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Deluiz Revista2002

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Formação

Maio de 2001

Humanizar cuidados

de saúde:

uma questão de

competência

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Ministério da SaúdeSecretaria de Gestão de Investimentos em SaúdeProjeto de Profissionalização dos Trabalhadores da Área de Enfermagem - PROFAE

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Sumário

5Qualificação, competências e certificação: visão do mundo do trabalho

Neise Deluiz

17Qualificação, competências e certificação: visão educacional

Marise N. Ramos

27Certificação de competências: a necessidade de avançar numa perspectiva formativa

Léa Depresbiteris

39Certificação de competências em educação profissional: concepção e implementação

Cleunice Matos Rehem

45Sistema de Certificação de Competências PROFAE: bases conceituais

Milta Neide Freire Barron Torrez

53Certificação de competências profissionais: o que o PROFAE está pensando e fazendo

Cláudia Maria da Silva Marques

61Certificação ocupacional: aproximando formação e trabalho

Nassim Mehedff

Secretário de Políticas Públicas de Emprego do Ministério do Trabalho e Emprego

3Desenvolvendo idéias para a organização de um sistema de certificação de competências

na área da saúde

Artigos

Editorial

Entrevistas

65Sistemas de certificação de pessoal como instrumentos de valorização profissional

Alfredo Lobo

Secretário Executivo do Comitê Brasileiro de Certificação

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Desenvolvendo idéias para a

organização de um sistema de

certificação de competências

na área da saúde

Esta segunda edição da revista Formação traz para o leitor várioselementos do debate de um importante, complexo e polêmico temada atualidade: a certificação de competências.

Quando assumimos a responsabilidade de promover a articulaçãoentre os atores envolvidos com a prática do auxiliar de enfermagem, afim de organizar e implementar um sistema de certificação de com-petências voltado para os egressos dos Cursos de Qualificação Profis-sional de Nível Técnico em Auxiliar de Enfermagem do PROFAE,assumimos também a responsabilidade de buscar, sistematizar edivulgar informações sobre este tema. Foi com este propósito querealizamos, em novembro de 2000, o seminário Certificação deCompetências para a Área da Saúde: os desafios do PROFAE, cujosobjetivos estavam focados em dois principais aspectos: abrir o debatesobre o tema (já existente nos setores do trabalho e da educação) entreos atores do setor saúde, e analisar as perspectivas de organização eimplementação das metodologias a serem utilizadas pelo PROFAE.

Nosso desafio hoje é desenvolver um processo que possibiliteidentificar, promover e gerir os saberes que devem ser mobilizadospelos trabalhadores, para que estes atuem segundo a premissa básicade melhorar a qualidade da assistência em saúde, incorporando emsuas ações os princípios da integralidade da atenção, da humanizaçãodo cuidado e do reconhecimento da autonomia e dos direitos dousuário dos serviços de saúde.

Nesta edição são apresentados artigos e entrevistas (alguns deles,inclusive, relatos de apresentações realizadas no próprio seminário),que abordam de maneira atualizada e crítica o tema da certificaçãode competências profissionais. Queremos oferecer ao leitor umavisão geral dos pressupostos e parâmetros que orientam a organi-zação e implantação de sistemas de certificação, tanto na perspectivado mundo do trabalho quanto na perspectiva educacional.

Esperamos, desta maneira, estar contribuindo para o debate sobreeste tema, e cumprindo nosso objetivo de tornar esta publicaçãoum instrumento de divulgação e mobilização de idéias no campoda educação profissional em saúde.

Cláudia Maria da Silva MarquesCoordenadora do SCC/PROFAE

Editorial

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Nas ú l t imas duas décadas , omundo tem presenciado mudanças nocontexto econômico, político, sociale cultural. A configuração que ocapitalismo vem assumindo a partirdos anos 1970 revela a crise do pa-drão de acumulação cap i ta l i s t aestruturado sob o binômio taylo-rismo-fordismo, e sua alteração ousubstituição por formas produtivasflexibilizadas e desregulamentadas, oque se convencionou denominar co-mo a especialização flexível (Piore eSabel, 1984) ou toyotismo.

A produção em massa fordista –que vigorou a partir de 1913 naindústr ia automobil í s t ica norte-amer i cana – e ra um padrão deorganização industrial baseado naprodução em série, no uso intensivode materiais e no capital fixo, combase material calcada na eletromecâ-n ica e na pe t roquímica , for tedependência da energia oriunda dopetróleo e localização em grandesconcentrações industriais. O fordis-mo adotava como forma de organiza-ção do trabalho um modelo de gestãoda mão-de-obra fundado na extremadivisão do trabalho e na fragmenta-ção do saber, decorrentes do parcela-

Opinião

Qualificação, competências e

certificação: visão do mundo do

trabalho1

As exigências crescentes de produtividade e de qualidade e um contexto de mercadode trabalho instável e flexível ampliam os requisitos de qualificação dos trabalhadores etornam cada vez mais generalizada a implantação de modelos de formação e de gestãoda força de trabalho baseados em competências profissionais. Neste artigo, a autoramostra a importância de ampliar a qualificação dos trabalhadores em saúde, tanto nadimensão técnica especializada, quanto na dimensão ético-política, comunicacional ede inter-relações pessoais, para que eles possam participar como sujeitos integrais nomundo do trabalho.

mento das tarefas e da separaçãoentre concepção e execução.

Mas o modelo de desenvolvi-mento fordista – que atingiu seu augeentre anos pós II Guerra e o inícioda década de 1970 – era muito maisdo que um modo de organização daprodução e do trabalho. Ancorava-se na produção em larga escala e noconsumo da ampla massa de traba-lhadores, alinhava-se com a políticaeconômica keynes iana do plenoemprego e da intervenção do Estadona esfera econômica e apoiava-se napresença de um Estado de Bem-EstarSocial (Welfare State), que desenhavapolíticas sociais e de seguridadesocial que permitiam a produção e areprodução da força de trabalho. Naótica política, possibilitou o desen-volvimento de uma forte estruturasindical e de um complexo sistema derelações industriais, que incluía aparticipação dos trabalhadores tantona esfera da produção, por meio dossindicatos, quanto na esfera pública,nos marcos da social-democracia.

Neise Deluiz

Doutora em Educação - Universidade Federal do Rio de Janeiro

1 Texto base da palestra proferida pela autora noSeminário Certificação de Competências para aÁrea de Saúde: os desafios do PROFAE, realizadoem novembro de 2000, em Brasília-DF.

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Formação

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A crise que assolou o sistemacapitalista no início da década de1970 – e que gerou as transformaçõesno mundo da produção e do trabalhoque hoje vivenciamos – revelou asfragilidades do modo de organizaçãoda produção e do trabalho industrialbaseado no taylorismo/fordismo. Acrise energética dos anos 1970, aresistência dos trabalhadores organi-zados à produção fordista e as mu-danças no mercado consumidor debens e serviços – com demandas cadavez mais exigentes e segmentadas –acirraram a concorrência intercapita-lista, fazendo com que as empresasse reestruturassem, adotando estra-tégias de racionalização e diminuiçãode custos e de aumento da produtivi-dade e qualidade de seus produtos eserviços.

Para enfrentar os mercados cadavez mais competitivos e instáveis, asempresas passaram a investir emnovas tecnologias de base micro-eletrônica e adotaram novas concep-ções organizacionais. O uso intensivode tecnologias de base microeletrô-nica tem um papel relevante nestecontexto, já que estas possibilitamganhos de produtividade ao substituirem grande escala o trabalho vivo,permitem o surgimento de novosprocessos e produtos, e propiciamrápidas adaptações na produção debens e serviços diante das flutuaçõesdo mercado. As novas estratégias deadministração e de gestão da forçade trabalho possibilitam: a integra-ção dos processos produtivos; aflexibilização não só de produtos ede processos, como também do traba-lho; a descentralização da produção,através da qual a empresa matriz(empresa-mãe) estabelece ampla redede fornecedores subcontratados,terceirizando atividades; o enxuga-mento das estruturas de operação,para diminuir custos; e mudanças nadivisão do trabalho, integrando fun-ções anteriormente separadas comoa produção e o controle de qualidade(Deluiz, 1994, 1995).

Nos anos 1990, as mudanças nadinâmica do capitalismo internacional

aprofundam-se e expandem-se. Ainternacionalização dos mercados esua crescente integração, a tendênciaà formação de blocos regionais parao intercâmbio industrial e comercial,a fusão de empresas que formamgrandes conglomerados, e o desloca-mento de plantas industriais e deempresas de serviços para distintasreg iões do mundo em busca demaiores lucros, menores custos deprodução e de mão-de-obra baratacom fraco poder de organizaçãosindical, são alguns dos elementos desinalização das transformações estru-turais que configuram a globalizaçãoeconômica.

O aprofundamento do processode internacionalização do capitalis-mo nas duas últimas décadas engen-dra um novo padrão de relaciona-mento econômico entre os países e aconsolidação de reformas de amploespectro, traduzidas em políticas deperfil neoliberal adotadas como saídapara a crise econômica. Estas políti-cas defendem mudanças com relaçãoao tamanho e atribuições do Estadopor meio das privatizações, objeti-vando diminuir os gastos públicos.Defendem também a não-intervençãoestatal na economia, na perspectivado Estado mínimo, a ênfase no mer-cado, com a desregulamentação daseconomias nacionais, e o desmontedas políticas sociais efetivadas peloEstado de Bem-Estar Social.

A intensificação deste processotende a ampliar as desigualdadeseconômicas em escala mundial e asconseqüências sociais são visíveis: odesemprego estrutural, a reestrutura-ção do mercado de trabalho, a flexi-bilidade e a desregulamentação dotrabalho, a terceirização das ativida-des, o crescimento dos empregosprecários, a exclusão de amploscontingentes de trabalhadores domercado formal e o empobrecimentoda população. As ameaças aos direi-tos dos trabalhadores ocorrem em umquadro de dificuldades de organiza-ção e sindicalização e de desmobiliza-ção de movimentos reivindicatórios.A globalização econômica corresponde

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à globalização do mundo do trabalhoe da questão social.

A internacionalização da econo-mia, a competição entre as empresas,o uso in tens ivo das inovaçõestecnológicas, a redução dos postos detrabalho, o desemprego estrutural, oaumento da exc lusão soc ia l , oagravamento das diferenças sociaisentre os países ricos e os pobres – eentre os ricos e os pobres dentro deum mesmo país – e a devastação domeio ambiente pelo uso predatóriodas tecnologias são faces de umamesma moeda. Trata-se da opção porum modelo de desenvolvimentopautado exclusivamente pela óticaeconômica, sem preocupação com oindivíduo ou com as comunidades esociedades. Segundo Dowbor (1998),tornou-se cada vez mai s d i f í c i lidentificar o bem-estar humano como bem-estar da economia.

O setor de serviços vem sendoatingido, tal como o setor industrial,pelos processos de racionalização ereestruturação, e sofre os impactosdas transformações tecnológicas edas mudanças organizacionais nasempresas e inst i tuições . O ladosombrio deste processo revela-se noenxugamento das e s t ru tura s deoperação e na t e r ce i r i zação deatividades, cujas conseqüências são odesemprego e o emprego precário. Olado luminoso é a possibilidade deum trabalho com novos conteúdos,a partir de novas concepções geren-ciais e da introdução de tecnologiasque exigem maior base de educaçãogeral, além de novos requisitos e atri-butos de qualificação profissional.

Mudanças na natureza do trabalho eas novas exigências de qualificaçãopara os trabalhadores

No contexto de crise da sociedadedo trabalho ocorre um fenômenoparadoxal: a ampliação do desem-prego e do trabalho precarizado einformal, e , s imultaneamente, aemergência de um trabalho revalori-zado, no qual o trabalhador poliva-lente, multiqualificado deve exercer,cada vez mais, funções abstratas e

executar, cada vez menos, trabalhomanual.

Apesar da permanência do para-digma taylorista/fordista nos espaçosprodutivos e mesmo de sua convi-vência com os novos conceitos deprodução, surgem novas tendênciasem relação ao trabalho: este se tornamais intelectualizado, complexo,autônomo e coletivo (Schwartz apudAlaluf,1995). Com o avanço tecnoló-gico, as tarefas tornam-se indetermi-nadas, dadas as possibilidades demúltiplos usos dos próprios sistemascomputadorizados, e a tomada dedec i sõe s pa s sa a depender dacaptação de uma multiplicidade deinformações obtidas através das redesinformatizadas.

A complexidade advém do fato deque é prec i so l idar não só comsímbolos e signos, mas com o novo,o incerto e o aleatório nas atividadesde trabalho. As novas exigências dot raba lho requerem não só umaflexibilidade técnico-instrumental,como também a flexibilidade intelec-tual, tendo em vista as necessidadesde melhoria contínua dos processosde produção de bens e serviços.

O t raba lho não-qua l i f i cado ,fragmentado, repetitivo, rotineiro eprescrito, característico do modelotaylorista/fordista, é substituído, nasempresas e instituições que adotaramas novas formas de organização dotrabalho, por um trabalho poliva-lente, integrado, em equipe, commais flexibilidade e autonomia. Umtrabalho de “arbitragem”, onde éprec i so d iagnos t i ca r, p reven i r,antecipar, decidir e interferir emrelação a uma dada situação concretade trabalho. A natureza deste tipo detrabalho reveste-se da imprevisibi-lidade das situações, nas quais otrabalhador ou o coletivo de traba-lhadores tem que fazer escolhas eopções todo o tempo, ampliando-seas operações mentais e cognitivasenvolvidas nas atividades.

O trabalho individualizado cedeulugar ao trabalho em grupo e astarefas do posto de trabalho foram

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substituídas pelas funções poliva-lentes em “ i lhas de produção”,“grupos semi-autônomos” e equipesde trabalho (Deluiz,1996). Por fim,devido a situações de trabalho emconstante mudança, a a t iv idadeinventiva dos trabalhadores passou aser incessantemente mobilizada e oconhecimento incorporado comosaber de gestão. Saber gerir a produ-ção é, também, saber gerir a si pró-prio na atividade produtiva (Neves eCarvalho,1997). Neste contexto, oconteúdo e a qualidade do trabalhohumano modificaram-se.

Capacidades de diagnóstico e desolução de problemas, e aptidõespara tomar decisões, trabalhar emequipe , en f rentar s i tuações emconstantes mudanças e intervir notrabalho para melhoria da qualidadedos processos, produtos e serviços,passam a ser exigidas dos trabalhado-res no quadro atual de mudanças nanatureza e no processo de trabalho.

As características do trabalho nosetor saúde

O setor saúde faz parte do setorde serviços, integrando o conjuntodas atividades denominado serviçosde consumo coletivo. Sofre de igualforma os impactos do processo dea jus te macroestrutura l que vêmatingindo o setor industrial nas duasúltimas décadas: por um lado, abusca de produtividade e de qualida-de pela via da redução de custos,privatizações e terceirizações; poroutro, as exigências de melhoria deprocessos e serviços, por meio denovas formas de organização dotrabalho e de invest imentos emprogramas de capacitação profis-sional dos trabalhadores.

O trabalho em saúde guarda,entretanto, algumas especificidades.É , no d izer de Offe (1991) umtrabalho ref lexivo 2 , no qual asdecisões a serem tomadas implicam naarticulação de vários saberes queprovêm de várias instâncias, taiscomo a formação geral (com ênfaseno conhec imento c i ent í f i co ) , aformação profissional (com ênfase no

conhecimento técnico) e as expe-riências de trabalho e social (qualifi-cações tácitas), e que são mediadospela dimensão ético-política. Caracte-riza-se pelas incertezas decorrentesda indeterminação das demandas,pelas descontinuidades e pela neces-sidade de prontidão no atendimentoa todos os casos, inclusive os excep-cionais. Por isso, o trabalho em saúdenão pode seguir uma lógica rígidacomo a racionalidade dos critérios daprodução material, sendo difícil a suanormatização técnica e a avaliação desua produtividade (Offe,1991).

As características do processo detrabalho em saúde são a complexi-dade, a heterogeneidade e a fragmen-tação. A complexidade decorre dad iver s idade das prof i s sões , dosprof i s s ionai s , dos usuár ios , dastecnologias utilizadas, das relaçõessociais e interpessoais, das formas deorganização do trabalho, dos espaçose ambientes de trabalho. A heteroge-neidade revela-se pela diversidadedos vários processos de trabalho quecoexistem nas instituições de saúdee que têm, muitas vezes, uma organi-zação própria e funcionam sem searticular de forma adequada com osdemais processos de trabalho. A frag-mentação encerra várias dimensões,tais como a fragmentação conceitual,ou seja, a separação entre o pensar eo fazer; a fragmentação técnica,caracterizada pela presença cada vezmaior de profissionais especializadose a fragmentação social, que estabe-lece relações rígidas de hierarquia esubordinação, configurando a divisãosocial do trabalho no interior e entreas diversas categorias profissionais(Quintana, Roschke e Ribeiro,1994).

A organização do trabalho emsaúde apresenta um forte compo-

2. Claus Offe define o setor de serviços como“meta-trabalho”, como “trabalho reflexivo”,enquanto “proteção e resguardo”, comocertificação organizada das formas de reproduçãosocial (p.17). Para o autor, o setor de serviçosabrange a totalidade daquelas funções noprocesso de reprodução social, voltadas para areprodução das estruturas formais, das formas decirculação e das condições culturais dentro dasquais se realiza a reprodução material dasociedade (p.15).

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nente gerencial taylorista/fordista,caracterizado por postos de trabalhoseparados, mas encadeados, tarefass imples e rotineiras, geralmenteprescritas, intensa divisão técnica dotrabalho com a separação entre conc-epção e execução e grande contin-gente de trabalhadores semi-qua-lificados com um mínimo de pos-sibilidade de intervenção autônomano processo de trabalho. Apesardisso, verifica-se desde a década de1980 a influência do planejamentoestratégico e da administração parti-cipativa, e a preocupação com omaior envolvimento e comprometi-mento dos recursos humanos, tendopor objetivo a melhoria da qualidadedo trabalho.

A incorporação de novas tecno-logias no setor saúde tem implicadono surgimento de novos serviços eocupações, e a redução da mão-de-obraconseqüente varia de acordo com aárea onde es tas tecnologias sãoutilizadas e com a forma de gestãoorganizacional escolhida. De modogeral, as inovações tecnológicas têmimplicado em aumento da produtivi-dade do t raba lho em saúde efavorecido a busca de maior quali-f i cação da força de t r aba lho(Nogueira, 1987; Peduzzi,1997).

Diante des se quadro , qua i sdeveriam ser as propostas para aformação do profissional de níveltécnico em saúde? Considerando aconcepção de saúde que tem comoreferência doutrinária a ReformaSanitária e como estratégia de reor-denação setorial e institucional oSistema Único de Saúde (SUS), torna-se necessário pensar uma formaçãode trabalhadores em saúde “(...)inspirada no paradigma da promoçãoda saúde (que) aponta para amultisetorialidade, de um lado, e ainterdisciplinaridade ou transdisci-plinaridade, de outro” (BRASIL/MEC/MS, 1999).

No contexto atual de mudanças noprocesso de trabalho em saúde, com aconstante introdução de inovaçõestecnológicas e de novas formas de

organização do trabalho em busca damelhoria da qualidade e da produ-tividade dos serviços, tornam-seimperativos a compreensão global doprocesso de trabalho, a maiorarticulação entre os diversos setorespara o desenvolvimento de modelos deatenção voltados para a qualidade devida, a maior integração das ações dosdiferentes agentes que atuam na áreada saúde – dado o seu carátermultiprofissional e interdisciplinar, anecessidade de agregar e recomportrabalhos antes parcelados, a comu-nicação entre os diferentes membrosda equipe, a maior liberdade de decisãoe autonomia para intervir no processode trabalho (Deluiz, 1997), e a“humanização do cuidado na pers-pectiva do cliente (...) através dainteração com o cliente/paciente(ponta) e a atuação dos serviços deapoio (retaguarda)” (id., 1999).

É fundamental, portanto, ampliara qualificação dos trabalhadores emsaúde, tanto na dimensão técnicaespecializada, quanto na dimensãoético-política, comunicacional e deinter-relações pessoais (Peduzzi,1997)para que eles possam participar comosu je i tos integra i s no mundo dotrabalho.

O modelo das competências: limites epossibilidade

Diante das crescentes exigênciasde produtividade e de qualidade dossetores produtivos e em um contextono qual o mercado de trabalho éins táve l , f l ex íve l e cambiante ,ampliam-se os requerimentos relati-vos às qualificações dos trabalha-dores e torna-se cada vez mais gene-ralizada a implantação de um modelode formação e de gestão da força detrabalho baseado no enfoque dascompetências profissionais.

A noção de competência começoua ser utilizada na Europa a partir dosanos 1980. Trata-se de uma noçãopol i s s êmica que envo lve vár i a sacepções e abordagens. Origina-sedas Ciências da Organização e surgeno quadro de crise do modelo deorganização taylorista/fordista, de

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mundia l i zação da economia , deexacerbação da compet ição nosmercados e de demandas de melhoriada qualidade dos produtos e de flexi-bilização dos processos de produçãoe de trabalho. Neste contexto de cri-se, e tendo por base um forte incre-mento da escolarização dos jovens,as empresas passam a usar e adaptaras aquisições individuais da forma-ção, sobretudo escolar, em funçãodas suas exigências. A aprendizagemé orientada para a ação, e a avaliaçãodas competências é baseada nosresultados observáveis (Deluiz,1996).

O modelo da competência vemsubstituir a qualificação, um concei-to-chave da sociologia do trabalho,carac te r i zada por se r mul t id i -mensional: qualificação do emprego,definida pela empresa a partir dasexigências do posto de trabalho;qualificação do trabalhador, queincorpora as qualificações sociais outác i ta s ; qua l i f i cação opera tór ia(potencialidades empregadas por umoperador para en f ren ta r umasituação de trabalho) e qualificaçãocomo uma relação social, resultadode uma correlação de forças capital-trabalho (Hirata,1994).

O conceito de qualificação estavavinculado “à escolarização e suacorrespondência no trabalho assala-riado, no qual o status social e profis-sional estava inscrito nos salários eno respeito simbólico atribuído acarreiras de longa duração” (Paiva,2000). O tradicional conceito dequal i f icação estava relacionado,portanto, aos componentes organi-zados e explícitos da qualificação dotrabalhador: educação escolar, for-mação técnica e experiência profis-sional. Relacionava-se, no planoeducacional, à escolarização formale aos seus diplomas correspondentese, no mundo do trabalho, à grade desalários, aos cargos e às carreiras. Acrise da noção do posto de trabalhoassociado ao modelo de classificaçõese de relações profissionais fordistasresultou, assim, na adoção de umnovo modelo de organização dotrabalho e de gestão da produção

calcado nas competências e no desem-penho individual dos trabalhadores.

Neste modelo importa não sóavaliar a posse dos saberes escolaresou técn ico-prof i s s iona i s , mas acapacidade de mobil izá- los pararesolver problemas e enfrentar osimprevistos na situação de trabalho.Os componentes não organizados daformação, como as qualif icaçõestácitas ou sociais e a subjetividade dotrabalhador assumem, no modelo dascompetências, extrema relevância.

No contexto atual de crise dasociedade do trabalho assalariado edo trabalho prescrito, o modelo decompetência expressa uma profundamodi f i cação na organ ização dotrabalho e nas relações sociais dentroda empresa. Para Zarifian (1998) acompetência é compreendida como:

“(...) um assumir de responsa-bilidade pessoal do assalariadofrente às situações produtivas.Assumir responsabilidades querdizer uma atitude social de talsorte que o assalariado vai, porconta própria, tentar atingir ocomplexo de performances que eledeverá respeitar e tentar enfrentar,sempre a partir de si mesmo, oseventos que ocorrem de formaimprevista na situação produtiva.(...) Este assumir de responsabi-lidade é uma atitude social deimplicação (de engajamento), nosentido em que mobiliza forte-mente a inteligência e a subjeti-v idade da pes soa . S ign i f i catambém assumir riscos, pois todapessoa que aceita assumir respon-sabilidades corre o risco de fra-cassar, de “não estar à altura”, eentão de sofrer uma avaliaçãonegativa por parte da hierarquia ede colegas de trabalho. (...) Acompetência pode ser definidatambém como o exercício siste-mático de uma reflexividade notrabalho, que é um distanciamentocrítico face ao seu trabalho, o fatode que a pessoa questiona freqüen-temente sua maneira de trabalhar eos conhecimentos que ela mobiliza.”

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A l i teratura corrente sobre anoção de competência assinala, emtermos gerais, que a competênciaprof i s s iona l é a capac idade dearticular e mobilizar conhecimentos,habilidades e atitudes, colocando-osem ação para resolver problemas eenfrentar situações de imprevisibilidadeem uma dada situação concreta detrabalho e em um determinado con-texto cultural. Segundo Zarifian (1999)a competência exprime uma mudançaessencial nas organizações, configu-rando uma nova forma de atuação dotrabalhador diante destas transfor-mações e, ao mesmo tempo, um novomodelo de gestão da força de tra-balho. As competências referem-se àsmodificações dos conteúdos profis-sionais e dos ofícios.

Os objetivos da adoção do modelodas competências no mundo dotrabalho são adequar a formação daforça de trabalho às novas exigênciasdo sistema produtivo, possibilitarmaior flexibilização do mercado detrabalho pela noção de emprega-bilidade (o trabalhador passa a serresponsável por sua inserção nomercado, mantendo suas competên-cias atualizadas) e unificar o sistemade qualificação profissional, tornan-do possível a disponibilidade e amobilidade dos trabalhadores, quepassariam a ter livre circulação nomercado de trabalho setorial, intra-setorial, nacional e internacional.

No modelo das competências, osconhecimentos e habilidades adqui-ridos no processo educacional devemter uma “ut i l idade prá t i ca eimediata” e garantir a empregabi-lidade dos trabalhadores. A qualidadeda qualificação passa a ser avaliadapelo “produto” final, ou seja, otrabalhador instrumentado paraatender às novas necessidades doprocesso de modernização do sistemaprodutivo. O “capital humano” dasempresas precisa ser constantementeatualizado para evitar a obsolescênciae garantir o diferencial de competi-tividade necessário à concorrência naeconomia globalizada. Nesta ótica, aquestão da empregabilidade é colocada

como responsabilidade individual dostrabalhadores e as possibilidades de suainserção ou permanência no setorformal e no informal dependem daposse daqueles saberes teóricos,prát icos ou metodológicos maisadequados à competição pelas ocupa-ções e empregos disponíveis.

A experiência internacional temapontado diversas dificuldades naimplementação de s i s t emas decertificação profissional baseada emcompetências, entre elas a comple-xidade técnica para a identificação decompetências no mercado, a padro-nização e normalização das mesmas,e a f a l t a de ag i l idade técn ico-administrativa das instâncias encar-regadas da normalização, sobretudono momento da sua incorporação aoscurrículos (BRASIL/MEC/SEMTEC,2000). Outras dificuldades dizemrespeito aos referenciais para definiras competências e aos instrumentospara detectar os seus conteúdos ecaptar sua dinâmica, isto é, quais sãoas formas de articulação das compe-tências diante da necessidade deresolver problemas e de que modosão postas em ação em uma situaçãoconcreta.

Ao def in i r o desenho de umsistema de certificação profissionalbaseada em competências (SCC), umdos aspectos a serem evitados é avisão “adequacionista” da formação,voltada para o atendimento imediatodas necessidades do mercado detrabalho e das exigências empre-sariais. Ao reduzir a formação dotrabalhador à esfera profissional, emdetrimento de uma formação integralque abranja a dimensão de cidadania,a abordagem das competências tendea tornar-se reducionista, intrumenta-dora e tecnicista.

Outro aspecto a ser enfrentado nadefinição do sistema é a tendência àvalorização dos saberes profissionaisoperativos, evidenciando a separaçãoentre concepção e execução e aruptura entre os princípios científicosque fundamentam os conhecimentosprofissionais e a sua operação. OSCC deve enfatizar a necessidade de

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ampliação da base de educação geralassociada à formação profissional,pois, do contrário, corre-se o riscode se formar trabalhadores descartá-veis pela rápida obsolescência deconhecimentos adquiridos de formaimediata e sem o aprofundamentonecessário.

Um dos limites a serem consi-derados na formulação de um sistemade certificação profissional baseadaem competências é a tendência àapropriação acrítica da noção decompetência, que conduz a umaabordagem individualizada e indivi-dualizante das relações sociais da for-mação do trabalhador. É precisoressaltar que as competências, mesmotendo um conteúdo sub je t ivo eindividual, são construídas ao longoda trajetória da vida profissional dotrabalhador, o qual partilha de expe-riências e práticas coletivas. No con-texto do trabalho em grupo, em equi-pe, parece paradoxal que a avaliaçãodas competências e a sua certificaçãoes te j am focadas nos r e su l t adosmeramente individuais, desconside-rando o fato de que algumas dascompetências dos trabalhadores sópoderão ser mobilizadas e articuladasdentro de coletivos de trabalho e emsituações grupais. Além disso, osacordos particulares entre emprega-dor e empregado em termos de uma“carteira de competências” podemenfraquecer a negociação coletiva edesmobilizar a ação sindical.

Em termos conceituais, devem serapresentadas restrições a um sistemade certificação profissional baseadaem competências que não considerea perspectiva histórica, isto é, quenão leve em conta que as compe-tências estão condicionadas pelocontexto econômico, social e políticoe são a expressão das relações sociaise o re su l tado de negoc iações eembates entre interesses nem sempreconvergentes do capital e do traba-lho. Dessa forma, as competências aserem desenvolvidas não podem ser“deduzidas” diretamente do con-teúdo do trabalho, pois refletemrelações de poder entre interlo-

cu tore s soc ia i s envo lv idos noprocesso de produção de bens e deserviços, cujos contornos variamhistoricamente e de acordo com cadacontexto cultural. A mobilização dascompetências dos trabalhadoresdepende, assim, da conduta e estra-tégias empresariais e institucionais(evidenciada pelos métodos de gestãoda força de trabalho) e da consciênciae organização dos trabalhadores, e vaidepender também das relações de forçae de poder que se estabeleçam não sóno interior das empresas e instituições,como na própria sociedade, ondeinteragem os atores sociais.

Se a construção de competênciaspertence aos trabalhadores comosu je i to s de s se proce s so , a suamobilização e articulação em situa-ções concretas dependerão da possi-bilidade de constituição de “organi-zações qualificadoras”. Nesse tipo deorganização podem ser criadas pos-sibilidades para os trabalhadoresintervirem na gestão do trabalho enas decisões que afetam o processoprodutivo. Podem também ser cria-dos espaços para a participação, ondeos trabalhadores proponham modifi-cações para melhoria do processo detrabalho, discutam as concepções,métodos e procedimentos de traba-lho, estimulando o aumento da auto-nomia e do poder de decisão.

Os espaços formativos deveriam,em igual forma, constituir-se como“organ izações qua l i f i cadora s” ,propiciando aos educandos condi-ções de participação, de diálogo, denegociação e de intervenção, o queimplicaria em mudanças nos métodosde ensino e nas estratégias pedagógi-cas, além de uma redefinição dopapel dos docentes.

Finalmente, um outro aspecto aser enfrentado é a preocupaçãoexcessiva dos sistemas de certificaçãoprofissional com o produto final, emtermos de resultados ou desempe-nhos a serem avaliados, em detri-mento da ênfase ao processo deconstrução das competências. Para osistema formador é fundamental

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compreender: como as competênciasse estruturam? Como são adquiridas?Que sujeitos sociais determinamquais as competências necessárias aot raba lho e o s s eus re spec t i vosconteúdos?

Como aspecto positivo da consti-tuição de um sistema de certificaçãoprofissional baseada em competên-cias pode-se assinalar a possibilidadede reconhecimento dos saberes dostrabalhadores provenientes de váriasfontes, validando-os independente-mente da forma como foram adqui-ridos: no sistema educacional formal,no sistema de formação profissionalou na exper iênc ia prof i s s iona l(Deluiz, 1996). É também relevanteem um sistema de certif icação apos s ib i l idade de cons t rução decompetências ampliadas, abrangendovárias dimensões anteriormente nãoreconhecidas ou não valorizadas naorganização do trabalho à maneirataylorista/fordista.

Diante desses limites e possibili-dades, considera-se que um sistemade certificação profissional baseadaem competências deve compreendera competência em termos geraiscomo a competência humana de“saber humanizar o conhecimentopara que este possa servir aos finséticos da história e não descambe emmera instrumentação da competiti-vidade” (Demo,1997), ou a compe-tência humana como “(...) apenasoutro nome para a cidadania, e, comoes ta , aponta r para o proce s soemancipatório”, que significa “oprocesso histórico de conquista dacondição de su j e i to co le t i vo eautônomo”. A emancipação dependesubstancialmente da formação daconsciência crítica, da elaboraçãohistórica de um projeto alternativo,da organização política coletiva e dodesenvolvimento humano integral(id.,1997).

A noção de competência humanaé fundamental na área da saúde, namedida em que a nova visão dequalidade em saúde considera não sóos aspectos técnico-instrumentais

envolvidos na prática profissional,mas inclui a humanização do cuida-do na perspectiva do cliente. Diantedo princípio da autonomia do paci-ente, a humanização envolve um con-junto de “amenidades de trato e depossibilidades de escolha onde se in-cluem os aspectos éticos. (...) Inclui aorganização do trabalho, a tecnologiano sentido amplo e não apenasmaterial, o processo de trabalho, aequipe e o paciente. (...) Reconhece asperspectivas do fornecedor e docliente, valorizando a autonomia daspessoas para assumirem a sua própriasaúde” (BRASIL/MEC/MS, 1999).

Ao pensar a competência humana,pano de fundo de onde se desdobramtodas as demais competências, énecessário compreendê-la como umconceito político-educacional abran-gente, como um processo de articula-ção e mobilização gradual e contínuade conhecimentos gerais e específi-cos, de habilidades teóricas e prá-ticas, de hábitos e atitudes e devalores éticos, que possibilite aoindivíduo o exercício eficiente de seutrabalho, a participação ativa, cons-ciente e crítica no mundo do trabalhoe na esfera social, além de sua efetivaauto-realização (Deluiz, 1995).

No que se refere à área da saúde,e tendo como parâmetro a Resoluçãonº 4, de 8/12/1999, da Câmara deEducação Bás i ca do Conse lhoNacional de Educação, que explicitaas competências profissionais denível técnico, a normalização dascompetências gerais e específicasdeveria tomar por base os seguintesníveis de competências com suasrespectivas categorias de capacidadese habilidades:

• Competências técnicas, isto é, acapacidade de dominar os conteúdosdas tarefas, das regras e dos proce-dimentos da área específica de traba-lho, as habilidades para compre-ender os processos e lidar com osequipamentos , a capac idade deentender os sistemas e as redes derelações, a capacidade de obter e usaras informações.

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Formação

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• Competências organizacionais oumetódicas, isto é, a capacidade deautoplanejamento, de auto-organi-zação, de estabelecimento de méto-dos próprios, de gerenciamento de seutempo e espaço, desenvolvendo aflexibilidade no processo de trabalho.

• Competências comunicativas,como a capacidade de expressão ecomunicação com seu grupo, supe-riores hierárquicos ou subordinados,de cooperação , de t raba lho emequipe, desenvolvendo a prática dodiálogo, o exercício da negociação ea comunicação interpessoal.

• Competências sociais, isto é, acapacidade de utilizar todos os seusconhecimentos – obtidos através defontes, meios e recursos diferencia-dos – nas diversas situações encontra-das no mundo do t raba lho e acapacidade de transferir conhecimen-tos da vida cotidiana para o ambientede trabalho e vice-versa.

• Competências pessoais, isto é, acapacidade de assumir a responsa-bilidade sobre o trabalho, de tomara iniciativa, de exercitar a criativi-dade, de aprender, de ter abertura àsmudanças, de desenvolver auto-esti-ma, atributos que implicam no envol-vimento da subjetividade do indiví-duo na organização do trabalho.

• Competências de cuidado, istoé, a capacidade de interagir com opaciente levando em consideraçãosuas necessidades e escolhas, valo-rizando a autonomia que este tempara assumir sua própria saúde, apartir da concepção de saúde comoqualidade de vida.

• Competências de serviço, acapacidade de compreender e seindagar sobre os impactos que seusatos profissionais terão direta ouindiretamente sobre os serviços ouusuários, ou ainda de que forma osdestinatários (clientes ou usuários)serão beneficiados.

• Competências sócio-políticas,capacidade de refletir sobre a esfera

do mundo do t raba lho , de te rconsc iênc ia da qua l idade e dasimplicações éticas do seu trabalho, deter autonomia de ação e compro-misso social, e de desenvolver oexercício da cidadania.

Um s i s t ema de ce r t i f i c açãoprofissional baseada em competên-cias na área da saúde – que assumacomo re fe rênc ia dout r inár i a aReforma Sanitária e os princípiosnormat ivos e organ iza t ivos doSistema Único de Saúde – deve levarem conta no processo de norma-lização e certificação das competên-cias que estas não podem se restringirà dimensão técnico-instrumental,tornando-se uma simples estratégiade adaptação às novas necessidadesdo processo produtivo, mas devemser consideradas de forma ampliada,no sentido de abranger a dimensãoético-política no mundo do trabalho.

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1. O surgimento da noção de compe-tência no contexto de educação dotrabalhador

A educação moderna , comocomponente do projeto burguêsdesde o século XVIII, insere-se noplano de luta hegemônica devido, porum lado, à sua dimensão de sociali-zação e de formação de consciênciase, por outro, à sua dimensão econô-mica fundamental ao projeto deprogresso.

O uso da c iência como forçaprodutiva gerou a necessidade de ost raba lhadore s dominarem cer taquant idade de conhec imentos ehabilidades, necessárias ao exercíciodo trabalho em uma sociedade indus-trializada e urbanizada. A apren-dizagem profissional, então, voltou-se para a escola que, aos poucos,passou a assumir o papel não só desocialização, mas também de trans-missão do saber técnico.

As técnicas que compõem umprocesso produtivo, relacionandoconhecimentos e destrezas neces-sários para colocá-lo em funciona-mento, à medida que se aprimoraram,

Qualificação, competências e

certificação: visão educacional1

As reformas educacionais que ocorrem em diversos países evidenciam a busca deformalização de uma pedagogia das competências. Com a flexibilização e a integraçãodos processos produtivos, passou-se a valorizar a subjetividade e o saber tácito dotrabalhador, destacando a qualificação real em contraposição à qualificação formal. Nesteartigo, a autora discute como a preparação do trabalhador passou a pressupor odesenvolvimento de conhecimentos de caráter global, indo além da aquisição formal deconhecimentos academicamente validados, e construindo saberes a partir de diversasexperiências vividas no trabalho, na sua vida em geral, ou mesmo na escola.

condensaram-se em alguns ofíciosparciais desse mesmo processo. Estespassaram a se constituir como básicosmesmo em área s pro f i s s iona i sdiferentes. Um novo tipo de saber,menos especializado do ponto dev i s ta da produção comple ta doproduto acabado, mas suficiente paragarant i r ao t raba lhador a lgumamobilidade entre as diferentes áreasprofissionais e mesmo no interiordelas, vai-se constituindo e adquire,aos poucos, um caráter de profissão,relacionado ao domínio de um ofício.I s to também poss ib i l i tou queempregadores estabelecessem parâ-metros mínimos para a definição doperfil do trabalhador apropriado aum determinado posto de trabalho.Assim sendo, o ensino destinado àformação de trabalhadores visava,além do disciplinamento, a conferiro domínio de um ofício. Funda-se,dessa maneira, a prática instituciona-lizada da formação profissional.

Opinião

Marise N. Ramos

Doutora em Educação - Universidade Federal Fluminense

1 Texto base da palestra proferida pela autora noSeminário Certificação de Competências para aÁrea de Saúde: os desafios do PROFAE, realizadoem novembro de 2000, em Brasília-DF. As idéiasaqui expostas são aprofundadas na tese de dou-torado da autora (Ramos, 2001).

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Formação

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Ofícios e profissões passam a serclassificados de acordo com o seunível de complexidade, implicando aconstrução da hierarquia social que,por sua vez, se relaciona com o nívelde escolaridade necessário para odesenvolvimento de cada um deles.Nesses termos, certificados e di-plomas obtidos em cursos de for-mação ou de educação profissional,que atestassem um determinado nívelde qualificação profissional, eram, naverdade, a expressão da capacidadepotenc ia l do t raba lhador paradesempenhar um determinado papelna divisão social e fabril do trabalho.

O conceito de qualificação seassociou à elevação do saber profis-sional e social do trabalhador, emtermos das aprendizagens desenvol-vidas no próprio trabalho e nasexperiências escolarizadas, à medidaque se buscou verificar como os pro-cessos de trabalho definiam o perfildo trabalhador em sua totalidade(como força de trabalho e comosujeito histórico). Com a flexibiliza-ção e a integração dos processosprodutivos, passou-se a valorizar asubjetividade e o saber tácito dotrabalhador, destacando-se a qualifi-c ação rea l em cont rapos i ção àqualificação formal. A preparação dotrabalhador passou a pressupor odesenvolvimento de conhecimentosde ca rá te r g loba l , tornando- seineficaz sem uma sólida educaçãobásica. A partir de então, firmou-seum certo consenso sobre a idéia deque a construção de aprendizadosdeva ir além da aquisição formal deconhec imentos academicamentevalidados, mas construir saberestambém a partir das mais diversi-ficadas experiências que o sujeitoenfrenta, seja no meio de trabalho,seja na sua vida em geral, seja naescola. É nesse contexto que surge anoção de competência, que hojemobiliza um conjunto de sujeitossociais tanto com o propósito decompreender seu significado quantopara implementar ações que a tenhamcomo base.

2. A pedagogia das competências:entre avanços e retrocessos

Duas t endênc ia s podem se robservadas quando se discute a noçãode competências em sua dimensãopedagógica. A primeira delas nega aassociação com a pedagogia porobjetivos, identificando-a como algoefetivamente novo e apropriado àstransformações sociais e econômicasde nossa época. Assim, enquanto aqualificação expressaria a capacidadepotencial do trabalhador, as compe-tências, por se centrarem no sujeito,seriam a forma como suas capaci-dades reais se materializariam e,portanto, expressões de sua qualifica-ção real. Por essa ótica, o surgimentoda noção de competência, principal-mente a de ordem profissional, éidentificada com as transformaçõesprodutivas que ocorrerem a partir dadécada de 1980, constituindo a basedas políticas de formação e capa-citação dos trabalhadores em diversospaíses, principalmente naqueles ondehá maiores problemas para vincular osistema educativo com o produtivo.Isso porque esta noção enfatiza asações e os resultados do trabalho e, porinferência, das aprendizagens.

Outra tendência, a pedagogia porcompetências, aceita a associaçãocom a pedagogia por objetivos numprimeiro momento, mas identifica oponto em que as competências sedistinguem dos objetivos. Por estaótica, relacionam-se as origens daeducação baseada em competênciasao movimento americano dos anos1960, tendo como base uma ideo-logia conservadora e da eficiênciasocial, a psicologia condutivista e opropósito de servir às necessidadesespecíficas da indústria.

A lguns autores 2 consideram aprob lemát i ca dos ob je t i vos empedagogia ultrapassada, tanto devidoà evolução do trabalho, quanto aoadvento da psicologia cognitiva. Acompetência toma o lugar da noçãode comportamento antes associadaaos objetivos e confundida com o

2. Por exemplo, Malglaive (1995)

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próprio conteúdo da capacidade.Perrenoud (1999) é menos enfáticoquanto a esta superação. Ele nãocons idera que a s abordagensadvindas da “tradição” da pedagogiapor objet ivos este jam superadasto ta lmente , mas s im que seusexcessos – behaviorismo sumário,taxonomias intermináveis, excessivofracionamento dos objetivos, organi-zação do ensino por objetivo, dentreoutros – foram controlados. Admite,ainda, que, às vezes, fa la-se emcompetências apenas para insistir nanecessidade de expressar os objetivosde um ensino em termos de condutase práticas observáveis. Sendo assim,falar a respeito de competência nãoacrescentaria muita coisa à idéia deobjetivo, pois se pode ensinar eavaliar por objetivos sem preocupar-se com a transferência dos conheci-mentos e, menos ainda, com suamobil ização diante de s i tuaçõescomplexas. Neste caso, tal como osobjetivos comportamentais se con-fundiam com o próprio domínio doconhecimento, a associação de umacompetência a um simples objetivode aprendizado sugere, erradamente,que cada aquisição escolar verificávelé uma competência.

Relacionando-se competência edesempenho, e considerando que esteúltimo seja um indicador mais oumenos confiável de uma competênciasupostamente mais estável, que émedido indiretamente – acepçãodesenvolvida tanto pela lingüísticacomo pela psicometria, permanece oproblema de sua conceituação. Pode-se, então, descrever um conjunto deações que remeta para a competênciasubjacente, sem se perguntar comoela funciona. É o que acaba por serfe i to quando se t enta nomear,classificar, repertoriar as compe-tênc i a s ao ac re s cen ta r o ve rbo“saber” ou a locução “ser capaz de”a um verbo que caracter ize umconjunto de ações semelhantes .Como diz Malglaive (1995.), issodesigna, de fato, uma atividade e nãouma capacidade ou competência.Conseqüentemente , mantém-se

aberta a questão de saber o quedevem ter adquirido os estudantespara serem capazes de fazer o que sepre tende que e l e s f açam ( id . ) .Ademais, aproximações instrumen-tais da competência esquecem muitofreqüentemente das dimensões so-ciais e simbólicas da ação, no sentidoem que Bourd ieu (1980, apudDiet r i ch , 1999) censurou nasaproximações lingüísticas3 : “defi-n indo a competênc ia como umsistema abstrato e preeminente,ignoram-se as condições sociais desua produção, de sua difusão e de suareprodução”.

Chegamos, então, ao ponto emque podemos tentar explicitar adiferença entre objetivos compor-tamentais e competências, sob a óticapsicopedagógica: a competênciapreocupa-se fundamentalmente como domínio cognitivo que sustenta odesempenho ou o comportamento,com a inteligência prática, ou aestrutura e o funcionamento dacompetência/capacidade; enquantoos objetivos comportamentais con-fundem o comportamento com opróprio domínio cognitivo.

Os e squemas da in te l igênc iaprática são o que, provavelmente,Zarifian (1999) chama de compe-tênc ias em ú l t imo-p lano ou decompetências recurso, ou seja, aquiloque se apreende de mais estável e demais durável das atitudes face ao real

3. Existem algumas críticas relativas a abordagemque transporta para o campo das aprendizagensa abordagem lingüística da competência:Perrenoud (1999), por exemplo, analisa que osseres humanos têm a faculdade, ancorada em seupatrimônio genético, de construir competências,contudo, nenhuma competência é estimuladadesde o início. As potencialidades do sujeito sóse transformam em competências efetivas pormeio de aprendizados que não intervêm esponta-neamente e que também não se realizam damesma maneira em cada indivíduo. As compe-tências, portanto, seriam aquisições, aprendizadosconstruídos, e não virtualidades da espécie.Dietrich (1999) também demonstra as limitaçõesda analogia à lingüística, destacando que todoresultado implica uma reflexão sobre as condiçõesde sua produção. A competência implica levarem conta as condições de sua objetivação.Estruturada na ação, ela é tributária dos meiosconcebidos e das finalidades consignadas pelosatores no plano de uma certa organização dotrabalho. A competência, como fato, se constróina aprendizagem do poder e da regra, quer dizer,na relação com o outro”(id.).

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Formação

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e à vida social, que poderia sustentara s competênc ia s ma i s e spec i f i -camente profissionais. Dito de outraforma, seriam os recursos mobili-záveis pelas competências corres-pondentes em situações precisas.Igualmente a isso, autores austra-lianos, como Athanzou e Gonczi(1995) denominam, por sua vez,“a t r ibutos” . Enquanto s i s t emainteriorizado de aprendizagem –saberes em uso – que envolvemsaberes teór ico e prát ico , e s sesatr ibutos englobam os conheci -mentos de toda ordem, as habilidadese os valores. As competências seobjetivam quando esses recursos sãocolocados a serviço de algo ou dealguém (das situações concretas devida e/ou escolares e/ou de trabalho).

Isto nos permite apropriar eadaptar a definição de P. Gillet (apudMalgalive, 1995) para conceituar acompetência, privilegiando a dimensãopedagógica: um sistema interiorizadode aprendizagens numerosas orienta-das para uma classe de situações devida, escolares ou profissionais.

O que se entenderia, então, pordesempenho? Conjugando as di-mensões pedagógica e sociológica dascompetências, poderíamos formulara seguinte definição para a noção decompetência: um saber interiorizadode aprendizagens orientadas parauma classe de situações escolares ouprofissionais que permite ao indi-víduo enfrentar situações e aconte-cimentos com iniciativa e responsa-bilidade, guiados por uma inteli-gência prática sobre os eventos ecoordenando-se com outros atorespara mobilizar suas capacidades4 . Odesempenho se r i a a expre s sãoconcreta dos recursos que o indi-víduo articula e mobiliza no enfren-tamento dessas situações.

Em outras palavras, competênciaé a condição do desempenho, sendoa primeira, o mecanismo subjacenteque permite a integração de múlti-plos conhecimentos e atos neces-sários à realização da ação. Observe-se que, nem se constata ou se avalia

a competência somente através deresultados ou dos atos realizados,nem o desempenho reduz-se a isto, oque torna impossível limitá-lo a umconjunto de tarefas, operações ouatividades descritas e codificadascom prec i são . A observação dodesempenho, na verdade, permiteidentificar o uso que faz o sujeitodaquilo que sabe (a articulação e amobilização das capacidades ou dossaberes em uso). Portanto, ele é oponto de convergência dos várioselementos relevantes que compõema competência ante uma situação.Ass im, ser competente em a lgoimplica aludir a essa convergência, enão à soma de cada um dos elementosenvolvidos, ou à execução parcial decada um deles. A convergência desseselementos é o que daria sentido,limites e alcances à competência.

É possível estabelecer, então,a lgumas premi s sa s quanto aodesempenho:

a) é a realização da ação propriamentedita nos termos já explicados;

b) é tr ibutário de parâmetrosindividuais (atenção, emotividade,sensibilidade, ética, etc.), postos emjogo também em relação ao coletivo,resultando da associação das dimen-sões cognitiva e compreensiva dainteligência prática;

c) é dependente das competênciasa ele subjacentes e, portanto, permiteinferi-las;

d) para um mesmo desempenho,vár i a s competênc ia s podem se rmobilizadas;

e) o desempenho observado numadeterminada situação não expressa atotalidade das competências de umindivíduo;

f) o desempenho não se confundecom o resultado do trabalho ou coma soma dos atos real izados pelosujeito, mas é fruto da reflexão sobreas condições da produção desseresultado, sobre os meios concebidos

4. Conjugação feita da abordagem de P. Gillet (apudMalgalive, 1995) e Zarifian (1999).

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para a realização da atividade, sobreas finalidades consignadas em tornoda realização da atividade, sobre aorganização do trabalho em que serealiza a atividade e sobre as con-dições subjetivas e sociais de realiza-ção da atividade;

g) o desempenho pode se proces-sar em diferentes graus de satisfação,e, dependendo do grau de aceitação,comprova que o indivíduo é compe-tente, quer dizer, apropriado à si-tuação a tratar;

h) é o de sempenho e não a scompetências que pode ser observadodiretamente e, por isso, pode sertomado como o objeto da avaliação,permitindo inferir sobre um conjuntode competências.

i) a conclusão relativa à compe-tência do sujeito, no singular, só podeser inferida da totalidade por eleenfrentada e, portanto, pelo desem-penho global diante da organizaçãoe das relações sociais de trabalho.

j) o desempenho competente fazuso de um espectro de habilidades,compreend idas como os proce -dimentos gerais e específicos domina-dos pelo sujeito e essenciais para oenfrentamento das situações.

2.1. Alguns elementos para sepensar criticamente a formaçãobaseada em competências

As reformas educacionais queocorrem em diversos países nosevidenciam a busca de formalizaçãode uma pedagogia das competências.O termo pedagogia aqui deve sercompreendido tal como o faz Tanguy(1997), isto é, no sentido amplo deuma atividade social que englobaseleção de saberes a serem transmi-tidos pela escola, sua organização,sua distribuição numa instituiçãodiferenciada e hierarquizada, suatransmissão por agentes especia-lizados e sua avaliação por métodosapropriados.

Uma das idéias que se tem comoválida em favor da pedagogia dascompetências é que o ensino fundadosobre os saberes disciplinares seria

fator de êxito para uns e de fracassopara outros, proposição que pode serilustrada pela constatação de quealunos reprovados nos bancos doensino geral têm êxito no ensinoprof i s s ional . Ass im entendida eutilizada, a noção de competênciastende a dar importância às diferençase particularidades individuais, à suademonstração, ao seu caráter distin-tivo (id.). O aluno singular ocupariao centro do s i s tema educat ivo ,instaurando-se o princípio de cursosindividualizados em lugar de habili-tações mais ou menos estanques.

Todas essas idéias têm-se resu-mido sob a denominação geral depedagogia diferenciada, tendo comofundamentos: processo centradomais na aprendizagem do que noensino; valorização do aluno comosujeito da aprendizagem e construçãosignificativa do conhecimento. Istopressupõe compreender o currículode formação do sujeito trabalhadorcomo “seqüência de experiências devida que contribuíram para forjar suaper sona l idade , s eu cap i ta l deconhecimentos, suas competências,sua re l ação com o saber e suaident idade” (Perrenoud, 2000) ,aceitando-se, portanto, que todos ospercursos de formação são, de fato,individualizados, por mais que asexperiências educativas e escolariza-das sejam vivenciadas em conjunto.A pedagogia diferenciada pressupõe:

a) modos de agrupamentos dosalunos estáveis, diferentes da turmatradicional, aspecto para o qualmuito contribui a organização degrupos de projetos;

b) processos e instrumentos deorientação que permitam orientar eacompanhar as trajetórias indivi-dualizadas e os encaminhamentos dosalunos a diversas atividades e/ougrupos.

O propós i to da pedagog iadiferenciada é possibilitar a efetiva econtínua transferência das aquisi-ções, e é neste ponto que se voltarápara as questões de como se aprendee em que medida as aprendizagens

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Formação

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tornam-se transferíveis aos contextosdiferentes daqueles em que foramadquiridas. Ou seja, competênciasconsol idadas são transfer íve i s adiversos contextos. Porém, ao seremencontrados novos desafios, há aconstrução de novas competências.Portanto, a transferência não é umasimples transposição automática, maspassa por um trabalho mental quesupõe o sujeito confrontado com umanova situação, que congrega umaintenção dependente da confiança quetem o sujeito em seus próprios recur-sos a serem mobilizados em favor doenfrentamento da nova situação. Amobilização de competências, porisso, vai além dos recursos às repre-sentações do real – ou saberes sistema-tizados – incorporando os conceitosde saber e de conhecimento no sentidoamplo, ou seja, como todo tipo deaquisições cognitivas.

A se rv i ço da s aprend izagenstransferíveis está a contextualizaçãodo conhecimento, como estratégiaimportante na tecitura de uma redede significações. Isto, do ponto devista pedagógico, significa estruturarum conjunto de experiências forma-doras (ou s i tuações de apren-dizagem) significativas, que nascemdo currículo prescrito e se realizampor meio do currículo real. Istoconfigura, na verdade, a históriaindividual de formação de cadasujeito. Para que haja transferência,entretanto, o conhecimento não podese restringir às experiências forma-doras, mas deve ultrapassar suasfronteiras como produto de umprocesso progressivo de abstração.Por i s so , os aprendizados rea i scontextua l i zam-se em s i tuaçõesconcretas, mas se enraízam em seusfundamentos científicos. Em outraspalavras, a transferência ocorre apartir do conhecimento descontex-tualizado, isto é, pronto para o usoem contextos diversos, como produtoque supõe múl t ip la s recontex-tualizações e descontextualizações.

Como bem expl i ca Novick(1997), a formação por competênciastem subestimado, em grande medida,

a dificuldade que apresenta o desen-volvimento curricular. É por estarazão que muitas vezes se apresentamas normas ou os padrões de compe-tências como se fossem as competên-cias em si mesmas ou o própriocurrículo. Entretanto, é óbvio que asnormas de competências, ao nãoresponderem à lógica de ensino e deaprend izagem, não apre sen temnenhuma seqüência que observe umametodologia própria para a forma-ção . As normas expre s sam umobjetivo, um resultado esperado enão uma metodolog ia de comoaprender e chegar a este resultado.A descrição de at ividades não ésuficiente para a aprendizagem comofundamento científico-técnico deuma atividade. Este risco é muitogrande, sobretudo nas empresas queapl icam a formação baseada emcompetências, onde muitas vezes aanálise funcional se converte emcurrículo, e a formação em umaaprend izagem condut iv i s t a dedesempenho, atada a rotinas fixas eexcessivamente reguladas.

A única maneira de gerar ummarco curricular é produzir um forteprocesso de análise sobre os atributossubjacentes à competência. Assimprocedendo, não só o contexto sócio-técnico real deve ser considerado,pe lo fa to de se r um subs t ra toprivilegiado na provisão de códigosque permitem resignificar conheci-mentos, como também as relaçõessócio-históricas assumem relevância,uma vez que determinam a constru-ção da própria subjetividade dosindivíduos.

Alguns autores5 afirmam que ofato de a competência implicar aresolução de problemas ou alcançarresultados converte o currículo emum ensino integral, ao mesclar-se nosproblemas os conhecimentos gerais,os conhecimentos profissionais e aexperiência no trabalho, áreas quetradicionalmente estavam separadas.Neste contexto, veremos o resgate demovimentos impor tante s naeducação, tais como a problema-

5. Por exemplo, Athanozou e Gonczi (1996).

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t ização de Dewey, os centros deinteresse de Decroly, o construti-v i smo de P iage t , en t re out ros ,reunidos em princípios curricularesdesignados por globalização, inte-gração, interdisciplinaridade e trans-disciplinaridade6.

A pedagogia por projetos e porre so lução de prob lemas – quenormalmente recebem uma organi-zação diferente das grades curricu-lares – faz agrupamentos diferentesdas turmas tradicionais (tais comomódulos, unidades, ciclos, etc.) e tems ido evocada como e s t ra tég iametodológica importante para aconstrução de uma aprendizagemsignificativa. Valoriza-se também aformação por alternância, que podeenvolver as estratégias citadas, comoforma de integração permanente doconhecimento sistematizado com asrealizações práticas. Se, do ponto devista da educação inicial, isso enfrentaproblemas culturais e operacionais, doponto de vista da educação continuadapode responder à necessidade deatual ização de trabalhadores jáinseridos na vida produtiva.

Com todo o potencial crítico queeste debate suscita para se pensar asprát icas educat ivas , deve- se tercu idado para não rea l i za r umaredefinição pedagógica de tal ordemque tudo se passe como se o conhe-cimento científico tivesse atingidoum grau suficiente para que a escola(pelo menos a profiss ional) nãotivesse mais que transmiti-lo, prin-c ipalmente porque os processosautomatizados seriam suficientespara captá-los e pô-los em prática.Por essa ótica, a formação responsa-bilizar-se-ia somente por ordenar asatitudes e práticas profissionais emcoerência com a organização e ofuncionamento dos processos deprodução. A escola perderia, emcerta medida, a exclusividade comoagente transmissora de conheci-mento . Com var iações que nãopermitem fazer dessa afirmativa umageneralidade, a escola seria forçadaa abrir-se para o mundo econômicocomo meio de redefinir os conteúdos

de ensino e atribuir sentido práticoaos saberes escolares, de forma quesua legi t imidade reduzir- se- ia àutilidade prática. A armadilha de seregressar ao tecnicismo educacionalou de se reduzir a educação profis-sional aos aspetos operacionais dasatividades profissionais está presenteo suficiente para que estejamos muitoatentos ao pensar na apropriação dascompetênc i a s como re fe rênc i aeducacional.

3. Avaliação e certificação decompetência: processo ou produto?

Ainda que todas as formas deavaliação se refiram ao emprego deevidências, sabemos que é o pro-pósito que vai definir a natureza e oprocesso do sistema de avaliação.Considerando-se a aval iação doaluno ou trabalhador em formação,pretende-se verificar as competênciasadquiridas durante o processo deaprend izagem, ev idenc iando acapacidade do indivíduo de mobilizare articular, com autonomia, posturacr í t i ca e é t i ca , s eus recur sossubjetivos, bem como os atributosconstituídos ao longo do processo deensino-aprendizagem – conheci-mentos, habi l idades , qual idadespessoais e valores – a que se recorreno enfrentamento de determinadassituações concretas.

Para que a avaliação em processoexpresse concretamente as com-petências desenvolvidas pelos indi-víduos, é preciso que formação eavaliação por competências sejamplanejadas em conjunto, de formacoerente. É nesse quadro que seresgata a dimensão formativa daavaliação, isto é, seu papel essencialdentro da pedagogia diferenciada eda individualização dos percursos deformação, permitindo aos docentespronunciarem-se sobre os avançoseducativos dos alunos e, com esses,contar com pontos de referência paraju lgar onde es tão , onde podemchegar e do que vão necessitar paracontinuar aprendendo.

6. Localização conceitual e histórica dessesmovimentos e princípios é apresentada porSantomé (1998).

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Formação

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Ao se planejar o processo deformação, deve-se considerar trêsdimensões fundamentais da avalia-ção. Preferimos considerar que a di-mensão acreditativa ou certificativaseja conseqüência dessas anteriores.Apresentamos as referidas dimen-sões, com base em Hernández (1998):

a) Diagnóstica inicial: permitedetectar os atributos que os alunosjá possuem, contribuindo para aestruturação do processo de ensino-aprendizagem a partir do conhe-cimento de base dos mesmos. Aavaliação diagnóstica inicial devetentar recolher evidências sobre asformas de aprender dos alunos, seusconhecimentos e experiências pré-vias, seus erros e idéias precon-cebidas. Caberá ao professor, sepossível em conjunto com o aluno,interpretar as evidências, percebendoo ponto de vista do aluno, o signifi-cado de suas respostas, as possibili-dades de estabelecimento de relaçõese os níveis de compreensão quepossui dos objetos a serem estudados.Sempre que possível, o planejamentodo projeto ou da própria unidadedidática é feita posteriormente a estaavaliação diagnóstica inicial. Depen-dendo da estrutura institucional, essadimensão da aval iação pode terequivalência com o que designamosde “requisitos de acesso” ou mesmode “seleção para o ingresso”. O im-portante, nesse caso, é a instituiçãoplanejar-se para tal e decidir se“tomará tempo” para avaliar inicial-mente os “candidatos” ou “alunos”dos cursos a serem oferecidos.

b) Formativa: permite identificaro nível de evolução dos alunos noprocesso de ensino-aprendizagem.Para os professores, implica umatarefa de ajuste constante entre oprocesso de ensino e o de aprendiza-gem, para se ir adequando a evoluçãodos alunos e para estabelecer novaspautas de atuação em relação àsevidências sobre sua aprendizagem.A análise dos trabalhos pode ser feitanão sob a ótica de se estão bem oumal realizados, mas levando-se emconta a exigência cognit iva das

tarefas propostas, a detenção doserros conceituais observados e asrelações não previstas, levantando-sesubsídios para o professor e para oaluno, que ajudem este último aprogredir no processo de apreensãodos conhecimentos, desenvolvimentoe apr imoramento de de s t reza s ,construção de valores e qualidadespessoais. Essa dimensão é respon-sável pelo que Perrenoud (1999)chama de “regulação das aprendiza-gens 7 ”. Nesse caso, é importanteplanejar em que momentos as evidên-cias de realização das atividadesserão insumos para o processo deavaliação. Só é possível realizar esseplanejamento em conjunto com oplanejamento do projeto.

c) Recapitulativa: apresenta-secomo um processo de síntese de umtema, um curso ou um nível educativo,sendo “o momento” que permitereconhecer se os estudantes alcançaramos resultados esperados, adquiriramalgumas das habilidades propostas, emfunção das situações de ensino eaprendizagem planejadas. É estadimensão que se associará fortementeà dimensão acreditativa ou certificativa.Este tipo de avaliação pode ser propostaaos alunos mediante estratégias e instru-mentos das dimensões anteriores,aproximando-se, porém, os temas e assituações mais diretamente das normasde competências. Por outro lado, se aavaliação formativa foi precisa ecuidadosamente realizada e apropriada-mente registrada, seja em memoriais dedesempenho, em portfólios ou docu-mentos equivalentes, a avaliação reca-pitulativa pode constituir-se como maisuma etapa de metacognição, por exem-plo, propondo aos alunos uma recons-trução do processo seguido ou de toma-da de consciência do momento em queaprenderam “mais” ou que desenvol-veram novas competências.

1 Perrenoud ( id.) fala de “regulação dasaprendizagens” como articulação entredispositivos didáticos e observação formativa.Essa noção é, em primeiro lugar, uma noçãodidática, e a avaliação não tem mais nada de umaatividade separada. Isso significa que não podeser pensada até o fim, sem referência aos saberesem questão e às ações didáticas do professor.

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A dimensão acreditativa ou certifi-cativa (que legitima a promoção dosestudantes de uma etapa a outra, de umnível de ensino a outro e/ou confere umadeterminada certificação) é o ápice doprocesso de formação como inferênciaviabilizada pelo completo e complexosistema de avaliação implementadodurante esse processo. Sua legitimidadeem relação às normas de competência estáno fato de o programa de formação tersido planejado segundo essas mesmasnormas, permitindo que se tirem conclu-sões, a partir do resultado das avaliaçõesprocessuais, sobre as condições de desem-penho que tem o indivíduo, segundo asnormas especificadas.

A d imensão ac red i ta t i va oucertificativa, por outro lado, é a quese destaca quando o processo deavaliação ocorre independentementedo processo de formação, ainda quea dimensão formativa esteja semprepresente, em algum nível, em qual-quer avaliação. A forma e o nível deaproveitamento que faz o indivíduodessa outra dimensão estarão relacio-nados com a consciência do próprioquanto ao processo de construção desuas competências e/ou do quanto ecomo ele é devidamente orientado.Quando avaliado em processo deformação, essas três dimensões daavaliação estarão relacionadas intrin-secamente e os percursos realizadosposteriormente pelo indivíduo serão, decerta forma, conseqüência das própriasevidências obtidas pelas avaliações,segundo uma orientação minimamentesistematizada pelo professor. Por outrolado, se avaliado de forma independenteà formação, o aproveitamento dequalquer evidência para a construção depercursos posteriores, seja de trabalho,seja de formação, ficará a cargo dopróprio indivíduo.

Algumas considerações finais

Uma questão que ainda nos parecepouco debat ida no âmbi to daspolíticas educacionais implantadascom base na noção de competênciadiz respeito às mediações presentesna relação entre o processo de traba-lho, o ensinar e o aprender. Nenhumalista de tarefas, ou mesmo nenhum

retrato da complexidade de um pro-cesso de trabalho, traduz tudo o quepode acontecer no enfrentamentoreal do sujeito com a materialidadeconcreta do trabalho. Aliás, a noçãode competência surge também para dardestaque à imprevisibilidade dosprocessos. Isso perde completo sen-tido se considerarmos que o trabalhose orienta somente por normas pres-critas. Se assim fosse, pouco precisa-ríamos pensar a respeito de conheci-mentos, valores e mediações própriasda relação do homem com o mundomaterial e social. Portanto, o eixo dodebate deve ultrapassar o questiona-mento sobre a validade ou não do saberdisciplinar, ou a adequação de esses ouaqueles instrumentos de avaliação.

Igualmente, o desafio de se buscarnovas estratégias de ensino, do pontode vista formativo, deve ser umproblema posto não necessariamentepela noção de competência, mas simpela necessidade de se discutir o pa-pel da escola e os propósitos dos pro-cessos de profissionalização. É bemverdade que a noção de competência,se anal i sada segundo uma ót icac r í t i ca , t r az uma opor tun idadebastante importante para enfrentar-mos esse debate, motivando-nos asuperar o risco de limitarmos nossaspráticas pedagógicas ao tecnicismo;ou, ainda, o risco de cairmos numainvestida irresponsável contra asdisciplinas. Cabe pensarmos que re-ferênc ias teór ico-metodológicasorientarão nosso debate, consideran-do a realidade do mundo profissio-nal, político e social de hoje. A cons-trução de saberes efetivamente signi-ficativos implica pensarmos a compe-tência numa dimensão humana esocial, isto é, para além de uma ca-rac te r í s t i ca própr ia do su j e i toindividual e abstrato.

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Certificação de competências: a

necessidade de avançar numa

perspectiva formativa

Para que uma avaliação tenha uma dimensão educativa, expressa no seu caráterformat ivo, devem ser pensadas estratégias de melhor ia dos desempenhos doscandidatos à certificação. Isso exige compromisso e responsabilização da sociedadeem suas múltiplas instâncias no sentido de reduzir lacunas de formação. Neste artigo,a autora afirma que medir sem aliar à medida uma função formativa seria o mesmo quemedir a febre de alguém, descobrir suas causas, mas não administrar nenhum remédiopara a cura.

À guisa de introdução

Confes so que meu pr ime i rocontato com a palavra competência(há alguns anos atrás, por ocasião deum seminário de educação profis-sional realizado em Córdoba, Argen-tina) foi assustador. Afinal, a palavracompetência, em espanhol, tem umaforte conotação de competir, lutar.

Tornando a situação ainda maiscomplexa, os contextos econômico epolítico enfatizavam, na época, anecessidade de uma maior competi-tividade do mercado. A idéia subja-cente era a da seleção de excelências,mais do que do desenvolvimento decompetências, o que trazia o grandeperigo de exclusão de uma enormefaixa da população sem oportu-nidades de formação.

Não se pode afirmar que esseperigo tenha acabado, mas certamen-te houve um avanço na discussãosobre competências, mesmo conside-rando o caráter pol i s sêmico dotermo:

• Competência é a capacidadepara aplicar habilidades, conheci-mentos e atitudes em tarefas oucombinações de tarefas operativas.

• Competência é a habilidade dealguém de utilizar seu conhecimentopara alcançar um propósito.

• Competência profissional é acapacidade de utilizar conhecimentose habil idades adquiridos para oexercício de uma situação profissional.

• Competência é a capacidade demobilização de saberes: saber-fazer,saber-ser e saber-agir.

• Competência é a mobilização deum conjunto de capacidades para aresolução de um problema.

Apesar de um certo avanço naproposição de competências, não se podeignorar a dificuldade de desenvolvê-las e, sobretudo, de certificá-las.

É novamente pertinente cuidar danão exclusão, fator que pode ser umadecorrência direta de um sistema decertificação. Afinal, o que fazer comaqueles que não se certificarem?

Neste sentido, creio ser urgente umadiscussão sobre as funções de sistemasque visam a certificar competênciasprofissionais, sob pena de estabele-cermos processos classificatórios exclu-dentes e estigmatizadores.

Opinião

Léa Depresbiteris

Doutora em Ciências da Educação - Universidade de São Paulo

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Formação

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O papel formativo dos sistemas decertificação

Certificar quer dizer atestar acerteza de, afirmar, passar a certidão.Essa tomada de decisão envolvenecessariamente um processo dejulgamento, o que inclui medida eava l i ação . Nes te momento , éfundamental diferenciar medir deavaliar.

Guilford (apud Depresbiteris ,2000) diz que medir significa atribuirum número a um evento, fenômeno ouobjeto de acordo com uma regralogicamente aceitável. A medida é umaoperação de descrição quantitativa darealidade. O exemplo mais explícito demedida é o metro, grandeza padrãoque marca extensões l ineares. Aextensão do metro é comparada àdimensão do objeto a ser medido, oque nos possibilita saber quantas vezesa extensão do objeto cabe na extensãodo metro. É por isso que depois demedirmos uma rua podemos dizer queela tem 300 metros.

Na avaliação da aprendizagem, amaioria dos professores utiliza comomedida o acerto em questões de teste.Por exemplo: num tes te de dezquestões, a medida é a quantidade deacertos, sendo que sua extensãomáxima é dez . Em dez acer tospossíveis, um aluno pode chegar aolimite máximo ou a quantidadesmenores. Para outros professores, amedida é representada pelos desem-penhos demonstrados pelo aluno, osconhecimentos que ele possui, a qua-lidade desse conhecimento, etc.

De acordo com Medeiros (1999),ex i s t em a lgumas vantagens naquantificação metódica dos atributosque a medida exige, destacando-se aminimização de algumas fontes deerro. A medida possibilita, igual-mente , uma maior i s enção à sobservações e ao seu registro, permi-tindo que observadores independen-tes cheguem a resultados semelhan-tes, pela obediência a regras claras eprecisas na atribuição de números.Assim, quanto maior o acordo entree s se s obse rvadore s , t an to ma i s

impessoais terão sido suas apre-ciações e, portanto, elas estarão maispróximas da realidade.

Cumpre destacar que, quando sefala de medida, não se está falandoapenas de registros numéricos, masde medidas de qua l idade , quetambém podem ser obtidas pelacomposição de escalas de alcance.

Essa af irmação é importante,principalmente no contexto daeducação profissional, na qual a men-suração das competências assumecaracterísticas especiais. A idéia demedir os conhecimentos não é sufi-ciente para servir de base para decisõesde avaliação. Agregam-se os conhe-cimentos, as habilidades e as atitudesadquiridas não apenas em sistemasformais de ensino, como também nopróprio mundo do trabalho. À luzdessa necessidade, cresce a responsa-bilidade da avaliação que deve apreen-der as competências a partir da obser-vação da pessoa em tarefas maiscompletas e complexas.

A apreensão das competênciasexige que se conheça aquilo que estásendo proposto para o perfil doprofissional em termos de compe-tências e padrões de desempenhodesejados; que se vá além dos obje-tivos de ensino, verificando a atuaçãodos saberes – saber-fazer e saber-ser– mobilizadores das competências;que conhecimentos e habilidades,anteriormente adquiridos, se jamreconhecidos.

Esta afirmação teórica traz sériasconseqüências à prática da certifi-cação: como medir competências? Quegrau de subjetividade vem carregadona mensuração de atitudes de tra-balho? Como ser justo na medida dosaber-fazer, respeitando as váriasestratégias de resolução de umproblema que diferem de pessoa apessoa? Que indicadores escolher paraobservar? Que critérios determinar?

Assim, devemos ir para além doconceito de medida, refletindo sobreo conceito de avaliação. O que pareceimportante é que, na verdade, toda

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ava l i ação dever i a inc lu i r umamedida, mas nem toda medida indicaque haverá uma avaliação.

Quando se transferem esses con-ceitos para os sistemas de certificaçãoverificamos que muitos sistemas po-dem obter medidas, mas será que ava-liam competências?

Diriam alguns que evidentementesim, uma vez que a medida subsidiauma decisão de certificar ou não ascompetências que serão mobilizadasprofissionalmente.

Contudo, deve - se l evantar oproblema da finalidade da avaliação.Uma tomada de decisão dicotômica– certificado ou não certificado –t raduz um pape l somat ivo daavaliação, bastante próximo de umafinalidade meramente administrativa.

Por que então não romper comessa visão pragmatista, utilitária, eenvolver a avaliação com uma funçãoformativa, que exige ações de na-tureza mais educativa: propor açõesde recuperação para que as pessoaspossam contar com novas oportuni-dades de certificação. Seria umaespécie de não fechar a porta àquelesque num primeiro momento nãopossuíssem as competências necessá-rias ao desempenho da profissão.

Mas isso deveria ser função daavaliação nos sistemas educacionais,d i r i am a lguns . Ev identemente .Porém, não se poderia encarar ossistemas de certificação como partede um sistema educativo maior emque a responsabilidade não caberiaapenas e tão somente às instituiçõesde educação prof i s s iona l , mastambém à sociedade em seu projetocoletivo de desenvolver competênciasde maneira eqüitativa?

Numa analogia simples, medirsem al iar à medida uma funçãoformativa seria o mesmo que medira febre de alguém, descobrir suascausas, mas não administrar nenhumremédio para a cura.

Uma soc iedade que implantasistemas de competência não deveriaresponsabilizar-se pela não exclusão

dos não certificados e oferecer-lheschance s de de senvo lve r e s s a scompetências e novamente passarpela certificação? Afinal, como dizHadji (1997), aqueles que acreditamna necessidade de uma avaliaçãoformativa consideram como princí-pio essencial que a avaliação deveauxiliar no aprender.

Desta maneira, cert i f icar sempossibi l i tar recuperação e novasoportunidades de passar pelo pro-cesso é rotular, classificar de modoes tanque , r eg i s t ra r uma marcaindelével, muitas vezes prejudicial àprópria auto-estima da pessoa.

Reforçando, a função formativade um sistema caracteriza-se pelabusca de melhor ia dos d iversoscomponentes que o integram. Para apessoa que passa pelo processo decertificação, a aprendizagem maiorseria a de se auto-avaliar, podendoobter clareza sobre aspectos queestão interferindo na qualidade deseu perfil profissional.

Assim, outra função importanteda certificação numa perspectivaformat iva é a de e s t imular umprocesso de auto-avaliação. Nunziati(apud Hadji, 1997) diferencia auto-avaliação do processo pelo qual apessoa atribui a si mesma uma notaao examinar seu trabalho. Nesseprocesso, a pessoa faz uma compa-ração entre o desejado e o realmentealcançado, numa perspect iva deanálise final. Na verdade, aqui estáimplícita a idéia da medida. Na auto-avaliação encontra-se a premissa deauto-regulação, ou seja, a análise queuma pessoa faz de seu desempenhode maneira consciente, na perma-nente busca de melhoria.

A auto-avaliação também poderiaser estendida ao sistema educacional,no qual as informações de certifi-cação poderiam subsidiar ações demelhor ia dos de sempenhos doseducandos, dos processos de ensino,das formas de desenvolver a aprendi-zagem, dos desempenhos dos forma-dores, e das próprias formas de ava-liação da aprendizagem.

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Formação

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Neste sentido, a explicitação dasconcepções de avaliação e certifi-cação é uma fase fundamental, umavez que e la s darão “ fe i ção” aosistema. São diferentes os sistemas decertificação que encaram a avaliaçãonuma perspectiva classif icatória,daqueles que vêem, além do carátersomativo, a função formativa daavaliação, que propicia orientaçãopara o candidato quanto às ações demelhoria de seu desempenho, pre-vendo futuras buscas de certificação.

Em síntese, para que a avaliaçãotenha, além do caráter somativo denatureza decisória, uma dimensãoeducativa, que se expressa no caráterformativo da avaliação, devem serpensadas estratégias de melhoria dosdesempenhos dos prof i s s iona i s -candidatos à certificação.

Isso exige compromisso e res-ponsabilização da sociedade em suasmúltiplas instâncias no sentido de re-duzir lacunas de formação. Nessesentido, poder-se-ia pensar numfluxo assim caracterizado:

O diagnóstico corresponderia àfase de apresentação do candidatopara pa s sa r pe l a ava l i a ção decompetências. O candidato poderiavir com uma documentação prepara-da que explicitasse conhecimentos,habilidades e atitudes já adquiridaspor meio de cursos ou na vivênciaconcreta de trabalho. Nesse momen-to, seria feita uma análise comparati-va entre o conjunto de saberes e ascompetências do perfil profissional.

Se o candidato atendesse aospadrões desejados, poderia seguirpara a ava l iação com v i s ta s àcertificação. Caso o candidato mos-trasse lacunas e problemas graves emtermos de conhecimentos, habilidades

e atitudes, a ele deveriam ser indicadasas competências que precisam demelhor desenvolvimento e possíveisações de recuperação. Para isso éfundamental contar com uma rede deações que possam ajudar o candidatonessa trajetória de profissionalização.

Os principais passos para aconstrução de sistemas decertificação de competências

Mesmo cons iderando que ainst i tuição formadora não podecertificar e que deve recorrer a outrainstituição para fazê-lo, há neces-sidade de se considerar uma profundaintegração entre ambas para que sejarespeitada a natureza das competên-cias que serão medidas e avaliadas.A encomenda de certificação paraoutra in s t i tu i ção não i s enta asolicitante da responsabilidade dedefinir uma filosofia e uma políticade trabalho. No caso de instituiçõesde educação profissional, a responsa-bilidade se torna maior, na medidaem que cada prof i s s ão t em um“ethos” que não pode ser meramente

traduzido em questões avaliativasfora de contexto. Outro argumentonesse sentido é o de que essas insti-tuições deveriam incorporar uma ati-tude de auto-avaliação de suas açõese, sobretudo, responsabilizar-se pelasfuturas ações de recuperação.

Alguns passos metodológicos paraa construção de um sistema de certifi-cação poderiam ser os seguintes:

• Identificar, a partir do perfilprofissional de competências, aquelasque deverão ser objeto de avaliação;

• Definir critérios específicos dequal idade para cada unidade decompetência, bem como de evidênciaspara o alcance dos critérios;

DIAGNÓSTICO DASCOMPETÊNCIAS

AVALIAÇÃO ECERTIFICAÇÃO DAS

COMPETÊNCIAS

AÇÕES DEORIENTAÇÃO ERECUPERAÇÃO

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• Estabelecer diferentes técnicas einstrumentos de avaliação;

• Comparar os resul tados damedida com a s competênc ia s epadrões definidos no perfil e comcritérios mais específicos relacio-nados às unidades de competência;

• Julgar o valor sobre o alcanceou não desses critérios (tomada dedec i são sobre a a t r ibu ição dacertificação);

• Definir ações de orientação paramelhor ia dos de sempenhos , novislumbre de novas oportunidades decertificação.

1- Definir competências a seremavaliadas

É óbvio dizer que o perfil decompetências deve ter sido definidoa partir de atores representativos daprof i s s ão que se rá ob je to dacertificação. Participação, transpa-rênc ia de c r i t é r io s e ace s so à sinformações são princípios essenciaisde uma avaliação numa perspectivademocrática.

Este perfil vai servir como basepara a análise de quais competênciasserão focos da avaliação.

2- Definir critérios e indicadores dequalidade

Trata-se da fase mais delicada dosistema, uma vez que dela vai dependera qualidade dos desempenhos e, numsentido mais amplo, ela é que vaiimprimir credibilidade ao processo.Critérios muito pouco exigentespodem dar origem a profissionais nãohabilitados. Por outro lado, critériosmuito exigentes podem estar além dopossível na realidade.

É fundamental, nesse momento,que se busquem respostas às seguintesquestões:

• Que critérios de desempenho sãoos mais relevantes para a competênciaem análise?

• É possível avaliar esses critérios?Que indicadores devem ser buscados?Com o que e como avaliá-los?

• O que fazer com critérios cujosindicadores sejam muito difíceis dedetectar?

Não se pode esquecer que crité-rios, parâmetros, padrões, são termosusados em avaliação como sinônimospara designar uma base de referênciapara julgamento.

Para Ardoino (apud Figari 1996),a noção de referência vem do latimreferre, que significa, literalmente,reportar. Assim, para avaliar nosreferimos a alguma coisa preexis-tente , de modo a fundamentar,garantir nossa opinião, nosso juízo.Um catálogo de cores, por exemplo,é uma re ferênc ia que indica osdiversos padrões de tonalidade.

Um quadro referencial envolvecritérios e indicadores. Os indicado-res são evidências utilizadas paradecidir se uma pessoa atendeu ou nãoaos critérios. Um indicador é umconstruto teórico, daí a necessidadede identificá-lo antes da análise deuma realidade.

Cada critério define o que se julgapoder esperar legit imamente doobjeto avaliado. É, por meio doscritérios, que se pode realizar a“leitura” do objeto.

Segundo Had j i (1997) , é acoerência entre critérios e indicado-re s que pos s ib i l i t a equi l ibrarsubjetividade e objetividade. Osindicadores devem desvelar o próprioobjeto e devem ser, ao mesmo tempo,representativos da realidade avaliada(objetividade externa) e significantescom re lação a uma expec ta t ivaprecisa (objet ividade interna oucoerênc ia ) . Contudo, é prec i soressaltar que o significado não estácont ido no indicador, e s im nainterpretação do avaliador.

Lesne (apud Hadji,1997) diz queavaliar é colocar em relação, deforma explícita ou implícita, umreferido (o objeto de uma investi-gação) com um referente (aquele quedesempenha o papel de norma, o quedever ser, o que é o modelo, oobjetivo pretendido). O referente

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designa aquilo em relação ao qual umjuízo de valor é emitido. O avaliadorsempre tem a necessidade de ummodelo referencial de leitura darealidade.

Em educação, é fundamental queos critérios não sejam vistos comosendo modelos matemáticos, uma vezque sua natureza envolve fatoressocia i s , pol í t icos , econômicos eculturais.

Um dos pr inc ipa i s cu idados ,quando do e s tabe lec imento decritérios, é evitar a dicotomizaçãodas d imensões de quant idade equalidade. Para Demo (1998), é umequívoco pre tender conf rontardicotomicamente qualidade e quanti-dade, pela razão simples de queambas as dimensões fazem parte darealidade e da vida. Não são coisasestanques, mas facetas do mesmotodo. Por mais que possamos admitirqualidade como algo mais e mesmomelhor que quantidade, no fundouma jamais substitui a outra.

Outro cuidado é que os critériosestejam claros para aqueles que serãoavaliados, seja no nível educacionalmais amplo (curricular), seja no níveldo educando. Critérios transparentespossibilitam o conhecimento das“regras do jogo” e favorecem umespaço de negociação.

Outro per igo é o de que oavaliador incorra no erro de reduzira realidade e seu sentido, conten-tando-se com um único indicador quesupostamente expressa tudo, oudiluindo o saber em um númeroexcessivo de indicadores, obscure-cendo o essencial e não possibilitan-do extrair o sentido das constataçõesrealizadas.

Os cr i té r ios representam umconstruto reduzido. Não se podegeneralizar que um aluno tem capaci-dade de saber pensar apenas pelaanálise da interpretação de um textode duas páginas (id.).

Hadj i (1997) di s t ingue entrecritérios de realização e critérios deêxito. Os critérios de realização estão

relacionados à natureza da própriata re fa , como, por exemplo ,e s t abe lece r c r i t é r io s para aelaboração de um texto narrativo. Oscritérios de realização dessa tarefapoderiam ser: presença das trêspartes fundamentais a um texto dessanatureza (começo, meio e f im),narração feita na primeira ou naterce i ra pessoa do verbo, entreoutros. Os critérios de êxito dizemrespeito à pertinência do resultado,à c r i a t i v idade , à conc i são . Noexemplo do texto narrativo, seriade f in i r qua i s a s ex igênc ia s dequalidade com relação aos aspectosmencionados.

Na avaliação e certificação decompetências, a fase de definição decr i t é r io s e ind icadore s é defundamental importância para agarantir a qualidade do desempenhoprofissional desejado. O processo dedefinição de critérios e indicadoresdeve ser o mais transparente possível,envolvendo participação de diversosatores e prevendo a negociação dosresultados.

Além dos critérios de realização eêxito temos:

• Critérios gerais: dizem respeitoao perfil global das competênciasprofissionais, levando em conta acomplexidade e heterogeneidade dosdiversos contextos decorrentes dasdiferentes formas de organização dotrabalho, os conhecimentos técnicose tecnológicos, e as atitudes e ashabilidades que configuram um perfilmais amplo.

Há que se considerar, também, anatureza da área em estudo, que secaracteriza dentro de um quadro deincerteza e imprevisibilidade que, decerta maneira, ressaltam a impor-tância de atitudes como responsa-bilidade, autonomia, praticidade eobjetividade, solidariedade e capaci-dade de empatia para com o usuário.

• Critérios específicos: tratam dosc r i t é r io s ma i s r e l ac ionados à ssubcompetências e seus padrões dequal idade e que devem guardar

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relação intrínseca com as compe-tências mais amplas.

Outra categorização de critérios éa que aponta os critérios de avaliaçãoda execução do trabalho, da ava-liação de conhecimentos e relaciona-dos à avaliação de atitudes.

• Critérios de avaliação da execução dotrabalho: esses critérios relacionam-se como produto do trabalho, tanto na sua formafinal quanto no processo de sua realização.Evidências para esse critério estãoestreitamente relacionadas com umquadro referencial que deve conter ascompetências gerais e as subcompetências,de natureza mais específica.

Um cuidado importante é o de nãose generalizar a qualidade do desem-penho a partir apenas do alcance dascompetências mais globais. Elas sãouma importante fonte de evidência,mas não satisfazem todos os requisi-tos de qualidade. Deve haver umapreocupação forte com as inferên-cias, sendo que, para aperfeiçoá-las,seria interessante coletar evidênciasde outras naturezas.

• Cri té r ios de ava l iação dosconhecimentos: são dados relaciona-dos aos princípios teóricos, aosmétodos, às estratégias, às informa-ções tecnológicas, entre outros. Essescritérios subsidiam a decisão finalcom re l ação à ce r t i f i c ação doscandidatos.

• Critérios relacionados às atitu-des: a avaliação de atitudes devemerecer atenção especial, em virtudeda subjetividade que é natural nessedomínio. As atitudes podem ser de-finidas em termos da organização dotrabalho e das atividades dela de-correntes, como também da própriacaracterização do conteúdo da área.

Especificamente no tocante àsatitudes, uma possível ação é a de queelas sejam classificadas em atitudes doprofissional que seriam de ordem maisgeral , ta is como capacidade detrabalhar em equipe, responsabilidade,capacidade de comunicação, e atitudesinerentes à competência técnica, quese configuram mais como conhe-

cimentos do que propriamente comoatitudes. O primeiro tipo de atitudepoderia ser analisado a partir daprópria vivência do trabalhador. Osegundo, na própria avaliação dacompetência.

O estabelecimento de indicadorese critérios de desempenho para quese possa fomentar uma avaliação que,além de certificar (papel somativo),sirva de subsídios para a orientaçãodos candidatos à certificação comrelação a futuros estudos e à melhoriado próprio sistema (papel formativo),dever ia segu i r o pr inc íp io deconstrução coletiva dos atores dosistema (decisores, técnicos, empre-gadores, trabalhadores, entidadesformadoras , gestores públ icos eprivados e usuários dos serviços) naperspectiva de garantir transparênciae credibil idade ao sistema, e nadinâmica de permanente negociaçãoe busca de consenso com base noaproveitamento do saber e da expe-riência de cada grupo.

Há de se considerar que num paístão grande, com tão rica diversidadede culturas, os critérios devem serigualmente pensados numa perspecti-va de incluir aspectos regionais, dediferentes “locus” de trabalho, e deconsiderar as condições do contextono qual se procederá a certificação.

3- Estabelecer instrumentos etécnicas de avaliação

A seleção dos instrumentos etécnicas deve considerar as compe-tências e padrões desejados. Conside-rando a natureza da profissão emquestão, seria interessante pensarnuma conjugação de instrumentos quepermitam captar melhor as diversasdimensões dos domínios das compe-tências (conhecimentos gerais, habili-dades, atitudes e conhecimentos técni-cos específicos).

Algumas técnicas e instrumentospoderiam ser pensados, a saber:

• Resolução de problemas emsi tuações s imuladas a par t i r darealidade: uma das principais técnicasde ava l i a ção para s i s t emas de

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Formação

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certificação é a da observação dotrabalho em situações simuladas oureais, que permita a verificação deindicadores das competênc ias ecritérios de qualidade previstos.Nesse sentido, as situações exigem aarticulação de conhecimentos diver-sos, seguidos da ação concreta paraa resolução dos problemas.

A avaliação pode centrar-se emtarefas autênticas, que são aquelasque possuem relevância e utilidadeno mundo real, que se integram aocurrículo e que oferecem níveisapropriados de complexidade. Umexemplo: ambientes de aprendizagemque possibilitem aos estudantes demedicina aver iguar os r i scos datransfusão de sangue, oferecendo oscritérios do mundo real, que porper tencerem a e s s e mundo sãosignificativos. Outro exemplo: umdiagnóstico correto e prescrição detratamento com vistas a salvar opaciente, dentro de um período detempo limitado pela gravidade doproblema e com custo possível ouaceitável para o paciente, para o hos-pital, e assim por diante.

Aprendemos quando somoscapazes de elaborar uma representa-ção sobre um objeto da realidade ouconteúdo que pretendemos aprender.Essa aproximação não é vazia, nãoparte do nada, mas se baseia emexperiências, interesses e conheci-mentos prévios que possam dar contada novidade. Por outro lado, construirnão significa inventar, e sim, porexemplo, o aluno usar a ortografia demodo criativo e pouco convencional.É óbvio que es sa cr iação deveaproximar-se do culturalmente esta-belecido, compreendendo e podendousá-lo de várias formas.

• Análise de casos: a inda naperspectiva de resolução de proble-mas temos a técnica de análise deca sos . E s sa t é cn i ca envo lve aarticulação de conhecimentos nadescrição e prescrição do caso, masnão necessariamente a concretizaçãoda prática requerida na situação.

Essa técnica baseia-se nas idéias de

Jonassen (1997) que diz que os casossão desencadeadores de um processode pensar, fomentador da dúvida, dolevantamento, da comprovação dehipóteses, do pensamento inferen-cial, do pensamento divergente, entreoutros. Para ele, o uso de tarefasautênticas derivadas de casos reaisessencialmente significativo, uma vezque, por serem verdadeiras, trazemmaior credibilidade e significadopara a pessoa.

Se fosse essa a técnica escolhida,seria interessante construir um bancode “casos”, que seriam gravados emvídeo e serviriam de instrumento deavaliação para certificação.

A estratégia de aplicação seria:

•Analisar um “caso” descrito oudramatizado em um programa de vídeo;

•Descrever, a partir do caso, osproblemas apresentados pelo usuário;

•Analisar o caso em suas múltiplasvariáveis;

•Prescrever, para o caso, como oatendimento deveria ter sido feito.

A partir dessa prescrição, seriafeita a avaliação do desempenho docandidato e procedidas as sugestõesde melhoria para o desempenho combase nos critérios não alcançados.

• Provas: um instrumento maisespecífico da avaliação dos saberestécnicos envolvidos nas competênciaspode ser um já consagrado: a prova.Contudo, deve-se pensar em umformato de prova d i f e rente dotradicional, geralmente configuradoem questões de múltipla escolha. Aprova poderia congregar uma partede avaliação de conteúdos específicosdas competências e algumas habili-dades de resolver problemas sobresituações concretas de trabalho.

Um instrumento que poderia serinteressante para uma aval iaçãoformativa é o portfólio.

• Por tfólio: o portfólio é umins t rumento que compreende acompilação de todos os trabalhos

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realizados por uma pessoa, além deoutras evidências de sua históriaprofissional, depoimentos, casosinteres santes , entre outros . Noportfólio podem ser agrupados dadosde visitas técnicas, resumos de textos,projetos, relatórios, anotações diver-sas. No portfólio pode-se incluir,também, ensaios auto-reflexivos, quepermitem às pessoas a discussão decomo a experiência de trabalho ouos cursos que realizou modificaramsua vida.

O importante é que o portfólioseja um instrumento construído pelaprópria pessoa ao longo de sua vida,uma vez que a finalidade principal éservir de apoio para a pessoa avaliarseu próprio trabalho, reflet indosobre ele, melhorando-o.

Ao sistema, o portfólio oferece aoportunidade de traçar referenciaisda profissão, a partir das análisesindividuais, com foco na evoluçãodas pessoas.

As pr inc ipa i s f ina l idades doportfólio são:

•Es tabe lece r conexões en t reexperiências e resultados obtidos;

•Aumentar o nível de autoco-nhecimento;

•Demonstrar as competências ecapacidades adquiridas ao longo deum processo;

•Fundamentar escolhas e decisões.

Ao utilizar o portfólio, construin-do-o, revendo-o e o aperfeiçoando,a pessoa tem oportunidade de:

•Articular claramente o que realiza;

•Traçar conexões entre suas expe-riências e aquisições ou realizações;

•Regi s t ra r exper iênc ia s , quepoderia esquecer ou subestimar,assegurando retomada de temas,problemas não resolvidos, avanços ereplanejamento;

•Aumentar seu nível de autoco-nhecimento e confiança;

•Visualizar aspectos principaisque emergem em suas áreas de estudoe de interesse, que o ajudará a tirarmaior proveito das oportunidades nocurso e em qualquer outro lugar;

•Trazer uma grande clareza depropós i to e mai s a l to n íve l demotivação para o curso, em situaçõesformais e informais, bem como paraoutros t ipos de ambiente s deaprendizagem;

•Ser capaz de melhorar substan-cialmente suas decisões e escolhas.

O portfólio pode ser um docu-mento montado manual ou eletro-nicamente. Em sua forma eletrônica,o portfólio tem sido utilizado paramonitoramento e avaliação de reali-zação de cursos virtuais ou à distân-cia, ou até mesmo de cursos regulares.

Os portfólios são muitas vezesconstruídos na Internet para que apessoa possa estabelecer links comoutras fontes e aprofundar a constru-ção do conhecimento sobre determi-nado tema.

Ta l como j á menc ionado , aava l i a ção deve s e r pautada emevidências do desempenho em situa-ções simuladas ou do desempenhoefe t i vo em s i tuações rea i s detrabalho. Isto exige a utilização deinstrumentos e técnicas que possibi-litem a observação de indicadoresre lac ionados ao desempenho nas i tuação. Exige, igualmente, umquadro de critérios explícitos para queesse desempenho possa ser analisadoem termos de sua qualidade, dimensãoessa, decorrente dos padrões profis-sionais condizentes com a qualidadeda profissão em foco.

As possíveis inter-relações entre osistema de avaliação daaprendizagem e a certificação decompetências

Considerando a necessidade decoerência entre as diversas partes dosistema, alguns fatores deveriam serlevantados para o sistema de ava-liação e certificação, destacando-seos relacionados à função formativa

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Formação

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da avaliação da aprendizagem nosprogramas de formação.

As mesmas premissas relacionadas àfunção formativa e orientadora daavaliação no processo de certificaçãodeveriam ser pensadas na composiçãodas ações de avaliação da aprendizagem.

Assim, os currículos de formaçãodever i am prever ambiente s deaprendizagem que possam:

•Prover múltiplas representaçõesda realidade;

•Evi ta r a s impl i f i cação dosproblemas, representando a comple-xidade do mundo real;

•Focalizar a construção do conhe-cimento e não a sua reprodução;

•Apresentar tarefas autênticas,contextualizando-as;

•Fornecer casos reais para análise;

•Estimular uma prática reflexiva;

•Construir o conhecimento demaneira coletiva, reforçando a nego-ciação e não a competição.

A avaliação deve se constituir numelemento indi spensáve l para areorientação dos desvios ocorridosdurante o processo e para a geraçãode novos desafios ao aprendiz.

É por isso que a avaliação deve serresultado de uma discussão honesta etrans-parente de todos os elementosenvolvidos no processo. Seu papel éverificar como o educando é capaz demovimentar-se num campo de estudose estimulá-lo, através de uma reflexãoconjunta sobre o que ele realizou,levando-o a encontrar os caminhos doseu próprio desenvolvimento.

Assim, é inegável, neste contexto,a importância da avaliação, tanto parao educando quanto para o professor.

Algumas premissas para sistemas decertificação

Final izando esse ar t igo, cu jocaráter é o de desencadear discus-sões, algumas diretrizes podem sersugeridas:

• O sistema de certificação deve serconsiderado como parte de um processomaior, no qual se busque a articulaçãocom as instâncias de normatização e deconstrução curricular.

• A avaliação e certificação decompetências deverão ter como baseso perfil profissional estruturado emcompetênc ia s e o s padrões dequalidade de desempenhos, definidospor comissões de estudo em fasesanteriores do projeto.

• O sistema deve ser estabelecidoa partir de um trabalho integrado,participativo, de todos os responsáveisenvolvidos. Nesse trabalho, urgeconsiderar peculiaridades e neces-sidades específicas de cada domínio decompetências: conhecimentos gerais,conhecimentos técnicos específicos,atitudes e habilidades.

• O sistema deve ser consideradocomo processo contínuo e sistemá-tico, a fim de permitir melhoria emtodos os seus componentes.

• As diretrizes do sistema devemter uma conotação orientadora parao desenvolvimento do trabalho,devendo, por tanto , haver umaabertura e flexibilidade para mudan-ças que se façam necessárias ao longodo processo.

• A avaliação e certificação decompetências devem congregar oaproveitamento de conhecimentos ede experiências anteriores, conside-rado o perfil profissional exigido.

• A avaliação e certificação decompetências devem considerar adiversidade de técnicas e instrumen-tos de avaliação utilizados para oalcance da função somativa, mas,sobretudo, formativa da avaliação.

• O s i s t ema deve v i s a r aoautodesenvolvimento das pessoas,numa perspectiva de incentivo àeducação continuada.

• A avaliação de competênciasdeve ser feita com base em proce-dimentos que rompam com a visão

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fortemente classificatória que semprepermeou os sistemas de avaliação.

• Tal processo é s istemático,porque há necessidade de que aava l i a ção e ce r t i f i c ação s e j amrealizadas de forma organizada, combase em real planejamento para que:

•a s competênc i a s a s e remavaliadas estejam explícitas paratodos;

•as técnicas, os instrumentos eos critérios de avaliação estejamcondizentes com a natureza dosdesempenhos a serem mensurados;

•os c r i t é r io s de ava l i a çãoestejam claros e explícitos, bemcomo sejam passíveis de observa-ção e avaliação;

•as formas de análise e inter-pretação de alcance dos desempe-nhos estejam definidas.

• O sistema de aval iação ecertificação deve zelar não só pelabusca do cumprimento das funçõesadministrativas e legais definidos pelosórgãos competentes, mas, sobretudo,pela orientação e criação de ações quepermitam a maior qual idade dodesempenho profissional.

À guisa de conclusão

Não se pode concluir um tema tãocomplexo como o da certificação decompetências. Contudo, pode-seapontar algumas considerações paraaprofundamento da reflexão.

Um primeiro aspecto é refletirsobre as funções que a mensuração ea avaliação exercerão no contextomais global e se haverá inter-relaçõescom os s i s t emas educa t ivos e ,sobretudo, com a organização dasações coletivas da sociedade. Afinal,uma sociedade que vise à educabili-dade não pode se contentar em“deixar pessoas na beira da estrada”.

Outro a spec to impor tante éressaltar a ética que deve permeares se s s i s t emas , no conta to comaqueles que serão objeto da certifi-cação. Neste sentido, há que se

cuidar para que a certificação seja ummomento educativo, de aprendiza-gem, e não de punição e de descons-trução da auto-estima de pessoas,muitas vezes já tão abalada porcondições diversas.

O desafio é grande: manter aqualidade em termos da aquisição decompetências imprescindíveis aobom desempenho prof i s s iona l ,p r inc ipa lmente em área s cu j anatureza é a preservação do outro,do ser humano, como é o caso daSaúde, e, ao mesmo tempo, zelar paraque pos sa haver uma ação derecuperação social para que os ditos“não-competentes” possam, a curtoou médio prazos , tornarem-seinclusos no rol dos competentes.

Esta proposição abarca neces-sidade de ações em nível macro,relativas a uma rede de comunicaçãoentre os vários setores da sociedade,e, em nível micro, na responsa-bilização de instituições específicasde educação profissional na busca deatendimento diversificado à clientela.Envolve, também, a conscientizaçãodo trabalhador da necessidade deengajar-se em educação continuadapara poder sobreviver nesse mutantee diversificado mundo do trabalho,bem como do direito de contar comoportunidades nessa trajetória.

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Formação

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Opinião

O Ministério da Educação está implantando o Sistema de Formação, Avaliação eCertificação baseada em Competências, no contexto de uma ampla reforma da educaçãoprofissional no país. Neste artigo é apresentada a proposta do ministério, em cujo sistemase insere a certificação profissional, que buscará reconhecer, avaliar e certificar ascompetências livremente adquiridas pelos trabalhadores (competências tácitas), conferindoum título educacional válido nacionalmente, que possibilite a continuidade ou conclusãodos estudos de educação profissional.

Focalizamos, nesta abordagem,uma proposta para implantação deum mecanismo que possibilite ao tra-balhador brasileiro ter reconhecidase certificadas, para fins de equiva-lência educacional, as competênciasprofissionais adquiridas livremente -seja através do trabalho, de cursosnão formais, ou por meio de quais-quer outras experiências. A propostafoi elaborada pela Secretaria deEducação Média e Tecno lóg i ca(Semtec) do Ministério da Educação(MEC) num processo de discussãocom os diversos atores interessadosem tal mecanismo: representantes detrabalhadores, de empregadores, deeducadores e de outros segmentosgovernamenta i s . Es sa proposta ,apoiada na atual Lei de Diretrizes eBases da Educação Nacional (LDB),re fere - se in i c i a lmente a t í tu loseducacionais relacionados com onível técnico, embora também estejaprevista a inclusão futura do níveltecnológico da educação profissional.Como se tratam de níveis regulamen-tados pela legislação educacional dopaís, a certificação estará submetidaa algumas regras para que os títulosconferidos tenham validade nacional.

Estamos tratando, portanto, de umacertificação que tem equivalência nomundo educacional, diferentementeda certificação apenas ocupacional,promovida ou requerida por empre-sas, sem necessária equivalência comtítulos educacionais e que respondemexclusivamente às leis do mercado.Es ta d i f e rença prec i s a s e r bemcompreendida, para evitar equívocosquanto aos papéis exercidos pelosenvolvidos e interessados nessesprocessos.

Para melhor contextual izar aabordagem, é importante citar que oMEC está implementando uma amplareforma da educação profissional nopaís, modernizando o sistema deformação profissional. Em decor-rência, implanta-se, dentre muitasoutras ações, o Sistema de Formação,Avaliação e Certificação baseada emCompetências. Nesse amplo sistemase insere a certificação profissionalaqui tratada, como um subsistemaque buscará reconhecer, avaliar ecertificar as competências livrementeadquir idas pe los t raba lhadore s(competências tácitas), conferindoum t í tu lo educac iona l , vá l ido

Certificação de competências em

educação profissional:

concepção e implementação

Cleunice Matos Rehem

Coordenadora Geral da Educação Profissional do Ministério da Educação

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Formação

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nacionalmente, que possibil ite acont inuidade e /ou conclusão deestudos de educação profissional.

Para faci l i tar a compreensão,apresentaremos a seguir as caracterís-ticas desse amplo Sistema de Forma-ção, Avaliação e Certificação, locali-zando dentro dele o Subsistema deAvaliação e Certificação de Compe-tências Profissionais (SAC). Valeressa l tar que, nesse processo, aformação profissional e as competên-cias adquiridas l ivremente serãoconsideradas equivalentes para finsde avaliação e certificação, emboraseja imprescindível a adoção de parâ-metros de comparação entre ambas,para tornar possível essa equivalênciano plano educacional.

No Brasil, conforme apontadoacima, implantou-se recentementeuma reforma no campo da educaçãoprof i s s iona l , para promover amodernização dos processos formati-vos, de tal modo que resulte emmaiores oportunidades de emprega-b i l idade para os egres sos des saformação e, naturalmente, respondaposi t ivamente aos requis i tos damodernidade laboral e empresarial.Para organizar a oferta, o DecretoFederal 2.208/97, que regulamentaos artigos 39 a 41 da LDB, classificaem três níveis a educação profissionaloferecida no país:

1. Nível Básico: independe deregulamentação. É, portanto, umnível onde a qualificação profissionalse dá por oferta livre da instituiçãoque oferece o curso, a quem cabeestabelecer os requisitos necessáriospara o acesso dos alunos, a cargahorária, o conteúdo, etc. Os cursos denível básico podem ter, inclusive, umcaráter de requalificação profissional.

2. Nível Técnico: submetido aregulamentação, com vistas a umatitulação. A instituição que oferececursos neste nível deve necessaria-mente atender às diretrizes curricula-res nacionais, estabelecidas pelaResolução nº 04/99 da Câmara deEducação Bás i ca do Conse lhoNacional de Educação (CEB/CNE) e

fundamentadas pelo Parecer 16/99do CNE, a l ém de re spe i t a r aregulamentação específica que cadas i s t ema e s t adua l normalmenteestabelece.

3. Nível Superior, denominadoTecnológico: atende às exigências daeducação superior, e graduam oaluno como tecnólogo. Muitas áreasestratégicas da economia em nossopaís têm se utilizado deste recurso daformação profissional, sobretudo asque requerem maior aplicação detecnologias.

O referido Sistema de Formação,Avaliação e Certificação por compe-tências se insere nos dois últimosníveis (técnico e tecnológico). Onível técnico já possui nova regula-mentação para o planejamento eoferta de cursos. Para o de tecnolo-gia, o Conselho Nacional de Educa-çãoestá definindo atualmente as diretrizescurriculares nacionais, as quais deverãoseguir orientações similares às utilizadaspara o nível técnico. A regulamentaçãoda educação profissional de níveltécnico determina que a formação, aavaliação e a certificação sejam porcompetência e por área profissional.Neste ano já se iniciam os primeiroscursos técnicos atendendo a esta regula-mentação, que traduz uma nova con-cepção de educação profissional, carac-terizada pela formação por competên-cias para a “trabalhabilidade”, conside-rando os princípios de flexibilidade,contextualização e interdisciplinaridade.

Os currículos para a formaçãoprofissional de nível técnico devemser flexíveis para atender às deman-das do mundo produtivo, da socieda-de e dos próprios c idadãos . Oscurrículos f lexíveis poss ibi l i tamtambém certificações parciais, antesmesmo da obtenção do título dahabilitação técnica. Para facilitar aformulação dos novos currículospelas escolas, o MEC elaborou eofereceu para a comunidade educati-va os Referenc ia i s Curr icu laresNacionais de Cursos Técnicos, cujametodologia de construção incluiuanálise dos processos produtivos em

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cada área profissional (são 20 asáreas estabelecidas) e a identificaçãode competências, habilidades e basestecnológicas requer idas para ostécnicos que neles atuam.

De pos se de s se s r e f e renc i a i scurriculares nacionais – note-se quesão referências para os currículos enão imposições para sua formulação– a escola aprofunda a análise dosetor produtivo específico para oqual ela pretende formar trabalhado-res, podendo identificar e acrescentaroutras competências não incluídasnos mesmos. O MEC desenvolveutambém a Metodologia de Planeja-mento de Currículo para CursosTécnicos, que ajuda aos formulado-res de currículos por competências.Essa metodologia está disponível nosite Internet do MEC1. A nova formade conceber a educação profissionalpropicia maior flexibilidade para asescolas, que, uma vez cumpridos osprincípios e critérios gerais, gozamde autonomia para promover suaatualização.

A estrutura do Sistema de Forma-ção, Avaliação e Certificação estáassim organizada:

- Nível diretivo: Conselho Na-cional de Educação, que emite as dire-trizes curriculares nacionais. O MECpode constituir comissões ad hoc queserão acionadas para subsidiar aatualização das diretrizes, sobretudo asáreas profissionais e as competênciasgerais requeridas para a formação;

- Nível setorial: órgãos normati-vos de cada sistema (conselhos esecretarias de educação) que autori-zam, credenciam e acompanham asinstituições formadoras e seus respec-tivos cursos;

- Nível operacional: instituiçõesformadoras que oferecem os cursosdemandados e devidamente autorizados.

Nesse quadro referencial é que seinsere o proposto Subsistema deAvaliação e Certificação por Compe-tências, mecanismo que substituirácom grande vantagem os extintosexames supletivos profissionalizantes,

pela possibilidade, criada a partir daatual LDB, de se reconhecer formal-mente as competências profissionaislivremente adquiridas pelo trabalha-dor. Assim, um indivíduo que cons-truiu competências não apenas emcursos formais , mas também naprópria experiência, na prática dodia-a-dia, em atividades não formais,poderá submeter-se a um processo deavaliação e obter sua certificação emiguais condições e valor que a obtidaao final de um curso técnico ou deuma qualificação técnica. Isso pode-ria ser o caso, por exemplo, dos auxi-l iares de enfermagem, que pelaprática, pelo desempenho das suasat iv idades nos postos de saúde,hospitais, empresas e domicílios,foram adqui r indo hab i l idades ,mobi l i zando conhec imentos econstruindo várias competências quepodem ser constatadas por desem-penho. Nada mais justo que estascompetências possam ser reconhe-cidas através de avaliação criteriosa.Assim esse processo possibilitará aotrabalhador o prosseguimento ouconclusão de estudos para comple-mentar sua formação profissional.Além disso, se, por exemplo, umindivíduo adquiriu todas as compe-tênc ia s de f in ida s para a suaocupação, o sistema educacionalpode conferir-lhe o título da habili-tação profissional correspondente,após a avaliação realizada por meiode um processo especif icamenteestruturado para esse fim.

É preciso destacar que o SAC serestringe ao campo da educaçãoprofissional e deve se constituir nummecanismo de democratização deoportunidades. Ele deverá avaliar ecertificar não propriamente estudos,mas as competências que o indivíduodesenvolveu ao longo de sua vidaprofissional. Tais competências nãose restringem à constatação de umsaber fazer mecânico; pelo contrário,consideram os conhecimentos, ocomo, o porquê e o para que fazer.Esse subsistema, assim concebido,

1. http://www.mec.gov.br/semtec/educprof/temanda.shtm#Metodologia de Planejamento

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Formação

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facilitará sua articulação com outrosprocessos de certificação existentesno país. A idéia é que, implantado eimplementado, possibilite a criaçãode passarelas com outros sistemas,como o de certificação ocupacionale o da educação básica.

A proposta do MEC difere emmuito dos sistemas implantados emoutros países , sobretudo por seinserir especificamente na área daeducação profissional. É certo que ostítulos obtidos nesse processo devemguardar correspondência com omundo produt ivo , mas não seregularão exclusivamente por ele.Entendemos que a ce r t i f i caçãoocupacional, por sua vez, deve serrealizada de forma sintonizada eafinada com a educação, buscandoestabelecer equivalências e, inclusive,cont r ibu indo para me lhorar o sprocessos de formação, apontandorequisitos do mundo produtivo paraa formação profissional.

O SAC, portanto, não substituinem é conflitivo com nenhum outroprocesso de certificação existente noBrasil. Pelo contrário, pode haverconvergências e a possibilidade desomar esforços no sentido de se obtera mesma valoração para os certifica-dos emitidos. Essa proposta está emfase de conclusão para se dar inícioaos projetos pilotos que respaldarãosua regulamentação nacional.

Para essa avaliação e certificaçãofuturas, a regulamentação deveráexigir condições para o credencia-mento das unidades ou instituições,a partir de indicadores de qualidade,aos quais terão de atender obrigato-r iamente. Pretende-se ut i l izar acapac idade j á in s t a l ada para osistema nacional de formação, nãoexig indo a cr iação de nenhumaestrutura adicional. O que não impe-dirá, contudo, que uma instituiçãopossa se credenciar para apenas seravaliadora ou certificadora, indepen-dentemente de ser formadora.

A intenção é que esse sistema, aoreconhecer que as pessoas aprendemnão apenas nos ambientes formais de

uma e sco la , mas t ambém pe lotrabalho e por diversos outros meios,estimule o desenvolvimento educa-cional dos trabalhadores (nível dee sco la r idade e de qua l i f i caçãoprofissional), diante da impossibili-dade crescente de se manter inseridono mercado de t raba lho sematualização permanentemente. Parai s so , a propos ta prevê que ocandidato ao final do processo deavaliação obtenha um diagnósticodas suas debi l idades e das suasqualidades em relação às competên-cias de uma dada função ou ocupa-ção, além das indicações do que lhefa l ta , onde e como conseguir acomplementação de sua formaçãoprofissional, orientando-se, inclusi-ve, por um plano de estudos. Destaforma, criar-se-ão redes de comuni-cação e intercomplementaridadeentre as instituições ou unidadesformadoras, avaliadoras e certifica-doras de competências e os candida-tos, visando a melhorar a qualifica-ção profissional dos trabalhadores,bem como dos que pleiteiam a pri-meira inserção laboral.

Entre as caracter í s t icas dessemecanismo que estará disponível aopaís, pode-se destacar ainda:

• Os processos avaliarão compe-tências, baseando-se em evidências dedesempenho, provas práticas e port-fólios, em que o candidato demons-trará suas habilidades por diversaspossibilidades;

• O subs i s t ema mante r- s e - ácalibrado com a formação profissio-nal, gerando benefícios mútuos.

• Adotará normas de competên-cias referenciais a partir de compe-tências-chave, as quais correspon-derão de 60 a 80% das competênciasrequeridas para um conjunto deocupações similares ou de uma me-sma família ocupacional. Os 20 a40% restantes serão complementadospela instituição certificadora. Talcaracterística traz flexibilidade aosistema e baixa custos relacionadoscom atualização.

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• O processo de avaliação terácomo base os itinerários formativose as normas de referências, as quaisdeverão ser homologadas pelo setorprodutivo pertinente.

• O MEC manterá um cadastronacional de Normas de Referênciashomologadas e as oferecerá ao públi-co interessado. As Normas cadastra-das nesse sistema nacional, serão abase para qualquer instituição cre-denciada planejar seu processo deavaliação e certificação. Cada Insti-tuição poderá complementar a Nor-ma com as competências mais especí-ficas da função ou ocupação a seravaliada.

• Será implantada uma sistemáticapara avaliação nacional das institui-ções, dos cursos e das certificaçõesde educação profissional, de modo aassegurar a qualidade exigida paraesse processo em todo o país.

Com esse mecanismo, teremosduas vias para a cert i f icação decompetências no país: uma peloscursos de formação e a outra pelasestruturas que avaliarão as compe-tências adquiridas fora da escola, notrabalho ou por quaisquer meios.Esse mecanismo novo deverá gerarma i s demandas por o fe r t a s deeducação formal, vez que estimularáa formação profissional ao longo detoda a vida, a busca de complemen-tação educacional e prosseguimentode estudos. Com isso ganham os tra-balhadores, ganham os empregado-res. Ganha o país.

Documentos consultados

BRASIL . Min i s t é r io da Educação .Decreto nº 2.208 de 17/04/97, DiárioOficial, seção 1, de 18/04/97. [S.l.:s.n.], 1997.

BRASIL. Ministério da Educação. Leidas Diretrizes e Bases da EducaçãoNac iona l nº 9 .394 /96 de 20 dedezembro de 1996, publicada DiárioOficial em 23/12/96, seção 1, pág.27-833. [S.l.: s.n.], 1996.

BRASIL . Min i s t é r io da Educação .Resolução da Câmara de Educação

Básica do Conselho Nacional deEducação (CEB/CNE) nº 04, de 05 deoutubro de 1999, publicada DiárioOficial em 07 de outubro de 1999.[S.l.: s.n.], 1999.

BRASIL . Min i s t é r io da Educação .Secretar ia de Educação Média eTecnológica. Proposta de Organiza-ção do SAC - Subsistema de Avalia-ção e Cer t i f i cação Pro f i s s iona lbaseado em Competências. Brasília:[s.n.], 2000.

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Introdução

Es ta s re f l exões s ão f ru to doprocesso de construção coletiva dodocumento intitulado “ReferênciasConceituais para a Organização doSistema de Certificação de Compe-tências (SCC) do PROFAE”, que, porsua vez, gerou o Termo de Referênciado SCC/PROFAE, uma síntese elabo-rada para servir como documentobásico acerca desse tema junto à equi-pe do Projeto, ao Conselho Consul-tivo Nacional e ao Conselho TécnicoProfissional, componentes da estru-tura do referido sistema.

Utilizando estes dois documentoscomo referência, procuraremos abor-dar sinteticamente as bases conceituaisque sustentam a visão da saúde nessaconstrução, pavimentando o nossoesforço de enfocar o tema na especifi-cidade da prática social em saúde e emenfermagem de nível técnico.

Com o apoio de algumas pergun-tas, tentaremos refletir sobre essacomplexa tarefa que deverá serpactuada entre os múltiplos atoresenvolv idos , cons iderando o seuprofundo interesse social.

Um sistema de certificação decompetências para a área de saúde:desafios que chegam quase ao“desaforo”

Recorremos a essa forma provoca-tiva para melhor expressar o quepensamos e sentimos em relação àimplantação de um sistema que está,indiscutivelmente, contextualizadoem meio às grandes mudanças mun-dia i s de paradigmas pol í t i cos epedagógicos, no que tange, principal-mente, ao trabalho, aos trabalhado-res, suas competências e, portanto, àeducação profissional.

É inegáve l que impl icará emgrandes riscos e desafios, pois, dentreoutras razões, o contexto de produ-ção do discurso sobre essa estratégiade controle da formação profissionalem nível técnico não é o mesmo noqual a saúde está situada, além de nãoexistir tal experiência no segmentopúblico do setor saúde no país. Ademanda tem sua origem no setorsecundário da economia – o chamadosetor produtivo por excelência – e emsua lógica econômico-capitalista. Poroutro lado, a saúde, situada no setor

Sistema de Certificação de

Competências PROFAE: bases

conceituais

A implantação de um sistema de certificação tem como contexto mudanças mundiaisde paradigmas políticos e pedagógicos, que atingem o trabalho, os trabalhadores, suascompetências e a educação profissional. Neste artigo, a autora discute os riscos edesafios acarretados por este processo, pois, dentre outras razões, o contexto deprodução do discurso sobre a estratégia de controle da formação profissional em níveltécnico não é o mesmo no qual a saúde está situada, além de não existir tal experiênciano segmento público do setor saúde no país.

Opinião

Milta Neide Freire Barron Torrez

Mestra em Educação - Universidade do Estado do Rio de Janeiro

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Formação

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de serviços, tem por meio do SUS ocompromisso político de acautelar aassistência em seus diferentes níveis,como um direito de todos e dever doEstado. São necessidades e lógicasdistintas, desafiadas a encontrar aexpressão pactuada possível nessemomento, sem perder de vista talcompromisso.

O grande desafio parece-nos serfundamentalmente esse: participar dealgo tão impregnado de riscos sem,contudo, deixar de enfrentá- loscrítica e propositivamente.

Se atentarmos bem, a questão daqualif icação do pessoal de nívelmédio j á s e co locou como umdesaforo frente à lógica dominanteno setor educacional e assistencialdesde quando a saúde assumiu orde-nar seus recursos humanos, colocan-do esse compromisso na ConstituiçãoFederal de 1988. À época, foi umagrande novidade, além do própriocapítulo sobre a saúde e da propostade um sistema único.

O que se pretende implantar pormeio do PROFAE, está claro, nãopoderá acontecer como uma respostaunisetorial, havendo a necessidade dearticulação entre as políticas de edu-cação, de trabalho, de emprego e derenda, entre outras. Devido a estacomplexidade, costumamos dizer queo SCC/PROFAE chega a ser um desa-foro, uma grande provocação à nossaatitude histórica nos tempos do discursoúnico, tamanho o seu potencial paracorrer riscos e levantar desafios.

Nes se s t e rmos , é procedenteorganizarmos as nossas dúvidas eparcas certezas e perguntar:

I- O que realmente significa umsistema de certificação decompetências para as áreas de saúdee enfermagem no contexto do SUS eda reorientação do modeloassistencial?

Cons ideramos que uma dasa t i tudes ma i s impor tante s queprecisamos assumir para tentarmoscompreender a complex idade eimplicações dessa proposta é a de

recontextualizadores críticos de talabordagem na área de saúde. Ela nospossibilitará atuar atentando para as efetivasnecessidades político-pedagógicas emsaúde, evitando que sejamos apenas repro-dutores de um dado discurso pedagógico,transpondo-o irreflexivamente para a rea-lidade brasileira e para o SUS.

Entendemos por atitude recontex-tualizadora crítica aquela pela quala atuação dos profissionais e educa-dores em saúde, em sua prática so-cial, mediatiza o discurso pedagó-g i co e recorre à “ re locação dodiscurso” existente em torno do para-digma das competências, reposi-cionando-o, refocalizando-o, emrazão dos princípios e do paradigmasanitário norteadores do SUS.

Segundo Bernstein (1996), alémdo contexto primário, no qual umdado discurso pedagógico nasce, ocampo da sua produção intelectual,existe o contexto secundário, no qualocorre a reprodução desse discurso,e é, por exemplo, incorporado àspraticas pedagógicas.

Há, também, o contexto recontex-tualizador, no qual ocorre a reloca-ção do discurso, cuja preocupaçãocentral está em torno dos movi-mentos realizados pelas mensagens epráticas do contexto primário parao secundário, ou seja, da produçãopara a reprodução.

Dentre os integrantes desse camporecontextualizador pedagógico estão“as universidades, os departamentos deeducação das escolas politécnicas, asfaculdades de educação, os meiosespecial izados de educação (. . . ) ,editoras, e pode-se estender paracampos não especializados no discursoeducacional e suas práticas, mas quesão capazes de exercer influência tantosobre o Estado quanto sobre os seusvários arranjos e/ou sobre locais,agentes e práticas especiais no interiorda educação”(Mendes, 1996).

Este potencial de influência existenas in s t i tu i ções , organ izações ,programas, projetos e atores da áreade saúde. Ao afirmarmos o papel de

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recontextualizadores, não estamosdesconhecendo as suas participaçõesnos contextos primário e secundáriodo discurso pedagógico oficial oulocal, no campo da saúde.

É importante salientar ainda quedenominamos de recontextualizaçãocrítica porque estamos conscientes deque o discurso da competência estásendo recontextualizado, cabendo-nos atuar no sentido de torná-locrítico, de modo que a sua recolo-cação situe-se principalmente na realcomplexidade que tem o trabalho emsaúde, nos projetos estruturantes dareorientação do modelo assistencial,no “novo paradigma sanitário”(id.)que desejamos implementar.

Não devemos operar s implest ranspos ições , mesmo que porcomparação, de outras experiênciasvivenciadas pelo segmento privado desaúde no Brasil, porque a perspectivatecnicista que sempre subsidiou asexperiências de certificação continuaas orientando, muitas vezes apenasrevestida de uma nova roupagem,enquanto no setor público de ensinoe as s i s tênc ia em saúde es tamosbuscando superá-la há alguns anos.

Em recente pub l i cação daOrgan ização In te rnac iona l doTrabalho (OIT) e do Ministério doTrabalho e Emprego (MTE), na qualforam apresentadas “discussões”sobre o tema e caracterizados diver-so s s i s t emas de ce r t i f i c ação decompetências, os autores identifi-caram como uma das “fraquezas” domodelo inglês a “base behavioristados fundamentos da aprendizagem”(Brasil/MTE/FAT e OIT, 1999). Esseé um dos grandes riscos ao qual oSCC/ PROFAE tem que estar prepa-rado para enfrentar.

Trazendo tal preocupação parabem perto de nós, podemos observarque cor remos o r i s co de umainterpretação tecnicista, se tivermosuma leitura linear da Resolução n°04/99 da Câmara de Educação Básicado Conselho Nacional de Educação(CEB/CNE), parte integrante doParecer CEB/CNE n° 16/99, uma das

pr inc ipa i s ba se s l ega i s para aEducação Prof i s s iona l nas mai sdiversas áreas profissionais.

Exemplificaremos com a primeiradescrição contida nessa Resolução arespeito das competências profissio-nais gerais do técnico da área desaúde: identificar os determinantes econdicionantes do processo de saúde-doença. Podemos afirmar que estadescrição não representa adequada-mente nem mesmo a definição decompetência explicitada no próprioparecer, pois apenas identificar osprocessos determinantes do processode saúde-doença, sem explicitar opor que e como esse conhecimentopode ser mobilizado, articulado,apontando para uma ação assistencialconcreta e situada, não ajuda a refe-renciar a competência para o cuidardesejada.

Para que possa torná-la mais claradeverá ser indicada a necessidade darelação entre os processos determi-nantes e o campo da ação (cuidadodireto, meios diagnóst icos , etc)facilitando a compreensão da açãoprofissional a ser efetivada. Esta, porsua vez, deverá respeitar a especifi-cidade da situação demandada pelocliente, num dado contexto, depen-dendo do nível ass i s tencia l queestiver inserido e da base tecnológicaque estiver disponível ou for neces-sária àquela ação.

Então, será possível avaliar aimportância dessa “identificação”para uma dada competência e propor“situações-meio” que possam estimu-lar sua mobilização.

Portanto, além de conhecer asDiretrizes Curriculares, caberá aosprofissionais-educadores em Enfer-magem estabelecer criticamente suaarticulação com a prática social naqua l e s tá formando os a lunos -atendentes de enfermagem cadas-trados no PROFAE.

Ela não deverá ser ace i ta oureproduzida como uma l i s ta detarefas, pois o conhecimento sobre osdeterminantes é necessariamente

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Formação

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articulado de modo diferente naconstituição das competências decada profissional em saúde.

Há, contudo, uma contribuiçãoque este entendimento pode dar aqualquer uma das formações profis-sionais: fundamentar o entendimentosobre a produção social da saúde. Talcontribuição não será alcançada semque essa relação seja estabelecida.

É preciso, portanto, compreenderos determinantes articulados ao tipode assistência específica que se temque prestar, como parte da basetecnológica que sustenta o trabalho aser realizado. Estas articulações sãodiferentes, são distintas, pois o mesmoconteúdo não se articula da mesmaforma em processos de trabalhosituados em locais, instituições eespecificidades profissionais distintas.

Desse modo, o paradigma (oumodelo ou abordagem) das competên-cias nos “provoca” a ter as capacidadespolítica, pedagógica, técnica e ética dedizer o que elas devem significar parao setor, para as suas práticas especí-ficas. Só então, poderemos dizer qualsistema traduzirá a certificação dacompetência para o cuidar, definidacom base nas novas relações político-pedagógicas recontextualizadas, quedesejamos implementar na EducaçãoProfissional de nível técnico em Saúde.

Nessas bases, é bastante provávelque a formação profissional sejadesafiada a possibilitar ao aluno-atendente a compreensão de que ocuidado implica em ação-reflexão,existindo também diferentes relaçõese ações em cada contexto, ajudando-o a ser reflexivamente competente.

Por isso, torna-se fundamentalpraticar o princípio recontextualizadorinerente ao discurso pedagógico, pararelocar e refocalizar este paradigma, demodo a torná-lo comprometido cominteresses diferentes do contexto de suaprodução.

Possivelmente, a dificuldade paracaracter izar as competências deforma mais articulada na ResoluçãoCNE/CEB 04/99 já esteja demons-

trando o “conflito” entre os diferen-tes conceitos e compreensões existen-tes sobre competência, a predominânciade uma visão fragmentada da relaçãoteoria-prática e do novo paradigmasanitário, dentre outros fatores inter-venientes, retratando a real inexpe-riência coletiva em formular compe-tências para além da perspectivatecnicista e da visão meramente asso-ciativa entre reflexão e ação (Candau,1998).

Estamos destacando este impor-tante papel da recontextualizaçãocrítica porque um dos momentosmais relevantes para a operação doSCC/PROFAE na perspectiva do SUSserá a etapa de normalização dascompetências.

Nessa fase, será preciso olharmuito amplamente para o cuidar eseus cuidados, para não restringi-losaos aspectos técnico-operacionais,enfatizando os meios e não os fins.Para que, na preocupação de valo-rizar os procedimentos, não venha-mos a “des idra tá - lo s” da s sua sdimensões ética, política, cultural esubjetiva, e, principalmente, da suadiversidade frente ao conceito ampli-ado de saúde, negando a capacidadereflexiva requerida também pelaprát ica prof i s s ional em saúde eenfermagem em nível técnico .

Diante do exposto, passamos àpróxima pergunta:

II - Qual conceito de competênciasubsidiará esse sistema decertificação?

Segundo Perrenoud (1999), “nãoexiste uma definição clara e partilha-da das competências”, restando-nosfazer uma escolha. Escolha feita, épreciso explicitá-la.

Com base no que ouvimos acercadas visões do mundo do trabalho eda educação que subs id iaram aformulação do SCC/PROFAE, enfati-zando a construção histórico-socialda competência individual, podemoscompreender melhor que as pessoasnão são competentes do mesmomodo, “por igual”.

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O próprio Perrenoud (id.) nos dizque “se generalizarmos, podemosdizer que uma competência permiteproduzir um número infinito deações não programadas”, signifi-cando a possibilidade de diferentesformas de articular e mobilizar ummesmo conhecimento em momentosmui to d i f e rente s t ambém. Es ta“estranha alquimia” (id. Ibid.) sópode ser exercitada pelo sujeito, ouseja, subjetivamente mobilizada, maspode também ser estimulada pelocontexto, pelos problemas reais aosquais precisa dar respostas.

Se há um campo no qua l o sproblemas reais estão fortementeávidos de enfrentamento competente,esse é o cuidar em saúde. Nele, acompetência profissional dos traba-lhadores de saúde auxi l iares deenfermagem representa um doscomponentes fundamentais para a“revolução qualitativa” desejada.

Contudo, não podemos atribuir-lhes isolada e individualmente aresponsabilidade pela “realizaçãocompetente do Sistema Único deSaúde, pois “(...) existem fortes limi-tes impostos aos trabalhadores denível médio no que tange a uma açãoautônoma, restringindo a práticacriativa e a iniciativa desses atores.Estas restrições revelam a inexistên-c ia de condições bás icas para aexpressão de um dos mais fortesmarcos da competência profissional,que é o ato de assumir responsabili-dades, mobilizado subjetivamente”(Deluiz et al., 2000) e não constran-gido legal ou autoritariamente.

Des se modo, o conce i to decompetência que entendemos serpromotor dessa autonomia respon-sável e que precisa ser praticado noensino e na assistência está baseadona “visão atual do trabalho como‘conjunto de acontecimentos’, comforte dose de imprevisibilidade ebaixa margem de prescrição, aocontrário do que propunham osmodelos clássicos de organização eges tão do t raba lho ( ford i smo,taylorismo, fayolismo)”(Zarif ian

apud Marques, 2000). Esse entendi-mento levou a que fosse feita a opçãoe explicitada a seguinte definiçãosobre competência: “a capacidade(das pessoas) de enfrentar - cominiciativa e responsabilidade, guiadaspor uma inteligência prática (id.)1 doque está ocorrendo e com capacidadepara coordenar- s e com out rosautores para mobilizar suas capacida-des - situações e acontecimentospróprios de um campo profissional”(id. Ibid). Sendo assim, é uma compe-tência humana, que deve contribuircomo produtora de ex i s t ênc ia shumanizadas.

Outro desafio fica então clara-mente enunciado: não caberá nanormalização nem nas demais etapasou metodologias empregadas naoperação do SCC/PROFAE uma visãotarefeira, operacional ou padroniza-dora estreita do cuidado de enferma-gem, em nível técnico. Estamospensando em um homem inteiro,uma mulher inteira, um trabalhadorinteiro, humano e humanizador.

Apesar de aceitarmos tal pers-pectiva, resta-nos perguntar ainda:

III-Competência profissional comoexpressão da competência humana. Oque isso quer dizer?

Queremos dizer que é precisogarantir a competência formal -técnico-científica, mas não só essa,como nos ensina o professor PedroDemo (1994). É necessário entendera complementaridade da compe-tência política para a integralizaçãoda competênc ia humana para ocuidar profissionalizado no SUS. Érequ i s i to para a rea l i zação dac idadan ia do t raba lhador e dousuário do Sistema. Essas dimensõesda competência ajudam a humanizaro conhecimento ao vinculá-lo aosseus fins político-sociais.

1 Inteligência prática: capacidade de articular emobilizar conhecimentos, habilidades, atitudes evalores, colocando-os em ação para enfrentar asituações ( imprevistas ou não) de forma eficientee eficaz. Envolve tanto a dimensão cognitiva(saber) como a compreensiva (relacionar o sabercom o contexto) por isso utiliza os termosarticular e mobilizar ao invés de aplicar.

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Como competência política para otrabalho em saúde entendemos odesempenho ético, comprometido coma vida, com o outro (o colega, a equipe,o usuário), com o trabalho huma-nizado que qual i f ica a referidacompetência formal. A competênciapolítica está voltada para os finshistóricos e revela-se naquelas atitudesque vão além do que um cursocentrado estritamente nas técnicasperfeitas e rápidas possa assegurar, semsignificar de forma alguma a negaçãoda importância das mesmas como parteda competência formal necessária.

Um exemplo simples pode nosmostrar que, sem a mobilizaçãosubjetiva do princípio da responsa-bilidade, uma pessoa poderá ignorar um“pequeno esbarrão na ponta da agulha”quando ninguém estiver olhando;quando a “supervisão” de outrem nãopuder “constrangê-la” a fazer o que étécnica e eticamente correto.

Então , re tomando a lgo qued i s semos in i c i a lmente , não ésatisfatório apenas listar os elemen-tos necessários para identificar osdeterminantes do processo saúde-doença e estará descrita a compe-tência esperada.

Este é apenas um dos conheci-mentos estruturais para a compreen-são do concei to de saúde comoprodução social, que tem inúmeraspossibilidades de articulação com ashab i l idades e spec í f i ca s de cadahabilitação técnica em saúde, quesignifica articular-se também com osseus compromissos ético-políticos.

Por isso, os atores que sistema-tizarão o perfil do egresso que nor-teará a opção curricular de cadacurso deverão ter clareza sobre quetécnico estão falando, e para qualprocesso de trabalho.

Dessas respostas depende, inclu-sive, a seleção dos conteúdos, e nelese s ta rão , f igura t iva ou subs tan-c ia lmente , os determinantes doprocesso saúde-doença.

Então , out ra pergunta surgeprontamente:

IV- O que será certificado?

Como já foi mencionado anterior-mente, o conceito de trabalho noqual o SCC/ PROFAE deseja basear-se “implica na reconceituação daprópria qualificação profissional, quedeixa de ser um ‘estoque de saberes’,para se transformar em ‘capacidadede ação diante de acontecimentos’”(Zarifian apud Marques, 2000).

É importante compreendermosque se t ra ta da cer t i f i cação decompetências formalmente constituí-das pelos egressos, mediante proces-sos escolares; de qualificação profis-sional para profissões regulamenta-das em nível técnico; de um processode sustentação política da EducaçãoProfissional em Saúde que impactarásobre o mercado de trabalho e seusagentes, para que possamos entendera diferença, por exemplo, entre aclientela PROFAE e a clientela doSistema Nacional de Certificação doMinistério da Educação.

Esse sistema quer certif icar osaber tácito, não importando a formacomo foi constituída aquela compe-tência, aquele saber. É voltado parareconhecer experiências comprová-veis, para as quais não existem cursoslegalmente reconhecidos ou regula-mentação profissional. Se, contudo,forem certificadas, permitirão que osseus detentores possam organizaresta “identidade” e usufruir benefí-cios sociais como o de ofertar o seutrabalho, cuja competência está reco-nhecida e amparada formalmente.

O SCC/PROFAE não é voltadopara cer t i f i car o saber tác i to –embora esse saber esteja presente naconstituição de qualquer competên-c i a humana – porque e l e e s tábuscando identificar as competênciasdo egresso de um processo formal einstitucionalizado de educação pro-fissional, para uma profissão tambémregulamentada e que tem um itinerá-rio profissional passível de chegar atéa pós-graduação.

A construção das estratégias paratorná-lo permeável a todos que o

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iniciam a partir do nível de auxiliarde enfermagem também se constituiem um grande desa f io para acomunidade prof i s s iona l e a spolíticas de saúde. O PROFAE estádando um passo importante nessesentido.

Diante do que fo i expos to ,conclu ímos que o importante ébuscarmos def in ir perf i s para aqualificação profissional, consideran-do primeiramente que ela pode edever ser constituída como a cremos- como “coisa de gente” e não detarefeiros - sendo também claramentereconhecida (e a certificação tem estapotencialidade), embora toda compe-tênc ia pro f i s s iona l s e j a s empreprovisória, temporária.

Porém, não podemos esquecer queuma certificação profissional temtambém todas as outras “potencia-lidades” de uma ação de controle domercado sobre as práticas sociais, nocontexto de uma sociedade capita-l ista que busca todo e qualquermotivo para fazer seleção, estabele-cer diferenças, no interesse dos seuscapitais.

Estamos conscientes de que, nessemomento, o sistema de certificaçãode competências do PROFAE é umprocesso em construção, que tem o“chão” das práticas sociais em saúdee educação, a partir de uma perspec-t iva crít ica, para pisar. Estamospi sando caute losamente no quetemos: o conhecimento em enferma-gem, o conhecimento dos atendentes,a história da profissionalização, ahistória dos enfermeiros, a lei doexercício e sua descontextualização,as legis lações educacionais e dotrabalho, a divisão técnica e social dotrabalho em versão pós-moderna,situados numa sociedade capitalista,em meio a políticas de expressãoneoliberal, o que implica em não teruma “receita segura”, mas ter firmezanos referenciais.

Acreditamos que o objetivo dosque estão enfrentando os inúmerosdesaf ios j á ident i f i cados é pos-s ib i l i tar, em termos pol í t i cos e

educacionais, que a educação profis-sional em saúde contribua para queos atores do cuidar compreendam eatuem na complexidade do cuidarcom competência e cidadania. É umacontribuição à utopia da equidade euniversalidade em pleno contexto deglobalização excludente, “pisandocautelosamente” nas mudanças, nasexigências profissionais inegáveis,que, sempre, precisam ser recontex-tualizadas criticamente.

Bibliografia

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I – Introdução

As transformações econômicas,tecnológicas e culturais que vêmocorrendo em todo o mundo estãoprovocando mudanças nos paradigmasde educação e de formação pro-fissional, e vêm suscitando muitos de-bates em relação à qualificação e aoconceito de competência. Há, entre-tanto, muitas dúvidas e controvérsiasconceituais, que trazem dificuldades àgestão governamental e empresarial natomada de decisões relativas às políticasde desenvolvimento de recursoshumanos necessárias para a sustentaçãodo desenvolvimento e para a garantiada igualdade de oportunidades deformação e de emprego.

Em todo o mundo vêm ressur-gindo, em vários setores, os debatessobre a importância da vinculaçãoentre a ofer ta de formação e ademanda de profissionais competen-tes . Ass im, o s i s tema produtivopressiona pela elevação nos níveis dequalificação; as instituições formado-ras, públicas e privadas, buscamatender aos padrões de qualidade,ampl iando as oportunidades deformação e aproximando-se das reais

condições do mundo do trabalho; acomunidade internacional cria ummovimento no sentido da padroni-zação e normalização dos procedi-mentos ocupacionais e do reconheci-mento das competências tácitas dotrabalhador; os órgãos s indicaismanifestam interesse em estabelecera certificação das competências comoum espaço de negoc iação e deampliação do leque de qualificações,com possibilidade de aumentar asoportunidades de emprego para otrabalhador, evitando que o certifica-do sirva de instrumento de exclusão.

As experiências internacionais emsistemas de certificação apresentamuma grande variedade de alternati-vas, com grande diversidade de méto-dos e técnicas de análise, avaliação eelaboração de provas. Também apre-sentam variações na sua forma: orabipartite, ora com predominância dainiciativa dos empregadores, ou doEs tado , ou a inda dos própr iostrabalhadores.

As estratégias para implantação desistemas de cert i f icação tambémvariam de acordo com as tradições decada país, e as diversas metodologias

Artigo PROFAE

Neste artigo é apresentada a metodologia de implementação do Sistema de Certificaçãode Competências do PROFAE. A autora mostra que, para a certificação das competênciasprofissionais dos auxiliares de enfermagem egressos dos cursos oferecidos pelo PROFAE,é dada prioridade ao reconhecimento e à valorização da qualificação real do trabalhador,um conjunto de competências que vão além da dimensão cognitiva. Tais competênciasdevem, ainda, ser passíveis de aquisição e demonstração em todo o território nacional,respeitando as características e padrões regionais.

Certificação de competências

profissionais: o que o PROFAE

está pensando e fazendo

Cláudia Maria da Silva Marques

Coordenadora do Sistema de Certificação de Competências do PROFAE

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Formação

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adotadas para a definição dascompetências (comportamentais, fun-cionais, construtivistas, etc.) merecemser examinadas e recontextualizadas deacordo com cada realidade setorial.

No Brasil, a certificação profis-sional de trabalhadores é um temaque está sendo discutido no SistemaBras i le iro de Cert i f icação 1 e noâmbito do projeto "Avanço Concei-tual e Metodológico da FormaçãoProfissional no Campo da Diversi-dade e da Certificação Profissional",de senvo lv ido pe la Organ izaçãoInternacional do Trabalho (OIT) epela Secretaria de Formação Profis-sional do Ministério da Trabalho eEmprego (SEFOR/MTE).

No âmbito do PROFAE, a organi-zação do Sistema de Certificação deCompetências (SCC/PROFAE) temcomo objetivos: aferir a qualidadedos cursos de qualificação profissio-nal de nível técnico em auxiliar deenfermagem implementados peloProjeto, por meio da avaliação daqualidade das ações realizadas pelostrabalhadores nos vários contextosonde é desenvolvido o cuidado emenfermagem, e induzir um processode implementação de currículosbaseados em competências profissio-nais para as diversas categorias dosetor saúde, especialmente as deenfermagem. Nes te s ent ido , oPROFAE pretende estabelecer, deforma pactuada entre os diferentesatores da área da saúde, critérios eprocedimentos que permitam articu-lar as necessidades dos serviços coma oferta de formação de trabalha-dores de enfermagem, cujas compe-tências e habilidades possam cola-borar para as mudanças requeridaspelo atual estágio de desenvolvi-mento do Sistema Único de Saúde.

Entretanto, o tema da certificaçãode competências é complexo, apre-senta soluções variadas e precisacontinuar a ser discutido, na buscade consensos . Uma ques tão j áacordada entre os atores envolvidoscom a construção do SCC/PROFAEé a de que a certificação não pode

ser exc ludente , ou de ixar decons idera r a d ive r s idade da scondições sócio-político-culturaisbrasileiras, tampouco deve desconsi-derar o necessário desenvolvimentodas competênc i a s humanas decidadania.

Este artigo apresenta a metodo-logia de implementação do SCC/PROFAE. Trata-se de uma apresenta-ção de caráter geral, com a finalidadede indicar para o leitor as referênciascom as quais o SCC/PROFAE estáestruturando suas estratégias deimplantação.

II – Premissas e diretrizes do SCC/PROFAE

A certificação das competênciasprof i s s iona i s dos aux i l i a re s deenfermagem egressos dos cursosimplementados pelo PROFAE buscapr ior i t a r i amente reconhecer evalor izar a qual i f icação real dotrabalhador, compreendida como umconjunto de competências que vãoa lém da d imensão cogn i t i va ,constituindo-se mais no “saber-ser”do que no “saber- fazer ” . Nessesentido, é preciso identificar as com-petências formais e políticas queasseguram a competência humananecessária ao cuidar em saúde e queimpulsionam novas práticas profis-sionais frente aos espaços e atoresenvolvidos na promoção, prevençãoe recuperação da saúde. Tais compe-tências devem, ainda, ser passíveis deaquisição e demonstração em todo oterritório nacional, respeitando-se ascaracterísticas e padrões locais ouregionais.

A construção e a implementaçãodes se s i s t ema têm um cará te rparticipativo e descentralizado, pelamobil ização e envolvimento dosatores sociais interessados nesteprocesso – trabalhadores, emprega-dores , in s t i tu i ções formadoras ,

1. Reformulado pela Resolução 02/97, de 11/12/1997, do Conselho Nacional de Metrologia,Normalização e Qualidade Industrial -CONMETRO, do Ministério da Indústria eComércio, baseado nas atribuições que lhe confereo artigo 3º da Lei 5.966, de 11/12/1997.

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gestores públicos e privados e usuá-rios dos serviços de saúde. Assim,busca-se a permanente negociaçãocom o intuito de obter consensos,valendo-se, ainda, do saber e daexperiência desses mesmos atores so-ciais. É necessário, também, envolvera soc iedade c iv i l , por me io deinformações permanentes e consultaspúblicas, utilizando-se, inclusive, daInternet.

No processo de implementação doSCC/PROFAE é fundamental garantira interdisciplinaridade dos enfoquesteór i cos e prá t i cos e o avançoconceitual-metodológico das ações,pelo monitoramento e aval iaçãopermanente em todos o s s eusmomentos de execução.

Fina lmente , out ra premi s saimportante deste sistema é a garantiade direitos e práticas do direito civil,com atenção especial à promoção daigua ldade de opor tunidades notrabalho e na formação.

III – Processos de implementação doSCC/PROFAE

Para a implementação do sistemaestão, em princípio, estruturados trêsgrandes processos, interligados einterdependentes: a padronização enormat ização; a construção decurrículo baseado em competências ea ava l iação e cer t i f i cação. Ta i sprocessos formam, em termos ideais,uma seqüência de atividades. Naprática, entretanto, seus cronogramasse sobrepõem por meio de uma sériede eventos em paralelo ou em comum.

Padronização e Normatização

Esta fase consiste na construçãoda norma de ce r t i f i cação , cu joconteúdo ind ica os padrões dodesempenho esperado para cadabloco de conhecimentos, habilidadese atitudes. Indica também as situa-ções t ípicas ou crít icas em cadaatividade, associadas aos resultadosesperados e às competências necessá-rias para atingi-los, ponderando suaimportância relativa no conjunto doperfil profissional do auxiliar deenfermagem.

A norma de ce r t i f i cação doauxiliar de enfermagem servirá debase para a construção do currículobaseado em competências e para adefinição das estratégias de avalia-ção , inc lu indo a e l aboração eaplicação das provas.

A elaboração da norma de certifi-cação só é possível a partir da defini-ção, sistematização e validação do perfilde ações do auxiliar de enfermagem.

É impor tante s a l i en ta r, noentanto, que esta proposta de certi-ficação de competências profissio-nais não se refere exclusivamente anormas ou padrões de desempenho.Estes elementos são importantes porsinalizar quais são as atuais exigên-cias em relação à atuação do auxiliarde enfermagem, mas não definemsozinhos as competências que otrabalhador deve desenvolver pararealizar seu trabalho. O que defineas competências do trabalhador é suacapacidade de conhecer a importân-cia e os fundamentos de seu trabalho,atuar em equipe, com responsabili-dade, iniciativa e solidariedade, esaber gerir a qualidade de suas açõesnos vários espaços e contextos ondeele as desenvolve.

A organização do SCC/PROFAEnão dispensou o levantamento dasfunções e ações que atualmente oauxiliar de enfermagem desempenhano seu processo de trabalho. Pelocontrár io, foi s i s temat izado umquadro de referência do seu perfil deações, a partir da análise de docu-mentação pertinente (relatórios doSeminário Nacional de DiretrizesCurriculares para a Educação emEnfermagem no Brasil – SENADEN,do Seminár io Nac ional sobre oEnsino Médio de Enfermagem, deguias curriculares para formação doauxil iar de enfermagem de redebásica e hospitalar, de relatórios dasobservações diretas das atividadesexecutadas pelo auxiliar de enferma-gem em hospitais públicos do Rio deJaneiro e em postos de saúde, ambu-latórios e domicílios do Piauí) e darealização de oficinas de trabalho

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com grupos de enfermeiros-docentes.O levantamento do perfil profissionaldo auxiliar de enfermagem adotouuma metodologia que leva em contaos processos internos da construçãodo conhecimento, não se limitandoàs tradicionais técnicas de análiseocupacional.

A validação deste perfil incluiudi scussão , rev i são , correção ouconfirmação das ações arroladas parao auxiliar de enfermagem. Esta fasese apoiou em pesquisa qualitativa,concretizada com a metodologia degrupos foca i s . A lém de rever econfirmar as ações listadas para oauxiliar de enfermagem, o processode validação indicou as situaçõescríticas que irão integrar as normasde desempenho para a avaliação ecertificação. Entende-se por situa-ções críticas, os eventos decisivos,para os quais a resposta ou reaçãoapropriadas permite avaliar a compe-tência, orientando padrões de desem-penho e fornecendo a base para testesde conhec imentos e spec í f i cos epráticos. No caso do auxiliar deenfermagem, esta é uma tarefa espe-cialmente complexa, já que se tratade uma profissão “crítica” na suatotalidade, na qual ações aparente-mente simples podem implicar emriscos de vida.

Com base no perfil validado ehomologado, elaborou-se o projeto ouminuta de norma de certificação, emque são indicados: o campo deaplicação da norma (áreas de atuaçãodo auxi l iar de enfermagem), osconhecimentos e habilidades neces-sários, incluindo a util ização derecursos tecnológicos disponíveis ouessenciais em cada campo (equipa-mentos, instrumentos, etc.); e asatitudes e comportamentos desejáveis.

O projeto ou minuta de normaserá submet ido à c r í t i ca deespecialistas, de profissionais deinstituições formadoras, representa-ções de trabalhadores e de emprega-dores e, finalmente, com a sistemati-zação de todas as contr ibuiçõesrecebidas, o documento final danorma de certificação do auxiliar de

enfe rmagem se rá produz ido eencaminhado para homologação.

Construção do currículo baseadoem competências

A educação profissional no Brasil,a partir da nova Lei de Diretrizes eBases da Educação Nacional (LDB),valoriza a formação e avaliação porcompetências, a oferta de educaçãoflexível, a vinculação entre oferta edemanda na formação continuada,direcionada tanto para a expansão ediversificação da educação profissio-nal quanto para a reestruturaçãocurricular em competências.

A construção de currículos baseadosem competências pode utilizar dife-rentes metodologias. No caso doauxiliar de enfermagem, não há umaorientação metodológica “pura”, fecha-da. Entretanto, algumas premissas serãoconsideradas na elaboração do currí-culo para a sua formação:

• A norma de certificação, validadae homologada, é a referência para odesenho do currículo e, portanto, esteenfatizará o desenvolvimento decapacidades que, por sua vez, estãoreferidas ao desempenho, ao tratocotidiano com as situações que seapresentam na vida profissional;

• Desenvolver uma capacidade eusá-la em um conjunto de situaçõesnão são processos separados. Aspessoas aprendem ao l idar comsituações, problemas, dilemas darealidade e, assim, o eixo com que seconcebem as relações entre teoria eprática será deslocado da ênfase àteoria como base para a prática, paraa prática como base para a teoria;

• As profissões não são apenas metasa se alcançar. São realidades evolutivasque vão se transformando com o tempo.O currículo deve permitir a constanteatualização e adaptação das formas deatuação profissional;

• O currículo deverá incluir uma pers-pectiva pedagógica que incorpore a utili-zação de técnicas de aprendizagem baseadasna problematização da prática, com pos-sibilidades, inclusive, de utilização das novas

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tecnologias educacionais (vídeo, CD-ROM,Internet, etc.);

• O processo de elaboração docurrículo deverá apontar as necessi-dades de construção de materiaisdidáticos para apoiar as ações deformação;

• O projeto de currículo baseado emcompetência para a formação do auxiliarde enfermagem deverá ser implantadoexperimentalmente, avaliado e revisto noâmbito do PROFAE.

IV- Avaliação e certificação

A base para a construção da pro-posta de avaliação e certificação doauxiliar de enfermagem formadopelo PROFAE, como já mencionadoanteriormente, é a norma de certifi-cação validada e homologada.

O processo de avaliação deverálevar em conta que a configuração deatributos que compõem uma compe-tência profissional é sempre o resul-tado das maneiras peculiares pelasquais as pessoas experimentam asvárias situações que enfrentam, e quea capacidade de uma pessoa é umaqualidade integrada: uma integraçãode conhecimentos, destrezas e quali-dades pessoais usadas efetiva e apro-priadamente em resposta a váriascircunstâncias, familiares ou não. Poroutro lado, as competências de umprofissional de saúde, aplicadas emseu trabalho, devem resultar emtransformação das condições desaúde de uma pessoa ou grupo depessoas. O profissional deve, por-tanto, atuar sobre as condições desaúde do indiv íduo de forma aresponder da melhor maneira pos-sível às suas necessidades e deman-das. Nesse sentido, as competênciasapoiam-se em saberes vastos e explí-citos e são pertinentes a uma amplavar iedade de problemas , j á queincluem possibilidades de abstração,generalização e transferência. Oauxiliar de enfermagem competentepoderá, ao enfrentar uma situaçãosingular e complexa, construir umaresposta adaptada, sem extraí-la,necessariamente, de um repertório de

respostas pré-programadas.

A aval iação das competênciasprofissionais, desta maneira concebi-da, é uma tarefa complexa, especial-mente por que a mensuração dascompetências não se restringe a medirconhecimentos. A estes se agregam ashabilidades e atitudes adquiridas tantoem sistemas formais de ensino comono próprio mundo do trabalho.

Considerando este pano de fundo,pode-se afirmar que o sistema deavaliação a ser proposto pelo SCC/PROFAE terá como desafio suplantaras tradicionais formas de avaliaçãoque vêm sendo aplicadas nos sistemasde ensino. O desenho da proposta deavaliação deverá explicitar:

• A concepção de avaliação ecertificação do SCC/PROFAE;

• As funções do s i s t ema deavaliação e certificação;

• Os critérios e indicadores dequalidade;

• Os instrumentos e técnicas deavaliação que serão utilizados;

• As formas de aná l i s e ,in te rpre tação e d ivu lgação dosresultados relacionados ao alcancedos c r i t é r io s de f in idos para a scompetências;

• O sujeito da avaliação e dacertificação;

• O avaliador e as competênciasque ele deve ter desenvolvidas;

• As “ sa ída s” da ava l i a ção ,assegurando, via formação, processosnão excludentes, do ponto de vistados trabalhadores.

O documento “Propostas paraAvaliação e Certificação das Compe-tências Profissionais do Auxiliar deEnfermagem/PROFAE” contém aexpl i c i t ação des ta s e de outra squestões. Este documento tambémserá analisado por especialistas emprocessos avaliativos e trabalhadoresda área de enfermagem, para poste-rior homologação.

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Para por em funcionamento o seuSCC, o PROFAE optou por imple-mentar um projeto piloto da propos-ta de avaliação e certificação. Nestafa se de t e s t e s , s e rá pos s íve l omonitoramento e a aval iação dapertinência e qualidade dos procedi-mentos, instrumentos e técnicasestabelecidos, e o reconhecimentodas potencial idades e l imites daproposta, o que orientará a adoção eimplantação do sistema em âmbitonacional. Para a execução do projetopi lo to do SCC/PROFAE foramestabelecidas algumas diretrizes, dasquais destacam-se:

• O PROFAE responderá pelomonitoramento e or ientação daoperação do teste;

• O teste será desenvolvido entreegressos dos cursos de qualificaçãoprofissional de nível técnico em auxiliarde enfermagem do PROFAE, realizadosno Estado do Espírito Santo;

• Os egressos que farão parte daamostra serão escolhidos conformeos critérios e parâmetros definidospelo PROFAE;

• A participação dos egressos naamostra é voluntária;

• O teste é a oportunidade deexperimentar as estratégias, procedi-mentos e instrumentos constantes da“Norma de Certificação de Compe-tências”; contudo, não será emitidoo certificado respectivo, nem serãodivulgados os resultados alcançadospe los egre s sos par t i c ipante s daamostra;

• A operação do processo avalia-tivo terá uma equipe de coordenação,constituída por enfermeiros comexperiência comprovada nas áreas deenfermagem pediátrica, enfermagemmédico-c i rúrg i ca , en fe rmagemgineco-obstétrica, enfermagem emsaúde púb l i ca , en fe rmagem emurgência e emergência e biosegu-rança, que receberão os aportes eacompanhamentos da equipe técnicado SCC/PROFAE;

Deverá ser licitada uma agência

para o gerenc iamento e apo iologístico necessários à operação doteste piloto da avaliação.

IV – Estrutura do SCC/PROFAE

Para garantir a coordenação eintegração do SCC/PROFAE estãoconstituídos os seguintes mecanismosinstitucionais, em nível central ediretivo:

• Projeto SCC/PROFAE, quegarante a gestão, coordenação esustentação técnica das ações;

• CCN - Conselho ConsultivoNacional 2 formado por represen-tantes de entidades do governo,trabalhadores e empresários do setor,tanto de estabelecimentos prestado-res de serviços de saúde como deorganismos formadores. O CCN tematribuições de articulação e negocia-ção político-institucional, além daapreciação e homologação de pro-postas e produtos em etapas críticasdo processo;

• CTP - Conselho Técnico Pro-f i s s iona l 3 , constituído por espe-cia l i s tas das diferentes áreas deatuação do auxiliar de enfermagem,junto com técnicos ligados a organis-mos dos trabalhadores, empresáriose entidades formadoras. O CTP atuacomo comitê permanente de espe-cialistas, em diferentes ações de cons-trução, validação, revisão e avaliaçãodos processos.

2. O CCN é integrado por representante doPROFAE (que assume sua coordenação), daSecretaria de Políticas de Saúde do Ministério daSaúde, do Conselho Nacional de Saúde, daAssociação Brasileira de Enfermagem, doConselho Federal de Enfermagem, do ConselhoNacional de Secretários Estaduais de Saúde, doConselho Nacional de Secretários Municipais deSaúde, do Ministério da Educação, do Ministériodo Trabalho e Emprego, da Central Única dosTrabalhadores, da Federação Brasileira deHospitais e da Confederação Nacional dosTrabalhadores da Saúde.

3. O CTC tem a seguinte composição: representantedo SCC/PROFAE (que assume sua coordenação),das áreas de enfermagem em Clínica Médica,Clínica Cirúrgica, Emergência, Saúde Pública,Biossegurança, Materno Infantil, da Coordenaçãode Políticas de Recursos Humanos para o SUS doMinistério da Saúde, do Serviço Nacional deAprendizagem Comercial, da Escola de FormaçãoProfissional da CUT e do Departamento deAtenção Básica do Ministério da Saúde.

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V – Algumas considerações finais

Ao organizar e implementar estesistema, o PROFAE está assumindoque, para certificar as competênciasprofissionais de um trabalhador, nãoé suficiente avaliar apenas o conheci-mento acumulado ao longo dos anosde estudo. É necessário reconhecer osaber em ação, o que permite, em ou-tras palavras, verificar como as pes-soas enfrentam as situações reais detrabalho. A realidade apresenta desa-fios que devem ser compreendidospelo indivíduo, para que ele interajae se comprometa, de alguma maneira,com ela, mobilizando suas capaci-dades para enfrentar tais desafios.

Ass im, ser capaz de dominarsituações de trabalho é distinto de tê-las estudado; e reconhecer que umapessoa é competente é muito mais quedizer que ela estudou e pode dar conta,teoricamente, do que aprendeu.

O SCC/PROFAE, ao apresentar operfil profissional do auxiliar deenfermagem, val idado nacional-mente , o curr í cu lo baseado emcompetências e uma proposta deavaliação e certificação experimen-tada e com possibilidades de serampliada para outras categoriasprof i s s ionais de nível médio dasaúde, acredita estar contribuindopara o desenho de processos forma-tivos mais consistentes e adequadosàs necessidades da prática profissio-nal e, com isso, melhorando a quali-dade dos serviços de saúde prestadosà população.

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Entrevista Nassim Mehedff

Certificação ocupacional:

aproximando formação e trabalho

Em entrevista a Formação, Nassim Mehedff, Secretário de Políticas Públicas deEmprego do Ministério do Trabalho e Emprego, apresenta um panorama da certificaçãoocupacional no mundo e na América Latina, desde suas origens até os dias de hoje. Osecretário aponta a baixa escolaridade da população economicamente ativa como umadesvantagem do Brasil na implantação desse mecanismo. Segundo ele, a certificaçãoocupacional precisa garantir princípios básicos, como a construção participativa, aadoção voluntária e negociada e a associação direta e permanente com a formação,de modo a melhorar a qualidade desta e oferecer alternativas aos trabalhadores, emlugar de excluí-los do mercado de trabalho.

Formação - Qual o significado dacertificação ocupacional no mundode hoje, no contexto internacional?

Nassim Mehedff - Para entender oque a ce r t i f i cação ocupac iona lsignifica hoje, é preciso recuperar umpouco de sua história, de como essetema surge e evolui, inclusive na suarelação com o tema da certificaçãode competências.

O conceito de competência é antigo,já aparece no Dicionário Larousse de1930 e até no ditado popular “quemnão tem competência não se esta-belece”, significando, em síntese, osaber, o conhecimento em ação.

Embora antigo, o conceito decompetência foi retomado e reformu-lado a partir dos anos 1960, emdiversos movimentos, basicamenteem função da busca de maior aproxi-mação entre escola e trabalho, entreaprendizagem e exercício profissio-nal, a partir de uma série de críticasà suposta ineficiência da escola paraa “vida prática”, surgida principal-mente nos Estados Unidos.

Na área de trabalho, em que setrata mais propriamente de certifica-ção ocupacional ou profissional, otema cresceu a partir dos anos 1970por estímulo da Organização Interna-

cional do Trabalho (OIT), no sentidode ajustar a formação profissional aonovo mundo do trabalho, cada vezmais flexível e passando por rápidasmudanças.

A partir dos anos 1980, um novoimpulso: a difusão de programas dequalidade total e normas ISO, desta-cando mecanismos de certificação deempresas, produtos e serviços comobase para o comércio internacional.

Na e s t e i r a de s se s p roce s so s ,diversos países reformularam seussistemas de educação profissional,estruturando-os com base em compe-tências e criando um sistema decertificação correspondente. Os maisantigos e consolidados são os daInglaterra, Escócia e Nova Zelândia.A influência da Inglaterra atingiu oCanadá, mas somente nas provínciascu l tura lmente mai s “ ing le sa s” .França e Alemanha não avançarammuito nesse domínio porque jáoperavam (e continuam) com siste-mas nacionais de qualificação profis-sional muito estruturados, enraizadosdesde a Revolução Industrial ou antesaté, nos modelos de corporações deofícios. A Espanha só nos anos 1990começou a desenvolver ações nessecampo.

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Concretamente, à semelhança doque ocorre com programas de quali-dade total (normas ISO), a certifica-ção ocupacional vem se consolidandoem práticas bem localizadas, emespecial na União Européia. Não sepode falar em “sistemas nacionais decertificação”, embora a literaturamencione “o modelo inglês”, o “mo-delo canadense”. Mesmo quando sefala nesses modelos, são referênciasa entidades ou mecanismos localiza-dos, bem definidos, com foco nademanda do setor produtivo e, emalguns casos, construídos e geridos demodo participativo, envolvendo tra-balhadores, empregadores, formadores.

Nos casos concretos em que existee funciona, a certificação ocupacio-nal tem um duplo significado: de umlado, é como um “selo de qualidade”do prof i s s iona l no mercado detrabalho; de outro, é um mecanismoque alimenta e subsidia a atualizaçãodos sistemas de formação continuada.

F - E no Brasil?

NM - A d i fusão do tema dacertificação ocupacional no Brasil sedeu com mais intensidade a partir dosanos 1980, por meio dos sistemasnacionais de formação (especial-mente Senai e Senac), por sua vezestimulados pela agenda da OIT,difundida na América Latina viaCinterfor 1 , localizado em Monte-vidéu. Não só o Brasil, mas váriospaíses da região – México, Chile,Costa Rica, Uruguai, Colômbia –ativaram o debate em função domesmo estímulo.

A d i fusão dos programas dequalidade total e de adequação anormas internacionais (ISO) tambémcontribuiu para destacar o tema dacertificação de competências poraqui. Assim, como aconteceu namaioria dos países, o Brasil estrutu-rou e implementou processos seto-riais de certificação profissional eocupacional na área de mecânica demanutenção e solda, estando agora aimplementar um sistema para o setorde turismo.

Pode-se dizer que, no Brasil, a

certificação ocupacional, nos setoresem que existe, tem praticamente omesmo significado que assume nocontexto internac ional : se lo dequalidade e subsídio para a formação.

F - Quais as perspectivas, limitese poss ibi l idades da cert i f icaçãoocupacional no Brasil?

NM - É preciso observar que oBrasil entrou nessa arena com umaenorme desvantagem em relação aospaíses industrializados e mesmo aoutros países da América Latina, emespecial Uruguai, Chile, Argentina eMéxico. Enquanto esses outros paísescomeçam a pensar em certificaçãoocupacional para uma populaçãoeconomicamente ativa (PEA) com, nomínimo, 10 a 12 anos de estudo, aquio tema se coloca em um contexto emque a PEA mal atinge 6 anos de estudoe inclui, ainda, quase um terço deanalfabetos absolutos ou funcionais,apesar de todos os progressos que oBrasil teve no campo educacional.

Ou se ja , e s tamos fa lando decert i f icação ocupacional em umcontexto em que a maior ia dostrabalhadores (mais da metade dosmaiores de 16 anos) está aquém da“certificação básica para a cidadania”,que é a educação fundamental (antigoprimeiro grau) e longe do mínimo queo mercado de trabalho exige até paraocupações simples (educação básica,incluindo o antigo 2º grau).

Além disso, o tamanho e adiversidade econômico-cultural doBrasil definem limites bem concretos àidéia de “sistemas de certificação” nopaís. Mesmo países pequenos eintegrados, como a Costa Rica,implantam processos localizados (o daCosta Rica funciona para o setorturismo). Essa deve ser a tendência poraqui: focalização de setores, ocupações.

F - Como se articulam certificaçãoocupacional e educacional no Brasil?

NM - Em 1993, o então Ministérioda Indústria e Comércio criou oSistema Brasileiro de Certificação

1. Centro de Documentação e Informação sobreFormação Profissional.

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(SBC), regido pelo Inmetro2 , com opropósito de definir diretrizes eparâmetros para certif icação deprodutos, serviços e profissionais.Recentemente, o SBC ativou umaComissão de Certificação de Pessoal, daqual faço parte, que está trabalhandonesse sentido.

Com a nova LDB3 , em 1996, oconceito de competência foi incor-porado ao universo educacionalformal do país, existindo no Ministé-rio da Educação (MEC) um projetode educação profissional por compe-tências, no nível técnico, com arespectiva certificação. O projetoestá sendo implementado no âmbitodo PROEP4 , que conta com recursosdo BID e do FAT5 .

Trata-se, a meu ver, de processoscomplementares , que cobremdiferentes faces do mesmo processo,que comporta, ainda, a multiplicidadede ações setoriais existentes ou emimplementação ( tur i smo, so lda ,caldeiraria, manutenção).

O SBC não é órgão executor, masformulador de políticas e diretrizes.O MEC tem um foco preciso: certificacompetências – adquiridas na escolae /ou na prát ica – para f ins deprosseguimento de estudos. O setorprodutivo certifica determinadasocupações e profissões com foco emrequisitos de desempenho específicos– em geral l igados à qual idade,produtividade, segurança no trabalho.

Um país do tamanho, diversidade ecomplexidade do Brasil comporta tudoisso e muito mais. O “muito mais” im-plica, na verdade, um empenho geral –do governo, empresários, traba-lhadores – em promover a “certificaçãobásica” dos trabalhadores, garantindoa universalização da escolaridade básicana PEA.

F - E como se ar t i cu lam osministérios do Trabalho e Empregoe da Educação nessa empreitada?

NM - O MEC tem, pela LDB, umcampo de atuação bem delimitado,no ensino formal. A certificação queestá promovendo abrange apenas a

educação prof i s s iona l de n íve ltécnico e pós-secundária.

O MTE, por meio do PLANFOR6 ,está atuando na qualificação profissionalde nível básico da PEA, estimulando eapoiando, simultaneamente, a erradi-cação do analfabetismo e a elevação deescolaridade.

Ao mesmo tempo, participa doSBC, de modo a garantir que dire-trizes e parâmetros para a certificaçãoocupacional e profissional mante-nham alguns princípios básicos:construção participativa, envolvendotrabalhadores, empresários e forma-dores de um dado setor ou atividadeeconômica; adoção voluntár ia enegociada entre as mesmas partes,mas especialmente entre trabalha-dores e empresários; associação diretae permanente com formação, de modoa melhorar a qualidade desta, mastambém de abrir alternativas aostrabalhadores, em lugar de excluí-losdo mercado de trabalho; custosotimizados, com fontes de financia-mento bem definidas – preferen-cialmente do setor privado, de modoa não onerar fundos públicos nemexcluir os trabalhadores.

F - Qual a importânc ia dacertificação ocupacional para empre-sários, trabalhadores e educadores?

NM - Existe um grande potencialpositivo na certificação ocupacional,tanto para empresários como paratrabalhadores, como por exemplo:aproximar formação e trabalho; flexi-bilizar a formação, orientando itineráriosformativos; reconhecer qualificaçõestáticas, adquiridas na prática, orientartrajetórias ocupacionais, incluindoprocessos de mobilidade horizontal evertical, promoção, salários; melhorar odesempenho profissional e, desse modo,a qualidade de produtos e serviços,tornando o setor produtivo mais compe-titivo no mercado interno e externo.

2. Instituto Nacional de Metrologia, Normalizaçãoe Qualidade Industrial

3. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.4. Programa de Reforma e Melhoria da Educação

Profissional.5. Banco Interamericano de Desenvolvimento

(BID); Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).6. Plano Nacional de Qualificação do Trabalhador.

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A realização desse potencial, noentanto, depende de a certificação serdesenhada, implementada e geridasegundo os princípios acima indica-dos, em especial os de participação enegociação com os trabalhadores, oelo mais frágil e que mais teria aperder nesse processo.

F - Como o Sr. vê a certificaçãoocupacional para a área da saúde,por meio do PROFAE?

NM - Com muito otimismo eentusiasmo, pois se trata de um projetoque eleva a escolaridade ao mesmotempo em que profissionaliza umacategoria vital para todos nós, que é oauxiliar de enfermagem.

Considero que esse projeto seguiuum caminho muito interessante: aqualificação profissional (incluindoensino suplet ivo de 1º grau) deauxiliares de enfermagem começouno PLANFOR, desde 1996. Entre1996 e 1998, o PLANFOR qualifi-cou, em todo o Brasil, mais de 150mil trabalhadores para a área dasaúde, incluindo auxiliares de enfer-magem e agentes de saúde, cominvestimentos da ordem de R$ 30milhões do FAT. Tivemos a honra e oprivilégio de contar, em uma dasformaturas desses profissionais, em SãoPaulo, com a presença e o estímulo doDr. José Serra, que sempre foi umgrande incentivador da qualificaçãoprofissional no âmbito das políticaspúblicas, em bases descentralizadas,mediante parcerias entre o governofederal e outros níveis de governo e,principalmente com a sociedade civil –aliás, um traço fundamental no estilode gestão do Dr. José Serra.

Ao assumir o Ministério da Saúde,o Dr. Serra assumiu e reformatou aqualificação dos profissionais da saú-de, por meio do PROFAE. O Minis-tério do Trabalho e Emprego deixoude promover os cursos por meio doPLANFOR, para tornar-se parceirodo PROFAE. A certificação ocupacio-nal aparece, nesse projeto, como umcomponente associado à formaçãoprofissional e à elevação de escolari-dade dos trabalhadores e trabalha-

doras, o que é não apenas um selo dequalidade para o setor saúde, mas umselo de cidadania para um importantesegmento da força de trabalho.

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Formação – Qual, na sua opinião,a importância da certificação depes soa l dent ro do proces so deavaliação?

Alfredo Lobo - A importância dosprogramas de certificação de pessoalpara mim é muito clara. Quandofalamos hoje em qualidade, sabemosque essa qualidade se obtém atravésdas pessoas. Então, não adianta fazerinvestimentos em tecnologia, emprocessos de gestão, se não fortrabalhada a questão das pessoas queobtêm a qualidade.

F - Que tipo de pessoal está sendocertificado no Brasil, hoje?

AL - No Brasil a certificação depes soa l a inda não ganhou umadimensão muito forte como a quetem, por exemplo, na Europa e nosEUA. Aqui a inda são poucas a socupações inc lu ídas no s i s temaoficial de certificação. Temos progra-mas de certificação para os auditoresdo sistema da qualidade, os profissio-nais de inspeção por ensaios nãodestrutivos e os inspetores de solda-gem. Para estes últimos, a demandade certificação de pessoal surgiu como programa de exploração da baciapetrolífera de Campos. Houve anecessidade de instalar equipamentos

complexos como as plataformas emal to mar, com grandes r i s cosambientais, à vida, à segurança e aopatrimônio. A exploração de petró-leo em águas profundas deu origemao primeiro movimento de certifica-ção de pessoal no Brasil.

F - E no exter ior, qua i s astendências da certificação de pessoalque o Sr. conhece?

AL - No exterior os programas decer t i f i cação de pes soa l que euconheço estão mais centrados na áreade engenharia. Há vários programasna área de soldagem, perfuração,operação de plataformas, operaçãode sondas, de produção.

F - E quais são as tendências paraa certificação de pessoal no Brasil?

AL - Aqui no Brasil, nas discussõesque estamos fazendo no SistemaBras i l e i ro de Cer t i f i cação paraidentificar as necessidades no Brasil,já aparecem muitas demandas porcertificação de pessoal. Por exemplo:o Brasil tá fazendo um movimentoenorme para converter motores agasolina em motores a gás. Então, jáse chegou à conclusão de que apesarda necessidade de certificar o kit deconversão, o processo de conversão,

Entrevista Alfredo Lobo

Sistemas de certificação de

pessoal como instrumentos de

valorização profissional

Em entrevista a Formação, Alfredo Lobo, do Instituto Nacional de Metrologia,Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro), afirma que os programas de avaliaçãode pessoal devem ser processos de melhoria contínua, sem focalizar simplesmente emaprovação ou reprovação. Para Lobo, que é Secretário Executivo do Comitê Brasileirode Certificação, a premissa essencial de um programa de certificação de pessoal éempreendê-lo de forma que os profissionais da categoria a ser avaliada o entendamcomo uma oportunidade de crescimento profissional, de aperfeiçoamento, e não algoque represente uma ameaça de desemprego.

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é fundamental que se certifique oprofissional que vai fazer a conversão,dentro daquela idéia de que quemobtém a qualidade é o homem e não osprocessos de tecnologia. Tem sidoreportados uma série de acidentes deinstalações elétricas prediais, princi-palmente em prédios públicos, comoshoppings. Então há uma demanda porcertificação do pessoal que faz as instalaçõeselétricas, dos bombeiros gasistas, que fazema instalação do sistema de gás do shopping,dos edifícios públicos. Existe uma demandacrescente por certificação de pessoal noBrasil, mas essas demandas estãopredominantemente voltadas para área deengenharia.

F - Essa demanda vem das empresas?

AL - Vem das empresas, vem dascategorias profissionais, vem dasentidades de defesa do consumidor.Por exemplo, essa demanda porcert if icar o profiss ional que fazinstalação elétrica e predial, ela émuito forte nos órgãos de defesa doconsumidor, que percebem que háriscos ao consumidor que adquire umimóvel e pode tê-lo comprometidopor uma insta lação inadequada.Des sa fo rma , a s demandas s ãooriundas de diversas fontes, da defesado consumidor às reivindicações daspróprias categorias profissionais. Nocaso do mecânico que faz a conversãodo motor a gasolina para o motor agás, eles próprios estão demandandoo programa de certificação. Issodemonstra que a certif icação depessoal tem as mesmas vantagens doprograma de certificação comum: elatorna a concorrência justa. O bomprofissional quer se distinguir emrelação aos outros profissionais nomercado, e por um programa dereconhecimento competente ele sedistingue.

F - Falando em concorrênciajusta, como é que o senhor analisa aquestão da certificação num país debaixa escolaridade como o nosso. Emoutros países, como o senhor sabe,essa agenda surge quando já estãoresolvidos os problemas do analfabetis-mo e da educação básica. Como se podecombinar estes dois fatores?

AL - Esse é, sem dúvida alguma,um problema crítico no Brasil, queafeta todo o campo da qualidade. Aescolaridade média do Brasil é dequatro anos no ensino fundamental,ao passo que na Argentina são 10anos, no Chile 12 anos. Isso faz umadiferença danada, dentro da idéia deque quem obtém qualidade são aspessoas e não os processos, nem atecnologia, nem as máquinas. Esse éum fator assustador que nós temosenfrentado no Brasil.

Bom, o ideal é que esse problemanão existisse. O que se está fazendonesses programas de certificação depessoal é compensar uma eventualbaixa escolaridade com uma boahabilidade decorrente da experiênciaprática. Por exemplo, nos programasde cert i f icação de inspetores desoldagem e inspetores de ensaios nãodestrutivos, há requisitos diferencia-dos. Ou seja, se o profissional tem o2o grau completo, se exige dele umdeterminado tempo de experiência,três anos. Se ele só tem o 1o graucompleto, já é exigido dele um maiortempo de experiência. Se ele só temos quatro primeiros anos do ensinofundamental, o nível de exigência emtermos de experiência é muito maior.É isso que se está fazendo pra evitaralijar do mercado esses profissionaisque não têm o dev ido n íve l deescolaridade.

O ideal é que esse problema nãoexist i sse , i s so é um entrave aosprogramas de certificação. A questãoda baixa escolar idade média doprofissional brasileiro é um problemagrave. Contudo, acho que ao mesmotempo o problema sinaliza para aimpor tânc ia de programas decertificação que sejam indutores demelhorias contínuas. É esse mecanis-mo que temos observado nas empre-sas. Por exemplo, a Siderúrgica deTubarão, no Espírito Santo, estáfazendo um esforço grande de treina-mento do seu pessoal de manutenção,e os submeteu a um processo decertificação. Aí identificaram quemuitos de seus profissionais nãoconseguiram êxito na certificação por

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conta da baixa escolaridade. Agora,e l e s e s t ão inves t indo em umprograma de treinamento, de capaci-tação de pessoal. Em resumo: a baixaescolaridade é um entrave, mas aomesmo tempo valoriza os programasde certificação.

F - Quanto custa um processo decertificação e quem é que paga? Quala visão do senhor que tem umaexperiência internacional sobre estetema e o que a gente pode aprenderaqui no Brasil?

AL - Eu não sei se a gente podeter uma visão generalizada sobre oscustos e financiamento dos progra-mas de certificação, depende muitode cada programa. Um programapara certificar um auxiliar de enfer-magem com certeza não pode ter omesmo tratamento que um programapara certif icação de pessoal quetrabalha em empresas que prestamserviços e faturam com produtos. Nosegundo caso, eu não tenho dúvida,quem tem que pagar é o se torprodutivo. Acho que o Estado nãotem que pagar nada, o Estado jácumpriria o seu papel induzindo acriação de um programa de certifica-ção e não tem que assumir o ônus dacertificação. Quem tem que assumiro ônus da certificação é o setor pro-dutivo, nesse caso. No caso especí-f ico do PROFAE , vemos que osauxiliares de enfermagem certifica-dos vão para hospitais públicos ouprivados. Não acho justo que oprofissional pague pela certificação.Quem tem que pagar é o Estado, emse tratando do prof i s s ional quetrabalha para o Estado, ou o setorprodutivo, para quem trabalha emhospital privado. O hospital é um dosgrandes beneficiados com os progra-mas de certificação, pois a melhorado auxiliar de enfermagem é a melho-ra na qualidade dos serviços, conse-qüentemente, o hospital vai ganhar,e nada mais que justo que ele pague.

Não sei até que ponto teria umafórmula gera l para t r a ta r e s saquestão. Mas a nossa filosofia lá noInmetro é a seguinte: o Estado sópaga aquilo que é inerente ao Estado.

Por exemplo, fiscalizar: é papel doestado fazer a fiscalização, isso nósnão cobramos, agora a certificaçãodo produto, quando estamos agre-gando valor ao produto, quem pagaé o produtor.

Sobre a questão do financiamentodesses programas de certificação, temosconseguido alguns recursos com oBanco Interamericano de Desenvolvi-mento (BID). Na área de pessoaltambém é possível obter recursos doFundo de Amparo ao Trabalhador(FAT). Temos procurado dar umimpulsionamento financeiro aos nossosprogramas para que eles se tornemauto-sustentáveis e aí aplicamos oconceito que eu falei há pouco: o que édo Estado, o Estado cumpre sem cobrare o que não é do Estado, o Estado cobra.No meu entendimento, se um programade certificação de pessoal envolveprincipalmente o setor privado, o setorprivado tem que pagar por isso, poisestá agregando valores aos seusprodutos e serviços.

F - O senhor disse que a Abraman,depois de 10 anos, está chegando acertificar 500 profissionais por ano,que é uma escala considerável. Quedicas o senhor nos dá para chegar-mos a certificar 250 mil auxiliares deenfermagem, em um tempo bem maisexíguo?

AL – A primeira dica é tornar oprograma atrativo, tanto para oprofissional quanto para o emprega-dor. Porque se o profissional nãoidentificar que o programa é umaoportunidade para ele em termos devalorização, de reconhecimento, destatus, ele não vai aderir. O primeirodesa f io é .popr tanto , tornar oprograma atrativo. Agora, o PROFAEtem que estar muito atento para aquestão da infra-estrutura, porquefazer e manter a certificação de 250mil profissionais de uma categoriaprofissional qualquer é um esforçodescomunal. Eu diria que a soluçãopara i s so é t r a ta r i s so comoespec ia l i zados , s eparados , o sprogramas de t re inamento e deaval iações , e es tes serem, tantoquanto possível, descentralizados,

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para diminuir o custo e dar agilidadeao programa.

F - Em sua opin ião, qual aperspectiva de integração ao SistemaBrasileiro de Certificação de umprocesso dirigido a profissionais darede hospitalar?

AL – Bem, ele tendo se desenvol-vido numa mesma base filosófica doSistema Brasileiro de Certificação(SBC), não há nenhum problema delemigrar para o SBC. Tenho dúvida sevale a pena fazê- lo de imediatodentro do SBC. Acho que o novos i s t ema dever ia s e r implantadoexperimentalmente, e, à medida queele for crescendo e for se tornandosustentável, o PROFAE vai ter maisdados e fatos para avaliar se vale apena ou não migrar para dentro doSBC. Da mesma forma, tenho dúvidase o SBC teria condições de iluminar,de apoiar, de articular-se com umprograma desses. Para que ele ganheagilidade, eu julgo que seria desejávelestudar um caminho para que elemigrasse para dentro do SBC porconta do reconhecimento.

Felizmente dentro da sociedadebrasileira hoje, há uma imagem muitoboa dos programas de certificação.Então, o fato dele estar inseridodentro do SBC daria visibilidade ecredibilidade de imediato. Há umreconhecimento muito grande hojena comunidade internacional emrelação ao esforço que se faz noBrasil no campo da avaliação daconformidade. O Brasil está hojeentre os dez primeiros países domundo no campo de metrologia eavaliação da conformi-dade, ou seja,um programa des se s , e s t andoinserido no sistema nacional, nomínimo ele ganha mais visibilida-dee credibilidade, na medida que ele ford ivu lgado ou perceb ido pe lasociedade no Brasil e pela comunida-de internacional.

F - Como o Sr. vê a iniciativa decertificação de profissionais da redehospitalar?

AL - Um aspecto que me chamoua atenção é o seguinte: certificação

de competência nos moldes que vocêsestão idealizando eu não conheçoexperiência semelhante no Brasil emnenhum setor, o que torna o pro-grama de vocês inédito, se distinguedos demais. Não basta avaliar conhe-cimento, avaliar habilidade, o ideal é quevocê avalie competência. Isso é umaspecto que distingue o programa doPROFAE dos demais. Uma outra sugestãoque eu daria além desse de ser umprocesso e não um exemplo pontual, deser foco no desenvolvimento na melhoriacontínua e não em aprovar ou reprovar,é pensar na introdução de uma fer-ramenta semelhante ao programa daAbraman, essa entrevista pedagógica, emque mais do que aprovado ou reprovado,o profissional tem uma visão dos seuspontos fortes, das áreas que ele podemelhorar, então acho isso fundamentalpara dar sustentação, para tornar oprograma atraente face aos candidatos.Uma outra coisa fundamental, essesprogramas de certificação de pessoal têmque ser absolutamente isentos, têm queser justos, é fundamental que sejamisentos e justos.

F - Isentos em relação a que, emque sentido?

AL - Nenhuma das par te senvolvidas pode ter influência. Temque ser um programa absolutamenteneutro, ou seja, se eu tive o reconhe-cimento da minha competência, éporque eu efetivamente a tenho, seeu não tive o reconhecimento, éporque eu não a t enho, i s so éfundamental para dar sustentabi-lidade a um programa desses. Pensarmui to na sua concepção nes sa spre s sões p s i co lóg ica s a que ocandidato está naturalmente sendosubmetido quando ele sabe que estásendo avaliado. É a vaidade pessoaldele: o que vou dizer a meu filho,minha família, que sabem que estoupassando por um processo desses? Acobrança é muito grande.

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