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Delicias Do Descobrimento - Sheila Hue

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    Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e no mais lutando pordinheiro e poder, ento nossa sociedade poder enfim evoluir a um novo nvel.

  • SHEILA MOURA HUEcom a colaborao de

    ngelo Augusto do Santos e Ronaldo Menegaz

  • Delcias doDescobrimento

    A gastronomia brasileira no sculo XVIinclui mais de 150 ilustraes e cerca de 40 receitas

  • Sumrio

    IntroduoNota

    Plantas

    FRUTOS

    Anans/Abacaxi Caju Banana Goiaba Maracuj Sapucaia Mamo MangabaJabuticaba Umbu Mucuj Pequi Pequi Araticum Pitanga Abajeru Mundururu

    Amaitim Ap Murici Buranhm Copinha Maaranduba Mucuri Caj Ing Bacupari Comich Mandiba Cambu Curuanha Cambuc Guti Coco Frutas

    europias

    LEGUMES E CEREAIS

    Mandioca Jetica/Batata-doce Inhame e car Taioba Hortalias e cereais Favas efeijes Abbora Amendoim Abati/Milho Palmito Cana-de-acar Pimentas

    Animais

    MAMFEROS

    Capivara Anta/Tapir Tatu Paca Cutia Porcos Veados Coelhos Tamandu Quati Ratos Macaco Gambs Lontra Peixe-boi Baleia Golfinho Mamferos estrangeiros

    AVES

    Macucagu Mutum Jacu Perdiz Pombas e rolas Pato Papagaio Emas Outras aves Galinhas e perus Alcatraz

    PEIXES

    Camurupim Bijupir Tambuat Olho-de-boi Peixe-serra Carapitanga Pur Panapan Piramb Peixe-porco Aimors e aimoreuus Parati Albacora Moria Tubaro

    Arraia Peixe-voador Tainhas e outros peixes j conhecidos Peixinhos de ndios Peixestomados em redes Peixes medicinais Outros peixes Peixes venenosos Peixes de gua

    doce

    INVERTEBRADOS AQUTICOS

    Camaro Polvo Lagostins e lagostas Caranguejos Ostras Mariscos

    RPTEIS

  • Lagartos Jabuti Tartaruga Cobras Jacar

    ANFBIOS

    Rs e sapos

    INSETOS

    Formigas Bicho de taquara

    Outras comidas e bebidas

    Sal Ovos Mel Mingau Farinhas Bebidas

    Referncias bibliogrficasCrditos iconogrficos

    Sobre os autoresAgradecimentos

  • Lista de receitas

    1. Conserva de anans2. Maapo (marzipan) de castanha de caju3. Marmelada de goiaba4. Perada de curuanha5. Compota de marmelo6. Beilhs de carim7. Marmelada de abbora8. Casquinhas9. Pastis de tutano10. Alfloas11. Vinho de acar12. Torta de porco13. Pastis de carne14. Coelho da infanta d. Maria15. Tigelada de coelho16. Peixe-boi guisado com couves17. Picadinho de carne de peixe-boi18. Pastis de fgado de cabrito19. Tigelada de leite20. Macuco cozido e ensopado21. Tigelada de perdiz22. Pastis de pombinhos23. Manjar branco24. Frango para os hcticos25. Galinha mourisca26. Galinha albardada27. Conserva de peixe28. Escabeche29. Carapitanga em gigote30. Peixe frito31. Dourado fresco32. Pratinhos de mexilhes33. Tortas de de mexilhes34. Berbiges de tigelada

  • 35. Jabuti36. Jabuti de conserva37. Tartaruga assada e lardeada38. Ovos mexidos

  • NIntroduo

    Do que sabemos dos medas, persas, assrios, babilnios, fencios, cartagineses, gregos, romanos,germnicos, hebreus, rabes, Idade Mdia, Renascimento uma sinistra relao de fomes eempanturramentos.

    LUS DA CMARA CASCUDO

    os testemunhos que chegaram at ns sobre o Brasil do primeiro sculo aps oDescobrimento escritos por padres, senhores de engenho, humanistas, cronistas,

    corsrios e viajantes franceses, ingleses, alemes, italianos, espanhis e portugueses ,alternam-se episdios de fome e de abundncia. Embrenhados em sertes pela primeira veztrilhados por europeus ou em longas e acidentadas viagens martimas pela costa brasileira,nossos primeiros cronistas, principalmente os padres da Companhia de Jesus e os homens domar, sofriam com a escassez de vveres, com as doenas tropicais e com a fome absoluta.Outros, ao narrarem a vida cotidiana nas aldeias indgenas, nas vilas colonizadas e nasabastadas fazendas dos senhores de engenho, descrevem uma abundncia e diversidade decaa, animais domsticos, peixes e plantas que espantavam os europeus, que nunca tinhamexperimentado tanta fartura. entre esses dois plos que se divide a alimentao brasileirados primeiros tempos: entre as comidas difceis de engolir, ingeridas por pura necessidade,os faustosos banquetes senhoriais e as frescas e saudveis refeies dos homens comuns.

    A alternncia entre fome e fartura indica dois tipos de vivncia. A primeira se d em umaterra em permanente tenso entre colonos, ndios e viajantes estrangeiros, ou ainda nasagruras vividas no mar e nas viagens por matos desconhecidos e inspitos. O missionriocalvinista francs Jean de Lry conta em Viagem terra do Brasil, impresso em 1578, que aoabandonar a Frana Antrtica e voltar para sua terra natal enfrentou uma tal fome em alto-marque a tripulao da frota em que estava, aps cozinhar todos os macacos, papagaios (queseriam vendidos na Frana) e ratos, teve que comer durssimas rodelas de couro de antatostadas na brasa. Tambm o ingls Anthony Knivet, numa expedio pelo interior dacapitania de So Vicente, na dcada de 1590, comeu, juntamente com seus companheiros,escudos de couro cru de bfalo: Quem tinha um sapo ou uma cobra para comer considerava-se feliz, relatou em seu livro de memrias. O alemo Hans Staden, nos sertes do Rio deJaneiro, em 1554, teve mais sorte: comeu lagartos e ratos silvestres e outros animais assimestranhos, que, alis, eram iguarias indgenas que viriam a ser apreciadas pelos colonos.Numa viagem pelo interior da Bahia, o padre Jos de Anchieta conta como precisaram comerpres, rs, serpentes e vboras venenosas, que, famintos, tiveram por finas iguarias, numaanteviso da culinria brasileira do final do sculo XVI, quando tais comidas seriamconsideradas deliciosas por muitos.

    Havia fome tambm nos primeiros tempos de vilas que depois seriam ricas e bemabastecidas, como Salvador, So Vicente e Piratininga (So Paulo). Numa carta escrita naBahia em 1550, o padre Manuel da Nbrega, recm-chegado ao Brasil, queixa-se de que ascomidas de um modo geral so difceis de digerir. Acostumados ao po branco de trigo, ao

  • vinho, ao azeite e aos pratos da cozinha portuguesa, era difcil adaptar-se a uma dieta basede mandioca, caa e frutas locais. Em 1553, em So Vicente, Nbrega escreve: Esta casa amais pobre de todas e padecem os irmos e padres e meninos muita fome e frio. Em outracarta, de 1561, escrita em So Vicente, Nbrega observa que aqui no h trigo, nem vinho,nem azeite, nem vinagre, nem carnes, seno por milagre. E o milagre realmente ocorreria aolongo dos anos. So Vicente se tornaria um celeiro de frutas e legumes, o maior produtor demarmelos do Brasil, e sua marmelada viria a ser artigo de exportao. Em Salvador, j nadcada de 1580, as hortas abasteceriam um mercado farto em todos os tipos de hortalias efrutas locais e estrangeiras, e onde se podia comprar, tambm, po de farinha de trigo (umluxo naqueles tempos) e vinhos da Ilha da Madeira.

    Os que no estavam em busca de almas, mas de mercadorias ou apenas de comida, tinhammais facilidade em conseguir provises. Pero Lopes de Sousa, em seu reconhecimento dacosta brasileira em 1531, no teve dificuldade em abastecer sua frota com os ndios dolitoral, e mencionou especialmente as grandes postas de carne de veado, que mantiveram suatripulao muito bem alimentada. O militar espanhol Cabea de Vaca, em expedio pelo suldo Brasil em 1542, espantou-se com a abundncia de porcos-do-mato e com a facilidade deca-los, o que no deixou que passassem fome. O piloto italiano Antnio Pigafetta, ao narrara passagem de Ferno de Magalhes pelo Brasil em 1520 a caminho da primeira viagem decircunavegao , relata como se aprovisionaram de galinhas, mandioca, dulcssimosabacaxis, palmito e carne de anta. As negociaes com os ndios foram fceis e vantajosas:Trocaram um anzol por cinco galinhas, um pente por dois gansos, um espelho por peixesuficiente para alimentar dez pessoas, um cinto por um cesto de mandiocas, e por uma cartade um rei de ouros, cinco galinhas.

    Nas trs ltimas dcadas do sculo, atingimos um apogeu no que dizia respeito comida.Os relatos do humanista portugus Pero de Magalhes de Gndavo, autor da primeira Histriado Brasil, publicada em 1576, do jesuta Ferno Cardim, que escreveu sobre o Brasil nasdcadas de 1580 e 1590, e do portugus Gabriel Soares de Sousa, rico senhor de engenho naBahia, que ofereceu o manuscrito de seu Tratado descritivo do Brasil ao vice-rei dePortugal, d. Cristvo de Moura, em 1587, pintam um cenrio de prosperidade e abundncia.O livro de Gndavo, assim como o de Soares de Souza, tem uma forte inteno de elogiar edivulgar o Brasil, amplificando suas qualidades. Ao descrever as capitanias, quase semprediz, de cada uma delas, que so providas de todos os mantimentos e que os moradores vivemtodos mui abastados com suas roas. Segundo ele, bastava ter dois pares de escravos paraobter tudo de que uma famlia necessitava: um caaria, outro pescaria e os outros cultivariamas roas. O que corroborado pela experincia de Anthony Knivet, um detrator do pas: oingls, quando foi escravo de um mestio no Rio de Janeiro, abastecia, sozinho, a despensade seu senhor. Gabriel Soares de Sousa, um dos maiores conhecedores das coisas do Brasil,alm de timo escritor, tambm concorda com a tese de Gndavo e descreve em detalhes asabundantes delcias brasileiras e seus sabores, mostrando-nos o que (bem) comiam osprincipais e as gentes de servio da Bahia.

    A melhor descrio de hbitos referentes alimentao do padre Ferno Cardim, que,ao acompanhar a visita ao Brasil do padre Cristvo de Gouveia uma longa misso do ano

  • de 1583 at 1590 , nos relata uma sucesso de almoos, jantares e merendas, com que osricos senhores e os ndios recebiam a autoridade apostlica. So muitas as refeies ao arlivre, embaixo de frondosas aroeiras, sombra fresca de cajueiros carregados e beira derios e regatos, sempre animadas por msica de flautas ou gaitas ou por cantigas devotasentoadas por meninos ndios, e quase sempre servidas com todo o concerto e limpeza. Nascasas dos senhores de engenho, em porcelanas da ndia e servios de prata, sobre mesascobertas por finas toalhas, serviam-se banquetes de extraordinrias iguarias, como aves,perus (ento consideradas comidas luxuosas), e carne de caa, acompanhadas por vinhos dePortugal, e ainda por doces requintados como os ovos reais (fios dovos), uma especialidadedo recncavo baiano, e por confeitos, conservas e outros mimos.

    Um dos senhores de engenho, provavelmente o rico criador de gado Garcia Dvila,chegou a oferecer comitiva o prato mais requintado da poca, o manjar branco, que entoera feito com peito de galinha, e que j tinha sido objeto de proibio no reinado de d.Sebastio por ser considerado excessivamente luxuoso. Um rico senhor de Ilhus mandou aoencontro dos jesutas que chegavam, em uma praia, uma ndia vestida moda indgena (ouseja, seminua), carregando uma porcelana cheia de queijadinhas de acar e com umgrande pcaro de gua do rio, o que muito surpreendeu os padres. Havia mesas ao ar livreem que cabiam cem pessoas, e no Esprito Santo, durante um banquete, o menu inclua trsservios completos, com as toalhas de mesa trocadas entre cada um deles, para espanto dosjesutas. Em Pernambuco, os senhores de engenho, segundo Cardim, eram sobretudo dados abanquetes, nos quais se reuniam dez ou doze senhores que passavam o dia comendo ebebendo incrveis quantidades de vinho portugus, o que fez o padre observar que emPernambuco se acha mais vaidade que em Lisboa.

    Os ndios, por sua vez, conta Ferno Cardim, recebiam a comitiva com ceias compostaspor comidas indgenas, como peixinhos de moqum assados, batatas, cars, mangars eoutras frutas da terra. Os jesutas retribuam oferecendo s tribos refeies compostas poruma vaca inteira, porcos-do-mato e de criao, carne de caa, legumes e frutas, alm devinhos de vrias frutas, a seu modo, ou seja, bebidas indgenas, que todos apreciavam.

    No h registros que documentem como eram servidas as refeies simples, do dia-a-dia,em casa de pessoas comuns. Mas sabemos, pelo que escreveram vrios cronistas, que haviaabundncia tambm nas refeies dos trabalhadores e escravos, que comiam, alm de bananase outras frutas, farinha de mandioca e vrios tipos de peixes salgados, que eram destinadosexclusivamente alimentao das gentes de servio.

    Um Brasil sem mangueiras e jaqueirasPelas rotas martimas portuguesas que ligavam o Oriente, a Amrica, a Europa e as ilhasAtlnticas, foram transportadas no somente pessoas mas tambm plantas e animais. Osportugueses foram responsveis, no sculo XVI, por uma ampla disperso de espcies nativasde vrias regies pelo vasto territrio de seu imprio, numa espcie de globalizaobotnica que provocou profundas e permanentes transformaes na alimentao, agricultura eeconomia de diferentes partes do globo. Espcies asiticas, europias e africanas foram

  • trazidas para o Brasil, e daqui seguiram mudas para todas as partes do mundo ligadas pelasrotas comerciais portuguesas, provocando um intenso e indito intercmbio de produtos entreos continentes.

    A paisagem das praias nordestinas no incio do sculo no inclua os coqueirais que hojeso sua principal caracterstica: os coqueiros, uma planta asitica, foram trazidos pelas nausportuguesas. Tambm no havia mangueiras ou jaqueiras no Brasil, plantas indianas que schegariam no sculo XVIII. A banana, fruta nativa do sudoeste asitico, foi uma das primeirasa serem plantadas no Brasil, provavelmente vinda da ilha de So Tom, na frica. O inhametambm veio do continente africano. Em troca, foram mandados para l a nossa mandioca, oamendoim, o car, a batata-doce e a pimenta. Para Goa, na ndia, viajaram o mamo e o caju,que l se deram muito bem e se espalharam pelo Oriente. Algumas especiarias asiticas foramtrazidas para c e se multiplicaram, como aconteceu ao gengibre, que, mesmo tendo sidoproibido no Brasil por determinao da coroa portuguesa, disseminou-se incontrolavelmente.A cana-de-acar, nativa da sia e aclimatada nas ilhas atlnticas, chegou ainda no incio dosculo XVI. Impulsionadora de uma das maiores movimentaes demogrficas da histria,com o transporte em larga escala de africanos, marcou profundamente o pas.

    De Portugal, vieram para o Brasil laranjeiras e limoeiros, alm de frutas vrias, comomarmelos, figos e meles, e tambm couves, alfaces, salsinha, coentro e muitos outroslegumes e verduras, que se adaptaram extremamente bem na nova terra. Os portuguesestambm trouxeram animais, como vacas, porcos, cabras, carneiros e galinhas. Da Amricaespanhola veio o que ento era chamado de galo do Peru, e da frica as hoje chamadasgalinhas dangola.

    Tnhamos, portanto, alm dos animais e plantas nativos, tradicionalmente empregados naalimentao indgena, gneros vindos dos quatro continentes, o que tornou o cardpiobrasileiro extremamente diversificado. Com o nativo tajau passou a conviver o porcoeuropeu, com as aves brasileiras, como o macuco, convivia a galinha; tnhamos compotas deabacaxi, de mangaba e tambm de marmelo; ao tradicional beiju indgena juntou-se o acar,e os peixes passaram a ser comidos aqui no com espinafre, mas com folhas de taioba. Aabundncia de gneros nativos e exticos, a vitalidade da caa e da pesca, o cultivo de hortase a criao de animais produziram uma vastssima variedade de ingredientes para a culinriabrasileira de nosso primeiro sculo.

    A cozinha indgena e a portuguesa tambm trocaram experincias, tcnicas de preparo,sabores e ingredientes. Na falta de azeite de oliva, temperavam-se pratos com leo de peixe-boi; na ausncia da farinha de trigo, faziam-se bolos moda portuguesa com a finssimacarim (farinha fina de mandioca). As compotas medicinais prescritas na poca passaram aser feitas, aqui, com goiaba, abacaxi e outras frutas nativas, numa contribuio tropical aoreceiturio renascentista. Quando no tinham vinho de uvas, colonos e viajantes apreciavamos vinhos indgenas, bebidas fermentadas feitas de mandioca, milho e de variados frutosnativos. Para confeitar frutas, usava-se uma massa feita base de leite de cajueiro, umsubstituto do refinado alcorce. O paladar europeu se ampliou ao ser apresentado s iguariasindgenas como a tanajura frita, as rs, os cgados, as cobras e o bicho-de-taquara. Mas osndios no assimilaram as plantas e animais introduzidos pelos portugueses: criavam galinhas

  • para vend-las, mas no as comiam.Ao descrever a natureza brasileira, os cronistas do sculo XVI no apenas escreviam

    sobre a aparncia dos gneros, mas tambm detalhavam seus usos e sabores. Era um desafiodescrever animais nunca antes vistos, desconhecidos dos autores clssicos e ausentes daHistria natural de Plnio e da Matria mdica de Dioscrides, ento tidos como as maioresautoridades em cincias naturais. Para enfrentar o desafio, os novos autores lanavam modos animais, plantas e sabores que conheciam, construindo comparaes para ns inusitadas,como a aproximao entre castanhas de caju e um rim de lebre, a afirmao de que as bananasso semelhantes aos pepinos, ou ainda de que abacaxi tem gosto de melo. Alguns animaisbrasileiros, como o tatu e o tucano, so vistos como verdadeiros monstros pelo olhar europeu.Monstros muitas vezes deliciosos, e que se receitavam aos doentes. Nessas descries soempregadas as categorias mdicas da poca: cada alimento tinha uma virtude relacionada sua natureza, seja ela fria, quente, seca ou mida. Os alimentos frios eram receitados paraequilibrar humores quentes, e os midos empregados para combater doenas causadas peloexcesso de secura no organismo, e vice-versa. E foi assim, nos trpicos brasileiros, que osfrios cajus comearam a ser usados para febres e os quentes abacaxis foram empregadospara curar feridas, entre outras aplicaes medicinais das plantas e animais nativos.

    O que mais sobressai nos depoimentos que chegaram at ns a impressionante variedadeda natureza brasileira, a rpida disseminao de plantas e animais trazidos de fora e afacilidade com que ndios, colonos e viajantes caavam, pescavam, criavam, plantavam ecolhiam os mais variados gneros de plantas e animais. Mas essa abundncia no durariamuito tempo. Com o aumento da produo de acar e o incremento da instalao deengenhos, a expanso para o interior e a conseqente diminuio das reas de caa e dosterrenos destinados s roas, somadas ao declnio da populao indgena, o sculo XVII jno seria o den gastronmico do primeiro sculo aps o Descobrimento. Nas narrativas edescries empregadas neste livro temos a imagem de um Brasil exuberante, farto, generoso,diverso, em que gneros vindos dos quatro continentes comeavam a misturar-se nas cozinhasde mestios, portugueses e viajantes de vrias nacionalidades, criando novos hbitosalimentares, novos pratos e formas de comer, dando incio cozinha tipicamene brasileira.

    SHEILA MOURA HUE

  • PNota

    ara tentar recuperar o que se comia no Brasil no primeiro sculo aps o Descobrimento,a pesquisa para este livro se baseou nos textos escritos no sculo XVI, buscando a os

    testemunhos contemporneos sobre a alimentao da poca. De forma a organizar asinformaes, optamos por reproduzir a ordenao empregada pelos cronistas, que dedicavamdiferentes captulos ou sees de seus livros a cada uma das espcies descritas, divisotemtica pautada na estrutura de livros mais antigos, como a Histria natural, de Plnio oVelho. Preferimos seguir mais de perto o formato da Histria da provncia Santa Cruz, dePero de Magalhes de Gndavo, comeando pelas plantas e em seguida passando aosanimais. No entanto, adaptamos, luz da cincia moderna, a antiga forma de organizar; porexemplo, dividimos os animais entre mamferos, aves, peixes etc., em vez de reproduzirconceitos da poca, como classificar a baleia como peixe (e no como mamfero) e outrasconcepes semelhantes. Quanto ordenao de cada item dentro de seus grupos, comeamossempre pelos nativos do Brasil; alm disso, organizamos as entradas de forma a transmitir aimportncia dada a cada elemento pelos cronistas. Assim, por exemplo, o camurupim e obijupir so os primeiros peixes da lista, por serem, justamente, os mais apreciados e maiscitados.

    Quanto s receitas, optamos pelas escritas na poca, e para isso usamos os dois maisantigos livros de culinria escritos em portugus: O livro de cozinha da infanta d. Maria, dosculo XVI, e a Arte de cozinha, de Domingos Rodrigues, do sculo XVII.

    A infanta d. Maria de Portugal (1538-1577), neta de d. Manuel, levou para a Itlia em1565, quando se casou com Alexandre Farnese, o duque de Parma, um manuscrito comreceitas portuguesas compilado naquele sculo. O manuscrito est na biblioteca de Npoles, es em 1967 foi identificado como de propriedade da infanta e corretamente datado como umcdice do sculo XVI. Empregamos, aqui, duas edies desse livro de cozinha, das quaistranscrevemos as receitas:

    Um tratado de cozinha portuguesa do sculo XV (Rio de Janeiro, Instituto Nacional doLivro, 1963), edio preparada pelo professor Antnio Gomes Filho, cujas transcriesmodernas nos foram especialmente teis.

    O livro de cozinha da infanta d. Maria (Lisboa, INCM, 1986), organizado por GiacintoManuppella e Salvador Dias Arnaut e originalmente publicado em 1967.

    Domingos Rodrigues (1637-1719), cozinheiro do rei portugus d. Pedro II (no confundircom o nosso Pedro II), publicou em 1680, em Lisboa, o seu vasto livro Arte de cozinha, que,apesar de ser produto de outra poca, em que a gastronomia portuguesa assimilava influncias

  • de outras cozinhas europias, tambm traz vrias das receitas encontradas no livro de cozinhada infanta, como a galinha mourisca e a galinha albardada (receitas que inclumos aqui).Dessa coletnea, selecionamos os pratos mais tradicionais. Para a transcrio das receitasempregamos a edio impressa em Lisboa, por Joo Antnio da Costa, em 1765.

    Em alguns casos, adaptamos as receitas originais, substituindo ingredientes europeus porbrasileiros, muitas vezes seguindo sugestes contidas na Arte de cozinha quanto a essassubstituies.

    Os dois livros so testemunhos da cozinha aristocrtica portuguesa, e provavelmentealgumas de suas receitas eram preparadas nas casas mais abastadas do Brasil. Mas algunsacepipes, como as compotas de frutas e os beilhs, eram populares e comuns a vrias classessociais, como nos atestam observaes contidas nas cartas jesuticas escritas no Brasil e emtextos de outros cronistas.

    As receitas descritas pelos escritores do sculo XVI no foram destacadas, encontrando-se espalhadas ao longo do livro nas sees correspondentes ao seu ingrediente principal,como a farinha de palmito, o milho quebrado cozido com caldo de carne, os peixes cozidoscom taioba e ainda outras preparaes que os leitores podem tentar reproduzir usando o bomsenso e um pouco de imaginao.

    Ressaltamos que algumas receitas so hoje impossveis de serem realizadas, seja porutilizarem animais agora ameaados de extino, seja por requererem processos cados emdesuso, sendo portanto meramente ilustrativas da cozinha da poca.

    As ilustraes foram extradas de vrios livros dos sculos XVI e XVII. Algumas estonas primeiras edies de autores que vieram ao Brasil e relataram suas experincias em livro,como Andr Thevet, Hans Staden, frei Cristvo de Lisboa, Guilherme Piso e GeorgMarcgraf. Outras encontram-se em obras de autores que nunca vieram ao pas, como CristbalAcosta, e em obras que catalogam a flora e a fauna do mundo ento conhecido, como os livrosde Conrad Gesner, Rembert Dodoens e Charles LEcluse. Em muitas delas observamos otortuoso processo de representar uma coisa nunca vista, o que resulta em imagenssensivelmente divergentes do objeto representado.

    * * *De modo a esclarecer e completar as informaes escritas pelos cronistas, identificarcorretamente os animais e plantas e no reproduzir conceitos botnicos e zoolgicos j hmuito ultrapassados, produtos da viso dos homens do Renascimento, contamos com a revisocientfica do bilogo especialista em biodiversidade Angelo Augusto dos Santos. Sempre quepossvel fornecemos os nomes cientficos de animais e plantas, s deixando de faz-lo quandoso de difcil identificao.

  • Plantas

  • Frutos

    ANANS / ABACAXI

    No Brasil comum se venderem abacaxis s talhadas nos dias quentes de vero. J emPortugal, porm, muita gente aprecia um bom sumo de anans. Acontece que aquela fruta queos irmos dalm-mar chamam anans a mesma que chamamos, c, abacaxi. Ao longo dossculos XVI, XVII e XVIII, os que escreviam sobre a fruta chamavam-na de anans, socorrendo documentao escrita de abacaxi no sculo XIX, numa Corografia paraense, deA.C. Silva, onde o autor estabelece uma diferenciao entre abacaxi (o termo , com forteprobabilidade, oriundo do tupi ibacati, bodum e fedor de fruto, ou fruto fedorento) e anans(tambm do tupi, nan, cheiro forte) quando escreve: Os ananases so em abundncia, enotam-se os abacaxis mui grandes, e superiores aos de Cuba.... Mas, na verdade, o abacaxi eo anans so diferentes nomes para designar a mesma fruta, o Ananas comosus, da famlia dasbromeliceas, provavelmente originria do Brasil e depois irradiada por toda a Amrica doSul e Central. Antes da descoberta de Colombo, o abacaxi j era cultivado em extensasregies da Amrica.

    A fruta foi uma das primeiras a serem levadas para as colnias portuguesas e espanholas:em 1518 j estava plantada na Oriente e logo foi introduzida na frica. O mdico portugusGarcia de Orta, radicado em Goa, descreve em 1563 o anans que comia na ndia como reidas frutas no sabor, e muito mais no cheiro. O ananaseiro ganhou assim o mundo e espalhou-se fcil e rapidamente pelas regies tropicais de todo o globo, o que originou uma srie devariedades da fruta.

  • O primeiro a encontr-lo foi Colombo. Nas Pequenas Antilhas, na ilha de Guadalupe, a 4de novembro de 1493, foi posta diante do primeiro conquistador branco que aqui chega umadas maiores delcias da Amrica tropical. Fruto de grande flavor e fragrncia, declarouColombo. Vrios abacaxis foram levados para a Espanha, mas apenas um resistiu viagem, efoi comido pelo rei d. Fernando o Catlico, que sentenciou que o abacaxi levava a palmasobre todos os demais.

    Os primeiros cronistas e viajantes que escreveram sobre o Brasil fazem meno, aliscom grande interesse, ao abacaxi, que j vem citado pelo italiano Antnio Pigafetta, piloto daviagem de circunavegao de Ferno de Magalhes, em 1520, quando ele escreve sobre umfruto parecido a uma fruta de pinho, mas que doce em extremo e de um gosto exquisito.

    O abacaxi tambm descrito e admirado por Nbrega, por Gndavo, na Histria daprovncia Santa Cruz, por Ferno Cardim e por todos os que escreveram sobre o Brasilnessa poca. Nbrega, em uma de suas cartas, faz referncia ao envio para a metrpole deconservas de ananases que l eram usadas como remdio para as pedras nos rins, nodeixando de lembrar que, para isso, os verdes faziam melhor efeito. Gndavo registra que aeste nosso reino [Portugal] trazem muitos desses ananases em conserva, exalta a fruta comoa mais prezada de quantas h na terra e registra seu cultivo em larga escala: Fazem todostanto por essa fruta que mandam plantar roas delas como de cardais. O padre FernoCardim, nos Tratados da terra e gente do Brasil, diz que a fruta muito cheirosa, gostosa, euma das boas do mundo, muito cheia de sumo, e boa para doente de pedra. H, entrecronistas, missionrios e viajantes, uma completa unanimidade no louvor do abacaxi.

    So to saborosos que, a juzo de todos, no h fruta neste reino que no gosto lhes faa vantagem. E assimfazem os moradores por eles mais, e os tm em maior estima que qualquer outro pomo que haja na terra.

    PERO DE MAGALHES DE GNDAVO

  • Como de praxe, ao descreverem plantas ou animais desse mundo novo recm-descoberto, os europeus, para darem idia da coisa nova nunca antes vista, estabelecemcomparaes com frutas e animais de l, comparaes que hoje, para ns, parecemsurpreendentes, como aproximar o abacaxi da alcachofra, dizer que suas folhas lembram aerva babosa ou ainda como escreveu o cronista da Relao do descobrimento da Frolida:Tirada a casca, parece o miolo um pedao de coalhada. O ento estranho aspecto dessefruto foi, como vemos, um desafio aos que descreveram sua aparncia e seu maravilhososabor.

    O francs Jean de Lry, em sua Viagem terra do Brasil, diz do anans: muito doce eo reputo o fruto mais saboroso da Amrica. E acrescenta: Quando a estive, espremi umanans que deu cerca de um copo de suco e este me pareceu saudvel. Seu patrcio AndrThevet, que considera a fruta excepcionalmente boa de se comer, tanto por sua doura quantopor seu sabor, compara-a ao acar fino e demonstra interesse em levar a prodigiosa frutapara a Europa: impossvel traz-la para a Frana, a no ser em forma de compota, poisela, quando madura, no se conserva incorrupta por muito tempo. Ademais trata-se de frutasem semente, cuja reproduo feita por meio de pequenos brotos, como os enxertos que nsconhecemos.

    De suas cascas faz-se o saboroso alu, uma espcie de gengibirra, um tanto gasosa porcausa da fermentao, extremamente refrescante e conhecida em suas variantes regionais emtodo o Brasil. Talvez o alu seja um descendente direto do vinho feito pelos ndios com oabacaxi, registrado por vrios cronistas. Dizia o portugus Gabriel Soares de Sousa, senhorde engenho na Bahia, que o vinho que os ndios fazem com as cascas do anans malmaduro, com o qual se embebedam, era o mais apreciado tanto por mestios comoportugueses, como o padre Ferno Cardim, que o considerava de bom gosto.

    Gabriel Soares de Sousa, depois de exaltar os sabores e os odores do anans, descrevepormenorizadamente a planta, suas folhas, sua resistncia, as frutificaes, e aborda o aspectomedicinal: A natureza desse fruto quente e mida, e muito danosa para quem tem ferida ouchaga aberta; os quais ananases sendo verdes so proveitosos para curar chagas com eles,cujo sumo come todo o cncer e a carne podre, do que se aproveita o gentio. Outrasutilidades e proveitos tem o anans, segundo o senhor de engenho portugus. Suas cascas,quando verdes, eram usadas para limpar a ferrugem das espadas e facas, e para tirar manchasda roupa. A conserva era muito formosa e saborosa e no tem a quentura e umidade dequando se come em fresco. Tanto melhor unir o til ao agradvel: remdio e sobremesa.

    O sabor dos ananases muito doce e to suave que nenhuma fruta de Espanha lhe chega na formosura, nosabor e no cheiro.

  • GABRIEL SOARES DE SOUSA

    A fruta muito cheirosa, gostosa, e uma das boas do mundo, muito cheia de sumo e gostoso, e tem sabor demelo ainda que melhor, e mais cheiroso.

    FERNO CARDIM

    Ferno Cardim advertia que para febres muito prejudicial, mas cruas, desenjoammuito no mar, e pelas manhs com vinho so medicinais. Andr Thevet diz que o abacaxi afruta que os ndios comiam quando estavam doentes. O padre Francisco Soares, em Cousasnotveis do Brasil, acrescenta outras propriedades ao anans: diurtico e faz sair a peonhadas serpentes venenosas pelo mesmo lugar de sua picada. O cronista ilustra esse efeitocontando de dois ndios em lhe mordendo duas jararacas lhes fez logo um vergo, em o[anans] comendo o desfez logo e botou a peonha amarela...

    CONSERVA DE ANANS

    Escolham alguns ananases bonitos e perfeitos, que j estejam maduros, e partam-nos em pedaos, deitando-osimediatamente numa vasilha com gua fria. Num tacho ao fogo tenham uma calda bem rala, na qual se arrumam ospedaos de anans bem apertados, de maneira a ficarem cobertos pela calda. Cubram tudo com um pano ou uma tampaqualquer, e deixem cozer. Se a calda minguar, acabem de encher o tacho com outra fervendo, e se ficar escura passem oanans para outra calda, tambm fervente. Depois de bem cozido, tirem o anans da calda, colocando-o num recipientecom gua fria. Repitam essa operao durante quatro dias, trs vezes ao dia, isto , de manh, de tarde e noite. No fimdesses quatro dias arrumem os pedaos de anans num tacho, encham-no com gua fervendo, cubram-no com um pano edeixem o anans de infuso. Faam outra calda rala, e depois de escorrer o anans de sua gua, deitem-no naquela calda,que dever estar fervendo. Por quinze dias ande o anans nessa calda, que dever levar uma fervura cada dia, e cada vezmais forte. No fim desse tempo a compota estar pronta.

    Adaptado da receita de Compotade Diacidro do Livro de cozinha

    da infanta d. Maria

    CAJU

    O mais antigo registro da palavra caju de 1576, na Histria da provncia Santa Cruz, dePero de Magalhes de Gndavo: A esta fruta chamamos caju; tem muito sumo, e come-sepela calma para refrescar, porque ela por sua natureza muito fria, e de maravilha faz mal,ainda que se desmande nela. Chamou-lhe tambm a ateno a castanha, cuja cascaamargosa faz empolar a boca e cujo miolo, assado, muito doce e mais gostoso que aamndoa.

  • Como costumam fazer ao descrever as novas frutas e animais do Brasil, Gndavocompara os cajus a peros repinaldos (mas doces e oblongas), o padre Cardim resgistraque um pomo do tamanho de um repinaldo ou ma camoesa e o francs Andr Thevet dizque tem a forma e o tamanho de ovos de gansa. Gabriel Soares de Sousa, em seu Tratadodescritivo do Brasil, escreve sobre as qualidades teraputicas do caju, que seria de naturezafria e bom para os doentes de febre e de fastio. Mas para Soares de Sousa a maior qualidademedicinal do caju que os quais [cajus] fazem bom estmago e muitas pessoas lhes tomam osumo pelas manhs em jejum para conservao do estmago, e fazem bom bafo a quem oscome pela manh, e por mais que se coma deles no fazem mal a nenhuma hora do dia e sode tal digesto que em dois credos se esmoem.

    A castanha, Soares de Sousa a aproxima dos pinhes de Portugal, mas a considera demuita vantagem sobre estes. O padre Cardim afirma que ela to boa ou melhor que a dePortugal. O que hoje nos causa mais admirao o fato de as portuguesas utilizarem acastanha de caju nas conservas doces que costumam fazer com amndoa, o que tem graa nasuavidade do sabor. Registra o padre Cardim o uso da castanha de caju na confeco demaapes [marzips] e bocados doces como amndoas. A informao de que se usavam ascastanhas em lugar de amndoas (no existentes na colnia) retomada por AmbrsioFernandes Brando, no Dilogo das grandezas do Brasil: E sobretudo o mais excelentelegume de todos so umas castanhas que chamam caju, muito gostosas de comer e de muitonutrimento, que se conservam longo tempo, e se comem assadas, e da mesma maneira seservem delas para tudo em lugar das amndoas. Para Andr Thevet, o catlico autor deSingularidades da Frana Antrtica, as castanhas tinham o formato de um rim de lebre, eadquiriam excelente sabor quando levadas ligeiramente ao fogo, mas o fruto, afirmou, noera muito bom de comer.

  • Ao contrrio de seu compatriota, o protestante Jean de Lry vai se deliciar com o caju,esquecendo-se da castanha. Escreve ele em sua Viagem terra do Brasil: Quando madura afruta se torna mais amarela do que o marmelo e no s tem bom gosto mas ainda d um caldoacidulado agradvel ao paladar. No calor esse refresco excelente, mas as frutas so muitodifceis de colher por causa da altura das rvores e s podamos obter quando os macacos, aocom-las, derrubavam grande quantidade.

    Convm tratar daqui por diante das rvores de fruto naturais da Bahia, guas vertentes ao mar e vista dele, edemos o primeiro lugar e captulo por si aos cajueiros, pois uma rvore de muita estima e de que h tantas aolongo do mar e na vista dele. Estas rvores so como figueiras grandes, tm a casca da mesma cor e a madeirabranca e mole como figueira, cujas folhas so da feio das da cidreira e mais macias. As folhas dos olhos novosso vermelhas e muito brandas e frescas, a flor como a do sabugueiro de bom cheiro mais muito breve. Asombra destas rvores muito fria e fresca, o fruto formosssimo.

    GABRIEL SOARES DE SOUSA

    Soares de Sousa observa diferentes variedades de caju: o de fruto vermelho e comprido,os tambm vermelhos e redondos, outros parte vermelhos e parte amarelados, e ainda osamarelos e compridos. Eram deliciosos os cajus da Bahia de Gabriel Soares de Sousa:Todos so muito gostosos, sumarentos e de suave cheiro, os quais se desfazem todo emgua. De sabor especialssimo, outra casta, chamada caju (Annacardium microcarpum),que crescia nas campinas do serto, era amarelo e do tamanho de cerejas grandes: Temmaravilhoso sabor, com uma pontinha de azedo, diz Soares de Sousa.

    MAAPO (MARZIPAN) DE CASTANHA DE CAJU

    Faam uma calda grossa com um quilo de acar e adicionem-lhe algumas gotas de gua-de-flor. Quando a calda atingiro ponto de bala mole, juntem-lhe um quilo de castanhas de caju assadas.

  • Logo que misturarem as castanhas com a calda, tirem o tacho do fogo (mexendo sempre a mistura), acrescentem-lheuma colher de sopa, mal cheia, de farinha de trigo, e continuem a bater, para que a massa fique bem fofa. Levem o tachonovamente ao fogo.

    Para saber o ponto de cozimento, tomem um pouco na mo: se estiver bem ligada, a massa j estar cozida. Entotirem o tacho do fogo e ponham a massa numa tigela de loua.

    Assim que a massa for esfriando, com as mos molhadas faam os maapes, do feitio que desejarem.

    Adaptado do Livro de cozinhada infanta d. Maria

    Havia ainda cajus mais azedos, utilizados em conservas muito suaves, e para secomerem logo, cozidos no acar cobertos de canela no tm preo. E acrescenta: Do sumodesta fruta faz o gentio vinho com que se embebeda, que de bom cheiro e saboroso. Ofrancs Andr Thevet provou e achou apenas razovel a beberagem indgena: Algunspreparam com ele uma bebida cujo gosto lembra o de sorva mal amadurecida.

    As mulheres portuguesas ainda encontraram um novo uso para o cajueiro, que nos mostrao quanto a doaria brasileira quinhentista era refinada. Com a alva resina exsudada pelo caulee pelos galhos do cajueiro, fazia-se alcorce de acar uma massa composta de acar,farinha, clara de ovo e de alcatira (a resina da adraganta, muito usada na Europa), e que eraempregada para cobrir uma srie de doces, como os confeitos de amndoas.

    O caju (Anacardiun occidentale), provavelmente originrio das costas do Nordestebrasileiro, foi levado, ainda no sculo XVI, para a ndia e outras regies do Oriente, e l sedeu to bem que chegou a ser considerado originrio da ndia, onde alm de apreciado comofruta e por suas propriedades medicinais era usado na produo do popular fenin, uma bebidadestilada feita do suco de caju fermentado.

    BANANA

    Ao escrever seu livro sobre a provncia Santa Cruz o Brasil , Pero de Magalhes deGndavo observa, entre outras coisas surpreendentes, um fenmeno que fazia jus ao santonome do pas. Ao cortar-se transversalmente uma banana, miraculosamente o que se via? Umacruz! Tambm o senhor de engenho Gabriel Soares de Sousa registra o mesmo fenmeno:Quem cortar atravessadas as bananas, ver-lhe- no miolo uma feio de crucifixo sobre oque os contemplativos tm muito a dizer.

  • Era uma poca em que cristos, e principalmente os jesutas, encontravam no NovoMundo diversos sinais da presena divina, como as ento famosas pegadas de so Tom, oque vinha a lhes comprovar que aquela terra, apesar de brbara e selvagem, fazia tambmparte do reino de Deus. A banana, portanto, to abundante no Brasil, encarnava mais umdesses milagres no cotidiano dos primeiros colonos, e havia quem, em respeito santa cruz,nem mesmo cortasse bananas faca.

    Gndavo e Soares de Sousa repercutiam uma noo comum na poca que vinculava abanana a uma origem bblica. Vrios escritores do sculo XVI acreditavam que o fruto doqual Eva provou no paraso, e que julgou bom de comer... belo aos olhos e de aspectodeleitvel, era no uma ma, mas uma banana. E outros sustentaram, ainda, que as folhas defcus com as quais Ado e Eva se cobriram eram folhas de bananeira. Por isso o jesutaFerno Cardim, ao descrever a fruta, que conheceu no Brasil, pondera: Esta a figueira quedizem de Ado, a mais admirvel de todas as frutas que se conhecem at hoje.

    Todos os cronistas do sculo XVI, ao escreverem sobre a banana, compararam-na a figosou a pepinos. Gndavo observa que tem feio de pepinos e uma pele como de figo (aindaque mais dura). Thevet escreve: Quanto grossura, a desta fruta igual de um pepino,fruto com o qual ela alis muito se assemelha. Todos tambm eram unnimes quanto ao sabore a tinham como uma das mais saborosas e boas da terra. Como observa o francs Jean deLry, verdade que so mais doces e mais saborosas do que os melhores figos de Marselhae deve, portanto, figurar entre as frutas melhores e mais lindas do Brasil. O corsrio inglsRichard Hawkins registrou que as bananas eram macias como manteiga e que as melhores

  • que havia comido eram as da Ilha Grande, no Rio de Janeiro.

    A banana na verdade originria do sudoeste asitico, e foi trazida ao Brasil, pelosportugueses, das ilhas Canrias. Conhecida na ndia como figo e pelos povos brasileiroscomo pacova, seu nome hoje mais difundido provavelmente de origem africana. Um de seusnomes cientficos Musa paradisaca, devido ao termo com que os rabes a denominavam:musa, ou amusa. Pouco versado em rabe, porm, um padre catlico afirmou que assim sechamava por ser a fruta das Musas...

    A exemplo de outras frutas asiticas, logo os portugueses a introduziram em suaspossesses africanas e americanas, onde de tal forma se disseminou que alguns cronistas,como o senhor de engenho Gabriel Soares de Sousa, acreditavam que fosse nativa daAmrica. E era tal a fartura que a banana se tornou uma das peas de resistncia daalimentao brasileira. Como registra Gndavo, assadas verdes passam por mantimento equase tm substncia de po. Muitos viajantes observam que algumas tribos indgenas e amaioria dos escravos negros alimentavam-se quase que exclusivamente de banana. Tambmos europeus, em apertos de fome, valeram-se do nutritivo fruto como fizeram os jesutasrecm-instalados no Esprito Santo que, sofrendo alegremente mnguas e necessidadescorporais, comiam bananas assadas e milho verde. A banana era uma espcie de povegetal, de alto valor calrico e muito nutritiva.

  • Alm de excelentes propriedades alimentares, a banana tambm desempenhava, no Brasilquinhentista, o papel de medicina das mais empregadas. Assadas maduras so muito sadias ese mandam dar aos enfermos, diz Gndavo, no sem fazer um alerta: faz dano sade ecausa febre a quem se desmanda nela. Ferno Cardim recomenda seu uso para os enfermosde febres e peitos que deitaram sangue. Gabriel Soares de Sousa registra: Do-se estaspacovas assadas aos doentes em lugar de mas. Na ndia, o fsico Garcia de Orta registraque os mdicos indianos tambm as davam em dieta para febres e para outrasenfermidades. Orta, que alm de mdico e botnico era um timo garfo, aconselha com-lasmuito bem assadas, deitadas em vinho, com canela por cima, observando que assim sabem amarmelos assados e muito melhor, e tambm receita que se as cortem ao meio e fritem emacar at que estejam bem torradas, polvilhando-as ento com canela. Gabriel Soares deSousa, apesar de achar a gelia de bananas muito sofrvel, julgava-as muito gostosas:Cozidas no acar com canela so extremadas e passadas ao sol sabem a pssegospassados. E conclua: Basta que de todas as maneiras so muito boas.

    Est a figueira que dizem de Ado, nem rvore, nem erva, porque por uma parte se faz muito grossa, ecresce at vinte palmos em alto; o talo muito mole, as folhas que deita so formosssimas e algumas decomprimento de uma braa, e mais, todas rachadas como veludo de Bragana, to finas que se escreve nelas, toverdes, e frias, e frescas que deitando-se um doente de febre sobre elas fica a febre temperada com suafrialdade, so muito frescas para enramar as casas e igrejas. A fruta se pe a madurar e fica muito amarela,gostosa e sadia, maxime para os enfermos de febres e peitos que deitaram sangue; e assadas so gostosas esadias. fruta ordinria de que as hortas esto cheias, e so tantas que uma fartura, e do-se todo ano.

    FERNO CARDIM

    Registram-se vrias castas e diversos tamanhos. Gabriel Soares de Sousa gostavaespecialmente de umas avermelhadas, pequenas, do comprimento de um dedo, to docescomo tmaras. Gndavo refere-se a dois tipos: Umas so pequenas como figos berjaotes,as outras so maiores e mais compridas. O ingls Richard Hawkins observou umaspequenas, redondas e verdes. Como resume Ambrsio Fernandes Brando, no Dilogo dasgrandezas do Brasil, ao descrever o fruto: Uns grandes e outros mais pequenos, dediferentes castas e feies, gostosos no comer e de bom cheiro, dos quais h nmero infinito.

    GOIABA

    Numa carta de 1561, o padre Manuel da Nbrega, escrevendo a um padre de Lisboa, enumeratodos os produtos brasileiros que estava enviando para Portugal e faz uma das primeirasmenes goiaba (Psidium guajava). Entre as conservas enviadas de So Vicente para osirmos enfermos portugueses esto as gelias (chamadas em Portugal de marmeladas) deara, especialmente recomendadas para as cmaras, ou seja, para disenterias e outrosdesarranjos intestinais. Diz o padre Nbrega, acenando com uma possvel exportao regular

  • do saboroso remdio: Disso podemos cada ano daqui prover os nossos irmos, se for coisaque l queiram.

    A gelia e a conserva de goiaba so louvadas por grande parte dos cronistas, tanto pelosabor quanto pelos efeitos medicinais. O padre Francisco Soares a considerava muito boapara o fastio, ou seja, como digestivo. E advertia que pelos campos e matos h deste frutomuito; fazem conserva deles para cmaras e tambm assim maduros servem para as estancar eso muito apetitosos.

    Araazeiras so outras rvores que pela maior parte se do em terra fraca na vizinhana do mar, as quais socomo macieiras na grandeza, na cor da casca, no cheiro da folha e na cor e feio dela. A flor branca dafeio da de murta e cheira muito bem. Ao fruto chamam araazes que so da feio das nsperas, mas algunsso muito maiores. Quando so verdes tm a cor verde e quando so maduros tm a cor das peras.

    GABRIEL SOARES DE SOUSA

    O senhor de engenho Gabriel Soares de Sousa apreciava a fruta in natura: Esta fruta secome toda, e tem ponta do azedo mui saboroso, da qual se faz marmelada, que muito boa, emelhor para os doentes de cmaras. Tambm o padre Ferno Cardim era um apreciador:So gostosas, desenfastiadas, apetitosas, por terem alguma ponta de agro.

    Ambrsio Fernandes Brando lastima que no se fizessem plantaes de goiaba: Que osmoradores do Brasil por negligncia as deixam estar at agora agrestes, espalhadas pelos

  • matos, as quais, se foram cultivadas, se avantajariam em bondade e gosto. Era uma fruta domato, no cultivada, e ao ser levada pelos portugueses para a frica e o Oriente rapidamentese difundiu devido sua rusticidade.

    As goiabas ou aras brasileiros (espcies do mesmo gnero), ao serem descritas peloolhar europeu, so quase sempre comparadas a nsperas, peras ou mas, e suas flores efolhas so louvadas pelo cheiro. Enquanto os colonos e europeus se desenfastiavam comgoiabas cruas ou curavam suas cmaras com apetitosas gelias, os ndios, conta-nosFrancisco Soares, empregavam a fruta na confeco de vinho de ara.

    MARMELADA DE GOIABA

    Para dois quilos de goiaba, usem dois quilos e meio de acar.Cozinhem as goiabas inteiras, s na gua, abafando-as bem. A seguir descasquem-nas, cortem-nas em pedaos,

    passando-as ento por uma peneira fina.Pode-se tambm descascar as goiabas antes de lev-las ao fogo e, nesse caso, sero cozidas com um pouco de

    acar e passadas depois pela peneira. Faam uma calda em ponto de espelho, adicionem-lhe um pouco de gua-de-flor,deitem dentro as goiabas passadas pela peneira e misturem tudo muito bem, fora do fogo. Levem novamente o tacho aofogo e mexam a marmelada at que se desapegue do fundo.

    Adaptado do Livro de cozinhada infanta d. Maria

    Conheciam-se vrias castas da fruta. Perinhos amarelos, vermelhos e verdes, segundoa classificao de Ferno Cardim. J Francisco Soares era mais especfico e identificava osara-pitanga de So Vicente, vermelhos e amarelos, alm dos grandes ara-guaus e dosaraaetes, e Gabriel Soares de Sousa, na Bahia, registra umas goiabas de casca grossa comolaranja, muito saborosas, provenientes de umas rvores grandes, s quais se aparava a cascaantes de com-las.

    MARACUJ

    Louvado por suas flores, sua fresca sombra e seu fruto, os ps de maracuj plantavam-se emagradveis latadas, onde os colonos se abrigavam nas tardes de calor. Ao explicar o que eraum maracuj a um europeu que nunca vira a fruta, Brandnio, personagem do Dilogo dasgrandezas do Brasil, de Ambrsio Fernandes Brando, descreve-o como um fruto dotamanho de uma pinha, mui regalado, cujo miolo que como o da abbora, se sorve ou comes colheradas, com dar muito e maravilhoso cheiro. O padre Ferno Cardim foi o primeiro adivulgar as virtudes do maracuj, afirmando que fruta de que se faz caso. Agradava-lhecomer, tudo junto, a substncia de pevides [caroos] e o sumo com certa teia que as cobre,

  • afirmando que de bom gosto e apreciando especialmente a pontinha de azedo. J o senhorde engenho Gabriel Soares de Sousa, na Bahia tambm afeito ponta de azedo, que tornavaa fruta fria de sua natureza, mui desenfastiada recomendava-a para doentes de febres,ensinando: Enquanto nova, faz-se dela boa conserva; e enquanto no bem madura, muiazeda.

    Conheciam-se vrias castas de maracujs, variando o tamanho, forma e cor de seus frutos,e abundando em vrios tipos de magnficas e cheirosas flores. Brando registra o grandemaracuj-a e o maracuj-peroba, excelente para conserva, o maracuj-mexiras e opequenino maracuj-mirim. Ferno Cardim menos especfico e comenta apenas que algunsso redondos como laranjas e outros da feio de ovo, sendo uns amarelos e outros pretos.Existem 400 espcies pertencentes ao gnero passiflora, 60 delas do frutos comestveis, ealgumas so originrias do Brasil, como as espcies descritas por Brando.

    Pelo padre Francisco Soares sabemos que havia maracujs em quantidade no Brasil dosculo XVI. Alm de serem apreciados pelo sabor, eram muito conhecidas e usadas as suaspropriedades medicinais. A folha, depois de bem pisada, era posta em cima de feridas paradesafog-las e para, com a sua natureza fria, tirar o fogo e o cncer que tiver. Tambmera remdio para uma doena muito freqente na poca, a sfilis. E so dois padres jesutas oscronistas que se referem a esse emprego, e ensinam seus leitores que as folhas do maracujespremidas com verdete so o nico remdio para boubas.

    Na flor do maracuj os missionrios europeus souberam ver uma simbologia da paixo de

  • Cristo da sua designao como fruit-de-la-passion em francs e passion fruit em ingls. Acoroa floral representava a coroa de espinhos, os trs estigmas da flor simbolizavam os trscravos que prenderam Cristo na cruz, e as cinco anteras florais, as cinco chagas de Cristo; asgavinhas eram os chicotes com que o aoitaram e o fruto redondo representava o mundo que oCristo veio salvar. Francisco Soares descreve lindamente a planta:

    No p de cada folha nasce um talinho delgado onde nascem trs folhazinhas a modo de lancetas e quase domesmo comprimento, e em cima destas nascem cinco do mesmo modo, com outras cinco brancas do mesmo modo,e todas em torno como coroa; no p destas nasce uma coroa de raios muito delicados, redonda, azul muito fino emetade branca, e em cima desta coroa nasce outra de cinco hastes pequenas; nas pontas das hastes tem cincocovas como de argentaria, andam roda e no quebram; em cima se cria o pomo, que como redondo e comouma laranja pequena; em cima deste pomo esto trs cravos muito bem-feitos, e este o remate de sua flor.

    FRANCISCO SOARES

    SAPUCAIA

    Descrita por quase todos os cronistas, a sapucaia impressionava principalmente pelo tamanhoe formato da cabaa, e pela maneira como os frutos se dispem dentro dela. Os vasos,parecidos com jarras da ndia, fechados com delicadas e esculpidas tampas, maravilhavamos europeus, por mais parecerem feitos por artifcio de indstria humana do que criadospela natureza. Quando o fruto cai no cho, a bem talhada tampa desprende-se, e dentro dacabaa os viajantes e colonos encontravam dez ou onze repartimentos e em cada um umafruta tamanha como uma castanha de Espanha.

    Muito antes de a culinria brasileira descobrir a castanha-do-par que uma das vriasespcies da famlia Lecythidaceae, como a sapucaia (Lecythis pisonis) , os colonos eviajantes do Brasil quinhentista se deliciavam com as castanhas da sapucaia, nozes de altovalor nutricional. Muito doces e saborosas em extremo, segundo Gndavo. Muitosaborosas, assim assadas como cruas, dizia Gabriel Soares de Sousa. Quase com o mesmogosto das amndoas, na descrio de Jean de Lry. Mas havia uma restrio, conhecida portodos: se comem muitas cruas, dizem que faz pelar os cabelos, dizia o padre FranciscoSoares. No que era apoiado pelo padre Ferno Cardim: Se comem muita dela verde, pela

  • uma pessoa quantos cabelos tem em seu corpo; mas assada boa fruta.

    Continuando a descrio das rvores do Brasil, mencionarei a sabucai, que d um fruto do tamanho de doispunhos juntos; formado feio de uma taa, neles se encerram pequenos caroos como amndoas e quase como mesmo gosto. A casca desse fruto, que julgo ser o coco da ndia, utilizada para fazer vasos que, torneados ebem trabalhados, so encastoados de prata c na Europa. Um certo Pedro Bourdon, excelente torneiro, fez,quando estvamos no Brasil, lindos vasos e outros utenslios tanto com os frutos da sabucai como com madeirasde cor, tendo presenteado Villegagnon com alguns deles.

    JEAN DE LRY

    Os belos vasos da sapucaia eram apreciados tanto pelos europeus, como objetoutilitrio ou decorativo, quanto pelos ndios, como cuia para pisar o sal e a pimenta. E amadeira dessa alta e belssima rvore era empregada nos eixos dos engenhos de acar.

    MAMO

    Temos aqui um dos mais bem-sucedidos casos de fruta nativa da Amrica levada pelosportugueses para a frica e para a ndia, de onde se espalhou pelo Oriente, tornando-sepraticamente nativa e ingrediente bsico da cozinha de muitos pases orientais da mesmaforma como, para ns, a indiana mangueira , afetivamente, uma rvore brasileira.

    So poucos os cronistas a se referirem ao mamo (Carica papaya). Segundo diz o padreFerno Cardim, as altas rvores, cujos frutos maduros eram muito gostosos e de fcildigesto, eram raras. Ao que tudo indica, o primeiro a usar essa palavra para designar ofruto foi Gabriel Soares de Sousa, que, alis, faz uma bela descrio, indicando,provavelmente, que muito o apreciava: De Pernambuco vieram Bahia as sementes de umafruta que chamam mames. So tamanhos de feio e cor aos pros camoeses, e tm muitobom cheiro quando so de vez, nas rvores. E em casa acabam de amadurecer e quando somaduros se fazem moles como melo e para se comerem cortam-se em talhadas como ma e

  • tira-se-lhes as pevides que so crespas e pretas como as de pimenta da ndia, e o que se come da cor e brandura do melo e o sabor doce e muito gostoso.

    Soares de Sousa tambm descreve o mamoeiro-bravo ou mamo-do-mato (Jacaratiaspinosa), que em todo se parece com estes mames, seno que mais pequenos, o qual osndios chamam jacarate o fruto, amarelo por fora, da feio e tamanho dos figos-abborasou longais brancos, tem a casca dura e grossa tem bom cheiro, o sabor toca de azedo. Dojaracati, o padre Francisco Soares fazia uso medicinal, indicando que era uma fruta boapara cmaras de sangue [diarrias sangneas] e que a raiz moda tambm era usada paraesse fim. O leite branco extrado do tronco tambm tinha sua serventia, segundo conta FernoCardim: Coalha-se e pode servir de lacre se quiserem usar dele.

    MANGABA

    Ao falar sobre as rvores de fruto que se do na vizinhana do mar da Bahia, o senhor deengenho portugus Gabriel Soares de Sousa detm-se nas mangabeiras (Hancornia speciosa),nativas do Brasil, que se espalhavam pelas campinas e terras fracas.

    A descrio detalhada: so do tamanho de pessegueiro, tm os troncos delgados, a folhamida, a flor como a do marmeleiro, de fruto amarelo corado de vermelho, do tamanho deameixas ou maiores. Quando verdes, as mangabas so todas cheias de leite, e eram colhidas

  • assim inchadas e levadas para amadurecerem em casa, de um dia para o outro (se asdeixassem na rvore, cairiam no cho e apodreceriam). No dia seguinte, comiam-se asmangabas inteirinhas, sem deitar nada fora, como se come um figo, porque a casca todelgada que se se lhe pela se as enxovalham. De bom cheiro e suave sabor, a mangaba tinhaa grande vantagem de poder ser comida em grandes quantidades, sem causar desconfortos. de boa digesto e faz bom estmago, ainda que comam muito, dizia Gabriel Soares de Sousa.E por muitas que comam no empacham nem enfastiam, sustentava o padre FranciscoSoares. Por mais que comam, parecem que no comem fruta, concordava o missionrioFerno Cardim.

    A flor tambm era muito apreciada, conta Cardim: toda como jasmim, e de to bomcheiro, mas mais esperto. Sendo uma fruta fria, recomendava-se para doentes de febres. Ea conserva de acar, feita com as frutas ainda no totalmente maduras, era consideradamuito medicinal e gostosa. J os ndios, segundo seus hbitos, usavam-na no fabrico devinhos.

    JABUTICABA

    O padre Francisco Soares, que tinha corrido todas as vilas de So Vicente at Pernambuco,era um entusiasta da jabuticaba (Myrciaria cauliflora): das melhores frutas do Brasil.Ao descrever doze frutas brasileiras, o jesuta a elegeu como a nmero um. E eram enormesas jabuticabas em 1590: Em So Vicente as vi boas, so como limes pequenos diziaSoares, ecoando o que Ferno Cardim, tambm da Companhia de Jesus, escreveu: dotamanho de um limo seitil. Os dois concordavam sobre o sabor, que hoje nos parece meioimprovvel: O sabor como de uvas afirmava o primeiro; no gosto, parece de uva ferral,descrevia Cardim.

    As jabuticabas no eram abundantes como os abacaxis, os cajus ou as bananas. SegundoCardim, era fruta rara, sendo encontrada somente pelo serto adentro da capitania de SoVicente (a fruta nativa da mata atlntica de So Paulo e Minas Gerais). Ao que tudo indica,os colonos ainda no tinham descoberto o licor de jabuticaba, que talvez viriam a aprenderinspirando-se nos ndios, que faziam vinhos com a fruta, que cozem como vinho de uvas.

    Curiosamente, em tupi, jabuticaba quer dizer comida de cgado.

    UMBU

    Gabriel Soares de Sousa dedica um captulo inteiro ao umbu (Spondias tuberosa), mas noera um entusiasta da fruta. Relata, secamente, que tinha o tamanho, a feio, a cor e o sabordas ameixas brancas. vido comedor de outras frutas, o sbio senhor de engenho portugus

  • no sofreu as desagradveis conseqncias relatadas pelos jesutas. Os padres FernoCardim e Francisco Soares eram enfticos sobre o fruto: Faz perder os dentes e os ndiosque as comem os perdem facilmente, so muito gostosas, mas ruim para os dentes, portempo os faz cair.

    Nativa da caatinga, que est pelo menos vinte lguas do mar, que terra seca, de poucagua, como explica Gabriel Soares de Sousa, a rvore parecia que tinha sido feita na medidapara matar a sede dos ndios que ali viviam, em regio to rida. Suas razes, compridascomo batatas, eram descascadas e assim ficavam branquinhas e brandas como coco, e osabor era tido como mui doce e to sumarento que se desfaz na boca tudo em guafrigidssima e mui desencalmada. Como explica Soares de Sousa: Com o que a gente queanda pelo serto mata a sede onde no acha gua para beber, e mata a fome comendo estaraiz, que mui sadia, e no fez nunca mal a ningum que comesse muito dela. Cardimassevera que essas razes so frias, sadias e do-se aos doentes de febres.

    MUCUJ

    Para os portugueses, o tambm chamado macuo, mocuj ou macuj (Couma rigida) parecia-se com as peras do mato de Portugal, os perinhos do mato do Alentejo e mas pequenas.Eram redondos e pardos ou almecegados (amarelados). Colhiam-se verdes e eram postos amadurar, pois maduros eram muito gostosos e de fcil digesto, com um sabor algum tantodoce sobre o azedo. Comiam-se inteiros, como figos. Gabriel Soares de Sousa enftico:O sabor mui suave e tal que lhe no ganha nenhuma fruta de Espanha nem de outra nenhumaparte.

    PEQUI

    Apreciada pelo padre jesuta Francisco Soares, que se admirou com uma enorme rvore queviu no Rio de Janeiro, de noventa palmos de largura. Seu fruto (Caryocar brasiliense), quecomparou ma, precisava ser aberto para que se descobrisse uma espcie de amndoa, de

  • carne muito gostosa. Gabriel Soares de Sousa achava o gosto parecido com o de pinhescrus. Hoje integrante fundamental na cozinha tpica goiana.

    PEQUI

    Descrita como uma fruta do tamanho de uma laranja ou de um marmelo, com a casca grossacomo de laranja ou de cabaa, de cor parda por fora e guardando dentro de si, alm degrandes sementes, um mel to claro e doce como acar, um mel que parece acarclarificado, um mel branco e muito doce. O mel se come aos sorvos ou com colher erefresca muito no vero. Seu nome cientfico Caryocar villosum.

    ARATICUM

    Conheciam-se muitas castas de uma rvore do porte de uma laranjeira ou amoreira, cuja frutado tamanho e aparncia de uma pinha era louvada pelo cheiro, por ser desenfastiada e porter um azedo bom. Tanto Ferno Cardim quanto Francisco Soares, ao descreverem o quedesignam como araticu, esto se referindo ao araticum (Annona crassiflora), fruta nativa doBrasil, da mesma famlia e muito parecida com a fruta-do-conde (batizada em homenagem aoconde de Miranda, que a introduziu na Bahia em 1626), que relegou o nosso araticum nativoao esquecimento.

    Existem mais de trs dezenas de espcies do gnero Annona, entre elas a fruta-do-conde,a cherimolia, a condessa e os nossos vrios tipos de araticum, todas nativas da Amrica. Jno sculo XVII foram introduzidas no Oriente, onde se difundiram rapidamente, e hoje aindaso conhecidas como a jaca dos portugueses. Tambm na frica, principalmente emAngola, algumas espcies do gnero se disseminaram, sendo chamadas de corao-de-negro. Hoje, as anoneiras esto espalhadas por todo o mundo tropical.

  • Ao escrever sobre o araticu, Gabriel Soares provavelmente est se referindo no aoaraticum, mas graviola (Annona muricata), quando descreve uma fruta toda mole pordentro, com uma casca muito fina, que para se comer corta-se em quartos lanando-lhe foraumas pevides que tem, amarelas e compridas. A graviola era louvada por ser fresca eespecialmente indicada para os dias de vero: O fruto cheira muito bem, e tal o seu cheiroque estando em cima da rvore se conhece de baixo que est maduro pelo cheiro.

    PITANGA

    A hoje apreciadssima pitanga (Eugenia uniflora) no representava para os brasileiros, emnosso primeiro sculo, nem a sombra do que agora. O personagem Brandnio, nos Dilogosda grandeza do Brasil, cita a ubapitanga, fruta da feio de ginjas, em meio a uma grandelista de frutas, mas no se detm nela ou em suas propriedades.

    Curiosamente, o nico a descrever uma fruta com todas as caractersticas da pitanga ocorsrio ingls Richard Hawkins, que passou pelo Brasil em 1593. Em uma ilha entre oestado do Rio de Janeiro e o de So Paulo, ele se maravilhou com uma espcie de cereja, decor vermelha, com um caroo, no totalmente redonda, mas em gomos, e com um saborextremamente agradvel.

    ABAJERU

    Era apreciado por Gabriel Soares de Sousa, que observava as rvores ao longo das praias daBahia e se deliciava com seus frutos da feio e do tamanho das ameixas de c e de corroxa: Comem-se como ameixas, mas tm maior caroo, o sabor doce e saboroso. Trata-se do carnudo abajeru-vermelho (Chrysobalanus icaco), ainda encontrado nas praias e dunasdo litoral baiano.

  • MUNDURURU

    Ao descrever as rvores de fruto afastadas do mar, Gabriel Soares de Sousa o primeiro adar notcia do mundururu (Mouriri pusa), tambm conhecido como mandapu: rvore qued umas frutas pretas, tamanhas como avels, que se comem todas, lanando-lhes fora umaspevides brancas que tem, a qual fruta muito saborosa.

    AMAITIM

    Tambm descrito por Gabriel Soares de Sousa: Tem cachos maiores que as uvas ferais, unsbagos redondos, tamanhos como os das uvas mouriscas e muito esfarrapados, cuja cor roxae cobertos de um plo to macio como veludo, metem-se estes bagos na boca e tiram-lhe foraum caroo como de cereja que tem o plo, entre a qual e o caroo tem um doce mui saborosocomo sumo das mesmas uvas. Fruta de difcil identificao.

    AP

    Com a forma de amoras, mas de cor esbranquiada, os frutos tm bom sabor com ponta deazedo, so indicados para quem tem fastio e nascem em rvores que crescem ao longo domar. Talvez trate-se da amora-branca (Rubus erythrocladus).

    MURICI

    Amarelos e menores que cerejas, os muricis (Byrsonima crassifolia) nascem em pinhas, somoles e comem-se inteiros. Segundo Gabriel Soares de Sousa, o murusi tem um gostoinusitado: Cheira e sabe a queijo de Alentejo que requeima.

  • BURANHM

    O francs Jean de Lry provou o fruto do buranhm (Pradosia lactescens) que ele chamoude hiyrar e disse que era muito agradvel ao paladar, principalmente quando recm-colhido. Andr Thevet descreveu o fruto como do tamanho de uma ameixa europia e amarelocomo ouro fino de ducado, indicando, ainda, que o pequeno caroo tenro e delicado eraindicado para os que sofrem de molstias ou enjos. A casca dessa grande rvore,conhecida dos ndios como imbira, ou seja, madeira-doce, tambm tinha propriedadesmedicinais: Andr Thvet observou que os ndios a empregavam para combater a entofreqente pi, isto , a sfilis.

    COPINHA

    Os frutos dessa rvore que cresce ao longo do mar e dos rios por onde entra a mar sopretos e maiores que murtinhos. A rvore fica to carregada deles, que ordinariamentenegrejam ao longe. Na descrio de Gabriel Soares de Sousa: Sua fruta se come como uvase tem o sabor delas quando vindimam as que esto muito maduras e tem uma pevide preta quese lha lana fora. Fruta de difcil identificao.

    MAARANDUBA

    Gabriel Soares de Sousa chama-a de maarandiba (Manilkara huberi) e elogia sua madeira,cuja qualidade muito conhecida. No muito difundido o fato de que seu fruto comestvel,parecido com sapotilha.

    Seu fruto da cor dos medronhos [fruto semelhante ao morango] e de seu tamanho, cujacasca tesa e tem duas pevides dentro que se lhe lanam fora com a casca, o mais se lhecome, que doce e muito saboroso, e quem come muito dessa fruta, pegam-se-lhe os bigodescom o sumo dela, que muito doce e pegajoso, descreve Gabriel Soares de Sousa.

  • MUCURI

    rvore comum nas praias baianas, o mucuri (Astronium macrocalyx ) d umas frutasamarelas como albaricoque, que cheiram muito bem, e tem grande caroo. Come-sedescascado. Segundo Gabriel Soares de Sousa, de maravilhoso sabor.

    CAJ

    Descrito como um fruto amarelo, semelhante s ameixas no tamanho e na casca, com umgrande caroo, de pouco que comer e de muito bom cheiro. O sabor precioso com pontade azedo, cuja natureza fria e sadia, do-se estas frutas aos doentes de febres por ser fria eapetitosa, ensina Gabriel Soares de Sousa. Hoje o caj (Spondias mombin) continua a serto apreciado quanto na poca do guloso senhor de engenho.

    ING

    Comparada s alfarrobas da Espanha, o fruto (Inga edulis) uma vagem grande e verde.Dentro dela encontra-se uma substncia branca adocicada, muito saborosa, envolvendosementes pretas.

    BACUPARI

    Louvado pelo bom cheiro, descrito como um fruto amarelo com a casca grossa como de

  • laranja, facilmente removvel. Em torno dos dois caroos, encontra-se a substnciacomestvel, de maravilhoso sabor. Seu nome cientfico Peritassa campestris.

    COMICH

    Trata-se da grumixama (Eugenia brasiliensis). Gabriel Soares de Sousa descreve asvermelhas: Tamanhas e de feio de murtinhos, se comem todas lanando-lhe fora umapevide preta, a qual fruta muito gostosa.

    MANDIBA

    Tamanha como cerejas, de cor vermelha e muito doce, come-se como sorva lanando-lhe ocaroo fora e uma pevide que tem dentro e a sua semente, descreve Gabriel Soares de Sousa.Fruta de difcil identificao.

    CAMBU

    Era descrito como um fruto do tamanho, feio e cor (amarelado) das mas de anfega.Muito saborosa e tem ponta de azedo, louva Gabriel Soares de Sousa. Os frutos do cambu(Myrciaria tenella) tambm podem ser vermelhos e hoje so usados para a confeco degelias.

    CURUANHA

  • Se um senhor de engenho oferecesse a um visitante uma perada e o visitante se regalasse como doce, ficaria muito surpreso ao saber, depois, que se tratava no de perada de fato, mas dedoce de curuanha. Nascida de uma trepadeira, a fruta (Dioclea malacocarpa) tem forma defava. Quando aberta, deixa ver trs ou quatro caroos, que eram usados para molstias dofgado, sendo a massa comestvel da grossura de uma casca de laranja. Gabriel Soares deSousa era um aficicionado: Tem extremado sabor; comendo-se esta fruta crua, sabe e cheiraa camoesas, e assada tem o mesmo sabor delas assadas; faz-se desta fruta marmelada muitoboa, a qual por sua natureza envolta no acar cheira a almscar, e tem o sabor de peradaalmiscarada.

    PERADA DE CURUANHA

    Cozinhem com casca um quilo e meio de curuanhas, passando-as depois por uma peneira. A seguir faam uma calda emponto de fio (com um quilo de acar), misturem a massa calda e deixem tomar o ponto. Se quiserem o doce em pontode compoteira, deixem-no cozer um pouco menos, devendo tir-lo do fogo um pouco mais mole.

    Adaptado do Livro de cozinhada infanta d. Maria

    CAMBUC

    So frutas amareladas, do tamanho de abrics, com um grande caroo e pouca massacomestvel. Apesar do pouco que comer, era tida como muito doce e de honesto sabor.Seu nome cientfico Plinia edulis.

    GUTI

    Do tamanho e da cor das peras pardas, o guti (Licania tomentosa), ou oiti, fruta dehonesta grandura e com um grande caroo, segundo Gabriel Soares de Sousa, era descascadoe comido em saborosas talhadas. Lanadas essas talhadas em vinho no tm preo. Faz-sedesta fruta marmelada muito gostosa, a qual tem grande virtude para estancar cmaras desangue [disenterias], comenta Gabriel. No sculo XVII, frei Cristvo de Lisboa, na suaHistria do Brasil, entre as pouqussimas frutas que descreve d lugar ao hoje esquecidofruto do oiti, do qual tambm era apreciador: de tanto sabor e cheiro que no parecesimples, seno composto de acar, ovos e almscar.

  • Lus da Cmara Cascudo, em sua Histria da alimentao no Brasil, faz uma timaobservao a respeito da fruta e de seu emprego no sculo XVI, quando era consumida imersaem vinho: Humilssima fruta que apenas o povo pobre colhe e come, guti assume proporessurpreendentes creio que nunca mais os oitis provaram vinho.

    Hoje, as altas e belas rvores dos oitis so muito empregadas na arborizao de cidades.

    COCO

    No incio do sculo XVI, no havia coqueirais nas praias do Nordeste, e a paisagem era,portanto, imensamente diferente da que conhecemos agora. O coco, to nosso, uma frutaestrangeira uma das primeiras plantas a serem trazidas e disseminadas por aqui. Ecertamente uma das mais bem-sucedidas entre as muitas viagens de espcimes vegetais naglobalizao botnica promovida pelas navegaes portuguesas. Como a cana-de-acar, ococo disseminou-se pelos trpicos, sendo sua origem controversa (talvez seja nativo dosudeste asitico). Transportado por caravelas e galees portugueses, espalhou-se pela frica,pelas ilhas atlnticas e pelo Brasil, e entranhou-se s novas terras como se fosse uma plantanativa.

    Gabriel Soares de Sousa conta que as mudas de coqueiro chegaram Bahia vindas deCabo Verde, e que aqui os cocos eram, segundo ele, melhores que na ndia e maiores emelhores que em outras partes. Apesar disso e da abundncia do fruto, ainda no haviapenetrado na cozinha brasileira. No h referncias, nos cronistas do nosso primeiro sculo,ao uso do coco na doaria ou ao leite de coco no preparo de pratos.

    Ainda segundo Soares de Sousa, no se dava muito valor ao coco no Brasil e no haviaquem lhe soubesse aproveitar dos muitos usos que na ndia se faz. J no sculo XVII, freiVicente do Salvador dizia: Cultivam-se palmeiras de cocos grandes, colhem-se muitos,principalmente vista do mar, mas s os comem e lhes bebem a gua que tm dentro, sem osmais proveitos que tiram na ndia. No apenas na ndia mas em outras regies do Oriente, de

  • onde era nativo, o Cocos nucifera era empregado de muitas maneiras, e no s na culinria.O mdico portugus radicado em Goa Garcia da Orta dedica um captulo de seu livro de

    botnica ao coco, enumerando seus usos: a madeira era empregada em velas e cordas denavios, as folhas para cobertura de casas, a seiva do tronco para aguardente e para acarescuro, a casca do fruto para cordas e para ser adornada por ourives, a polpa para vriostipos de leos medicinais e para o leite de coco empregado nos pratos de curry e para cozerarroz, entre outros muitos usos.

    A rainha d. Catarina, av de d. Sebastio, era uma aficcionada, e pedia que lhemandassem sempre da ndia. O coco precisaria de mais de um sculo para ser aproveitado emtoda sua potencialidade, at surgir nas cocadas e nos pratos salgados com leite de coco.Cmara Cascudo registra que no final do sculo XVI na frica Oriental, em Sofala, j se faziaarrozdoce com leite de coco. Mas no Brasil, a moda demoraria a chegar.

    O corsrio ingls Richard Hawkins, que esteve no Brasil e em pases da Amricaespanhola, nos conta que se acreditava que a gua de coco tinha uma propriedade singular, ade conservar a maciez da pele, e que por isso, na Espanha e em Portugal, as damas lavavamcostumeiramente o rosto e o pescoo com essa gua.

    Quando os portugueses conheceram o fruto, no Oriente, este chamava-se tenga, na lnguados malabares, e narle, no idioma dos canariis. Mas preferiram cham-lo de coco. Pelo querelatam alguns escritores do sculo XVI, coco era o nome empregado para designar o queconhecemos como bicho-papo. Escreve o historiador portugus Joo de Barros: Os nossoslhe chamaram coco, nome imposto pelas mulheres a qualquer coisa com que querem fazermedo s crianas, o qual nome assim lhe ficou, que ningum lhe sabe outro.

    FRUTAS EUROPIAS

    Morpio um lugar dominado pelos portugueses, situado na direo do rio da Prata e doestreito de Magalhes, a 25 graus da Linha Equinocial. Sob o comando de um tenente-general,vivem a numerosas pessoas de todas as categorias sociais, inclusive escravos. O rei dePortugal aufere enormes lucros dos rendimentos de sua explorao, conta o cosmgrafofrancs Andr Thevet, nas suas Singularidades da Frana Antrtica, publicadas em 1556.Morpio, a rica e bela, esplndida regio que produz enorme quantidade de frutas egrande quantidade de laranjas, limes e cana-de-acar era, na verdade, a capitania de SoVicente, cuja agricultura prospera mais e mais a cada dia que passa.

  • limo

    Eram to abundantes os marmelos na capitania de So Vicente, e to grande a produo demarmelada, que se exportava para outras capitanias, conta o senhor de engenho portugus,radicado na Bahia, Gabriel Soares de Sousa: Os marmelos so tantos que os fazem deconserva, e tanta marmelada que a levam a vender por as outras capitanias. Ferno Cardim outro a assombrar-se com os abundantes marmelos de So Vicente: No campo de Piratiningase do muitos marmelos, e h homem que colhe doze mil marmelos, e aqui se fazem muitasmarmeladas e cedo se escusaram as da ilha da Madeira. Mas, segundo Andr Thevet, acompota tpica e mais saborosa de So Vicente era a de anans. Se So Paulo exportavacompota e doce de marmelo, Porto Seguro produzia conserva de melancia e uma muitosubstancial conserva de cidra.

    figo

    As rvores de espinho e outras frutferas trazidas da Europa logo se espalharam peloterritrio brasileiro, sendo plantadas extensivamente. O francs Jean de Lry nos conta ahistria dessa expanso: Embora antigamente no existissem laranjeiras nem limoeiros nessaterra da Amrica, como ouvi dizer, depois que os portugueses as plantaram perto da costa,essas plantas se multiplicaram de modo admirvel e produzem laranjas, a que os selvagenschamam morgonia, do tamanho de dois punhos, e limes ainda maiores, em grandeabundncia.

    J outro francs, Nicolas Barr, piloto de Villegagnon, lastimava que os habitantes locais,os ndios do Rio de Janeiro, fossem extremamente negligentes no seu cultivo. O padre

  • Ferno Cardim, ao falar sobre vilas colonizadas, observa: H grandes laranjais, cidrais, atse darem pelos matos, e tanta a abundncia destas cousas que delas se no faz caso comono falta acar se faz infinitas conservas, a saber, cidrada, limes, florada etc. Em PortoSeguro, Gabriel Soares de Sousa registra que a gua-de-flor de laranjeira ali produzida erato boa que era exportada para Salvador: Se do todas as frutas de espinho, onde a gua-de-flor finssima, e se leva Bahia, a vender por tal.

    As laranjeiras se plantam em pevide, e faz-lhes a terra tal companhia que em trs anos se fazem rvores maisaltas que um homem, e neste terceiro ano do fruto, o qual o mais formoso e grande que h no mundo; e aslaranjas doces tm suave sabor, e o seu doce mui doce, e a camisa branca com que se vestem os gomos tambm muito doce. As laranjeiras se fazem muito grandes e formosas, e tomam muita flor de que se faz guamuito fina e de mais suave cheiro que a de Portugal; e como as laranjeiras doces so velhas, do as laranjascom uma ponta de azedo muito galante.

    GABRIEL SOARES DE SOUSA

    Eram belssimos os quintais de Salvador em 1587, ano em que Soares de Sousa escreve:E tornando desse mosteiro [de Santo Antnio] para a praa pela banda da terra vai a cidademui bem arruada, com casas de moradores com seus quintais, os quais esto povoados depalmeiras carregadas de cocos e outras tmaras, e de laranjeiras e outras rvores de espinho,figueiras, romeiras e parreiras, com o que fica muito fresca. Ao olhar-se a cidade ao longe,viam-se palmeiras que aparecem por cima dos telhados e laranjeiras, que todo o ano estocarregadas de laranjas, cuja vista de longe mui alegre, especialmente do mar. Havia aliasde laranjeiras na ilha de Jorge de Magalhes, toda lavrada de canaviais, coisa muito paraver. As roas nas imediaes de Salvador produziam hortalias e frutas que eram vendidasna praa e abasteciam a cidade. Cumprira-se, enfim, o prognstico de Pero Vaz de Caminha,em se plantando tudo d...

    laranja

    Havia vrias castas de tamareiras, cidreiras, laranjeiras, limeiras, limoeiros, romeiras,

  • parreiras, figueiras em profuso, alm de meles (bons e finos) e melancias. Tanto GabrielSoares de Sousa quanto Ferno Cardim dedicam um captulo ao assunto. Cardim, ao falar dasrvores e ervas que vieram de Portugal e se do no Brasil, declara: Este Brasil j outroPortugal. Soares de Sousa um entusiasta da aclimatao das frutas europias. Segundo ele,todas as nascidas aqui fazem muita vantagem s de Portugal, assim no grandor como nosabor.

    COMPOTA DE MARMELO

    Escolham alguns marmelos alongados, do tipo pra, bem compridos e lisos, podendo, inclusive, ser marmelos silvestres.Descasquem-nos, partam-nos em quartos, dando-lhes a seguir uns cortes oitavados.

    Tenham um tacho ao fogo com gua fervente, e ponham ali os marmelos, para uma fervura muito rpida. Depoistirem os marmelos dessa gua, e coloquem-nos em outra vasilha com gua fria.

    Em gua fria ficaro dois dias, trocando-lhes a gua trs vezes ao dia, e cada dia dando-lhes uma ligeira fervura.A ltima fervura dever cozer os marmelos completamente, at que sejam atravessados com facilidade com um

    alfinete. Tirem os pedaos dessa ltima fervura, coloquem-nos numa vasilha funda e cubram-nos com gua quente.Depois escorram muito bem essa gua e coloquem sobre a fruta uma calda morna, em ponto de fio. Durante quinze diaslevem s a calda ao fogo, para uma ligeira fervura, derramando-a sempre morna sobre os marmelos. No derradeiro dialevem tudo junto ao fogo, deixem ferver brandamente, tirem o tacho do fogo e deitem na compota um pouco de gua-de-flor.

    Do Livro de cozinha dainfanta d. Maria

    Dos figos, havia os bberas, os negrais, os berjaotes e outros muitos, que davam duascolheitas por ano at no Rio de Janeiro. Das uvas, havia ferrais, boais, bastarda, verdelho,galego e muitas outras, das quais se faziam vinhos, mas ainda no se conseguia conserv-los,e alguns os ferviam antes de guard-los para que no perecessem. Faziam-se tambm bonsprognsticos sobre a produo de vinho em So Vicente, constatando que os homens jcolhiam trs a quatro pipas de vinho cada ano. Eram tempos de otimismo.

    marmelo

    A introduo e alta produo de laranjas ligava-se diretamente s necessidades bsicasdas muitas frotas que freqentavam as rotas brasileiras. Aps meses de navegao, chegavam

  • ao Brasil em busca de gua fresca e mantimentos, e as laranjas eram uma mercadoriaespecialmente valiosa para tripulaes famintas, exaustas e grassadas pelo escorbuto. Entreos vveres cobiados pelos navios e presenteados pelos habitantes da costa, fossem colonosou ndios, estavam as muito valorizadas dzias de laranjas. Como conta Jean de Lry: estandono mar, na altura do cabo de So Vicente, encontramos um navio irlands, ao qual os nossosmarinheiros, a pretexto de falta de vveres, tomaram seis ou sete pipas de vinho de Espanha,figos, laranjas e outras coisas que constituam a sua carga. Olivier van Noord, de passagempelo Brasil, logo identificou que no era bem recebido pelos portugueses pela parcaquantidade de laranjas enviadas a seu navio: No dia dez, depois de meio-dia, voltou namesma canoa o dito portugus, que s trouxe umas cinqenta ou sessenta laranjas,demonstrao evidente das intenes do Governador para conosco. O ingls RichardHawkins teve mais sorte: conseguiu em Santos trezentas laranjas e limes, que foram umalvio para sua tripulao enfraquecida pelo escorbuto.

  • Legumes e Cereais

    MANDIOCA

    A mandioca (Manhiot esculenta) uma espcie de personagem pica da alimentaobrasileira. O ingrediente bsico, onipresente, resistente, potente e verstil, de onde se extrai amatria-prima para uma srie de comidas e bebidas. Nativa do sudoeste da Amaznia, amandioca foi domesticada por ndios tupi h cerca de 5.000 anos, na vasta rea do Alto rioMadeira, de onde se espalhou pelo Brasil adentro, atingindo o Paraguai, a Bolvia, o Peru e aGuiana. Ainda hoje gomas, polvilhos, beijus, tapiocas, tacacs, bebidas fermentadas, farinhase medicamentos produzidos na regio amaznica so um testemunho de sua brasileirssimaorigem. A mandioca desde ento ganhou o mundo e atualmente uma das plantas alimentaresmais importantes, sustentando cerca de 500 milhes de pessoas na frica, sia e AmricaLatina.

    no sculo XVI, com os Descobrimentos, que a mandioca especialmente na forma defarinhas e de beiju comea a se espalhar por outros continentes. Por sua durabilidade ecapacidade nutricional, a farinha de mandioca, ento conhecida como farinha-de-pau, passoua ser mantimento fundamental no abastecimento das frotas no Novo Mundo, e tambm nasexpedies que exploravam o continente por caminhos terrestres. Navegadores e viajantesidentificaram o beiju e o caave da Amrica espanhola com o po branco europeu, eassim o acepipe dos ndios tornou-se o po da conquista. Colombo, em 1492, na ilha deHispaniola, foi um dos primeiros a descrever a nova iguaria um po, a que chamamcaave , e tambm a abastecer sua frota com farinha de mandioca e o po local.

  • O cultivo da mandioca foi logo iniciado no litoral africano, a fim de garantir oabastecimento das naus nas rotas martimas, e a raiz foi to bem aceita no continente que em1575 j era o principal alimento da feitoria de Angola a mandioca, a partir da, foigradualmente absorvida pela cultura local at instalar-se definitivamente na alimentaoafricana. No comrcio de escravos, a farinha de mandioca brasileira no apenas alimentavaas tripulaes durante as viagens, mas, fazendo as vezes de moeda, era trocada por escravosno litoral africano.

    No eram s os portugueses, espanhis e africanos que se beneficiavam dos mltiplosusos da mandioca. Tambm franceses e ingleses carregavam seus navios de beijus e farinhade mandioca como principal alimento de subsistncia. O ingls Richard Hawkins, que passoupelo Brasil em 1593, conta como sua frota se alimentou durante a viagem martima para oestreito de Magalhes depois de ter se abastecido nas costas brasileiras: o petisco preferidodos homens era beiju frito na banha de porco e salpicado com canela.

    Nossa poderosa planta tambm teve outros usos, menos materialistas. Os jesutas,empenhados em seu projeto de converter os ndios brasileiros, souberam ver nas origensmticas da mandioca um dos sinais de que a nova terra estava realmente destinada a sercatlica. Manuel da Nbrega e Jos de Anchieta acreditavam que a mandioca era uma plantaafricana introduzida no Brasil por so Tom: tradio antiga que veio o bem-aventuradoapstolo so Tom a esta Bahia e lhes deu a mandioca e a banana, registra Nbrega. Aconcepo catlica das origens da mandioca firmou-se de tal maneira que os eminentesnaturalistas alemes Spix e Martius, em pleno sculo XIX, por no terem encontrado amandioca em estado silvestre, chegaram a admitir sua origem africana, com base na lenda,divulgada por Nbrega e Anchieta, do Zum (mito indgena que os jesutas associaram aoapstolo so Tom).

    H vrias espcies de mandioca, e todas contm veneno. Geralmente, chama-se de aipimou macaxeira os tipos mansos (com pouca quantidade de cido ciandrico), que se podemcomer cozidos, e de mandioca aqueles com elevados teores do veneno, dos quais seproduzem a maior parte das farinhas e das bebidas. Os ndios desenvolveram uma eficaztcnica para transformar uma planta venenosa num alimento de fcil digesto, de longadurabilidade e fcil armazenamento: o cido ciandrico eliminado pela evaporao

  • provocada pelos sucessivos cozimentos e secagens por que passam as razes ao seremtransformadas em farinhas. Como explicava Anchieta: So venenosas e nocivas por natureza,a no ser que pela indstria humana se preparem para comer.

    Colonos e viajantes registraram detalhadamente a distino entre os dois tipos da raiz eassinalaram sua toxidade o que era um caso de vida ou morte para os recm-chegados. Noentanto, so raros os relatos de mortes causadas pelo veneno da mandioca. Um dos nicoscasos foi registrado pelo ingls Anthony Knivet. Em 1591, numa expedio pelo serto deSo Vicente, seus companheiros acharam grande quantidade da raiz em uma aldeiaabandonada: Naquela noite nossos homens comeram tanta mandioca que, no momento em quedeveramos estar prontos para o ataque, eles estavam prostrados, vomitando tanto que noconseguiam sequer ficar de p, e treze deles morreram.

    O processo de extrao do veneno meticulosamente descrito por quase todos oscronistas. necessrio deit-las na gua at apodrecerem; apodrecidas, desfazem-se emfarinha, que se come, depois de torrada em vasos de barro bastante grandes. Isto substituientre ns o trigo, explica Anchieta. Pero de Magalhes de Gndavo relata com extremapreciso o processo, descrevendo as etapas at hoje praticadas nas milhares de casas defarinha existentes no interior do Brasil: E logo que as arrancam, pe-nas a curtir em guatrs ou quatro dias, e depois de curtidas, pisam-nas muito bem. Feito isto, metem aquelamassa em algumas mangas compridas e estreitas que fazem de umas vergas delgadas, tecidas maneira de cesto, e ali a espremem daquele sumo, de maneira que no fique dele nenhumacoisa por esgotar; por que to peonhento e em tanto extremo venenoso, que se uma pessoa,ou qualquer outro animal, o beber, logo naquele instante morrer. E depois de a terem curadadessa maneira, pem um alguidar sobre o fogo, em que a lanam, a qual uma ndia ficamexendo at que o fogo acabe por secar sua umidade e fique enxuta e disposta para se podercomer, o que levar mais ou menos meia hora.

    As roas de mandioca eram plantadas pelas mulheres, que eram tambm as responsveispela confeco das farinhas e bebidas. Foram elas as primeiras cozinheiras, como nos relatao padre Nbrega: Quando cheguei a esta capitania achei umas ndias, parte forras e livres,parte escravas, solteiras e algumas casadas, as quais serviam a casa e traziam lenha e gua efaziam mantimentos para os meninos. Na cozinha dos colonos portugueses e dos jesutas,essas ndias provavelmente cozinhavam pratos indgenas base de mandioca.

    Os ndios produziam trs tipos de farinha: a de guerra, a fresca e a puba (tambmconhecida como carim), que at hoje esto presentes na mesa brasileira. Como explica ofrancs Jean de Lry: Fazem farinha de duas espcies: uma muito cozida e dura, a que osselvagens chamam uhi antan, usadas nas expedies guerreiras por se conservar melhor;outra menos cozida e mais tenra, a que chamam uhi pon, muito mais agradvel do que aprimeira porque d boca a sensao do miolo de po branco ainda quente. Ambas, depoisde cozidas, mudam de sabor, tornando-se mais agradveis e delicadas. Porm o que maisimpressionou o francs foi a maneira como a comiam: Os tupinambs, tanto os homens comoas mulheres, acostumados desde a infncia a com-la seca em lugar do po, tomam-na com osquatro dedos na vasilha de barro ou em qu