de
conduta e a adoção das providências necessárias à reparação dos direitos e interesses
legítimos dos utentes – cfr. alíneas a) e b) do artigo 19.º dos Estatutos da ERS.
25. Considerando as referidas atribuições e competências, a ERS deverá assegurar a
cautela dos direitos e interesses legítimos dos utentes, em especial o direito de acesso
a cuidados de saúde de qualidade e em tempo útil e adequados à sua situação clínica,
e dessa forma procurando evitar a repetição futura de situações como as verificadas
nos presentes autos.
III.2. Do direito de acesso aos cuidados de saúde em tempo clinicamente aceitável
26. O direito à proteção da saúde, consagrado no artigo 64.º da Constituição da República
Portuguesa (doravante CRP), tem por escopo garantir o acesso de todos os cidadãos
aos cuidados de saúde, o qual será assegurado, entre outras obrigações impostas
constitucionalmente, através da criação de um Serviço Nacional de Saúde (SNS)
universal, geral e, tendo em conta as condições económicas e sociais dos cidadãos,
tendencialmente gratuito.
27. Dito de outro modo, a CRP impõe que o acesso dos cidadãos aos cuidados de saúde
no âmbito do SNS deve ser assegurado em respeito pelos princípios fundamentais
plasmados naquele preceito constitucional, designadamente a universalidade,
generalidade e gratuitidade tendencial.
28. Por sua vez, a Lei de Bases da Saúde, aprovada pela Lei n.º 48/90, de 24 de agosto,
em concretização da imposição constitucional contida no referido preceito, estabelece
no n.º 4 da sua Base I que “os cuidados de saúde são prestados por serviços e
estabelecimentos do Estado ou, sob fiscalização deste, por outros entes públicos ou
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por entidades privadas, sem ou com fins lucrativos”, consagrando-se nas diretrizes da
política de saúde estabelecidas na Base II que “é objetivo fundamental obter a
igualdade dos cidadãos no acesso aos cuidados de saúde, seja qual for a sua condição
económica e onde quer que vivam, bem como garantir a equidade na distribuição de
recursos e na utilização de serviços”;
29. Bem como estabelece na sua Base XXIV como características do SNS:
“a) Ser universal quanto à população abrangida;
b) Prestar integradamente cuidados globais ou garantir a sua prestação;
c) Ser tendencialmente gratuito para os utentes, tendo em conta as condições
económicas e sociais dos cidadãos”;
30. No respeitante à vertente qualitativa, o acesso aos cuidados de saúde deve ser
compreendido como o acesso aos cuidados que, efetivamente, são necessários e
adequados à satisfação das concretas necessidades dos mesmos;
31. O que significa que a necessidade de um utente deve ser satisfeita mediante a
prestação de serviços consentâneos com o estado da arte e da técnica, e que sejam os
reputados como necessários e adequados, sob pena do consequente desfasamento
entre procura e oferta na satisfação das necessidades.
32. Cumprindo, por isso, analisar se o comportamento adotado pelos prestadores em
causa nos presentes autos, foi suficiente para garantir o cumprimento do dever
prestação de cuidados necessários e atempados, imposto aos mesmos.
III.3. Do enquadramento legal da prestação de cuidados – dos direitos e interesses
legítimos dos utentes
33. O utente dos serviços de saúde tem direito a que os cuidados de saúde sejam
prestados com observância e em estrito cumprimento dos parâmetros mínimos de
qualidade legalmente previstos, quer no plano das instalações, quer no que diz respeito
aos recursos técnicos e humanos utilizados.
34. Os utentes dos serviços de saúde que recorrem à prestação de cuidados de saúde
encontram-se, não raras vezes, numa situação de vulnerabilidade que torna ainda mais
premente a necessidade de os cuidados de saúde serem prestados pelos meios
adequados, com prontidão, humanidade, correção técnica e respeito.
35. Sempre e em qualquer situação, toda a pessoa tem o direito a ser respeitada na sua
dignidade, sobretudo quando está inferiorizada, fragilizada ou perturbada pela doença.
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36. A este respeito, encontra-se reconhecido na LBS, mais concretamente na sua alínea c)
da Base XIV, o direito dos utentes a serem “tratados pelos meios adequados,
humanamente e com prontidão, correção técnica, privacidade e respeito”.
37. Norma que é melhor desenvolvida e concretizada no artigo 4.º ("Adequação da
prestação dos cuidados de saúde”) da Lei n.º 15/2014, de 21 de março, segundo o qual
“O utente dos serviços de saúde tem direito a receber, com prontidão ou num período
de tempo considerado clinicamente aceitável, consoante os casos, os cuidados de
saúde de que necessita” (n.º 1).
38. Tendo o utente, bem assim, “(…) direito à prestação dos cuidados de saúde mais
adequados e tecnicamente mais corretos” (n.º 2).
39. Estipulando, ainda, o n.º 3 que “Os cuidados de saúde devem ser prestados
humanamente e com respeito pelo utente”.
40. Quanto ao direito do utente ser tratado com prontidão, o mesmo encontra-se
diretamente relacionado com o respeito pelo tempo do paciente1, segundo o qual deve
ser garantido o direito do utente a receber o tratamento necessário dentro de um rápido
e predeterminado período de tempo, em todas as fases do tratamento.
41. Aliás, o Comité Económico e Social Europeu (CESE), no seu Parecer sobre “Os
direitos do paciente”, refere que o “reconhecimento do tempo dedicado à consulta, à
escuta da pessoa e à explicação do diagnóstico e do tratamento, tanto no quadro da
medicina praticada fora como dentro dos hospitais, faz parte do respeito das pessoas
[sendo que esse] investimento em tempo permite reforçar a aliança terapêutica e
ganhar tempo para outros fins [até porque] prestar cuidados também é dedicar tempo”.
42. Quando o legislador refere que os utentes têm o direito de ser tratados pelos meios
adequados e com correção técnica, está a referir-se à utilização, pelos prestadores de
cuidados de saúde, dos tratamentos e tecnologias tecnicamente mais corretas e que
melhor se adequam à necessidade concreta de cada utente.
43. Ou seja, deve ser reconhecido ao utente o direito a ser diagnosticado e tratado à luz
das técnicas mais atualizadas, e cuja efetividade se encontre cientificamente
comprovada, sendo, porém, obvio que tal direito, como os demais consagrados na
LBS, terá sempre como limite os recursos humanos, técnicos e financeiros disponíveis
– cfr. n.º 2 da Base I da LBS.
1 Vd. o ponto 7. da “Carta Europeia dos Direitos dos Utentes”.
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44. Por outro lado, quando, na alínea c) da Base XIV da LBS, se afirma que os utentes
devem ser tratados humanamente e com respeito, tal imposição decorre diretamente
do dever de os estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde atenderem e
tratarem os seus utentes em respeito pela dignidade humana, como direito e princípio
estruturante da República Portuguesa.
45. De facto, os profissionais de saúde que se encontram ao serviço dos estabelecimentos
prestadores de cuidados de saúde devem ter redobrado cuidado em respeitar as
pessoas particularmente frágeis em razão de doença ou deficiência.
46. Efetivamente, sendo o direito de respeito do utente de cuidados de saúde um direito
ínsito à dignidade humana, o mesmo manifesta-se através da imposição de tal dever a
todos os profissionais de saúde envolvidos no processo de prestação de cuidados, o
qual compreende, ainda, a obrigação de os estabelecimentos prestadores de cuidados
de saúde possuírem instalações e equipamentos que proporcionem o conforto e o
bem-estar exigidos pela situação de fragilidade em que o utente se encontra.
47. Quanto ao direito do utente ser tratado com prontidão, o mesmo encontra-se
diretamente relacionado com o respeito pelo tempo do paciente, segundo o qual
deverá ser garantido o direito do utente a receber o tratamento necessário dentro de
um rápido e predeterminado período de tempo em todas as fases do tratamento.
48. Ora, no âmbito das atribuições e competências acima expostas, verificamos que a
situação que deu origem aos autos é suscetível de impactar com diversas matérias na
área da saúde, pelo que incumbirá à ERS averiguar e analisar o caso com maior
detalhe, para aferir se existe, efetivamente, necessidade de uma intervenção
acrescida, e, se existir, aferir em que termos ela deve ser feita.
III.4. Análise da situação concreta
49. Face à situação em causa nos presentes autos importa, por um lado, avaliar os
constrangimentos verificados no atendimento da utente e, por outro lado, averiguar do
funcionamento e do cumprimento de protocolos, regras e procedimentos no serviço de
urgência da ULSAM, por forma a evitar a repetição futura de situações como as
verificadas nos presentes autos.
50. Assim, a atuação da ERS sobre a situação em causa estará delimitada às suas
atribuições e competências, designadamente no que toca a “garantir os direitos e
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interesses legítimos dos utentes” e “zelar pela prestação de cuidados de saúde de
qualidade”.
51. Por conseguinte, caberá à ERS aferir da adequação dos procedimentos adotados no
decurso do episódio clínico relatado e a sua compatibilidade com a necessidade de
assegurar de forma permanente, efetiva e em tempo útil a prestação de cuidados de
saúde que se apresentem como adequados à satisfação das necessidades dos
utentes.
52. Importa referir que a presente exposição foi igualmente remetida, diretamente pelo
reclamante, para outras Entidades competentes, como a Ordem dos Médicos e a
Procuradoria-Geral da República.
53. Assim, não se procederá a uma avaliação clínica quanto aos concretos cuidados de
saúde aplicados, por se tratar de matéria que não se insere no âmbito de atribuições e
competências desta Entidade Reguladora.
54. Contudo, considerando o parecer clínico elaborado pelo perito consultado pela ERS, de
“[…] que o processo seja enviado às respectivas Ordens Profissionais”, considera-se
dever remeter cópia dos presentes autos à Ordem dos Médicos e à Ordem dos
Enfermeiros, enquanto Instituições às quais caberá aferir da existência ou não de
fundamentação clínica para as decisões adotadas pelo Unidade Local de Saúde do
Alto Minho, E.P.E no caso concreto em análise, solicitando-se que seja dado
conhecimento à ERS das conclusões que venham a ser apuradas.
55. Com efeito, da análise dos elementos carreados para os autos, resulta que a utente:
a) deu entrada no Serviço de Urgência (SU), no dia 11 de abril de 2014, pelas 21:44;
b) foi triada, pelas 21:55 do dia 11 de abril de 2014 , com pulseira amarela (fluxograma
vómitos – discriminador: vómitos persistentes), com a indicação de “vómitos
persistentes, diarreia e terá perdido consciência com quadro confusional”;
c) pelas 22h51, do dia 11 de abril de 2014, na 1ª observação médica, o clínico refere
“lipotimia no domicílio, encontrada pelo marido. Doente com quadro de vómitos
persistentes, diarreia, desorientação/confusão”;
d) pelas 12h25 do dia 12 de abril de 2014, novo registo onde se pode ler: “História de
lipotimia/síncope no domicílio ontem pelas 20h […] estado confusional e agitação
durante a noite […] peço TAC CE e OBS por neuro e MI”;
e) nas notas de enfermagem, pelas 05h09 do dia 11 de abril de 2014, pode ler-se “vem
por lipotimia no domicílio. Vómitos persistentes, diarreia, desorientação/confusão. […] à
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entrada consciente, confusa, pouco colaborante […] mantém-se agitada e
desorientada, faz levante do leito e retirou acesso venoso, foi repuncionada.”
f) pelas 06h51 do dia 11 de abril de 2014 nova entrada de enfermagem “cerca das 2 h
por se encontrar muito agitada fez diazepam […] tendo sossegado; Mantém períodos
de agitação e confusão mental.”.
56. Por sua vez, em sede de processo de inquérito interno 15/2014, é referido o seguinte:
a) […] O Dr. [JC] terminou o seu turno pelas 24:00h do dia 11 de Abril de 2014,
transmitindo, à colega de MGF que o veio substituir, Dra. [DE], a habitual necessidade
de verificação dos resultados dos exames em curso e de vigilância da situação;
Os resultados analíticos reforçaram, em parte, as hipóteses clínicas colocadas,
mantendo-se a doente colaborante e orientada, embora com queixas de desconforto e
mal-estar abdominal (sem vómitos ou diarreia presenciados), pelo que, pela 01:50h do
dia 12 de abril de 2014, apesar de considerar tratar-se apenas de uma
GASTROENTERITE AGUDA com consequente hipovolémia, a Dra. [DE] requisitou
uma Radiografia (Rx) do abdómen simples em pé, a qual foi realizada às 02:07h do
mesmo dia, e que, de facto, nada revelou de anormal […].”
57. Note-se que, apesar de o RX do abdómen ter sido requisitado, pelas 01h50 pela Dr.ª
[DE], tal como indicado no processo n.º 15/2014, não existem registos, nem qualquer
nota, no relatório do episódio de urgência sobre o resultado do exame prescrito.
58. Ainda é descrito no processo de inquérito interno n.º 15/2014, que:
“[…] Por volta desta mesma hora [02:00h] a doente mostrou alguma agitação e
ansiedade, com vontade de sair da maca para urinar, o que acabou por fazer,
desconectando o sistema de soros e levando a enfermeira de serviço, [AG] a
comunicar o sucedido à equipa médica do turno da noite;
Estando por perto a outra médica de MGF, Dra. [CC], que completava a equipa de
Triagem médica do SU, embora a mesma não consiga lembrar-se inteiramente do
ocorrido nessa noite, considerou não lhe ter chamado atenção especial qualquer
situação fora do comum mas que poderá eventualmente ter recomendado a
administração de medicação ansiolítica (benzodiazepina)[…]”
59. Ora, de acordo com o relatório do episódio de urgência, não existe informação sobre a
prescrição da referida médica, existe apenas uma informação cerca das 06h51, nas
notas de enfermagem, que refere que […] cerca das 2 h por se mostrar muito agitada
fez diazepan 10 mg im. Mantem períodos de agitação e confusão mental […]
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60. Assim, existe no processo uma informação contraditória, por um lado, a médica […]
Dra. [CC], considerou […] não lhe ter chamado atenção especial qualquer situação fora
do comum […], no entanto, prescreveu à utente medicação ansiolítica, sem sequer ter
avaliado a utente - não existe qualquer registo dessa avaliação;
61. Por outro lado, se a equipa médica tinha informação sobre a situação ocorrida com a
utente e o seu estado de agitação e confusão mental, como parecem indicar as
conclusões do processo n.º 15/2014, mal se compreende que nenhum médico de
serviço tenha ido junto da utente avaliar a situação;
62. Apesar de nas notas de enfermagem, registadas às 5h09, ser explícito que a utente se
encontrava “agitada”, “desorientada”, “retirou o acesso venoso”;
63. Com nova contradição: agora avaliada pela Dr. [DE], “[…] Por volta das 05:00h da
madrugada de 12/04/2014, a D. [MCF], que encontrava-[se] a dormir calmamente,
acordando ao chamamento, e apresentando-se consciente, colaborante e orientada,
eupneica, descrevendo, à médica, as mesmas queixas de indisposição, náuseas
persistentes e dor/mal-estar abdominal, pelo que esta solicitou então parecer de
Cirurgia Geral (05:52h), através da aplicação informática Alert […] – sublinhado nosso.
64. A consulta de cirurgia foi respondida pela Dr. [LC], cerca das 11h41, cerca de 5 horas
após o pedido de avaliação pela especialidade;
65. Solicitados esclarecimentos à ULSAM sobre os “[…]"timings" de resposta, segundo
prática interna recomendada, quer pela Triagem, quer pela primeira observação
médica ou mesmo no pedido/realização dos vários exames auxiliares de diagnóstico e
na articulação entre as várias especialidades médicas […]”;
66. O prestador refere o seguinte: “[…] No caso em apreciação e até reavaliação pela
especialidade, solicitada através do programa informático ALERT, a responsabilidade
da situação é do médico que solicita tal colaboração. Só após a observação pelo
especialista requisitado há transferência de responsabilidade. No caso de agravamento
de estado do doente, o primeiro médico deverá contatar pessoalmente o especialista já
solicitado, via ALERT. Esta circunstância não se terá verificado neste caso face ao
aparecimento tardio de sinais e sintomas que alertaram para uma patologia mais grave
do que a inicialmente apresentada. […]”
67. Finalmente, “[…] Pelas 12:00h, uma enfermeira de serviço ao turno da manhã, no SU,
desse dia 12 de Abril de 2014, notou, na doente, respiração ruidosa e mais acelerada,
tendo desde logo alertado a médica de Cirurgia Geral, Dra. [LC], para a necessidade
de re-examinar a doente, que o fez prontamente, tendo requisitado TAC CE pelas
12:15h) e os pareceres de Neurologia e Medicina Interna (12:25h)[…]”
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68. O resultado do TAC CE mostra “[…] extensa hemorragia subaracnoide e ventricular
[…] existe hematoma aparentemente extra axial na região suprasselar à esquerda que
provavelmente traduz o ponto de origem da hemorragia, talvez por rotura de aneurisma
[…]”.
69. A utente é então observada pela médica neurologista Dr.ª [RF], que transfere a utente
para o Hospital de Braga, após contacto telefónico cerca das 13h25;
70. A transferência é efetuada em hora que não foi possível apurar, que, de acordo com os
registos terá sido pelas 13h37, apesar de existirem registos efetuados pelas 14h15 (Dr.
PM) e 14h24 (registo de enfermagem).
71. Note-se que a utente, durante a estadia no SU, esteve sempre numa área de OBS,
mas sem que tenha sido reavaliada no decurso do episódio, situação aliás que
mereceu a seguinte apreciação do consultor médico da ERS:
“[…] A assistência (ou ausência de) prestada à doente durante o período nocturno
parece ter sido fulcral para o desfecho da situação, devido a um diagnóstico que,
embora inicialmente pudesse explicar o quadro clinico, apresentava algumas lacunas
que poderiam ter levado a questionar o mesmo, em especial perante os resultados
analíticos iniciais.
Parece que a doente não terá sido reobservada (pelo menos não existem registos
que o contradigam), havendo prescrições orais, também não registadas, feitas
apenas com base em informação de enfermagem e sem reobservação da doente.
[…]
A doente foi apresentando evolução do quadro clinico, sem reavaliação pelos clínicos
de serviço, com várias prescrições não registadas, não sendo possível perceber se
foram apenas orais ou se foram decididas pelos elementos de enfermagem. […]”.
72. Pelo exposto, constata-se que a conduta da ULSAM, não se revelou suficiente à
garantia dos direitos e interesses legítimos da utente, em especial o direito à prestação
de cuidados de saúde de qualidade, em tempo útil e adequados à sua situação clínica;
73. Na medida em que o prestador não terá acautelado o devido acompanhamento da
utente, durante o episódio de urgência, garantido uma permanente e efetiva
monitorização clínica, apta a assegurar que pudesse ser tratada com correção técnica
e em tempo útil;
74. Ademais, é de salientar que os registos clínicos dos cuidados de saúde devem ser
fiáveis e reproduzir a real situação do utente, bem como os cuidados efetivamente
prestados;
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75. E que os mesmos são uma ferramenta importante, na medida em que são uma
garantia de qualidade da prestação de cuidados de saúde, prevenindo a ocorrência de
erros por parte dos diversos profissionais envolvidos, promovendo uma melhor
coordenação e articulação entre os serviços, bem como acautelando qualquer impacto
negativo na condição de saúde dos utentes;
76. Certo é que nenhuma vantagem se retira da existência de procedimentos,
nomeadamente aqueles respeitantes aos registos clínicos, nas mais diversas áreas de
intervenção, sem que se garanta, paralelamente, que os mesmos são efetivamente
aplicados, em todos os momentos e em todas as dimensões da atuação dos
prestadores, na prestação de cuidados aos utentes.
77. Com efeito, recorde-se, o direito à qualidade dos cuidados implica o cumprimento de
requisitos legais e regulamentares de exercício, de manuais de boas práticas, de
normas de qualidade e de segurança, e de normas de acreditação e certificação.
78. Em face de todo o exposto, importa garantir a adoção da atuação regulatória infra
delineada, ao abrigo das atribuições e competências legalmente atribuídas à ERS, por
forma a assegurar o respeito dos direitos dos utentes à prestação de cuidados de
saúde de qualidade e com segurança, particularmente no que concerne à necessidade
da sua permanente monitorização no âmbito de episódios de urgência, bem como para
garantir que os registos clínicos dos utentes são fiáveis e reproduzem a sua real
situação clínica, bem como os cuidados efetivamente prestados;
79. Dessa forma se procurando evitar a repetição futura de situações como as verificadas
nos presentes autos.
IV. AUDIÊNCIA DOS INTERESSADOS
80. A presente deliberação foi precedida de audiência escrita dos interessados, nos
termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 122.º do Código do
Procedimento Administrativo, aplicável ex vi do artigo 24.º dos Estatutos da ERS,
tendo para o efeito sido chamados a pronunciar-se, relativamente ao projeto de
deliberação da ERS, o reclamante L.F. e a ULSAM.
81. Decorrido o prazo concedido para a referida pronúncia, a ERS rececionou, por ofício
datado de 23 de fevereiro de 2017, a comunicação do reclamante que em suma refere
o seguinte:
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“[…] L.F., interessado no processo em epígrafe, tendo sido notificado para se
pronunciar quanto ao projeto de deliberação proferido no mesmo, vem dizer […] que
concorda com o teor do mesmo […]”
82. Até ao momento presente a ERS, não recebeu qualquer comunicação do prestador.
83. Considerando o exposto, não resultaram quaisquer factos capazes de infirmar ou
alterar o sentido do projeto de deliberação da ERS, razão pela qual se propõe a sua
manutenção na íntegra.
V. DECISÃO
84. Tudo visto e ponderado, e não tendo sido garantida uma prestação de cuidados de
saúde de qualidade e em segurança, o Conselho de Administração da ERS delibera, nos
termos e para os efeitos do preceituado nas alíneas a) e b) do artigo 19.º e alínea a) do
artigo 24.º dos Estatutos da ERS, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 126/2014, de 22 de
agosto, emitir uma instrução ao Unidade Local de Saúde do Alto Minho, E.P.E., no
sentido de dever:
a) Assegurar a existência de procedimentos, atinentes ao serviço de urgência, aptos a
garantir, de forma permanente e efetiva e em tempo útil, a prestação de cuidados de
saúde que se apresentem como necessários e adequados à satisfação das
necessidades dos utentes;
b) Implementar procedimentos que assegurem que, durante a permanência no serviço
de urgência, os utentes sejam devidamente monitorizados e acompanhados, de forma
consentânea com a verificação de eventuais alterações do seu estado de saúde e que
garantam uma resposta atempada e clinicamente integrada às mesmas;
c) Assegurar a existência de procedimentos que garantam que os registos clínicos dos
utentes sejam fiáveis e reproduzam a real situação clínica, bem como os cuidados
efetivamente prestados;
d) Garantir em permanência, através da emissão e divulgação de ordens e orientações
claras e precisas, que os referidos procedimentos sejam corretamente seguidos e
respeitados por todos os seus profissionais de saúde;
e) Dar cumprimento imediato à presente instrução, bem como dar conhecimento à ERS,
no prazo máximo de 30 dias úteis após a notificação da presente deliberação, dos
procedimentos adotados para o efeito.
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85. A instrução ora emitida constitui decisão da ERS, sendo que a alínea b) do n.º 1 do
artigo 61.º dos Estatutos da ERS, aprovados em anexo ao Decreto-Lei n.º 126/2014, de
22 de agosto, configura como contraordenação punível in casu com coima de € 1000,00
a € 44 891,81, “[….] o desrespeito de norma ou de decisão da ERS que, no exercício dos
seus poderes regulamentares, de supervisão ou sancionatórios determinem qualquer
obrigação ou proibição, previstos nos artigos 14.º, 16.º, 17.º, 19.º, 20.º, 22.º, 23.º ”;
86. Igualmente delibera o Conselho de Administração da ERS, remeter cópia dos
presentes autos à Ordem dos Médicos e à Ordem dos Enfermeiros, a quem caberá aferir
da existência ou não de fundamentação clínica para as decisões adotadas pelo Unidade
Local de Saúde do Alto Minho, E.P.E no caso concreto em análise, solicitando-se que
seja dado conhecimento à ERS das conclusões que venham a ser apuradas.
87. A deliberação final será enviada para conhecimento da Administração Regional de
Saúde do Norte, I.P..
Porto, 15 de março de 2017.
O Conselho de Administração.